Resenha Lutar Com Palavras

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Isteferson Rosa de Melo ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 199. No livro "Lutar com palavras: coesão e coerência", a autora, a doutora em linguística Irandé Antunes, aborda um tema de suma importância tanto para criação quanto para compreensão de textos, no caso a coesão e coerência, mas que há muito tempo encontra-se confuso na mente de estudantes, não estudantes e até de professores, o que demonstra claramente a deficiência na forma como tratamos o estudo da nossa língua materna. O livro é dividido em onze capítulos nos quais ela discorre acerca do tema, sempre utilizando-se de muitos exemplos das mais diversas fontes, a utilização de tabelas e notas de rodapé, bem como uma linguagem simples e didática, o que facilita muito a exposição e elucidação dos conceitos propostos no livro para uma vasta gama de pessoas, sejam estudiosos da área ou não. No primeiro capítulo, "O estudo da língua", Antunes levanta algumas questões ligadas ao estudo do português, no qual acentua que isso ocorre sem muito estímulo à leitura e sem uma carga horária satisfatória voltada para o desenvolvimento de textos representativos e condizentes com as necessidades diárias, dentro ou fora das escolas. Evidencia a falha latente das instituições de ensino quanto

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Resenha do livro Lutar com Palavras

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Isteferson Rosa de Melo    

ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência.

São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 199.  

  

No livro "Lutar com palavras: coesão e coerência", a autora, a doutora em

linguística Irandé Antunes, aborda um tema de suma importância tanto para criação

quanto para compreensão de textos, no caso a coesão e coerência, mas que há muito

tempo encontra-se confuso na mente de estudantes, não estudantes e até de professores,

o que demonstra claramente a deficiência na forma como tratamos o estudo da nossa

língua materna. O livro é dividido em onze capítulos nos quais ela discorre acerca do

tema, sempre utilizando-se de muitos exemplos das mais diversas fontes, a utilização de

tabelas e notas de rodapé, bem como uma linguagem simples e didática, o que

facilita muito a exposição e elucidação dos conceitos propostos no livro para uma vasta

gama de pessoas, sejam estudiosos da área ou não.  

No primeiro capítulo, "O estudo da língua", Antunes levanta algumas questões

ligadas ao estudo do português, no qual acentua que isso ocorre sem muito estímulo à

leitura e sem uma carga horária satisfatória voltada para o desenvolvimento de textos

representativos e condizentes com as necessidades diárias, dentro ou fora das escolas.

Evidencia a falha latente das instituições de ensino quanto ao modo com que abordam a

instrução das habilidades de escrever, colocando em primeiro plano a oralidade e a

utilização de frases soltas em detrimento das inúmeras possibilidades de utilização e

estudo do texto como um todo. Dando continuidade ao capítulo, Irandé lança luz sobre

o que é o processo de escrever, no qual ela descreve como sendo uma atividade de

intercâmbio verbal, uma ação cooperativa que deve estar contextualizada e munida de

propósito para que se obtenha determinado fim e, consequentemente, tematicamente

orientada e respeitando a ideia central, além de conter especificidades pragmáticas.

Deixa claro o motivo pelo qual o texto deve ser tratado como o cerne do estudo da

língua ao afirmar que "O texto, falado, ouvido, lido e escrito é que constitui, na verdade,

o objeto de estudo das aulas de língua". Pontua categoricamente as características

destacadas do texto como sendo a coesão, a coerência, a informatividade e a

intertextualidade. 

No capitulo seguinte, "A coesão do texto", esclarece que a coesão é "[...] essa

propriedade pela qual se cria e se sinaliza toda espécie de ligação, de laço, que dá ao

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texto unidade de sentido ou unidade temática." O capítulo três introduz as relações

textuais vitais para que se obtenha a famigerada coesão. São

elas: reiteração, associação e conexão. Essas relações só são possíveis através de vários

procedimentos (repetição, substituição, seleção lexical e conexão sintático-semântica)

que, por sua vez, dependem de recursos diversos (paráfrase, paralelismo, repetição

propriamente dita, substituição gramatical, substituição lexical, elipse, seleção de

palavras semanticamente próximas e usos de diferentes conectores). No capítulo quatro,

"Procedimentos e recursos da coesão", a autora lista esses procedimentos e recursos ao

nível introdutório, o que achei muito didático, para depois, nos capítulos seguintes, do

quinto ao oitavo, abordar de forma mais profunda e explicativa de como podemos fazer

isso, textos com amarras firmes e que perpasse todo o texto dando liga à ideia central.

Vale ressaltar que para se ter um texto coeso amarrado à sua coerência, não se faz

necessário utilizar vários desses recursos, com apenas um pode-se ter sucesso

nessa tarefa.  

O nono capítulo, "A coesão, o léxico e a gramática", aborda o entrelaçamento

entre esses elementos. Mostra como ainda trabalhamos de forma arcaica o ensino da

gramática, tida como uma ferramenta de restrição, algo que serve para que não erremos,

ao invés de sua verdadeira utilidade. "[...] um conjunto de possibilidades que regulam o

funcionamento de uma língua, para que ela se efetive socialmente", eis a sua verdadeira

face. Não podemos juntar palavras a nosso bel-prazer, o que nos convence que não

existe texto sem gramática, mas não podemos também fazer texto algum usando apenas

a gramática, as palavras e suas regras são a armadura, porém existe uma essência que

transcende essa armadura que a reveste. Ao léxico é atribuída a imagem de um conjunto

de palavras que utilizamos para representar o que queremos dizer, ou seja, o vocabulário

é mistificado como se fosse uma entidade presente nos dicionários e separado do texto.

De forma inspirada a autora afirma que “[...] o uso de determinadas palavras pode

funcionar como estratégia textual de armar a construção que se pretende realizar”,

retirando assim o véu que encobre e turva a visão acerca do léxico. 

No décimo capítulo, “A coesão e a coerência”, Antunes utiliza-se de um poema

de autoria desconhecida onde é possível subir a porta e fechar a escada, tirar as orações

e recitar os sapatos bem como desligar a cama e deitar-se na luz. Tudo isso graças a um

beijo de boa noite. “Seria esse texto incoerente?”, indaga a autora. Esse questionamento

me remeteu a um trecho do livro "A importância do ato de ler: em três artigos que se

completam", do nosso patrono da educação, Paulo freire, que diz:

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A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a

posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura

daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão

do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das

relações entre o texto e o contexto. (Freire, 1989, p. 9) 

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura

desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se

prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica

implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (Freire, 1989, p. 9)  

Tendo em vista essas concepções, podemos responder em tom altissonante para

a autora: sim, o poema é coerente! Graças ao nosso conhecimento de mundo podemos

inferir como se sentem dois amantes ao se beijarem e, com isso, podemos chegar à fonte

da mensagem do poema. 

Finalizando o livro, ela encerra com uma mensagem clara de que não podemos

restringir aos professores de gramática ou aos profissionais da área de letras as questões

linguísticas citadas em todo o livro. A verdadeira aprendizagem da língua se dá através

do estudo dos textos, onde todos, independente de dom, podemos produzir, desde que

não deixemos com que a luta seja vã.