Resenha o Mito Fundador

download Resenha o Mito Fundador

of 5

Transcript of Resenha o Mito Fundador

  • 7/30/2019 Resenha o Mito Fundador

    1/5

    REVISTA INTER-LEGEREWWW.CCHLA.UFRN.BR/INTERLEGERE

    BRASIL: MITOFUNDADORESOCIEDADEAUTORITRIA1

    BRAZIL: FOUNDATIONALMYTHANDAUTHORITARIANSOCIETY

    Autora: Marilena ChauResenhado por: Winifred Knox2

    Marilena Chau nasceu em So Paulo, em 1941, cursou Filosofia e fez

    mestrado na Universidade de So Paulo (USP); doutorou-se na Frana, defendendo

    tese em 1971; em 1977 aconteceu a defesa de sua tese de livre docncia. Em 1987,

    fez concurso e tornou-se professora titular de Filosofia da USP. membro fundador

    do Partido dos Trabalhadores (PT) desde a dcada de mil novecentos e oitenta. A

    autora tem tambm participado ativamente das discusses sobre educao e cultura

    em algumas gestes do PT, inclusive na atual, do presidente Luiz Incio Lula daSilva.

    Elaborar resenha de um de seus livros uma tarefa ousada, pois Chau tem

    se notabilizado por sua capacidade de escrever sobre complexas questes

    filosficas, trazendo fundamentos bsicos de Filosofia para iniciantes na arte do

    pensamento dessa cincia. Isto denota sua capacidade de escritura. O que

    Ideologia, um de seus livros com mais de cem mil cpias vendidas, e Convite

    Filosofia soos que mais a popularizaram. Mas, Chau tem escrito tambm sobre

    1CHAU, Marilena. Brasil, Mito Fundador e Sociedade Autoritria. 4. ed. So Paulo:Fund.Perseu Abramo, 2001.103 p.2Winifred Knox, mestra em Sociologia pelo IFCS/UFRJ e doutoranda do Programa de Ps-Graduaoem Cincias Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do NorteEndereo: rua Tilpia n. 19, Ponta Negra, Natal/RN, CEP 59090750. Tel.: (84) 32364746 e (84)99872514.e-mail: [email protected]

    1

  • 7/30/2019 Resenha o Mito Fundador

    2/5

    poltica, cultura popular e democracia, alm de outros temas, tendo dois grandes

    trabalhos filosficos/acadmicos sobre Merleau Ponty e Espinosa.

    A coleo Histria do Povo Brasileiro, criada em fins do sculo XX pela

    Editora Perseu Abramo, tem como objetivo trazer uma viso abrangente e

    alternativa da histria brasileira, buscando combinar rigor e linguagem acessvel

    sobre temas de relevncia, como em Brasil: Mito Fundador e sociedade autoritria,

    que um dos volumes da coleo e serve como exemplo de trabalho questionador

    sobre o pensamento social e histrico brasileiro. Outros volumes j lanados

    tambm se destacam, dentre os quais: Afogados em leis: a CLT e a cultura poltica

    dos trabalhadores brasileiros, de John French, e O imprio do Belo Monte: vida e

    morte de Canudos, de Walnice Nogueira Galvo.

    Brasil: Mito Fundador e sociedade autoritria de Marilena Chau pretende

    chegar ao cerne de nossas questes mais profundas, enquanto brasileiros e, como

    povo/nao, com formao sociopoltica bem caracterstica. Este livro foi escrito no

    momento em que o pas pensava em festejar 500 anos de descobrimento. No

    entanto, a autora inverte a questo indagando ao leitor sobre o que realmente se

    deveria comemorar naquele quinto centenrio de descobrimento.

    Para ela, o mito fundador do Brasil, revestido de diversas formas no

    pensamento social, ao longo da historia brasileira fornece a base para as

    comemoraes, porm trata-se de uma criao ideolgica formulada para impor

    uma viso de mundo que beneficia alguns poucos brasileiros.

    Ento, j no primeiro captulo, Com f e orgulho, a autora explica a idia de

    mito que a est guiando na elaborao do livro. O mito entendido no s no

    sentido etimolgico do termo (mythos narrao pblica de feitos lendrios de uma

    comunidade), mas tambm em sentido antropolgico, como uma espcie de

    narrativa utilizada para explicar, entender, ou ainda justificar determinada realidade,

    soluo imaginria para tenses, conflitos e contradies que no encontramcaminhos para serem resolvidos no nvel da realidade. (p. 9).

    Neste sentido, o mito pode ser compreendido na ideologia, ou seja, atravs

    das idias produzidas com intencionalidade clara de mascarar a verdadeira situao

    de uma dada realidade. Chau mostra uma srie de esteretipos produzidos pelo

    pensamento social atravs da literatura, dos escritos acadmicos/cientficos, dos

    2

  • 7/30/2019 Resenha o Mito Fundador

    3/5

  • 7/30/2019 Resenha o Mito Fundador

    4/5

    Desde 1980, no entanto, as noes de nao e nacionalidade se deslocam

    para o campo das representaes j consolidadas, servindo para legitimar nossa

    sociedade autoritria, e neste contexto que a autora critica o semiforo construdo

    como: Brasil 500 anos.

    Nos captulos seguintes, a autora reflete sobre as vrias formas que o

    semiforo Brasil se firma do sculo XIX ao sculo XX. O verde-amarelismo, no

    terceiro captulo, tratado via imagem celebrativa do pas essencialmente agrrio,

    imagem construda pela classe dominante brasileira que incorpora as idias do

    Brasil colnia de explorao. Contudo, observa que, a partir de meados do sculo

    XX, o verde-amarelismo, criado pelas elites, re-significado e passa a operar como

    compensao imaginria para a condio perifrica e subordinada do pas. assim

    que o semiforo nao, atravs do verde-amarelismo, nada mais faz do que manter

    o mito fundador do Brasil.

    Outra forma de construo e formao do semiforo Brasilse d atravs da

    produo intelectual de sua elite, assunto abordado no captulo quatro Do IV ao V

    centenrio. Nesta direo, ela faz uma anlise de trabalhos de alguns intelectuais,

    tais como: Afonso Celso (Visconde do Ouro Preto) em Porque me ufano de meu

    pas; Euclides da Cunha em Os Sertes; Slvio Romero em O Carter nacional, As

    origens do povo brasileiro e a Histria da literatura brasileira. Analisa tambm

    algumas instituies, dentre as quais: o Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro

    (IBGE), criado em 1838, que desde ento tem a tarefa de oferecer ao pas um

    passado glorioso e um futuro promissor(p.50) e esta vem sendo realizada.

    Em seu ltimo captulo O Mito Fundador, Marilena Chau discorre sobre a

    forma como foi produzido o mito fundador do Brasil. Primeiramente, relacionado

    Natureza, pois funda-se nela, desde o descobrimento doBrasil, em 1500, atravs da

    idia do Paraso na Terra, o Topos do Oriente como o Jardim do den, o que nos

    lana para fora do mundo da histria concreta.Nessa perspectiva, a servido voluntria a forma de explicao, como

    tambm a justificativa da escravido de negros e ndios pelas elites, pelo

    mecanismo da naturalizao da escravido no Brasil Colnia.

    A segunda forma teria sido a sagrao da histria pela divinizao dos

    governantes, que representam Deus, e no dos governados. O direito divino dos

    reis, juntamente com a sagrao da histria, pela concepo de tempo judaico-

    4

  • 7/30/2019 Resenha o Mito Fundador

    5/5

    cristo adotada, na qual tudo est determinado por Deus. Essa forma acaba por

    destituir os sujeitos de sua subjetividade e ao. Assim, o mito engendra uma viso

    messinica da poltica que possui como parmetro o ncleo milenarista do embate

    csmico final entre a luz e a treva, o bem e o mal, de sorte que o governante ou

    sacralizado (luz e bem) ou satanizado (treva e mal).

    Na concluso, Comemorar?, a nfase d-se pela dvida. O ttulo j sugere

    contundente desfecho da autora que faz, por conseguinte, uma reflexo sobre a

    sociedade brasileira. Fortemente verticalizada, e homogeneizadora das diferenas,

    em verdade, contraditoriamente retrica, a sociedade brasileira vem impedindo as

    diferenas enquanto realizaes das subjetividades ou como alteridade. No h,

    finalmente, segundo Marilena Chau, motivos ufanistas para comemorao do: Brasil

    500 anos.

    Pontuamos ainda que existem diferentesinterpretaes realizadas por outros

    autores sobre a miscigenao das raas no Brasil, que o colocam como terra de

    mestiagem, no sentido positivo, afirmativo da identidade social. No entanto, o ponto

    de vista adotado por Chau, neste livro, sobre a formao social do povo brasileiro,

    mostra que o debate ainda suscita uma profunda reflexo da qual longe estamos de

    esgot-la plenamente nesta resenha.3

    Portanto, reafirmamos que o livro, por sua linguagem acessvel e

    argumentao veemente, fornece subsdios fundamentais para uma reflexo sobre

    questes que se encontram fecundas ainda no pensamento social brasileiro.

    Todavia, um livro que poderamos considerar indispensvel a estudantes e

    professores e a todos que desejarem refletir acerca das razes do Brasil.

    3 Sobre as expresses assinaladas cf. Souza Filho, A. Brsil: Terre de mtissages, Paris,PUS,2003 e sobre o assunto cf. SOUZA, J.A Modernizao Seletiva. Uma reinterpretao dodilema Brasileiro.Braslia: EdUnb, 2000.

    5