responsabcivilactomedico1996julho2014

24
Gabinete dos Juízes Assessores - Assessoria Cível A responsabilidade civil por acto médico na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça (Sumários de Acórdãos de 1996 a Julho de 2014)

description

gfhf

Transcript of responsabcivilactomedico1996julho2014

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    A responsabilidade civil por acto mdico

    na jurisprudncia das Seces Cveis do

    Supremo Tribunal de Justia

    (Sumrios de Acrdos

    de 1996 a Julho de 2014)

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    3 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    NOTA INTRODUTRIA

    Estamos hoje perante uma sociedade particularmente sensvel aos interesses dos

    consumidores e mais exposta aos riscos e aos danos, o que nos conduz a modelos de

    responsabilidade aplicveis ao exerccio de certas actividades consideradas perigosas.

    Em matria de responsabilidade civil por actos mdicos tem-se entendido que a actuao do

    mdico, e o no cumprimento pelo mesmo dos deveres de cuidado e proteco a que est

    obrigado pode ser causa de responsabilidade, tanto contratual (na medida em que viola

    deveres laterais a que est contratualmente obrigado), como delitual (na medida em que a

    referida violao representa igualmente um facto ilcito extracontratual), podendo inclusive

    ser causa simultnea das duas apontadas modalidades de responsabilidade civil.

    Passada mais de uma dcada sobre a proposta de Directiva Comunitria relativa

    responsabilidade do prestador de servios, impe-se um priplo sobre a actividade decisria

    do Supremo Tribunal de Justia nesta matria, no que concerne dicotomia obrigao de

    meios versus obrigao de resultados, com especial acuidade nos casos de cirurgia esttica,

    problemtica da responsabilidade prevalecente e a qual deve o lesado recorrer quando a

    violao configure no s um ilcito contratual, mas igualmente extracontratual, questo da

    prova e da repartio do seu nus, ligao positiva entre a leso e o dano e ao consentimento

    esclarecido e mbito do dever de informao.

    A actualidade, cada vez mais presente, do tema e a riqueza da actividade decisria do

    Supremo Tribunal de Justia justificam s por si, se outras razes no houvessem, a

    elaborao do presente caderno temtico.

    Finalmente, de salientar que, no obstante todo o cuidado colocado na elaborao dos

    sumrios que se seguem, a utilizao destes no dispensa a consulta do texto integral da

    deciso a que os mesmos dizem respeito.

    Novembro de 2010

    Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    5 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    A responsabilidade por acto mdico

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    7 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    Responsabilidade mdica - Responsabilidade contratual - Responsabilidade extracontratual -

    Danos no patrimoniais - Direito vida - Direito no existncia

    I - A nossa lei no prev, no que toca responsabilidade mdica, casos de responsabilidade objectiva,

    nem casos de responsabilidade civil por factos lcitos danosos - tal responsabilidade assenta na culpa.

    II - Na actuao do mdico, o no cumprimento pelo mesmo dos deveres de cuidado e proteco a que

    est obrigado, pode ser causa de responsabilidade contratual, na medida em que viola deveres laterais

    a que contratualmente est obrigado, mas tambm de responsabilidade delitual, na medida em que a

    referida violao represente igualmente um facto ilcito extracontratual.

    III - Embora com limitaes (desde logo as que resultarem de eventuais acordos das partes, dentro do

    princpio da liberdade contratual), tem-se entendido que o lesado poder optar pela tutela contratual ou

    extracontratual, consoante a que julgue mais favorvel em concreto.

    IV - Ocorrendo a violao ilcita de um direito de personalidade ( vida ou integridade fsica) na

    execuo de um contrato, os danos da decorrentes assumem natureza contratual, mas a

    admissibilidade da reparao de tais danos ter que sofrer restries, sob pena de se poder gerar

    incerteza no comrcio jurdico; um dos possveis critrios limitativos poder ser o de atender

    especial natureza da prestao e s circunstncias que acompanharam a violao do contrato, e ter

    que estar em causa uma leso de bens ou valores no patrimoniais de gravidade relevante.

    V - No contrato de prestao de servios que o mdico celebra (contrato mdico), existe como

    obrigao contratual principal por parte daquele a obrigao de tratamento, que se pode desdobrar em

    diversas prestaes, tais como: de observao, de diagnstico, de teraputica, de vigilncia, de

    informao; trata-se, por regra, de uma obrigao de meios, e no de resultado, devendo o resultado

    a que se refere o art. 1154 do CC ser interpretado como cuidados de sade.

    VI - No h conformidade entre o pedido e a causa de pedir se o autor pede que os rus - mdico e

    clnica privada - sejam condenados a pagar-lhe uma indemnizao pelos danos que lhe advm do facto

    de ter nascido com malformaes nas duas pernas e na mo direita, com fundamento na conduta

    negligente daqueles, por no terem detectado, durante a gravidez, tais anomalias, motivo pelo qual os

    pais no puderam optar entre a interrupo da gravidez ou o prosseguimento da mesma - o pedido de

    indemnizao deveria ter sido formulado pelos pais e no pelo filho, j que o direito ou faculdade

    alegadamente violado se encontra na esfera jurdica dos primeiros.

    VII - O direito vida, integrado no direito geral de personalidade, exige que o prprio titular do direito

    o respeite, no lhe reconhecendo a ordem jurdica qualquer direito dirigido eliminao da sua vida.

    VIII - O direito no existncia no encontra consagrao na nossa lei e, mesmo que tal direito

    existisse, no poderia ser exercido pelos pais em nome do filho menor.

    19-06-2001 - Revista n. 1008/01 - 1. Seco - Pinto Monteiro (Relator), Lemos Triunfante e Reis

    Figueira

    Responsabilidade civil - Responsabilidade mdica

    I - Em termos gerais - ponto comum responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual

    - ter o mdico agido culposamente significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua conduta lhe

    deva ser pessoalmente censurada e reprovada; isto , poder determinar-se que, perante as

    circunstncias concretas de cada caso, o mdico obrigado devia e podia ter actuado de modo diferente.

    II - Actua com negligncia (cumprindo defeituosamente a sua obrigao) o mdico que no exercite

    todo o seu zelo nem ponha em prtica toda a sua capacidade tcnica e cientfica na execuo das suas

    tarefas para proporcionar cura ao doente.

    III - A utilizao da tcnica incorrecta dentro dos padres cientficos actuais traduz a chamada

    impercia do mdico, pelo que se o mdico se equivoca na eleio da melhor tcnica a ser aplicada no

    paciente, age com culpa e, consequentemente, torna-se responsvel pelas leses causadas ao doente.

    05-07-2001 - Revista n. 1987/01 - 2 Seco - Ferreira de Almeida (Relator), Moura Cruz e Barata

    Figueira

    Responsabilidade mdica - Obrigaes de meios e de resultado - Presuno de culpa

    I - Fora das chamadas prestaes rotineiras, o mdico obriga-se apenas a tratar o paciente e no a cur-

    lo.

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    8 De 1996 a Julho de 2014

    II - Pode, porm, garantir a cura, assumindo uma obrigao de resultado; normalmente, isso acontece

    quando cumpre o dever de informar o cliente do risco relativo ao tratamento mdico que lhe prope

    fazer, obtendo dele o seu consentimento.

    III - Assume uma obrigao de resultado o mdico que, depois de esclarecer o paciente acerca da

    doena que o afectava (contraco de Depuytren), da tcnica cirrgica adequada e dos riscos

    inerentes, o informa de que se tratava de uma simples operao cirrgica que repararia o dedo da mo

    e eliminaria a contraco.

    IV - Sobre o mdico incide a presuno de culpa estabelecida no art. 799, n. 1, do CC, ainda quando

    de obrigao de meios se trate.

    V - Se depois de uma interveno cirrgica simples as condies do paciente so piores do que as

    anteriores, presume-se que houve uma terapia inadequada ou negligente execuo profissional,

    cabendo ao mdico o nus da prova de que a execuo operatria foi diligente.

    17-12-2002 - Revista n. 4057/02 - 6. Seco - Afonso de Melo (Relator), Fernandes Magalhes e

    Silva Paixo

    Responsabilidade mdica - Responsabilidade contratual - Culpa - Nexo de causalidade - nus da

    prova

    I - A obrigao de indemnizar decorrente do acto mdico pode ter por fonte uma relao contratual,

    uma relao extracontratual, ou a ofensa de um direito de personalidade.

    II - Sendo como entendida a culpa, enquanto juzo normativo de censura tico-jurdica, referida, no

    a uma deficiente formao de vontade, mas sim a uma deficiente conduta, h que apurar onde esteve,

    ou no esteve, a deficiente conduta profissional do mdico, no diagnstico das queixas doentias, no

    aconselhamento da operao, na execuo desta, ou no post operatrio.

    III - No mbito da responsabilidade contratual ao mdico cabe provar que no houve erro tcnico

    profissional, com recurso s leis da arte e meios da cincia mdica, prevalentes em certa poca e local

    e de que razoavelmente dispunha.

    IV - Contudo, exigir ao mdico fazer a prova da inexistncia de culpa, no significa que ao doente se

    baste fazer a prova de que no lhe foram prestados outros cuidados possveis, residindo a o

    incumprimento do mdico, porque piorou a sua situao patolgica em relao ao passado que

    precedeu o acto mdico.

    V - O doente tem que provar que um certo diagnstico, tratamento ou interveno foi omitido e, por

    assim ser, conduziu ao dano, pois se outro acto mdico tivesse sido (ou no tivesse sido) praticado

    teria levado cura, atenuado a doena, evitado o seu agravamento, ou mesmo a morte.

    22-05-2003 - Revista n. 912/03 - 7. Seco - Neves Ribeiro (Relator), Arajo de Barros e Oliveira

    Barros

    Contrato de prestao de servios mdicos - Hospital - Mdico - Culpa - Responsabilidade

    contratual da pessoa

    I - A R, enquanto dona e administradora do hospital privado em que o Autor foi submetido a

    interveno cirrgica, responsvel pela conduta negligente do enfermeiro ao seu servio consistente

    em trazer para a sala de operaes, a pedido do 2. Ru (mdico que realizava a interveno) um

    candeeiro auxiliar cuja lmpada no era tecnicamente adequada para ser utilizada durante a operao e

    que, por isso, provocou no quadrante inferior esquerdo do abdmen do Autor, uma queimadura do

    terceiro grau.

    II - Mas no pode censurar-se ou culpar-se o 2. Ru pela utilizao do dito candeeiro ou por no ter

    recusado o mesmo, com as consequentes leses, porquanto nada fazia crer a um cirurgio

    normalmente atento e diligente que o Hospital tivesse, para ser usado na sala de operaes, um

    candeeiro que, usado para fornecer luz ao campo operatrio, provocasse, nessa zona, queimaduras de

    terceiro grau ao paciente.

    27-04-2004 - Revista n. 688/04 - 6. Seco - Afonso Correia (Relator), Ribeiro de Almeida e Nuno

    Cameira (vencido quanto ao montante da indemnizao)

    Responsabilidade civil por acto mdico - Responsabilidade contratual - Responsabilidade

    extracontratual - nus da prova

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    9 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    I - A responsabilidade civil mdica admite a responsabilidade contratual, ou seja, a que deriva de uma

    obrigao em sentido tcnico e a extracontratual ou aquiliana que resulta da violao de um dever

    geral de absteno contraposto a um direito absoluto (no caso direito de personalidade).

    II - Na actuao do mdico, o no cumprimento pelo mesmo dos deveres de cuidado e proteco a que

    est obrigado, podem ser causa de responsabilidade contratual, na medida em que viola deveres

    laterais a que contratualmente est obrigado, mas tambm causa de responsabilidade delitual, na

    medida em que a referida violao represente igualmente um facto ilcito extracontratual.

    III - No sendo pacfica a questo de saber qual das responsabilidades prevalece nem a de saber se o

    lesado pode recorrer a qualquer uma delas, uma doutrina e jurisprudncia maioritria tm entendido

    que, gozando o lesado da tutela extracontratual, poder o mesmo optar pelo regime que lhe for mais

    favorvel.

    IV - Os autores, socorrendo-se das disposies atinentes responsabilidade civil extracontratual,

    sustentam que o ru no respeitou a leges artis, a praxis clnica, uma vez que no realizou todos os

    exames necessrios e aconselhveis, dando alta ao doente quando se impunha a permanncia no

    Hospital.

    V - Os autores imputam ao ru omisso de aco de cuidado, zelo e profissionalismo, incumbindo-lhes

    provar a culpa do autor da leso, salvo havendo presuno legal (art. 487, n. 1, do CC).

    VI - Provando-se que o doente se encontrava lcido, com discurso normal e que no exame radiolgico

    efectuado no foi observada qualquer leso traumtica, tambm nada se tendo concludo no exame

    neurolgico efectuado, no h documentos, elementos, prova, que permitam contrariar a concluso de

    que no impende culpa sobre o ru sob a forma de negligncia.

    22-02-2005 - Revista n. 4055/04 - 1. Seco - Pinto Monteiro (Relator), Lemos Triunfante e Reis

    Figueira

    Contrato de prestao de servios - Responsabilidade mdica - Responsabilidade civil - Culpa -

    Nexo de causalidade

    I - de prestao de servio mdico retribudo o contrato mediante o qual um mdico se obriga a

    proporcionar ao paciente os seus melhores esforos, percia e saber no sentido de eliminar os

    problemas de sade que afectam aquele e que no caso concreto radicavam em joanetes em ambos os ps e dores no joelho esquerdo ao movimentar-se.

    II - Nos termos desse contrato, o mdico deve executar a sua tcnica, esforando-se pela correcta

    aplicao das leges artis, sem embargo dos imponderveis prprios do comportamento do organismo

    do paciente.

    III - Assim, o mdico cumpre satisfatoriamente a sua prestao se utilizar as tcnicas e meios

    aceitveis e adequados, com recurso s regras da arte clnica recomendadas, ainda que o resultado

    obtido seja inferior ao expectado.

    IV - A deficincia da actuao mdica poder ser avaliada em funo da situao patolgica do doente

    antes e aps a interveno contratada, mas, ainda assim, para funcionar a responsabilidade mdica

    necessrio se torna que se verifique uma desconformidade da concreta actuao do mdico, no

    confronto com o padro de conduta profissional exigvel a um operador medianamente competente e

    prudente.

    V - Resultando dos factos provados que: a) a autora consultou o ru, mdico, queixando-se de

    joanetes em ambos os ps e de dores no joelho esquerdo, tendo este, no diagnstico feito, confirmado a existncia dos ditos joanetes (hallus valgus) e de um higroma no joelho esquerdo, e aconselhado intervenes cirrgicas, com vista a libertar aquela dos indicados males; b) realizadas tais

    operaes, verificou-se que, relativamente ao joelho, a autora ficou com dores agravadas e dificuldade

    de locomoo, tendo o dito joelho feito uma ligeira recurvatura; c) em resultado da interveno ao p

    direito, para remoo do joanete, ficou o dedo grande desse p acentuadamente afastado dos restantes dedos, formando um ngulo de 30 a 35 graus com o dedo seguinte; d) confrontado com as

    consequncias dessas intervenes cirrgicas ao joelho esquerdo e joanete direito, o ru disse que no percebia o que se tinha passado que tivesse provocado a recurvatura do joelho e garantiu que a

    deformidade do dedo grande do p direito era problema de resoluo relativamente fcil,

    recomendando que a autora se submetesse a novas operaes, com cirurgia vascular do joelho

    esquerdo; e) a autora aceitou ser reoperada ao p direito, mas recusou a interveno ao joelho, optando

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    10 De 1996 a Julho de 2014

    por recorrer fisioterapia, a qual veio a revelar-se sem sucesso; f) efectuada aquela interveno

    cirrgica, amputou o ru o osso da 1. falange do dedo grande do p da autora, em cerca de 2 cm, para

    o que utilizou a tcnica de Keller; deve concluir-se que: 1. face recusa da autora a ser reoperada ao joelho esquerdo, com vista recuperao do movimento

    articular, e termo das dores, no se evidencia comportamento objectivamente censurvel ou de

    negligncia mdica por parte do ru pelas sequelas ps-operatrias ocorridas ao nvel daquele

    membro;

    2. as intervenes cirrgicas tendentes remoo do joanete do p direito no evidenciam que a prestao pelo ru tenha sido deficiente e negligente, uma vez que se limitou a seguir na segunda

    operao a tcnica de Keller, tida por adequada a corrigir a primeira interveno, de resultado menos conseguido.

    VI - Embora as condies da autora se apresentem piores depois das intervenes cirrgicas acima

    referidas do que aquelas que existiam antes - fazendo presumir que houve uma terapia inadequada ou

    negligente execuo profissional -, o certo que os factos acima referidos demonstram que o ru foi

    diligente no diagnstico e execues operatrias, tendo recorrido s tcnicas e meios mdicos normais

    e adequados s concretas enfermidades que afectavam a autora, sendo ele um mdico especialista

    muito conceituado a nvel nacional, considerado pelos colegas e doentes que recorrem aos seus

    servios e conotado com seriedade, competncia, rigor, eficincia e profissionalismo.

    VII - O ru ilidiu, pois, a presuno de culpa de erro tcnico da sua parte (art. 799., n. 1, do CC),

    pelo que no pode proceder o pedido indemnizatrio contra si formulado baseado em actuao mdica

    deficiente e culposa.

    18-05-2006 - Revista n. 1279/06 - 7. Seco - Ferreira de Sousa (Relator), Armindo Lus e Pires da

    Rosa

    Responsabilidade mdica - Danos no patrimoniais

    I - Tendo a Autora sido submetida, em 14-07-1998, no Hospital do Ru (SAMS), a uma operao de

    transplante do osso, em resultado da qual sofreu compresso do nervo por um fragmento sseo no

    consolidado, o que lhe causou dores, situao de que a Autora se queixou, em consulta mdica

    realizada no mesmo Hospital, em Janeiro de 2000, mas que apenas foi diagnosticada e resolvida por

    outro mdico do mesmo Hospital, com a sujeio a nova operao, em Agosto de 2000, de concluir

    que deve ser indemnizada pelas dores que sofreu no perodo compreendido entre Janeiro e Agosto de

    2000 pela falta de atempado diagnstico e resoluo do problema, o qual era resultado normal de uma

    operao como aquela a que tinha sido submetida em 1998.

    II - Com efeito, era exigvel ao mdico que a operou inicialmente e consultou em Janeiro de 2000 ter

    ligado as dores de que a Autora se queixava primeira operao e cuidado de confirmar o diagnstico

    por ressonncia magntica, como veio a fazer, mais tarde, outro mdico, que lhe reenviou a doente

    para operar, o que aquele no fez, remetendo-a para outro mdico que, por sua vez, requisitou os

    TACs determinantes da operao de Agosto de 2000.

    III - Aquele primeiro mdico podia e devia ter agido de modo a confirmar o previsvel diagnstico e

    operado a Autora em devido tempo, poupando-a a meses de dores. A culpa do mdico da R, estende-

    se a esta, nos termos do art. 800., n. 1, do CC, e foi causa adequada dos padecimentos da Autora,

    danos no patrimoniais suficientemente graves para merecerem a tutela do direito (art. 496. do CC),

    mostrando-se, pois, verificados os pressupostos da obrigao de indemnizar (art. 483. do CC).

    IV - A indemnizao atribuda de 10.000 mostra-se proporcionada e equitativa. 20-06-2006 - Revista n. 1641/06 - 6. Seco - Afonso Correia (Relator), Ribeiro de Almeida e Nuno

    Cameira

    Responsabilidade mdica - Nexo de causalidade - Danos no patrimoniais

    I - de meios, no de resultado, a obrigao a que o cirurgio se vincula perante a doente com quem

    contrata a realizao duma cirurgia glndula tiride (tiroidectomia) em determinado hospital.

    II - Por se reconhecer que existe ento um dever de vigilncia no perodo ps-operatrio, deve

    entender-se que a obrigao complexa a que o cirurgio e, reflexamente, o hospital ficaram vinculados

    perdura para alm do momento da concluso da cirurgia.

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    11 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    III - O mdico cirurgio e o hospital no respondem civilmente se os danos morais cuja reparao a

    doente exige se traduzirem na angstia originada por uma complicao ps-operatria para cujo

    surgimento no concorreu qualquer erro cometido no decurso da operao.

    IV - Ainda que a angstia da doente se tenha agravado por se sentir desacompanhada, subsiste a

    desresponsabilizao do cirurgio e do hospital se, antes de abandonar as instalaes deste, o cirurgio

    se tiver assegurado de que a doente, despertada da anestesia, respondeu com lgica, clareza e

    normalidade fontica a perguntas que lhe foram dirigidas para verificar isso e a correco do acto

    cirrgico, e se, apesar da ausncia do cirurgio, lhe tiver sido facultada no perodo ps-operatrio a

    assistncia adequada s circunstncias.

    11-07-2006 - Revista n. 1503/06 - 6. Seco - Nuno Cameira (Relator) *, Sousa Leite e Salreta

    Pereira

    Acto mdico - Tratamento mdico - Mdico - Responsabilidade mdica - Obrigaes de meios e

    de resultado - Liberdade contratual

    I - O mdico que contrata com um doente o tratamento deste, nomeadamente atravs duma vulgar

    consulta mdica, leva a cabo uma actividade que, por sua natureza, falvel quanto a resultado; em

    todos os casos existe, por pequena que seja, uma lea.

    II - A medicina progrediu imenso, mas a variedade das doenas, a sua evoluo, a particularidade,

    gentica ou no, de cada doente e outros factores, determinam que se lide sempre em termos de

    probabilidade de ser alcanado o fim pretendido; nuns casos com mais probabilidade, noutros com

    menos, mas sempre probabilidade.

    III - Por isso, nos casos de contratao de tratamento em que a autonomia da vontade no foi

    preenchida com a assuno do resultado pretendido, a obrigao do mdico no engloba este; fica-se

    pelo emprego dos meios que, de acordo com o evoluir da cincia mdica, ele tinha ou devia ter ao seu

    alcance.

    IV - A autora tinha umas manchas em vrias partes do corpo, as manchas, por regra, acarretam

    prejuzo esttico e ela procurou o ru, dermatologista, para as fazer desaparecer; tratou-se, pois, por

    parte dele, da vinculao realizao de um ou vrios actos mdicos com aquela finalidade.

    V - S se tivesse havido vinculao do ru ao desaparecimento das manchas, ele poderia ser

    responsabilizado indemnizatoriamente, tendo-se provado que o mesmo ru adoptou um

    comportamento profissional adequado situao, embora sem alcanar o pretendido desaparecimento

    das manchas na pele da autora.

    02-11-2006 - Revista n. 2851/06 - 2. Seco - Joo Bernardo (Relator), Ablio de Vasconcelos e

    Duarte Soares

    Responsabilidade mdica - Nexo de causalidade - Danos no patrimoniais

    I - Constituem factos constitutivos da responsabilidade civil mdica, o no cumprimento ou o

    cumprimento defeituoso dos deveres mdicos, a culpa do mdico e o nexo de causalidade entre aquele

    incumprimento ou cumprimento defeituoso, e os danos sofridos pelo doente.

    II - Tendo sido celebrado entre Autora e Ru, mdico cirurgio plstico, contrato dirigido correco

    esttica do rosto daquela, o qual enfermava de envelhecimento precoce, traduzido em rugas e flacidez

    da pele, estamos em presena de uma obrigao de resultado.

    III - Mas uma vez que logo na primeira consulta em que foi observada, a Autora foi informada pelo

    mdico de que o lifting facial seria realizado atravs de dois tempos operatrios, distintos e espaados

    no tempo, tendo a Autora recusado que o Ru efectuasse a segunda cirurgia para correco da

    redundncia de tecido, vindo a realiz-la numa clnica brasileira de renome mundial, de concluir que

    a Autora impediu a realizao pelo Ru da totalidade das fases em que se devia desenvolver o

    processo cirrgico tendente obteno do resultado contratado.

    IV - Logo, no possvel imputar ao Ru o incumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigao

    que assumira de correco esttica do aspecto facial da Autora, por violao das regras reconhecidas

    pela cincia mdica em geral como sendo as apropriadas abordagem do referido caso clnico (leges

    artis).

    V - Inexiste, assim, o ilcito contratual traduzido na desconformidade entre a conduta devida e o

    comportamento observado pelo respectivo obrigado (art. 798. do CC).

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    12 De 1996 a Julho de 2014

    22-03-2007 - Revista n. 101/07 - 6. Seco - Sousa Leite (Relator), Salreta Pereira e Joo Camilo

    Responsabilidade mdica - Contrato de prestao de servios - Cumprimento defeituoso -

    Responsabilidade contratual - nus da prova - Presuno de culpa

    I - Convencionada entre o mdico e a paciente a assistncia num parto, a relao estabelecida

    juridicamente qualificvel como um contrato de prestao de servios mdico-cirrgicos.

    II - Da eventual violao das prestaes contratuais - cumprimento defeituoso - decorre

    responsabilidade de natureza contratual, incidindo sobre o mdico a legal presuno de culpa.

    III - A prestao do mdico consiste na denominada obrigao de meios, pois que o mdico no

    responde pela obteno de um determinado resultado, mas pela omisso ou pela inadequao dos

    meios utilizados aos fins correspondentes prestao devida em funo do servio que se props

    prestar.

    IV - No estando em causa a prestao de um resultado, quando se invoque o cumprimento defeituoso

    necessrio provar a desconformidade objectiva entre o acto praticado e as leges artes, s depois

    funcionando a presuno de culpa, a ilidir mediante prova de que a desconformidade no se deveu a

    culpa do agente.

    V - O que se presume a culpa do cumprimento defeituoso, mas no o cumprimento defeituoso (acto

    ilcito), ele mesmo.

    VI - Em sede de causalidade adequada, por sua vez, tem de ser provado pelo paciente que certo

    tratamento ou interveno foram omitidos ou que os meios utilizados foram deficientes ou errados -

    determinao dos actos que deviam ter sido praticados e no foram, do contedo do dever de prestar -

    e, por tal ter acontecido, em qualquer fase do processo, se produziu o dano, ou seja, foi produzido um

    resultado que se no verificaria se outro fosse o acto mdico efectivamente praticado ou omitido.

    18-09-2007 - Revista n. 2334/07 - 1. Seco - Alves Velho (Relator) *, Moreira Camilo e Urbano

    Dias

    Responsabilidade mdica - Responsabilidade contratual - Leges artis - Ilicitude - nus da prova

    - Presuno de culpa

    I - Indemonstrado o incumprimento objectivo dos deveres do mdico - a ilicitude -, cujo nus

    competia ao autor, a questo da prova, pelo ru, da utilizao das tcnicas adequadas, ou da

    impossibilidade de as utilizar, em sede de iliso de culpa, j nem sequer se coloca.

    II - No ficou demonstrado qualquer comportamento desviante do ru no que s leges artis diz

    respeito; logo, o autor no logrou fazer a prova da ilicitude do acto.

    III - No se provando este elemento fundamental da obrigao de indemnizar, despiciendo se torna

    toda e qualquer considerao aos demais elementos constitutivos da obrigao de indemnizar que, na

    responsabilidade contratual, parte de um presuno de culpa do devedor.

    22-11-2007 - Revista n. 3800/07 - 2. Seco - Oliveira Rocha (Relator), Gil Roque e Oliveira

    Vasconcelos

    Responsabilidade mdica - Contrato de prestao de servios - Responsabilidade contratual -

    Responsabilidade extracontratual - Cumprimento defeituoso - Dever de diligncia - Omisso -

    Presuno de culpa - Obrigao de indemnizar

    I - A responsabilidade civil mdica pode apresentar - e ser, porventura, a situao mais frequente -

    natureza contratual, assentando na existncia de um contrato de prestao de servio, tipificado no art.

    1154. do CC, celebrado entre o mdico e o paciente, e advindo a mesma do incumprimento ou

    cumprimento defeituoso do servio mdico. Mas tambm pode apresentar natureza extracontratual,

    prima facie quando no h contrato e houve violao de um direito subjectivo, podendo ainda a

    actuao do mdico ser causa simultnea das duas apontadas modalidades de responsabilidade civil.

    II - So os mesmos os elementos constitutivos da responsabilidade civil, provenha ela de um facto

    ilcito ou de um contrato, a saber: o facto (controlvel pela vontade do homem); a ilicitude; a culpa; o

    dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

    III - Provado que, no dia 27 de Junho de 2001, o A. sofreu rotura traumtica (parcial) da coifa dos

    rotadores, ao nvel do ombro esquerdo, em consequncia de um acidente abrangido por um contrato de

    seguro de acidentes de trabalho, tendo, por indicao da respectiva seguradora, o A., em 3 de Agosto

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    13 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    de 2001, sido submetido a interveno cirrgica no Hospital, efectuada pelo R. ora recorrente, que

    mdico, na especialidade de ortopedia, in casu a responsabilidade mdica de natureza contratual e o

    A. logrou provar, como lhe competia - cfr. n. 1 do art. 342. do CC -, o cumprimento defeituoso, a

    saber, ter o R. na interveno cirrgica que efectuou deixado uma compressa no interior do corpo do

    A..

    IV - Apesar de se ter provado que a enfermeira instrumentista procedeu ao controlo, por contagem,

    dos ferros, das compressas, das agulhas, das lminas de bisturi e dos fios de sutura utilizados e que,

    nem durante a realizao da cirurgia, nem no final, foi verificada qualquer anomalia nas diversas

    contagens que tiveram lugar, o mdico tinha o dever de no suturar o A. sem previamente se certificar

    que na zona da interveno cirrgica no deixava qualquer corpo estranho, nomeadamente, uma

    compressa.

    V - O esquecimento de compressas ou de instrumentos utilizados na cirurgia dentro do corpo do

    doente tem sido considerado como a omisso de um dever de diligncia.

    VI - No tendo o mdico logrado ilidir a presuno legal de culpa no defeito verificado, impende sobre

    si a obrigao de indemnizar.

    27-11-2007 - Revista n. 3426/07 - 6. Seco - Rui Maurcio (Relator), Azevedo Ramos e Silva

    Salazar

    Responsabilidade mdica - Leges artis - Responsabilidade extracontratual - Legitimidade passiva

    I - Na situao em anlise a autora imputa ao ru, mdico que a intervencionou cirurgicamente, a

    omisso de zelo e cuidado exigveis, dado que no adoptou a tcnica mdica ou teraputica adequadas

    a no se revelarem lesivas para a sua sade, em suma, que houve uma terapia inadequada e negligente

    actuao profissional.

    II - A autora invocou para ressarcimento dos danos causados na sua esfera jurdica a responsabilidade

    civil extracontratual, alegando concretamente que o ru, mdico, no actuou funcionalmente de acordo

    com as leges artis.

    III - Nesta perspectiva, e contrariamente ao afirmado no acrdo recorrido, sujeito da relao material

    controvertida tal como a autora a configura na petio inicial o ru e no o estabelecimento de sade

    onde este desenvolveu a actividade lesiva do direito da autora.

    IV - O que equivale por afirmar a sua legitimidade para a presente aco e, consequentemente, a da r

    seguradora por fora do contrato com ele celebrado.

    18-12-2007 - Agravo n. 4356/07 - 7. Seco - Alberto Sobrinho (Relator), Maria dos Prazeres Beleza

    e Salvador da Costa

    Responsabilidade mdica - Contrato de prestao de servios - Responsabilidade contratual -

    Responsabilidade extracontratual - Obrigaes de meios e de resultado - Obrigao de

    indemnizar - Danos no patrimoniais - Actualizao da indemnizao

    I - Tendo o Autor solicitado ao Ru, enquanto mdico anatomopatologista, a realizao de um exame

    mdico da sua especialidade, mediante pagamento de um preo, estamos perante um contrato de

    prestao de servios mdicos - art. 1154. do Cdigo Civil.

    II - A execuo de um contrato de prestao de servios mdicos pode implicar para o mdico uma

    obrigao de meios ou uma obrigao de resultado, importando ponderar a natureza e objectivo do

    acto mdico para no o catalogar aprioristicamente naquela dicotmica perspectiva.

    III - Deve atentar-se, casuisticamente, ao objecto da prestao solicitada ao mdico ou ao laboratrio,

    para saber se, neste ou naqueloutro caso, estamos perante uma obrigao de meios - a demandar

    apenas uma actuao prudente e diligente segundo as regras da arte - ou perante uma obrigao de

    resultado com o que implica de afirmao de uma resposta peremptria, indbia.

    IV - No caso de intervenes cirrgicas, em que o estado da cincia no permite, sequer, a cura mas

    atenuar o sofrimento do doente, evidente que ao mdico cirurgio est cometida uma obrigao de

    meios, mas se o acto mdico no comporta, no estado actual da cincia, seno uma nfima margem de

    risco, no podemos considerar que apenas est vinculado a actuar segundo as leges artes; a, at por

    razes de justia distributiva, haveremos de considerar que assumiu um compromisso que implica a

    obteno de um resultado, aquele resultado que foi prometido ao paciente.

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    14 De 1996 a Julho de 2014

    V - Face ao avanado grau de especializao tcnica dos exames laboratoriais, estando em causa a

    realizao de um exame, de uma anlise, a obrigao assumida pelo analista uma obrigao de

    resultado, isto porque a margem de incerteza praticamente nenhuma.

    VI - Na actividade mdica, na prtica do acto mdico, tenha ele natureza contratual ou extracontratual,

    um denominador comum insofismvel - a exigncia [quer a prestao tenha natureza contratual ou

    no] de actuao que observe os deveres gerais de cuidado.

    VII - Se se vier a confirmar a posteriori que o mdico analista forneceu ao seu cliente um resultado

    cientificamente errado, ento, temos de concluir que actuou culposamente, porquanto o resultado

    transmitido apenas se deve a erro na anlise.

    VIII - No caso dos autos manifesto que se acha feita a prova de erro mdico por parte do Ru, - a

    realizao da anlise e a elaborao do pertinente relatrio apontando para resultado desconforme com

    o real estado de sade do doente.

    IX - Por causa da actuao do Ru, o Autor, ao tempo com quase 59 anos, sofreu uma mudana radical

    na sua vida social, familiar e pessoal, j que se acha impotente sexualmente e incontinente, jamais

    podendo fazer a vida que at ento fazia, e hoje uma pessoa cujo modo de vida, fsica e

    psicologicamente penoso, sofrendo consequncias irreversveis, no sendo ousado afirmar que a sua

    auto-estima sofreu um abalo fortssimo.

    X - Os Tribunais Superiores tm vindo a aumentar as compensaes por danos no patrimoniais, mas

    a diversidade das situaes e, sobretudo, no sendo comparveis a intensidade dos danos e o grau de

    culpa dos lesantes, que s casuisticamente podem ser avaliados, no legtimo invocar as

    compensaes que so arbitradas, por exemplo, em caso de leso mortal, com aqueloutras que afectam

    distintos direitos de personalidade.

    XI - Atendendo aos factos e ponderando os valores indemnizatrios que os Tribunais Superiores vm

    praticando, a compensao ao Autor pelos danos no patrimoniais sofridos deve ser, equitativamente,

    fixada em 224.459,05. XII - No caso dos autos, no tendo havido actualizao da indemnizao, e radicando, em ltima

    anlise, o pedido indemnizatrio, num facto ilcito cometido pelo Ru, tem pertinncia a aplicao do

    regime constante da 2. parte do n. 3 do art. 805. do Cdigo Civil.

    04-03-2008 - Revista n. 183/08 - 6. Seco - Fonseca Ramos (Relator), Rui Maurcio e Cardoso de

    Albuquerque

    Morte - Certido - Fora probatria - Documento autntico - Responsabilidade mdica - Mdico

    - nus da prova - Doena grave

    I - O certificado de bito emitido pelo mdico que atesta os factos relativos causa da morte no

    documento autntico nem susceptvel de produzir a sua prova plena.

    II - O servio mdico, pela sua natureza de meio de preveno da doena ou da recuperao da sade

    das pessoas, deve pautar-se pela diligncia, ateno e cautela, na envolvncia das boas prticas da

    profisso e dos conhecimentos cientficos existentes.

    III - Em quadro de pluralidade de patologias e de falta de clareza da sintomatologia do paciente, no

    pode ser imputada a causa da sua morte ao mdico que logo mandou realizar exames clnicos com

    vista definio do respectivo diagnstico.

    IV - No tendo o autor provado que o decesso do paciente resultou de erro de diagnstico face ao

    estado em que aquele se apresentou no hospital, no pode concluir-se pela ilicitude da aco ou

    omisso dos mdicos.

    02-10-2008 - Revista n. 2654/08 - 7. Seco - Salvador da Costa (Relator) *, Ferreira de Sousa e

    Armindo Lus

    Responsabilidade hospitalar - Responsabilidade mdica - Servio Nacional de Sade - Acto

    mdico - Actividades perigosas - Responsabilidade extracontratual - Danos no patrimoniais

    I - A prestao de cuidados de sade, ao abrigo do servio nacional de sade, decorre de uma

    obrigao do Estado para com todos os cidados que caream dos cuidados mdico-cirrgicos,

    independentemente da vontade da entidade prestadora de sade em querer ou no querer obrigar-se em

    prestar esses cuidados, porque a tal no se pode recusar.

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    15 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    II - O pagamento de taxas moderadoras no corresponde ao pagamento de um preo pelo servio, mas

    um acto simblico para fazer lembrar aos que ocorram aos servios mdicos e hospitalares do SNS

    que h custos gerais para os contribuintes, e assim de algum modo se poder evitar o congestionamento

    de servios por razes que no necessitariam de consulta ou tratamento.

    III - Por isso mesmo, nos servios prestados por entidades que operem ao abrigo do servio nacional

    de sade ou que com ele tenham protocolo, a responsabilidade civil operar para com o utente ao nvel

    da responsabilidade extracontratual.

    IV - Nas instituies ou consultrios em que no haja protocolo com o servio nacional de sade, ou

    seja, em que o utente pague o custo ou preo efectivo, a responsabilidade civil operar ao nvel da

    responsabilidade civil contratual.

    V - As operaes cirrgicas que envolvam a abertura do abdmen podem enquadrar-se nas actividades

    perigosas.

    VI - Atribuda indemnizao de 25.000,00 a pessoa submetida a interveno cirrgica em que fora deixada no abdmen um pano (destinado a isolar as partes do organismo que exigiam interveno das

    partes adjacentes), e de cujo acto negligente veio a resultar infeco que demandou fortes dores e

    febres durante cerca de cinco meses e que obrigou a nova interveno cirrgica com carcter de

    urgncia, havendo a pessoa operada chegado ao ponto de recear muito fortemente pela sua vida, no

    sendo mais elevada a indemnizao porque no vieram posteriormente a registar-se sequelas.

    09-12-2008 - Revista n. 3323/08 - 1. Seco - Mrio Cruz (Relator) *, Garcia Calejo e Hlder Roque

    Hospital - Mdico - Acto mdico - Dano - Responsabilidade hospitalar - Responsabilidade

    mdica - Responsabilidade extracontratual - Ilicitude - Culpa - Nexo de causalidade - Lesante -

    Obrigaes de meios e de resultado - Leges artis

    I - A ilicitude consiste na reprovao da conduta do agente no plano geral e abstracto da lei, enquanto

    a culpa se reporta a um comportamento concreto. Segundo o n. 1 do art. 483. do CC, a ilicitude pode

    revestir duas formas: a) a violao de um direito de outrem - direitos absolutos, direitos reais, de

    personalidade, de autor - ou, b) a violao de lei que protege interesses alheios, de leis que conferem

    um direito subjectivo a essa tutela - leis penais, de trnsito, de certas actividades como a construo

    civil, electricidade, elevadores cuja porta se abre sem que o elevador esteja nesse patamar, leis

    administrativas - que visam principalmente a proteco de interesses colectivos, a sade pblica, mas

    no deixam, tambm, de atender aos interesses particulares de indivduos ou de grupos e visam

    prevenir o simples perigo de dano, em abstracto.

    II - No caso sub judice, do acto da r - realizao de um parto - resultou a violao de um direito

    absoluto do autor integrado na sua personalidade e consistente no direito sua integridade fsica - art.

    70., n. 1, do CC, e art. 25. da Constituio. Da que a ilicitude se verifique, pois foi a integridade

    fsica do autor que ficou violada.

    III - J a culpa ou nexo de imputao do facto ao lesante verifica-se quando este, sendo imputvel, no

    caso concreto podia e devia ter agido de modo diverso. A imputabilidade a capacidade de entender e

    de querer. H assim de se estabelecer um nexo psicolgico entre o facto e a vontade do lesante, e que

    esse nexo seja passvel de um juzo de censura.

    IV - Sendo a prova da verificao do pressuposto culpa encargo do autor - arts. 342., n. 1, e 483., n.

    2, do CC -, tinha este de provar a verificao daquele pressuposto.

    V - A prestao de servios mdicos traduz-se numa obrigao de meios e no de resultado.

    VI - Neste tipo de obrigaes, o mdico no responde pelo resultado, mas pela omisso ou pela

    inadequao dos meios utilizados aos fins correspondentes prestao devida em funo do servio

    que se props prestar.

    VII - No estando em causa a prestao de um resultado, quando se invoca o cumprimento defeituoso

    necessrio provar a desconformidade objectiva entre o acto prestado e as leges artis, s depois

    funcionando a presuno de culpa a ilidir mediante a prova de que a desconformidade no se deveu a

    culpa do agente, dado que o que se presume a culpa do cumprimento defeituoso, mas no o

    cumprimento defeituoso em si mesmo.

    VIII - Desta forma, teria o autor de alegar e provar, para este efeito, que a interveno dos agentes da

    r - equipa mdica que realizou o parto - omitiu os actos adequados obteno do resultado, ou os

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    16 De 1996 a Julho de 2014

    realizou de forma deficiente ou errada e por tal ter acontecido se produziu o dano, ou seja, que este se

    no verificaria se outro fosse o acto mdico efectivamente praticado.

    16-06-2009 - Revista n. 287/09.3YFLSB - 6. Seco - Joo Camilo (Relator), Fonseca Ramos e

    Cardoso de Albuquerque

    Mdico - Acto mdico - Dano - Responsabilidade mdica - Responsabilidade contratual -

    Contrato de prestao de servio - Culpa - Nexo de causalidade - Obrigao de meios e de

    resultados - Leges artis - nus da prova

    I - Em regra, a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual preenchem

    integralmente o campo da responsabilidade civil do mdico no exerccio da sua profisso, sendo

    irrelevante que o mesmo tenha a seu cargo uma obrigao de meios ou de resultado.

    II - Ao mdico, seja qual for a sua obrigao, esteja ou no vinculado por contrato, exige-se que

    cumpra as Ieges artis com a diligncia normal de um mdico mdio (reasonable doctor).

    III - Aplica-se responsabilidade contratual mdica a presuno de culpa contida no art. 799., n. 1,

    do CC, presuno esta que fica ilidida com a demonstrao pelo mdico do cumprimento diligente das

    leges artis.

    IV - Recai sobre o paciente o nus da prova do vnculo contratual, da existncia de factos

    demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso do mdico, dos danos (e sua extenso),

    do nexo causal entre a violao das regras da arte e tais danos e da preterio do dever de informao,

    por parte do mdico, ao paciente com vista obteno do seu consentimento esclarecido.

    V - Perante a dificuldade natural da prova de um facto por parte do paciente, o mais que pode

    acontecer fazer-se uso da mxima iis quae dificcillioris sunt probationis, levioris probationes

    admittuntur (para maiores dificuldades na prova, menos exigncia na sua aceitao).

    VI - Contributo relevante para a compreenso e soluo desta problemtica, o Estatuto do Paciente,

    que, no passado recente se consolidou, nas vertentes de dignidade, visibilidade e parceiro total e igual,

    no binmio paciente - mdico, sobretudo aps o estabelecimento da doutrina do consentimento

    informado ou informed consent, donde resultou a vinculao do paciente ao dever de colaborao com

    o mdico e o direito de obter deste o dever de prestar toda a informao sobre a natureza,

    caractersticas, tcnicas a usar no exerccio do acto mdico, alternativas e riscos.

    VII - A tese que advoga uma alterao das regras legais gerais do regime da efectivao da

    responsabilidade civil, designadamente, no segmento da repartio do nus da prova, em caso de

    responsabilidade civil mdica, para alm de carncia de apoio legal, de falta de suporte na realidade

    hodierna do exerccio da medicina e no actual estado de elevao do estatuto do paciente tem, pelo

    menos, duas principais consequncias negativas: um forte abalo na confiana e certeza do direito e

    uma sequente e quase inevitvel prtica de uma medicina defensiva.

    15-10-2009 - Revista n. 1800/08 - 2. Seco - Rodrigues dos Santos (Relator) *, Joo Bernardo

    (vencido), Oliveira Rocha, Oliveira Vasconcelos (vencido) e Serra Baptista

    Mdico - Acto mdico - Responsabilidade mdica - Responsabilidade contratual - Contrato de

    prestao de servios - Culpa - Presuno de culpa - Dano - Nexo de causalidade - Obrigaes de

    meios e de resultado - Leges artis - nus da prova

    I - Em cirurgia esttica se a obrigao contratual do mdico pode no ser uma obrigao de resultado,

    com o mdico a comprometer-se em absoluto com a melhoria esttica desejada, prometida e acordada, seguramente uma obrigao de quase resultado porque uma obrigao em que s o resultado vale a pena. II - Aqui, em cirurgia esttica, a ausncia de resultado ou um resultado inteiramente desajustado so a

    evidncia de um incumprimento ou de um cumprimento defeituoso da prestao por parte do mdico

    devedor.

    III - Ao mdico compete, por isso, em termos de responsabilidade contratual, o nus da prova de que o

    resultado no cumprido ou cumprido defeituosamente no procede de culpa sua, tal como o impe o

    n. 1 do art. 799. do CC.

    IV - Ao mdico no basta, para cumprir esse nus, a prova de que o tipo de interveno efectuada

    importa um determinado risco (eventualmente aceite pelo paciente); necessrio fazer a prova de que

    a sua conduta profissional, o seu rigoroso cumprimento das leges artis, foi de molde a poder colocar-

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    17 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    se o concreto resultado dentro da margem de risco considerada e no dentro da percentagem em que

    normalmente a interveno teria xito.

    17-12-2009 - Revista n. 544/09.9YFLSB - 7. Seco - Pires da Rosa (Relator) *, Custdio Montes,

    Alberto Sobrinho, Maria dos Prazeres Beleza e Custdio Montes

    Causa de pedir - Objecto do recurso - Questo nova - Poderes do Supremo Tribunal de Justia -

    Responsabilidade mdica - Leges artis - Consentimento - Consentimento tcito - Interveno

    cirrgica - nus da prova - Dever de informao - Dever de esclarecimento prvio

    I - Centrando-se as alegaes de recurso da autora num pedido de indemnizao com fundamento

    numa interveno mdica no consentida, quando o objecto inicial da aco sempre foi o de

    indemnizao pelos danos provocados por uma prestao mdica desconforme com as leges artis, e

    que ter atingido a sua integridade fsica, poder-se-ia considerar aquela questo como sendo nova e,

    por isso, fora do objecto possvel do recurso e da possibilidade de conhecimento da mesma pelo STJ.

    II - O consentimento s valido se for livre e esclarecido, isto , se forem fornecidos ao doente todos

    os elementos que determinaram a consentir na interveno mdica que contratou.

    III - Tendo a autora escolhido livremente a clnica r, estamos num domnio inteiramente privado,

    sendo que esta livre escolha induz uma tcita aceitao da orientao mdica que na clnica receba:

    isto , algum que escolhe previamente um determinado mdico ou clnica privada porque confia nele,

    exigir dele uma informao menos informada, predispondo-se a aceitar as indicaes mdicas que

    receba nos mesmos termos, com o mesmo crdito de confiana com que firmou a sua escolha.

    IV - Na distribuio das regras do nus da prova entre o doente e o mdico, no que ao dever de

    informar diz respeito, o mdico veria naturalmente acrescido esse seu nus se acaso a doente provasse

    por si prpria que outros caminhos havia, possveis ou mais adequados, de tratamento/interveno, ou

    que com ou sem interveno/tratamento o resultado sempre poderia ser o mesmo, ou que outros

    especiais riscos podia correr.

    V - No tendo a autora feito prova de um concreto acrscimo de possibilidades perante a sua leso que

    pudesse formar-lhe diferentemente o consentimento, que exprimiu, para o tratamento interveno, no

    nasceu para os rus o dever acrescido de informao sobre todas essas diferentes possibilidades.

    18-03-2010 - Revista n. 301/06.4TVPRT.P1.S1 - 7. Seco - Pires da Rosa (Relator), Custdio

    Montes e Alberto Sobrinho

    Nulidade de acrdo - Omisso de pronncia - Responsabilidade mdica - Contrato de seguro -

    Matria de facto - Questo relevante - Poderes do Supremo Tribunal de Justia - Baixa do

    processo ao tribunal recorrido

    I - O juiz no tem de apreciar questes que, por virtude da deciso dada a outras, perderam o seu

    interesse e objecto.

    II - Assim, no enferma de nulidade por omisso de pronncia o acrdo da Relao que, tendo

    considerado que o ru mdico no era responsvel pelos danos alegadamente sofridos pelo seu

    paciente, acabou por no se decidir a questo da transferncia dessa mesma responsabilidade, por

    fora de um contrato de seguro, para a interveniente seguradora.

    III - Porm, essa falta de pronncia nasce - e deve ser suprida - no momento em que o Supremo, no

    acrdo interposto pelos pais do paciente, define o direito de modo diverso e, em definitivo, estabelece

    que sobre o ru mdico recai o dever de indemnizar.

    IV - Nesse momento, passa, pois, a ser necessrio que se diga se essa responsabilidade se transfere ou

    no para a referida interveniente seguradora, ainda para mais se tal questo tiver sido suscitada na

    apelao pelo ru nos termos do art. 684.-A, n. 2, do CPC.

    V - Se da aplicao do direito, tal como a decidiu o Supremo em ltima instncia, se abre a omisso de

    uma concreta pronncia, preciso que o tribunal recorrido se pronuncie, suprimindo essa mesma

    omisso, tal como resulta por analogia do que dispem os n.s 1 e 2 do art. 731. do CPC.

    VI - No mesmo sentido concorre a circunstncia de ser necessrio interpretar o contrato de seguro

    celebrado entre o ru e a interveniente seguradora (arts. 236. e 238. do CC), o que constitui matria

    de facto.

    VII - Impe-se ento a baixa dos autos ao tribunal recorrido para, fixando o facto atravs da

    interpretao que fizer das clusulas negociais do contrato de seguro, apreciar depois a questo da

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    18 De 1996 a Julho de 2014

    responsabilidade da interveniente seguradora, atento o desenho factual da actividade desenvolvida

    pelo seu segurado, da qual resultou a condenao deste.

    27-05-2010 - Incidente n. 544/09.9YFLSB - 7. Seco - Pires da Rosa (Relator), Custdio Montes,

    Alberto Sobrinho, Maria dos Prazeres Beleza e Lopes do Rego

    Acto mdico - Responsabilidade mdica - Contrato de prestao de servios - Leges artis - Culpa

    - nus da prova - Nexo de causalidade - Danos no patrimoniais - Reduo do pedido - Nulidade

    de acrdo - Poderes do Supremo Tribunal de Justia - Excesso de pronncia

    I - Tendo a autora reduzido o seu pedido de indemnizao por danos no patrimoniais aos decorrentes

    da ansiedade e grande pavor que sofreu pelo erro mdico verificado, aps ter sido informada que

    poderia ficar paralisada, no pode a Relao, motu proprio, atribuir-lhe quantia indemnizatria pelas

    dores que apurou terem resultado daquele dito erro.

    II - A violao do contrato de prestao de servios mdicos acarreta responsabilidade civil

    (contratual) desde que o devedor da prestao (in casu, o mdico) tenha agido voluntariamente, com

    culpa, tenha havido dano e exista nexo de causalidade entre o facto culposo e este. Incumbindo ao

    devedor provar, depois de apurada a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso, que estes no

    provm de culpa sua.

    III - A prova do nexo causal, como um dos pressupostos da obrigao de indemnizar e medida da

    mesma, cabe ao credor da obrigao, independentemente da sua fonte.

    IV - Pelo que o doente tem de provar que um certo diagnstico, tratamento ou interveno foi omitido

    e conduziu ao dano, sendo certo que se outro acto mdico tivesse sido (ou no tivesse sido) praticado,

    teria levado cura, atenuado a doena, evitado o seu agravamento ou mesmo a morte, consoante o

    caso.

    V - Sendo necessrio estabelecer uma ligao positiva entre a leso e o dano, atravs da

    previsibilidade deste em face daquela.

    VI - O juzo de causalidade, considerado que seja numa perspectiva meramente naturalstica, insere-se

    no domnio da matria de facto, sendo, assim, insindicvel por este STJ.

    VII - Estando, contudo, dentro dos poderes de cognio deste mesmo Tribunal apreciar se a condio

    de facto que no ficou determinada, constitui, afinal, causa adequada do evento lesivo, inserindo

    aquele juzo naturalstico nos princpios vertidos no art. 563. do CC.

    01-07-2010 - Revista n. 398/1999.E1.S1 - 2. Seco - Serra Baptista (Relator) *, lvaro Rodrigues e

    Bettencourt de Faria

    Responsabilidade mdica - Acto mdico Mdico - Obrigao de indemnizar - Nexo de causalidade - Teoria da causalidade adequada - Obrigaes de meios e de resultado - Culpa -

    nus da prova - Ampliao da matria de facto - Poderes do Supremo Tribunal de Justia

    I - A responsabilidade mdica (ou por acto mdico) assume, em princpio, natureza contratual.

    II - Pode, todavia, tal responsabilidade configurar-se como extracontratual ou delitual por violao de

    direitos absolutos (v.g. os direitos de personalidade), caso em que assistir ao lesado uma dupla tutela

    (tutela contratual e tutela delitual), podendo optar por uma ou por outra.

    III - A tutela contratual , em regra, a que mais favorece o lesado na sua pretenso indemnizatria,

    face s regras legais em matria de nus da prova da culpa (arts. 344., 487., n. 1, e 799., n. 1, todos

    do CC).

    IV - Agir com culpa ou negligncia (cumprindo defeituosamente a obrigao) o mdico que, perante

    as circunstncias concretas do caso, e face s leges artis, tenha feito perigar (ou lesado de modo

    irreversvel) o direito vida ou integridade fsica e psquica do paciente. Culpa essa a ser apreciada

    pela diligncia de um bom pai de famlia (art. 487., n. 2, aplicvel ex vi do n. 2 do art. 799., ambos

    do CC).

    V - Em regra, a obrigao do mdico uma obrigao de meios (ou de pura diligncia), cabendo,

    assim, ao lesado fazer a demonstrao em juzo de que a conduta (acto ou omisso) do prestador

    obrigado no foi conforme com as regras de actuao susceptveis de, em abstracto, virem a propiciar

    a produo do almejado resultado.

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    19 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    VI - J se se tratar de mdico especialista (v.g. um mdico obstetra), sobre o qual recai um especfico

    dever do emprego da tcnica adequada, se torna compreensvel a inverso do nus da prova, por se

    tratar de uma obrigao de resultado devendo o mesmo ser civilmente responsabilizado pela simples constatao de que a finalidade proposta no foi alcanada (prova do incumprimento), o que tem por

    base uma presuno da censurabilidade tico-jurdica da sua conduta.

    VII - A utilizao da tcnica incorrecta dentro dos padres cientficos actuais traduz a chamada

    impercia do mdico, pelo que, se o mdico se equivoca na eleio da melhor tcnica a ser aplicada no

    paciente, age com culpa e, consequentemente, torna-se responsvel pelas leses causadas ao doente.

    VIII - Face ao disposto no art. 798. do CC, recair, em princpio, sobre o mdico a obrigao de

    indemnizar os prejuzos causados ao seu doente ou paciente (art. 566. e ss. do CC).

    IX - Segundo a doutrina da causalidade adequada, na sua formulao negativa, consagrada no art.

    563. do CC, o facto que actuou como condio do dano s no dever ser considerado causa

    adequada se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experincia comum, se mostrar (de

    todo) indiferente para a verificao desse dano.

    X - O STJ pode, ao abrigo do n.s 2 e 3 do art. 729. do CPC, ordenar ex officio a ampliao da

    matria de facto se existirem factos (principais, complementares e instrumentais) alegados e contra-

    alegados de manifesta relevncia, carecidos de investigao, em ordem a constituir base suficiente

    para a deciso de direito.

    07-10-2010 - Revista n. 1364/05.5TBBCL.G1.S1 - 6. Seco - Ferreira de Almeida (Relator) *,

    Azevedo Ramos e Silva Salazar

    Ampliao da base instrutria - Mdico - Hospital - Sector pblico - Exame mdico -

    Responsabilidade mdica - Responsabilidade extracontratual - Obrigaes de meios e de

    resultado - Excluso de responsabilidade

    I - No se mostra pertinente determinar a ampliao da base instrutria, com base no disposto pelo art.

    729., n. 3, do CPC, quando a respectiva factualidade j foi objecto de debate e veio a conhecer

    resposta pelo tribunal, insusceptvel de agora tal poder, de novo, voltar a acontecer, a pretexto de

    poder vir a constituir fundamento suficiente para a deciso de direito.

    II - Tem natureza extracontratual a responsabilidade civil, por alegados factos ilcitos cometidos por

    um mdico, em servio pblico hospitalar, em relao a um doente, em virtude da inexistncia de um

    vnculo jurdico entre a vtima e o lesante.

    III - No mbito da responsabilidade civil extracontratual, o mdico apenas est vinculado a uma

    obrigao geral de prudncia e de diligncia, empregando a sua cincia para a obteno da cura do

    doente, mas sem assegurar que esse resultado se produza, esperando-se apenas que assuma um

    comportamento, particularmente, diligente, que possibilite o correcto diagnstico, permitindo, com

    isso, a adopo da terapia mais idnea, mas ficando exonerado de responsabilidade se o cumprimento

    requerer uma diligncia maior, e liberando-se com a impossibilidade objectiva ou subjectiva que lhe

    no sejam imputveis.

    IV - O diagnstico traduz-se num enquadramento clnico baseado na capacidade subjectiva do mdico

    em interpretar, de acordo com os indcios colhidos durante o exame preliminar, complementado por

    exames adicionais, se necessrio, as condies de sade do paciente, cabendo quele, aps uma atenta

    anlise dos sintomas reveladas pelo doente, formar sua convico e dar incio ao tratamento mais

    adequado patologia clnica evidenciada, em conformidade com a avaliao obtida.

    V - Comprovando-se que o mdico, ao examinar o doente, agiu de acordo com as regras tcnicas

    actualizadas da cincia mdica, diagnosticando, de forma consciente e cuidadosa, afasta-se o erro e,

    consequentemente, a culpa, sendo certo que um eventual dano, porventura, ocorrido nessas situaes,

    observadas as circunstncias de prudncia que o caso concreto justifica, de qualificar como erro

    escusvel ou faut du service, invencvel para a mediana cultura mdica e que afasta a responsabilidade

    civil da interveno, por recair no mbito da denominada falibilidade mdica.

    VI - A possibilidade de previso dos resultados pelo agente, mesmo daqueles que decorrem da sua

    falta de capacidade individual, segundo as suas aptides pessoais, define o limite da sua

    responsabilidade.

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    20 De 1996 a Julho de 2014

    VII - No acolhendo o ordenamento jurdico nacional a teoria do risco profissional, no se incluindo a

    prtica de actos mdicos, nos casos especificados na lei em que existe obrigao de indemnizar,

    independentemente de culpa, e no demonstrando o autor que a causa da isqumia e necrose do

    testculo fosse determinada por toro testicular, como propugnava, mas antes que a epididimite era

    uma possibilidade diagnstica, face aos sintomas por si referidos, podendo provocar trombose dos

    vasos espermticos que degeneram em necrose isqumica, no se provou o erro de diagnstico do ru

    mdico e, consequentemente, a prtica de um facto ilcito e a sua imputao ao mesmo, a ttulo de

    culpa, nem a correspondente responsabilidade civil mdica.

    24-05-2011 - Revista n. 1347/04.2TBPNF.P1.S1 - 1. Seco - Helder Roque (Relator) *, Gregrio

    Silva Jesus e Martins de Sousa

    Contrato de prestao de servios - Responsabilidade contratual - nus da prova- Erro- Erro

    mdico - Responsabilidade mdica

    I - Porque no domnio da responsabilidade contratual, tendo a paciente alegado e provado existncia

    de um incumprimento defeituoso de que resultou um dano a interveno na artria quando devia ter sido na veia, o que veio a determinar nova interveno com a consequente assistncia hospitalar competia ao devedor (hospital) alegar e provar que o cumprimento defeituoso no resultou de culpa

    sua II - As despesas que derivam da inexecuo defeituosa do contrato recaem sobre o autor do

    cumprimento defeituoso. 30-06-2011 - Revista n. 3252/05.6TVLSB.L1.S1 - 7. Seco - Srgio Poas (Relator) *, Granja da

    Fonseca e Silva Gonalves

    Acto mdico Responsabilidade mdica - Obrigaes de meios e de resultado - nus da prova -

    Cumprimento defeituoso - Presuno de culpa

    I - A obrigao do mdico traduz-se numa obrigao de meios e no de resultado. Porm, tal no

    impede que, dos contornos concretos do contrato de prestao de servios celebrado entre um doente e

    um mdico ou clnica mdica, nomeadamente, no campo das especialidades clnicas, possa resultar

    que o mdico ou clnica mdica se obrigou em termos de garantir um resultado concreto, pelo que

    poder ter de responder civilmente pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso, mesmo que a

    assuno dessa obrigao contrarie, eventualmente, a sua deontologia profissional dada a provvel

    impossibilidade mdica de cumprir aquela obrigao. II - No estando em causa a prestao de um resultado, quando se invoca o cumprimento defeituoso

    necessrio provar a desconformidade objectiva entre o acto praticado e as leges artis, s depois

    funcionando a presuno de culpa a ilidir mediante prova de que a desconformidade no se deveu a

    culpa do agente, dado que o que se presume a culpa do cumprimento defeituoso, mas no o

    cumprimento defeituoso em si mesmo. 13-09-2011 - Revista n. 10527/07.8TBMAI.P1.S1 - 6. Seco - Joo Camilo (Relator), Fonseca

    Ramos e Salazar Casanova

    Responsabilidade mdica - Responsabilidade contratual - Contrato de prestao de servios Seguradora - Acto mdico - Obrigaes de meios e de resultado -Factos notrios - nus da prova

    -Cumprimento defeituoso Culpa -Presuno de culpa I - No que toca responsabilidade civil mdica, no prev a lei casos de responsabilidade objectiva ou

    de responsabilidade por factos lcitos danosos, to s admite a responsabilidade contratual e a

    extracontratual ou aquiliana. II - Tendo-se o autor apresentado aos rus mdicos a coberto de um contrato de seguro celebrado pela

    sua entidade patronal e tendo estes actuado no mbito de um contrato de prestao de servios mdico-

    cirrgicos, previsto no art. 1154. do CC, que mantinham com a seguradora, o contedo da relao

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    21 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    estabelecida entre o autor e os mdicos est impressivamente contratualizado, encontrando-se no

    domnio da responsabilidade civil contratual. III - Se inquestionvel que a execuo de um contrato de prestao de servios mdicos pode

    implicar para o mdico uma obrigao de meios ou uma obrigao de resultado, o corrente na prtica

    o acto mdico envolver da parte do mdico, enquanto prestador de servios que apelam sua

    diligncia e cincia profissionais, a assuno de obrigao de meios. Em regra, o mdico a s isto se

    obriga, apenas se compromete a proporcionar cuidados conforme as leges artis e os seus

    conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistncia mediante uma srie de cuidados ou

    tratamentos normalmente exigveis com o intuito de curar. IV - Importa ponderar a natureza e objectivo do acto mdico para, casuisticamente, saber se se est

    perante uma obrigao de meios ou perante uma obrigao de resultado. V - Assente que o autor foi submetido a interveno cirrgica coluna e nada mais se tendo provado

    que ajude a qualificar com preciso a obrigao, desconhecendo-se como surgiu a opo da sua

    submisso interveno cirrgica, por iniciativa de quem, qual o objectivo da operao, que tipo de

    compromisso mdico foi assumido, se que tal aconteceu, nomeadamente com algum

    comprometimento de resultado e qual, se foi informado dos riscos inerentes, resta ento ser notrio

    que, por regra, no caso de intervenes cirrgicas, e muito particularmente nas intervenes coluna,

    no se assegura a cura mas a procura da atenuao do sofrimento do doente, estando cometida ao

    mdico cirurgio uma obrigao de meios. VI - Sempre que se trate de uma mera obrigao de meios, que no de uma obrigao de resultado,

    incumbe ao doente o nus de provar a falta de diligncia do mdico. VII - Tem o paciente/lesado de provar o defeito de cumprimento, porque o no cumprimento da

    obrigao do mdico assume, por via de regra, a forma de cumprimento defeituoso, e depois tem ainda

    de demonstrar que o mdico no praticou todos os actos normalmente tidos por necessrios para

    alcanar a finalidade desejada. VIII - Feita essa prova, ento, funciona a presuno de culpa, que o mdico pode ilidir demonstrando

    que agiu correctamente, provando que a desconformidade no se deveu a culpa sua por ter utilizado as

    tcnicas e regras de arte adequadas ou por no ter podido empregar os meios adequados. IX - Em termos gerais, ponto comum responsabilidade contratual e responsabilidade

    extracontratual, ter o mdico agido culposamente significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua

    conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada, pois em face das circunstncias concretas

    do caso, o mdico devia e podia ter actuado de modo diferente.

    15-12-2011 - Revista n. 209/06.3TVPRT.P1.S1 - 1. Seco - Gregrio Silva Jesus (Relator), Martins

    de Sousa e Gabriel Catarino

    Mdico -Acto mdico Dano Responsabilidade mdica - Responsabilidade extracontratual Ilicitude Culpa -Nexo de causalidade - Obrigaes de meios e de resultado - Leges artis - Contrato de prestao de servios I - No contrato de prestao de servios mdico-cirrgicos, ainda que na vertente da cirurgia esttica, o

    cirurgio assume uma obrigao de meios, devendo aplicar em todas as fases da sua interveno as

    leges artis adequadas. II - A responsabilidade no mbito do contrato de prestao de servios depende da prova de uma

    situao que traduza o incumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigao. III - O facto de se ter esvaziado o soro fisiolgico que preenchia um dos implantes mamrios, dois

    anos e meio depois da sua colocao, no integra, por si, o incumprimento ou mesmo cumprimento

    defeituoso do contrato de prestao de servios mdico-cirrgicos, estando provado que o cirurgio e

    demais equipa fizeram uso da diligncia devida, quer na escolha, quer na colocao dos implantes.

    15-11-2012 - Revista n. 117/2000.L1.S1 - 2. Seco - Abrantes Geraldes (Relator) *, Bettencourt de

    Faria e Pereira da Silva

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    22 De 1996 a Julho de 2014

    Acto mdico - Responsabilidade mdica - Contrato de prestao de servios - Danos no

    patrimoniais - Direito vida - Dano morte - Equidade - Clculo da indemnizao

    I - Os danos no patrimoniais so ressarcveis segundo juzos de equidade, i.e., ponderando as

    circunstncias particulares do caso.

    II - Se em decorrncia de erro mdico falta de oxigenao fetal por eventos intraparto o A. (i) sofreu, desde o nascimento (20-01-2004) at morte (14-12-2007), de paralisia cerebral muito grave,

    apresentando um quadro de tetraparesia espstica com acentuada componente distnica, que

    comprometeu toda a sua mobilidade em todos os segmentos do corpo (cabea, tronco e membros); (ii)

    padeceu, durante toda a sua vida, de incapacidade permanente global (100%), tendo sido, por isso,

    sempre dependente de terceira pessoa durante toda a sua vida; (iii) no tinha algumas funes bsicas,

    como sejam a suco e a deglutio (alimentava-se por sonda); (iv) no chorava e no fechava

    completamente os olhos, pestanejando por vezes, desconhecendo-se se via e se ouvia; tinha poucos

    movimentos, sendo estes descoordenados; (v) sofria de epilepsia; (vi) imediatamente a seguir ao parto,

    esteve internado nos Cuidados Intensivos, durante cerca de ms e meio; (vii) esteve frequentemente

    internado em hospitais, tendo sido sujeito a diversos e dolorosos tratamentos, incluindo vrias

    intervenes cirrgicas; (viii) teve necessidade de recorrer a estomatologista devido a sofrer de atrofia

    gengival, (ix) teve de fazer fisioterapia, trs vezes por semana; (x) necessitou de ir com frequncia a

    consultas de gastroenterologia e de neurologia e de aplicaes de oxignio; (xi) necessitou diria e

    constantemente de um aspirador de secrees e de um nebulizador pneumtico (aparelho de aerossis

    para auxiliar na libertao de secrees, em ordem a evitar pneumonias e outras afeces

    respiratrias); (xii) teve de manter permanentemente medicao, designadamente para controlar a

    parte neurolgica, sendo tal medicao aplicada com frequncia diria e (xiii) necessitou de uma

    cadeira de transporte adequada sua condio fsica, pelo que necessitou de viver numa casa com

    acessibilidades, de nvel trreo, afigura-se adequada a indemnizao, fixada nas instncias, de 100 000, a ttulo de danos no patrimoniais (privao do gozo pleno da vida, dores e sofrimentos) e 150 000 pela perda do direito vida.

    III - Se em resultado do referido em II, os progenitores, que tinham grandes expectativas com a

    chegada deste primeiro filho, sendo grande o desejo de o ter, viveram um grande traumatismo

    emocional, desgosto, frustrao, angstia e abalo moral, tendo a me deixado de trabalhar (situao

    que se manteve at ao falecimento do seu filho), o que causou seguramente na progenitora maior

    desgaste psquico/moral por fora da integral dedicao na prestao de cuidados ao seu filho, ao

    longo de quatro anos de penosa sobrevivncia deste, so adequadas as indemnizaes de 50 000 e 80 000, arbitradas nas instncias ao pai e me, respectivamente, pelos danos no patrimoniais por estes

    sofridos.

    29-11-2012 - Revista n. 6205/06.3TVLSB.L1.S1 - 7. Seco - Granja da Fonseca (Relator), Silva

    Gonalves e Ana Paula Boularot

    Responsabilidade mdica - Responsabilidade contratual Nascituro - Obrigaes de meios e de resultado Culpa - Leges artis - Nexo de causalidade - Interrupo voluntria da gravidez - Direito indemnizao - Menor - Direito vida - Danos no patrimoniais - Contrato a favor de

    terceiro

    I - O acordo havido entre a autora e os rus com vista efectivao dos exames neo-natais,

    consistentes nas duas ecografias estabelecidas como obrigatrias no protocolo da Direco Geral de

    Sade, configura uma obrigao de meios pois tais exames destinavam-se, primacialmente,

    identificao, determinao e informao de eventuais distrbios e malformaes do feto.

    II - Sendo a obrigao principal assumida pelo mdico a de tratamento e dividindo-se esta obrigao

    em outras quantas prestaes diversas que passariam, ou poderiam passar, consoante o protocolo a

    seguir segundo o caso concreto, por actividades de mera observao, diagnstico, teraputica efectiva

    e vigilncia, a mesma de qualificar como obrigao de meios e no de resultado.

    III - H um erro mdico, quando ocorra uma falha profissional, no intencional, consistente numa

    deformada representao da realidade, in casu, imagiolgica, decorrente das ecografias que foram

    efectuadas autora.

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    23 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    III - Por parte dos rus houve uma conduta ilcita e culposa, pois poderiam e deveriam ter agido de

    outro modo face constatao inequvoca de malformaes do feto, traduzindo-se a violao do dever

    cuidado na preterio da leges artis na matria de execuo do diagnstico porque este deveria ter

    conduzido aferio das aludidas malformaes, atentos os meios empregues em termos de

    equipamento e tendo em ateno a preparao privilegiada do ru.

    IV - A conduta dos rus ao fornecerem autora uma falsa representao da realidade fetal, atravs

    dos resultados dos exames ecogrficos que lhe foram feitos, contriburam e foram decisivos para que a

    mesma, de forma descansada e segura, pensando que tudo corria dentro da normalidade, levasse a sua

    gravidez at ao termo.

    V - Estamos em sede de causalidade adequada, pois a conduta dos rus foi decisiva para o resultado

    produzido, qual foi o de possibilitarem o nascimento do autor com as malformaes de que o mesmo

    era portador, o que no teria acontecido se aqueles mesmos rus tivessem agido de forma diligente,

    com a elaborao dos relatrios concordantes com as imagens que os mesmos forneciam, isto , com a

    representao das malformaes de que padecia o autor ainda em gestao.

    VI - Como deflui inequivocamente do preceituado na al. c) do art. 142. do CP, a lei no pune a

    interrupo da gravidez nos casos em que h seguros motivos para prever que o nascituro vir a

    sofrer, de forma incurvel, de doena grave ou malformao congnita e for realizada nas primeiras 24

    semanas de gravidez, constituindo aquela soluo o nico meio de tutela de interesses juridicamente

    protegidos, isto , um meio sem alternativa, exigindo-se que sobre o caso haja um juzo de previso

    fundada em motivos seguros, integrada por conseguinte pela certeza de que o nascituro sofre j da

    doena e/ou malformao, conduzindo desta sorte ao aborto por indicao embrioptica ou fetoptica.

    VII - A circunstncia de a lei permitir grvidas a interrupo da gravidez nesta situao, alm do

    mais, no tem de per si a virtualidade de interromper o apontado nexo, fazendo antes parte do

    mesmo, porque sendo aquela soluo uma opo das interessadas, desde que devidamente informadas

    com o rigor que se impe neste tipo de ocorrncias, impenderia sobre os rus os mais elementares

    deveres de cuidado no que tange elaborao do diagnstico, o que de forma culposa omitiram,

    impedindo assim a autora de utilizar o meio legal que lhe era oferecido, atento o tempo de gestao em

    curso (inferior s vinte quatro semanas), de no levar a termo a sua gravidez caso o entendesse, o que

    esta teria feito atentas as circunstncias, daqui decorrendo o dever de indemnizar a autora por banda

    dos rus.

    VIII - De uma maneira geral a doutrina e jurisprudncia europeia e norte americana admitem as aces

    ressarcida pelos danos decorrentes da gravidez, bem como aqueles que decorrem das necessidades

    especiais da criana (onde se inclui a doutrina portuguesa maioritria, j que a nvel jurisprudencial

    apenas existe uma nica deciso deste STJ a propsito desta temtica, de 19-06-2001 (Relator Pinto

    Monteiro).

    IX - Todavia, aquelas mesmas correntes, nos casos em que a par da wrongful birth action se cumula

    uma wrongful life action, esta rejeitada in limine por se considerar inadmissvel o ressarcimento do

    dano pessoal de se ter nascido (para alm igualmente das questes suscitadas a nvel da quantificao

    do valor da vida quanto vale a vida? pode uma vida valer mais do que outra? uma vida com deficincia menos valiosa que uma vida sem deficincia? quais os critrios de valorao? etc caso tal indemnizao fosse possvel), sendo que esta questo nos coloca perplexidades vrias, passando

    pelas filosficas, morais, religiosas, politicas, acrescidas, obviamente, das jurdicas.

    X - O problema com o qual nos deparamos, neste particular o de saber se a atribuio de uma

    indemnizao nestas circunstncias especficas, o nascimento deficiente do autor, constitui um dano

    juridicamente reparvel atento o nosso ordenamento jurdico, o que no nos parece ser enquadrvel em

    termos normativos, antes se nos afigurando a sua impossibilidade e nos levaria a questionar outras

    situaes paralelas tais como a eutansia e o suicdio, as quais passariam a ter leituras diversas,

    chegando-se ento concluso que afinal poder existir um direito no vida, o que poria em causa princpios constitucionais estruturantes plasmados nos arts. 1., 24. e 25. da CRP, no que tange

    proteco da dignidade, inviolabilidade e integridade da vida humana, quer na vertente do ser, quer

    na vertente do no ser.

    XI - Nem se poder seguir pela chamada terceira via da responsabilidade civil, atravs do

    enquadramento neste instituto do contrato com eficcia de proteco para terceiro, um tertium genus, o

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    24 De 1996 a Julho de 2014

    que possibilitaria abarcar as situaes de violao de deveres especficos de proteco e cuidado

    emergentes daquele acordo havido com os rus e para com terceiros.

    XII - A nossa grande dificuldade, nesta possvel construo jurdica, consiste na impossibilidade de se

    considerar como terceiro o feto, pois no se pode aceitar, de todo em todo que a criana, inexistente

    enquanto ser humano em gestao apenas face ao preceituado no normativo inserto no art. 66., n. 1, do CC, que prescreve que a personalidade se adquire () no momento do nascimento completo e com vida., possa ser tida como parte interessada num contrato havido entre aqueles que a

    conceberam e outrem, sendo a mesma na altura um nascituro e por isso carecida de personalidade

    jurdica, sem prejuzo da Lei lhe atribuir alguns direitos.

    XIII - Nenhum outro direito se afigura concretizvel com o nascimento do nascituro, maxime, o

    decorrente de um pretenso contrato com eficcia de proteco de terceiro (terceiro este apenas

    nascituro, falho da qualidade jurdica de terceiro para efeitos obrigacionais, por ausncia de

    personalidade jurdica), a quem a Lei no concede qualquer proteco por via da celebrao

    daqueloutro contrato de prestao de servios mdicos, a no ser a proteco directa do mesmo, ou

    seja, a decorrente de uma actuao do mdico dirigida especificamente ao feto e por isso causadora

    das suas eventuais malformaes, o que no se mostra ter ocorrido no caso sub judice.

    XV - O autor existe, mas concluir-se que o mesmo no deveria existir assim desta forma deficiente e

    por isso tem o direito a ser ressarcido, no pode ser, uma vez que a tal se ope, alm do mais, o direito.

    17-01-2013 - Revista n. 9434/06.6TBMTS.P1.S1 - 7. Seco - Ana Paula Boularot (Relator) *, Pires

    da Rosa (vencido) e Maria dos Prazeres Beleza

    Matria de facto - Poderes do Supremo Tribunal de Justia - Mdico - Acto mdico - Dever de

    informao - Consentimento - Responsabilidade mdica - Responsabilidade contratual - nus

    da prova

    I - Ao STJ est vedado apurar de eventual erro na apreciao das provas e na fixao dos factos, salvo

    se houver ofensa de disposio expressa de lei que exija certa espcie de prova para a existncia do

    facto ou que fixe a fora de determinado meio de prova.

    II - O consentimento livre e esclarecido aquele que, situando-se no princpio da autonomia, tomado

    com base numa escolha informada quanto s consequncias previsveis (efeitos secundrios, sequelas

    e riscos de tratamento que se verificam com frequncia) e alternativas (possibilidades teraputicas)

    possveis, no abrangendo os riscos de carcter excepcional.

    III - Recai sobre o mdico o dever de informao ao paciente dos elementos referidos em II, com vista

    obteno do seu consentimento esclarecido.

    07-02-2013 - Revista n. 4497/07.0TVLSB.L1.S1 - 7. Seco - Srgio Poas (Relator), Granja da

    Fonseca e Silva Gonalves

    Contrato de prestao de servios - Obrigaes de meios e de resultado - Mdico - Acto mdico Ilicitude - Dever acessrio - Incumprimento - Leges artis - Anulao de acrdo - Baixa do

    processo ao tribunal recorrido - Ampliao da matria de facto

    I - O contrato de prestao de servios pode consistir numa obrigao de meios ou de resultado.

    II - Acto mdico aquele que, executado por um profissional de sade, consiste numa avaliao

    diagnstica, prognstica ou de prescrio e execuo de medidas teraputicas.

    III - A ilicitude resulta da violao de um dever jurdico, em regra, no caso de cumprimento

    defeituoso, no mbito de deveres secundrios ou acessrios de conduta que acompanham o

    cumprimento adequado da prestao principal.

    IV - Se no acrdo recorrido se conclui pelo afastamento da ilicitude, por no se haverem apurado

    factos de que resultasse a violao das leges artis pelo mdico prestador, matria que foi alegada mas

    no foi levada base instrutria, cumpre anular o acrdo da Relao a fim de esta ampliar a matria

    de facto.

    21-03-2013 - Revista n. 2488/03.9TVPRT.P2.S1 - 7. Seco - Ana Paula Boularot (Relator), Pires da

    Rosa e Maria dos Prazeres Beleza

  • Gabinete dos Juzes Assessores - Assessoria Cvel

    25 A responsabilidade civil por acto mdico na jurisprudncia das Seces Cveis

    do Supremo Tribunal de Justia

    Responsabilidade mdica - Mdico - Acto mdico - Interveno cirrgica - Culpa Dano - Poderes do Supremo Tribunal de Justia - Despacho de no pronncia - Danos no patrimoniais

    - Clculo da indemnizao

    I - A responsabilidade do mdico cirurgio decorrente do erro de execuo em que incorreu ao

    perfurar o canal biliar durante uma interveno em que se utilizou a tcnica da laparoscopia no se

    impe necessariamente, constatado o mencionado erro, considerando que o erro constitui um risco

    inerente a uma atividade humana como a interveno cirrgica mas tambm porque a

    responsabilidade em causa no uma responsabilidade objetiva.

    II - Importa, por isso, considerar todo o processo, considerando no apenas o ato operatrio, mas as

    fases pr e ps operatria visto que a atuao do mdico cirurgio no se subsume a um ato isolado,

    mas a uma cadeia ou conjunto complexo de atos.

    III - Ora, no caso vertente, constatou-se que, face a uma interveno muito longa, que no normal

    neste tipo de cirurgia, o mdico cirurgio, apesar das dificuldades verificadas, no a converteu numa

    laparotomia que teria permitido a sutura e o tamponamento adequado da referida perfurao, no

    colocou nenhum dreno que permitiria detetar o indevido encaminhamento da blis originado pelo

    referido corte e, face s intensas dores na zona intervencionada de que a doente se passou a queixar

    logo que cessaram os efeitos da anestesia e que apenas diminuam de intensidade enquanto

    perduravam os efeitos dos analgsicos ministrados no soro, no determinou nenhum exame

    complementar de diagnstico a fim de detetar a existncia de alguma complicao, concedendo alta

    hospitalar doente ao fim de 5 dias sem que o seu estado melhorasse, o que levou, perante o

    agravamento da sua sade, a que, decorridos 9 dias, ela voltasse a ser internada tendo sido sujeita a

    nova interveno cirrgica em que se evacuou o biloma e detetou peritonite biliar.

    IV - No se integra nos poderes de cognio do STJ a determinao do nexo naturalstico de

    causalidade que as instncias consideraram verificado ao provar que, caso os exames tivessem sido

    solicitados atempadamente, possibilitariam impedir o estado de agravamento de sade da autora e o

    risco de vida que veio a correr, sofrendo a autora danos na sequncia da leso de que foi vtima e

    devido s complicaes que dela decorreram, encontrando-se incapacitada at hoje para exercer as

    suas funes profissionais devido permanncia de alteraes na sua funo heptica desde a data em

    que foi submetida primeira interveno cirrgica da qual resultou a leso.

    V - No caso, no se suscita a questo da responsabilizao do mdico com base na presuno de culpa,

    face ao disposto no art. 799. do CC (responsabilidade contratual), pois a autora provou no apenas os

    factos integrativos do ato danoso mas tambm os factos integrativos da culpa do mdico, para alm do

    nexo de causalidade e dos danos (nus de prova que prprio da responsabilidade extracontratual, ver

    arts. 342., 483. e 487. do CC).

    VI - Nunca aqui valeria a presuno legal de inexistncia desses factos a que alude o art. 674.-B do

    CPC, no aplicvel ao caso visto que no ocorreu a previso constante desse preceito, pois a no

    pronncia do ru no equivale "a deciso penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido

    com fundamento em no ter praticado os factos que lhe eram imputados".

    VII - No que respeita ao montante de indemnizao reclamada a ttulo de danos morais tem-se por

    equitativa (arts. 494. e 496. do CC), atenta a maioritria jurisprudncia deste Tribunal respeitante a

    situaes similares ou ainda mais graves que importa ter em considerao, a sua fixao no montante

    de cem mil euros.

    15-05-2013 - Revista n.