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RESPOSTAS DE EMERGÊNCIA PARA ACIDENTES COM CARGAS PERIGOSAS EM CURSOS D’ÁGUA: ANÁLISE DE CENÁRIOS ATRAVÉS DO SOFTWARE SIAQUA-IPH Ayan Santos Fleischmann [email protected] Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. Bento Gonçalves, 9500 9150-970 Porto Alegre Rio Grande do Sul Arthur Tschiedel [email protected] Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Fernando Mainardi Fan [email protected] Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Walter Collischonn [email protected] Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Resumo: A crescente expansão da malha rodoviária brasileira faz com que haja um aumento da demanda por estudos ambientais relacionados à instalação e operação de rodovias, e com estes a necessidade do desenvolvimento de programas que lidem com a identificação e gestão de acidentes com cargas perigosas. Este trabalho propõe uma metodologia para análise de vulnerabilidade dos corpos hídricos a jusante de pontos de lançamento de cargas perigosas, considerando hipotéticos acidentes em cruzamentos de rodovias com rios. Foram simulados no modelo SIAQUA-IPH cenários de lançamentos instantâneos de 4.000 e 15.000 L de cargas de pesticidas solúveis no trecho final do Rio Taquari, Rio Grande do Sul, no seu cruzamento com a BR-386. Os resultados analisados foram os gráficos de passagem dos polutogramas pelas captações de água bruta da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN) e os mapas de concentrações limites modelados, com os quais se avaliou a distribuição espacial da poluição gerada pelos acidentes. Os resultados indicaram que qualquer cenário levaria a consequências extremas na comparação com a legislação vigente (CONAMA 357), com concentrações de pico de 9.15 e 34.33 mg/L na captação de água de Bom Retiro de Sul e 3.36 e 12.59 mg/L na captação de Taquari, com polutogramas defasados na ordem de seis horas entre estes dois pontos. O método apresentado se mostrou uma poderosa ferramenta para a elaboração de Planos de Ação de Emergência, sendo importante na delimitação de pontos críticos de risco ao longo da rodovia, bem como na análise de cenários de acidentes relacionados a estes pontos. Palavras-Chave: Planos de Emergência, Simulação de Cenários, Cargas Perigosas, Rodovias, Cursos Hídricos

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RESPOSTAS DE EMERGÊNCIA PARA ACIDENTES COM

CARGAS PERIGOSAS EM CURSOS D’ÁGUA: ANÁLISE DE

CENÁRIOS ATRAVÉS DO SOFTWARE SIAQUA-IPH

Ayan Santos Fleischmann – [email protected]

Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Av. Bento Gonçalves, 9500

9150-970 – Porto Alegre – Rio Grande do Sul

Arthur Tschiedel – [email protected]

Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Fernando Mainardi Fan – [email protected]

Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Walter Collischonn – [email protected]

Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo: A crescente expansão da malha rodoviária brasileira faz com que haja um aumento da

demanda por estudos ambientais relacionados à instalação e operação de rodovias, e com estes a

necessidade do desenvolvimento de programas que lidem com a identificação e gestão de acidentes

com cargas perigosas. Este trabalho propõe uma metodologia para análise de vulnerabilidade dos

corpos hídricos a jusante de pontos de lançamento de cargas perigosas, considerando hipotéticos

acidentes em cruzamentos de rodovias com rios. Foram simulados no modelo SIAQUA-IPH cenários

de lançamentos instantâneos de 4.000 e 15.000 L de cargas de pesticidas solúveis no trecho final do

Rio Taquari, Rio Grande do Sul, no seu cruzamento com a BR-386. Os resultados analisados foram

os gráficos de passagem dos polutogramas pelas captações de água bruta da Companhia

Riograndense de Saneamento (CORSAN) e os mapas de concentrações limites modelados, com os

quais se avaliou a distribuição espacial da poluição gerada pelos acidentes. Os resultados indicaram

que qualquer cenário levaria a consequências extremas na comparação com a legislação vigente

(CONAMA 357), com concentrações de pico de 9.15 e 34.33 mg/L na captação de água de Bom

Retiro de Sul e 3.36 e 12.59 mg/L na captação de Taquari, com polutogramas defasados na ordem de

seis horas entre estes dois pontos. O método apresentado se mostrou uma poderosa ferramenta para

a elaboração de Planos de Ação de Emergência, sendo importante na delimitação de pontos críticos

de risco ao longo da rodovia, bem como na análise de cenários de acidentes relacionados a estes

pontos.

Palavras-Chave: Planos de Emergência, Simulação de Cenários, Cargas Perigosas, Rodovias,

Cursos Hídricos

EMERGENCY RESPONSE PROGRAM FOR ACCIDENTS WITH

DANGEROUS GOODS IN WATER COURSES: SCENARIOS

ANALYSIS WITH SIAQUA-IPH SOFTWARE

Abstract: The growing expansion of Brazilian road network has been creating and increasing demand

for environmental studies related to installation and operation of these roads, and a necessity for the

development of programs that deal with the identification and management of accidents with

dangerous goods. This work proposes a methodology for vulnerability analysis of water courses

located downstream of dangerous goods releasing points, considering hypothetical accidents in

crossing points between rivers and roads. Three scenarios were simulated with SIAQUA-IPH model,

considering instantaneous releases of 4.000 and 15.000 L of soluble pesticides in the final stretch of

River Taquari (Rio Grande do Sul state) in its crossing point with BR-386 road. Analysed results were

(i) pollutogram graphs passing through the Riograndese Sanitation Company (CORSAN) raw water

abstraction points and (ii) maximum concentration maps, with which the spatial distribution of the

pollution caused was assessed. Results indicated that any scenario would lead to serious

consequences in terms of current legislation (CONAMA 357), with peak concentrations of 9.15 and

34.33 mg/L in Bom Retiro do Sul abstraction point, and 3.36 and 12.59 mg/L in Taquari point.

Pollutographs presented a difference in arrival times of around six hours between these two points.

The method presented in this work proved a powerful tool for the elaboration of Emergency Action

Plans, and is important for the delineation of critical risk points along the road, as well as for the

scenario analysis of accidents related to these points.

Keywords: Emergency Plans, Scenarios Analysis, Dangerous Goods, Roads, Water Courses

1. INTRODUÇÃO

Sabe-se que obras rodoviárias tendem a acarretar impactos variados no meio ambiente,

destacando-se, neste estudo, aqueles relacionados aos cursos hídricos que cruzam o traçado de obras

desta categoria. Estes impactos podem ocorrer tanto na fase de construção (destacando-se o aporte de

sedimentos ocasionado pelo nivelamento do corpo estradal) como na fase de operação da mesma, em

que se destacam aqueles relacionados a eventos acidentais envolvendo transporte de cargas perigosas

nas proximidades de mananciais. Neste sentido, considerando a acelerada expansão da malha

rodoviária observada nos últimos anos, criou-se uma demanda relacionada à inclusão de, nos estudos

ambientais que fazem parte do licenciamento ambiental de rodovias, programas que trabalhem com a

identificação, gestão e atendimento emergencial para locais de ocorrência de acidentes envolvendo

cargas perigosas. Essa demanda parte não só dos órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento

de obras desta categoria, como também por parte do próprio Departamento Nacional de Infraestrutura

de Transito (DNIT), que exigem, em âmbito de aplicação do PBA (Plano Básico Ambiental,

necessário para obtenção da Licença de Instalação - LI), a existência tanto do “PGR” (Programa de

Gerenciamento de Riscos) como do “PAE” (Programa de Ação Emergencial).

Paralelamente à existência da necessidade de identificação imediata da propagação de cargas

perigosas oriundas de acidentes em corpos hídricos, ressalta-se a diversa literatura científica referente

a modelos computacionais que focam diretamente a simulação e o comportamento de poluentes

diversos em corpos hídricos, de forma que podem ser destacados modelos como o QUAL-2E, QUAL-

2K, SIMCAT e SWAT (TSCHIEDEL, 2013). Ainda, destaca-se o modelo SIAQUA-IPH, proposto

por FAN (2013), que, dentre outras aplicabilidades, pode ser utilizado para calcular a dispersão,

propagação e decaimento de determinado poluente despejado em um curso hídrico.

O propósito deste artigo é, portanto, avaliar a inserção da utilização do SIAQUA-IPH no

âmbito de Programas de Ações Emergenciais, para que se possa, através de cenários acidentais

hipotéticos envolvendo cargas perigosas em cruzamentos de rodovias com mananciais, estimar

conservadoramente o comportamento do polutograma gerado para jusante.

Assim, espera-se contribuir para a gestão emergencial do uso de águas em manchas urbanas,

ou ETAs (Estação de Tratamento de Águas) que por ventura se encontrem a jusante destas hipóteses

acidentais e que possam ser prejudicadas pela pluma de poluição gerada no manancial.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. PROGRAMA DE GERENCIAMENTO DE CARGAS PERIGOSAS E PLANO DE AÇÃO

EMERGENCIAL (PGR/PAE)

O Programa de Gerenciamento de Cargas Perigosas e Plano de Ação Emergencial

(PGR/PAE) são sub-programas que devem pertencer ao escopo de PBAs, para fins de licenciamento

em rodovias.

Tradicionalmente, o PGR é composto por 3 níveis de informações: (i) áreas sócio-

ambientalmente sensíveis, em que se destacam, por exemplo, áreas de mananciais e áreas de

preservação permanente; (ii) áreas críticas: em que se destacam as áreas ou segmentos da estrada em

que há maior probabilidade de acidentes, dadas as condições de trafegabilidade e; (iii) mapeamento

das cargas: em que são identificadas e caracterizadas as cargas perigosas de maior probabilidade de

tráfego na rodovia de estudos. A partir da identificação de cada um dos itens é possível, então, definir

quais partes da rodovia devem ter sinalização que diminuem a probabilidade de acidentes ou

estruturas que protejam as áreas sensíveis, para as características das cargas usualmente encontradas

no fluxo de veículos pesados na rodovia.

Já a elaboração do PAE está vinculada ao atendimento emergencial de acidentes com cargas

perigosas, sendo necessário, sucintamente: (i) definição de um Grupo de Controle Operacional

(GCO); (ii) definição de um Centro de Controle Operacional (CCO) e; (iii) definição dos

procedimentos a serem executados para o atendimento de sinistros envolvendo cargas perigosas.

Ainda, as metodologias majoritariamente utilizadas para estes levantamentos são as

preconizadas no Manual para Implementação de Planos de Ação de Emergência para Atendimento a

Sinistros Envolvendo o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos - IPR 716 (IPR/DNIT, 2005) e

no Programa de Gerenciamento de Riscos para Administradores de Rodovias para o Transporte de

Produtos Perigosos da CETESB (2012). Ressalta-se que as cargas perigosas são ordenadas de acordo

com o grau de periculosidade, sendo divididas em dois grupos: Classe e Sub-Classe. A Tabela 1

apresenta estes grupos.

Tabela 1 - Classes e Sub-Classes de Substâncias Perigosas (adaptado de IPT/DNIT, 2005)

CLASSIFICAÇÃO SUB

CLASSE DEFINIÇÕES

Classe 1

Explosivos

1.1 Substância e artigos com risco de explosão em massa.

1.2 Substância e artigos com risco de projeção, mas sem

risco de explosão em massa.

1.3

Substâncias e artigos com risco de fogo e com pequeno

risco de explosão ou de projeção, ou ambos, mas sem

risco de explosão em massa.

1.4 Substância e artigos que não apresentam risco

significativo.

CLASSIFICAÇÃO SUB

CLASSE DEFINIÇÕES

1.5 Substâncias muito insensíveis, com risco de explosão

em massa.

1.6 Artigos extremamente insensíveis, sem risco de

explosão em massa.

Classe 2

Gases

2.1

Gases inflamáveis: são gases que a 20°C e à pressão

normal são inflamáveis quando em mistura de 13% ou

menos, em volume, com o ar ou que apresentem faixa

de inflamabilidade com o ar de, no mínimo 12%,

independente do limite inferior de inflamabilidade.

2.2

Gases não-inflamáveis, não tóxicos: são gases

asfixiantes, oxidantes ou que não se enquadrem em

outra subclasse.

2.3

Gases tóxicos: são gases, reconhecidamente ou

supostamente, tóxicos e corrosivos que constituam

risco à saúde das pessoas.

Classe 3

Líquidos Inflamáveis -

Líquidos inflamáveis: são líquidos, misturas de líquidos

ou líquidos que contenham sólidos em solução ou

suspensão, que produzam vapor inflamável a

temperaturas de até 60,5°C, em ensaio de vaso fechado,

ou até 65,6ºC, em ensaio de vaso aberto, ou ainda os

explosivos líquidos insensibilizados dissolvidos ou

suspensos em água ou outras substâncias líquidas.

Classe 4

Sólidos Inflamáveis;

Substâncias sujeitas à combustão

espontânea; substâncias que, em

contato com água, emitem gases

inflamáveis

4.1

Sólidos inflamáveis, substâncias auto-reagentes e

explosivos sólidos insensibilizados: sólidos que, em

condições de transporte, sejam facilmente

combustíveis, ou que por atrito possam causar fogo ou

contribuir para tal; substâncias auto-reagentes que

possam sofrer reação fortemente exotérmica;

explosivos sólidos insensibilizados que possam

explodir se não estiverem suficientemente diluídos.

4.2

Substâncias sujeitas à combustão espontânea:

substâncias sujeitas a aquecimento espontâneo em

condições normais de transporte, ou a aquecimento em

contato com ar, podendo inflamar-se.

Classe 4

Sólidos Inflamáveis;

Substâncias sujeitas à combustão

espontânea; substâncias que, em

contato com água, emitem gases

inflamáveis

4.3

Substâncias que, em contato com água, emitem gases

inflamáveis: substâncias que, por interação com água,

podem tornar-se espontaneamente inflamáveis ou

liberar gases inflamáveis em quantidades perigosas.

Classe 5

Substâncias Oxidantes e

Peróxidos Orgânicos

5.1

Substâncias oxidantes: são substâncias que podem, em

geral pela liberação de oxigênio, causar a combustão de

outros materiais ou contribuir para isso.

5.2

Peróxidos orgânicos: são poderosos agentes oxidantes,

considerados como derivados do peróxido de

hidrogênio, termicamente instáveis que podem sofrer

decomposição exotérmica auto-acelerável.

CLASSIFICAÇÃO SUB

CLASSE DEFINIÇÕES

Classe 6

Substâncias Tóxicas e

Substâncias Infectantes

6.1

Substâncias tóxicas: são substâncias capazes de

provocar morte, lesões graves ou danos à saúde

humana, se ingeridas ou inaladas, ou se entrarem em

contato com a pele.

6.2

Substâncias infectantes: são substâncias que contém ou

possam conter patógenos capazes de provocar doenças

infecciosas em seres humanos ou em animais.

Classe 7

Material radioativo -

Qualquer material ou substância que contenha

radionuclídeos, cuja concentração de atividade e

atividade total na expedição (radiação), excedam os

valores especificados.

Classe 8

Substâncias corrosivas -

São substâncias que, por ação química, causam severos

danos quando em contato com tecidos vivos ou, em

caso de vazamento, danificam ou mesmo destroem

outras cargas ou o próprio veículo.

Classe 9

Substâncias e Artigos

Perigosos Diversos

- São aqueles que apresentam, durante o transporte, um

risco não abrangido por nenhuma das outras classes.

2.2. MODELO SIAQUA-IPH

O Simulador Analítico de Qualidade da Água (SIAQUA-IPH) é um modelo de qualidade de

água que tem sido desenvolvido nos últimos anos pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS), o qual permite simular diferentes cenários

de impacto de lançamentos de efluentes em rios com grandes bacias hidrográficas (> 1.000 km2) em

situações de carência de dados. O modelo utiliza uma técnica de simulação baseada em soluções

analíticas da equação de dispersão longitudinal aplicada a cada trecho de rio de uma rede de drenagem

vetorial, e funciona como um plugin do software MapWindow®, que é um programa de Sistema de

Informação Geográfica (SIG) de circulação livre. Do ponto de vista hidrológico, o SIAQUA-IPH

utiliza um regime permanente de vazões (não variam com o tempo), além de adotar a hipótese de

escoamento unidimensional, com mistura completa dos poluentes nos nós de afluências de rios.

O modelo permite a simulação de cenários de diferentes vazões, referentes a situação de

cheia, seca ou vazões intermediárias, baseando-se em valores de referência (por exemplo: Q90, Q70,

Q50, Q30 e Q10). Além disso, é permitida a inserção de diferentes tipos de lançamentos de poluentes, de

acordo com sua distribuição temporal: (i) instantâneo; (ii) intermitente; (iii) contínuo; e (iv)

permanente. Para o caso de descargas acidentais, o tipo adotado é de lançamento instantâneo, em que

se assume que toda a carga é despejada no mesmo momento dentro do corpo hídrico. Para descargas

mais longas, como o de o rompimento de uma barragem de rejeitos, um lançamento intermitente seria

mais representativo. A Figura 1 ilustra os diferentes tipos de lançamento possíveis.

Figura 1. Tipos de lançamento de poluentes disponíveis no SIAQUA-IPH.

A metodologia do modelo SIAQUA-IPH envolve cinco etapas: (i) o pré-processamento de

dados geoespaciais; (ii) a definição de atributos hidráulicos; (iii) a inclusão de lançamentos; (iv) o

cálculo de propagação; e (v) o pós-processamento para visualização dos resultados. Estas etapas serão

explicadas a seguir.

Nas etapas de pré-processamento de dados geoespaciais e de definição de atributos

hidráulicos, os dados gerados para a simulação são (1) dados de geometria da bacia (comprimento e

declividade de cada trecho de rio que compõe a bacia hidrográfica); (2) um shapefile da rede de

drenagem da bacia, que pode ser obtido através de ferramentas de geoprocessamento (como os

pacotes ArcHYDRO do ArcGIS® e TauDEM) (MAIDMENT, 2002; TARBOTON, 2013); e (3)

dados hidráulicos (vazões e velocidades de referência e largura dos trechos de rio). Os dados de

geometria podem ser obtidos através de ferramentas de SIG, sendo que o SIAQUA-IPH dispõe de um

programa de pré-processamento de dados chamado PrePro_SIAQUA-IPH que permite a obtenção

destes dados através da inserção de quatro arquivos raster oriundos de geoprocessamento (Raster de

Modelo Digital de Elevação, de Direção de Fluxo, de Rede de Drenagem e de Minibacias). As vazões

e velocidades de referência podem ser obtidas através de modelagem hidrológica ou de regionalização

de vazões, a partir das vazões de referência de um posto fluviométrico inserido na bacia. A largura

dos trechos pode ser estimada através de equações empíricas, relacionando, por exemplo, o valor da

vazão de referência à largura. Para a inserção dos lançamentos de poluentes, é necessário que se

realize uma etapa de segmentação da rede de drenagem, dividindo esta em diversos trechos de rio

(gerando um trecho para cada confluência de trechos).

Na etapa de inserção de lançamentos, o usuário seleciona o trecho de rio desejado e escolhe

um dos quatro tipos anteriormente citados - descargas instantâneas, intermitentes, contínuas e

permanentes. Para cada lançamento inserido, informações referentes ao poluente e a características da

descarga devem ser fornecidas, como a massa ou concentração da carga despejada, coeficiente de

decaimento de primeira ordem, intervalo de tempo e localização (na margem ou no centro do rio) do

lançamento, e dados de vazão do efluente (para casos que não sejam instantâneos).

Para a propagação das plumas de contaminação, o modelo simula a dispersão longitudinal, a

advecção e o decaimento do poluente trecho a trecho, considerando os dados geométricos e

hidráulicos destes e o cenário escolhido (por exemplo, ao escolher um cenário de cheia, a Q10 de cada

trecho será utilizada para os cálculos). Os resultados são visualizados para o exutório de cada trecho

de rio. No SIAQUA-IPH pode-se optar para entre uma calha retangular ou trapezoidal, sendo que a

profundidade de cada trecho de rio é calculada de acordo com uma equação que relaciona este

atributo com a vazão de referência do trecho. Para a dispersão, advecção e decaimento de poluentes,

diferentes derivações da equação de transporte de solutos são utilizadas para cada tipo de lançamento,

considerando escoamento unidirecional e decaimento de primeira ordem. Além disso, para a

propagação da pluma entre cada trecho foi adotada uma estratégia de convolução de polutograma,

sendo que a visualização dos resultados só é permitida a partir de certa distância do lançamento,

referente ao ponto de mistura completa, que é calculado através de equacionamentos que relacionam

esta distância a valores de velocidade, largura e profundidade do trecho. Por fim, o modelo dispõe de

um módulo de simulação de lançamentos permanentes de esgotos domésticos, utilizando o modelo de

Streeter-Phelps para a simulação de matéria orgânica. Detalhes dos modelos matemáticos utilizados

no SIAQUA-IPH estão descritos em FAN et al. (2013).

Uma das vantagens do acoplamento com um software de SIG é a fácil e interativa

visualização dos resultados. O programa dispõe de diversas ferramentas de apresentação destas

simulações, como as curvas de passagem do polutograma no trecho de rio selecionado, o perfil

longitudinal da dispersão/atenuação do poluente para um dado intervalo de tempo e o mapa de

concentrações da simulação, indicando qual trecho de rio teve concentrações de pico superiores a

determinado limite (por exemplo, os padrões de classe do CONAMA 357).

O modelo foi desenvolvido visando à simulação de grandes bacias (com área de drenagem

superior a 1000 km²), utilizando simplificações na modelagem matemática e exigindo poucos dados

para a sua utilização. Os dados de entrada do SIAQUA-IPH são um shapefile da rede de drenagem

segmentada, um arquivo de dados geométricos (comprimentos e declividade de cada trecho de rio),

um arquivo contendo os dados hidráulicos (vazões e velocidades de referência e largura de cada

trecho de rio) e as informações referentes ao lançamento.

2.3. ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo selecionada para as simulações de lançamento acidental de cargas perigosas

está localizada no trecho final do Rio Taquari, próximo à sua foz no Rio Jacuí, na região nordeste do

estado do Rio Grande do Sul (Figura 3). A bacia do rio Taquari possui aproximadamente 27.000 km²,

e abrange cerca de um milhão de habitantes (COMITÊ TAQUARI-ANTAS, 2014), passando por

cidades importantes do estado como Vacaria, Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Lajeado. O tamanho

da bacia faz com que a utilização do modelo SIAQUA-IPH seja satisfatória.

Diversas estradas cruzam a bacia do Rio Taquari, sendo que das oito rodovias com mais

acidentes com carga perigosa do estado, cinco passam nesta região: BR-386, RS-122, BR-116, BR-

285 e BR-153 (Figura 2). Para este estudo, o cruzamento da BR-386 com o Rio Taquari (próximo à

cidade de Lajeado) foi selecionado para as simulações devido à proximidade deste com as captações

de água bruta para abastecimento da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN). Além

disso, identificou-se as principais cargas transportadas nesta rodovia, sendo elas combustíveis,

pesticidas e solventes. Optou-se pela simulação de acidentes com pesticidas solúveis.

Figura 2. Análise das rodovias gaúchas com mais acidentes com carga perigosa no período

1994-2014 (Fonte: FEPAM).

Figura 3. Localização da bacia do Rio Taquari, no estado do Rio Grande do Sul.

2.4. SIMULAÇÕES REALIZADAS NO SIAQUA-IPH

Foram realizadas simulações no SIAQUA-IPH para a análise do lançamento acidental de

cargas perigosas. Optou-se pelo teste com um pesticida solúvel. Utilizou-se duas diferentes cargas

deste poluente despejadas no centro do rio: 4000 e 15000 L. Considerando uma densidade de 1.47

kg/l, foram inseridas as massas 5880 kg e 22050 kg de pesticida. O coeficiente de decaimento de

primeira ordem utilizado foi 0.0355 d-1

, baseado nos resultados obtidos por KARPOUZAS et al.

(2006) para o agroquímico Cinosulfuron.

Os dados de SIG utilizados para este trabalho foram shapefiles referentes a (i) rodovias

brasileiras, obtidas no site do Ministério do Meio Ambiente

(http://mapas.mma.gov.br/i3geo/datadownload.htm); (ii) localização das captações de água bruta da

CORSAN e sede dos municípios da bacia, obtidos junto ao Departamento de Recursos Hídricos da

Secretaria de Meio Ambiente do RS (DRH); e (iii) rede de drenagem e polígono da bacia do Rio

Taquari obtidos através do pacote ArcHYDRO do ArcGIS®. O arquivo de entrada dos dados

geométricos para o SIAQUA-IPH foi gerado utilizando-se o PrePro-SIAQUA-IPH, usando como

entrada os arquivos raster do modelo de elevação digital, direção de fluxo, minibacias e rede de

drenagem.

As vazões de referência foram obtidas através de regionalização de vazões, utilizando os

dados do posto fluviométrico Muçum, disponíveis no site HidroWeb da Agência Nacional de Águas.

Baseou-se em uma proporção de áreas, considerando a relação entre a área de drenagem deste posto e

a área de drenagem do exutório de cada trecho de rio. As velocidades de referência, larguras e

profundidades foram obtidas respectivamente pelas relações empíricas Vref=0.2694.Qref0.3825

,

B=3.2466.A0.4106

e H=0.285.Q0.5833

, sendo Vref a velocidade de referência, B a largura, A a área de

drenagem do exutório do trecho, Qref a vazão de referência e H a profundidade de cada trecho de rio.

Neste estudo, considerou-se para os três testes um regime de vazão intermediário, referente à Q50.

A metodologia para os três testes seguiu os seguintes passos: (i) inserção de lançamento

instantâneo do pesticida no cruzamento entre a BR-386 e a rede de drenagem do Rio Taquari; (ii)

análise dos polutogramas gerados nas captações próximo às cidades de Cruzeiro do Sul e Taquari; e

(iii) análise do mapa de concentrações gerado, indicando a concentração de pico encontrada em cada

trecho de rio, a fim de se avaliar a extensão da poluição oriunda do lançamento.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A seguir são apresentados os resultados das simulações realizadas no SIAQUA-IPH para os

dois cenários de acidentes de carga perigosa com pesticida solúvel no cruzamento da BR-386 com o

Rio Taquari.

A interface do modelo permite a visualização das curvas de passagem do polutograma em

cada trecho de rio da rede de drenagem segmentada. As Figuras 4 e 5 mostram os resultados da

simulação para os testes com 5880 e 22050 kg de pesticida, respectivamente, para dois pontos de

captação de água da CORSAN (nas cidades de Cruzeiro do Sul e Taquari). Os gráficos apresentam de

forma clara os processos de advecção (levando aproximadamente seis horas para a concentração de

pico partir de Cruzeiro do Sul a Taquari) e de atenuação da pluma (dispersão e decaimento).

Concentrações de pico para os dois pontos foram de 9.15 e 3.36 mg/L para a descarga de 5880 kg e

34.33 e 12.59 mg/L para o lançamento de 22050 kg.

Figura 4. Interface do modelo SIAQUA-IPH: Propagação da Descarga Acidental de 5880 kg (4000L).

Figura 5. Interface do modelo SIAQUA-IPH: Propagação da Descarga Acidental de 220500 kg

(15000 L).

Outros resultados importantes são os mapas de concentração gerados, em que se analisou a

concentração máxima encontrada em cada trecho de rio para cada simulação (Figuras 6 e 7).

Observou-se que para o lançamento de 5880 kg, apenas uma captação de água estaria em trechos com

mais de 20 mg/L de pesticida solúvel, ao passo que para o cenário de 22050 kg, duas captações se

encontrariam nesta situação. É importante notar que todos os resultados apresentados seriam

catastróficos para o curso d’água, a considerar que concentrações-limite da CONAMA 357 para

pesticidas estão na ordem de microgramas por litro, muito abaixo de qualquer valor gerado nestas

simulações. Cabe salientar também que na fase de escolha de cenários a vazão de referência é uma

variável fundamental na determinação dos polutogramas de saída, sendo que os valores de

concentração de pico encontrados podem variar significativamente entre situações de seca ou cheia.

Os produtos acima apresentados têm o potencial de agregar qualidade aos programas de

respostas de emergência para acidentes em rodovias com cargas perigosas. As formas de visualização

temporal (polutogramas) e espacial (mapas de concentração) podem ser utilizadas de forma

complementar em um plano de emergência.

Por exemplo, na posse de um polutograma, os responsáveis pela tomada de decisão

relacionada com o fechamento das captações nos cursos de água afetados podem utilizar a informação

de tempo de passagem da pluma para balizar a tomada de decisão em relação a interrupção do

bombeamento.

Figura 6. Resultado da propagação da descarga acidental de 5880 kg (4000 L) de Pesticida Solúvel no

cruzamento da BR-386 com o Rio Taquari.

Figura 7. Resultado da propagação da descarga acidental de 22050 kg (15000 L) de Pesticida Solúvel

no cruzamento da BR-386 com o Rio Taquari.

Na posse dos dois mapas de concentração dos poluentes, onde as cores estão relacionadas

com as concentrações de pico nos rios afetados, é possivel selecionar quais seriam os trechos de rio

onde seria necessária a tomada de providências para uma ação emergencial, e a partir de onde os

fenômenos de diluição, decaimento e dispersão fariam com que estas concentrações não sejam tão

significativas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em termos de análise de riscos ambientais, o Manual para Implementação de Planos de Ação

de Emergência do DNIT (IPR/DNIT, 2005) lista as seguintes etapas no que tange à determinação de

pontos críticos de riscos ao longo da rodovia: (i) levantamento do movimento de produtos perigosos

na rodovia; (ii) avaliação do risco dos acidentes postulados e de suas possíveis consequências; e (iii)

caracterização dos pontos críticos com alta possibilidade de ocorrência de acidentes. Os resultados

apresentados neste trabalho estão relacionados com estas três etapas. Durante a elaboração do plano,

os produtos perigosos mais frequentemente transportados devem ser identificados (nesta pesquisa

foram levantados dados de acidentes com carga perigosa disponíveis no site da FEPAM), e o risco

ambiental associado a estas substâncias analisado. Cabe salientar que a disponibilidade de registros

históricos de acidentes com carga perigosa no Brasil é ainda baixa, sendo fundamental a expansão

destas bases de dados (NARDOCCI & LEAL, 2006).

Em termos de qualidade de água em rios, um ponto crítico fundamental são as pontes, sendo

que o ressalto formado na junção entre a seção de pavimento flexível da rodovia e o pavimento rígido

da ponte pode acarretar um solavanco, com consequente acidente. Assim, a simulação de descargas

acidentais no cruzamento de rodovias com cursos d’água é essencial em um Plano de Emergência.

Além disso, os possíveis efeitos destas cargas em captações de água para abastecimento ou outros

usos devem ser analisados, bem como o percurso da pluma de contaminação até outros pontos de

interesse (como manchas urbanas). O uso de um modelo de qualidade da água acoplado a SIG é muito

útil na realização destes planos, permitindo uma avaliação de forma integrada dos pontos

determinados críticos e dos cenários simulados a partir destes.

Finalmente, um software como o SIAQUA-IPH poderia estar disponível na sala do Grupo de

Controle de Operações, que é responsável pela gestão e atendimento de acidentes nas rodovias, de

acordo com a estrutura dos Planos de Ação de Emergência. Normalmente, diversos órgãos participam

deste grupo, com destaque para a Defesa Civil Estadual ou Municipal, Corpo de Bombeiros, IBAMA,

Conselhos Municipais de Meio Ambiente, Prefeituras, além de entidades relacionadas à rodovia,

como concessionárias. Para o caso de um acidente com carga perigosa, uma simulação poderia ser

rapidamente realizada através do modelo, provendo a informação necessária para tomadas de decisões

relacionadas a possíveis cortes de captação de água e demais ações no que tange à dispersão da pluma

de contaminação.

Apesar dos benefícios aqui apresentados, também é importante que sejam mencionadas as

limitações na adoção das técnicas aqui apresentadas, sendo as principais delas as incertezas nos dados

de entrada utilizados e as simplificações matemáticas na modelagem. Assim, para se ter mais

segurança em relação aos resultados, é conveniente que eles sempre sejam interpretados considerando

margens de segurança.

REFERÊNCIAS

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http://www.taquariantas.com.br/site/home/pagina/id/13. Acesso em: 11 mar. 2014.

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