Revisão Final Monografia Renaesp

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8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................. ........................................................... .. 9 1. VIOLÊNCIA E USO DA FORÇA ........................................................... ............ ..11 1.1 O CONCEITO SOCIOLOGICO DE VIOLÊNCIA.............................................. 11 1.2.VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL E O USO DA FORÇA...................................... 17 1.3 DOMANDO O LEVIATÃ: O DESENVOLVIMENTO DE MECANISMOS PARA A LIMITAÇÃO O USO DA FORÇA...................................................... ......................20 2. AS POLÍCIAS: O BRAÇO ARMADO DO ESTADO MODERNO....................23 2.1. POLÍCIA: HABITUS E ETHOS............................................................... ................24 2.2. ORIGEM DAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS NO OCIDENTE E SUA PROFISSIONALIZAÇÃO: O PARADIGMA LONDRINO.......................................25 2.3. O MODELO DE POLICIAMENTO NORTE- AMERICANO................................28 2.4. A BUROCRATIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS.............................................. ..........................................................2 9 2.5. O MODELO DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO COMO NOVO PARADIGMA..................................................

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 9

1. VIOLÊNCIA E USO DA FORÇA ....................................................................... ..11

1.1 O CONCEITO SOCIOLOGICO DE VIOLÊNCIA.............................................. 11

1.2.VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL E O USO DA FORÇA...................................... 17

1.3 DOMANDO O LEVIATÃ: O DESENVOLVIMENTO DE MECANISMOS PARA A LIMITAÇÃO O USO DA FORÇA............................................................................20

2. AS POLÍCIAS: O BRAÇO ARMADO DO ESTADO MODERNO....................23

2.1. POLÍCIA: HABITUS E ETHOS...............................................................................24

2.2. ORIGEM DAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS NO OCIDENTE E SUA PROFISSIONALIZAÇÃO: O PARADIGMA LONDRINO.......................................25

2.3. O MODELO DE POLICIAMENTO NORTE-AMERICANO................................28

2.4. A BUROCRATIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS........................................................................................................29

2.5. O MODELO DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO COMO NOVO PARADIGMA.................................................................................................................32

3. A FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES NO BRASIL....................................................................................................................34

3.1. A POLÍCIA NO PERÍODO COLONIAL..............................................................34

3.2. A FRANÇA DOS TRÓPICOS: A IDEOLOGIA MILITARISTA DAS POLÍCIAS E SEU EMPREGO NA POLÍTICA HIGIENISTA DURANTE O PERÍODO IMPERIAL......................................................................................................................35

3.3. DO MILITAR GUERREIRO AO POLICIAL CIDADÃO: RESISTÊNCIAS E MUDANÇAS DE PARADIGMAS NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO POLICIAL MILITAR.....................................................................................................36

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................51

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INTRODUÇÃO

O ano de 2013 ficará para a história do Brasil, como um dos marcos

transformadores da sociedade pela capacidade de mobilização popular nas principais

cidades do país.

A população acompanhou grandiosas jornadas de manifestações e protestos

desencadeadas pelos mais diversos atores sociais, reivindicando mudanças em

praticamente todos os setores do Estado.

Estas jornadas não foram tão somente marcadas por grandiosas mobilizações.

Geralmente os protestos começavam pacíficos, porém dificilmente terminavam da

mesma forma. Infratores da lei, infiltrados no meio da multidão, encapuzados, nutridos

pelas mais diversas ideologias, se favoreciam do anonimato para ensejar cenas de

extrema violência.

As práticas dos mais diversos atos ilícitos nas manifestações provocaram a

reação das forças de segurança pública, que com o objetivo de preservar a ordem

pública, utilizaram os mais variados recursos disponíveis, incluindo armas não letais e

letais, desencadeando uma escalada da violência sem precedentes. Por consequência, os

protestos em massa permitiram a sociedade enxergar a necessidade urgente de forças

policiais preparadas para lidar com estas situações eficazmente, à altura dos anseios

populares por uma polícia melhor.

No mês de junho, os protestos alcançaram o seu ápice. Manifestações ocorreram

em quase todo território nacional e ganharam graves contornos a cada novo confronto

entre policiais e manifestantes. Vários atos de violência recíproca foram registrados e

transmitidos pelos principais meios de comunicação para todo o mundo em tempo real.

Os organismos de segurança pública utilizaram os seus recursos no intuito de

reprimir as ações delitivas, imediatamente surgiram diversas críticas à atuação policial

por não conseguir controlar os protestos, excessos praticados e sobre a legalidade da

utilização de tecnologias não letais nas manifestações, que em sua essência jamais fosse

direcionada para os cidadãos que nada tinham com a prática de crimes durante as

jornadas, mas acabavam sendo atingidos pela ação natural dos recursos na atmosfera ou

por despreparo dos policiais, que ao empregarem, atingiam cidadãos por disparos de

munições de impacto controlado (elastômero) e agentes químicos.

Estas ocorrências ocasionaram sérios desgastes à imagem das corporações

policiais, expondo a sua credibilidade e fomentando indagações sobre a necessidade de

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modernização policial em sua estrutura, gestão, formação, capacitação, inteligência,

integração e atuação visando melhorar os serviços prestados. Vislumbrou a necessidade

urgente do incremento de leis que verdadeiramente assegurem a aplicação adequada da

pretensão punitiva do Estado, sendo um fator inibidor das práticas delitivas, tão

recorrentes durante os protestos.

Tomando como base os fatos descritos, o presente trabalho tem como objeto de

fazer um breve histórico sobre a profissionalização das polícias militares no Brasil e as

mudanças de paradigmas na formação do seu profissional quanto ao emprego legítimo

da força.

Para tanto, se faz necessário problematizar o assunto questionando quais os

valores institucionais ensinados e que tipo de formação é passada ao policial militar, se

houve mudanças nos mesmos e como esse conjunto de valores e doutrinas influenciam

no trabalho policial.

A fim de responder a essas questões, analisaremos ao longo do trabalho os

conceitos de violência, uso da força e, em seguida, faremos uma abordagem histórica

sobre a origem da Polícia Moderna e a origem da polícia militar brasileira, sua evolução

histórica e as mudanças de paradigma na formação de seus agentes.

Os procedimentos metodológicos utilizados no presente estudo partiram

inicialmente de uma pesquisa exploratória e explicativa, aplicando-se o procedimento

da pesquisa bibliográfica, recorrendo a obras literárias, periódicos, artigos, estudo quer

de forma impressa, quer de consulta por meio da internet, que subsidiaram toda a

contextualização teórica.

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1. VIOLÊNCIA E USO DA FORÇA.

1.1 O CONCEITO SOCIOLOGICO DE VIOLÊNCIA

Neste capítulo, analisaremos o conceito de violência na Sociologia, suas

implicações e sua relação com a força empregada pelo agente público de segurança no

exercício da função. A princípio, para a realização dessa empreitada, é necessário que

façamos dois questionamentos bastante recorrentes nos estudos dessa temática. O

primeiro questionamento é se há possibilidade de alcançar um conceito que contemple

todas as manifestações e expressões empíricas da Violência. O segundo questionamento

é se há possibilidade de alcançar um conceito objetivo de Violência, que preencha os

requisitos da objetividade científica como precisão, universalidade e neutralidade

axiológica, assegurando a comparação entre fenômenos considerados diferentes.

De acordo com a 4ª edição da versão escolar do Dicionário Aurélio, publicada

no ano 2000, a palavra Violência significa a prática do ato violento, o ato de violentar

que pode ser entendido como o ato de estuprar, forçar, arrombar, desrespeitar,

constranger (FERREIRA, 2000, p. 712)

ZALUAR (1999, p. 8), por sua vez, recorrendo à origem românica da palavra,

do latim Violentia, define-a como uma força, vigor, utilizada para causar sofrimento,

malefícios, perturbação, romper as relações preestabelecidas e ultrapassar limites. Um

determinado ato pode ser considerado muito violento, ou não, dependendo do momento

histórico e da cultura onde ele é praticado.

MINAYO (2007), numa abordagem geral sobre o conceito de violência

contextualizada com a realidade brasileira no âmbito da saúde e condições de vida,

menciona de forma bastante pertinente o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da

Organização Mundial da Saúde, publicado em 2002 por Etienne G. Krug. O referido

documento define o problema da violência como:

Uso intencional da força física ou do poder real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. (MINAYO APUD KRUG ET. AL., 2007, p. 22).

Embora lance mão de uma definição médica do assunto, a autora ressalta que

existe dificuldade na conceituação precisa da violência. Isso se deve à existência de

múltiplas definições que chegam a divergir entre si, por causa da grande complexidade e

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multicausalidade do fenômeno (MINAYO, 2007, p.22). Apesar disso, não encerra o

assunto. Caracteriza a violência como um fato humano e social, presente no tempo e no

espaço, nas mais diversas culturas ao longo da história, além de estar dentro de cada

pessoa. Nessa perspectiva, o ato violento:

Consiste no uso da força, do poder e de privilégios para dominar, submeter e provocar danos a outros indivíduos, grupos e coletividades. Há sociedades mais violentas do que outras, o que evidencia o peso da cultura na forma de solução de conflitos. (MINAYO, 2007, p.23).

Indo além da ideia de coerção física e social, ODALIA (2004) compreende a

violência não apenas como um exercício de submissão do outro pela força, mas também

como ato de privação. Na visão do autor, todo ato de despojar, desapossar ou privar um

indivíduo de algo que lhe pertença por direito é um ato de violência. A privação seria,

para Odalia, o indício que aponta para a presença da violência, por mais disfarçada que

ela esteja na Sociedade, seja sob o manto legal, sob as tradições ou padrões culturais de

comportamento. De acordo com este ponto de vista, podemos inferir que a negação a

direitos básicos com a vida e liberdade ou a má prestação de serviços públicos

essenciais como assistência à moradia, segurança e saúde públicas são atos de violência.

STOPPINO (1998, p. 1291) nos trás uma definição de violência interessante.

Embora se assemelhe à Minayo quanto à questão da violência como uso da força, ele se

diferencia no tocante ao objetivo do uso dessa força. Afirma que um ato violento só é

cometido quando há voluntariedade por parte do seu perpetrador. Declara também que o

emprego da força para fins positivos, ainda que de forma vigorosa, como salvar uma

vida ou deter uma agressão não se constitui num ato violento. Vejamos o que ele afirma:

Por Violência entende-se a intervenção física de um indivíduo ou grupo contra outro indivíduo ou grupo (ou também contra si mesmo). Para que haja Violência é preciso que a intervenção física seja voluntária: o motorista implicado num acidente de trânsito não exerce a Violência contra as pessoas que ficaram feridas, enquanto exerce Violência quem atropela intencionalmente uma pessoa odiada. Além disso, a intervenção física, na qual a Violência consiste, tem por finalidade destruir, ofender e coagir. É Violência a intervenção do torturador que mutila sua vítima; não é Violência a operação do cirurgião que busca salvar a vida de seu paciente. Exerce Violência quem tortura, fere ou mata; quem, não obstante a resistência, imobiliza ou manipula o corpo de outro; quem impede materialmente outro de cumprir determinada ação. Geralmente a Violência é exercida contra a vontade da vítima. Existem, porém, exceções notáveis, como o suicídio ou os atos de Violência provocados pela vítima com finalidade propagandística ou de outro tipo. (STOPPINO, 1998, p. 1291).

Ainda, segundo o autor, a violência pode ser das seguintes formas:

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A Violência pode ser direta ou indireta. É direta quando atinge de maneira imediata o corpo de quem a sofre. É indireta quando opera através de uma alteração do ambiente físico no qual a vítima se encontra (por exemplo, o fechamento de todas as saídas de um determinado espaço) ou através da destruição, da danificação ou da subtração dos recursos materiais. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: uma modificação prejudicial do estado físico do indivíduo ou do grupo que é o alvo da ação violenta. (STOPPINO, 1998, p. 1292).

Para BARAZAL (2014), a violência e o ser humano são totalmente

indissociáveis. De acordo com a autora, as manifestações da violência são presentes na

sociedade humana desde os primórdios. Porém, apesar da longevidade desse fenômeno,

ainda é difícil conceituá-lo tanto em seu estado latente, quanto em suas várias

manifestações, devido ao seu grau de abstração e sua variedade de significação. (p.

78).

No entanto, de acordo com SILVA (2010), um esforço reflexivo sobre o

fenômeno se faz necessário. Quando as relações sociais são permeadas por

manifestações de agressividade, a ponto de ferir a dignidade do outro, é importante a

realização de uma abordagem objetiva com o intuito de entender as causas dos fatos.

Segundo o autor, este esforço reflexivo por parte da Sociologia em estudar essas tensões

e seus resultados pode ser chamado de Sociologia da Conflitualidade e da Violência

(p.14).

Segundo HAYECK (2009), as tentativas de realização desse esforço intelectual

remontam aos estudos realizados no século XIX, quando pensadores como Marx, Hegel

e Nietziche relacionaram a Violência com a barbárie, diferindo entre si sobre qual seria

a sua origem, se inerente ao homem ou externa ao mesmo e superável. HAYECK, ao

refletir sobre o tema, trata-o como uma prática corrente desde a antiguidade e faz um

esboço sobre como o conceito de Violência, principalmente após o processo

civilizatório do homem. Ponderando sobre a questão, conclui, baseada nos trabalhos de

especialistas como Bauman, Elias, Guiddens, Michaud, Odália e Minayo, que o

fenômeno da Violência não tem uma causa única, mas vem de várias causas como:

O mau funcionamento da Justiça, impunidade, colapso da educação e da saúde, corrupção, influência da mídia, crescimento das cidades, egoísmo, ineficácia de políticas públicas das práticas de intervenção e prevenção da violência, conivência silenciosa dos envolvidos (das vítimas, dos demais, dos profissionais), entre outros. (HAYECK, 2009, p. 7).

ODÁLIA (2004), numa visão semelhante, trata a narrativa bíblica da expulsão

de Adão e Eva do Jardim do Éden como o início de um processo expansivo de violência

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originado na religião e, posteriormente, na cultura humana. Cita a Bíblia como um

verdadeiro compêndio de situações violentas em suas variadas formas, das mais sutis as

mais cruéis, a fim de exemplificar como o tema já era muito presente na Antiguidade e

não algo recente.

Como foi dito anteriormente, a Sociologia Clássica se debruçou sobre a questão

da Violência relacionada ao estado de barbárie. DURKHEIM (1995) contribuiu,

especificamente, com seus estudos voltados para o fenômeno social do Crime. O

sociólogo francês considera o crime um fato social normal.

ARENDT (2001), em suas considerações sobre esta questão, critica o emprego

sinonímico dos conceitos de Poder, Força, Autoridade e Violência. Afirma que, embora

vários autores usem esses termos como sinônimos, sem critério linguístico ou histórico,

tais categorias, embora estejam correlacionadas, são distintas e correspondem a

fenômenos diferentes. Em sua perspectiva o Poder

Corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido [...] A partir do momento em que o grupo, do qual se originara o poder desde o começo (potestas in populo, sem um povo ou um grupo não há poder), desaparece, “o seu poder” também se esvanece. Em seu uso corrente, quando falamos de um “homem poderoso” ou de uma “personalidade poderosa”, já usamos a palavra “poder” metaforicamente; aquilo a que nos referimos sem metáforas é o “vigor”. (ARENDT, 2001, p.36-37).

Já o conceito de Vigor, segundo a autora, designa a qualidade de uma pessoa,

um indivíduo, fazendo parte do seu caráter. Mesmo que este vigor se manifeste em

relação a alguma coisa ou a alguma pessoa, ele é independente destes. Um grupo maior

de pessoas poderá combate uma pessoa forte a fim de aniquilar seu vigor, justamente,

porque este é independente (ARENDT, 2001, p.37).

Arendt compreende que o termo Força, comumente interpretado como

Violência enquanto meio de coerção, deve ser utilizado para designar as forças da

natureza ou a força das circunstâncias, isto é, para indicar a energia liberada através

de movimentos físicos ou sociais (ARENDT, 2001, p.37). Quanto à Autoridade, a autora

define-a como o reconhecimento sem discussões por aqueles que são solicitados a

obedecer (p.37) tornando dispensável o uso da coerção ou da persuasão. O individuo

mantém a sua autoridade enquanto os demais continuam respeitando a sua pessoa ou o

cargo que detém. Quando ocorre o desprezo, a autoridade é perdida.

Por fim, o conceito de Violência, segundo a autora:

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Distingue-se por seu caráter instrumental. Do ponto de vista fenomenológico, está ela próxima do vigor, uma vez que os instrumentos da violência, como todos os demais, são concebidos e usados para o propósito da multiplicação do vigor natural até que, nó último estágio de desenvolvimento, possam substituí-lo. (ARENDT, 2001, p.37).

Outrossim, vale salientar, segundo a mesma perspectiva, que a Violência está

relacionada intimamente ao Poder. Embora não signifiquem, como já foi dito acima, a

mesma coisa, eles se manifestam, no plano da realidade, de forma combinada. Apesar

do Poder, na visão da autora, ser parte da essência de todo governo o mesmo não ocorre

com a Violência. Ela não pode ser essência de coisa alguma. O seu caráter é

instrumental, pois, serve de meio para um fim e necessita ter o seu uso orientado e

justificado. O poder é entendido como o ato de dominação do homem sobre o seu

semelhante através da imposição da sua vontade, que pode se dar através do emprego da

violência, em suas mais variadas expressões.

FOUCAULT APUD SILVA (2010) trata, assim como Hannah Arendt, a

Violência como algo diferente do Poder. Considera que a relação de poder só pode

existir entre pessoas livres enquanto a violência é um instrumento utilizado em relações

sociais entre desiguais (FOUCAULT APUD SILVA, 2010, p.18) onde não há

liberdade.

De acordo com essa interpretação, a coerção praticada pelo Estado contra um

cidadão que desafia sua autoridade legal não é, necessariamente, um ato de violência,

mas de dominação. Já a relação entre Senhor e Escravo não é uma relação de poder, mas

de violência, pois há uma marcante desigualdade. Esta desigualdade é causada pela

supressão da liberdade de um indivíduo. Neste aspecto, a definição de ODALIA (2003)

sobre violência se aproxima bastante das concepções foucaultiana e de Arendt.

Numa tentativa de responder ao segundo questionamento feito no início deste

capítulo, se há realmente a possibilidade de alcançar um conceito objetivo de Violência

que preencha os requisitos da objetividade científica, utilizamos o argumento

antropológico de DAMATTA (1981). DAMATTA reconhece, assim como os demais

autores citados, a dificuldade em conceituar o fenômeno da Violência, mas, o considera

um fato social.

Considera também que o tema possui universalidade e isto torna a pesquisa da

sua origem mais complexa. Portanto, apesar de ser um antropólogo, prefere tratar a

questão enquanto categoria sociológica, utilizando-o como “filtro” para compreender

certos aspectos das relações sociais do que trata-lo como conceito indiscutível.

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As diversas tentativas de conceituação desse fenômeno, como demonstrado

alhures, evidenciam os múltiplos olhares que interpretam esse objeto. Contudo,

podemos considerar que essas abordagens, presentes em disciplinas como o Direito, a

Etimologia, a filosofia e a etologia, bem como no senso comum, não são

necessariamente excludentes, mas complementares.

1.2. VIOLENCIA INSTITUCIONAL E O USO DA FORÇA.

Apesar dessas dificuldades, SOUZA (2010) considera que é possível definir a

Violência em sua amplitude, mas atentando para o fato que não existe uma única

definição que abarque todas as suas manifestações. Para tanto, o autor busca

compreender melhor o fenômeno classificando suas manifestações em categorias

distintas. Seguindo essa perspectiva, podemos inferir que não há uma Violência, mas

violências. Estas violências podem ser classificadas, na visão do autor, como Violência

criminal; Violência política; Violência Socioeconômica; Violência simbólica; Violência

das Instituições Públicas; Macroviolência ou Violência Internacional; Violência

Tecnológica; Violência das guerras e do terrorismo e Microviolência. (SOUZA, 2010,

p. 13-15).

Porém, destas manifestações supracitadas, a que nos interessa para o

desenvolvimento do tema proposto é o que o referido autor chama de Violência Política.

O autor conceitua essa modalidade da seguinte forma:

Violência política refere-se àquelas ações, intencionais ou não, individuais ou coletivas, que podem ser definidas pela lei penal, mas que em geral ultrapassam o próprio direito, pois colocam o Estado como o principal perpetrador e, em algumas circunstâncias, podem ser aceitas ou rejeitadas. Em geral, os estados autoritários são os maiores perpetradores da violência política, mas a violência política independe de regime político. (SOUZA, 2010, p.13)

Na mesma esteira, ZALUAR (1999) analisa a Violência praticada pelas

instituições públicas e a define da seguinte forma:

... Afirmação de força física, por imposição legal de armas, ou jurídica, por imposição da norma que não é discutida nem modificada aberta e democraticamente, o que lhe confere um caráter de normatização, uma expressão excessiva ou autoritária de poder que impede o reconhecimento do outro. (ZALUAR, 1999, p. 2).

Neste ensejo, a autora salienta para o fato de existir duas expressões de

Violência. Uma que se dá de forma física e outra simbólica. Vejamos a sua afirmação:

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Não se pode esquecer, entretanto, a fronteira entre a violência física, que oprime pelo excesso da força corporal ou armada, e a violência simbólica, que exclui e domina por meio da linguagem. A possível relação de causa e efeito não elimina a violência como o uso de instrumentos da força bruta, destacada da violência simbólica, não necessariamente presente no institucional ou no Estado, mas sim na relação com figuras de autoridade que calam os subalternos. (ZALUAR, 1999, p. 2).

Por sua vez, WEBER (2003) define a manifestação estatal da Violência como

uso legítimo da força. Segundo a concepção weberiana, o Estado Moderno foi formado

por um grupo que obteve sucesso em monopolizar o uso dessa força num determinado

território. Outrora, vários grupos humanos usavam normalmente da força de acordo com

seus próprios critérios. Porém, quando esses grupos, mais especificamente no Ocidente,

passaram por um processo civilizador (ELIAS, 1996), o comportamento agressivo dos

homens foi, gradativamente, sendo contido por leis e limitações. Essas sociedades foram

se tornando “civilizadas”. Na medida em que a Autoridade Central (ELIAS, 1996, p.

199) crescia e se fortalecia, mais o uso da força física era monopolizado.

Consequentemente: Nem todos os homens fortes podiam se dar ao prazer do ataque físico. Isto

passava nesse instante a ser reservado àqueles poucos legitimados pela autoridade central (como, por exemplo, a polícia contra criminosos) e a números maiores apenas em tempos excepcionais de guerra ou revolução, na luta socialmente legitimada contra inimigos internos ou externos. (ELIAS, 1996, p. 199).

Para WEBER (2003), o Estado não pode ser definido em termos sociológicos,

porque é difícil haver tarefas que se associam politicamente e sejam consideradas

exclusivamente como políticas. Mas pode ser definido o Estado moderno, em “termos

meios específicos”, sociologicamente, pelo uso da força. O que diz na sua obra:

Sociologicamente, não podemos definir um Estado a partir do conteúdo do que

faz. Não há nenhuma tarefa que uma associação política não tenha em algum momento

tomado nas mãos, mas também nenhuma de que pudéssemos dizer que foi sempre

exclusiva dessas associações denominadas políticas e hoje em dia são designadas como

Estados, ou que foram historicamente as antecessoras do Estado moderno. Em última

instância, o Estado moderno pode ser definido pelos meios peculiares que lhe são

próprios, como é peculiar a toda associação política: o uso da força física. (WEBER,

2003, p.8 )

De acordo com WEBER (2003), o Estado teria sua existência comprometida

caso abdicasse dessa prerrogativa. Qualquer outro grupo, no uso dessa ferramenta, o

sobrepujaria. Embora muitos tenham utilizado da violência ao longo dos tempos, o

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Estado, por sua vez, expande o poder público através de medidas como a proibição de

exércitos particulares e diminuição do poder de outros setores da sociedade, tornando-se

o detentor exclusivo desse poder e única fonte do direito de recorrer à Força, delegando

o emprego da coação física a instituições.

Desta forma, o Estado passa a utilizar um corpo especializado de servidores que

o representem e garantam o cumprimento das leis, seja por imposição, seja pelo

convencimento. Porém, o seu domínio só é considerado legítimo por meio da

legalidade, ou seja, através da criação de leis que sejam aceitas consensualmente pela

população. No entanto, o consenso só é possível, bem como a obediência, quando a

população crê no ordenamento jurídico estabelecido como um instrumento eficaz para a

manutenção da ordem e da paz social e, por sua vez, nos servidores públicos como seus

representantes legítimos. Vejamos o que WEBER diz de forma mais precisa:

Finalmente, temos a dominação imposta por meio da legalidade, fundada na

crença da validade do estatuto legal e da competência funcional baseada em normas racionalmente definidas. Essa é a dominação exercida pelo moderno servidor do Estado e por todos os detentores do poder a ele assemelhados . (WEBER, 2003, p.11)

Indivíduos que venham se comportar de forma considerada incompatível com o

estatuto legal e, deliberadamente, desobedeçam aos servidores que representam o

Estado, deverão, nessa perspectiva, sofrer sansões, desde as econômicas à restrição da

sua liberdade. Para tal, o Estado usa da força como meio de coibir, prevenir ou mesmo

punir atos considerados ilegais.

Além disso, segundo PINC (2006), as instituições estatais se tornaram o meio

mais prático de eliminar o uso da força do cotidiano. O Estado, no intuído de manter a

paz social, autorizaria o “exercício residual” da força para “uma corporação de

funcionários autorizados” (PINC, 2006, p. 17) que, neste caso, seria a nossa concepção

moderna de Polícia, instituição que discutiremos posteriormente.

1.3- DOMANDO O LEVIATÃ: O DESENVOLVIMENTO DE

MECANISMOS PARA LIMITAÇÃO DO USO DA FORÇA.

19

Apesar da inicial legitimação do Estado Moderno por meio do consenso e da

força, seu papel tem sido sempre revisto e as ações praticadas por suas instituições de

controle constantemente criticadas. O Estado oscilou entre a figura hobbesiana do

monstruoso Leviatã, que a tudo controla (BOBBIO, 2000, p. 17), ao Estado Mínimo que

nada governa e que não passa de um inconveniente para os cidadãos, desde quando foi

criado (THOUREAU, 2011, p.13).

No período histórico mais recente, os horrores das duas Grandes Guerras

Mundiais trouxeram sérios traumas para milhões de pessoas. Acontecimentos como o

Holocausto praticado pelos Nazistas contra judeus, minorias étnicas, homossexuais e

milhares de dissidentes políticos chocaram o mundo. Tais acontecimentos, além de

impactarem a opinião pública, trouxeram à tona as atrocidades que podem ser cometidas

por uma estrutura estatal não norteada por mecanismos legais que garantam a existência

de uma sociedade democrática, livre e plural.

Em decorrência disso, os organismos internacionais instituídos após o fim da

Segunda Guerra Mundial, como a Organização das Nações Unidas, formularam

mecanismos legais, baseados no Direito Internacional, com o objetivo de regulamentar

o uso da força por parte das instituições públicas de segurança dos países signatários e,

por sua vez, coibir os excessos praticados por seus agentes, em prol da defesa das

liberdades civis e da dignidade da pessoa humana.

Segundo ROLEMBERG (2013, p.16-17), dentre essas iniciativas, a que mais

influenciou os ordenamentos jurídicos dos países ocidentais no que tange à limitação do

uso da força por parte do Estado, bem como à proteção dos Direitos Humanos, foi a

proclamação, na Assembleia Geral das Nações Unidas, das seguintes cartas: A

Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948 e o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 16 de dezembro de 1966. Através da

proclamação dessas cartas, foi apresentado um conjunto de princípios que regulariam, a

partir e então, as relações humanas entre Estado e Cidadão com o objetivo de abolir

práticas brutais e degradantes por parte do Estado contra os civis, bem como

desenvolver um aparato legal e medidas políticas que garantissem os direitos

individuais e a dignidade da pessoa humana.

De acordo com o autor, foi realizada em 22 de novembro de 1969 a Convenção

Americana de Direitos Humanos (CADH), conhecida por Pacto de San José da Costa

Rica. Nesta data, os países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA)

assumiram, dentre vários compromissos, os relacionados ao respeito e defesa dos

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direitos e liberdades reconhecidos e a garantia do seu livre e pleno exercício a todos os

cidadãos sob a sua jurisdição, sem qualquer discriminação. Além disso, O Pacto de San

José da Costa Rica consagrou direitos civis e políticos como o reconhecimento da

personalidade jurídica, os direitos à vida, integridade da pessoa, liberdade pessoal,

garantias jurídicas, proteção à honra, reconhecimento à dignidade, liberdade religiosa e

de consciência, liberdade de pensamento, expressão e a livre associação.

(ROLEMBERG, 2013, p. 17).

Ainda segundo o autor, a CADH criou, no ano de 1969, a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Esses organismos foram instituídos com o objetivo de assegurar a proteção dos temas

pactuados pelo Pacto de San José da Costa Rica e o seu cumprimento por parte dos

países signatários. Vale lembrar também que em 10 de dezembro de 1984, foi instituída

pela Assembleia Geral da ONU a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou

Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Esta Convenção, adotada pela Resolução

39/46, também corroborou com os princípios defendidos pelas resoluções anteriores

para a proteção dos cidadãos contra práticas violentas dessa natureza. (ROLEMBERG,

2013, p.17).

Segundo SANDES (2007), a ONU, em 1979, instituiu através da Resolução

36/169 o Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei.

Este código versa mais especificamente sobre a atuação dos órgãos estatais de

segurança no intuito de regulamentar o uso da força e limitar o uso de armas de fogo. O

objetivo dessa resolução é diminuir a letalidade dos agentes públicos de segurança e

banir práticas arbitrárias que afrontem os Direitos Humanos e estes atuem em

consonância com os princípios do Estado Democrático de Direito, consagrados nas

últimas convenções e tratados internacionais.

Como estado membro da ONU, o Brasil ratificou a CADH através do Decreto

Legislativo nº 27 de 26 de maio de 1992, que entrou em vigor após o Decreto

presidencial nº 678 de 06 de novembro de 1992, o qual foi publicado no Diário Oficial

de 05 de Novembro de 1992, página 15.562, determinando o seu integral cumprimento.

Da mesma forma O Brasil ratificou a Convenção Contra a Tortura e Outros

Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, através do Congresso

Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 04, de 23 de maio de 1989, sendo que a

Carta de Ratificação foi depositada no dia 28 de setembro de 1989, data que entrou em

21

vigor no Brasil. Em de 15 de fevereiro de 1991, foi aprovado o Decreto Presidencial nº

40, determinando a execução e cumprimento integral do texto contido na Convenção.

Através do Decreto Lei nº 6.085 de 19 de abril de 2007, o Brasil ratificou

também o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou

Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, efetivado em Nova York no dia 18 de

dezembro de 2002, que em linhas gerais reafirma a Convenção de 1984, objetivando

estabelecer um sistema de visitas regulares por órgãos nacionais e internacionais

independentes a lugares onde pessoas são privadas do seu direito de liberdade com o

objetivo de prevenir quaisquer atos que venham de encontro aos proclamados na

Convenção.

Analisando os múltiplos olhares, podemos notar nas diversas falas que Violência

e Uso da Força são praticamente sinonímicos porém, na medida que esta força é

empregada para uma ação aparentemente benéfica, a conotação agressiva e pejorativa

do ato violento vai dando lugar a uma interpretação positiva do mesmo.

Após analisar os diversos conceitos e olhares sobre a Violência e o Uso

Legítimo da Força, analisaremos no próximo capítulo com mais profundidade sobre a

concepção moderna de Polícia, sua formação e atuação como instituição detentora do

uso da força e mecanismo de controle social.

2 AS POLÍCIAS: O BRAÇO ARMADO DO ESTADO MODERNO

MONJARDET (2003), numa perspectiva weberiana, classifica a Polícia como a

força pública instituída pelo Estado para coibir atos violentos praticados pelos

22

indivíduos. Para tanto, o Estado lhe concede o direito exclusivo de usar violência, a

saber, a força em seu uso legitimado pela Lei.

De acordo com o autor, a Polícia possui três dimensões essenciais: Institucional,

Organizacional e Profissional. A Polícia é uma instituição porque atua como

instrumento de autoridade política a serviço da coletividade. É uma organização porque

é dotada de mecanismos burocráticos e informais que geram falta de transparência

perante o público e inércia. É uma profissão porque possui interesses e cultura próprios.

2.1. POLÍCIA: HABITUS E ETHOS.

BRAND & TOLFO (2012), empregando o conceito de habitus de Bourdieu,

afirmam que para que um agente público possa atuar na função, é necessário que ele

incorpore o habitus da instituição. Este processo de incorporação ocorrerá, a princípio,

durante o período de formação pelo qual o novo profissional será submetido.

O habitus em BOURDIEU, segundo as autoras (BRAND & TOLFO, 2012, p.2),

é conceituado da seguinte forma:

Uma categoria mediadora que transcende a fronteira entre o objetivo e o subjetivo; consiste em uma matriz geradora de comportamentos, visões de mundo e sistemas de classificação da realidade que se incorporam aos indivíduos, ao mesmo tempo que também se desenvolvem neles, seja no nível das práticas, seja no da postura corporal desses mesmos sujeitos.

Segundo DIÓGENES (2011) a concepção de Ethos na cultura policial está

relacionada aos valores morais e comportamentos considerados próprios ou compatíveis

com a profissão, aprendidos na Instituição. Apesar de termos aparentemente

sinonímicos, Ethos, segundo o autor, não é o mesmo que habitus. Enquanto o primeiro

termo significa o conjunto de valores morais, caráter e o modo de agir aceito por

determinado grupo, o segundo conceito pode ser definido como a base de onde esses

códigos são provenientes.

De acordo com OLIVEIRA JÚNIOR. (2011), a Polícia, após ser investida de

poder, passa a representar no cotidiano àquele que a instituiu. Para tanto, o agente

policial adquire dentro da corporação da qual faz parte, o que BOURDIEU (1989)

chama de habitus, ou seja, um conjunto de informações para que ele possa se comportar

de acordo com o grupo e suas atribuições.

23

Através desse habitus, o policial, como representação mais visível do Estado –

Considerado grande detentor de Capital Simbólico, o que lhe garante a condução ao

poder - começa a reproduzir ritualmente a ordem estabelecida durante a sua atuação

ostensiva. Consequentemente, sua representação pode ser encarada como uma

manifestação desse mesmo Capital. Dentre as diversas reproduções dessa ordem

também podem ser elencadas as cerimônias militares, como desfiles e formaturas, os

sinais de continência prestados pelos subordinados aos superiores ou entre seus pares,

códigos de conduta, e outros símbolos que “transmitam ao público e aos próprios

policiais uma imagem de excelência, tradição e espírito de corporação” (OLIVEIRA

JÚNIOR, 2011, p. 67).

De acordo com este modo de pensar e agir, os profissionais de segurança

passariam a atuar não somente para atender as demandas do público, para quem em tese

serviriam, mas para reforçar o poder da sua instituição e seus valores, influenciando

bastante na sua relação com o cidadão.

2.2. ORIGEM DAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS NO OCIDENTE E SUA

PROFISSIONALIZAÇÃO: O PARADIGMA LONDRINO.

A utilização da força pelo Estado Moderno nem sempre foi recebida de forma

passiva por parte dos cidadãos. De acordo com HOBSBAWN (2009), tensões sociais

provocadas pela grande explosão demográfica e ressurgimento das cidades, resultantes

da Revolução Industrial ocorrida entre os séculos XVIII e XIX, propiciaram situações

como revoltas, revoluções e expansão do fenômeno da criminalidade. Tais fatos

ameaçaram os poderes constituídos. Em contrapartida, governantes de países como a

Inglaterra e França pensaram em modelos institucionais que garantissem não apenas a

segurança externa de seus territórios, mas também, a sua segurança interna. Desta

necessidade surgem as instituições policiais.

No entanto, BAYLEY (2001) afirma que o fenômeno da instituição de

organizações policiais em si não é exclusivo da Modernidade. Para o autor, diversas

sociedades, em períodos distintos, desenvolveram mecanismos de regulação e controle

social, caracterizados pelo emprego de efetivo policial pago com recursos públicos, ou,

controlado pelo poder público e pago com recursos privados.

24

Contudo, na visão de BAYLEY (2001), o que diferencia o modelo moderno dos

antigos organismos de policiamento são as ênfases na sua natureza pública, na

especialização e no profissionalismo.

BRETAS e MONJARDET (2003) salientam que uma das marcas dessa

profissionalização é a detenção de um saber específico por parte dos policiais. Apenas

os operadores de segurança, pela simples razão de deterem esse conhecimento, é que

podem avaliar de forma adequada o trabalho que desempenham. Nessa perspectiva, o

agente de Polícia se tornou, a partir do século XIX, um profissional especializado,

detentor de um saber que o qualifica para o enfrentamento do crime e da desordem

social.

De acordo com BATITUCCI (2010), as polícias, durante esse período,

desenvolveram essas características principalmente na Europa e nos Estados Unidos,

tendo como principal expoente dessa transformação a Polícia Metropolitana de Londres,

fundada, em 1829, para prevenir as condutas consideradas desviantes por meio da

repressão.

Segundo BATTUCCI (2010), MONET (2001), ROCHA (2013) e

ROLEMBERG (2013), esse sistema foi idealizado pelo ministro do parlamento

britânico Sir Robert Peel. Para que alcançasse o seu pleno funcionamento, os operadores

do modelo inglês de policiamento deveriam obedecer nove princípios. Estes preceitos,

chamados de “Princípios Peelianos” de policiamento, influenciaram o conceito

ocidental de polícia. Eis os princípios:

A missão fundamental para a polícia existir é prevenir o crime e a desordem; A capacidade da polícia para exercer as suas funções está dependente da aprovação pública das ações policiais; A Polícia deve garantir a cooperação voluntária dos cidadãos, no cumprimento voluntário da lei, para ser capaz de garantir e manter o respeito do público; O grau de cooperação do público pode ser garantido se diminui proporcionalmente à necessidade do uso de força física; A Polícia não deve se manter (criar prestígio e autenticidade) apenas com prisões, não preservando assim o favor público e abastecendo a opinião pública, mas pela constante demonstração de absoluto serviço abnegado à lei; A Polícia usa a força física na medida necessária para garantir a observância da lei ou para restaurar a ordem apenas quando o exercício da resolução pacífica, persuasão e de aviso é considerado insuficiente; A Polícia, em todos os tempos, deve manter um relacionamento com o público que lhe dá força à tradição histórica de que a polícia é o público e o público é a polícia, a polícia é formada por membros da população que são pagos para dar atenção em tempo integral aos deveres que incumbem a cada cidadão, no interesse do bem-estar da comunidade e a sua existência; A polícia deve sempre dirigir a sua ação no sentido estritamente de suas funções e nunca parecer que está a usurpar os poderes do judiciário; O teste de eficiência da polícia é a ausência do crime e da desordem, não a evidência visível da ação da polícia em lidar com ele. (ROCHA, 2013, p. VIII).

25

Apesar de serem atribuídos à Peel, estes princípios, na verdade, sintetizam uma

longa tradição de estudos e debates sobre a Polícia e sua organização que remonta ao

século XVIII. Peel tinha como objetivo conferir à instituição um caráter burocrático e,

com isso, torna-la legitima perante a sociedade, vencendo a desconfiança desta -

sensivelmente afetada pelas hostilidades entre a classe trabalhadora e às elites,

resultantes da luta dos trabalhadores por direitos como o voto e a representação política

no Parlamento - que via na presença de um corpo policial um meio da Coroa suprimir as

liberdades individuais (BATITUCCI, 2010, p. 33-34).

Era necessário repensar um novo modelo de polícia, pois, segundo MONET

(2001), os britânicos temiam a adoção de um modelo inquisitorial de polícia similar ao

francês, considerado perigoso para os anseios liberais da população, e o antigo modelo

de policiamento, representado pelas diversas polícias locais se encontrava em franco

declínio devido às diversas lutas pela centralização do poder, por parte da Coroa. Esses

corpos policiais, por sua vez, seguiriam o mesmo destino das polícias comunais, suas

antecessoras do período feudal.

Além desses princípios, BATITUCCI (2010), baseado em trabalhos de

policiólogos como Miller, Reiner e Emsley, aponta como características principais desse

modelo organizacional o uso de uniforme; patrulhamento ostensivo para atendimento de

demandas da localidade e não com finalidade político-econômica; recrutamento e

seleção; plano salarial e de carreira; ascensão hierárquica através dos critérios de

meritocracia e antiguidade, dando maior ênfase ao meritocrático; estabilidade para os

bons profissionais; supervisão e controle do policiamento ordinário.

Ainda neste diapasão, a instituição policial, num próximo estágio de

amadurecimento, conquistaria a legitimidade social, após o arrefecimento dessas

tensões, por meio de diversos elementos organizacionais. Estes elementos são:

Organização Burocrática: a nova polícia seria organizada por princípios de uma hierarquia burocrática, com uma cadeia de comando em linhas quase-militares; regras e regulamentos governavam vários aspectos da vida do policial (uso do uniforme, hábitos de higiene, formas de tratamento de populares e superiores hierárquicos, horários de trabalho, etc.) e não só aqueles relacionados à sua atividade de patrulha; a adesão a estes regulamentos era inculcada por meio de formação e treinamento; Mandato da Lei: a forma como a polícia atuava na manutenção da ordem e no reforço do sistema legal era, ela mesma, submetida a um conjunto de regras e procedimentos que visavam restringir a liberdade de ação do policial; Estratégia do Uso Limitado da Força: o grosso dos policiais não portava armas, estando limitados a um bastão de madeira, sendo que mesmo o seu uso era restrito, determinado apenas como último recurso; Neutralidade Política: considerada um dos elementos mais importantes, indicava que a polícia deveria apresentar uma imagem de neutralidade política diante das agudas divisões de classe da sociedade inglesa, procurando a imparcialidade na

26

ação, que deve ser orientada por princípios genéricos (para tanto, se proibia o voto aos policiais – política que perdurou até 1887); Accountability: a despeito de não haver controle formal por nenhum corpo eleito, entendia-se que a polícia era accountable à lei, em virtude de que suas ações eram revistas pelas cortes, mas, especialmente, à população, através de um processo de identificação entre a polícia e as classes populares, incentivado por estratégias deliberadas de recrutamento e seleção, que buscavam os policiais entre a massa das classes populares; Espírito Público: incentivado por meio do cultivo deliberado da noção de que o policial é um servo da população; Primazia da Prevenção: determina a concentração da força nas atividades de patrulha ostensiva uniformizada, visível (e controlável) pela população, em detrimento das atividades de investigação, usualmente desenvolvidas em segredo; Efetividade: observada pelo desenvolvimento progressivo de indicadores e critérios que procuravam validar a busca do oferecimento de um serviço de qualidade. (BATITUCCI, 2010, p.33-34).

Seguindo estas diretrizes, a polícia londrina se tornou notoriamente

institucionalizada e, também, serviu de modelo para o que viria a ser uma instituição

policial no mundo Ocidental.

2.3. O MODELO DE POLICIAMENTO NORTE-AMERICANO.

Segundo BATTUCCI (2010), as polícias norte-americanas adotaram

gradativamente o modelo profissional londrino, na segunda metade do século XIX.

Anteriormente, as organizações policiais dos Estados Unidos não possuíam uma

padronização quanto ao uso de uniforme de seu efetivo, não havia treinamento básico e

as instituições faziam parte dos processos políticos locais onde estavam inseridas. Não

eram organizações neutras, impessoais.

A introdução do patrulhamento ostensivo e preventivo demonstrou que era

necessária a adoção de um modelo padronizado e universal de policiamento. Também

era comum, numa mesma cidade, a existência de polícias distintas. Cada organização

pertencia ao distrito da qual era oriunda e respondia ao líder político local, não a um

governo centralizado. Muitas dessas corporações atuavam em caráter privado. Isto

acarretou em problemas de supervisão da atividade policial. O próprio processo de

padronização do modus operandi das polícias, e sua consequente despolitização,

ocorreu tanto da necessidade de supervisão mais eficaz quanto da tendência de

racionalização e burocratização dos diversos serviços públicos prestados à população,

antes oferecidos por diversos grupos privados (BATITUCCI, 2010, p. 36-37).

Para Walker apud BATITUCCI (2010), foi a partir dessa padronização que o

policial norte-americano tomou consciência de seu papel profissional perante a

sociedade. As forças policiais começaram a recrutar para os postos de comando

27

membros da própria corporação e seus especialistas passaram a desenvolver literatura

profissional.

Segundo WALKER (1977), as instituições policiais norte-americanas

introduziram um caráter militarizado à sua estrutura organizacional. Isto ocorreu para

que houvesse maior controle e disciplina sobre a conduta do agente de polícia. A

autoridade passou a ser centralizada racionalizando, assim, os procedimentos de

comando e controle. Adotaram hierarquia e estatutos disciplinares semelhantes aos do

Exército.

Com o objetivo de proporcionar maior eficiência nos serviços, as instituições

criaram academias e escolas de instrução para treinar rigorosamente os profissionais a

fim de capacitá-los para o desempenho da função e incutir-lhes o ideal de combate ao

crime. A seleção, recrutamento e a promoção destes novos profissionais passaram a ser

baseadas em critérios meritocrático, através dos quais o desempenho individual dos

policiais seria periodicamente avaliado. Investiram massivamente no uso de tecnologias

como o automóvel, telefone (Substituído posteriormente pelo rádio.) e na criação de

redes centrais de atendimento via telefone, a fim de dar maior dinamismo aos policiais

no atendimento de ocorrências e ampliar a sua atuação abrangendo grandes áreas

urbanas (BATITUCCI, 2011, p. 69-70)

2.4. A BUROCRATIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS E SUAS

CONSEQUÊNCIAS.

BITTNER (2003) afirma que, apesar dos avanços tecnológicos e da maior

profissionalização do policial, a burocratização do serviço trouxe mudanças drásticas no

trato do agente público de segurança para com a comunidade que ele assistia. A atuação

do agente público, através de patrulhas a pé, de proximidade para com os cidadãos,

ouvindo seus dilemas cotidianos, tornou-se distante a partir do uso da viatura e da

adoção da filosofia de combate ao crime.

Esse novo modelo de atuação, chamado por BATITUCCI (2010; 2011) de

modelo profissional-burocrático, é, para PONCIONI (2007, p.23-24), que prefere

denominá-lo de modelo profissional tradicional, o resultado da junção dos modelos

burocrático-militar e de aplicação da Lei. O operador de segurança, sob esse paradigma,

é treinado para agir de forma imparcial, neutra e distante para com a população,

restringindo-se ao cumprimento dos seus deveres formais no âmbito interno da

28

corporação e ao atendimento de ocorrências, seguindo uma lógica de reação à violência

e combate ao crime, e deixa de lado necessidades da comunidade que não se enquadrem

necessariamente na esfera criminal.

Como consequência desse distanciamento institucional, se desenvolveu no

âmbito das corporações uma cultura profissional (BATTIBUGLI, 2009; BATITUCCI,

2010; BRETAS, 1997; BRETAS e ROSEMBERG, 2013; MAUCH, 2007; PONCIONI,

2007; ROLIM, 2007). Apesar da diversidade de instituições policiais, cada uma com um

contexto organizacional bastante distinto, parece existir, na visão de BRETAS (1997,

p.80) uma comunidade formada por profissionais com visões de mundo semelhantes.

Para BRETAS (1997, p. 79-81) os estudos sobre as organizações policiais e seu

funcionamento enfrentam dificuldades já na própria tentativa, por parte dos estudiosos,

em conceituar o próprio termo Polícia. Embora traga ao senso comum um significado

genérico e uma aparente obviedade, a palavra Polícia abarca, na prática, instituições

com atribuições as mais diversas e modus operandi diferenciados. Em virtude disso, o

autor considera o estudo da mentalidade e cultura do policial um caminho mais

proveitoso para que compreendamos, com mais clareza, o que vem a ser a identidade

policial.

Uma boa descrição dessa cultura policial, através da qual o agente público de

segurança passa a interpretar a realidade será apresentada a seguir:

Entre as características desta cultura têm sido enumerados o conservadorismo, o cinismo ou pessimismo, o preconceito racial, a suspeita e o isolamento da comunidade contrabalançado por um sentimento de solidariedade de grupo e outros. Este conjunto de elementos produz uma visão preferencialmente negativa do mundo que lhe é exterior – reflexo do tipo de evento que lhes é apresentado diariamente – incluindo aí o sistema legal como um todo, que deixa escapar delinquentes que a polícia poderia pegar com facilidade se não tivessem de respeitar os limites legais. “A polícia prende e a justiça solta” é um argumento permanente de policiais. As diferenças locais não se fazem pelo que os policiais pensam, mas por quanto deste pensamento é transformado em ação. (BRETAS, 1997, p. 81-82)

Embora existam no seio de cada instituição policia valores e culturas

institucionais distintos, formados por princípios e identidades institucionais próprios

(BATTIBUGLI, 2009) há um conjunto de valores gerais que permeiam diversas

instituições em vários países, inclusive no Brasil. (BATTIBUGLI, 2009; BRETAS,

1997; BARROS, 2009; MAUCH, 2007; PONCIONI, 2007).

Um dos traços marcantes dessa cultura profissional é a militarização (BARROS,

2009). Para o policial, principalmente o que recebeu um legado formativo do Exército,

29

como é o caso do policial militar no Brasil, existe uma diferença entre o policial e o

“paisano”. Este “paisano” é identificado, principalmente no jargão do policial militar,

como o cidadão civil, que não é policial (BARROS, 2009, p. 173). Através desse rótulo,

o policial traça um limite quase intransponível entre o seu “mundo” e o “mundo dos

paisanos”, algo que causa, para o autor, problemas de interação e cooperação entre

instituição policial e a comunidade, no tocante a aplicabilidade de um policiamento

mais voltado para os anseios da população.

A partir da década de 1960, a violência urbana cresceu rapidamente na maioria

das democracias ocidentais. Apesar do alto investimento em aparato tecnológico, as

instituições policiais demonstraram ineficiência no combate ao crime. Esta situação

expôs as fragilidades das organizações e, consequentemente, culminou na crise do

modelo liberal de organização policial. (PONCIONI, 2007, p.23).

Ainda de acordo com a autora, o aumento dos crimes violentos gerou na

população uma enorme sensação de insegurança. Por conta disso, o discurso de controle

do crime foi substituído pelo discurso beligerante de “guerra contra o crime”. A fim de

atender a nova demanda, as polícias assumiram uma postura mais militarizada e reativa,

negligenciando várias outras áreas de interesse que também contribuiriam para a

manutenção da ordem pública. (PONCIONI, 2007, p.23-24)

De acordo com Levy apud PONCIONI (2007), dentre os principais componentes

da crise do modelo liberal de polícia, que consequentemente contribuíram para o seu

fracasso, estão a incapacidade das instituições policiais em se aproximar da Sociedade,

o que ocasiona numa ineficácia quanto a prestação de um bom serviço; O isolamento

destas instituições da sociedade mais ampla e sua resistência constante ao controle

externo de sua atividade e, finalmente, a ausência de accountability dessas instituições

perante o público.

Segundo Goldstein apud BATITUCCI (2011), apesar das reformas ocorridas nos

programas de treinamento e formação dos policiais durante esse período, pautadas no

rígido cumprimento da Lei e proteção aos direitos individuais de todos os cidadãos,

inclusive dos criminosos custodiados pelo Estado, houve grande discrepância entre a

atuação dos policiais e a imagem que as instituições públicas de segurança queriam

passar à Sociedade. A maneira inadequada de lidar com manifestantes descontentes e

minorias expôs uma faceta conservadora das organizações policiais, evidenciando sua

vinculação ao status quo. Além disso, ocorre o aumento de práticas discricionárias e o

gerenciamento de problemas, relacionados a atos infracionais, por vias informais do que

30

pelo cumprimento estrito dos procedimentos formais estabelecidos, por parte dos

agentes de polícia. (BATITUCCI, 2011, p. 79)

Dentre as praticas discricionárias, Goldstein enumera as mais comuns no

cotidiano do trabalho policial:

1) arranjos informais destinados a gerenciar incidentes e problemas de comportamento nas ruas eram mais comuns, por parte dos policiais, do que a aderência a procedimentos formalmente estabelecidos; 2) as pressões do volume de ocorrências, da opinião pública, das outras agências do Sistema de Justiça Criminal, além dos interesses e predileções pessoais dos funcionários do sistema, eram percebidos como mais importantes e influentes sobre o modo de trabalho da polícia e do resto do Sistema de Justiça Criminal do que a lei, tal como representada na Constituição Federal, por leis estaduais ou posturas municipais; 3) a detenção pela polícia, comumente associada ao primeiro passo da persecução criminal, era utilizada para alcançar todo um outro conjunto de objetivos, além daqueles associados à persecução criminal propriamente dita, tais como a investigação, a punição arbitrária, a promoção de embaraço ou mesmo a proteção de suspeitos ou conhecidos da polícia; 4) uma grande variedade de métodos informais, exteriores à lógica formal de funcionamento do Sistema de Justiça Criminal, era adotada pela polícia para o cumprimento de suas responsabilidades e para a realização das expectativas que o público mantém sobre o trabalho policial (especialmente em atividades relacionadas à captação e ao controle de informantes e ao policiamento de áreas sensíveis, tais como das drogas e da prostituição). (GOLDSTEIN APUD BATITUCCI, 2011, p. 80)

2.5. O MODELO DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO COMO NOVO

PARADIGMA.

Após o evidente fracasso desse modelo de gestão, organizações policiais nesses

países desenvolveram novas formas de atuação voltadas para um policiamento

preventivo de proximidade com a população, descentralizado e focado na resolução de

problemas. Dentre as iniciativas que mais se aproximam dessa nova filosofia de

trabalho policial é o modelo de policiamento comunitário.

De acordo com KELLING & MOORE APUD BATITUCCI (2011), o modelo de

policiamento comunitário propõe seis estratégias principais:

1) uma nova ênfase na comunidade, que, junto com a lei, passará a representar a base para a construção da legitimidade política da polícia, com estratégias para promover o envolvimento e o suporte à ação policial; 2) a redefinição e a ampliação da função da polícia, que voltará a abraçar as ideias de manutenção da ordem, negociação de conflitos e provisão de serviços como atividades principais; 3) a desconcentração organizacional e a descentralização do poder de decisão para as unidades de linha da organização policial; 4) o incentivo na construção de sólidas relações com a comunidade, seja entre os policiais do nível estratégico, seja entre os policiais de linha; 5) o gerenciamento privilegiando as demandas dos cidadãos, seja no planejamento, seja na ação; 6) a reconceitualização das medidas de avaliação operacional, que também devem passar a considerar variáveis como redução do medo e satisfação dos cidadãos

31

com os serviços policiais, bem como as medidas tradicionais de controle do crime. (KELLING & MOORE APUD BATITUCCI, 2011, p.87)

A implementação das medidas descritas acima, associadas a outras de cunho

assistencial, foi crucial para a recuperação da confiança da população nas suas polícias e

a redução dos índices de crimes violentos. Além disso, o novo paradigma de

policiamento ampliou as atribuições do policial, antes restrito ao seu papel de mero

repressor de crimes, para mobilizador da sociedade e orientador.

No caso brasileiro, a relação entre policia e sociedade também foi marcada por

barreiras culturais e institucionais. Estas barreiras, além de provocar o insulamento das

instituições policiais nacionais, contribuíram para um comportamento bastante

repressivo para com a população.

A fim de tratar mais especificamente dessas questões, analisaremos no próximo

capítulo a formação da polícia militar brasileira, suas influências e profissionalização.

3 A FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DAS POLÍCIAS

MILITARES NO BRASIL.

32

3.1. A POLÍCIA NO PERÍODO COLONIAL.

A relação distante e, por diversas vezes arbitrária, entre a polícia brasileira e a

população não é uma herança apenas do Regime Militar de 1964, como é bastante

propagado pelo senso comum, mas remonta a um período bem mais antigo. Segundo

ROCHA (2013), esse comportamento foi legado das instituições ibéricas de

policiamento durante o período colonial, em toda a América Latina.

De acordo com COTTA (2006), a consolidação da exploração do ouro, por

parte de Portugal, deve muito ao desenvolvimento de mecanismos utilizados para a

manutenção da ordem pública através do uso legítimo da força.

Diversos autores concordam (BATITUCCI, 2010; BRETAS, 1997; COTTA,

2006; MAUCH, 2007; ROCHA, 2013) que estes mecanismos, baseados em modelos de

policiamento - marcadamente centralista e militarizado - já existia na Metrópole e, por

sua vez, reproduziria as mesmas características patrimonialistas do Estado Absolutista

Português.

Para BATITUCCI (2010), COTTA (2009) e ROCHA (2013), a instituição, à

priori, das ordenanças e milícias durante o período colonial e, posteriormente, com a

vinda da Família Real Portuguesa, da Intendência Geral de Polícia e sua Guarda Real de

Polícia, a Guarda Nacional e os Corpos de Guardas Municipais Permanentes, foi

marcada por diversos conflitos de interesses entre o Governo Central e as elites locais.

Segundo COTTA (2006), o policiamento no período colonial era orientado,

quase que exclusivamente, para a fiscalização dos impostos e das riquezas destinadas à

Coroa, segurança dos prédios oficiais e captura de escravos fugitivos, ou, para servir de

instrumentos de práticas clientelistas por parte dos que detinham algum tipo de poder

econômico ou militar em nível local.

O aumento abusivo da tributação acirrou as tensões entre Lisboa, as elites e a

população, resultando, assim, na eclosão de revoltas em toda a colônia. Esses levantes,

denominados pela historiografia brasileira tradicional como revoltas nativistas e

movimentos emancipacionistas nacionais, foram reprimidos pela Metrópole de forma

violenta (FERTIG e THESING, 2013).

3.2. A FRANÇA DOS TRÓPICOS: A IDEOLOGIA MILITARISTA DAS

POLÍCIAS E SEU EMPREGO NA POLÍTICA HIGIENISTA DURANTE O

PERÍODO IMPERIAL.

33

Após a Independência, as polícias brasileiras mantiveram o seu caráter

militarizado. De acordo com ROCHA (2013), BRETAS (1997), BRETAS e

ROSEMBERG (2013), o processo de profissionalização, burocratização e modernização

das policiais brasileiras durante o século XIX e início do século XX está atrelado à

própria militarização destas instituições.

Segundo ROCHA (2013), a adoção dos modelos militarizados das polícias

europeias dos países continentais - Mais especificamente, segundo MONET (2001), a

Gendarmerie e o corpo Marecheusse de cavalaria, da França e suas instituições

congêneres alemãs - serviu como instrumento para consolidação do poder e imposição

da autoridade dos novos Estados na América Latina sobre a população, considerada

bastante heterogênea, que as elites queriam, pretensamente, civilizar nos moldes

europeus. Segundo a visão de mundo dessas elites, a adoção desse paradigma de polícia,

assim como o desenvolvimento de um exército moderno, simbolizaria a consolidação do

ideal liberal que, consequentemente, levaria a Nação ao progresso.

Porém, havia um obstáculo para a consolidação dessa visão. Segundo FREYRE

(1990), SOBRINHO (2013) e WISSEMBACH (1998), após a Abolição da Escravatura

os escravos forros engrossaram o contingente populacional em diversas cidades, se

somando à população já miscigenada e livre. De acordo com os autores, durante o

processo desordenado de ocupação dos espaços urbanos, as classes baixas - Agora

integradas também pelos negros recentemente libertos - sem nenhum amparo do poder

público ou acesso às condições básicas de salubridade, foram expostas á vários tipos de

doenças infectocontagiosas e pragas urbanas como ratos, baratas, piolhos, etc.

Além disso, o desemprego levava à prática do trabalho informal ou a ociosidade.

Tal quadro foi encarado pelas elites como um problema que passaram a associar os

pobres à proliferação de doenças, pragas, a desordem urbana. As próprias manifestações

culturais de matrizes africanas, trazidas pelos escravos libertos ao ambiente urbano, a

exemplo do Candomblé e da Capoeira, também foram encaradas como comportamentos

desviantes e vulgares, que deveriam ser combatidos.

Para transformar o Brasil numa república nos moldes franceses (CAMARGOS,

2003), era necessário erradicar o que as elites consideravam o foco do atraso cultural e

das doenças por meio da higienização da sociedade (SOBRINHO, 2013;

WISSEMBACH, 1998). As populações mais pobres agora eram alvos não só da

segurança pública. Eram, a partir de então, um problema de saúde pública.

34

A fim de “limpar a sujeira” dos espaços urbanos, as instituições policiais,

seguindo as ordens dos governantes e dos patronos desse projeto civilizador, passaram a

perseguir e reprimir as camadas populares, expulsando pessoas dos cortiços e fechando

prostíbulos em nome da higiene. (SOBRINHO, 2013, p. 212-214).

Para BATITUCCI (2010, p. 44), o foco excessivo na vigilância e na repressão

das classes populares, tratadas como perigosas - associado às disputas políticas entre as

classes dominantes e também entre as corporações policiais, consideradas impotentes

diante das elites - contribuiu para a consolidação tardia do modelo profissional-

burocrático nas polícias brasileiras, se dando apenas no decorrer do século XX.

Para o autor, as instituições policiais brasileiras mantiveram, a despeito do seu

desenvolvimento, práticas culturais e institucionais voltadas para a vigilância, em

detrimento da prevenção, informalização das práticas policiais, personalismo e maior

discricionariedade do agente de segurança, em detrimento daquilo que devia ser a

prática regulamentada pelas instituições.

3.3. DO MILITAR GUERREIRO AO POLICIAL CIDADÃO: RESISTÊNCIAS

E MUDANÇAS DE PARADIGMAS NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO

POLICIAL MILITAR.

Apesar das mudanças políticas ocorridas em decorrência da redemocratização

em 1988, as Polícias Militares pouco mudaram em sua estrutura organizacional.

Segundo ZAVERUCHA (2010, p.45-47), as organizações policiais militares não

sofreram alterações profundas durante esse processo.

Os acordos políticos, feitos entre os militares e os parlamentares civis durante a

Constituinte de 1987, garantiram que as Forças Armadas continuassem ingerindo

politicamente nas PMs. As OPMs manteriam seus status de Forças Auxiliares do

Exército. Desta forma, a Carta Constitucional de 1988, de acordo com ZAVERUCHA

(2010, p.40) não estendeu sua influência progressista às relações civil-militares, mas

manteve o legado não democrático e autoritário da Constituição de 1967 e da Emenda

Constitucional nº 1, de 1969, influenciadas por uma visão estatizante e pela Doutrina de

Segurança Nacional. De acordo com essa doutrina, as polícias continuariam tratando os

cidadãos em conflito com a Lei como elementos perigosos e inimigos da ordem.

Para corroborar com as palavras do autor segue a cláusula da Constituição de

1967 que versa sobre o assunto:

35

Art. 13. Os Estados se organizam e se regem pelas Constituições e pelas leis que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes: [...]

§ 4o As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados fôrças auxiliares, reserva do Exército. (CAVALCANTI, Themístocles Brandão et.al. Constituição Federal de 1967, in Constituições Brasileiras, Vol. VI, 3º Ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012, p. 79-80)

E, logo abaixo, a cláusula da emenda constitucional de 1969 que não altera o

dispositivo legal: Art. 13. Os Estados se organizam e se regem pelas Constituições e pelas leis

que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes: [...]

§ 4o As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem pública nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados fôrças auxiliares, reserva do Exército, não podendo seus postos ou graduações ter remuneração superior à fixada para os postos e graduações correspondentes no Exército. (CAVALCANTI, Themístocles Brandão et.al. Emenda Constitucional nº1, 1969 in Constituições Brasileiras, Vol. VI, 3º Ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012, p. 144-145)

Confrontando com o texto constitucional de 1988, percebemos claramente a

continuidade do antigo modelo institucional militar. Vejamos:

Art. 144. [...]§ 6o As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e

reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (TÁCITO, Caio. Constituição Federal de 1988 in Constituições Brasileiras, Vol. VII, 3º Ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012, p.125)

Contudo, para JÚNIOR (2011), o status das Polícias Militares de força auxiliar

do Exército e sua consequente formação militarizada não é uma herança, como pensa o

senso comum, da Ditadura Militar de 1964, mas um legado do Estado Novo.

A fim de reforçar o pode central e enfraquecer o poder político dos estados da

Federação, as forças policiais estaduais sofreram um processo de doutrinação que as

ajustariam aos ditames do governo pós-revolucionário de Getúlio Vargas, através da

instituição do decreto federal de nº 23.126, de 23 de agosto de 1933, chamado de Lei do

Ensino Militar e, posteriormente, a vinculação oficial das mesmas ao Exército como

forças auxiliares de reserva, por meio da Lei nº 192, de 17 de janeiro de 1936, em

conformidade com a Constituição de 1934 (JÚNIOR, 2011, p. 284).

Segundo o autor, estas leis tinham por finalidade, respectivamente, a

padronização do ensino nas escolas militares que ofertariam, a partir de então, um

36

ensino técnico-profissionalizante para o efetivo das forças armadas e polícias, e o direito

da União legislar diretamente sobre as instituições policiais, assumindo seu total

controle. Vejamos o que nos diz mais precisamente os artigos 19 e 20 da Lei do Ensino

Militar:Art. 19. O ensino será ministrado de modo que a instrução seja contínua,

gradual, objetiva e tão completa quanto possível, atendendo-se a cada um dos seus graus, não só a instrução profissional, com a indispensável unidade de doutrina, mas ainda à cultura geral que lhe deve corresponder.

Art. 20. O conhecimento da língua vernácula deve constituir objeto de constante solicitude; levar-se-ão em conta, no julgamento das provas de exames, concursos e demais trabalhos escolares, a clareza e a correção na manifestação do pensamento. (JÚNIOR, Nilson Carvalho Crusoé, decreto federal nº 23.126 de 1933, p. 17173, in O Ensino Militar na Era Vargas e a Formação dos Policiais Militares no Estado da Bahia, História: Debates e Tendências – Vol.10, n. 2, jul/dez.2010, publicada no 2º Semestre de 2011, p.283).

Em seguida o que nos diz a Lei nº192, de 1936:

Art. 4º. O efetivo e o armamento de cada Corpo ou Unidade não poderão exceder aos previstos para as unidades das mesmas armas do Exército em tempos de paz. […]

Art. 6º. Os comandos das Policias Militares serão atribuídos, em comissão, a oficiais superiores e capitães do serviço ativo do Exército, ou a oficiais superiores das próprias corporações, uns e outros possuidores do Curso da Escola de Armas do Exército ou da própria corporação [...].

Art. 11 - As Polícias Militares poderão adquirir, nos órgãos provedores do Exército, tudo quanto necessitarem para a sua subsistência (víveres, forragem, fardamentos, etc.) ou para a sua maior eficiência (armamento, equipamento, munições etc.) [...]

Art. 12 - É vedado às Polícias Militares possuir artilharia, aviação e carros de combate, não se incluindo nesta última categoria os carros blindados [...]

Art. 26 - A Instrução dos quadros e da tropa, que obedecerá a orientação do Estado-Maior do Exército, será obrigatoriamente dirigida por oficiais do Exército ativo que tenham, pelo menos, o curso da Escola de Armas e sejam postos pelo Ministro de Guerra à disposição dos Governadores dos Estados, por propostas destes e com a anuência do Estado-Maior do Exército (JÚNIOR, Nilson Carvalho Crusoé, lei nº 192, de 17 de janeiro de 1936, DOU– quarta-feira – 22/1/1936, p. 1.713-1.716, in O Ensino Militar na Era Vargas e a Formação dos Policiais Militares no Estado da Bahia, História: Debates e Tendências – Vol10, n. 2, jul/dez.2010, publicada no 2º Semestre de 2011, p.284).

Por conta disso, a Carta Constitucional de 1937, chamada vulgarmente de

“Polaca”, ratificou a questão das PMs, sendo o seu artigo nº 16 redigido da seguinte

forma:Art. 16. Compete privativamente á União o poder de legislar sobre as seguintes

materias: [...]XXVI – Organisação, instrucção, justiça e garantia das forças policiaes dos

Estados e sua utilização como reserva do Exercito (PORTO, Walter Costa. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 in Constituições Brasileiras, vol.IV, 3ª Ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012, p.60-61)

37

Para se moldarem a este novo paradigma, as polícias militares criaram centros de

formação e aperfeiçoamento em seus respectivos estados. Um exemplo disso foi a

fundação do CIM (Centro de Instrução Militar) da PM da Bahia. Criada em 31 de

dezembro de 1937, esta unidade que seria o embrião da Academia de Polícia Militar

desse estado, ofereceu às novas turmas de praças e cadetes – de acordo com as

exigências federais - disciplinas de cunho fortemente militarizado como Infantaria,

Cavalaria, Pedagogia Militar, Instrução Física, Organização do Terreno e Topografia de

Campanha, além de disciplinas gerais como Português, Francês, Aritmética e outras.

(JÚNIOR, 2011, p.286-288)

A despeito da redemocratização, ocorrida após o fim do Estado Novo, o legado

formativo guerreiro não foi abandonado. BATTIBUGLI (2009) cita como exemplo

dessa herança, mais especificamente o caso da polícia paulista, a formação de unidades

policiais treinadas em técnicas de combates terrestres e repressão a greves e tumultos,

com a utilização de Tropas de Choque armadas de bombas de efeito moral, gases,

metralhadoras e jatos d’água.

Um caso interessante de tentativa de mudança da formação do policial ocorreu

em Minas Gerais, durante a década de 1950. Segundo HAMADA (2013) o surto de

desenvolvimento industrial ocorrido em Belo Horizonte e em Contagem, influenciou na

explosão demográfica desses centros urbanos. Devido ao crescimento desordenado da

população, que afluía para estes centros em busca de melhores condições

socioeconômicas, houve o aumento da exclusão social. Como consequência, a

criminalidade também se expandiu.

No intuito de atender a esta nova demanda, os gestores da polícia militar mineira

trabalharam na construção de um projeto de polícia que priorizasse uma formação

profissional eminentemente policial. Oficiais da PM mineira participaram de cursos

especializados em outras instituições, inclusive nos Estados Unidos, para que fossem

versados em técnicas como as de patrulhamento motorizado ostensivo e preservação de

local de crime. (HAMADA, 2013, p. 150).

Porém, com a Ditadura Militar de 1964, o projeto sofreu perdas (HAMADA,

2013, p. 151) e o ensino policial foi afetado - Como ocorreu em todas as outras OPMs

por conta da Doutrina de Segurança Nacional vigente – sendo voltado não mais para a

prevenção da criminalidade, mas para a repressão de elementos subversivos e supressão

de distúrbios civis.

38

Ainda segundo o autor, apesar do período conturbado, as discussões sobre a

modernização da formação policial continuaram. Conscientes da necessidade de adaptar

a Polícia Militar mineira à realidade local, os instrutores focaram o treinamento na

prevenção de crimes. Os gestores substituíram entre os anos de 1975 e 1979 a antiga

grade curricular dos cursos de formação da corporação, modernizaram a estrutura

administrativa, com novas formas de capacitação de recursos humanos, melhor seleção

do pessoal e aperfeiçoamento do efetivo já formado (HAMADA, 2013, p. 152).

Contudo, o modelo militarizado de instrução e formação continuou persistindo

em todo o Brasil. Uma prova disso foi a criação, já no final da década de 70, de

unidades de operações especiais em vários estados (COTTA, 2009). Estas unidades

deveriam estar prontas para atuar em situações críticas como terrorismo, guerrilha e

contraguerrilha. Para tanto, seus integrantes recebiam treinamento extraídos do modelo

de “Comandos” das Forças Armadas, a fim de capacitá-los a atuar em qualquer

ambiente. De acordo com COTTA (2009), FRANCISCO (2013), NETTO (2011) e

STORANI (2008), essa formação – Que sofreu alterações através da inclusão de

disciplinas como Noções de Direito e Direitos Humanos um bom tempo depois do

período de redemocratização NETTO (2011, p. 88-89) – era mais propícia para treinar

um soldado para a Guerra, do que formar um policial.

Um exemplo dessa metamorfose, segundo NETTO (2011) ocorreu durante a

oferta dos cursos de operações especiais (COEsp) ministrados pelo GATE (Grupamento

de Ações Táticas Especiais) da PM de Minas Gerais, entre os anos de 1989 e 2011.

Conforme o autor, os cursos de operações especiais ocorridos entre os anos de

1989 e 2001, eram orientados, quase exclusivamente, para ações táticas, operações com

explosivos, operações helitransportadas, gerenciamento de crise, armamentos e

sobrevivência. Uma grade curricular muito semelhante aos cursos de Operações

Especiais das Forças Armadas. Somente a partir de 2008 foi incluída a disciplina de

Direitos Humanos aplicada a Operações Especiais.

O paradigma de ensino militar só foi confrontado, segundo NETTO (2011) e

PONCIONI (2007), após o restabelecimento do Estado Democrático de Direito, no qual

não mais caberia uma doutrinação policial voltada para a destruição do inimigo como

ocorre numa guerra contra um elemento externo.

Para PONCIONI (2007), SANDES (2007) e TEIXEIRA (2009) as denúncias

feitas por setores da Sociedade Civil organizada contra os constantes abusos praticados

por agentes das instituições policiais trouxeram grande repercussão midiática e atraíram

39

atenção dos organismos internacionais de Defesa dos Direitos Humanos. Por conta dos

sucessivos escândalos houve maior cobrança por parte do Poder Público por um maior

controle externo da atividade policial e melhor preparo dos seus agentes. As OPMs, por

sua vez, deveriam cumprir, dentre as muitas exigências, a de readequação das práticas

pedagógicas nas suas instituições de ensino. Essa mudança só seria possível através da

substituição do antigo modelo, talhado pela Doutrina de Segurança Nacional, por uma

nova visão, voltada para a proteção à vida tanto do policial, quanto da vítima e também

do criminoso, bem como garantir a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Esta mudança afetaria também, segundo HAMADA (2013), PINC (2009),

PONCIONI (2007) e outros, a estrutura das matrizes curriculares dos cursos de

formação de praças e oficiais das polícias militares, tradicionalmente influenciadas

pelos manuais de Regimentos de Infantaria do Exército Brasileiro.

Em virtude disso, após longos debates entre estudiosos, políticos e profissionais

de segurança pública, chegou-se a conclusão que os policiais brasileiros deveriam ser

formados com base numa nova matriz curricular focada numa formação cidadã, técnica

e na defesa dos Direitos Humanos e do Estado Democrático de Direito. ( SILVA, 2012,

p.50). Segundo o autor, a efetivação dessa matriz curricular se deu através da

implementação da nova Matriz Curricular Nacional (MCN), instituída em 2003 pelo

Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública

(SENASP). De acordo com SILVA (2012) a implementação da MCN também provocou

a diminuição das diferenças na formação básica dos agentes das diversas instituições

policiais militares.

Diante das novas demandas, os gestores da SENASP formularam projetos para

melhor capacitação do capital humano existente nas corporações que integram todo o

sistema de Segurança Pública, redundando numa melhor efetividade das suas

instituições. Para tanto, se fez necessário repensar o currículo dos cursos ofertados aos

agentes públicos de segurança. Este currículo deveria nortear as ações formativas destes

profissionais e privilegiar:

O foco no processo de aprendizagem; a construção de redes do conhecimento que promovam a integração, a cooperação e a articulação entre diferentes instituições; as diversas modalidades de ensino; os diferentes tipos de aprendizagem e recursos; o desenvolvimento de competências cognitivas, operativas e afetivas; a autonomia intelectual; a reflexão antes, durante e após as ações. (Matriz Curricular Nacional Para a Formação em Segurança Pública, Ministério da Justiça- Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP, 2009, p.6)

40

Para atingir a esse objetivo, a MCN serviu como referencial teórico-

metodológico, norteando as ações formativas dos profissionais de segurança pública.

Esta matriz, que nos remete aos conceitos de “geração” e “criação”, propõe a utilização

de instrumentos que norteiem e orientem as práticas formativas e o trabalho em

Segurança Pública, propiciando uma formação unificada a despeito da diversidade das

instituições. Esta unidade se daria por meio do diálogo entre os eixos articuladores e as

áreas temáticas discutidas no novo currículo proposto.

Através disso, esta nova formação não habilitaria o profissional de Segurança

Pública para atender, tão somente, às competências técnicas e operativas especificadas

na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) ou às suas atribuições jurídicas,

elencadas no artº 42 da Constituição de 1988 e nas constituições estaduais, mas o

capacitaria para assumir outras competências complementares que abrangessem o

campo cognitivo. Este novo olhar levaria o profissional público a compreender, de

forma crítica, o seu papel social e político, e a refletir e decidir sobre as ações tomadas

no cumprimento da sua missão.

Para ampliar as competências já existentes na CBO, além de auxiliar na

elaboração das grades curriculares dos centros de formação em todo país, novas

competências foram adicionadas ao programa formativo dos profissionais de segurança.

Este conjunto de competências foi organizado, para fins didáticos, num mapa e

elencados em três grupos: Competências Cognitivas, Competências Operativas e

Competências Atitudinais. Segue detalhadamente o mapa abaixo:

Competências Cognitivas: Analisar dados estatísticos que possibilitem compreender os cenários da realidade brasileira em relação à criminalidade, à violência e à necessidade da prevenção; Descrever o Sistema de Segurança Pública; Compreender a necessidade de uma gestão integrada e comunitária do Sistema de Segurança Pública; Descrever o papel da instituição a que pertence dentro do Sistema de Segurança Pública; Estabelecer um panorama geral sobre o Sistema Jurídico vigente no país, essencialmente no que é pertinente aos ramos do Direito, aplicáveis à atuação do profissional de Segurança Pública; Relacionar a utilização da força e da arma de fogo aos princípios de legalidade, necessidade e proporcionalidade. Competências Operativas: Proteger pessoas; Demonstrar segurança; Manusear armas não-letais e letais. Dominar técnicas de abordagem; Dominar técnicas de autodefesa; Dominar técnicas de primeiros socorros; Dominar técnicas de negociação, resolução de conflitos e incidentes; Transmitir mensagens via rádio; Selecionar equipamento de acordo com o tipo de ocorrência; Usar equipamento de proteção individual; Manejar equipamentos com eficácia; Praticar exercícios físicos; Relacionar-se com a comunidade; Prestar serviços assistenciais à comunidade; Trabalhar em equipe e múltiplas equipes ao mesmo tempo;Levantar informações sobre o local da ocorrência;Isolar local de crime;Prever socorro de vítimas;Obter ou captar informações sobre a ocorrência;Entrevistar pessoas; Arrolar testemunhas; Conduzir à autoridade policial as partes envolvidas no crime; Elaborar documentos pertinentes à ocorrência; Elaborar relatórios; Cumprir determinações judiciais; Produzir estatística; Tipificar as condutas delituosas.

41

Competências Atitudinais: Demonstrar controle emocional;Manter-se atualizado; Manter ética profissional; Cumprir normas e regulamentos internos; Agir com civilidade e respeito; Demonstrar desenvoltura; Demonstrar criatividade; Demonstrar paciência; Demonstrar perspicácia; Demonstrar capacidade para lidar com a complexidade das situações, o risco e a incerteza; Demonstrar disciplina; Demonstrar resistência à fadiga física; Manter boa apresentação;Manter condicionamento físico; Demonstrar firmeza de caráter; Agir com bom senso; Agir discretamente; Agir com iniciativa; Agir com imparcialidade. (Matriz Curricular Nacional Para a Formação em Segurança Pública, Ministério da Justiça- Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP, 2009, p.10-11).

Ainda de acordo com o projeto da Matriz Curricular (SENASP, 2009, p.12-14), os

princípios que fundamentam a concepção formativa da MCN estão também divididos

em três grupos: Ético, Educacional e Didático-Pedagógico.

Os princípios éticos enfatizam uma relação entre a ação profissional e a defesa

dos Direitos Humanos e do Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, toda e

qualquer prática profissional não deve passar do estrito cumprimento do dever legal e

devem ser orientadas para garantia dos Direitos Humanos e cidadania, com ênfase no

respeito à dignidade da pessoa humana e na justiça social.

Os princípios educacionais, por sua vez, são formados pelas linhas gerais que

fundamentam as Ações Formativas dos Profissionais da Área de Segurança Pública.

Estas linhas gerais compreendem os conceitos de flexibilidade; Diversificação;

transformação; Abrangência; Capilaridade; Qualidade; Atualização permanente. De

acordo com estes princípios educacionais, as Ações Formativas devem ser um processo

que contribua para a transformação e inovação das políticas públicas de segurança.

Deve abranger o maior número de instituições e profissionais através de estratégias de

multiplicação e capacitação, com uso constante de ferramentas tecnológicas adequadas.

Deve também realizar avaliações periódicas, a fim de manter a qualidade do ensino

oferecido aos profissionais, investindo constantemente no corpo docente e fomentando a

continuidade dos cursos e da troca de experiências entre os profissionais.

Já os princípios Didático-Pedagógicos orientam todas as atividades referentes ao

planejamento, execução e avaliação utilizados na formação profissional, valorizando

tanto o saber das instituições e dos profissionais, acumulados ao longo dos anos de

experiência e prática cotidiana, quanto à universalidade, isto é, a padronização dos

conceitos, doutrinas e metodologias ensinadas aos agentes de segurança, Não deixando

de levar em consideração as peculiaridades e especificidades existentes no país. Além

disso, a formação profissional deve trabalhar o conhecimento de forma interdisciplinar e

transversal, possibilitando maior interação entre os participantes, ampliando o leque

42

teórico-metodológico através do emprego de várias disciplinas correlacionadas, no

intuito de alcançar um padrão acadêmico de excelência.

As ações formativas, baseadas na matriz curricular, tem como principal objetivo:

Favorecer a compreensão do exercício da atividade de Segurança Pública como prática da cidadania, da participação profissional, social e política num Estado Democrático de Direito, estimulando a adoção de atitudes de justiça, cooperação, respeito à lei, promoção humana e repúdio a qualquer forma de intolerância. (Matriz Curricular Nacional Para a Formação em Segurança Pública, Ministério da Justiça- Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP, 2009, p.14).

Neste diapasão, as ações formativas de segurança pública deverão proporcionar

condições para que os profissionais em formação possam:

Posicionar-se de maneira crítica, ética, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como importante instrumento para mediar conflitos e tomar decisões; Perceber-se como agente transformador da realidade social e histórica do país, identificando as características estruturais e conjunturais da realidade social e as interações entre elas, a fim de contribuir ativamente para a melhoria da qualidade da vida social, institucional e individual; Conhecer e valorizar a diversidade que caracteriza a sociedade brasileira, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, classe social, crença, gênero, orientação sexual, etnia e outras características individuais e sociais; conhecer e dominar diversas técnicas e procedimentos, inclusive os relativos ao uso da força, e as tecnologias não letais para o desempenho da atividade de Segurança Pública, utilizando-os de acordo com os preceitos legais; Utilizar diferentes linguagens, fontes de informação e recursos tecnológicos para construir e afirmar conhecimentos sobre a realidade em situações que requerem a atuação das instituições e dos profissionais de Segurança Pública. (Matriz Curricular Nacional Para a Formação em Segurança Pública, Ministério da Justiça- Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP, 2009, p.14).

Apesar desses esforços, BRETAS (1997), SILVA (2012), SILVA (2011),

JÚNIOR (2010) e TEIXEIRA (2009), apontam para o fato que as instituições policiais,

sobretudo as militares, resistiram à adoção desse novo paradigma formativo. Isso se deu

por causa da cultura autoritária ainda arraigada nas organizações policiais e, também,

por conta da influência de uma cultura profissional informal, transmitida pelos policiais

mais experientes aos mais novos, herdada não somente do regime autoritário de 1964,

mas de práticas resultantes de um longo processo de acúmulo de saber adquirido por

meio da experiência. Este “currículo informal” contribuiu para que, na prática, muitos

policiais continuassem executando seu modus operandi, “selecionando” aquilo que

deveria ser aplicado do que não deveria no exercício da profissão.

SILVA (2012, p. 51) cita como exemplo da continuidade dessa cultura antiga a

insistência na formação militarizada nos cursos de formação de soldados e oficiais,

como os realizados pela Polícia Militar do Rio Grande do Norte. Nestes cursos, ainda é

comum, durante as marchas e corridas realiadas pelos pelotões, que os instrutores,

43

seguidos dos alunos, cantem canções (As tão conhecidas pelos militares como Charlie

Mike) que exaltam atos de violência e violação de Direitos Humanos, como se o policial

fosse um soldado preparado para enfrentar um inimigo na guerra, e não um agente de

segurança pública voltado para o diálogo e interação com os cidadãos, num contexto

democrático. O autor elenca algumas dessas canções:

Combate corpo a corpo não se pode vacilar, pega o inimigo e dá porrada até matar. O interrogatório é fácil de fazer, pega o inimigo e dá porrada pra valer”. Ou: “Homem de preto, qual é sua missão? É invadir a favela e deixar corpo no chão. Você sabe quem eu sou? Sou maldito cão de guerra. Sou treinado pra matar. Mesmo que custe minha vida, a missão será cumprida, seja ela onde for, espalhando a violência, a morte e o terror” .... Ou ainda: “Boris, Boris camarada, meu Sr. Boris. O interrogatório é fácil de fazer. A gente pega o animal e bate nele pra valer. E se não colaborar, bate nele até matar. Esse sangue é bom, já provei não há perigo. É melhor que café é o sangue do inimigo. (SILVA, 2012, p.51)

Ainda nessa esteira, o autor discute o paradoxo existente na adoção da MCN, o

discurso de defesa da Democracia e praticas abusivas e discriminatórias adotadas

durante os cursos de formação. Tais práticas são evidenciadas através de termos

pejorativos com os quais os alunos são alcunhados como “monstro” ou “bicho” e

constantes humilhações e cerceamentos ao direito de defesa dos postulantes ao cargo de

policial militar (SILVA, 2012, p. 52).

Mesmo passando por esse tipo de situação e tendo que obedecer a estatutos e

regulamentos disciplinares inspirados no RDE (Regulamento Disciplinar do Exército), o

novo policial militar deverá assumir o compromisso de ser defensor dos Direitos

Humanos, pertencendo, contudo, a uma instituição que nega de diversas formas esses

direitos. Além disso, o PM enfrenta o dilema de ser policial, com todas as suas

atribuições constitucionais e, ao mesmo tempo militar (Com todo seu legado autoritário

e guerreiro), duas coisas consideradas por muitos como inconciliáveis, gerando,

segundo MUNIZ (2001), uma crise de identidade.

Além da crise de identidade institucional, se soma a crise de credibilidade das

organizações policiais. Esta crise de credibilidade se deu por fatores semelhantes aos

ocorridos nas grandes polícias ocidentais, por conta da implementação do modelo

profissional-burocrático e a sua incapacidade de lidar com o problema da violência

urbana que não afetou apenas os países de economia central, mas as capitais dos países

periféricos também. (BRETAS 1997; SILVA, 2012; PONCIONI, 2007; SOARES,

2006; ZALUAR, 1999)

44

Mesmo com a utilização de todo um aparato repressivo, as polícias

demonstraram impotência diante desse quadro preocupante, ainda mais com a ascensão

de organizações criminosas poderosas como o Comando Vermelho, e o PCC (Primeiro

Comando da Capital), que viram no narcotráfico sua principal fonte de recursos,

possibilitando-lhes a dotação de equipamentos e armas capazes de fazer frente aos

órgãos tradicionalmente detentores do monopólio da violência, ao ponto de disputar

territórios com o próprio Estado e preencher os espaços sociais negligenciados pelo

Poder Público.

No caso das polícias brasileiras ainda há um agravante: O alto índice de

letalidade provocada pelos agentes de segurança pública. (SANTOS, 1997). Ao invés da

priorização da proteção à vida – Que seria, por razões óbvias, a missão primordial no

exercício da atividade policial – ocorre a virtualização da violência física ilegítima e a

possibilidade constante de ocorrer algum tipo de excesso ou arbitrariedade por parte do

agente público de segurança. (SANTOS, 1997, p. 162)

O autor ainda trata a situação paradoxal em que vivem as organizações policiais

brasileiras. Este paradoxo consiste no aumento da violência e abusos praticados por seus

agentes a despeito do processo de redemocratização das estruturas políticas do país.

Dentre os casos mais flagrantes de violação dos Direitos Humanos estão as práticas de

tortura, a organização de grupos de extermínio, os “Esquadrões da Morte” para executar

pessoas pertencentes a grupos sociais marginalizados. (SANTOS, 1997, p. 162)

Vale salientar que o Brasil vive uma situação ambígua. Embora seja signatário

das principais resoluções da ONU que versam sobre Direitos Humanos e

democratização da ação policial, é constantemente criticado pelos organismos

internacionais por práticas arbitrárias de seus agentes públicos. Os casos mais

emblemáticos que chamou a atenção da opinião pública foram a intervenção no presídio

do Carandirú e as reintegrações de posse em Eldorado dos Carajás – PA e Corumbiara –

RO, que terminaram em chacina. (SANTOS, 1997, p. 163) E, recentemente, a repressão

violenta durante as manifestações de 2013, principalmente em São Paulo e Rio de

Janeiro (ROLEMBERG, 2013)

No intuito de fazer jus aos tratados assinados e minimizar o uso excessivo da

força por parte dos policiais e reduzir os casos de truculência e brutalidade, as Polícias

Militares, bem como as demais organizações policais, adotaram a doutrina de Uso

Racional, Progressivo ou Diferenciado da Força.

45

Segundo SANDES (2007) e TEIXEIRA (2009), essa doutrina se baseia no uso

escalonado e diferenciado da força por parte dos agentes públicos de segurança. O

agente, no intuito de preservar a vida do indivíduo e racionalizar o emprego da força

numa ocorrência, prioriza a verbalização como meio de persuadir o cidadão abordado e

fazer-se obedecer. Caso a verbalização não gere o efeito desejado, o contato físico

vigoroso, como conduzir segurando pelo braço ou revistar o indivíduo em atitude

suspeita, ou se necessário, a própria imobilização e algemação, será utilizado. Caso o

indivíduo abordado adote uma postura agressiva e de ataque contra os policiais, será

priorizado o emprego de armas e técnicas não letais para conte-lo, como gases

atordoantes, armas de choque elétrico (Pistola Taser) ou disparos de munições de

impacto controlado. O emprego de armas letais será a última opção, e, caso ocorra seu

uso como primeira alternativa, que seja apenas em defesa de uma agressão com armas

de fogo, desde que respeite o princípio da proporcionalidade.

Sendo a atividade de Segurança Pública essencial para a defesa da cidadania,

vale lembrar a lição do insigne Professor Ricardo Balestreri (2003, p.100) em sua obra

Direitos Humanos: Coisa de Polícia, o qual afirma:

Se a polícia é importante para a manutenção da ordem, evidentemente é importante para a defesa dos direitos. A ideologia é diferente daquela que tínhamos no período autoritário, onde todo cidadão era um inimigo interno em potencial. A polícia, antes de tudo, defende direitos, logicamente direitos humanos. Por que não? O policial foi instituído pela sociedade para ser o defensor número um dos direitos humanos. Seria estranho dizer isso há alguns anos, hoje é absolutamente lógico no contexto de uma sociedade democrática.

46

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No entanto, essa monopolização do uso da força, que vem com a promessa de

afastar a Violência da vida diária, acaba se demonstrando ilusório. Por trás da tentativa

de organizar a sociedade, o Estado se comporta como um jardineiro que vê a sociedade

sob seu comando como objetivo de planejamento, cultivo e extirpação de ervas

daninhas. (BAUMAN, 1998, p. 31). Elimina o indesejável e desobstrui aquilo que

obstaculiza o seu projeto de poder. O mítico processo civilizador se revela inconcluso e

o problema hobbesiano ainda não está solucionado (BAUMAN, 1998, p. 32).

Apesar da perspectiva um tanto quanto pessimista, a busca pela aplicação dos

direitos e garantias fundamentais dos cidadãos é uma característica marcante dos países

democráticos e que deve ser um objetivo aspirado pelas nossas forças de segurança.

Sendo o Brasil, um país aberto aos preceitos inerentes ao respeito à dignidade da pessoa

humana, detentor de uma Constituição Federal fundamentada nestes princípios, os quais

foram acrescidos de outros, através de Convenções e Tratados Internacionais de Direitos

Humanos recepcionados no direito interno, não há dúvida quanto à vocação do país

concernente ao respeito a estes direitos.

Sendo a atividade de segurança pública essencial para a proteção ao cidadão,

razão de ser da sociedade democrática, logo, todas as ações desenvolvidas por estes

órgãos nas esferas da União, Estados e Municípios deverão ser pautadas no

ordenamento jurídico vigente, sob pena de ilegalidade das ações, comprometimento do

funcionário encarregado da aplicação da Lei e descrédito da instituição perante a

sociedade.

Em ocorrências e manifestações populares, os agentes das forças de segurança

pública, independentemente das ações de infratores da lei, têm a obrigação de agir

dentro dos ditames da legalidade, observando o convencionado nas Convenções e

Tratados Internacionais de Direitos Humanos, priorizando o uso diferenciado da força.

47

A atuação policial é constantemente criticada por diversos órgãos, movimentos

sociais, imprensa, sindicatos, organizações não governamentais, dentre outros, inclusive

pondo em dúvida a legalidade de suas ações.

Como os policiais são os representantes do Estado encarregado da aplicação da

Lei, têm o dever de cumprir os ditames preconizados no ordenamento jurídico em vigor,

a sociedade espera o nível de profissionalismo adequado para o desenvolvimento das

suas atribuições. Este profissional jamais poderá nivelar as suas ações com as de

infratores da Lei.

Quando os limites da atuação não são respeitados, os dispositivos jurídicos

asseguradores da atuação do representante do Estado perde a sua eficácia e,

consequentemente, a imagem das instituições públicas de segurança sofrem desgaste

perante a sociedade.

Tomando como exemplo os fatos que ocorreram em 2013, que resultaram em

muitos feridos nos confrontos e várias críticas às corporações policiais militares,

podemos inferir que há necessidade urgente de que uma legislação seja produzida a fim

de regulamentar assuntos como o emprego de armamentos não letais e a padronização

da ação policial em manifestações públicas, a fim de evitar as inúmeras divergências

jurídicas.

Por consequência a necessidade de melhor capacitação dos membros das forças

de segurança pública, o incremento do uso diferenciado da força, quando necessário,

através das mais diversas tecnologias não letais, assim como o legítimo reconhecimento

profissional por parte da sociedade, contribuirá para o ideal exercício da cidadania,

respeito às garantias individuais e o reconhecimento da sociedade.

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