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Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

Publicação:Centro de Formação para a Cidadania AKONIRua Armando Vieira da Silva – 110 – ApeadouroSão Luis – MA – CEP: 65.030-130Fone (98) 3275-8604 / Fax (98) 3249-1338e-mail: [email protected] / [email protected]

Coordenação Geral:Carmen Lúcia Silva Belfort Lúcia Regina de Azevedo PachêcoMarta Maria Andrade

Secretária Executiva:Maria José Pereira Silva

Projeto EKO ILERÁ: (RE) CONSTRUINDO O MUNDO ERÊCoordenação Geral: Walgonélia Costa Reis OliveiraCoordenação Administrativa-Financeira: Conceição de Maria CantanhedeArticuladora: Eliane Cristina Cantanhede Vera CruzArticulador: André Lúcio Coelho

Facilitadora EDUCAÇÃO: Ana Amélia Campos MafraFacilitador(a) SAÚDE: Luiz Alves Ferreira e Gisele Padilha Costa

Organizador(a):Magno José CruzGisele Padilha Costa

Comissão Editorial: Ana Amélia Campos Máfra – Pedagoga, militante do Centro de Cultura Negra (CCN)Aniceto Cantanhede Filho – Antropólogo, militante do CCNClaudicéa Alves Durans – Mestra em Educação, militante do ConlutasGisele Padilha Costa – Terapeuta Ocupacional, militante do CCNIlma Fátima de Jesus – Mestra em Educação, coordenadora da MNULúcia Regina de Azevedo Pachêco – Educadora Popular, coordenadora da AKONIMágno José Cruz – Engenheiro Civil, militante do CCNMaria Raymunda Araújo (Mundinha) – Pesquisadora e Historiadora, fundadora do CCNOton Carvalho Salazar Sobrinho – Educador Popular, militante do Favelafro

Equipe de Digitação e Revisão:Lauro Mandela Silva CruzMagno José CruzMagno Cruz FilhoSoraia de Jesus Silva Trindade

Diagramação e Ilustração:Rom Freire. (98) 8804-5487

Fotos:Arquivo do Centro AKONIJota SantosDébora Martins (foto da capa)

UM OLHAR PARA UMA EDUCAÇÃO E SAÚDE QUE VALORIZE A

ANCESTRALIDADE AFRO-BRASILEIRA

“África Mãe que nos concedaToda essa força prá lutarA mão de ferro dos MalêsO enigma do EgitoE a magia dos Mandingas.”

(Paulinho Akomabu, cantor e compositor)

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

DICAS E SUGESTÕESBibliotecas para consultas e pesquisas:

• Biblioteca Maria Firmina do CCN, Rua dos Guaranys, s/n Barés – João Paulo Fone: (098) 3249-4938

• Biblioteca Eugênio Araújo, Rua da Misericórdia, 288 – Centro Fone: (098) 3222-8398

Consultorias Técnicas:• Ilma Fátima de Jesus Orientações, palestras, assessorias

sobre a implementação da Lei 10.639/03. Fone: (098) 3244-5271 • E-mail: [email protected]

• Mundinha Araújo Informações, palestras, seminários

sobre a História do Negro no Maranhão. Fone: (098) 3238-1399 • E-mail: [email protected]

• Ivan Costa Rodrigues Informações e dados sobre as comunidades negras

rurais quilombolas do Maranhão. Fone: (098) 3249-4938 • E-mail: [email protected]

• Luiz Alves Ferreira (médico, coordenador geral do CCN) Informações e dados sobre a saúde da população negra. Fone: (098) 3231-2981

• Gisele Padilha Costa Informações e palestras sobre saúde da população negra. Fone: (098) 3258-4585 • E-mail: [email protected]

• Magno Cruz Orientações e palestras sobre formação política

para o movimento negro. Fone: (098) 3246-5241 • E-mail: [email protected]

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NETO, Manoel Santos. O negro no Maranhão: a trajetória da escravidão, a luta por justi-ça e por liberdade e a construção da cidadania. São Luís, Clara Comunicação e Editora Ltda., 2004.

OLIVEIRA, Fátima. Uma reflexão Sobre a Saúde da População Negra no Brasil. In: Reli-giões afro-brasileiras e saúde, São Luís, Projeto Ató-Irê: Centro de Cultura Negra do Maranhão, 2003.

______. Saúde da população negra: Brasil Ano 2001. Brasília, Organização Pan-America-na da Saúde, 2003.

PERDIGÃO, Malheiro. A escravidão no Brasil: Ensaio Histórico, Jurídico, Social. V. 2 e 3. Ed. Petrópolis, Vozes/INL, 1976 (I Ed. 1886).

PROJETO VIDA DE NEGRO. Terras de Preto no Maranhão: Quebrando o Mito do Isola-mento. Col. Negro Cosme, Vol.III, São Luís: SMDH/CCN/PVN, 2002.

RIBAS, José Tadeu de Paula. Exu da Libertação. Conferência realizada no Conselho de De-senvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, em 5 de abril de 1997. In: Thoth: escriba dos deuses. Informe de distribuição restrita do Senador Abdias Nascimento, n° 1. – Brasília, Gabinete do Senador Abdias Nascimento, 1997.

ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Almanaque Pedagógico Afrobrasileiro: uma pro-posta de intervenção pedagógica na superação do racismo no cotidiano escolar. Belo Horizonte: Nzinga, Coletivo de Mulheres Negras.

SANTOS, Joel Rufino dos. História do Negro no Brasil. Aulas proferidas por ocasião da IV Semana do Negro no Maranhão realizada em São Luís no período de 9 a 13 de maio de 1983, São Luís: Centro de Cultura Negra do Maranhão, 1985.

SENADO FEDERAL. Gabinete do Senador Abdias do Nascimento. Thoth: pensamento dos povos africanos e afrodescendentes. Informe de dsitribuição restrita do Gabinete do Senador Abdias do Nascimento, Brasília, nº 1 e 2, 1997.

SILVA, Dimas Salustiano da. Considerações jurídicas. In: Projeto Vida de Negro. Frechal Terra de Preto: Quilombo Reconhecido Como Reserva Extrativista. Col. Negro Cosme, V.I, São Luís: SMDH/CCN, 1996.

THOTH – PENSAMENTO DOS POVOS AFRICANOS E AFRODESCENDENTES. Informe de distribuição restrita do Senador Abdias Nascimento, n° 1 e 2 – Brasília, Gabinete do Senador Abdias do Nascimento, 1997.

VARGENS, João Baptista M. Candeia Luz da Inspiração. Rio de Janeiro, FUNARTE, Insti-tuto Nacional de Música, Divisão de Música Popular, 1987.

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Apresentação

OCentro de Formação Para a Cidadania Akoni (“mulheres guerreiras” na lín-gua africana Iorubá) tem como missão

denunciar e combater todas as formas de discriminação e preconceito étnico-racial, religioso, social e sexual de populações excluídas, implementando ações que vi-sem à conquista da cidadania ampliada e a construção/consolidação de uma cultu-ra igualitária.

E, por falar em mulheres guerreiras, os relatos dos diários de viagem dos pri-meiros navegadores europeus que che-garam à África mostram a surpresa deles em relação à postura da mulher africana: participativa, insubmissa, orgulhosa, ca-beça erguida, pés plantado no presente, olhar lançado na linha de dois horizontes – do desafio ao futuro e do respeito ao passado, às tradições, à história, à cultura, à religiosidade.

“Ninguém nasce odiando uma pessoa por cor da sua pele,Ou por sua origem, ou sua religião.Para odiar as pessoas precisam aprender;E, se elas podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar,Pois o amor chega mais naturalmenteAo coração humano do que seu oposto.”

Nelson Mandela, ex-presidente sul-africano, líder do movimento anti-apartheid na África do Sul.

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Sem essa postura altaneira e guerreira das mulheres negras (africanas e afro-bra-sileiras) diante da vida, diante do mundo, hoje não estaríamos aqui reivindicando, bri-gando na tentativa de conquistar efetivos espaços de nossa cidadania – nessa busca in-cessante para sermos felizes.

O Centro AKONI com esta cartilha contribui para lembrarmos nossa história e que a chama da resistência do desejo de transformação e da busca incessante de justiça nun-ca se apague.

Agradecemos especialmente a Magno Cruz e a Gisele Padilha, e a todas as pessoas que contribuíram com este documento, por escreverem a nossa história e de nossos an-cestrais, trazendo de volta os sons, as falas e as emoções que a escravidão e a injustiça nunca conseguirão sufocar.

Coordenação Geral do Centro AKONI

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REFERÊNCIASARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana – 1867. 2ª edição, São Luís: Edi-

ções AVL, 2006.

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO. O negro e o índio na legislação do Maranhão Provincial. Pesq. Manoel de Jesus Martins. São Luís. SIOGE, 1992.

BRASIL. Leis, Decretos, etc. Lei n° 2.040 de 28 de setembro de 1871. In: Livro do estado servil e respectiva libertação, p. 25-31.

BRASIL. Leis, Decretos, etc. Lei n° 3.260 de 28 de setembro de 1885. Apud. FIGUEIREDO, Ariosvaldo. O Negro e a Violência do Branco. Rio de Janeiro, J. Álvaro, 1977. p. 59.

BRASIL. Leis, Decretos, etc. Lei Áurea de 13 de maio de 1888. Apud. CHIAVENATO, Julio José. O Negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai, São Paulo, Brasiliense, 1980. p. 20.

CONCEIÇÃO, Jônatas e BARBOSA, Lindinalva (organizadores). Quilombo de palavras: a literatura dos afro-descendentes. 2ª Ed. Salvador, CEAO/UFBA, 2000.

COSTA, Emília Viotti. Da senzala à colônia. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1966. p. 441.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classe. São Paulo, Áti-ca, 1978. V.1 p. 15.

FERRETI, Sergio Figueiredo (organizador). Tambor de crioula: ritual e espetáculo. 3ª Ed., São Luís, Comissão Maranhense de Folclore, 2002.

IANNI, Octávio. Raças e classes sociais no Brasil. São Paulo, Civilização Brasileira, 1966, p.95.

NASCIMENTO, Abdias. Pela dignidade do afrodescendente (discurso proferido no Se-nado Federal em 7 de agosto de 1997) In: Thoth: escriba dos deuses. Informe de dis-tribuição restrita do Senador Abdias Nascimento, n° 2, Brasília, Gabinete do Senador Abdias Nascimento, 1997.

NASCIMENTO, Elisa Larkin. As civilizações africanas no mundo antigo. In: Thoth: es-criba dos deuses. Informe de distribuição restrita do Senador Abdias do Nascimento, n° 3, Brasília, Gabinete do Senador Abdias do Nascimento, 1997.

______. Sankofa: resgatando a cultura afro-brasileira. (Um dos textos básicos do Curso de Extensão Universitária Conscientização da Cultura Afro-Brasileira, realizado pelo Ipe-afro, de 1984 a 1995, na PUC-SP e na UERJ). In: Thoth: escriba dos deuses. Informe de distribuição restrita do Senador Abdias Nascimento, n°2, Brasília, Gabinete do Sena-dor Abdias do Nascimento, 1997.

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RAÍZESLucilene CLIFTON

Tradução: Maisa Mendonça

Pode até dizer que é loucuradiga o que quiser

É essa vida dentro de nósque não nos deixa morrer.

Mesmo nos braços da mortelevantamos as mãos.

Essas mãos que são verdes enos fazem crescer,

que sussurram e cantam.

Pode então dizer que somos selvagens,as perdidas do campo

de flores, nos tornamosum campo de flores.

Pode dizer que é loucura.Somos selvagens

que são essas nossas raízes,é essa luz dentro de nós,

é essa nossa luz,é a luz, pode dizertudo que quiser,

diga o que quiser.

O RACISMO FERE, DESEQUILIBRA, ADOECE E MATA

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SUMÁRIOProjeto EKÓ ILERÁ: (Re)Construindo o mundo ERÊ ..................................................................7

Introdução (As Diásporas Africanas) ..............................................................................................10

CAPÍTULO I. A História Afro-Brasileira ..........................................................................................11

1. A Contribuição da África Para o Mundo ....................................................................................12• Como é construída a ideologia racista da inferioridade do negro africano? ...............12

- O conceito de racismo anti-africano ...........................................................................................12- O papel da Igreja .................................................................................................................................13

• Qual a contribuição da África para o mundo? ...........................................................................14- Como contestar o racismo anti-africano ..................................................................................14- Uma visão panorâmica da África antes da invasão européia ..........................................14

• Como apagaram as conquistas dos povos africanos? ............................................................18• Como se deu o tráfico negreiro? ......................................................................................................19

2. Retrospectiva Pré-Abolição ..............................................................................................................22• De onde vieram (para o Brasil) @s negr@s escrav@s? ........................................................22• Por que a substituição da mão-de-obra escravizada indígena

pela mão-de-obra escravizada do africano? ..............................................................................22• Como aconteceu a luta e resistência dos africanos e afro-descendentes no Brasil? ....23

- O que era comum entre os africanos trazidos para o Brasil ............................................23- Perseguição às culturas e religiões de origem africana .....................................................24- A rebeldia negra: assassinatos, fugas, insurreições e quilombos ..................................25- Último olhar sobre Palmares .........................................................................................................27- Sobre a insurreição de escravos durante a Balaiada no Maranhão ..............................28- Sobre a insurreição de escravos em Viana no Maranhão ..................................................31

• O que foi a “abolição”? .........................................................................................................................32- Os movimentos: quilombismo e abolicionismo ....................................................................32- As leis abolicionistas .........................................................................................................................33

3. Retrospectiva Pós-Abolição ..............................................................................................................39• O projeto de genocídio contra @ afro-brasileir@ ...................................................................39• As perseguições continuam de forma violenta como no período escravista ..............40• As leis de combate à discriminação racial ..................................................................................42• Comentários sobre a implemantação da lei 10.639/03 .......................................................45• A saga d@s afro-brasileir@s contra o racismo .........................................................................47• Craque e a cota........................................................................................................................................47

4. Apêndice I ................................................................................................................................................49• Como conhecer e/ou escrever a história de sua afro-comunidade ................................49

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• Como proceder diante de uma discriminação racial ..............................................................49• Conceitos elementares sobre racismo, discriminação e preconceito raciais ..............50

CAPÍTULO II. A Saúde da População Negra ...................................................................................51

1. O racismo contribuindo para a morte precoce .....................................................................52

2. O que são doenças étnicas? ..............................................................................................................53• Eis algumas doenças étnicas ............................................................................................................53

- Anemia falciforme ..............................................................................................................................53- Hipertensão arterial ..........................................................................................................................53- Diabetes mellitus tipo II ..................................................................................................................54- Miomas uterinos .................................................................................................................................54

3. A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra ...........................................55

4. É LEGAL! Diretrizes Gerais da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra ......................................................................................57

5. Racismo Institucional ..........................................................................................................................58

6. Apêndice II .................................................................................................................................................58• Agentes de saúde! ..................................................................................................................................58• De olho na sua saúde! ..........................................................................................................................58• Religiosidade e saúde ..........................................................................................................................59

Referências .....................................................................................................................................................61

Dicas e Sugestões .........................................................................................................................................63

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

• Conversar sobre os medicamentos que está tomando ou já tomou;• Submetendo-se ao hemograma, exigir o teste de glicemia;• Verificar se o hospital faz entrega de medicamentos, exigindo o seu;

Religiosidade e Saúde

A sala de aula é o espaço onde pode-mos também reforçar a importância do sa-ber popular em vários aspectos, como em relação aos remédios caseiros – herança de culturas e religiões indígenas e africa-nas, além de incentivar o respeito às Reli-giões de Matriz Africana.

“Precisamos, dentre outras coisas, resgatar a medicina popular dos negros e negras. Os saberes esquecidos... reencon-trar a essência científica dos nossos chás... tinturas... garrafadas... benzimentos e re-zas. Agora que a ciência moderna acaba de divulgar que descobriu o poder curativo da fé, precisamos, mais do que nunca, realizar investigações objetivando resgatar os sa-bres de nossa ancestralidade africana na arte de curar. [...]

Nos Terreiros, é praticada uma medicina popular constituída de ações preventivas e curativas cuja base é uma visão de ser humano e de cosmo antropologicamente situada no campo da fé. Há um exército invisível de curandeiras, curandeiros, rezadeiras, rezado-res, raizeiras, raizeiros, e comadres parteiras em qualquer lugar de concentração de po-pulação negra, tanto nas zonas urbanas quanto rurais. Esse exército é formado por pes-soas que gozam de grande reputação na comunidade onde vivem, além das irmandades que se autodenominam católicas e devotas de santas e santos pretos (Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, São Benedito etc.) com um nível de organização em geral centenário, locais aptos a desenvolver ações de prevenção em saúde”.

(Fátima Oliveira, no livro Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, 2003)

Ossaim: considerado o orixá da medicina que cura através das ervas. É o protetor dos médicos.

“Sem folha não tem sonhoSem folha não tem vidaSem folha não tem nadaEu guardo a luz das estrelasA alma de cada folha Sou ARONI.”

(Gerônimo e Ildásio Tavares)

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5RACISMO INSTITUCIONAL

É o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa da sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Manifesta-se por meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, resultantes da ignorância, da falta de atenção, do preconceito ou da incorpo-ração e da naturalização dos estereótipos racistas. Em qualquer caso, o racismo institu-cional sempre impõe as pessoas ou grupos raciais ou étnicos discriminados situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado, por instituições e organizações públicas e privadas.

6 APÊNDICE IIAgentes de Saúde!

• Trocar informações com as donas-de-casa;• Fazer visitas regularmente nas residências;• Atender a família, e não somente 01 pessoa da casa;• Respeitar a medicina alternativa usada pela família ( chás caseiros);• Conversar e esclarecer sobre as doenças étnicas;• Verificar se a carteira de vacinação das crianças da família está em dia;• Informar imediatamente ao responsável pela equipe de saúde, em caso de sintomas,

como: 1. Mãos e pés inchados;2. Dores nas articulações (juntas);3. Febres;4. Infecções;5. Icterícia (esclera dos olhos amarelados ao invés de branco);

• Em caso de tonturas, dores de cabeça próxima à nuca, é importante verificar a pressão arterial, seguido da alimentação, já orientando a diminuição de sal, gorduras e bebi-das alcoólicas.

De Olho na Sua Saúde!Ao procurar um posto de saúde/hospital/consultório médico, é importante:• Conversar com @ médic@ sobre os sintomas que o (a) levaram ali;• Postura no que tange o olhar nos olhos d@ médic@, fazendo seus questionamentos;• Pedir que @ médic@ mande verificar sua Pressão Arterial;

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PROJETO EKÓ1 ILERÁ2:(RE)Construindo o mundo ERÊ 3

Visa contribuir com a mudança de indicadores sociais de Crianças e Adolescentes, es-pecialmente, quilombolas, de municípios do Semi-Árido Maranhense, através da Sen-sibilização de Prefeitos(as), Gestores(as) Públicos(as), Conselheiros(as) e Sociedade

Civil para implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e da Lei 10.639/2003 (que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas no currículo da Educação Básica). Além da realização de Capacitações para Profissionais de Educação (construção de práticas pedagógicas inclusivas e anti-racistas) e Saúde (saúde da população negra, dando ênfase às doenças étnicas).

O Projeto EKÓ ILERÁ busca enfrentar o problema do descaso dos poderes públi-cos na efetivação das políticas públicas de Educação e Saúde direcionada para as comu-nidades quilombolas, ainda mais vulnerabilizadas por se encontrarem localizadas em áreas desfavorecidas geograficamente, como é o caso da região do Semi-Árido Brasileiro, da qual fazem parte 45 municípios maranhenses. As comunidades quilombolas têm um alto índice de defasagem escolar e um acesso restrito aos serviços de atenção básica de saúde, gerando situações como, a exploração do trabalho infanto-juvenil, desnutrição in-fantil (segundo a PNAD a proporção é de 76,1% maior do que na população brasileira), entre outras.

O projeto visa gerar impactos na vida de Crianças e Adolescentes quilombolas e suas famílias. Para que essas Crianças e Adolescentes tenham acesso a uma educação que valorize suas raízes étnicas e culturais e com atenção básica de saúde que considere aspectos da saúde da população negra, através da sensibilização de gestores(as) e da capacitação dos profissionais de educação e saúde.

1 EKÓ – signifi ca EDUCAÇÃO em língua africana iorubá.2 ILERÁ – signifi ca SAÚDE em língua africana iorubá.3 ERÊ - signifi ca CRIANÇA em língua africana iorubá.

“Todas as meninas e todos os meninosNascem livres e tem a mesma dignidadeE os mesmos direitos;Portanto, é necessário eliminar todas as formas de discriminação contra as crianças.”

(Um mundo para as crianças: Relatório da Sessão Especial da Assembléia das Nações Unidas sobre a Crianças, 2002)

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4 UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.5 CCN – Centro de Cultura Negra do Maranhão

Seminário de Sensibilização de Gestores (as) Públicos UM MUNICÍPIO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUILOMBOLAS DO SEMI-ÁRIDO, setembro/2007, São Luís: Lúcia Regina de Azevedo Pachêco (Coordenadora do Centro AKONI); Ana Amélia Campos Mafra (Educadora Popular Étnica e militante do CCN ); Luis Alves Ferreira (Coordenador do CCN5); Ana Costa

(Comitê Técnico de Saúde da População Negra/Ministério da Saúde); Eliana Almeida (Representante do Escritório UNICEF/MARANHÃO).

Seminário de Sensibilização de Gestores(as) Públicos UM MUNICÍPIO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUILOMBOLAS DO SEMI-ÁRIDO, setembro/2007, São Luís: Lúcia Regina

de Azevedo Pachêco (Coordenadora do Centro AKONI); Edmundo Costa Gomes (Secretário de Estado da Saúde); Sandra Torres (Vice-Prefeita de São Luís); João Francisco dos Santos (Secretário de Estado da Igualdade Racial), Rosiene Cutrim (Coordenação de Promoção da

Igualdade e Diversidades Educacionais, representando o Secretário de Estado da Educação, José Lourenço Vieira); Eliana Almeida (Representante do Escritório UNICEF4 /MARANHÃO).

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

4É LEGAL! Diretrizes Gerais da Política Nacional de Saúde

Integral da População Negra• Inclusão dos temas Racismo e Saúde da Po-

pulação Negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde e no exercício do controle social na saúde.

• Ampliação e fortalecimento da participação do Movimento Social Negro nas instâncias de controle social das políticas de saúde, em consonância com os princípios da ges-tão participativa dos SUS, adotados no Pacto pela Saúde.

• Incentivo à produção do conhecimento cien-tífico e tecnológico em saúde da população negra.

• Promoção do reconhecimento dos saberes e práticas populares de saúde, incluindo aque-les preservados pelas religiões de matrizes africanas.

• Implementação do processo de monitora-mento e avaliação das ações pertinentes ao combate ao racismo e à redução das desi-gualdades étnico-raciais no campo da saúde nas distintas esferas do governo.

• Desenvolvimento de processos de informa-ção, comunicação e educação, que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma identidade negra positiva e contri buam para a redução das vulnerabilidades.

XANGÔ: é o orixá da justiça.

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Daí têm-se um longo caminhar rumo à implantação da Política Nacional de Aten-ção a Saúde da População Negra (criada em 2005), visando a universalidade, a integra-lidade e a equidade, princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS), nas rotinas dos

serviços de saúde, observadas as particularidades da população negra e a sua diversidade interna. Para tanto, foi proposto quatro componentes in-terdependentes, interligados e complementares, a saber: Produção de Conhecimento Científico (organizar o saber disponível e produzir novos conhecimentos em saúde da população negra), Capacitação dos Profissionais de Saúde (para promover a mudança de comportamento), In-formação da População (oferecer informação e conhecimento aos afrodescendentes sobre riscos de adoecer e morrer, além da adoção de hábitos saudáveis e a prevenção de doenças) e Atenção à Saúde (inclusão de práticas de promoção e edu-cação em saúde da população negra nas rotinas assistenciais de modo a facilitar o acesso em todos os níveis do sistema de saúde).

Assumir que o Brasil é um páis racista, re-conhecer a existência de práticas racistas na rede SUS, desigualdades sócio-raciais e o racismo insti-tucional, foram determinantes para a formulação da Política Nacional de Saúde Integral da Popula-ção Negra, apresentada no 2º Seminário Nacio-nal de Saúde da População Negra, em outubro de 2006, pelo Ministro da Saúde em exercício, Sr. Agenor Álvares da Silva, e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, em novembro do mesmo ano.

OMULU/OBALUAÊ: É o médico dos pobres, com poder de curar as chagas e endemias.

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Construção pedagógica em subgrupos - 2º módulo (29 - 30/out - 2007) - Chapadinha

Capacitação para profissionais de educação no município de Chapadinha

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Introdução (As diásporas africanas)As diásporas africanas não são resultante de uma ação voluntária, da dispersão ou

fuga provocada por algum prenúncio de tragédias da natureza, ou por guerras no próprio território africano. Nós, das diásporas africanas, somos resultantes de uma

tragédia bem pior, fomos seqüestrad@s6, arrancad@s abruptamente da nossa terra-mãe, e aviltados em nossa essência humana da forma mais brutal possível. Assim, entendemos que contar a história da África é falar das histórias dessas diásporas espalhadas pelo mundo afora.

A aplicação da Lei 10.639/2003 (que estabelece a obrigatoriedade de ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo escolar da Educação Básica), para início de conversa, depende fundamentalmente da desconstrução de séculos de uma história da diáspora africana do Brasil, contada parcialmente com o olhar e as inten-cionalidades do opressor escravista e seus descendentes biológico-ideológicos.

A partir do seqüestro e desterro de milhões de africanos e africanas, é praticamen-te impossível fazer um corte entre as histórias de África e de sua diáspora no Brasil, elas se cruzam e se complementam à medida que queremos trazer entendimentos – esse é o objetivo central desta Cartilha – que possibilitem o resgate da nossa essência e dignidade de seres humanos.

Nessa perspectiva dividimos (sem separar) nossa Cartilha em dois capítulos: um que trata da História Afro-Brasileira, outro, da Saúde da População Negra.

No primeiro capítulo iniciamos com a contribuição da África para o mundo, e, em seguida, fazemos retrospectivas pré e pós-abolição. Convém frisar que recorremos basi-camente às contribuições de duas cartilhas publicadas pelo CCN: Abolição – 96 Anos De-pois, 1984 (organizada por Mundinha Araújo); e A Verdadeira História do Brasil São Outros Quinhentos, 1999 (organizada por Aniceto Cantanhede Filho e Magno Cruz). No capítulo seguinte trabalhamos com uma das mais perversas conseqüências do racismo (durante e após o período escravista), que são as doenças que incidem predominante-mente sobre as populações negras afrodescendentes.

Concluindo, queremos dizer aos professores, professoras e estudantes que essa Cartilha é nada mais que uma modesta ferramenta para outros estudos e aprofundamen-tos.

Portanto, que Olorum (Deus) nos lance muita luz diante de cada dúvida, interro-gação, curiosidade, discordância, e com isso nos faça crescer – esse é o significado maior da Educação.

Muito Axé!

6 Utilizamos o símbolo @ (arrôba) emprestado da informática para expressarmos a eqüidade de gênero (masculino e femini-no, mulheres e homens) na produção textual deste documento.

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

3A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA

A Organização Mundial de Saúde - OMS define saú-de em termos positivos,

como “um estado de completo bem-estar físico, mental e so-cial e não meramente a ausên-cia de doença ou enfermidade”. Trata-se de uma concepção ampla do termo saúde, pois considera além da saúde física e mental (individual), a saúde social. E ainda, uma concep-ção que deve nortear todas as ações de saúde pública dos paí-ses membros da OMS, ou seja, a saúde de indivíduos e grupos na sociedade deve ser vista em ralação às condições gerais e específicas de cada indivíduo ou grupo e ainda do ambiente social em que vivem.

Conversar sobre Saú-de da População Negra re-quer lembrar os anos 80, quando ativistas do movimento negro, sociedade civil e pesquisadores(as), na luta por direitos, reuniram-se com os governos estaduais e muni-cipais, em busca da inserção desse tema nas ações de governo. Para isso, destacamos o Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra, em 1995, que foi de grande relevância para a Mesa Redonda sobre Saúde da População Negra realizada em 1996, que dentre tantas reivindicações, definiu a implantação de uma política nacio-nal de controle à anemia falciforme.

Constituem pauta na agenda de luta do Movimento Negro e do Movimento de Mu-lheres Negras a defesa dos direitos reprodutivos, a não esterilização de mulheres, a crian-ção de um Programa Nacional de Anemia Falciforme e a defesa de ações de saúde para os agravos e as doenças prevalentes na população negra.7

Em 2004 o Ministério da Saúde instalou o Comitê Técnico de Saúde da População Negra e realizou o 1º Seminário Nacional de Saúde da População Negra.

7 Boletim Toques, Criola, nº 3, 2006

PISS

IALI

“Acender as velasJá é profissãoQuando não tem sambaTem desilusãoÉ mais um coraçãoQue deixa de baterUm anjo vai pro céuDeus me perdoeMas vou dizer:O doutor chegou tarde demaisPorque no morroNão tem automóvel pra subirNão tem telefone pra chamarE não tem beleza pra se verE a gente morre sem querer morrer”

(Música: Acender as Velas, Zé Kéti)

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Outro fator relevante é a condição orgânica da população negra de absorver maior quantidade de sal.

No século XX a doença ampliou-se entre as gerações dos sintomas de Hipertensão Arterial, como a cefaléia occipital, tonturas, dentre outros sintomas.

Para o indivíduo com Hipertensão Arterial, é importante verificação da Pressão Arterial pelo menos 4 vezes por semana, cuidando da alimentação no que diz respeito a diminuição do sal, gorduras e frituras.

É uma doença que não tem cura, e o tratamento é realizado a nível farmacológico (medicamentos/receitas orientadas pelo médico). E não farmacológico: lazer, o não uso de bebidas alcoólicas, controle diário da Pressão Arterial e os chazinhos da medicina al-ternativa, levando o indivíduo a conviver bem com a Hipertensão Arterial.

Diabetes Mellitus Tipo IIDistúrbio metabólico decorrente de uma deficiência de insulina. Apesar de ser

uma doença de saúde pública com estimativas de 6 milhões de diabétic@s no Brasil, muit@s não sabem que são portadores(as) da doença.

Estudos realizados sobre as Diabetes Mellitus Tipo II constataram que a popula-ção negra está mais vulnerável a essa doença, com 56% de chance das mulheres negras desenvolverem, podendo ser controlada a partir dos hábitos alimentares e atividades físicas.

Miomas UterinosSegundo a literatura médica norte-americana, as mulheres negras estão suscep-

tíveis a desenvolverem essa doença com maior freqüência em relação às mulheres não negras.

É um tumor no músculo uterino que aparece no percurso da vida com sérios pro-blemas que vão da infertilidade/abortamentos espontâneos à morte, por razão das mu-lheres negras apresentarem maior vulnerabilidade a infecções pélvicas.

O Mioma Uterino é adquirido, aparecendo entre a idade de 30 e 39 anos. É benigno, pois não invade outros órgãos, porém há pré-disponibilidade em pessoas que adquirem Diabetes Mellintus e a Hipertensão Arterial.

É importante e necessário atentar para os sinais do Mioma Uterino:• Abdômen crescido;• Aumento do peso corporal;• Anemia;• Dores no umbigo;• Aumento do fluxo da menstruação.

Para o Mioma ser diagnosticado é necessário que @ médic@ realize exame físico que consiste em tocar a paciente e em seguida exames de ultra sonografia.

O tratamento varia de clínico ou cirúrgico, dependendo do estado que se encontra a moléstia. Dados avaliam que quanto mais cedo for detectado o Mioma, melhor será o tratamento clínico. Falando-se do tratamento cirúrgico muitas mulheres preferem fazer uso da histerectomia (retirada do útero), outras da tirada do tumor (mielectomia), onde nesse caso não prejudica a vida reprodutiva, porém não impede o aparecimento de ou-tros Miomas.

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

Capítulo IA HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA

De acordo com o IBGE, a população brasileira é constituida de 45% de afrodescendentes (negros e pardos).

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1A contribuição da África para o mundo

COMO É CONSTRUÍDA A IDEOLOGIA RACISTA DA INFERIORIDADE DO NEGRO AFRICANO?

O Conceito de Racismo Anti-Africano

Anoção vulgar do racismo anti-africano o identifica como fenômeno apenas de cor de pele. Esse conceito escamoteia sua natureza mais profunda, que reside na tentativa de desarticulação de um grupo humano por meio da negação de sua personalida-

de coletiva. Reduzir @ african@ e seus descendentes à condição de “negros” retira-lhes o referencial histórico-cultural e sua identificação com a coletividade a que pertence. Em certo momento, o colonialismo europeu fez questão de identificar os africanos como “negros”, “kaffirs”, e assim por diante, no intuito de desvinculá-los simbolicamente da própria terra.

Essa ideologia racista da inferioridade d@ negr@ african@, e, consequentemente, dos afro-descendentes, não é uma obra apenas do branco português, mas, sim, de toda Europa, e, também, não é uma construção feita e acabada no período inicial da escravi-dão, pois tal ideologia se recicla e se “moderniza” à medida que, com o passar do tempo, mudam as conjunturas nacional e internacional.

“O reconhecimento e ressignificação da nossa matriz cultural podem conduzir a vivências que estão em nossa memória coletiva.Num jeito de ensinar e aprender capaz de incluir a uma outra epistemologia, vivenciada a partir de princípios e valores recriados para contemplar as singularidades no processo de ensino e aprendizagem.”

Vanda Machado, educadora e doutora em educação. Pertencente ao Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, Salvador-BA)

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2O QUE SÃO DOENÇAS ÉTNICAS?

Estão entre aquelas que de-sencadeiam de modo dife-rente, sendo exclusivas de

um determinado grupo étnico, que incluem brancos, negros, amarelos, índios e outros.

A população negra brasi-leira apresenta especificidades genéticas e características culturais próprias que diferencia-se de outras. A miscigenação de povos oriundos das diversas regiões africanas, com seus costumes e rituais próprios, dentre eles destacamos os Bantos e os da baía de Benin com maior porcentagem, trazidos para o Brasil para o trabalho escravo, deixou marcas profundas que se perpetuam até os dias atuais. Daí dizermos que o fator genético não é o único responsável pelas doenças étnicas, mas a união de fatores sociais, econômicos, religiosos e ambientais, fazerem par-te dessa corrente saúde-doença.

Vale dizer que, segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS, é no Brasil que concentra-se a maior população negra fora da África. As estimativas do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística - IBGE 2000 apontam que a população negra, no que tange ao econômico e o social, é a população com menor poder aquisitivo, onde, conse-qüentemente, é a menos favorecida, a mais esquecida e a que mais sofre com as diversas doenças étnicas.

Eis algumas Doenças Étnicas: Anemia Falciforme

É uma doença genética e hereditária mais comum no mundo. Originou-se na África e foi trazida para o Brasil com a imigração dos negros para a trabalho escravo. A doença atinge os glóbulos vermelhos (células do sangue) dificultando o transporte do oxigênio, causando dores e infecções, que vão prejudicar a qualidade de vida das pessoas acome-tidas pela doença.

Apesar de ser uma doença comum, as informações sobre essa doença ainda são escassas, algumas pessoas desconhecem a sua existência, mesmo que a cada ano a inci-dência da doença cresça.

A doença é para toda vida, não tem cura, porém, um tratamento correto, desenvol-vido desde a descoberta da doença (teste do pezinho) dará condições à criança de ter uma vida sem muito sofrimento, isto é, uma melhor qualidade de vida.

Hipertensão ArterialÉ uma doença que está relacionada a obesidade, baixa escolaridade, diabetes, his-

tórico familiar e com desenvolvimento maior na população negra.

“É preciso estar atento e forte,Não temos tempo de temer a morte.”

(Caetano Veloso)

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1O RACISMO CONTRIBUINDOPARA A MORTE PRECOCE

No século XVI, os portugueses, dando seqüên cia à política de colonização do Brasil, expandiram o comércio de escravos

trazidos das regiões Central e do Sudoeste da África com o fito de trabalharem nas planta-ções das lavouras de cana-de-açúcar, algodão e tabaco e na mineração de ouro e diamante. Estima-se que em 1580, os portugueses im-portavam mais de 2 mil escravos africanos por ano para trabalharem nas plantações de açúcar no Nordeste brasileiro. Por tudo isso é

que no Brasil se concentra a maior população negra (englobando pretos e pardos) fora da África, e é o segundo país do mundo, perdendo apenas para a Nigéria.

O Brasil é, sabidamente, um país com grandes desigualdades sociais, onde grande par-te da população vive abaixo da linha de pobreza, o que torna o acesso à saúde ainda mais difícil. Estudos revelam que @s negr@s correspondem a 65% da população pobre e 70% da população extremamente pobre. Dessa forma são @s negr@s que têm maior exposição à do-enças e agravos à saúde, recebem menor atendimento e o índice de adoecimento é maior. Em geral, o acesso ao serviço de saúde é difícil, todavia, quando adoecem o tempo de resistência é menor, afetando a capacidade de se inserirem nos diversos espaços sociais, e assim, se afir-marem numa democracia projetada para garantir oportunidades iguais para todos e todas.

A análise de dados relacionada às condições sociais e de saúde da população negra, perpassa pela questão racial, apesar da discussão sobre saúde da população negra ser uma conquista do movimento negro. Entretanto, o racismo que ainda perpetua no Brasil, revela que direitos no que diz respeito à moradia, saúde, escola, trabalho, são desrespeita-dos, frutos do racismo que dia-a-dia se entrelaçam nas demais camadas da sociedade que nos cercam influenciando cada pessoa/grupo em quaisquer circunstâncias que estiver.

“Por paradoxal que possa parecer, a abordagem da saúde da população negra no Brasil só consegue se impor enquanto discurso, isto é: só nos ouvem quando nos reportamos ao fato inegável que o marco das nossas reflexões e ações políticas em saúde nada tem a ver com a vida, mas com a morte, pois há fortes evidências de que encabeçamos as estatísticas de praticamente todas as ‘mortes à-toa e antes do tempo’, em todas as faixas etárias. Há maior crueldade e prova de racismo do que a desigualdade da população negra perante a morte, já que a mortalidade precoce de afrodescendentes no Brasil revela omissão dos governos, discriminação de classe e indiferença racial/étnica?”

(Fátima Oliveira, Recorte Racial/Étnico e a Saúde da Mulher Negra, 2000).

“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”

(Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas)

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O Papel da Igreja

Quando @s primeir@s african@s foram trazid@s para o Brasil, a Coroa de Portugal criou uma lei que determinava, no seu primeiro artigo, que todos deveriam ser bati-zados na religião católica. Caso o batismo não fosse realizado em um prazo de pelo

menos cinco anos, as “peças” (como eram tratados @s escravizad@s) deveriam ser ven-didas e a importância relativa a essa transação comercial reverteria para a Coroa. Outros artigos importantes dessa lei foram sendo pouco a pouco alterados, de modo que, na ver-dade, a lei jamais foi cumprida, salvo no que diz respeito ao batismo cristão. Essa legisla-ção atendia, mais do que nada, às relações entre o governo português e a Igreja Católica, e à teologização da Igreja Católica a respeito da África, d@s african@s e da escravidão.

A tese de que a África era a terra da maldição é defendida, então, por vários teólo-gos cristãos. O Padre Antonio Vieira, em seus Sermões (XI e XXVII) afirma que “a África é o inferno donde Deus se digna a retirar os condenados para, pelo purgatório da escra-vidão nas Américas, finalmente alcançar o paraíso”. O mesmo Padre Antonio Vieira no sermão XIV do Rosário à irmandade dos pretos de um engenho, elaborado em 1634, ao comentar o texto de São Paulo I Cor 12, 13, o entende no sentido de que @s african@s, sendo batizad@s antes do embarque da África à América, deviam agradecer a Deus por terem escapados da terra natal, onde viviam como pagãos entregues ao poder do diabo. E diz: “Todos os de lá, como vós credes e confessais, vão para o inferno onde queimam e queimarão durante toda a eternidade”. Em outro Sermão ainda, Vieira diz que, para ele, o cativeiro do africano na América não é senão um meio cativeiro, pois atinge só o corpo. “A alma não está mais cativa, ele se libertou do poder do diabo que governa a África, e o escravo no Brasil deve tentar preservar essa liberdade da alma, para não cair de novo sob o domínio dos poderes que reinam na África”.

Ora, estão aí, como podemos ver as raízes da ideologia escravista e racista que legi-timou a escravidão e a transformou no maior acontecimento, em extensão e tamanho da história de toda humanidade.

“Quando os missionários chegaram, os africanos tinham a terra e os missionários a bíblia.Eles nos ensinaram a orar com os olhos fechados.Quando abrimos os olhos, eles possuíam a terra e nós tínhamos a bíblia”

(Jomo Kennyata – Kênia, In: Agenda Cultural Afro-Brasileira, 1987)

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QUAL A CONTRIBUIÇÃO DA ÁFRICA PARA O MUNDO?

Como Contestar o Racismo Anti-Africano

Hoje, as comunidades de origem africana nas Américas, e, sobretudo na América Lati-na, sofrem a falta de referência histórica que lhes permitam construir uma auto-ima-gem digna de respeito e auto-estima. Tentando fundamentar essa imagem própria na

identidade “negra”, definida de modo geral pelas desgastadas categorias de ritmo, esporte, vestuário e culinária, verificam que o papel da “cultura negra” limita-se à esfera de lúdico, afastando-se a atividade intelectual, científica, política, econômica, técnica e tecnológica como atribuições próprias à sua personalidade. A criança, o adolescente e @ jovem negr@ tende a não identificar nessas áreas possibilidades de profissionalização ou aspiração, re-produzindo a imagem excludente implícita na versão da história que lhe é passada.

Sem dúvida, a distorção da história africana está entre os maiores responsáveis pela perpetuação da imagem dos “negros” como tribais, primitivos e atrasados. O dis-curso eurocentrista condena @s african@s e seus filhos e filhas à condição de objetos e não sujeitos de sua história. Recuperando-se o referencial do protagonismo dos povos africanos, faz-se possível a contestação desse quadro.

Uma Visão Panorâmica da África Antes da Invasão Européia

Os Sistemas de Escrita

O academicismo convencional nega à África a sua historicidade, classificando-a como pré-histórica, com base na alegação de que seus povos nunca desenvolveram sis-temas de escritas. Entretanto os africanos estão entre os primeiros povos a desenvolver a escrita. Além dos hieróglifos egípcios, existem inúmeros sistemas de escrita desenvol-vidos por povos africanos antes da invasão muçulmana que introduziu a escrita árabe. Dentre esses vários tipos de sistemas de escrita temos: pictográficos, fonológicos (alfabé-tico ou silábico) e a escrita por meio de objetos.

A Organização Política

Os Estados políticos africanos, em pleno desenvolvimento durante séculos antes da invasão européia, chegaram a se constituir em impérios com extensão territorial maior que o romano – era o caso, por exemplo, do Império Mali nos séculos XII a XIV, além de outros centros urbanos caracterizados pela erudição e pela sofisticada organização política de Estados e impérios soberanos como Songai, Gana, Quiloa, Zimbábue, etc. En-

“...O impossível demora mais um pouco, o possível estamos fazendo agora.”

Alzira Rufino

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Capítulo IIA SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA

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06. É opcional denunciar na imprensa. Mas reflita: se não começarmos mostrar nossa cara e nossa coragem outro fatos continuarão a acontecer impunemente.

07. Se o fato não for com você, seja solidário, oriente a pessoa discriminada.08. Atenção: mesmo se não conseguir testemunhas, denuncie e garanta seus direitos.09. Acredite: RACISMO É CRIME.10. DENUNCIE, MESMO!

Conceitos Elementares Sobre Racismo, Discriminação e Preconceito Raciais

AConvenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discrimina-ção Racial considera que a discriminação racial é “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional

ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos eliberdades fundamentais, no domínio político, econômico, social, cultural ou em qual-quer outro domínio da vida pública”. O preconceito racial é uma idéia preconcebida sobre uma pessoa ou grupo de pessoas, sendo assentado em generalizações estigma-tizantes sobre a raça à qual um grupo é identificado. Tanto a discriminação quanto o preconceito racial advém do racismo que é uma ideologia que pressupõe a existência de hierarquia entre grupos humanos baseada na etnicidade. A Convenção ressalta que “não serão consideradas discriminação racial medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos... para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais...”. (Manifesto do MNU, 2007)

RACISMO

É CRIME!

(

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tretanto, não convém aplicar a esses fenômenos os conceitos extraídos da experiência do império europeu. A descentralização como característica e prática política contrasta nitidamente com o centralismo do Império Romano. Categorias supostamente univer-sais, como “feudal”, também não satisfazem: como falar de um sistema feudal sem feudo? O princípio da propriedade individual da terra não existe na África, onde ela consiste no bem coletivo.

O Desenvolvimento Tecnológico

O desenvolvimento político africano acompanhava-se por um processo de desen-volvimento tecnológico, menos reconhecido ainda pela história convencional. As tecno-lógicas de mineração e metalurgia, a agricultura e a criação de gado, as ciências, a medi-cina, a matemática, a engenharia, a astronomia, enfim, todo um cabedal de conhecimento tecnológico e reflexão filosófica caracterizava tanto esses Estados africanos como outras coletividades menores.

A Medicina

O Dr. R. W. Felkin, um cirurgião inglês que visitou em 1879 a região africana que hoje compreende Uganda, testemunhou e registrou uma cesariana feita por médicos do povo banyoro, demonstrando profundo conhecimento dos conceitos e técnicas de assep-sia, anestesia, hemostasia, cauterização e outros. Médicos africanos do antigo Egito e de Mali praticaram a remoção de cataratas oculares por meio de cirurgias, e tumores cere-brais eram operados no Egito 4.600 anos atrás.

E falando no Egito, não podemos esquecer das múmias egípcias, tratando-se de um grande conhecimento das técnicas de embalsamar pessoas mortas, os egípcios acredita-vam que preservando seus corpos um dia a alma voltaria para aquele corpo. Um grupo de cientistas das universidades A&M do Texas e de Alexandria descobriu que o uso de piche, substância originada em infiltrações naturais de petróleo, era utilizada pelos mumifica-dores egípcios. Os cientistas dizem que os egípcios já pareciam conhecer as propriedades de vedação do piche e o usavam para impedir que a umidade passasse pelos envoltórios, danificando o corpo da pessoas mumificada. As descobertas foram feitas durante esca-vações na área do Canal de Suez. “Os egípcios provavelmente sabiam mais sobre mumifi-cação do que qualquer outro povo no muundo na época, e o uso do piche parece ser um processo importante em seus esforços de preservação”, afirma Mahlon Knnicut II, um dos cientistas que participaram da pesquisa.

Historicamente, verifica-se como falsa a idéia que situa o grego Hipócrates como “Pai da Medicina”, responsável até hoje pela convenção do chamado juramento de Hipó-crates, enquanto declaração do compromisso profissional do médico. O verdadeiro pai da medicina foi o cientista e clínico egípcio Imhotep, que quase 3 mil anos antes de Cristo praticava grande parte das técnicas básicas da medicina, conhecendo profundamente, além dos conceitos mencionados em relação aos banyoro, a vacinação e a farmacologia.

A Astronomia

Além da medicina, outra área de destaque no elenco do antigo saber africano é a astronomia. No Quênia, em 1978, a equipe de Lynch e Robbins, da Michigan State Uni-versity, encontrou ao lado do lago Turkana os restos de um observatório astronômico semelhante a Stonehenge, na Inglaterra. Sua conclusão foi de que a evidência “atesta a complexidade do desenvolvimento cultural pré-histórico na África subsaariana. Sugere fortemente que um sistema de calendário complexo e preciso, baseado nos cálculos as-

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tronômicos, foi desenvolvido até o primeiro milênio a.C. na África Oriental”.Mais impressionante ainda é o conhecimento astronômico dos africanos da nação

dogon, na região do antigo Mali, perto da capital universitária de Timbuku. Os dogon têm uma concepção moderna do universo e um saber extremamente complexo da astrono-mia. Os sacerdotes-astrônomos dogon conheciam, desde há cinco a sete séculos atrás, o sistema solar, a Via Láctea com sua estrutura espiral, as luas de Júpiter e os anéis de Saturno. Sabiam que “um bilhão de mundos espiralavam no espaço como a circulação do sangue no corpo de Deus”. Sabiam da natureza deserta e infecunda da lua, que diziam ser “seca e morta como sangue seco”.

Muito antes que o Ocidente conseguisse observá-lo com a ajuda de sofisticados aparelhos, os dogon desenvolveram um conhecimento extremamente complexo do pe-quenino satélite da estrela Sírio, o Sírio B, invisível a olho nu. Denominavam-no Potolo, e desenhavam, com exata precisão, a sua órbita elíptica em torno de Sírio. Projetaram corretamente a sua trajetória até o ano 1990 em desenhos que conferem precisamente com o curso projetado pela astronomia moderna.

Além de todo esse conhecimento, os dogon revelam saber que Sírio B gira uma vez em torno de seu próprio eixo no período de um ano, evento celebrado com o festival chamado Bado. Até a década de 1970, essa rotação não fora observada pelos astrôno-mos modernos, que, no entanto já haviam confirmado a órbita de 50 anos que os dogon constataram para a sua trajetória em volta de Sírio. Enfim, o conhecimento dos dogon efetivamente ultrapassa em muito aquilo que o mundo seria capaz de creditar a uma “tribo primitiva”.

A Metalurgia

No campo da metalurgia, há vários exemplos do domínio que os africanos desen-volviam e exerciam, como no exemplo dos haya, povo de fala banto habitante de uma região de Tanzânia perto do lago Vitória. Há mais de 2 mil anos, os haya produziram aço em fornos que atingiam temperaturas que superavam 200 a 400 graus centígrados a ca-pacidade dos fornos europeus até o século XIX. O antropólogo historiador Peter Schmit, da Brown University, estudou durante nove anos o fenômeno. Junto com os haya, chegou a reproduzir fisicamente a antiga tecnologia de fundição, a partir da tradição oral guarda-da pelos anciãos, capaz de resgatar e reconstruir as técnicas de engenharia dos antigos.

A Engenharia e a Matemática

Outro exemplo da tecnologia aplicada na África antiga encontra-se nas ruínas de Monomatapa, cidade-estado e fortaleza do antigo reino e hoje país Zimbábue. Capital de um império que durou 300 anos, a construção de Monomatapa significa uma verdadeira façanha de engenharia, encerrando uma cidade murada de 10 mil habitantes. O muro, de 250 metros de extensão e de 15 mil toneladas de granito, tem dois metros de espessura, sendo que cada metro de sua extensão contém 4.500 blocos de granito. Coerentes com a atitude clássica do eurocentrismo, “historiadores” e estudiosos atribuíram sua cons-trução a povos exógenos à África, e até a extraterrestres, no vão esforços de negar que o grande Zimbábue tivesse sido construído por africanos negros.

Na matemática, há um volume enorme de conhecimentos africanos. Sem mencio-nar as pirâmides egípcias, cuja construção exigiu o desenvolvimento de um conhecimen-to avançadíssimo de matemática, geometria e engenharia (capaz de projetar 2.700 anos antes de Cristo, ângulos com 0,07° de precisão), podemos citar o sistema ioruba de mate-mática, baseado, como outros da África, em múltiplos de 20.

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4APÊNDICE IComo Conhecer e/ou Escrever a História de Sua Afro-Comunidade

01. É opcional fazer um trabalho individual ou em grupo. A sabedoria diz que várias ca-beças pensam melhor que uma só. Porém, cuidado: grupo grande é improdutivo. Qua-tro a cinco pessoas é o ideal. Se for em grupo defina e divida as tarefas.

02. Lembre-se que a história de sua afro-comunidade não está isolada, desconectada, descontextualizada da história do negro do Maranhão, do Brasil, da África, do mundo. Portanto, leia, estude, pesquise sobre essa história mais geral.

03. Faça um levantamento das manifestações artísticas, culturais e religiosas organizadas e efetivadas pelos/as negro/as na sua comunidade. Acompanhe, participe, envolva-se.

04. Converse com os mais velhos, anote ou grave seus depoimentos, suas histórias: par-teiras, benzedeiras, pais e mães de santo, professores, pescadores, cantadores, toca-dores, músicos, artesãos, etc.

05. Trace um diagnóstico sócio-econômico atual, e tente relacionar com a situação no passado – melhorou, piorou ou estagnou?

06. Consulte arquivos, jornais, revistas, cartórios, e igreja que em geral detêm importan-tes documentos que podem ser úteis

07. Caso necessite, peça ajuda a militantes do Movimento Negro para sistematizar, orga-nizar as informações coletadas.

08. Depois de ter um esboço da história, mostre na comunidade, leia para os que não do-minam a leitura. Pergunte se as pessoas concordam, se querem acrescentar ou retirar algo, se aceitam seus nomes serem citados, etc.

09. Na montagem final que tal pensar em fotos ou desenhos – na comunidade tem sem-pre pessoas que sabem e gostam de desenhar.

10. Bom trabalho!

Como Proceder Diante de uma Discriminação Racial01. Erga a cabeça e fale forte diante do/a agressor(a), mas evite como resposta a agres-

são física.02. Consiga imediatamente, no local e no momento, duas testemunhas do fato. (Anote

nomes completos, endereços, telefones, etc.).03. Faça na Delegacia de Polícia mais próxima o BO (Boletim de Ocorrência). É simples:

você vai contar o fato, que será registrado na Delegacia. Peça uma via do BO.04. Se você tiver lesões, dirija-se ao Instituto Médico Legal - IML para fazer exame de

corpo delito.05. Em seguida, procure o Ministério Público para formalizar a denúncia e solicitar as

providências cabíveis. Entre em contato também com entidades do Movimento Negro, de Direitos Humanos ou correlatas, que lhes orientarão quanto às ações políticas.

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Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

incorrigível, morador do Sacavém, trabalhador da Companhia de Águas e Esgotos do Ma-ranhão – CAEMA. Foi naquela época então que a Associação dos Servidores da empresa resolveu realizar uma corrida rústica. Quase 20 quilômetros o percurso. Craque, um dos primeiros inscritos, alardeava que seria o campeão. Os demais competidores estavam na faixa etária média de 23, 24 anos; por isso, os risos dos que ouviam as bravatas de Craque.

Finalmente chegou o grande dia em que Craque ficaria com o nome na história da CAEMA. Foi dada a alargada, e ele por alguns minutos garantiu bravamente a dianteira, mas, pouco a pouco foi ficando para trás. À frente: os jovens sarados, os esportistas, os malhadores de academia, etc.

Na chegada, para surpresa dos “garotões geração saúde”, Craque já se encontrava na Associação: suado, esbaforido, saltitante, pronto para outra corrida, dando cambalho-ta, revirando carambela, se abraçando com as namoradas, e, riso largo, cumprimentando os que chegavam depois dele. No ar uma grande interrogação de todos: como!? A comis-são organizadora, sem delongas chamou os vencedores ao podium e Craque (agora Cra-cão) recebeu o troféu e o prêmio de 1º lugar. Radiante, o campeão distribuiu autógrafos à criançada, beijos e abraços às “negas”, e, aos amigos, atendeu a todos bebericando em suas respectivas mesas.

Craque virou lenda na história da CAEMA, mesmo depois de ter explicado de forma sincera a façanha. Durante a corrida, quando estava no Anel Viário, um amigo/vizinho, motorista de ônibus, passou dirigindo o “bus” e perguntou:

- Ei Craque! Aonde tu vai assim com essa pressa toda, cara?- Rapaz, tô indo pra Associação!- Então pega uma carona. Te deixo na Rodoviária, fica lá perto. Sobe!Moral da história: Craque espertamente aplicou a política da igualdade pela cota

(nesse caso traduzida pela “carona”) para superar uma falsa democracia em que todos atletas seriam iguais perante a corrida rústica – vencendo o melhor.

Lembrando o mestre Abdias do Nascimento, quando afirma que no Brasil a demo-cracia foi estabelecida como uma corrida em que os brancos já saíram com vários quilô-metros à frente dos negros. E depois ainda dizem que o negro é incompetente.

(*) A história narrada não é, obviamente, um exemplo a ser seguido; mas, nos oferece pistas para discussões e reflexões em sala de aula. Uma boa idéia é o(a) professor(a) sugerir aos alunos e alunas que organizem uma corrida considerando as diferenças: gênero, geração, massa corpórea, necessidades especiais, etc.

“Os negros apresentam suas armas:as costas marcadas,as mãos calejadas

e a esperteza que só temquem está cansado de apanhar”

(Música: Selvagem, Herbert Viana e João Barone)

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

ANDRÉ REBOUÇASEngenheiro, físico, biólogo,

astrônomo, matemático MARIA ARAGÃOMédica, militante comunista

ALEIJADINHOEscultor

LÉLIA GONZÁLESDoutora em Antropologia

ABDIAS DO NASCIMENTOEx-Senador, escritor,

historiador, dramaturgo

MARIA FIRMINAProfessora, escritora

MILTON SANTOSDoutor Geógrafo

Prêmio Internacional de Geografia

MUNDINHA ARAÚJOJornalista, pesquisadora,

historiadora

TEODORO SAMPAIOEngenheiro, geógrafo,

historiador

BENEDITA DA SILVAEx-Deputada Federal,

ex-Governadora do Rio de Janeiro

JOAQUIM BARBOSAJuiz, Ministro do Supremo

Tribunal Federal - STF

CHIQUINHA GONZAGAMusicóloga, regente,

compositora

GLÓRIA MARIAJornalista, repórter

ÁRVORE DA SAPIÊNCIA AFRO-BRASILEIRA: herança da ancestralidade africana

SILVIA CANTANHEDEEsteticista, militante do movimento negro e de mulheres negras

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Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

COMO APAGARAM AS CONQUISTAS DOS POVOS AFRICANOS?

Por que tantas conquistas ficaram sem registro, prevalecendo a imagem do africano selvagem, atrasado e ignorante? Vários fatores, além da pura falsificação eurocêntrica, contribuem para esse fato.

O primeiro fator está no holocausto, que prosseguiu durante séculos a devastação dos centros civilizatórios africanos onde esse desenvolvimento acontecia, e o seqüestro para o cativeiro de enormes contingentes de sua juventude criadora, elemento respon-sável pela sua continuidade. Destruídos os centros de desenvolvimento, pouco restou para ser observado. O roubo puro e simples dos bens culturais e intelectuais da África aconteceu durante mais séculos ainda. Os sucessivos saques e incêndios da biblioteca de Alexandria por gregos e macedônios, para não falar dos romanos, abrangem séculos de devastação. Não ficam atrás os constantes seqüestros de bens artísticos, símbolos do poder político, da ciência e da religião na África, levados para museus europeus.

Um agravante desse fator se encontra no material de que eram feitos esses bens, quase sempre perecível. Os hieróglifos, por exemplo, eram grafados em papiro, em nítido contraste com a escrita cuneiforme da antiga Suméria ou Babilônia, registrada em pedra ou barro, materiais duráveis.

O segundo fator na perpetuação dessa imagem é a fascinação dos estudiosos eu-ropeus, sobretudo os antropólogos, pelo exótico. O enfoque antropológico, embora em suas mais nobres expressões tente respeitar o meio cultural estudado, detém-se em geral numa visão estática, localizando um grupo numa conjuntura e fixando-o como se esti-vesse preso para sempre à condição em que foi estudado. Esse enfoque, além de realçar o primitivo, obscurece os processos dinâmicos de fluxo e mudança que sempre caracte-rizaram a história africana. Palco de uma movimentação constante em busca de novos espaços, rotas comerciais, intercâmbio e comunicação internacional, a África nunca se reduziu ao viveiro de povos isolados, perdidos na selva e ocupados com pesca e caça que o enfoque antropológico acabou retratando. No século XII, por exemplo, estados da Áfri-ca Oriental mandavam ouro e elefantes à China em embarcações muito mais sofisticadas

“Desconfiai do mais trivial na aparência singela.E examinai, sobretudo, o que parece habitual.Suplicamos expressamente:Não aceitei o que é de hábito com coisa natural,pois em tempo de desordem sangrenta,de confusão organizada,de arbitrariedade consciente, de humanidade desumana,nada deve parecer natural,nada deve ser impossível de mudar.”

(Bertholdo Brecht, dramaturgo)

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

A Saga d@s Afro-Brasileir@s Contra o Racismo

Ahistórica luta d@ negr@ brasileir@ contra o racismo nasce com a própria institui-ção da escravidão negra neste país e continua após a abolição com o surgimento da impresa negra (1910), da Frente Negra Brasileira (1930), do Teatro Experimental

do Negro (1946) e do Movimento Negro atual (década de 70) estando aí incluídos O Movimento Negro Unificado (1978) e o Centro de Cultura Negra do Maranhão (1979); isso sem falar da resistência das diversas manifestações culturais e religiosas de origem africana, bem como das comunidades negras rurais com base em quase todo o território brasileiro.

Transcrevemos a seguir trecho do discurso no Senado Federal, em agosto de 1997, do então Senador Abdias do Nascimento:

“Desenvolvida desde a chegada a estas terras dos primeiros africanos escravi-zados, a luta dos afro-brasileiros pela igualdade e justiça é uma saga de crueldade e revolta, sofrimento e redenção, que se estende pela História do país e se confunde com a luta pela liberdade do povo brasileiro. Maioria absoluta da população nos templos da Colônia e do Império, e ainda maioria neste final de milênio – apesar das tentativas de embranquecer o Brasil estimulando-se a imigração européia – os africanos e seus descendentes têm sido desde sempre os verdadeiros responsáveis pela construção deste país. Em troca, o que sempre recebemos foi a discriminação, a humilhação e o desprezo, edulcadorados por uma ideologia terrível na sua capaci-dade de amortecer a consciência dos oprimidos e subjugados: o mito da “democracia racial”, instrumento que se revelou extraordinariamente eficaz em manter os negros no lugar de subalternidade absoluta em uma sociedade que, apesar da multirracio-nal e pluriétnica, apresenta níveis de desigualdade mais elevados do que nações até recentemente caracterizadas pela prática do racismo oficial”.

Craque e a Cota (*)

Ofato aconteceu por volta de 1980. Craque é um afro-descendente com traços indíge-nas, pequeno, magro, ainda ágil para seus cinqüenta e tantos anos, na época do acon-tecido. Bom de bola – daí o apelido – bom de samba, favelense doente, conquistador

“Se me perguntarem o que é a minha Pátria, direi:Como, porque e quando a minha Pátria,Mas sei que a minha Pátria é a luz, o sal e a águaque elaboramos e liqüefazem a minha mágoa em longas lágrimas amargas.Vontade de beijar os olhos de minha Pátria, de mimá-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...”

(Vinícius de Moraes)

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11/2/1990Libertação do líder negro africano Nelson Mandela

21/3Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial

03/5Dia Nacional de Combate ao Racismo na Educação

13/5Abolida “juridicamente” a escravidão no Brasil (Lei Áurea)Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo

20/11/1695Martírio do líder negro brasileiro Zumbi dos Palmares

20/11Dia Nacional da Consciência Negra

Valorizar o negro e a negra, chamando a atenção para essa importante contribuição na construção do país, pode trazer uma valorização positiva para as nossas raízes cultu-rais africanas, podendo esta atitude levar afrodescendentes a valorização e identificação com nossas raízes, o que poderia contribuir para elevar ou resgatar a identidade étnico-racial e conseqüentemente a auto-estima negra. A sugestão de introdução de estudos africanos a partir da inserção da história africana no currículo escolar a fim de que sejam resgatados pontos positivos de referência às alunas negras e aos alunos negros remonta décadas e vem de encontro ao fato de que as instituições escolares não oferecem ao alu-nado negro condições de socialização que promovam o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.

Um plano de formação de professores(as) que inclua a necessidade de se refletir sobre a diversidade que há numa sala de aula, numa sociedade multiétnica e pluricultural como a nossa é necessário. Sabemos que a tentativa de a escola tornar homogêneo o que é heterogêneo cria um descompasso entre crianças e adolescentes, o que é incompatível com a educação de hoje e contribui para excluir aquelas ou aqueles que não correspon-dem às suas exigências homogeneizantes.

Para que as relações étnico-raciais se constituam em temática educacional é preci-so proporcionar a formação continuada para sensibilizar e capacitar professoras e pro-fessores e demais profissionais da educação a conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais que compõem a população brasileira, ou seja, os descen-dentes de africanos, de europeus, de asiáticos e povos indígenas.

O conhecimento da história e cultura afro-brasileira e africana poderá contribuir para que o mito da democracia racial existente na sociedade brasileira seja de vez des-construído, uma vez que o mesmo vem perpetuando a crença de que as pessoas negras, sejam elas mulheres ou homens, não ocupam o lugar que lhes cabe por outras razões que não sejam as seculares desigualdades.

Propomos uma educação que forme professoras e professores, alunas e alunos para que o repasse de valores culturais e sentimentos positivos pautados na ancestrali-dade africana possam colaborar para a construção de uma identidade étnica e uma auto-estima positiva aos descentes de africanos, maioria da população no nosso país.

DATAS QUE A HISTÓRIA OFICIAL TEIMA EM ESQUECER...

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

que a caravela utilizada pelos portugueses, três séculos mais tarde, na sua acidental che-gada às Américas.

O terceiro fator é que a história africana convencional foi escrita com base em do-cumentos exógenos. Desde o tempo de Ibn Khaldun, quando se inicia essa história, se-gundo o critério do registro escrito, o documento estudado pelo historiador tem sido o documento do invasor colonizador. A tradição oral africana foi excluída até muito re-centemente como fonte histórica. As próprias línguas africanas são reduzidas até hoje, e muito comumente no Brasil, à condição de “dialetos”.

Esses fatores resultam naquilo que se aceita como história da África, em distor-ções tão constantemente reproduzidas que acumulam a força de verdades absolutas. Os registros de Ibn Khaldun e seus colegas islâmicos ignoram, por exemplo, a resistência protagonizada por povos africanos como berberes, tuaregues, shilluk, azande, e nuer, que defenderam com unhas e dentes seus territórios e suas culturas contra a dominação mu-çulmana. Da mesma forma, a história da África do século XV até o presente tem sido es-crita a partir dos documentos deixados por invasores e colonizadores europeus. Apenas recentemente, com trabalho de Cheikh Anta Diop, Théophile Obenza, Ivan Van Sertima, Basil Davidson e outros, inicia-se um processo de revisão dessa história convencional distorcida e ainda dominante no imaginário e na concepção populares sobre a África.

Podemos citar a figura de Tarzan, filme que por muitos anos foi veiculado na te-levisão, retratando a imagem da África como um continente de pessoas selvagens e pri-mitivas, cercada de animais igualmente selvagens, como zebras, elefantes, macacos e le-ões. Um personagem branco endeusado pelos “negros primitivos” como o “rei da selva”. Tal imagem permaneceu por muito tempo no imaginário das pessoas, especialmente de crianças e adolescentes sobre a África.

“A escravidão nas Américas matou a África.Foram arrancados da África Negra em tornode 100 milhões de negros, desestabilizandosociedades inteiras, fazendo desaparecer váriospovos, corrompendo outros e condenando osafricanos a estagnarem-se no tempo”

(Júlio José Chiavenato)

COMO SE DEU O TRÁFICO NEGREIRO?

OBrasil recebeu da África algo em torno de 18 milhões de africanos, segundo Artur Ramos. Historiadores afirmam que nas caravelas de Martin Afonso de Souza (1530-1532) vieram os primeiros, e, com certeza, o carregamento inicial que inaugura o

tráfico negreiro é realizado em 1538, sob o comando de Jorge Lopes Bixorda.Para se entender (e não justificar) como se deu essa transação comercial em que

o africano passa a ser considerado como “peça”, precisamos nos reportar, em primeiro lugar, ao continente africano no século XV, com suas centenas de povos em seus devidos

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territórios, com línguas, culturas, religiões e organizações políticas diferentes, e, por isso mesmo, em constantes conflitos e guerras donde resultava o aprisionamento, pelas na-ções vencedoras, dos guerreiros ou simples habitantes das nações derrotadas naquelas contendas.

São esses prisioneiros de guerra, que serão transformados em “peças”, e, que al-guns historiadores insistem em denominá-los de escravos, levando-nos a imaginar equi-vocadamente que na África havia escravidão tal qual o modelo implantado pelos euro-peus aqui nas Américas.

Em segundo lugar, precisamos ver a Europa, que nesse mesmo período vive a fase de expansão marítima e de invasões de “novas” terras, e onde se dava, também, o embrio-nário início de uma nova ordem econômica – a denominada era do capitalismo industrial, liderada pela Inglaterra.

Por outro lado, na América, recentemente invadida, os grandes latifundiários exi-giam a cada dia mais braços para o trabalho na lavoura, sem falar nos garimpos de minas de ouro e pedras preciosas. Diga-se de passagem, que toda essa riqueza gerada no Brasil (colônia) era destinada a Portugal (metrópole).

Esse, portanto, é o cenário ideal e o estímulo para o desenvolvimento vertiginoso do tráfico negreiro que surge como a principal estratégia para geração de grandes lucros e acumulação de capital, o que não era possível com a escravidão indígena – que no Bra-sil ainda assim sobreviveu por quase 200 anos.

As mercadorias européias (geral-mente bugigangas) levadas por navios europeus fabricados na Inglaterra eram trocadas na costa da África por prisionei-ros de guerra africanos. Isso se dava com a conivência de diversos chefes africanos que, ainda admitindo-se não saberem con-cretamente a que fim miserável e cruel se destinavam àqueles irmãos e irmãs, foram co-participantes ativos desse hediondo cri-me de lesa-humanidade.

Assim, lugarejos inexpressivos como Londres e Liverpool, com o advento do trá-fico, alçaram-se em poucas décadas à cate-goria de grandes cidades. E toda Europa, graças a esse capital gerado pela venda e desterro de milhões de african@s, tornou-se até os dias atuais um continente rico e poderoso. Enquanto isso, o continente afri-cano foi literalmente dizimado, constituin-do-se ainda hoje numa das regiões com a existência dos maiores bolsões de fome e miséria do mundo atual.

“Negros que escravizame vendem negros na Áfricanão são meus irmãos

negros senhores na Américaa serviço do capitalnão são meus irmãos

negros opressoresem qualquer parte do mundonão são meus irmãos

Só os negros oprimidosescravizados em luta por liberdadesão meus irmãos

Para estes tenho um poemagrande como o Nilo”

(Solano Trindade, In: “Cantares ao meu povo”)

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

Comentários Sobre a Implementação da Lei 10.639/03

Aobrigatoriedade de inclusão da História e Cultura Afro-Brasi-leira e Africana nos currículos

da Educação Básica, principalmen-te no ensino fundamental, requer uma sólida formação continuada de professores(as), enquanto não se inclui na formação inicial a pre-paração para o trato da questão. A inclusão no currículo escolar de temas específicos da história, da cultura, dos conheci-mentos, das manifestações artísticas e religiosas afro-brasileiras, propiciam a ampliação do conhecimento a partir dos conteúdos de aprendizagem que são os conceituais, que se referem ao que precisamos saber dos fatos, conceitos e princípios; os procedimentais, que se relacionam ao saber fazer, ou seja, regras, técnicas, métodos, destrezas e estraté-gias que tornem o fazer pedagógico adequado, e os atitudinais que se referem ao ser, ou seja,as normas, atitudes e valores existenciais, estéticos, intelectuais,morais e religiosos, com valorização no ser negro(a) e sua contribuição para a formação da nossa identidade, viabilizando o reconhecimento do direito dos(as) negros(as) serem sujeitos de sua pró-pria história e conseqüentemente da história de sua comunidade.

A legislação prevê a inclusão da história da África e d@s african@s, a luta d@s negr@ s no Brasil, a cultura afro-brasileira e o negro na formação da sociedade brasileira, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil e a inclusão, no calendário escolar, do dia 20 de Novembro, aniversário de morte de Zumbi dos Palmares (1695), como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

Trata-se de inserir no currículo e vivenciar nas instituições escolares, mais espe-cificamente na sala de aula, as dimensões do currículo oculto e explícito, fazendo com que os(as) educadores(as) possam despir-se de preconceitos que predominam em sua prática pedagógica.

A implementação da lei contribui para que se discuta atitudes advindas do racis-mo e suas manifestações: o preconceito e a discriminação raciais, a dominação cultu-ral imposta através de valores “etnoeurocêntricos”, no sistema de educação, para que crianças e adolescentes afrodescendentes sejam educados de maneira a construir uma auto-imagem e um auto-conceito positivo de si mesm@ para que assumam sua verdadei-ra identidade étnico-racial e tenham uma auto-estima positiva para o bom desenvolvi-mento de sua personalidade, fundada nos valores étnicos e culturais negros, combatendo assim o racismo, o preconceito e a discriminação racial existentes em nossa sociedade.A implementação de políticas de ação afirmativa na educação são uma necessidade, a fim de mudar a educação que afrodescendentes recebem no sistema educacional público e privado, que é repleta de valores sexistas, racistas e elitistas, que são absorvidos pelos estudantes, sendo a escola um espaço de atitudes permeadas por tais valores.

A escola pode favorecer a circulação de conhecimentos e valores culturais afro-brasileiros no processo de escolarização, expressando a pluralidade característica do nosso povo. Tais conhecimentos e valores ensinados e aprendidos como intrínse-cos à multiculturalidade brasileira reconhecem a cultura negra como importante no patrimônio comum, relativizando a cultura eurocêntrica que possui uma hegemoniasecular.

“A mente, isso sim! Ninguém pode escravizar”.

(Maria Firmina dos Reis, educadora negrae primeira romancista negra brasileira)

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Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

tema e não à escola. A escola enquanto instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar politica-mente, como já vimos, contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença religio-sa ou posição política.

O racismo segundo o Artigo 5 da Constituição Brasileira, é crime inafiançável e isso se aplica a todos os cidadãos e instituições, inclusive, à escola.

Leis que beneficiam diretamente os quilombolas

Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988Art.68 Aos remanescente das comunidades dos quilombos que estejam ocu-

pando suas terras é reconhecida propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

(Observe-se que o artigo 68 do ADCT foi regulamentado em 20 de dezembro de 2003 pelo Decreto nº. 4.887)

Constituição Estadual MaranhenseArt.229 O Estado reconhecerá e legalizará, na forma da Lei, as terras ocupa-

das por remanescentes das comunidades dos quilombos.

“Pode ser verdade que é impossível decretar a integração por meio da lei, mas pode-se decretar a não-segregação. Pode ser verdade que é impossível legislar sobre

moral, mas o comportamento pode ser regulamentado.

Pode ser verdade que a lei não é capaz de fazer com que uma pessoa me ame, mas pode impedi-la de me linchar.”

(Martin Luther King, líder e ativista do Movimento pelos Direitos Civis

dos Afro-Americanos, Estados Unidos)

“PPPPoddddeee ssseerr vvveeeaaa iiiinttteeeggggrraaaçççãããsssee ddddeccrreeettaaarrvveeerrrddddaaaaaddee qqqu

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Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

2Retrospectiva pré-abolição

DE ONDE VIERAM (PARA O BRASIL) @S NEGR@S ESCRAV@S?

Essa pergunta já vem carregada de “informações” propositadamente negativas e falsas em relação aos antecedentes do povo afro-brasileiro. Primeiro porque não viemos, e, sim, fomos trazidos da África. Segundo, não éramos “negr@s escrav@s”, éramos afri-

can@s que, chegando aqui no Brasil, passamos à condição de [email protected] questionamento acima, como é geralmente feito nas escolas, leva-nos a pensar

que @s negr@s – por destino traçado – sempre foram escrav@s, e mais, que – por von-tade própria – decidiram vir ao Brasil “velejando” para substituir a mão-de-obra escravi-zada dos índios.

POR QUE A SUBSTITUIÇÃO DA MÃO-DE-OBRA ESCRAVIZADA INDÍGENA PELA MÃO-DE-OBRA ESCRAVIZADA DO AFRICANO?

Nos fins do século XV inicia-se o que pode ser considerado como o tráfico negreiro. As primeiras expedições se fazem na Ilha da Madeira e Porto Santo. Posteriormente os africanos são levados também para Açores e Cabo Verde. Somente no século XVI são

trazidos para o Brasil.Com o apoio de quase todos os governos da Europa, dá-se início a uma forma de

mercado que gera imensa margem de lucro – a compra de africanos nas costas da África, o seu transporte e sua venda como mercadoria. Vários países se empenham então nessa atividade e muitas rivalidades surgem na competição entre a França, a Inglaterra, a Ho-landa e Portugal.

É falso, portanto, quando dizem que os colonizadores portugueses preferiram o africano porque o índio era fraco e não se adaptou à escravidão. Nem índio, nem negro, nem povos europeus – que também passaram por períodos escravistas – se adaptaram ou se adaptarão à escravidão. O que determina a substituição da mão-de-obra indígena pela do africano é toda uma cadeia de lucros, fruto do tráfico, que vai viabilizar na Europa o início do capitalismo industrial.

“Nossa raça traz o selo dos sóis e luas dos séculos.A pele é mapa de pesadelos oceânicos e orgulhosa moldura de cicatrizes quilombolas.”

(Jamu Minka)

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

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Constituição Federal de 1988

Art. 5º Todos são iguais perante alei, sem distinção de qualquer natureza, ga-rantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade,à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, su-jeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Lei nº. 7.716 de 5 de janeiro de 1989 – Define os crimes de preconceitos de raça ou de cor

Art.1º Serão punidos, na forma da lei, os crimes resultante de preconceitos de raça ou de cor.

Art.3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qual-quer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviço público.

Art.4 Negar ou obstar emprego em empresa privadaArt.12 Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios,

barcas, barcos, ônibus, trens, metrôs ou qualquer outro meio de transporte conce-dido

Art.20 Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, reli-gião, etnia ou procedência nacional.

Lei nº. 10639/2003 – Diretrizes Curriculares Nacionais Para a Educação das Relações Étnico-Raciais e Para o Ensino de História

e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Com a promulgação da Lei 10.639/03, que alterou a Lei 9.394/1996 estabe-lecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, somos todos e todas chamados (as) a rever nossas práticas pedagógicas, haja vista que a aplicabilidade da referida lei esta diretamente ligada á mudança de postu-ras, comportamentos e de mentalidades, sendo desta forma necessária construir novos parâmetros, e conceitos capazes de levarmos-nos à prática de uma vivência pautada no respeito e valorização das diferenças, quer de raça sexo religiosidade e outros.

Conforme a Lei 10.639/03, combater o racismo, trabalhar pelo fim da desi-gualdade social e racial, e empreender reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola. As formas de discriminação de qualquer natureza não têm nascedouro na escola, porém o racismo, as desigualdades e discrimina-ções correntes na sociedade perpassam por ali.

Diz ainda dentre outros equívocos a serem superados está a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao Movimento Negro e aos estudiosos do

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“Recebemos a denúncia de que aqui se canta samba”. – Com este tipo de aviso a polícia invadia os locais onde aconteciam principalmente manifesta-ções religiosas de negros, prendendo pais e mães de santo. A crônica policial registrava as batidas, geralmente com deboche, e apoiava a ação policial, que atingia também os sambistas, já que era hábito cantar samba depois do culto.

(Revista História do Samba, n.2, Editora Globo)

As Leis de Combate à Discriminação Racial“No último quartel do século XX, o Movimento Negro retomou a ação dos qui-

lombolas, centrando suas baterias na luta pela liberação do negro de tantas e tão variadas servidões visíveis e invisíveis. Também assumiu a denúncia para a desmis-tificação da propalada democracia racial e implementou espaços para rearticular sua luta de exigências de participação em todos níveis.[...]. Houve avanços conside-ráveis e conquistas que não se deve subestimar. [...]. Combater a desigualdade é o grande desafio. Essa é a ponte que transporta o século XX para o século XXI. Esse combate implica reconhecer quem são os mais desiguais, para torná-los mais iguais. Implica ver que a desigualdade tem gênero e cor. [...]. Uma legislação afirmativa e ações concretas podem fazer com que o Brasil da auto-imagem aprendida no curso primário – aquele país que não tem problemas raciais, onde todos vivem em harmo-nia, e a cor da pele não provoca nenhum tipo de violência, discriminação ou segrega-ção – se transforme em realidade. É preciso fomentar ações que, no âmbito da socie-dade civil, nas escolas, nas empresas, além de coibir o preconceito, ofereçam maiores oportunidades aos discriminados, aos negros a aos mestiços. Afinal de contas, somos um só povo”. (Manoel Santos Neto, do livro O Negro no Maranhão).

Samba Angola

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

“Negro, acorda, é hora de acordarNão negue a raçaTorne toda manhã Dia de GraçaNegro não humilheNem se humilhe a ninguémTodas as raças já foram escravas também”

(Música: Dia de Graça, Candeia)

COMO ACONTECEU A LUTA E RESISTÊNCIA DOS AFRICANOS E AFRO-DESCENDENTES NO BRASIL?

O Que Era Comum Entre os Africanos Trazidos Para o Brasil

@s negr@s trazid@s da África para o Brasil pertenciam a diversas culturas. Pes-quisadores como Artur Ramos, citado por Bastide, dividiam esse contingente em quatro grupos: Sudaneses – correspondem aos negros trazidos da Nigéria, do Daomé e da Cos-

ta do Ouro. São os iorubás, os ewe, os fon e os fanti-ashanti (chamados mi-nas), krumanos, agni, zema e timini. Civilizações islamizadas – especialmente representadas pelos peuls, mandin-

gas, haussá, tapa, bornu e gurunsi. Civilizações bantas do grupo angola-congolês – representadas pelos am-

bundas (cassangues, bangalas, dembos) de Angola, congos ou cabindas do atual Congo e os benguelas. Civilizações bantas da Contra-Costa – representadas pelos moçambiques

(macuas e angicos).

Pelo tráfico negreiro chegaram ao Brasil milhões de african@s na condição de es-cravizad@s que foram espalhad@s de norte a sul da Colônia. Cabe aqui um parênteses: o tráfico não era aleatório, como alguns historiadores divulgam; ele era seletivo, ou seja, @s african@s eram trazid@s de acordo com suas aptidões e conforme as demandas do sistema escravista; por exemplo, africanos com experiências em mineração e metalur-gia eram levados para as regiões das minas, e assim por diante. Provenientes de vários pontos da África, muitas vezes não falavam a mesma língua. Haviam guerreado entre si, pertencendo a diferentes nações, cultuavam as divindades de suas tradições, diferentes também uma das outras. Em comum tinham a condição social de escravizad@s, o avil-tamento decorrente dessa situação, e cosmovisões de matriz comum que definiam suas relações sociais e as contextualizavam. Assim, os africanos trouxeram consigo sua RELI-GIOSIDADE – principal alvo dos ataques dos opressores, e um dos principais elementos de resistência dos afro-brasileiros.

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Perseguição às Culturas e Religiões de Origem Africana

Primeiros europeus a escravizar afri-canos, os portugueses desenvolveram toda uma “ciência” da dominação, ali-

cerçada em fundamentos amplamente en-contráveis, sobretudo nos textos da autoria de sacerdotes, mas também em documen-tos oficiais. Neles se percebe a preocupa-ção com a cultura africana, que deveria ser destruída, quando necessário, ou domesti-cada, sempre que possível. A religião, pon-to focal da identidade dos africanos e seus descendentes, sempre ocupou um papel central nas preocupações desses políticos e intelectuais, incansáveis nas suas tenta-tivas de suprimi-la ou cooptá-la. Vejamos,

por exemplo, o conteúdo de duas leis da ‘‘Coleção das Leis, Decretos e Resoluções’’ da Província do Maranhão, no período entre 1835-1889.

‘‘Fora do logares, que pela auctoridade competente forem marcados, ficão prohibidos os batuques, cantorias, e danças de pretos. Aos contraven-tores cinco dias de prisão, e dez na reincidência’’.

Lei n° 225/1846

‘‘Toda a pessôa, que arrogar a si o poder imaginário de curar feitiço... a que o vulgo dá o titulo de Pagés...

Será multada em trinta mil reis, e o dobro na reincidência com quinze dias de prisão’’

Lei n°. 224/1846

EXU: representa a contradição, o questionamento, a discussão, a investigação e o aprofundamento. É o mensageiro, o Orixá da comunicação.

“ Escuta o silêncio, diz a velha África, e tu verás que ele é música.Igual a água de um pequeno córrego do campo, cada um deve tentar manter pura e portadora de paz a sua própria alma, a fim de que o sol possa se refletir nela todo inteiro”.

Amadou Hampaté Bá (Do Reino de Mali)

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

“Dizem-nos haver um ensaio de Bumba-meu-boi na Rua do Passeio, o qual incomoda horrorosamente a vizinhança, até 1 hora da madruga-da. É uma berraria infernal, que está pedindo um pronto corretivo”

(A Pacotilha, n. 140, de 13 de junho de 1912)

“Pajelança. Des-cobriu-se mais um pajé. Este chama-se Francisco Bernardo e mora no Caminho da Boiada, canto com rua Vitor Castro. Goza de muita estima e muitas pessoas o têm como

verdadeiro médico. E por isso chamamos a atenção do delegado de polícia do distri-to”

(A Pacotilha, n. 159, de 23 de

outubro de 1915)

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As Perseguições Continuam de Forma Violenta Como no Período Escravista

As perseguições às manifestações culturais e religiosas de matriz africana vão conti-nuar com a mesma violência, agora como um dos componentes do projeto de fazer desaparecer tudo que lembre a origem africana de parcela do povo brasileiro, ou

então embranquecer essas referências dizendo que é “cultura popular”, “manifestação de domínio público”, “que não mais é possível definir a origem”, etc.. Negando, assim, aos seus verdadeiros protagonistas o sagrado direito de ter nas suas manifestações cultu-rais e religiosas ancestrais – tais quais as etnias européias – a âncora para aportar seu orgulho e auto-estima de ser negro afro-brasileiro: base sólida para a construção de sua dignidade e cidadania.

Para se ter idéia, no Maranhão somente em 1988, durante o centenário da abolição, foi abolida a taxa obrigatória que as casas de religiões afro-brasileiras tinham que pagar na Delegacia de Costumes, para poder realizar seus rituais, ainda que essa cobrança e proibição fossem anticonstitucionais. Daí ter sido prática rotineira a polícia fazer suas batidas nos terreiros e proibir a livre manifestação da religiosidade dos negros.

Vejamos outros exemplos dessa perseguição no Maranhão e Rio de Janeiro:

“Pedem-nos que cha-memos atenção de quem competir para o abuso, que se dá diariamente à Rua da Horta, com o rufar de caixas do Divino Espírito Santo, to-das as madrugadas, incomo-dando assim, a vizinhança”

(A Pacotilha, n. 249, de 23 de outubro de 1911)Festa do Divino Espírito

Santo da Casa Fanti Ashanti

Festa do Divino Espírito Santo da comunidade negra quilombola de São Cristóvão

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ROM

FREI

RE

É fato que durante todo período escravista permeou um clima de latente conflito social, daí quaisquer manifestações da cultura ou religiosidade d@s african@s e afro-bra-sileir@s passavam a serem vistas como indecentes, imorais, perturbadoras do sossego público, tornando-se objeto de discriminação por parte de brancos que as denunciavam aos jornais pedindo a intervenção da polícia para acabar com as mesmas. Em 1835, por exemplo, um morador da Quinta do Apicum reclama ferrenhamente contra @s negr@s que

“ali fazem certa brincadeira ao costume de suas nações, concorrendo igualmente para semelhante fim todas as pretas, que podem escapar ao serviço doméstico de seus senhores, de maneira tal que com esse entrete-nimento faltavam ao seu dever [...]”.

(Jornal Eco do Norte, de 6 de junho/1835)

Outra demonstração de como essas manifestações representavam um “perigo” para as classes dominantes está nesta nota no Jornal Pacotilha de 20 de janeiro de 1885:

“É costume velho o de reuni-rem-se umas pretas e negrinhas à Rua da Alegria, canto da Tapada, onde celebram as mais indecentes usanças dos ritos de corrupção, a que elas se entregam sem consi-deração de ordem alguma pelas pessoas do lugar. Mas como esse costume é abusivo é de crer que a polícia trate logo de correr com ele dali. Assim pensa quem o faz chegar ao nosso conhecimento”.

A Rebeldia Negra: Assassinatos, Fugas, Insurreições e Quilombos

Querem alguns historiadores “românticos” nos fazer crer que todo o aparato repressi-vo do sistema escravista – repleto de terríveis crueldades – era fruto única e exclusi-vamente da maldade individual dos poderosos “senhores” brancos contra os “passi-

vos e sofredores negros”. Esse quadro seria ideal para uma novela piegas, mas não condiz com a verdade histórica.

A sistemática repressão exercitada pelos colonizadores portugueses foi uma con-seqüência direta da rebeldia de african@s e afro-descendentes, durante todo período

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que perdurou a escravidão. Essa rebeldia vai se manifestar, quer nos casos de abortos provocados pelas negras escra-vizadas, para não verem seus filhos e filhas submetid@s da mesma forma ao jugo dos “senhores”, quer nos inúmeros suicídios, maneira desesperada de fugir das torturas.

Além desses extremos, vamos presenciar durante os quase 4 séculos de escravidão um volume cada vez mais crescente de assassinatos de feitores e “senhores” pelos ne-gros nos canaviais, ou pelas negras nas casas-grandes – elas amiudemente usavam a técnica de envenenamento através da comida. Concomitantemente, aconteciam as massivas fugas das fazendas que redundavam, algumas vezes, em es-petaculares insurreições como foi a de Viana, no Maranhão (1867), e, em geral, na formação de quilombos como o de Palmares, em Alagoas (1594 – 1694) e os do Maranhão, como o de Turiaçu (sobre o qual Perdigão Malheiro escrevia em 1866 ter sido o que mais teria durado após o Quilombo de Palmares), o de Limoeiro (de pelo menos 1854 a 1878), e o de Lagoa Amarela (criado em 1840) o qual Cosme Bento das Chagas já ocupara durante a Guerra da Balaiada e de

lá saiu liderando 3 mil quilombolas em armas para participar das batalhas, e milhares de ou-tros.

Os quilombos encontraram terreno fértil para germinar próximos aos engenhos, fazendas e minas auríferas. No cenário ru-ral, onde estavam concentradas as massas de trabalhadores(as), se desenrolam sucessivas rebeliões, fugas e formações de quilombos – a mais expressiva luta d@s escravizad@s con-tra a escravidão. Não apenas negando o mo-delo de sociedade escravocrata, mas apontan-do e construindo uma sociedade alternativa de caráter comunitário, não excludente (em diversos quilombos temos referências de pre-senças de índios e brancos empobrecidos), e na qual a terra, a exemplo das sociedades afri-canas, consistia num bem coletivo.

Essas formas de luta e organização, que foram numerosíssimas, se espalharam de norte a sul do país, constituíram-se, por con-seguinte, numa violenta reação ao não menos violento regime escravista. No entanto, como os sujeitos desse capítulo são os próprios es-cravizados, que, abandonando uma posição de subordinação, passam à ação, as pesquisas e a divulgação de uma crescente literatura afir-mando a importância dessas lutas contrárias ao sistema ainda sofrem o boicote do visceral e silencioso racismo brasileiro.

OGUM: responsável por abrir caminhos da vida. Guerreiro valoroso, seguro de seu poder, é capaz de enfrentar e vencer qualquer guerra.

Lucília Maria de Jesus (Mãe Lúcia), 103 anos. Regente da 10ª Dinastia da Casa de Nagô e atual chefa da Casa.

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3Retrospectiva pós-abolição

O Projeto de Genocídio Contra @ Afro-Brasileir@

Terminada oficialmente a escravidão, a sociedade brasileira “caiu na real” e viu que a maioria da população não era (e não é) evidentemente branca e européia – modelo perseguido patologicamente pelas classes abastadas do país.

Daí, o Estado brasileiro ter gestado um projeto maquiavélico, ensandecido, de em-branquecimento tanto ideológico quanto biológico. Chegando inclusive a prever que no ano 2010 não haveria mais “essa mancha negra” no país. Para tal, tinha por base “cientí-fica” a miscigenação contínua e incentivada (forçada, se necessário) até a diluição e desa-parecimento total dos afro-brasileiros. Ações que beiram os desvarios da ideologia nazis-ta de limpeza étnica, a exemplo da atual eliminação sistemática de contingente significa-tivo da juventude negra, foram explicitamente denunciadas e demonstradas por Abdias Nascimento no livro O Genocídio do Negro Brasileiro. Vale ressaltar que esse processo de extermínio explícito de african@s e afro-brasileir@s foi uma prática que perpassou por todo período escravista, a exemplo da participação compulsória de negr@s brasileir@s na Guerra do Paraguai, quando, documentos comprovam que os mesmos foram usados com “buchas de canhão”. E, o processo de branqueamento da população brasileira, já vinha sendo pensado pelos abolicionistas através de uma política de emigração que prio-rizasse os povos europeus – preferencialmente de origem ariana.

[...] Foi essa “perspectiva evolucionista” que fez os abolicionistasfossem contra a imigração asiática e... favoráveis à imigraçãoeuropéia... para limpar o sangue, evitar a “mongolização” eextirpar a “africanização”. Isso era tão forte a ponto de todasas leis de imigração que foram pensadas a partir do fimda escravidão até a Constituição de 1988 proibirem aimigração africana!

(Fátima Oliveira, no livro Saúde da População Negra)

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“Sempre sonhara com a liberdadeMas a liberdade que me deramFoi mais ilusão que liberdade

Irmão sou eu quem gritaEu tenho fortes razões

Tenho mais necessidadeDe gritar do que respirar.Mas, irmão, fica sabendo

Piedade não é o que queroPiedade não me interessa

Eu quero coisa melhorEu não quero mais viverNo porão da sociedade

Não quero ser marginalQuero entrar em toda parte

Quero ser bem recebidoBasta de humilhações

Minha alma já está cansadaEu quero o sol que é de todos

Ou alcança tudo que eu queroOu gritarei a noite inteira

Como gritam os vulcõesComo gritam os vendavais

Como grita o marE nem a morte terá força

para me fazer calar!” (Trecho do Poema: Protesto,

Carlos de Assumpção)Carlloso dee Asssumpmpçãç oo)

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Último Olhar Sobre Palmares

A nação palmarina transformara-se num verdadeiro caos. Milhares de mortos. Incêndios ge-neralizados. Gritos de dor, desespero, revolta. Os soldados do exército inimigo que subira a Serra da Barriga, tendo no comando o frio e cruel genocida Domingos Jorge Velho, pareciam movidos a ódio. Um ódio terrível, destruidor, implacável. Ceifavam vidas de crianças, mulheres, velhos. Destruíram e queimaram moradias, escolas, terreiros de oração, roças, árvores, tudo, num furor sem precedente comparativo na história das guerras no Brasil.

O líder Zumbi, à frente do exército palmarino, era a própria personificação da resistência. Magro, manco de uma perna ferida em combate, com uma agilidade insuspeita para seus quarenta anos de idade, lutava como nunca, mostrando garra e cora-gem que lhe fizera jus à fama legendária de guerrei-ro audaz e imbatível.

Naquela altura dos acontecimentos, porém, não havia mais dúvidas: a Cerca Real do Macaco, capital administrativa e defensiva do Quilombo dos Palmares, coração do principal ponto estratégico da Serra da Barriga, sucumbira diante o poderio béli-co e do rancor cego e vingativo das tropas de Jorge Velho, que nunca perdoara a derrota fragorosa e hu-milhante que lhe impuseram os quilombolas numa refrega um ano antes, em 1693.

Os palmarinos sobreviventes do massacre, acuados, mas não dispostos a se en-tregarem, acorreram para a única saída – um precipício – na tentativa de escaparem do inimigo atirando-se à fatalidade da morte. Preferiram morrer com dignidade guerreira a ser (ou voltar a ser) escravizados. Alguns ainda tentaram evitar a catástrofe coletiva, alertando sobre a existência de uma passagem estreita por onde era possível escapar com vida. O pânico e o desespero falaram mais alto que a razão, levando centenas a des-pencarem no abismo mortal.

“...Meu pai Quilombo eu tambémSou quilombola.A minha luta é todo dia, toda hora.Meu pai Quilombo, dizem que Zumbi morreu.Zumbi está vivoEm quem luta como eu.”

(Paulinho Akomabu, cantor e compositor)

Publicação do CCN-MA - Centro de Cultura Negra do Maranhão (1998).

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Zumbi foi um do últimos a bater em retirada. Antes quis ter a exata dimensão da destruição de Palmares. Vendo o que viu, seu coração ficou apertado e lhe veio um nó na garganta. Cem anos de trabalho, luta e organização desmoronados... Podia uma historia de cem anos virar cinzas? Acabar assim, sem dela restar nada? Quem sobreviveria para contar ou reconstituir toda essa história, todo esse mundão que era Palmares?

General Zumbi vamos! – gritam alguns companheiros, Zumbi correu até alcançá-los. Parou alguns segundos, voltou-se e lançou o último olhar sobre Palmares. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Ali ficavam companheiros e companheiras, as amadas e os filhos e filhas, todos encharcando o chão palmarino de tanto sangue inocente. Ali ficavam os escombros de uma nação outrora rica e soberana. E ficavam rios, estradas, picadas, florestas, sonhos e liberdade... O líder guerreiro fixou um ponto inatingível e, voz entrecortada, como se quisesse que toda Serra da Barriga o ouvisse, bradou:

- Palmares, eu volto!...Não sei quando, mas eu volto! Ogum há de me dar força! Eu juro que volto! Palmares, a gente volta para te reconstruir!

Agora não era mais apenas a emoção de Zumbi a falar. Outros guerreiros e guer-reiras, com os olhos marejados, foram se aproximando do Rei, foram se dando as mãos – mãos calejadas, repletas de vibrações e solidariedade. Assim, formada a corrente, gri-taram em uníssono, para que nem o tempo nem o espaço apagassem aquele momento sublime:

- Palmares, a gente volta para te reconstruir!!!Dito isso, @s quilombolas sumiram na escuridão densa e misteriosa da noite pal-

marina...E renasceram ao longo desses trezentos anos, nas manhãs ensolaradas das lutas

pela Liberdade.Valeu, Palmares! Valeu, Zumbi!

(Magno Cruz, na 7ª Edição do Informativo Zumbido do CCN, 1999)

Sobre a Insurreição de Escravos Durante a Balaiada no Maranhão

Insurreição – “Julgar-se-á cometido esse crime, reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da força.”

(Art. 113 do Código Criminal do Império, 1830).

Chefe da Insurreição: D. Cosme Bento das Chagas (Negro Cosme)Imperador e Tutor da Liberdade

Em 20 de setembro de 1842 o preto livre Cosme Bento das Chagas, mais conhecido como Negro Cosme, natural de Sobral – Ceará, vivendo a muitos anos no Maranhão, foi enforcado na vila de Itapecuru-Mirim, condenado por crimes de morte e insurrei-

ção. O Negro Cosme intitulava-se “Dom Cosme Bento das Chagas, Tutor e Imperador da Liberdade”, e chefiando mais de 3000 negr@s: libert@s, escrav@s e quilombolas, afri-can@s e crioul@s, durante a Balaiada, promoveram a maior insurreição de escrav@s que

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Desocupados, marginalizados, obrigados a vagabundagem ou viverem de trabalho ocasional os negros foram estigmatizados como incorrigíveis malandros, viciados, sub-homens que eram um perigo para a moralidade pública”. (Júlio José Chiavenato)

“Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou outra qualquer insti-tuição assumissem encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. O liberto viu-se convertido, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo, tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva”. (Florestan Fernandes)

A partir de então, a liberdade para @s negr@s se reduziria apenas, na liberdade de se locomover de uma fazenda para outra ou de uma para outra região. Ir embora para trabalhar onde, quando e como quisessem. Essa foi a liberdade que @ negr@ ganhou.

O que expressa Sueli Carneiro, do GELEDÉS - Instituto da Mulher Negra (São Paulo) retrata a condição das mulheres negras frente ao período escravista e que permanece até os dias de hoje: “Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito (fragilida-de feminina), porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contin-gente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas... Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar!...”.

Desorganizad@s, acostumad@s aos trabalhos rurais, deslocaram-se em grande parte para as zonas urbanas. Ali, vivendo de biscates, morando em palhoças e cortiços nos arredores das cidades deram origem à nova população de favelados e palafitados, subempregados vivendo à margem da sociedade onde permanecem até os nossos dias.

Considerando essa dura realidade, quem ganhou com a abolição?É imprescindível destacar a participação da mulher negra na história de resistên-

cia e luta pela liberdade do seu povo, desde Dandara (lutou ao lado de Zumbi contra o sistema escravocrata) e Luiza Mahin (líder da Revolta dos Malês, Bahia), até as yalorixás de hoje, que através do seu axé mantém a preservação das tradições culturais e religio-sas, rompendo com todas as formas de preconceito e discriminação de uma sociedade racista e sexista.

“E serei a negra mais feliz do BrasilNão serei imbecil,Serei sábia e sutil na riqueza,Eu que era ovelha negra da quadrilha,vai sustentar família com tanta beleza,Um dia vou pôr a mesa que o mundo guardou pra mim,Patroa e empregada do meu próprio festim!”

(Elisa Lucinda, poetisa e atriz)

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LEI ÁUREA – 13 DE MAIO DE 1888(Quem ganhou com a abolição?)

A chamada Lei Áurea – porque foi assinada com uma “caneta de ouro cravejada de brilhantes” – constitui-se apenas de dois artigos:

“Art. 1º - É declarada extinta a escravidão no Brasil. Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrários.”

Os atos formais e legais da Abolição retratam a sua desimportância como fator a realmente libertar os escravos. A situação de fato já existia, apenas legalizou-se a reali-dade, dados estatísticos da época apontam que somente 5,6% da população negra ainda permanecia de fato sob o regime escravista. O que vem depois é apenas uma mistificação da história do Brasil, quando alguns historiadores procuram até hoje, fazer da princesa Isabel e do abolicionismo um mito de benevolência e heroísmo.

Sabe-se que em 1888 o Brasil se encontrava praticamente livre da escravidão. Res-tava, no entanto libertar-se dos escravos. Sim, porque naquela época estes significavam um ônus bem pesado para os proprietários e como tal, necessário se fazia libertar o ho-mem branco do escravo.

Os argumentos empregados pelos abolicionistas estavam contidos no pensamento de José Bonifácio, que em 1823 elaborou um projeto de emancipação gradual de escravos e também Burlamarque que publicou um livro em 1837, onde, entre outras coisas, mostrava as vantagens do trabalho livre na medida em que representava uma liberação de capital, e maiores rendimentos da lavoura, já que haveria possibilidade de dispensar parte dos bra-ços em certas etapas do trabalho agrícola. Dizia que acabados os trabalhos para que fossem chamados os obreiros seriam despedidos e aí se revelava um objeto de grande economia. Não ocorrendo o mesmo no regime escravocrata, pois havendo ou não trabalho que ocu-passem a todos, o proprietário era obrigado a nutrir, vestir, curar, etc. os escravos.

As mudanças do regime de trabalho foram, portanto, a principal preocupação dos debates abolicionistas. O aproveitamento d@ negr@ nesse novo sistema (trabalho livre) nunca foi cogitado. Pelo contrário, apelaram quase que imediatamente para a introdução de imigrantes para substituir os negros, principalmente no sul do país.

A transformação de escrav@ em trabalhador(a) livre interessava seus proprietá-rios na medida em que o escravo deixaria de ser um meio de produção para constituir-se em um assalariado e como tal a sua força de trabalho se transformaria em mercadoria podendo ser comprada segundo as necessidades escravo da empresa; verificando-se aí, o sentido essencial da Abolição.

Logo, as transformações da estrutura econômica forçaram a libertação d@s es-crav@s. Fazia-se necessário a inexistência do escravo em todo sistema para que o desen-volvimento do projeto de economia em expansão encontrasse uma dinâmica receptiva, isto é, ter uma massa consumidora dentro do novo sistema de produção o que obviamen-te não ocorreria quando a maior parte da força de trabalho se constituía de escravos.

“O que adviria depois da Abolição em relação aos negros retirados das senzalas, ficava por conta dos próprios negros. Indefesos, deformados pela opressão escravista, só tinham um destino irremediável: ficar à margem, porque não eram chamados para ocupar nenhum outro lugar na sociedade nova, que representar a força de trabalho de reserva.

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

houve no Brasil. No quilombo da Lagoa Amarela tinha escola de ler e escrever. Cosme passava cartas de alforria e obrigava os “senhores” de escravos a fazer o mesmo. Esse líder que pretendia acabar com a escravidão passou para a historiografia como o infame Cosme, facinoroso, feiticeiro, bandido, malvado, etc. Foi capturado em 7 de fevereiro de 1841 no distrito do Mearim. O seu julgamento e condenação deu-se em 5 de abril de 1842. A execução em setembro de 1842.

Principais líderes: (Negros e mestiços na Balaiada): Raimundo Gomes Manoel Francisco dos Anjos (Balaio) COSME BENTO DAS CHAGAS (NEGRO COSME)

O princípio das revoltas:

1838

• Quilombolas• Francisco Ferreira “O Balaio”• Raimundo Gomes• Antecedentes de Cosme (prisões e fugas)

1839

• Continua guerra dos Balaios ou Bem-te-vis• Começa a insurreição de escravos chefiada por Cosme• Cosme conseguiu mais uma vez evadir-se da Cadeia Pública da Capital • Levanta os escravos das fazendas da Ribeira do Itapecuru

1840

• Luís Alves de Lima assume a Presidência e Comando das Armas da Província• Cosme reúne mais de três mil escravos (quilombolas)• Intitula-se Imperador da Liberdade• Passa Cartas de Liberdade• Ocupa a fazenda de Ricardo Nava na Lagoa Amarela obrigando-o a alforriar duzentos

escravos • Raimundo Gomes vai procurar Cosme na Lagoa Amarela• Governo foi informado sobre escola de ler e escrever no quilombo de Cosme• Governo envia tropas para combater os negros no quilombo• Cosme consegue escapar com mais de 2000 quilombolas• Decretada a Anistia aos rebeldes de todo o Império (agosto)• Governo do Maranhão ordena aos rebeldes: primeiro que combatessem Cosme• Cosme propõe aliança com o rebelde Pio Rodrigues (novembro)

1841

• Cosme capturado em 7 de fevereiro no distrito do Mearim1842

• Cosme julgado e condenado à morte em 5 de abril de 1842• Cosme enforcado na vila de Itapecuru-Mirim, no mês de setembro, desse mesmo ano,

provavelmente no dia 20.

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Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

De Cosme para as autoridades:

“Aos senhores concidadãos e autoridadesFaço saber a todos os habitantes que forem senhores de fazendas que já

chegou a Lei da Escravidão estarem forro pela Lei da República se quiser ficar com a escravatura da fazenda ficará trabalhando como forro livre de surra e os seus senhores que era ficará como pai de família, pagará por todos os anos sendo fazenda grande pagará de finta duzentos mil réis por anos sendo que queira a combinação me escreva para meu governo a mesma (...) quando an-dei pelo Codó mandei esse mesmo pelo correio, não me veio a resposta por isso faço esse mesmo para o lembrar, por isso é que não tenho marchado para esse lugar esperando a resposta, essa é a minha combinação espero a resposta ou de ofício, ou de bala, ignoro V. Sª. não me escreverem.

Acampamento 16 de novembro de 1840Aos senhores concidadãos e autoridadesD. Cosme Bento das ChagasTutor Imperador da Liberdade, Defensor dos Bem-te-vis.”

O comandante da Expedição ao Norte de Caxias, Ernesto

Emiliano de Medeiros enviou esse ofício para o presidente

comentando:

“O chefe dos negros man-dou-me o ofício incluso, eu nada lhe respondi e fico fazendo dili-gência para ir com os rebeldes batê-lo, porque estou mui bem informado que entre os negros e os rebeldes existe muita desinte-ligência”.

(Mundinha Araújo, Livro ainda não editado)

Publicação do CCN-MA - Centro de Cultura Negra do Maranhão (2000).

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

entanto, que esse dispositivo não despertou muito interesse.A Lei do Ventre Livre contribuiu na realidade, para o início do problema até hoje

sem solução de crianças e adolescentes em situação de rua, pois, a partir desta data, o número de crianças negras jogadas nas ruas, oriundas desses asilos e do abandono por parte dos “senhores” de escravos que não admitiam alimentarem crianças que não se-riam mais suas propriedades, elevou-se consideravelmente.

Por outro lado, muito “senhores” preferiam ficar com os menores até a idade de 21 anos explorando os seus serviços, já que a referida indenização pecuniária era paga na forma da lei, em títulos, no prazo de 30 anos; não interessando assim aos proprietários de escravos.

Afinal, essa lei livrou quem?

LEI DOS SEXAGENÁRIOS(Ir para onde aos 60 anos?)

“A Lei n° 3.270 de 28 de setembro de 1885 libertava os escravos de 60 anos de idade, ficando, porém, obrigados a

títulos de indenização pela sua alforria, a prestar servi-ços a seus senhores pelo espaço de três anos (artigo 3º §10º). Findo o prazo de três anos os escravos con-tinuavam em companhia dos seus senhores, salvo

se preferissem obter em outra parte os meios de subsistência, e os juízes de órfãos os julgassem ca-

pazes de fazer.” (Artigo 3º §13).

M u i t @ s negr@s eram vis-tos a perambular

sem destino pelas ruas das cidades. Outros temerosos de se arriscar a uma vida livre, para a qual não se sentiam capacitados depois de longos anos de cativeiro, deixavam-se ficar nas fa-zendas onde sempre tinham vivido.

A liberdade chegava tarde demais e a pers-pectiva que o futuro apresentava era de uma ve-lhice desamparada.

Essa Lei serviu, apenas, para que os velhos que não mais produziam, ou se encontravam do-entes e mutilados, após tantos anos de escravidão, fossem abandonados, legalmente, pelos seus se-nhores. Os que ainda podiam trabalhar não fica-ram livres nunca.

O historiador Joel Rufino dos Santos lembra que na época essa lei, para os europeus, foi consi-derada a piada do século.

Com 60 ou mais anos de cativeiro, iam fa-zer o que da liberdade? NANÃ: É a divindade mais antiga

das águas e das Yabás.

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Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

“Artigo 1º. Os filhos da mulher escrava, que nascerem no Império des-de a data dessa lei, serão considerados livres.

§ 1º. Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães; os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos.

Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a op-ção, ou de receber do Estado a indenização de 600$00, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos.

No primeiro caso o Governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente Lei.

A indenização pecuniária acima fixada será paga em título de renda com juro anual de 6%, os quais se considerará extintos no fim de 30 anos.”

A declaração sobre a opção do “senhor” deve-ria ser feita no prazo de 30 dias a contar daquele em que a criança completasse oito anos: caso contrário fi-caria entendido que o mes-mo havia optado pela utili-zação dos seus serviços.

Analisando-se o 1º artigo da Lei e o 1º pará-grafo, respectivamente, observa-se que este “se-rão considerados livres” nada significava na prática, ou seja, “de fato”, pois, as crianças nascidas ficavam segundo a mesma lei “sob a autoridade dos senhores de suas mães” até a idade e oito anos completos ou en-tão até 21 anos.

Ora, em 1871, segundo CRISTIANO OTTONI, de cada vinte negr@s nascid@s, apenas um(a) sobrevivia; @s que nas-ciam e os “senhores” não se interessavam em mantê-los eram

enviados para a Casa da Roda popularmente conhecida como Asilo dos Expostos. Esse era o “destino” de que fala a Lei – “o

Governo receberá o menor e lhe dará destino”.Nos asilos o índice de sobrevivência, também era bai-

xo, não ultrapassando 10%.Essa Lei autorizava também a criação de associa-

ções destinadas a receber @s filh@ s das escravas, cedi-dos ou abandonados pelos “senhores”, ou tirados do seu poder. A essas associações atribuíam-se os serviços gra-

tuitos dos menores até 21 anos, podendo inclusive alugá-los desde que se obrigassem à sua manutenção. Sabe-se, no

YEMANJÁ: É considerada a mãe de todos os Orixás. Materna, séria, rigorosa, forte,

altiva e algumas vezes impetuosa e arrogante.

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Sobre a Insurreição de Escravos em Viana no Maranhão

Em julho de 1867 ocorreu na província do Maranhão uma insurreição de escravos de grande repercussão. Os quilombolas do mocambo São Benedito do Céu,

localizado nas matas do Turi, em avultado número, por-tando facas, facões, lanças e armas de fogo, saíram do quilombo com a finalidade de “guerrear os brancos” e por meio da força obter a Liberdade dos Cativos. Depois de

mais de três dias de viagem pelo interior das matas chegaram ao município de Viana para pressionar os proprietários e autoridades a conceder-lhes suas cartas de alforria. Duran-te o movimento insurrecional ocuparam diversas fazendas detendo como reféns admi-nistradores e proprietários dos estabelecimentos, enquanto aguardavam a reposta para as suas reivindicações. O movimento foi debelado, o quilombo São Benedito foi invadido pelas tropas reunidas dos municípios de Viana, São Vicente Ferrer e São Bento em 17 de julho de 1867. Os chefes dessa insurreição foram os quilombolas Daniel, Feliciano-Corta-Mato, Bruno e o livre Joaquim Calisto.

CRONOLOGIA DA INSURREIÇÃO:

• Na noite do dia 7 de julho os quilombolas chegam à fazenda Santo Inácio• No dia 8, ao amanhecer, cercam e ocupam

a fazenda Santa Bárbara; agridem fisica-mente, e prendem o administrador Plací-dio Melo dos Santos, soltam os escravos que se encontram no tronco.

• No dia 9 dirigem-se pela manhã ao Enge-nho Timbó, exigindo dos proprietários, Tereza de Morais Borges e filhos, armas e munições. Invadem a Vila Nova de Anadia, recolhendo mercadorias. Pernoitam na fa-zenda São José e na madrugada do dia 10 retornam para Santa Bárbara.

• Em Santa Bárbara ditam para o adminis-trador redigir a rogo dos quilombolas uma carta para as autoridades de Viana comu-nicando-lhes que estavam “em campo a tratar da Liberdade dos Cativos.” (10 de julho).

• Tropas legais combatem os quilombolas, depois de horas de fogo, abandonam a fa-zenda, deixam alguns feridos e prisionei-ros, deslocando-se para os matos, perse-guidos pelas tropas.

• Em 17 de julho, as tropas reunidas dos municípios de Viana, São Vicente Ferrer e São Bento invadem o quilombo São Benedito do Céu, encontrando as casas vazias. Conti-nua a caçada aos quilombolas por todo o resto do ano.

CHEFES:

DanielFeliciano Corta-MatoBruno e o livre Joaquim Calisto

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• Em novembro de 1868 dá-se o julgamento dos quilombolas e livres envolvidos na insurreição. Daniel, Bruno e Feliciano Corta-Mato (galés perpétuas). Joaquim Calisto, à pena última. Os escravos foram condenados a receberem 200 açoites ou 20 anos de prisão com trabalho.

• Daniel, o principal líder da insurreição de escrav@s em Viana, em 1876 era chefe do quilombo São Sebastião. Faleceu na Cadeia Pública da Capital em 14 de janeiro de 1884.

(Mundinha Araújo, no livro Insurreição de Escravos em Viana-1867, 2ª Ed.)

O QUE FOI A “ABOLIÇÃO”?

Aclasse dominante brasileira “inventou” uma história para explicar o Brasil: a história das famílias abastadas e quase brancas de tão ricas. Como se suas intrigas, desa-mores, humores, ambições e vaidades em busca de manterem-se no poder, fossem o

único determinante para os rumos da nossa história coletiva. Nesse contexto a abolição representa em síntese o que intenciona a história “inventada” sobre o Brasil: dizer que o povo nunca foi sujeito de seu próprio destino, sempre dependeu da “maldade” e/ou “bondade dos que estavam (ou estão) de plantão no poder.

Várias vezes desenterrada – simbólica ou literalmente – a figura da princesa regen-te foi (e é) o mito mais expressivo da historiografia oficial brasileira criada para manter “tudo em seu lugar”, ou seja, para desarticular quaisquer iniciativas de nos revolucionar-mos contra nosso empobrecimento político, social e econômico, fruto da perpetuação da situação de opressão e exploração históricas a que estamos submetidos até os dias atuais.

Contra esse mito, insurgiram-se negr@s, índi@s e branc@s empobrecid@s, a con-tarem/cantarem suas histórias, lutas, resistências, a resgatar referências heróicas feitas de carne e osso, de emoções e humanidades, para assim chegar-se a uma História do Brasil tecida de várias histórias, costuradas com diversas versões e visões; negando-se, portanto, a idéia de uma história unilateral de uma única raça/classe.

Esse esforço tem hoje o mérito de anunciar/denunciar que governos e leis podem até serem instrumentos utilizados por nós para transformações reais, mas, efetivamente todo nosso processo de mudança para melhor ou para pior depende da nossa organi-zação/mobilização ou da nossa desorganização/desmobilização. Nosso destino, nossa HISTÓRIA estão concretamente em nossas cabeças e em nossas mãos.

Por isso, é imprescindível, para a construção da auto-estima de nós afro-descen-dentes, desconstruirmos o mito da abolição.

Os Movimentos: Quilombismo e Abolicionismo

Que processo histórico teria definido os rumos para a declaração formal do fim do período escravista? A visão historiográfica conservadora considera que a abolição, lentamente preparada por sucessivos avanços ao longo do século XIX, decorreu da

inevitável conjunção de dois fatores de peso: as pressões externas da política inglesa, que há muito se opunha ao tráfico escravista, e as pressões internas do movimento abo-licionista. Porém, através de um olhar histórico progressista, sabe-se que a Inglaterra só deixa de ser cúmplice do tráfico negreiro quando o sistema escravista não era mais interessante e lucrativo para sua expansão industrial e comerciantilista. Por outro lado,

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EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

a extinção da escravatura, tão discutida pelos abolicionistas, vinha ao encontro dos seus próprios interesses, isto porque o abolicionismo foi, antes de tudo, um debate político entre as classes dominantes que se desenvolveu sem a participação efetiva d@ negr@ escravizad@. Na defesa dos seus interesses ficavam abolicionistas pleiteando uma inde-nização para os senhores, quando não se ouvia nenhuma voz defendendo a indenização d@s escrav@s. Aliás, chega a se constituir um paradoxo, que tantos fossem contra a es-cravidão e pouquíssimos a favor do negro.

Daí, atribuir-se, como grande agente desarticulador do regime escravista, ao movi-mento quilombista cujas origens remontam aos quilombos e às revoltas de africanos ini-ciadas ainda no período colonial e que vão se desenrolar de forma crescente até 1888.

Para o líder negro brasileiro Abdias do Nascimento, o quilombismo não pode ser entendido apenas como fugas massivas e construções de quilombos, tem um significado político maior – baseado em princípios da visão de mundo africana – que é a busca da construção de uma sociedade igualitária, comunitária e justa.

“Valeu Zumbi!O grito forte de PalmaresQue correu terras, céus e maresInfluenciando a abolição”(Música: Kizomba – A Festa da Raça,

Rodolpho/Jonas/Luiz Carlos da Vila)

As Leis AbolicionistasAqui abrimos um parênteses para apre-

sentarmos uma leitura crítica de três leis abo-licionistas. Pois, as Diretrizes que se referem a Lei 10.639/03 pedem essa revisão, essa desconstrução, enfim, uma avaliação sobre o protagonismo da mulher e do homem negro na História do Brasil. Portanto, entender o que diziam e as possíveis conseqüências dessas leis, é o início de pistas para entendermos par-te do que somos hoje na sociedade brasileira.

LEI DO VENTRE LIVRE(Essa lei livrava quem?)

Sancionada pela Princesa Isabel em nome do Imperador Pedro II, a Lei n° 2.040 de 28 de setembro de 1871, no seu artigo 1º diz o seguinte:

Retrato de Zumbi dos PalmaresÓleo de Antônio ParreirasMuseu Antônio Parreiras / Funarj