Revista Atitude 16

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VIII · Número 16 · Julho - Dezembro de 20142

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Porto Alegre, 2014

REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades Periódico da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre Ano VIII - Nº 16 - Julho a Dezembro de 2014 Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

ISSN 1809-5720

A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por finalidade a produção e a divulga-ção do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu cor-po docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâmbio de ideias, fomentar a produção científica e ampliar a participação acadêmica na comunidade. O Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não estejam de acordo com esses objetivos. Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas.

É permitida a cópia (transcrição) desde que devidamente mencionada a fonte.

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Editor/EditorProf. Dr. Silvio Javier Battello Calderon - [email protected]

Comissão Editorial/Editorial BoardProf. Dr. Renato Ferreira Machado - [email protected]

Prof. Dr. Edson Sidney de Ávila Júnior - [email protected]. Dr. Luís Fernando Fortes Garcia - [email protected]

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Revisão:Wesley Nunes

Os artigos e manifestações assinados correspondem, exclusivamente, às opiniões dos respectivos autores.

Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de Divulgação Científica da FaculdadeDom Bosco de Porto Alegre

Ano VIII, Volume 6, número 16, jul-dez 2014 – ISSN 1809-5720

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Apresentação. ................................................................................................. 7

1. A Convenção da ONU sobre o direito do mar e o difícil equilíbrio entre desenvolvimento, liberdade de navegação e preservação ambiental. ..................... 9

Ricardo Strauch Aveline e Davilmara Cristina Braga Rocha

2. A Percepção dos Clientes da Agroindústria Alfa no Rio Grande do Sul ............................21

Vanessa Medronha Felini, Alexandre de Melo Abicht e Alessandra Carla Ceolin

3. Análise do Conceito de Renda no Imposto de Renda Pessoa Jurídica sob a Ótica dos Tribunais Constitucionais da Argentina e do Brasil .......................................37 Silvio Brambila Fragoso Junior

4. Considerações sobre a Transferência do Risco na Convenção de Viena de 1980 ...............57 Maria Carolina Guarienti Pinto

5. Descripcion del método y lenguaje utilizado en la obra de Santo Tomás de Aquino la suma de teología o teológica ..........................................................................87 Adrián Sergio Cetrángolo

6. Dignidade da Pessoa Humana como Diretriz da Execução Penal: A Metodologia APAC .........93 Suellen Martins Pacheco, Henrique Severo Palma e Olga Maria Batista Gon

7. ECODESIGN - Fator Redutor de Impacto Ambiental ................................................. 109 Eduardo Viecelli

8. Imigração e Mercado de Trabalho - a construção da identidade dos senegaleses no norte do Rio Grande do Sul .......................................................... 113 Claussia Neumann da Cunha

9. La “Libertad de Contratar” en el Mercosur - y sus Limitaciones ante el Orden Público - ................................................................................... 119 Silvio Javier Battello Calderón e José Nosvitz Pereira de Souza

10. O Direito do Trabalho perante o Artigo 51 do Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte .............................................................................. 131 Prof. Laura Machado de Oliveira

11. Pesquisa de clima organizacional: um estudo de caso em uma emissora de TV no RS ... ... 141 Liége Pires do Rosário Lau e Camila Capitanio Jocksch

12. Responsabilidade Civil decorrente da Violação dos Direitos da Personalidade ................ 149 Guilherme Augusto Pinto da Silva e Jeronimo Basil Almeida

13. Uma Análise do Destino dos Resíduos Sólidos das Cidades Brasileiras ........................... 165 Ricardo Pulrolnik

Nota para autores .......................................................................................... 175

Sumário

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Apresentação

A Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre já completou 12 anos de existência. Foi em novembro de 2002 que recebemos nosso recredenciamento. Um processo longo, prazeroso e empenhativo foi feito para que isto se tornasse uma realidade. Nosso grande objetivo era e é ajudar as novas gerações a se posicionarem diante da vida como profissionais e cidadãos. Queremos ser fiéis à missão que nos foi deixada por Dom Bosco (1815-1888) de educar pessoas para serem “bons cristãos e honestos cidadãos”.

Começamos com três cursos: Administração, Ciências Contábeis e Sistemas de Informação. Logo a seguir se juntou a esses o curso de Engenharia Ambiental e Sanitária. Um pouquinho mais pra frente veio o curso de Direito. Todos estes cinco cursos já estão reconhecidos e já realizamos treze formaturas. O que era projeto se tornou realidade. Sonhar é bom e melhor ainda é ver que o sonho continua nas realizações.

A Revista Atitude já está em seu número 16. São oito anos de publicação ininterrupta. Somos capazes, sim, de construir uma revista indexada no Qualis. Professores, alunos, convidados estão pre-sentes em suas páginas com o grande objetivo de defender, promover e alavancar a vida, cada vida, em todas as suas dimensões. Este é o sentido de nossa presença no mundo da educação superior.

Nossa Faculdade conta hoje com um excelente grupo de mais de 70 (setenta) professores mestres e doutores, cerca de 20 (vinte) profissionais técnico-administrativos, e aproximadamente de 900 (novecentos) alunos que dão vida à instituição. Portanto, um milhar de pessoas promovendo-se e promovendo.

Fazemos parte de uma rede de Instituições de Educação Superior chamada IUS, ou seja, Instituições Universitárias Salesianas presente em quatro continentes com mais de 70 (setenta) insti-tuições. Todas com o mesmo objetivo, a mesma utopia, as mesmas metodologias, o mesmo desejo de encarnação no seu entorno. Como Dom Bosco, presentes na vida de milhares de jovens para apontar lhes caminhos para que construam oportunidades. Afinal, somos uma Faculdade de Atitude construindo oportunidades com os jovens universitários.

Agradecemos aos que escreveram artigos e relataram suas experiências. A todos nosso respei-to e nosso incentivo.

REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades!

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A Convenção da ONU sobre o direito do mar e o difícil equilíbrio entre

desenvolvimento, liberdade denavegação e preservação ambiental.

Ricardo Strauch Aveline1

Davilmara Cristina Braga Rocha2

RESUMO

No final do século XV, o mar passou a ser utilizado no comércio internacional para o transporte de especiarias. Sua utilização também está vinculada historicamente à pesca e à coleta de minerais. No âmbito militar, o mar foi palco de inúmeros conflitos internacionais, estando sempre relacionado a questões de segurança. Entretanto, foi com a rápida ampliação da população mundial no último século e com as crescentes demandas de consumo, que surgiu uma questão central envolvendo o mar: a preser-vação ambiental. Esta questão foi tratada pela Convenção da ONU sobre o Direito do Mar de 1982, a qual prevê que o meio ambiente adequado (inclusive o mar) é um direito humano e que o leito do mar é um patrimônio da humanidade. O artigo ana-lisa a regulamentação jurídica do mar e a tentativa de conciliar valores como a livre navegação, o desenvolvimento e a preservação ambiental.

PALAVRAS-CHAVE

Direito do Mar. Liberdade de navegação. Convenção da ONU sobre o Direito do Mar. Direito Ambiental.

ABSTRACT

In the late fifteenth century, the sea began to be used in international trade for the transport of spices. Its use is also historically linked to fishing and collecting mine-rals. Militarily, the sea was the scene of numerous international conflicts, always related to security issues. However, it was the rapid expansion of world population in the last century and the growing demands of consumption, which became a central issue involving the sea: environmental preservation. This issue was addressed by the UN Convention on the Law of the Sea of 1982, which provides that the adequate envi-ronment (including the sea) is a human right and that the seabed is a World Heritage Site. The article analyzes the legal regulation of the sea and its attempt to reconcile values such as free shipping, development and environmental preservation. KEYWORDS

Law of the Sea. Freedom of navigation . UN Convention on the Law of the Sea Envi-ronmental Law.

(1) Professor de Direito Internacional Público na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Doutor em Ciências Sociais, mestre em Direito e ba-charelado em Ciências Jurídicas e Sociais.(2) Bacharel em Direito.

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Introdução

A história da civilização confunde-se com a história marítima, sendo que as navegações portu-guesas são conhecidas por serem responsáveis pela chamada primeira onda da globalização, possibili-tando que especiarias da Índia fossem comercializadas na Europa.

Além de servir como estrada para o transporte internacional de mercadorias, o mar também possibilita o turismo, a pesca e a prática de esportes, ocupando cerca de 75 % do Planeta.

Com a ampliação da população mundial de um lado, carecendo de alimentos, e, de outro, a evolução da tecnologia, que possibilita a extração e utilização de recursos como o petróleo existente na plataforma continental, as disputas por espaços marítimos tornam-se cada dia mais acirradas. Hoje até mesmo países pequenos possuem amplas frotas de embarcações de pesca, cabotagem e turismo, utilizando intensamente o mar e as disputas pelo estabelecimento de fronteiras marítimas chegam às Cortes Internacionais.

Ao longo da história, inúmeros juristas escreveram sobre o espaço marítimo, formando-se diferentes correntes. Alguns afirmavam ser direito de todos o de navegar e extrair recursos do mar (“mare libertum”), outros afirmavam pertencer o mar às potências mundiais da época como Espanha, Portugal e Inglaterra (“mare clausum”).

O princípio da liberdade de navegação ou liberdade dos mares prevaleceu como princípio orientador a partir da Convenção de Genebra de 1958, sustentando-se que o mar é aberto a todos tanto para a navegação quanto para a pesca e para a extração de recursos naturais. Na época, acredi-tava-se que os recursos naturais eram infinitos.

Tal princípio foi mantido pela Convenção sobre o Direito do Mar de 1982, hoje em vigor. Porém, a liberdade no mar sofre hoje restrição jurídica para amenizar os impactos da extração e da poluição sobre mar. Fatos que colocam em risco os direitos das futuras gerações de viver em um ambiente ecolo-gicamente equilibrado. Por isso, na nova Convenção, o mar passa a ser visto juridicamente sob o viés do direito humano ao meio ambiente adequado e a livre navegação deve ser exercida de forma sustentável.

1. Direito do Mar: Conceito e Princípios

Por longo período histórico o mar desempenhou duas importantes funções sendo meio de co-municação e imenso reservatório de recursos, fossem estes vivos ou não vivos. Assim, mais de 80% do transporte mundial de mercadorias é feito pelo mar e a pesca nos mares representa 85% da captura global de peixe,3 motivos que justificam a criação de normas jurídicas.4

Segundo Araújo5:

Não é demais acrescentar que o mar, além de servir de meio de comunicação entre os povos, é abun-dante depósito de recursos vivos e não vivos, recursos esses que podem solucionar os graves problemas que afligem a humanidade nos terrenos alimentício e energético.

Contudo, a indivisibilidade geográfica do mar exigiu uma regulamentação jurídica que preve-nisse conflitos entre os Estados6, o que ocorreu através de uma divisibilidade jurídica do mar em faixas ou territórios marítimos.

Além disso, a Convenção sobre o Direito do Mar de 1982 criou o Tribunal Internacional do Mar que dirime litígios entre Estados em temas como pesca e extração de minerais. Em alguns casos, por exemplo, embarcações privadas registradas em determinados países são observadas avançando sobre territórios marítimos de outros países para realização de pesca sem a devida autorização. Tal prática coloca em risco a atividade dos pequenos pescadores de países emergentes, por exemplo, represen-tando também uma ameaça ambiental pelo esgotamento de espécies raras.7

Tais fatores fazem com que, diferentemente do ocorrido no Direito Internacional clássico, note-se uma regulamentação cada vez mais aprimorada da figura jurídica do mar.8

(3) RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relações Internacionais: Legislação Internacional Anotada. 9.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 239.(4) SHAW, Malcon, Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 402.(5) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional. 10 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2001. p. 206.(6) MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público. 5ª ed. rev. atual e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 755.(7) DUPUY, René-Jean; VIGNES, Daniel. A Handbook on the New Law of the Sea. The Hague Academy of International Law. Hingham: Kluwer, 1991, p. XLVII.(8) MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público. 5ª ed. rev. atual e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 755.

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1.1 Direito Marítimo e Direito do Mar O Direito Marítimo constitui o complexo de normas que regula a navegação, o comércio marí-

timo, os contratos de transporte (de mercadorias e pessoas), os direitos e deveres dos armadores (pro-prietários dos navios comerciais), capitães e interessados na navegação privada, além da propriedade e situação jurídica dos navios.9

O Direito do Mar, por sua vez, também chamado de Direito Marítimo Público Internacional, “abrange a matéria de âmbito internacional que regula o transporte internacional, a liberdade dos mares, o limite do mar territorial, zonas contíguas, zonas econômicas”, o Tribunal Internacional do Direito do Mar e as questões ambientais atinentes ao mar.10

Desta forma, o Direito do Mar constitui parte elementar do Direito Internacional Público,11 sendo objeto do presente artigo, enquanto o Direito Marítimo faz parte primordialmente do então Direito Comercial.

1.2 OS Princípios da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar DE 1982

A convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar foi concluída, depois de quase nove anos de negociação, em Montego Bay, na Jamaica, em 10 de dezembro de 1982. Compõe-se de tre-zentos e vinte artigos e vários anexos. Entrou em vigor no dia 16 de novembro de 1994, um ano após a reunião do quorum de sessenta Estados ratificantes ou aderentes.12

Segundo Fábio Konder Comparato:13

Dez anos após a assinatura da Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, a Convenção sobre o Direito do Mar volta a afirmar a existência de direitos fundamentais da humanida-de, desta vez sobre os mares e oceanos. É a comunhão de interesses de todos os seres humanos, de um lado, na exploração e aproveitamento dos fundos marinhos e oceânicos e seu subsolo, além dos limites da jurisdição nacional de cada país; de outro lado, a comunhão na conservação dos recursos vivos, na proteção e preservação do meio marinho.

Segundo Comparato, “atinge-se, assim, o quarto estágio na ampliação da titularidade subje-tiva dos direitos humanos”, iniciando-se com os direitos civis e políticos, passando pelos econômicos, sociais e culturais, avançando para a proteção dos povos e, finalmente, “para a afirmação de direitos fundamentais de toda a humanidade”.14

A Convenção é composta por um preâmbulo seguido de 17 partes e 9 anexos, seguindo-se a Ata Final da Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, no preâmbulo pode-se sentir o desejo dos Estados-partes “de solucionar, num espírito de compreensão e cooperação mútuas, todas as ques-tões atinentes ao direito do mar”.15

A Convenção possui uma série de princípios previstos em seu preâmbulo, os quais são objeto de explicação abaixo.

1.3.1 Princípio da soberania

O princípio da soberania reconhece os direitos de soberania do Estado costeiro para fins de exploração dos recursos naturais, vivos ou não vivos, do mar, além de regular a exploração e o aprovei-tamento da zona para fins econômicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos, bem como a jurisdição no tocante à colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas, investigação científica marinha e proteção e preservação do meio marinho.16

A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das águas interiores, es-tendendo-se a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de mar territorial. A soberania, em tal caso, alcança não apenas as águas, mas também o leito do mar, o respectivo subsolo, e ainda o espaço

(9) JÚNIOR, Osvaldo Agripino de Castro, Aspectos introdutórios do Direito Marítimo: Revista de Direito Privado, nº 19, julho-setembro de 2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 221. (10) ANJOS, J. Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de Direito Marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 9. (11) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 13. ed. rev., aumen. e atual., São Paulo: Saraiva, 2011, p.350.(12) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar, 13. ed. rev., aumen. e atual., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 350.(13) COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 405.(14) COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 405.(15) MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público, 3. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 691.(16) CASELLA, Paulo Barba; ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 617.

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aéreo sobrejacente, mas essa soberania não é absoluta, uma vez que no caso do território preserva-se o direito de passagem inocente, reconhecido em favor dos navios mercantes, de passageiros ou de guerra de qualquer Estado.17

O direito de passagem inocente significa que as embarcações estrangeiras, tanto mercantis quanto de guerra, podem passar por ali, desde que como determinado pela norma, a passagem se dê de forma rápida e contínua, ficando expressamente proibido qualquer outro tipo de movimentação sob o risco de ser considerado ato ilícito. Esta modalidade de passagem também é permitida aos sub-marinos e qualquer outro modo de navegação submersa, desde que estes naveguem na superfície e arvorem, isto é, desfraldem seu pavilhão.18

O Brasil outorga o direito de passagem inocente às embarcações de todas as nações, sendo estas sujeitadas à normatização pátria atinente.19 O Estado costeiro não pode, de forma alguma, dis-criminar qualquer embarcação em passagem inocente, mas pode solicitar aos navios de guerra que se retirem de suas águas territoriais.20

O Estado costeiro dispõe de autonomia para suspender temporariamente a passagem inocente de embarcações estrangeiras, sempre que houver necessidade por medida de segurança, se fazendo necessário que a mesma seja divulgada e não impossibilite a passagem em estreitos internacionais.21

Procurou-se por meio deste princípio conciliar os interesses econômicos referentes ao comér-cio internacional, possibilitando a livre passagem das embarcações mercantis. Por outro lado, o Estado costeiro pode fiscalizar as embarcações que passem pela sua costa e pode se opor à permanência de embarcações na faixa de 12 milhas da costa, denominada mar territorial.

O Estado costeiro possui também jurisdição para punir os responsáveis por embarcações que venham a poluir o seu mar territorial, pratiquem algum crime que traga efeitos para o estado costeiro, tais como o contrabando, o tráfico de armas e drogas.

1.3.2 Princípio da Prevenção

O princípio da prevenção tem o objetivo de resguardar os recursos biológicos do mar, estabe-lecendo normas destinadas a prevenir e reprimir a poluição do ambiente marinho, inclusive cominando penas para os transgressores, os quais devem indenizar os danos praticados. A Convenção proíbe, ain-da, as transmissões não autorizadas de rádios ou televisão difundidas a partir de um navio ou instala-ções no alto-mar e dirigidas com violação dos regulamentos internacionais.22

Os Estados têm o dever de proteger e de (conservar) o meio marinho e o direito de soberania para aproveitar seus recursos naturais. Tem, ainda, o dever de não transferir danos ou riscos de uma zona para outra, ao adotar medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho, inclusive, as resultantes da utilização de tecnologias sob seu controle.23

A pesca merece maior atenção, principalmente em relação à preservação das espécies que mi-gram, a fim de evitar prejuízos e ao mesmo tempo efetuar o manejo sustentável buscando o controle dos estoques existentes, através do comprometimento dos países envolvidos nesta atividade, além de tornar-se necessária a fiscalização da pesca realizada por navios estrangeiros, que em muitos momentos é ilegal.24

Assim, segundo Eliane Martins, a Convenção:

[...] aproxima o direito internacional e o direito ambiental ao estabelecer regras fundamentais, outorgar poderes de regulamentação às entidades internacionais especializadas e prever a cooperação de organi-zações internacionais.25

Os infratores podem ser processados perante os tribunais do Estado de bandeira do navio, do Estado de registro das instalações, do Estado de que a pessoa é nacional, de qualquer Estado cujos serviços autorizados de radiocomunicação sofram interferência.26

(17) REZEK, José Francisco, Direito Internacional Público: curso elementar. 13. ed. rev., aumen. e atual., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 353.(18) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13 ed. rev. aument. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p.353(19) PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direto internacional público e privado – incluindo noções de direitos humanos e de direito comuni-tário. 4ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Jus Podium, 2012, p. 559(20) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13ed. rev. aument. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p.354.(21) SHAW, Malcon. Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 417.(22) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público. 10. ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 218.(23) MATTOS, Adharbal Meira. Direito Internacional Público. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, p. 189.(24) BARBOSA JÚNIOR, Ilques; MORE, Rodrigo Fernandes. Amazônia Azul: política, estratégia e direito para o oceano do Brasil. Rio de Janeiro: FEMAR, 2012, p. 224.(25) MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo. Vol. I. 3ed. Barueri: Manole, 2008, p.51.(26) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público. 10. ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 218.

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1.3.3 Princípio do Patrimônio comum

Em 17 de Dezembro de 1970, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução nº 2.749 (XXV), declarando que o fundo do mar e dos oceanos, bem como o subsolo fora dos limites da jurisdição na-cional, assim como seus recursos, constituem patrimônio comum da humanidade, cuja exploração e aproveitamento devem se realizar a favor de todos os Estados, costeiros ou não. Além disso, convocou os Estados a estabelecerem um regime internacional especial para estes espaços.27

O Princípio do Patrimônio Comum foi posteriormente regulado pelo disposto no artigo 136 da Convenção de Montego Bay de 1982 que dispõe sobre áreas e recursos que são “patrimônio comum da humanidade”.28

A Convenção reconhece que o leito do mar, os fundos marinhos e seu subsolo, além dos limites de jurisdição nacional constituem patrimônio da humanidade, o que representa uma perspectiva clara-mente solidária, pois hão de ser levados em conta “os interesses e as necessidades especiais dos países em desenvolvimento, quer costeiros quer sem litoral”, como se declara no preâmbulo da Convenção.29

Comparato explica que a Convenção é notável, neste sentido, pois pela primeira vez na his-tória criou uma organização mundial de exploração econômica de recursos naturais em benefício de toda a humanidade. Os recursos minerais sólidos, líquidos ou gasosos, localizados na área marinha além dos limites da jurisdição de cada Estado foram subtraídos do sistema de exploração capitalista e da apropriação por algum Estado em particular.30

O Brasil destacou-se ao longo das sessões de negociação que culminaram na Convenção de Montego Bay, ao apoiar a implantação de um regime jurídico relativo aos fundos marinhos, onde foi estabelecido que a exploração do solo e subsolo deve ser em benefício da humanidade e que tal pre-ceito deve estar presente tanto na legislação nacional como internacional.31

No tocante aos fundos marinhos (leito do mar e subsolo), a Convenção determinou que este espaço fica fora da jurisdição dos Estados, sendo declarada pela Convenção como sendo de patrimônio comum da humanidade. Tal determinação fez com que os Estados Unidos rejeitassem a Convenção, visto que sua preferência assumida era pela declaração de que esta área fosse considerada res nullius (de ninguém), possibilitando, assim, que aquele que fosse detentor de tecnologia pioneira pudesse reivindicar a exploração.32

Assim, nenhum Estado poderá fazer reivindicações, exercer soberania e nem direitos sobre qualquer parte dos fundos marinhos, pois a área e seus recursos, sejam substâncias líquidas ou ga-sosas, situadas na superfície ou abaixo desta, tais como petróleo, gás, hélio, enxofre, bem como substâncias sólidas que se encontram na superfície ou em profundidades menores ou maiores de 3 metros e a salmoura localizada na superfície ou abaixo desta, constituem patrimônio comum a toda a humanidade, não de indivíduos, de Estados ou de empresas.33

O leito do mar possui corais, pérolas, esponjas e, principalmente, os nódulos poli metálicos, os quais contêm: manganês, cobalto, níquel, cobre e alumínio em quantidades praticamente inesgotáveis.34

A fiscalização é de competência da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, sendo a Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos, a qual funciona no Tribunal Internacional do Direito do Mar, a responsável por dirimir litígios ocorridos neste local.35

1.3.4 Princípio da Liberdade dos Mares O princípio da liberdade dos mares proíbe que os Estados atuem de forma arbitrária no mar,

violando a liberdade de cada Estado de usar o mar de forma ampla. O princípio da liberdade dos mares compreende a: liberdade de navegação, liberdade de sobrevoo, liberdade de colocar cabos e tubos submarinos, liberdade de construir ilhas artificiais e outras instalações permitidas pelo Direito interna-cional, liberdade de pesca nos termos do Direito Internacional, liberdade de investigação científica.36

(27) BORGES, Thiago Carvalho. Curso de direito internacional público e direito comunitário. São Paulo: Atlas, 2001, p.150.(28) MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de direito internacional público. 5 ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 711.(29) COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 405.(30) COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 405.(31) AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Curso de direito internacional público. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 406(32) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13 ed.rev.aument. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 360(33) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional. 10 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2001, p. 220.(34) DUPUY, René-Jean; VIGNES, Daniel. A Handbook on the New Law of the Sea. The Hague Academy of International Law. Hingham: Kluwer, 1991, p. XLVII.(35) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional. 10 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2001. p. 220.(36) HUSEK, Carlos Roberto, Curso de Direito Internacional Público. 4. ed, São Paulo: LTr, 2003, p. 93.

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Atualmente, é ponto pacífico a liberdade no alto-mar. A Convenção sobre o Direito do Mar de 1982, partindo desse pressuposto, reconhece que todo Estado, com ou sem litoral, pode livremente navegar, pescar, colocar cabos e oleodutos submarinos, construir ilhas artificiais e instalações outras permitidas pelo Direito das Gentes, efetuar investigações científicas e sobrevoar o alto-mar, embora essas franquias devam ser exercidas tendo em vista o interesse que a liberdade do alto-mar representa para os outros Estados, asseverando, ainda, que o alto-mar será utilizado exclusivamente para fins pacíficos.37

A prerrogativa de navegação não exclui os Estados sem litoral, que podem ter navios públicos e navios privados arvorando sua bandeira na costa de outros Estados.38

2. Divisão do Espaço Oceânico

Atualmente, ao contrário do que ocorria com o Direito Internacional Clássico, que concebia

apenas uma única divisão dos espaços marinhos (a existente entre a zona de soberania do Estado e o alto-mar), o que se nota é uma cada vez maior regulamentação da figura jurídica do mar.39

O primeiro tratado que dividiu o mar em zonas foi a Convenção sobre o Direito do Mar de 1958. Naquela ocasião as zonas foram reguladas respeitando-se a seguinte divisão: mar territorial, zona contígua, plataforma continental e alto-mar. Com a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar de 1982 (Convenção de Montego Bay), adicionaram-se as seguintes zonas: águas interiores e zona econômica exclusiva.40

No presente capítulo será analisada a regulamentação jurídica de cada uma das zonas previs-tas na Convenção de Montego Bay, verificando-se o grau de soberania dos Estados sobre o mar.

2.1 Mar territorial e zona Contígua

Conceitualmente o mar territorial é a faixa de mar que se estende desde a linha de base até distância que não deve exceder 12 milhas marítimas da costa e sobre a qual o Estado exerce a sua soberania, mas com algumas limitações determinadas pelo Direito Internacional, inclusive no que se refere a questões de proteção ambiental.41

A Convenção da ONU sobre o Direito do Mar de 1982 trata do mar territorial e da zona contígua entre os artigos 2.º e 33, fixando a largura do mar territorial em 12 milhas marítimas, medidas a partir da linha de base aplicável. A soberania do Estado costeiro no mar territorial estende-se ao espaço aé-reo sobrejacente ao mar territorial, ao leito e ao subsolo do mar. O limite exterior define-se por uma linha, em que cada um dos pontos fica a uma distância do ponto mais próximo da linha de base igual à largura do mar territorial.42

Dispõe o artigo 2.º da Convenção que:

Art. 2 - 1. A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores e, no caso de Estado arquipélago, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente desig-nada pelo nome de mar territorial.2. Esta soberania estende-se ao espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste mar.3. A soberania sobre o mar territorial é exercida de conformidade com a presente Convenção e as de-mais normas do direito internacional.43

Entretanto, esta soberania não é absoluta, nestas águas existe uma norma antiga que é o direito de passagem inocente, que significa que as embarcações estrangeiras, tanto mercantis quanto de guer-ra, podem passar por ali, desde que como determinado pela norma de forma rápida e contínua, ficando expressamente proibido qualquer outro tipo de movimentação sob o risco de ser considerado ato ilícito.44

(37) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Espaços Marítimos. Revista dos Tribunais. Vol. 686. Dez/1992, p. 8.(38) REZEK, José Francisco, Direito Internacional Público: curso elementar. 13. ed. rev., aumen. e atual., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 361. (39) MATTOS, Adherbal Meira. O Novo Direito do Mar. 2.ª e. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 14.(40) MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de direito internacional público. 5 ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 711.(41) CASELLA, Paulo Barba; ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento, Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2011, p.607.(42) MATTOS, Adherbal Meira. O Novo Direito do Mar. 2.ª e. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 18.(43) MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 5ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 761(44) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13 ed. rev. aument. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p.353

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Shaw complementa explicando que:

O Estado litorâneo não pode impor custos para essa passagem, exceto para pagamento de serviços específicos, e os navios em passagem são obrigados a cumprir a legislação do Estado litorâneo – a le-gislação aplicável à navegação, por exemplo, até onde essa legislação estiver de acordo com o direito internacional.45

Sobre a natureza jurídica do mar territorial defrontam-se duas teorias importantes: uma de-fendida por Scelle e La Pradelle, que o concebe como um prolongamento do alto-mar, sobre o qual o estado costeiro exerce determinadas servidões ativas, e outra, tradicional, que conhece o mar terri-torial como parte do território do Estado.46

Ainda que exista o direito de passagem inocente pelo mar territorial do Estado costeiro, as embarcações estrangeiras não podem praticar atos que prejudiquem o referido Estado, sob pena de sua passagem não mais ser considerada inocente (art. 25) e poderem ser punidos criminalmente no Estado costeiro os seus tripulantes (art. 18). Neste sentido, o Estado brasileiro já advertiu comandante de embarcação holandesa que ingressara no mar territorial brasileiro com o objetivo de praticar tra-balhos típicos de clínica abortiva, conforme explica Borges:47

Cumpre lembrar, neste sentido, a passagem do navio da fundação holandesa women on waves que, sem ostentar bandeira e com o objetivo de praticar o aborto em águas brasileiras, foi obrigado a voltar para o alto-mar para realizar a prática sem correr risco de sanções no Brasil. No caso dispõe o art. 25 da Convenção que o Estado costeiro pode tomar, no seu mar territorial, as medidas necessárias para impedir toda a passagem que não seja inocente.48

A jurisdição penal do Estado costeiro não será exercida a bordo de navio estrangeiro que passe pelo seu mar territorial para deter pessoas ou realizar investigações quanto à infração criminal come-tida a bordo, salvo se: a infração trouxer consequências para ele; se houver perturbação da paz do país ou da ordem do mar territorial; se a assistência das autoridades locais for solicitada pelo capitão do navio, pelo agente diplomático do Estado de bandeira; e se as medidas forem necessárias para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.49

A área denominada de zona contígua, por sua vez, tem sua origem nas Hovering laws, que, durante o século XVIII, davam aos navios da Inglaterra e dos Estados Unidos o direito de realizar atos aduaneiros em embarcações suspeitas que estivessem navegando fora de suas águas territoriais, tal norma consuetudinária que foi utilizada pelos Estados Unidos durante a Liquor Treaties (proibição do álcool) entre 1919 e 1933.50

Conceitualmente zona contígua é uma faixa de igual largura e adjacente ao mar territorial onde o Estado costeiro pode tomar medidas de fiscalização alfandegária, imigratórias e sanitárias. Está descrita na Convenção de Montego Bay no artigo 33:51

Art. 33 – 1. Numa zona contígua ao seu mar territorial, denominada zona contígua, o Estado costeiro pode tomar as medidas de fiscalização necessárias a: a) evitar as infrações às leis e regulamentos adu-aneiros, fiscais, de imigração ou sanitários no seu território ou no seu mar territorial; b) reprimir as infrações às leis e regulamentos no seu território ou no seu mar territorial.2. A zona contígua não pode estender-se além de 24 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.52

Assim, a zona contígua compreende uma faixa do alto-mar, vizinha do mar territorial, na qual o Estado pode exercer certos direitos a fim de prevenir e, se for o caso, punir as infrações às suas leis através da polícia aduaneira, fiscal, sanitária ou de imigração cometidas por navios estrangeiros em sua faixa de águas.53

(45) SHAW, Malcon. Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2010 p.417(46) BOSON, Gerson de Britto Mello. Direito internacional público: o estado em direito das gentes. 3ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 276.(47) BORGES, Thiago Carvalho. Curso de direito internacional público e direito comunitário. São Paulo: Atlas, 2001, p. 151(48) BORGES, Thiago Carvalho. Curso de direito internacional público e direito comunitário. São Paulo: Atlas, 2001, p. 151(49) MATTOS, Adherbal Meira. O Novo Direito do Mar. 2.ª e. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 22.(50) DINH, Nggyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito internacional público. 4ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p.1001(51) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13 ed. rev. aument. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 357.(52) RANGEL, Vicente Marotta. Direito e relações internacionais. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo, 2005, p. 260(53) CASELLA, Paulo Barba; ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento. Manual de Direito Internacional Público. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.607.

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Shaw explica a origem histórica da zona contígua, relacionando-a com a necessidade dos Estados costeiros de fiscalizar embarcações por motivos alfandegários, sanitários e de imigração antes mesmo de adentrarem no mar territorial, quando poderia ser muito tarde para fins de segurança do Estado costeiro:

Ao longo da história, alguns estados alegaram certos direitos sobre determinadas zonas do alto-mar. Isso implicou certo prejuízo ao princípio de liberdade do alto-mar, uma vez que a jurisdição do estado litorâneo se estendeu para áreas do alto-mar contíguas ao mar territorial, ainda que apenas para finali-dades definidas. Essas zonas de jurisdição restrita foram fixadas ou defendidas por uma série de razões: por exemplo, para evitar a infração de leis alfandegárias, sanitárias e de imigração do Estado litorâneo, ou para preservar os cardumes de uma determinada área, ou ainda para permitir que o Estado litorâneo tenha direitos exclusivos ou preferências aos recursos da zona declarada.54

Rezek explica que a adoção de uma zona contígua só faz sentido quando a extensão do mar territorial não excede os padrões tradicionais, alcançando um máximo de doze milhas. Não se fa-lou em zona contígua quando os Estados latino-americanos adotaram a política das duzentas milhas, nem quando em outros continentes certos outros países proclamaram soberania sobre igual faixa, ou sobre oitenta milhas, ou mesmo sobre cinquenta milhas marítimas.55

Enquanto na “Convenção sobre Mar Territorial e zona Contígua” firmada em Genebra (1958) referida zona não podia estender-se além das 12 milhas contadas das linhas de base que serve de ponto de partida para medir a largura do mar territorial, a Convenção que foi assinada na Jamaica, em 1982, dilatou a sua extensão para 24 milhas.56

2.2 Zona Econômica Exclusiva A origem da figura da zona econômica exclusiva (ZEE) se deve a proclamações feitas pelo

presidente dos Estados Unidos em 28 de setembro de 1945, que unilateralmente alterou a jurisdição de seu país para além do mar territorial, visando à defesa da pesca, sendo seguido por outros gover-nos dentre eles o da Argentina, que declarou em 24 de janeiro de 1946, sua soberania sobre o mar epicontinental e plataforma continental, tal decisão possuía força politica ímpar, visto que no mar epicontinental estavam localizadas as Ilhas Falkland-Malvinas.57

Para o Direito Internacional, a concepção de uma zona econômica exclusiva torna-se positiva-da em 1972, na Declaração de São Domingos, denominada então de mar patrimonial, onde se legitimou direitos de soberania funcional, isto é de cunho econômico, dos Estados costeiros numa faixa subse-quente ao seu mar territorial, sobre os recursos renováveis ou que não estivessem nas águas, leito e subsolo delimitados até 200 milhas marítimas.58

Em termos práticos, como bem explica Shaw, a zona econômica exclusiva configura a concilia-ção entre Estados que desejavam um mar territorial de duzentas milhas e aqueles desejosos de infligir limites maiores a soberania marítima dos Estados costeiros.59

Atualmente a zona econômica exclusiva situa-se além do mar territorial e a este adjacente não se estendendo além das 200 milhas marítimas contadas das linhas de base a partir das quais se mede a largura deste. É uma zona sui generis, possuindo características peculiares, diversas do mar territorial.60

A Convenção de Montego Bay, no que se refere à zona econômica exclusiva, fala de direitos e ju-risdição do Estado litorâneo, mas em nenhum momento fala de soberania deste, pois tais direitos são de cunho econômico. Assim, aos demais estados são resguardados os direitos e liberdades, como a liberdade de navegação, o direto de passagem inocente, e todos os demais que estão firmados na Convenção de 1982.61

Na zona econômica exclusiva o Estado costeiro goza de direitos para fins de exploração e apro-veitamento unicamente econômicos e científicos, não possuindo soberania para fiscalizações como ocorre no mar territorial e na zona contígua. Possui, porém, direitos e deveres relacionados à conser-vação e utilização dos recursos naturais, vivos ou inanimados. Poderá, ainda, desenvolver investigação científica marinha e exercícios ou manobras militares.62

(54) SHAW, Malcolm. Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 423.(55) REZEK, José Francisco, Direito Internacional Público: curso elementar. 11. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p.357.(56) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público. 10. ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p.213.(57) CASELLA, Paulo Borba; ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA G.E. Manual de direito internacional público. 19.ed. São Paulo: Sa-raiva, 2011, p. 615. (58) MATTOS, Aderbhal Meira. Direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p.158.(59) SHAW, Malcolm. Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 425.(60) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público. 10. ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p. 219.(61) CASELLA, Paulo de Borba. Direito internacional dos espaços. São Paulo: Atlas, 2009, p. 399.(62) DEL’OLMO, Florisbal de Souza, Curso de Direito Internacional Público. 5. ed. rev. atual., Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 286.

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Consoante o disposto no artigo 62 da Convenção, entretanto, o Estado costeiro possui a obri-gação de dar a outros Estados pleno acesso ao excedente de suas capturas, mediante acordos. Isto significa que quando o Estado costeiro tiver um excedente de peixes, por exemplo, o qual não conse-gue capturar com suas embarcações nacionais de pesca, terá que autorizar embarcações pesqueiras de outros Estados a realizar a pesca, mediante remuneração proporcional a ser paga pelas referidas embarcações.63

A convenção estabelece ainda que os Estados sem litoral, tais como Paraguai e Bolívia, têm direito de participar, em base de equitativa, do aproveitamento do excedente dos recursos vivos (não dos recursos minerais, portanto) das zonas econômicas exclusivas de seus vizinhos. Mediante acordos regionais ou bilaterais determinar-se-ão os termos dessa participação.64

2.3 Plataforma continental

Nos idos de 1945, respaldado pela doutrina Truman, surge a teoria de que os Estados litorâne-os seriam detentores de um direito originário, natural e exclusivo no tocante a plataforma continental lindeira a sua costa. Esta ideia acaba por tomar corpo e força na Convenção de Genebra, em 1958, onde se fixou o domínio do Estado costeiro não pela distância, que à época era de 200 milhas náuticas, mas sim pela profundidade do mar.65

Pela Convenção de 1982, entretanto, o limite da plataforma continental conflui com o da zona econômica exclusiva, isto é, de duzentas milhas a partir da linha de base, a não ser que o bordo externo esteja mais distante. Neste caso será o limite da plataforma continental, desde que esta não passe de trezentos e cinquenta milhas marítimas.66

Assim, a plataforma continental compreende o leito e subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial terrestre, até o bordo exterior da margem continental ou até uma distância de 200 milhas das linhas de base.67

Admite a Convenção que os Estados beneficiados com extensas plataformas possam fixar os limites destas até uma distância que não ultrapasse 350 milhas, mediante autorização da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos. Nessa hipótese, a exploração dos recursos não vivos estará condi-cionada a uma contribuição por intermédio da “Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos” (órgão criado pelo art. 1.7 da Convenção) que a distribuirá entre os Estados partes da Convenção, de maneira equitativa, levando em consideração os interesses e necessidades dos Estados em desenvolvimento, principalmente os menos desenvolvidos e os que não possuem litoral.68

A expressão plataforma continental tem sido a mais empregada, ao lado de plataforma sub-marina, plataforma marítima, plataforma litoral, áreas submarinas e meseta continental, tidas como sinônimos.69

A plataforma continental compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se esten-dem além do seu mar territorial, em toda a expressão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas ma-rítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.70

A plataforma continental assume relevante função econômica uma vez que na sua extensa área existem inúmeros recursos naturais suscetíveis de aproveitamento, inclusive o petróleo.71

Sobre o tema, Borges explica que:

O Estado Costeiro tem direitos sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveita-mento dos seus recursos naturais. Vale lembrar a recém-descoberta de petróleo na plataforma conti-nental da bacia de Santos pela Petrobrás em 2007, que permitirá a exploração exclusiva pelo Brasil.72

(63) ROLIM, Maria Helena Fonseca de Souza. A Tutela Jurídica dos Recursos Vivos do Mar: Na Zona Econômica Exclusiva. São Paulo: Editora Max Limonad, 1998, p. 43.(64) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13ed.rev.aument. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 358(65) AMARAL JUNIOR, Alberto do. Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 343 - 346(66) REZEK, José Francisco, Direito Internacional Público: curso elementar. 13. ed. rev., aumen. e atual., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 359.(67) HUSEK, Carlos Roberto, Curso de Direito Internacional Público. 4. ed., São Paulo: LTr, 2003, p.91.(68) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Espaços Marítimos. Revista dos Tribunais. Vol. 686. Dez/1992, p. 8.(69) DEL’OLMO, Florisbal de Souza, Curso de Direito Internacional Público. 5. ed. rev. atual., Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 286.(70) GILBERTONI, Carla Adriana Comitre, Teoria e Pratica do Direito Maritimo. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.34.(71) MARTINS, Eliane Maria Octaviano, Curso de Direito Maritimo. volume I, 3.ed. ver, ampl. e atual., Barueri-SP: Manole, 2008, p. 71.(72) BORGES, Thiago Carvalho. Curso de direito internacional público e direito comunitário. São Paulo: Atlas, 2001, p. 153

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Com os avanços tecnológicos, torna-se, progressivamente viável a exploração pelos Estados costeiros da plataforma continental. Surge, entretanto, uma dificuldade de ordem jurídica a esse res-peito em função da liberdade dos mares. A Convenção de Montego Bay, assim, procurou conciliar tanto quanto possível a manutenção dessa liberdade com a do aproveitamento dos mencionados recursos naturais pelo Estado costeiro.73

Assim, o Estado costeiro possui direitos soberanos sobre a plataforma para fins de exploração e aproveitamento de seus recursos naturais (riquezas vegetais e animais existentes no leito e as rique-zas minerais do subsolo). Estes direitos são exclusivos, isto é, se o Estado não explorar mencionados recursos, nenhum outro poderá fazê-lo, sem o seu expresso consentimento.74

Em 1963 o Brasil apresentou um caso contra a França na Corte Internacional de Justiça. O Brasil alegou que embarcações pesqueiras da França estavam praticando a pesca de lagostas que per-tenciam à plataforma continental do Brasil. O caso ficou conhecido como “Guerra da Lagosta”. Sobre o referido caso, Rezek explica que:

A chamada “guerra da lagosta”, incidente diplomático ocorrido em 1963 entre o Brasil e a França, resultou da presença constante de barcos de pesca franceses em águas próximas do mar territorial bra-sileiro – que então era de três milhas – para o recolhimento intensivo daquele crustáceo. As águas eram de alto-mar, e, portanto a pesca era livre. O Brasil sustentou, no entanto, que a lagosta, como espécie predominantemente rasteira (e não nadadora), tinha por habitat não o meio hídrico, mas a plataforma continental brasileira. Esse argumento ficou demonstrado, e conduziu ao êxito a pretensão local de que a caça da lagosta não prosseguisse sem prévio entendimento entre os dois países.75

O Estado costeiro, entretanto, não pode proibir a colocação ou a manutenção de cabos ou de oleodutos submarinos sobre sua plataforma e nem perturbar, injustificadamente, a navegação, a pesca, a conservação dos recursos biológicos do mar ou pesquisas oceânicas.76

O Brasil tem 8.500 km de litoral e 4,5 milhões de km² de plataforma continental, o que cor-responde, nessa área oceânica, a pouco mais da metade do domínio terrestre. Mas, justamente nesta área estão situadas 87% das reservas conhecidas de petróleo e de gás, além de jazidas de minerais estratégicos.77

2.4 Alto-Mar

O alto-mar é o espaço marítimo não incluído na zona econômica exclusiva, no mar territorial, nem nas águas interiores de qualquer Estado. Também não pode fazer parte das águas de arquipélagos de países insulares, constituindo-se em patrimônio da humanidade.78

Pelo artigo 87 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, há o reconhecimento de que todo o Estado, com ou sem litoral, pode livremente navegar, pescar, colocar cabos e oleodutos submarinos, construir ilhas artificiais e outras instalações, efetuar investigações científicas e sobrevo-ar o alto-mar, desde que seja exclusivamente para fins pacíficos.79

O leito e o subsolo do alto-mar formam um sistema jurídico em separado chamado de área, mas existem evidentes divergências teóricas a respeito da natureza jurídica do alto-mar. A teoria mais aceita é a de que o alto-mar é res communis usus (domínio público internacional). O alto-mar perten-ce, desta forma, diretamente à sociedade internacional, podendo fazer uso dele qualquer um, desde que em estrita observância às normas do Direito Internacional.80

O alto-mar constitui um espaço livre de toda a soberania, o que significa que todos os Estados podem dele se servir nas diversas utilidades que dispõe a navegação e superfície, submarina e aérea. Incluem-se a colheita de flora e fauna, a prática de exercícios militares, a investigação científica e o lançamento de cabos submarinos. Daí surgiram as quatro liberdades do mar: 1ª, a liberdade de navega-ção; 2ª, a liberdade de pesca: 3ª, a liberdade de colocação de cabos submarinos e, 4ª, a liberdade de passagem sobre alto-mar.81

(73) CASELLA, Paulo Barba; ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento, Manual de Direito Internacional Público, 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 619.(74) ARAÚJO, Luis Ivonir de Armorin, Curso de Direito Internacional Público, ed rev. e atual, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p. 213.(75) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 13ed.rev.aument. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p.359(76) ARAÚJO, Luis Ivonir de Armorin, Curso de Direito Internacional Público, ed rev. e atual, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p. 213.(77) CASELLA, Paulo Borba. Direito Internacional dos espaços. São Paulo: Atlas, 2009 p. 432. (78) DEL’OLMO, Florisbal de Souza, Curso de Direito Internacional Público, 5. ed. rev. atual., Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.287.(79) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional. 10 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2001, p. 217.(80) MARTINS, Eliane Maria Octaviano, Curso de Direito Maritimo, vol. I, 3. ed., rev. ampl. e atual, Barueri-SP: Manole, 2008, p 78.(81) LITRENTO, Oliveiros, Curso de Direito Internacional Público, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.328.

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A liberdade de passagem vige há séculos em virtude de regra costumeira internacional, sem jamais ter dependido da existência de acordos internacionais concluídos a esse respeito. Tais acordos porventura existentes destinam-se apenas à garantia da liberdade de navegação enquanto tal, cer-cando-a de toda proteção possível, inclusive o estabelecimento de estações flutuantes, destinadas a orientar os navios quanto às mudanças de tempo que afetem sua segurança.82

Em alto-mar todas as embarcações navegam livremente, sem que tenham que se submeter às leis de outra bandeira que não a sua. O mesmo princípio de liberdade é reconhecido ao sobrevoo em alto-mar de aeronaves de qualquer natureza, sejam comercias ou militares. A liberdade de pesca em alto-mar é um direito inerente a todos os Estados, inclusive aqueles sem litoral, desde que res-peitados certos princípios ambientais, vedado qualquer impedimento ao exercício de atividades ilícitas.83

Os navios de guerra gozam, em alto-mar, de total imunidade de jurisdição em relação aos demais Estados (art.8, I). Os navios destinados a serviços governamentais, não comerciais, também gozam de igual imunidade de jurisdição, em relação, a qualquer outro Estado que não o de sua própria bandeira (art. 9). Hoje até mesmo as organizações internacionais têm se valido do direito de nave-gação no alto-mar, a exemplo da ONU. Neste particular, o art. 7 da Convenção admite a utilização de navios no serviço oficial de uma organização intergovernamental, com a condição de que arvorem sua bandeira.84

O direito de instalação de cabos submarinos em alto-mar tem sido reconhecido desde 1854, quando o primeiro tratado sobre o assunto (que jamais veio a ser aplicado) foi concluído. Tal direito está intimamente ligado à facilidade de comunicação telefônica ou telegráfica entre os Estados. Pre-sentemente, a Comissão de Direito Internacional da ONU autoriza também a colocação de oleodutos, o que pressupõe a existência de atividade industrial no leito do alto-mar. Tais obras não poderão, entretanto, criar nenhum tipo de entrave à navegação em alto-mar.85

Acrescente-se, ainda, que nos termos da Convenção, todo Estado deve adotar medidas efi-cazes com o objetivo de reprimir e punir o transporte de escravos (inclusive o chamado tráfico de brancas, i. é, de mulheres para entregá-las à prostituição em países estrangeiros) em navios que ar-vorem o seu pavilhão, assim como coibir a pirataria (ato ilegal de violência, de detenção ou qualquer depredação cometida para fins pessoais pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou aeronave privada e praticados no alto-mar contra um outro navio ou aeronave), o tráfico ilícito de estupefacien-tes e substâncias psicotrópicas.86

2.5 Águas interiores

As águas interiores estão localizadas entre a costa e o limite interior do mar territorial, sendo seu limite medido a partir de onde inicia a medida da largura do mar territorial.87

A expressão águas interiores pode ser tomada em dois sentidos: um geográfico e outro jurídi-co. O geográfico compreende as águas encerradas no território do Estado (isto é, cercadas de terras por todos os lados, tais como os lagos ou mares internos); o jurídico compreende as que se encon-tram aquém da linha de base ou de partida do mar territorial, neste último caso, tais águas passam a encontrar-se diretamente submetidas ao Direito Internacional Público, tendo sido neste sentido sua regulamentação pela Convenção de Montego Bay de 1982.88

Estão localizados nas águas interiores os portos, as baías, as enseadas, os recortes bem acen-tuados das costas (fiordes, rios) e as baías históricas, bem como o solo, subsolo e espaço aéreo, sendo esta a definição jurídica destas águas, enquanto que na definição geográfica estão incluídas as águas encerradas nos territórios dos Estados bem como aquelas que os atravessam como os rios, canais, mares fechados dentre outros.89

Nas águas interiores a soberania do Estado é ilimitada, não havendo direito de passagem ino-cente, e o acesso aos portos não é livre, depende de prévia autorização, não valendo para tanto qual-

(82) MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 719-720.(83) MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 719-720.(84) MATTOS, Adharbal Meira , Direito Internacional Público, 2 ed, Renovar, p.173.(85) MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 719-720.(86) ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Espaços Marítimos. Revista dos Tribunais. Vol. 686. Dez/1992, p. 8.(87) MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, 2v, p.1181. (88) MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público. 6. ed., rev. atual. E ampla., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 690.(89) DINH, Nggyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito internacional publico. 4ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1999, p. 984

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quer exceção. Somente é possível aos navios de guerra ou mercantes atracarem nos portos mediante autorização da autoridade competente.90

A soma das águas interiores como o mar territorial já se chamou de águas territoriais. Mas a doutrina, não raras vezes, preferia atribuir a esta última expressão sentido mais restrito, a fim de entendê-la como sinônimo de mar territorial. As discussões de codificações do Direito do Mar, porém, foram no sentido de desvincular o termo águas territoriais da expressão mar territorial, tendo esta última sido adotada pela Comissão de Direito Internacional da ONU em diferenciação ao que se chama de águas interiores.91

3. Conclusão

O Direito do Mar difere-se do Direito Marítimo na medida em que o primeiro regula as relações entre Estados e sua soberania sobre o mar, dispondo regras que regulam as diferentes zonas marítimas e o que cada Estado pode ou não realizar nas referidas zonas. Por outro lado, o Direito Marítimo trata da relação entre privados que estabelecem negócios internacionais utilizando-se do mar como meio de transporte de mercadorias. Estão presentes na segunda hipótese situações como o contrato de se-guro marítimo, o contrato de compra e venda com entrega de mercadorias pelo mar, os contratos de transporte com os armadores, dentre outras hipóteses.

As zonas de mar estabelecidas pela Convenção de Montego Bay são o mar territorial, as águas interiores, a zona econômica exclusiva, a zona contígua, o alto-mar e a plataforma continental. Dentre elas, convém destacar que a soberania do Estado costeiro reduz na medida em que cada faixa se afasta da sua costa. Assim, enquanto nas águas interiores o Estado possui soberania e embarcações precisam solicitar autorização para ingressar, no alto-mar, temos uma zona de domínio público interna-cional, onde os Estados compartilham o uso sob a supervisão da Autoridade Central estabelecida pela Convenção. Entre as duas faixas salientadas, existe a zona econômica exclusiva (faixa de 200 milhas contadas da costa), onde o Estado costeiro pode explorar os recursos ambientais com exclusividade, tais como peixes. No fundo do mar existe a plataforma continental, a qual também pertence ao Estado costeiro para fins de exploração de recursos como o petróleo do pré-sal.

Eventuais litígios decorrentes da Convenção devem ser dirimidos pelo Tribunal Internacio-nal do Direito do Mar, o qual estabelece um processo e punições bastante similares aos mecanismos utilizados no direito interno. Sua sede fica em Hamburgo na Alemanha e as suas decisões devem ser cumpridas pelos Estados signatários na Convenção.

Conclui-se que o regramento internacional sobre o Direito do Mar é fruto de uma evolução histórica, garantindo um bom grau de segurança jurídica aos Estados, possibilitando a prevenção de guerras e a proteção ambiental de uma forma mais eficiente do que meramente era assegurado no período da doutrina e do costume. Porém, a efetividade do Direito do Mar poderia ser ampliada com a adesão de países como os EUA à Convenção e através de uma maior fiscalização em questões relacio-nadas à pesca e à preservação do meio ambiente.

(90) REZEK, José Francisco, Direito Internacional Público: curso elementar, 13. ed. rev., aumen. e atual., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 352.(91) MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 5ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 757.

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A Percepção dos Clientes da Agroindústria Alfa no

Rio Grande do Sul Vanessa Medronha Felini1

Alexandre de Melo Abicht2 Alessandra Carla Ceolin3

RESUMO

Nos dias de hoje as empresas se diversificam diante da existência de uma concor-rência acirrada pela fidelização do cliente. No agronegócio não é diferente, o surgi-mento de novas empresas faz com as já existentes no mercado procurem identificar o que seus clientes buscam no mercado sendo mais atrativas e assertivas em relação aos clientes. O marketing auxilia a empresa a trabalhar de acordo com as alterações necessárias no mercado de atuação. Este artigo tem como finalidade analisar a per-cepção dos clientes e propor ações de melhoria para a agroindústria Alfa, localizada no Rio Grande do Sul, visando diferenciá-la perante a concorrência. Com foco na satisfação do cliente e como método para realização desse artigo, realizou-se ini-cialmente uma pesquisa exploratória, bibliográfica e qualitativa e na segunda etapa uma pesquisa descritiva e quantitativa, com a aplicação de questionários para trinta e dois clientes. Os fazendeiros e empreiteiros agrícolas, que são os clientes da agroindústria, atuam principalmente com as culturas do arroz e fumo, mas também vêm ganhando impor-tância os plantios da soja e milho. Analisando os dados coletados referente ao show room de vendas, percebe-se que a maioria dos clientes estão satisfeitos com as ins-talações da agroindústria, com a disposição dos equipamentos e com a quantidade de produtos oferecidos, mas há um certo grau de insatisfação dos clientes com relação ao pós-vendas e também com relação a assistência técnica. Com base nos resultados, foram realizadas proposições de melhorias para as informações que se mostraram com necessidades de melhorias.

PALAVRAS-CHAVE

Marketing, Satisfação do Cliente; Agronegócio; Relacionamento.

ABSTRACT

Nowadays companies are diversifying before the existence of fierce competition for customer loyalty. In agribusiness is no different, the emergence of new firms causes existing in the market attempt to identify what your customers want and the market more attractive and assertive toward customers. The marketing helps the company to work in accordance with the required changes in market performance.

(1) Acadêmica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre (2) Professor do Curso de Administração da Faculdade Nossa Senhora dos Anjos - FACENSA-CNEC e Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, nas áreas do Marketing, Marketing Digital, Planejamento Estratégico, Jogos de Empresas, Gestão de Processos e Tecnologia de Informação aplicada a Administração. É consultor empresarial do Projeto de Extensão Produtiva e Inovação da AGDI-RS/UNISC. Também é professor convidado em cursos de Pós-Graduação do Verbo Educacional. Possui Mestrado em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e Graduação em Administração de Empresas pela Universidade Luterana do Brasil - Campus Santa Maria ULBRA-SM. É integrante do NESPRO Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva da UFRGS. (3) Professora do Departamento de Administração da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Possui doutorado (2011) e Pós-doutorado (2013) em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestrado em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (2001) e graduação em Ciência da Computação pela Universidade de Passo Fundo (UPF) (1996). Atua principalmente com os temas gerenciamento de projetos, sistemas de informação, text mining, datamining, assimetria de informação, inovação, administração rural e agronegócios.

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This article aims to analyze the perception of customers and propose improvement actions for an Alfa agribusiness of Rio Grande do Sul, in order to differentiate it from the competition. With a focus on customer satisfaction and as a method for achieving this article, there was an initial exploratory research and qualitative li-terature and in the second step a descriptive and quantitative, with questionnai-res to thirty-two clients. Farmers and agricultural contractors, who are clients of agribusiness act mainly with crops of rice and tobacco, but also gaining importance plantings of soybeans and corn. Analyzing the data collected relating to sales show room, one realizes that customers, the vast majority are happy with the facilities of agroindustrial company, with the provision of equipment and the number of pro-ducts offered, but there is a degree of dissatisfaction of respondents with respect to post-sales and also with respect to technical assistance. Based on the results, there were proposals for improvements to the information that were in need of improvement.

KEY WORDS

Marketing, Customer Satisfaction; Agribusiness; Relationship, Agriculture

1. Introdução

A busca incessante de inovações, novas tecnologias é um fato marcante no mudo globaliza-do. Atualmente o maquinário utilizado no agronegócio dispõe de novas técnicas e modernizações. A agroindústria, objeto desse estudo, atua com sistemas mecanizados e está situada no estado do Rio Grande do Sul.

A agroindústria trabalha com a linha de implementos agrícolas de uma grande marca neste ramo. Por tratar-se de uma concessionária exclusiva, vende desde a mais moderna colheitadeira até o mais simples trator, mantendo uma central de serviços especializados de plantão e tem como missão oferecer aos seus clientes soluções que vão do plantio à colheita em mecanização. Dentre a linha de produtos estão pulverizadores, implementos agrícolas, semeadeiras, colheitadeiras, dentre outros.

Observa-se que, a agroindústria atende às culturas existentes na região de atuação, tais como, soja, arroz, milho e fumo, e por tratar-se de um mercado bastante variável e instável, culturas e tratos agronômicos modificam-se à medida que novas tecnologias são inseridas, acompanhando o potencial de investimento dos produtores rurais.

Com o intuito de atender às necessidades da agroindústria, este artigo tem por objetivo iden-tificar as formas pelas quais os clientes valorizam os serviços prestados pela empresa agroindustrial e criar um processo que identifique as entradas de insatisfações dos clientes e atenda suas necessidades.

Desta forma, este artigo avaliou de que forma os clientes estão percebendo e valorizando os serviços prestados pela empresa agroindustrial. Para essa empresa que tem como missão criar soluções e facilitar a produção de alimentos é importante ouvir o cliente e identificar os erros e problemas durante os processos instalados.

Além de identificar as insatisfações, deve-se transformá-las em oportunidades de melhoria, oportunizando assim a atualização e aperfeiçoamento dos processos de atendimento ao cliente, des-tacando-se perante a concorrência.

O artigo é composto em fundamentação teórica, a qual descreve os fundamentos sobre o Marketing, Mix de Marketing, Marketing de Relacionamento, Customer Relationship Management (CRM), Comportamento do Consumidor, Processo de Decisão de Compra, a metodologia adotada, com as estratégias e o tipo de pesquisa realizada, definição da população alvo da amostragem, plano de coleta de dados e análise dos mesmos, apresentação e discussão de resultados, proposição de soluções e considerações finais.

2. Referencial

A fundamentação teórica é descrita pelos seguintes tópicos: marketing, mix de marketing, marketing de relacionamento, Customer Relationship Management (CRM), comportamento do consu-midor e o processo de decisão de compra.

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2.1 Marketing

A palavra market em português significa mercado e o “ing” é o gerúndio da língua inglesa e in-dica ação continuada. Portanto, pode-se dizer que marketing significa atuar no mercado. Para Richers (2000, p. 5), “marketing é simplesmente a intenção de atender e entender o mercado”. Ou seja, que o papel fundamental do marketing é conhecer e suprir as necessidades de seus consumidores.

Também de maneira simples, Kotler (1998, p. 31) afirma que marketing é a atividade humana dirigida para a satisfação das necessidades e desejos, através dos processos de troca.

Em 2003, Kotler complementa que o marketing consiste em identificar as necessidades e desejos insatisfeitos, define e mede o potencial de ganhos, especifica que mercados-alvo serão mais bem atendi-dos pela empresa, decide sobre produtos, serviços e programas adequados para servir a esses mercados selecionados e convoca a todos na organização para pensar no cliente e atender ao cliente (KOTLER, 2003).

Conforme Las Casas (2006), Marketing é a área do conhecimento que envolve todas as ativida-des respectivas às relações de troca, dirigidas para a satisfação dos desejos e necessidades dos consu-midores, almejando alcançar determinados objetivos de empresas ou indivíduos e considerando sem-pre o meio ambiente de atuação e o impacto que estas relações causam no bem-estar da sociedade.

Segundo Bruno Losnogrodski (1991), Marketing é o estudo sistemático das forças de formação da procura e da motivação do comprador, das considerações especiais que influenciam as transações econômicas, e dos esforços ligados a relações dos consumidores e compradores em um mercado.

É importante salientar que para os autores citados na descrição conceitual de marketing existem algumas características que os mesmos utilizam para descrever suas opiniões sobre o que é marketing. Como a importância de ver o marketing como um processo social, a necessidade de satis-fazer o consumidor, motivar o consumidor e adaptar produtos ou serviços, todas estas palavras-chave aparecem na definição de cada um destes autores.

2.2 Mix de Marketing

O composto de marketing, também conhecido como mix de marketing, é classificado em quatro grupos denominado os 4Ps. São eles: produto, preço, praça (ou ponto-de-venda) e promoção. Trata-se de um conjunto de ferramentas ou variáveis de marketing que a empresa ou organização uti-liza para alcançar seu objetivo de marketing no mercado-alvo.

• Produto: para Kotler e Armstrong (2003), Produto é algo que pode ser destinado a um mer-cado para apreciação, venda uso ou consumo e para atender uma aspiração ou uma neces-sidade. Produtos são mais do que bens palpáveis. Definidos de forma abrangente incluem bens físicos, serviços, eventos, pessoas, lugares, organizações, ideias ou um misto de todas estas entidades.

• Preço: Lasnogrodski (1991), preço é a quantia somada em dinheiro estipulada para se conse-guir em troca um tipo qualquer de produto e os serviços que o acompanha.

• Praça (distribuição): conforme Kotler e Armstrong (2003), praça é o Canal de distribuição onde as organizações em conjuntos interdependentes estão envolvidas no processo de di-vulgação de um produto ou serviço para uso ou consumo de um consumidor final ou usuário empresarial.

• Promoção: para Cobra (1997), a mescla entre promoção e produto ou serviço compreende a publicidade, as relações públicas, a promoção de vendas, a venda pessoal.

2.3 Marketing de Relacionamento

O marketing de relacionamento é a construção de uma relação duradoura entre empresa e consumidor e pode ser entendido como uma evolução do conceito de marketing.

Para Kotler (1998, p. 619), marketing de relacionamento é baseado na premissa de que os clientes importantes precisam receber atenção contínua. Para o autor, o que vale é o retorno que o cliente dá à Empresa.

De acordo com Dias (2003, p. 301), o marketing de relacionamento é uma estratégia de marketing que visa a construir uma relação duradoura entre cliente e fornecedor, baseada em confian-ça, colaboração, compromisso, parceria, investimentos benefícios mútuos, resultando na otimização do retorno para a empresa e seus clientes.

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Segundo Stone e Woodcock (1998) um programa de marketing de relacionamento deve seguir as seguintes etapas:

• Definir os objetivos: determinar onde se quer chegar ou o que se pretende alcançar;• Identificar as necessidades dos clientes: entender claramente o que desejam os clientes;• Desenvolver a abordagem: criar uma abordagem, uma forma de contato com o cliente;• Definir níveis e segmentos de qualidade: estabelecer parâmetros em termos de qualidade;• Implementar: colocar em prática o planejado;• Controlar o resultado: verificar se tudo está de acordo com o planejado.

Kotler (2003) cita as principais características do marketing de relacionamento:

• Concentra-se nos parceiros e clientes em vez de nos produtos;• Atribui mais ênfase à retenção e cultivo dos clientes existentes do que à conquista de novos

clientes;• Confia mais no trabalho de equipes interfuncionais do que nas atividades de departamentos

isolados;• Ouve e aprende mais do que fala e ensina.

2.3.1 CRM – Relacionamento com Clientes

O Marketing de Relacionamento é um processo de percepção e identificação de novos valores para cada cliente de uma forma individual que traz benefícios tornando uma parceria durável entre fornecedor e cliente.

Conforme Gordon (2000), o relacionamento com o cliente alcança objetivos como:

• Busca criar novo valor para os clientes e compartilhar esse valor entre o produtor e o con-sumidor.

• Reconhece o papel fundamental que os clientes individuais têm não apenas como compra-dores, mas na definição do valor que desejam.

• Formula estratégias de marketing e de foco sobre o cliente, planeja e alinha seus processos de negócios identificando o valor do cliente individual e repassa para seu pessoal este para alcançar o objetivo.

• Distingue o valor dos clientes por seu tempo de vida de consumo e não como cliente ou organização individual.

Para Bretzke (2000), A estratégia de CRM dispõe de tecnologia que permite aprimorar o re-lacionamento com os clientes, colher informações sobre qualquer contato que ocorra por qualquer meio, on-line e em tempo real, possa realizar as análises dos clientes de forma mais flexível. Tec-nologias de CRM não são necessariamente novas. Contudo estão se tornando mais acessíveis, foram arquitetadas para oferecer às empresas uma ferramenta que permite desenvolver uma estratégia de relacionamento central no cliente e suportada por uma base tecnológica flexível. Isso é basicamente diferente dos sistemas tradicionais, na natureza do dado coletado, na flexibilidade de acesso e na integração com os diversos sistemas existentes.

Sempre que implantado um sistema de CRM deve-se manter o foco na manutenção da flexibi-lidade, tanto no tipo de dado coletado, forma de tratamento, quanto nos métodos de acesso para en-tregar as informações no lugar certo, em tempo real, na forma certa, para que o cliente seja atendido em tempo real e o processo de decisão empresarial tenha ganhos em qualidade e tempo.

O gerenciamento do Relacionamento com os Clientes, como o próprio nome diz, é a integra-ção entre o marketing e a tecnologia da informação. Com o objetivo de fornecer à empresa meios mais eficientes e integrados para atender, reconhecer e cuidar dos clientes em tempo real e transformar estes dados em informações que, disseminadas pela organização, permitam que o cliente seja identi-ficado e cuidado por todos e não só pelos vendedores ou Call Center.

É extremamente importante responder ao e-mail ou fax assim que enviado pelo cliente à empresa e ligar todos os dados de contato para gerar uma comunicação continuada e com pertinência, por qualquer meio (pessoal, mala direta, e-mail e telefone).

A transmissão de dados captados e transferidos para banco de dados de marketing, permite conhecer o perfil do cliente, detectar as ameaças e oportunidades sinalizadas por meio de uma re-

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clamação, de um pedido de informação ou acompanhado de uma referência ao preço diferenciado do concorrente.

A integração individual pressupõe que a empresa esteja disposta a manter um relacionamento suportado por processos operacionais mais ágeis e selecione a tecnologia adequada. Isso requer meto-dologia e experiência, pois implica em conhecer soluções oriundas de três grandes áreas: informática, telecomunicações e softwares aplicativos, que precisam ser combinadas e isto determinará os proces-sos em relação ao cliente.

2.4 Comportamento do Consumidor e o Processo de Decisão de Compra

Conforme Rocha e Christensen (1999), o comportamento do consumidor reúne contribuições provenientes de várias áreas do conhecimento, como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia Social e a Economia. Embora a campo econômico tenha produzido as primeiras teorias formais do comporta-mento do consumidor, seu desenvolvimento teórico tem-se produzido, nos últimos anos, no âmbito da abordagem das ciências comportamentais.

• A Psicologia trata de estudo científico das atividades do Homem como indivíduo (Psicologia Geral) e em suas relações com outros indivíduos socialmente (Psicologia Social).

• Já, a Sociologia estuda os homens e as instituições, não mais como indivíduos, mas como membros de grupos em que vivem e se relacionam.

• A contribuição da Antropologia Social ao Marketing está justamente no estudo de como o comportamento de compra é afetado por variáveis culturais.

Tanto para Kotler (2003), quanto para Rocha e Christensen (1999), o comportamento do consu-midor é formado por quatro variáveis que unidas formam o comportamento individual de cada consu-midor, sendo assim ao usar a estratégia personalizada no atendimento individual de cada cliente pode significar um aumento da satisfação do cliente em questão.

O comportamento do consumidor no momento da compra é composto por varias caracterís-ticas que o influenciam na escolha de um produto ou serviço. Desta maneira percebe-se a importân-cia de identificar o comportamento dos consumidores, através das variáveis comportamentais, como cultura, família, crenças e atitudes. E assim traçar o perfil de compra do consumidor por meio desses critérios, desenvolvendo conceitos e novos produtos e serviços.

Kotler (2000) explica (Figura 1) os fatores que influenciam o comportamento do consumidor, suas características culturais, sociais, pessoais e psicológicas, levando-se em consideração as dificul-dades existentes nestes processos.

Figura 1: Fatores que influenciam o comportamento do consumidorFonte: KOTLER (2000, p. 97)

Fatores Culturais

Fatores Sociais

Fatores Pessoais

Fatores Psicológicos

• Motivação

• Percepção

• Aprendizagem

• Crenças e atitudes

• Idade e estágio

de ciclo de vida

• Ocupação

• Condições econômicas

• Estilo de Vida

• Personalidade e

auto conceito

• Grupo de referência

• Família

• Papéis e posições

sociais

• Cultura

• Subcultura

• Classes sociais

COMPRADOR

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2.4.1 Fatores Culturais

Para Kotler (2003), os fatores culturais estão divididos em três papéis desempenhados pela cultura, subcultura e classe social do comprador.

Para Kotler (2003) a cultura é o principal determinante de desejos e do comportamento de um individuo. Ao se desenvolver em sociedade, adquirem-se valores, percepções, desejos e comporta-mentos de sua família e de outras instituições.

Toda sociedade possui uma cultura, e a influência da mesma sobre o comportamento de com-pra pode variar muito de região para região. Deve-se entender a cultura de cada mercado e ajustar suas estratégias de marketing de acordo com ela.

Identificar as mudanças culturais para descobrir novos produtos que podem ser desejados, como por exemplo: mudanças culturais ligadas à saúde e a forma física, roupa, móveis. São decisões importantes para manter-se no mercado.

Considera-se um grupo de pessoas com características distintas de comportamentos que os di-ferenciam de uma cultura mais ampla da qual elas fazem parte. São grupos que cultivam e preservam a mesma nacionalidade, religião, ideias políticas, sexualidade, ou por uma combinação desses fatores. Todo indivíduo pertence a varias subculturas.

Fatores combinados determinam uma classe social, e não somente a renda de uma pessoa, instrução, ocupação, riqueza são algumas das variáveis de identificação de uma classe. As classes so-ciais apresentam preferências distintas por produtos, marcas, roupas, atividades, dentre outras coisas.

2.4.2 Fatores Sociais

Nesta sequência tem-se os fatores sociais com os grupos de referência, família e papéis. Segundo Las Casas (1997), Os grupos de referência são importantes influenciadores no proces-

so de compra dos indivíduos. Os grupos de referência podem ser primários e secundários. Os grupos primários são formados por indivíduos mais próximos que afetam mais diretamente nossas vidas como família, amigos e vizinhos, além dos grupos primários, de influência mais direta, existem outros que afetam os indivíduos com menor intensidade, mas que tem igualmente importância. Os grupos se-cundários são formados principalmente por associações fraternais, dos primários, mas interferem de muitas formas no comportamento do consumidor, são geralmente formados por grupos de convivência como profissionais da mesma área de trabalho, colegas de estudos.

Segundo Las Casas (1997), a família é um dos fatores principais que determinam o comporta-mento do indivíduo na hora da compra. Devido à credibilidade entre os membros, em muitos casos, a família passa a ser uma das fontes mais importantes na determinação de hábitos e consumo.

Conforme Kotler (1998), cada papel na sociedade carrega um status, uma pessoa pertence a vários grupos, dentro de cada grupo exercerá um papel, seja na família, com os amigos, colegas de trabalho. As pessoas escolhem produtos que refletem seus status na sociedade.

2.4.3 Fatores Pessoais

Dizem respeito às características particulares das pessoas, ocasiões e vivências pelas quais uma pessoa está no momento, os quais acabam por interferir nos seus costumes e nas suas decisões de consumo. Kotler (1998) apresenta cinco elementos que constituem os fatores pessoais: idade e estágio no ciclo de vida, ocupação, situação financeira, estilo de vida, personalidade.

• Ao logo da vida os hábitos de compra de produtos e serviços vão modificando-se;• Conforme a ocupação de um indivíduo afetará os bens e serviços adquiridos;• A situação econômica de uma pessoa define a escolha pelo produto;• O estilo de vida define com o que as pessoas gastam seu tempo e dinheiro;• A personalidade influencia no comportamento de compra, pois é um conjunto de caracterís-

ticas de cada indivíduo.

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2.4.4 Fatores Psicológicos

A motivação é um impulso interno que nos leva a ação, a pessoa é motivada por necessidades e aspirações, refere-se ao direcionamento do pensamento, da atenção, da ação a um objetivo visto pelo indivíduo. Esse direcionamento ativa o comportamento que engloba desejos como vontade, esforço, sonho.

A percepção esta ligada na forma pela qual o consumidor interpreta as informações adquiridas de um produto ou serviço.

Segundo Kotler (1998) são três processos de percepção:

• Atenção seletiva: é mais provável que as pessoas percebam estímulos relacionados a uma necessidade atual, assim como é mais provável que percebam estímulos previstos e estímu-los cujos desvios sejam maiores em relação a um estímulo normal;

• Retenção seletiva: as pessoas tendem a reter as informações que reforcem suas atitudes e crenças;

• Distorção seletiva: tendência de as pessoas interpretarem as informações conforme suas intenções pessoais, reforçando suas preconcepções ao invés de contrariá-las.

Segundo Las Casas (1997), o aprendizado é a consequência das experiências adquiridas que modifica o comportamento de uma pessoa. Na compra de um produto novo nunca experimentado pelo consumidor, pode-se trazer um retorno positivo ou negativo acontecendo então a aprendizagem de acordo com o conhecimento adquirido sobre o produto ou serviço a sua decisão de compra pode mudar de acordo com o aprendizado.

Proporcionar a satisfação do cliente ao adquirir um produto ou serviço é um desafio diário para as corporações, pois trata-se de um conjunto de objetivos que precisam ser atingidos com eficiência.

Conforme Vavra (1997), a satisfação do consumidor formalizada é uma ferramenta objetiva que mede exatamente como estão os consumidores e empregados. A satisfação dos consumidores evi-dencia que a organização trabalha orientada para qualidade. Ela reflete tanto na vida como nos valo-res dos consumidores, de forma que eles se tornem dispostos a recomendar a organização para outros.

A satisfação do consumidor tem duas definições básicas: uma como resultado e outra como processo. A definição como resultado contempla com características de satisfação e o estudo resultan-te de uma experiência de consumo tem sido considerado como um processo, enfatizando a percepção, evolução e processos psicológicos que contribuem para a satisfação.

A preocupação das organizações em medir a satisfação de seus consumidores reflete no com-portamento do consumidor e isto ajuda a eliminar o foco negativo da insatisfação do consumidor.

3. METODOLOGIA

3.1 Estratégia e Tipo de Pesquisa

Para analisar o perfil do cliente foi necessária uma pesquisa de marketing, dividida em duas etapas distintas. A primeira etapa caracteriza-se como exploratória, bibliográfica e qualitativa, a co-leta de dados foi realizada através de uma entrevista não-estruturada disposta de questões em pro-fundidade, a ser aplicada a uma amostra de pesquisa de 12 pessoas, sendo composta por cliente e colaboradores da agroindústria, objeto desse estudo.

Portanto, com a realização desta etapa, tornou-se possível construir o instrumento de coleta de dados para segunda parte da pesquisa como uma pesquisa descritiva, bibliográfica e quantitativa. A coleta de dados ocorreu com o auxílio de um questionário semiestruturado, disposto de questões quantitativas, escalares do tipo Likert, aplicada para uma amostra de 32 clientes da agroindústria, realizada no período de um mês, sendo a data inicial, dia primeiro de agosto de 2012 e terminando dia trinta e um do mesmo mês.

3.2 Plano de Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário dividido em quatro partes. A primeira parte tem como objetivo traçar o perfil do cliente; A segunda pode-se analisar sobre o show room de vendas; A terceira trata de questões referentes à pós-vendas e na quarta e última etapa re-fere-se à assistência técnica.

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3.3 Plano para análise de dados

Após a realização da aplicação da pesquisa iniciou-se a análise das respostas, com o auxílio de planilhas do software Microsoft Excel, possibilitando analisar a situação encontrada em cada uma das etapas, utilizando a elaboração de tabelas para demonstração destes resultados.

Avaliou-se a frequência de cada resposta e calculou-se a porcentagem de cada pergunta em relação ao total de respondentes, possibilitando evidenciar o nível de satisfação dos clientes da agroindústria.

Com os resultados obtidos foi possível elaborar uma proposta de melhoria para a agroindústria que atua com sistemas mecanizados.

4. Apresentação e Análise dos Dados

4.1 Perfil dos Clientes da Agroindústria

Com relação ao perfil dos clientes que participaram da pesquisa fechada, destacaram-se 02 grupos (Tabela 1), sendo eles os fazendeiros, clientes ligados à agricultura e proprietários das áreas exploradas, e os empreiteiros agrícolas, que são profissionais ligados à agricultura que compram má-quinas, peças e serviços, mas exploram áreas rurais na forma de contrato de arrendamento.

Tabela 1 - Perfil do Cliente

N %Fazendeiro 19 59,38

Empreiteiro Agrícola 13 40,63Total 32 100,00Fonte: Elaborado pelos autores

Já, quanto às lavouras plantadas na região, sobressaem as culturas do arroz e do fumo. De modo que fica bem definida a cultura do arroz na região da várzea, geograficamente plana, e o plantio do fumo na região de colônia e relevo mais acidentado (Tabela 2).

Destacam-se, ainda, as lavouras de soja e milho, ainda que em menor participação, que além de ser uma opção de renda, servem como trato cultural como o rodízio de culturas, a fim de melhorar as condições de solo para o replantio da cultura principal no ano posterior.

Tabela 2: Cultura plantada na propriedade

N %Arroz 14 43,75

Soja 6 18,75Milho 9 28,13Trigo 0 0,00Fumo 17 53,13Total 32 100,00Fonte: Elaborado pelos autores

Nessa etapa também foi analisado o tamanho de frota. O número de aquisições nos últimos 05 anos é apresentado na Figura 2.

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Figura 2: Número de Aquisições nos últimos 5 anos Fonte: Elaborado pelos autores

Os clientes das culturas como arroz e soja e que utilizam uma área maior para exploração rural, foram os que mais se destacaram, possuindo frota acima de 04 unidades. Já, os pequenos pro-dutores de milho e fumo foram os que adquiriram recentemente seus equipamentos, mas levam mais tempo para renová-los.

4.2 Show Room – Vendas

Nesta segunda etapa pode-se identificar o que os compradores da empresa agroindustrial sentem em relação ao show room de vendas.

Analisando os dados coletados referentes ao show room de vendas, percebe-se que os clien-tes, na sua grande maioria, encontram-se satisfeitos com as instalações da empresa agroindustrial, com a disposição dos equipamentos e com a quantidade de produtos oferecidos (Tabela 3).

Acredita-se que esse resultado é pelo fato da empresa agroindustrial ser uma das pioneiras na região, e ter uma ampla participação de mercado e também ao fato da empresa estar de acordo com o programa de identificação visual estabelecido pela marca que atua no mercado.

Além disso, os consumidores acreditam estar pagando um preço adequado ao produto ofere-cido, tendo em vista a qualidade do mesmo e por se tratar de uma marca conceituada no mercado.

Tabela 3: Satisfação com relação ao preço dos produtos oferecidos

N %Muito Insatisfeito 0 0,00

Insatisfeito 1 3,13Parcialmente Satisfeito 12 37,50Satisfeito 18 56,25Muito Satisfeito 1 3,13Total 32 100,00Fonte: Elaborado pelos autores

Os clientes mostraram-se satisfeitos, para mais de 80% dos entrevistados, quanto à equipe de vendas quando questionados seu nível de atendimento, cortesia com o cliente e conhecimento de produto.

Os clientes acreditam que o conhecimento transmitido pelos funcionários da agroindústria sobre os produtos oferecidos são satisfatórios, pois quase 100% encontram-se satisfeitos (Tabela 4).

6,25%

Nenhum

Um

Dois

Três

Quatro ou mais

12,50%

9,38%

15,63%56,25%

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Tabela 4: Conhecimento dos funcionários sobre os produtos oferecidos

N %Muito Insatisfeito 1 3,13

Insatisfeito 0 0,00Parcialmente Satisfeito 3 9,38Satisfeito 27 84,38Muito Satisfeito 1 3,13Total 32 100,00Fonte: Elaborado pelos autores

4.3 Pós-Vendas

Observou-se um aumento, embora pequeno, próximo a 10%, de insatisfação dos entrevistados com relação ao pós-vendas. Notou-se no desenvolvimento da pesquisa, que por se tratar de um público distinto, os entrevistados optaram pela resposta, “parcialmente satisfeito” mesmo quando notoria-mente mostravam-se insatisfeitos. Esses, somados aos declarados insatisfeitos, ficam próximo a 30% de clientes descontentes, o que justifica uma atenção especial (Tabela 5).

Tabela 5: Facilidade em obter respostas a dúvidas existentes sobre o produto adquirido

N %Muito Insatisfeito 1 3,13

Insatisfeito 1 3,13Parcialmente Satisfeito 6 18,75Satisfeito 22 68,75Muito Satisfeito 2 6,25Total 32 100,00Fonte: Elaborado pelos autores

Os tipos de serviços prestados pela agroindústria mais utilizados pelos seus clientes são a ma-nutenção corretiva, seguido da revisão na garantia e a manutenção preventiva (Tabela 6).

Tabela 6: Tipos de serviços que o cliente utiliza na agroindústria

N %Nenhum 2 6,25

Somente revisões na garantia 13 40,63Manutenção preventiva 13 40,63Manutenção corretiva 17 53,13Total 32 100,00Fonte: Elaborado pelos autores

Quando perguntados pelos motivos que os levariam a procurar a concorrência, os entrevista-dos responderam que seria por um preço satisfatório ou um bom atendimento e/ou relacionamento. Entretanto, cerca de 70% dos entrevistados não utilizam os serviços de algum concorrente. Assim como os 30% restantes utilizam oficinas terceirizadas e não os serviços da rede concorrente.

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4.4 Assistência Técnica

Neste ultimo grupo observou-se a percepção dos clientes referente aos serviços de assistência técnica.

Quanto ao horário de atendimento da assistência técnica, notou-se que os clientes parcial-mente satisfeitos e os insatisfeitos totalizam aproximadamente 16% fazendo-se necessário uma análise e proposta de melhoria, com relação a este item.

Tabela 7: Satisfação com o horário de atendimento

N %Muito Insatisfeito 1 3,13

Insatisfeito 0 0,00Parcialmente Satisfeito 4 12,50Satisfeito 26 81,25Muito Satisfeito 1 3,13Total 32 100,00Fonte: Elaborado pela autora

Quanto aos serviços prestados pela assistência técnica, cerca de 80% dos clientes entrevis-tados responderam estar satisfeitos com os serviços prestados. Entretanto os demais entrevistados demonstraram insatisfações, com relação ao prazo de conclusão do serviço prestado, identificando assim, pontos que necessitam ser tratados (Figura 3).

Figura 3: Prazo de conclusão e entrega do maquinário Fonte: Elaborado pelos autores

É importante salientar que pontos como receptividade, atenção dada pelos funcionários, fo-ram avaliados de forma positiva. Pois estes itens são importantes na fidelização de clientes e caracte-rísticas fundamentais para adquirir novos clientes.

Os gráficos a seguir (Figuras 4 e 5) estão representando itens que necessitam de atenção, pois os mesmos apresentam um percentual entre 20% a 30% de clientes parcialmente satisfeitos ou insa-tisfeitos, com relação ao nível do serviço técnico prestado, confiabilidade e conhecimento do técnico que prestou o serviço.

Muito Insatisfeito

Insatisfeito

Parcialmente Satisfeito

Satisfeito

Muito Satisfeiro

3,13%

9,38%3,13%6,25%

78,13%

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Figura 4: Nível de satisfação em relação aos serviços técnicos prestadosFonte: Elaborado pelos autores

Figura 5: Confiabilidade do serviço prestado Fonte: Elaborado pelos autores

5. Discussão dos Resultados

Analisando o showroom de vendas pode-se constatar que do resultado da pesquisa vem a afir-

mação de que a agroindústria está bem garantida competitivamente, trazendo uma grande variedade de produtos com tecnologia favoráveis à agricultura e com grande mix de produtos necessários para o agronegócio na região.

O que é reforçado pelo fato da empresa agroindustrial ser adepta ao Programa de Identifica-ção Visual da marca que trabalha, o que acaba por unir a imagem do fabricante à concessão, trans-formando a empresa em sinônimo de inovação, qualidade, integridade e comprometimento, valores fundamentais repassados pelo fabricante.

Dando continuidade na análise dos dados, é observado que em relação ao Pós-vendas foi encontrado clientes insatisfeitos e parcialmente satisfeitos que, conforme relatado anteriormente, resultam em 30% de clientes não totalmente satisfeitos e que declararam que os principais desconten-tamentos seriam as reclamações sobre o produto e a dificuldade de obter respostas quanto às dúvidas sobre produtos adquiridos. Identificando-se aqui uma necessidade de melhoria a ser trabalhada.

Outro item importante que foi analisado é relacionado à assistência técnica prestada, onde clientes demonstraram descontentamentos quanto ao horário de atendimento, nível de qualidade do serviço prestado e atraso na conclusão do serviço. Somando-se, assim, novas oportunidades de melho-rias a serem tratadas.

Muito Insatisfeito

Insatisfeito

Parcialmente Satisfeito

Satisfeito

Muito Satisfeiro

3,13%

9,38%

0,00%

9,38%

78,13%

Muito Insatisfeito

Insatisfeito

Parcialmente Satisfeito

Satisfeito

Muito Satisfeiro

6,25% 6,25%

18,75%

68,75%

0,00%

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6. PROPOSIÇÃO DE SOLUÇÃO

Entre as questões levantadas na pesquisa que mereceram destaque por causar insatisfação dos clientes estão as reclamações sobre os produtos, muitas vezes causadas pela distração do cliente no momento do recebimento do seu primeiro equipamento. Pois o ato da entrega, muitas vezes devido à euforia do cliente não permite a assimilação das informações repassadas durante a entrega técnica. Assim, a proposta a ser elaborada é que após determinado prazo de uso do equipamento, sendo suge-rido, cem horas trabalhadas, o que vem a coincidir com 15 a 20 dias, e então seja realizada nova visita para reforçar as instruções de uso do equipamento.

Quanto à dificuldade de obter informações sobre o equipamento, sugere-se elaborar um ade-sivo constando todas as ações de manutenção preventiva do produto que deverá ser colado no próprio equipamento em local visível e que tenha ainda um telefone para contato direto com o pós-vendas da empresa agroindustrial, onde o atendente seja capacitado para sanar eventuais dúvidas de utilização e manutenção do produto.

Já para atender à necessidade de melhorias no horário de atendimento, é impossível aumen-tar o quadro de funcionários devido à agricultura ser uma atividade sazonal e não manter constante procura. Por outro lado, o aumento da carga horária dos técnicos existentes é vetado devido às leis trabalhistas, que restringe a apenas 02 horas extras ao dia.

Assim, para melhorar e organizar o atendimento foi sugerido um agendamento com níveis de classificação de atendimento por prioridade.

Com o intuito de aperfeiçoar a qualidade dos serviços prestados é sugerido o aumento no investimento em treinamentos e uma pesquisa após a realização de cada serviço, a fim de detectar falhas que possam ser solucionadas antes que haja reincidência.

Quanto ao atraso na conclusão dos serviços, sugere-se uma campanha de cumprimento de TMO (tempo de mão de obra), a fim de motivar a todos o cumprimento do tempo estabelecido e pre-miando o funcionário com melhor desempenho.

Para melhor visualização das propostas realizadas para a empresa agroindustrial foi elaborado o quadro 1, descrevendo os pontos deficientes e as ações a serem aperfeiçoadas.

Quadro 1 - : Proposições - Pontos a serem trabalhados

Pontos Deficientes Ações de Aperfeiçoamento

Repasse das Informações durante a entrega técnicaSugere-se, que após cem horas trabalhadas, o que vem a coincidir com 15 a 20 dias, seja realizada nova visita para reforçar as instruções de uso do equipamento.

Dificuldade de obter informações sobre o equipamento

Sugere-se elaborar um adesivo constando todas as ações de manutenção preventiva do produto que deverá ser colado no próprio equipamento em local visível e que tenha ainda um telefone para contato direto com o pós-venda da empresa

Melhorias no horário de atendimentoIndica-se um agendamento com níveis de classificação de atendimento por prioridade.

Qualidade dos serviços prestados

Recomenda-se investimentos em treinamentos e uma pesquisa após a realização de cada serviço, a fim de detectar falhas que possam ser solucionadas antes que haja reincidência.

Atraso na conclusão

Recomenda-se campanha de cumprimento de TMO (tempo de mão de obra), a fim de motivar a todos o cumprimento do tempo estabelecido e premiando o funcionário com melhor desempenho.

Fonte: Elaborado pelos autores

Portanto, ao recomendar estas ações de melhoria acredita-se que irá melhorar o nível de satisfação dos clientes com relação à empresa agroindustrial.

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7. Considerações Finais

O objetivo principal deste trabalho foi identificar as formas pelas quais os clientes da agroin-dústria, que atua com sistemas mecanizados no Rio Grande do Sul, valorizam os serviços prestados pela mesma, e com os resultados obtidos indicar propostas de melhorias.

Com a bibliografia utilizada, buscou-se inicialmente embasamento para a criação das pes-quisas realizadas, na primeira fase caracterizada como exploratória, bibliográfica e qualitativa e na segunda fase descritiva, bibliográfica e quantitativa.

Através deste estudo, percebeu-se alguns pontos em que a agroindústria necessita trabalhar com mais atenção, como expor as informações sobre os produtos vendidos, assim, a proposta elabora-da realizará nova visita para reforçar as instruções de uso do equipamento, com relação aos horários de atendimento a sugestão foi realizar agendamento por níveis de classificação de atendimento por prioridade, já com relação aos atrasos na entrega sugeriu-se campanha de cumprimento de TMO, a fim de motivar a todos o cumprimento do tempo estabelecido e premiando o funcionário com melhor desempenho, dentre outras situações citadas nas propostas de melhorias.

Por fim este trabalho levanta uma nova questão como sugestão para uma pesquisa futura, como vários clientes relataram que seus tratores apresentaram problemas semelhantes e repetitivos logo após a entrega técnica, o que nos sugere a necessidade do levantamento desses problemas pre-coces afim de que sejam corrigidos nos lotes futuros.

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Análise do Conceito de Renda noImposto de Renda Pessoa Jurídica

sob a Ótica dos TribunaisConstitucionais da Argentina

e do BrasilSilvio Brambila Fragoso Junior1

RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo examinar semelhanças e diferenças no en-tendimento e na aplicação da legislação tributária relativa ao Imposto de Renda por meio da análise de decisões prolatadas pelas supremas cortes da Argentina e do Brasil.

O tema abordado nesta investigação mostra-se atual e importante dentro do inexorá-vel marco de integração no qual os países membros do MERCOSUL encontram-se inse-ridos. O trabalho se desenvolve a partir do estudo dos conceitos de renda elaborados pela doutrina e da análise jurisprudencial de acórdãos prolatados pelos tribunais de última instância da Argentina e do Brasil.

ABSTRACT

The aim of this research has been to identify similarities and differences in the comprehension and application of the legislation concerning income tax contribu-tions through the analysis of decisions made by the Supreme Courts of Argentina and Brazil.

The subject under investigation is both relevant and important in terms of the inevi-table process of integration in which the member countries of MERCOSUL find them-selves. The study has been developed based on concepts of income determined by doctrine and the jurisprudential analysis of agreements made by the Argentine and Brazilian Supreme Courts.

Introdução

Atualmente, tanto a Argentina quanto o Brasil vêm demonstrando por meio de sua política internacional que a parceria regional é parte fundamental no processo de desenvolvimento da região e de cada uma das nações separadamente.

No marco desta aproximação e consequente impulso do MERCOSUL, o intercâmbio comercial e econômico entre os dois sócios mais importantes do bloco regional nunca foi tão intenso. Uma das facetas do relacionamento entre estes tradicionais parceiros comerciais é, por exemplo, o importante e consistente fenômeno da instalação de empresas brasileiras na Argentina. O país vizinho tem sido um dos principais destinos procurados pelo capital brasileiro nesta estratégia atual de internaciona-lização.

(1) Especialista em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tradutor Público e Intérprete Comercial matriculado na Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Sul (JUCERGS). Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio Grande do Sul (OAB/RS). Funcionário da Seção Econômica e Comercial do Consulado Geral da República Argentina em Porto Alegre/RS.

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Dentro desta perspectiva, considerando que o processo de harmonização da legislação tribu-tária entre os Estados Partes do MERCOSUL é um dos objetivos fundamentais do bloco e levando-se em conta que o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas trata-se de um dos principais fatores de aumento de arrecadação estatal, a análise sistemática das decisões dos tribunais constitucionais de ambos os países que tratam a conceituação de renda reveste-se de valor e atualidade.

Os antecedentes históricos da tributação cobrada por auferir renda na Argentina e no Brasil remontam ao início do século XX. Previamente ao momento de instituição do imposto houve, em am-bos os países, inúmeras tentativas por parte do Estado de impor um gravame à renda auferida pelas pessoas físicas e jurídicas.

Na Argentina, o primeiro intento de criar um tributo que incidisse sobre os rendimentos ocor-reu por meio de uma iniciativa do Poder Executivo ao encaminhar, no ano de 1918, projeto de lei ao Congresso Nacional. O fato de tal matéria não ter sido tratada pelos legisladores levou o Executivo Nacional a reiterar sua apresentação nos anos seguintes. Os novos projetos de lei nunca foram sancio-nados pelos legisladores; e, com o passar do tempo e os debates que se geraram em torno do tema, a proposta inicial sofreu diversas modificações. Finalmente, mediante decreto do Poder Executivo pro-mulgado no dia 19 de janeiro do ano de 1932, ficou instituído o que pode ser considerado o primeiro imposto de renda vigente no país. No mesmo ano, o decreto em questão foi ratificado pelo Congresso Nacional e, posteriormente, modificado também pelo Poder Legislativo Nacional através da lei 11.682, que foi chamada de Ley de Impuesto a los Réditos.

Mesmo sofrendo diversas modificações, a lei 11.682 manteve-se em vigor até o ano de 1973, quando então foi promulgada a lei 20.628 – Ley de Impuesto a las Ganancias. Esta passou a vigorar a partir de primeiro de janeiro de 1974. Mesma sorte teve este último diploma legal em relação às variadas alterações que se observaram ao longo dos anos. Cabe destacar que, por consistir em uma das principais fontes de receita tributária dos Estados e também pelo fato de existirem muitas inter-pretações acerca da conceituação de renda, a legislação do imposto de renda se caracteriza pelo seu extremo dinamismo. Atualmente, a base do diploma legal que regula a imposição de tributação sobre a renda na Argentina é o Decreto 649/1997, que ordenou o texto da lei 20.628.

No Brasil, já existem registros de tributação cobrada por auferir renda desde a época do Impé-rio. Durante esse período houve tentativas de instituir um tributo geral sobre os rendimentos. Mesmo com o advento do Sistema Republicano esta questão não foi resolvida. Já com o novo sistema de go-verno seguiu-se uma série de tentativas de tributar a renda auferida pelas pessoas físicas e jurídicas, que acabaram sendo infrutíferas. Apenas no ano de 1922 surgiu um diploma legal criando o Imposto sobre a Renda. Tratou-se da lei 4.625, regulamentada em 1924. Foi, contudo, apenas com a promulga-ção do Decreto 17.390 – ocorrida no ano de 1926 – que o Imposto de Renda passou a ser efetivamente cobrado. Ao longo dos anos a tributação cobrada pela renda no Brasil sofreu inúmeras alterações, das mais variadas naturezas.

No âmbito constitucional, é importante ressaltar que a Carta Magna de 1891 não trazia em seu texto nenhuma disposição específica acerca da tributação da renda. O imposto de renda passou a ter tratamento constitucional apenas com a promulgação da Constituição de 1934. Desde então, dentro do universo jurídico brasileiro, o gravame sempre manteve seu status constitucional.

O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo detectar semelhanças e diferenças no entendimento e na aplicação da legislação tributária relativa ao Imposto de Renda por meio da análise de decisões prolatadas pelas supremas cortes da Argentina e do Brasil.

O tema abordado nesta investigação, pelos motivos já expostos anteriormente, mostra-se atual e importante dentro do inexorável marco de integração no qual os países membros do MERCOSUL encontram-se atualmente inseridos. O trabalho se desenvolve, tendo como um dos seus pilares, o es-tudo dos conceitos sobre renda elaborados e propostos pela doutrina. Outro fundamento da pesquisa é a análise jurisprudencial de acórdãos prolatados pelos tribunais de última instância, selecionados em virtude dos temas levados à apreciação das Cortes Supremas.

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Em uma primeira parte, a pesquisa versa sobre a conceituação de renda. Inicialmente, são analisados os aspectos teóricos e posteriormente os aspectos normativos. Considerando a natureza constitucional do imposto de renda no Brasil, o que não se observa dentro do ordenamento jurídico argentino, torna-se necessário delimitar os aspectos normativos constitucionais e infraconstitucionais do conceito de renda.

A segunda parte deste trabalho aborda temas controversos sobre a conceituação de renda suscitados a partir do exame de acórdãos prolatados pelos tribunais de última instância da Argentina e do Brasil. São analisados, tanto os argumentos esgrimidos pelas partes, quanto os votos proferidos pelos membros das cortes.

1. Conceito de Renda

1.1 Aspectos Teóricos:

Ao longo dos anos, muitas investigações vêm sendo dedicadas ao estudo deste tema. Não ape-nas a Ciência Jurídica enfrenta a problemática relativa à definição do conceito de renda, mas também profissionais da área da economia e das finanças procuram uniformizar o entendimento acerca do as-sunto. Nesta investigação, como ponto de partida será examinado o progresso histórico da construção teórica do conceito de renda.

O doutrinador brasileiro Rubens GOMES DE SOUSA2, considerando a evolução histórica do con-ceito de rendimento tributável1, foi buscar nos primórdios da imposição da tributação sobre a renda os elementos necessários para avaliar seu progresso ao longo do tempo. Segundo o ilustre professor, foi Hans HERMANN-SCHMOLLER quem determinou um primeiro elemento de precisão para analisar o conceito de renda ao apresentar a noção de “Livre Disponibilidade”, com o objetivo de diferenciar os conceitos de Capital e Renda, que até então encontravam-se unidos. A ideia da “Livre Disponibilidade” propunha que renda seria somente a parcela de riqueza acrescida da qual seu titular poderia dispor sem que o capital que lhe deu origem fosse prejudicado.

Seguindo a linha evolutiva das teses acerca da conceituação de renda, destaca-se a “Teoria das Faculdades” proposta por SCHANZ, no final do século XIX. Esta teoria abandonou a ideia anterior de distinguir capital de renda, e ampliou o conceito de rendimentos ao considerar como sendo renda o acréscimo do potencial econômico do seu titular observado entre dois momentos definidos no tempo.

Posteriormente, e em sentido contrário à ampliação do conceito proposto por SCHANZ, surgiu a chamada “Teoria da Fonte” - de autoria de COHN e NEUMANN. Esta tese vinculava a conceituação de renda à natureza da sua origem, ou fonte, e não ao acréscimo de riqueza auferido por seu titular. Base-ado neste entendimento, FISHER, entendeu que renda seria igual a consumo. Afirmou que os rendimen-tos seriam representados pelos serviços ou vantagens que o titular poderia obter de seu patrimônio. Na prática, a renda se encontraria representada pelo seu equivalente monetário. Desta forma, de acordo com a teoria em questão, a renda de um indivíduo seria igual à soma dos valores monetários de todos os serviços, benefícios ou vantagens consumidos durante determinado período de tempo, excluídos os valores reinvestidos. Uma vez que todo o ganho não consumido acabaria sendo poupado, a renda seria igual ao valor das despesas realizadas pelo indivíduo ao longo de certo lapso temporal.

A definição de renda excluindo as quantias poupadas e assimilando o consumo realizado foi também defendida pelo doutrinador italiano EINAUDI. Neste sentido, a base argumentativa de sua teoria afirmava que, caso ocorresse a taxação da renda investida, se estaria diante da prática de dupla tributação. Para evitar tal circunstância seria necessária uma posterior exoneração dos tributos que gravassem o consumo. Objetando esta linha de raciocínio, alega-se que a poupança formada pelo valor não consumido, uma vez transformada em capital, gera nova renda. De tal forma, a cobrança de imposto sobre este novo capital não se configuraria como dupla tributação.

(2) SOUSA, Rubens Gomes de. Evolução do Conceito de Rendimento Tributável, A – Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1970, v. 14, p. 339-346.

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Como corolário do processo de rejeição da ideia de excluir os valores poupados da conceitua-ção de renda, SIMONS formulou uma tese segundo a qual renda seria definida como a soma dos valores monetários de consumo verificados em certo período de tempo, acrescidos dos valores monetários do capital existente no início e no final do mesmo período. Desta maneira, a teoria em questão trouxe ao debate teórico sobre a conceituação de renda a ideia do acréscimo patrimonial.

Observando a evolução histórica do conceito de renda, nota-se que seu progresso caracteri-zou-se no sentido de associar as ideias de Renda e de Capital. Em um primeiro momento, quando o sistema capitalista encontrava-se em um estágio incipiente, ambos conceitos encontravam-se combi-nados de forma confusa. Sendo assim, diferentes estudiosos e pesquisadores foram realizando variadas análises no sentido de conceituá-los e diferenciá-los. Como decorrência desse processo, concluiu-se que Renda e Capital deveriam ser entendidos dentro de uma percepção cíclica; onde são ao mesmo tempo causa e efeito um do outro.

Dentro da brilhante exposição do ilustre professor GOMES DE SOUSA, ao fixar-se na análise dos três elementos - Periodicidade, Existência de Fonte Duradoura e Exploração da Fonte pelo Titular da Renda - que compõem o que poderia ser chamado de “Teoria Clássica” de renda, concluiu o eminente doutrinador que a Periodicidade se caracteriza como sendo o mais frágil dentre eles. Neste sentido, cabe lembrar que os chamados rendimentos eventuais também encontram-se sujeitos à incidência do gravame. Este fato ilustra que o critério da Periodicidade carece de valor como elemento necessário para conceituar renda.

O próximo elemento em questão, a Existência de uma Fonte Duradoura, encontra-se relacionado ao primeiro, já sucintamente examinado. Por um lado, para que haja periodicidade no auferimento de ren-da torna-se necessária a existência de uma fonte duradoura. Entretanto, a recíproca não é verdadeira. Em outro sentido, torna-se importante enfatizar que a ideia de Fonte Duradoura deve ser entendida em sentido amplo, como sendo a universalidade do patrimônio do titular. Sendo assim, enquanto o capital permanecer como parte integrante deste montante, a fonte de renda não pode ser considerada consumida ou diminuída.

A análise do terceiro elemento do chamado conceito clássico de renda, a Exploração da Fonte pelo seu Titular, serviria para excluir do conceito determinador os rendimentos decorrentes de cir-cunstâncias fortuitas, onde não houve participação ativa do titular. Dentro do espectro de observação deste elemento encontram-se, por exemplo, os valores oriundos de premiações e/ou heranças.

Concluindo seus estudos acerca da Evolução do Conceito de Rendimento Tributável, Rubens GOMES DE SOUSA afirma que o Conceito Clássico de Renda não mostrou-se incompatível com as mu-danças promovidas pelas práticas fiscais introduzidas ao longo dos anos. Ademais, reforçou a ideia de que os chamados elementos clássicos não deveriam ser entendidos de forma rígida, mas sim dentro da flexibilidade necessária para adaptar-se à evolução das necessidades fiscais dos Estados.

Deixando de lado o aspecto histórico da evolução do conceito de renda, e recorrendo à con-ceituação proposta pela doutrina, serão tomados como base para afrontar a problemática em questão os ensinamentos do notável jurista Horacio GARCÍA BELSUNCE3 quem dedicou imensos esforços ao es-tudo do tema. Serão sintetizados, a seguir, os principais conceitos desenvolvidos pela ampla pesquisa realizada pelo ilustre doutrinador, analisada na obra do professor José Artur LIMA GONÇALVES4.

Após considerar diversos conceitos econômicos de renda5, o eminente professor destacou alguns elementos que se encontram presentes em todos eles. Por um lado, a renda sempre é uma riqueza “nova”, tendo sido, ou não, consumida. Esta nova riqueza em questão, a renda, em relação a sua natureza, pode ser material ou imaterial. O rendimento deve ter sido originado por uma fonte produtora. Carece de importância o fato da renda ter ou não sido realizada e separada do capital que a gerou. Também se depreende da análise realizada pelo consagrado doutrinador a ideia de que a renda é sempre líquida, sendo obtida após a realização de determinadas deduções. A título exemplificativo, podem ser considerados os gastos necessários para a obtenção e produção da renda. Como último item destacado, cabe observar que a renda pode ser expressa em “valores monetários, em bens ou direitos,

(3) GARCIA BELSUNCE, Horacio: El Concepto de Rédito en la Doctrina y en el Derecho Tributario. Buenos Aires, Ed. Depalma, 1967.(4) GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda - Pressupostos Constitucionais. 1ª Edição. São Paulo, Ed. Malheiros.(5) Adam Smith, David Ricardo, Thünen, Jean Baptiste Say, Thomas Malthus, John Stuart Mill, Biersack, Roscher, Adolf Held, Hermann, Adolf Wagner, Weiss, Alfred Marshall, Neumann, Irving Fisher e Giuseppe Ugo Papi.

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ou, ainda, em poder de compra”. Finalmente, o ilustre doutrinador Horacio GARCÍA BELSUNCE define renda como sendo:

“... la riqueza nueva, material o inmaterial, que deriva de una fuente productiva, que puede ser perió-dica y consumible y que se expresa en moneda, en especie, o en los bienes o servicios finales que pueden adquirirse con la conversión del metálico o bienes recibidos como renta inmediata”6.

Ao analisar as diferentes conceituações de renda dadas pela doutrina, GARCÍA BELSUNCE pro-pôs uma classificação que dividiu-as em dois grandes grupos. Por um lado, encontra-se a chamada teoria da “Renda Produto”. Por outro, a tese da “Renda Acréscimo Patrimonial”. A Teoria da Renda Produto define renda como sendo todo o produto derivado do capital. Entende-se capital como toda riqueza material ou imaterial e durável capaz de gerar receita para seu titular. De acordo com esta teoria, renda é fruto periódico de uma fonte durável. A substância desta tese consiste na ideia de tributar a riqueza cujo aumento regular indica uma capacidade contributiva constante. A renda será sempre uma riqueza nova e material. Cabe ressaltar que esta riqueza deve ser originada por uma fonte produtiva, não necessariamente permanente, mas que subsista ao processo de produção.

Já a Teoria da Renda Acréscimo Patrimonial define rendimento de forma muito mais abran-gente, ao afirmar que renda é todo e qualquer aumento do patrimônio verificado ao final de um deter-minado período em comparação com seu início. Trata-se de um conceito muito amplo, que inclui não apenas as receitas periódicas, mas também os rendimentos obtidos ocasionalmente. Esta tese conside-ra que todas as receitas capazes de ser avaliadas monetariamente devem ser consideradas renda. Os ingressos não necessitam ser periódicos; até mesmo os rendimentos obtidos de forma extraordinária estão incluídos dentro do que se considera renda.

Além das duas grandes correntes aludidas e brevemente analisadas, torna-se importante citar uma terceira teoria sobre a conceituação de renda oferecida pela doutrina, composta pelas chama-das “Teorias Legalistas”. A concepção defendida por esta tese entende que a renda será definida de acordo com o significado estabelecido pela legislação. Trata-se de uma construção teórica bem mais vinculada à Ciência do Direito, e que não se compromete tão diretamente com os estudos oriundos de pesquisas fiscais e econômicas. Ainda dentro deste enfoque doutrinário, torna-se relevante diferenciar o que pode ser chamado de Teoria Legalista em Sentido Amplo da Teoria Legalista em Sentido Estrito. Enquanto a primeira contempla o ordenamento jurídico em sua totalidade, considerando a hierarquia entre as normas e atentando para o fato de que a legislação ordinária deverá subordinar-se à primazia da Carta Constitucional vigente, a Teoria Legalista em Sentido Estrito entende que o legislador ordiná-rio possui as faculdades necessárias para construir a definição de renda.

1.2. Aspectos Normativos

1.2.1. Delimitação Constitucional:

Um exame inicial dos instrumentos legais que regulamentam a tributação sobre a renda em ambos países revela que, enquanto no Brasil o Imposto de Renda possui status constitucional, o mesmo não ocorre na Argentina. A constituição argentina não é exaustiva em suas prescrições, mas limita-se a estabelecer princípios estruturais de funcionamento do Estado. O poder estatal de tributar encon-tra-se estipulado pela Carta Magna, mas o texto constitucional não aprofunda os condicionamentos para seu exercício.

Torna-se relevante destacar que, dentre os países membros do MERCOSUL, o Brasil se diferen-cia dos demais por contar com um sistema tributário constitucionalmente ordenado e exaustivo. Os principais elementos dos tributos estão claramente determinados pelas normas constitucionais. Nes-te sentido, torna-se importante reproduzir os ensinamentos do ilustre doutrinador Geraldo ATALIBA, quando afirma que:

(6) GARCIA BELSUNCE, Horacio: Obra citada, pg 193.

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“... o constituinte brasileiro esgotou a disciplina da matéria tributária, deixando à lei, simplesmente, a função regulamentar. Nenhum arbítrio e limitadíssima esfera de discrição foi outorgada ao legislador ordinário. A matéria tributária é exaustivamente tratada pela nossa Constituição, sendo o nosso sistema tributário todo moldado pelo próprio constituinte, que não abriu à lei a menor possibilidade de criar coisa alguma – senão expressamente prevista – ou mesmo introduzir variações não, prévia e explicitamente contempladas. Assim, nenhuma contribuição pode a lei dar à feição do nosso sistema tributário. Tudo foi feito e acabado pelo cons-tituinte”. (...) “Bem o contrário é o que ocorre nos demais sistemas, onde a lei ordinária tem as mais amplas possibilidades de concorrer para o delineamento das feições do próprio sistema tributário, onde a Constituição ficou no ditame de princípios genéricos mais amplos”. (...) “O sistema constitucional tributário brasileiro é o mais rígido de quantos se conhece, além de mais complexo e extenso. Em matéria tributária tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo”7.

A Constituição Nacional Argentina, apesar de não sistematizar o ordenamento tributário, con-templa alguns Princípios Gerais de Direito Tributário em seu texto. Neste sentido, e a título exemplifi-cativo, destacam-se os seguintes artigos:

Artigo 4º: El gobierno federal provee a los gastos de la Nación con los fondos del tesoro nacional formado del: 1. Producto de derechos de importación y exportación. 2. De la venta o locación de tierras de propiedad nacional. 3. De la renta de correos. 4. De las demás contribuciones que equitativa y proporcionalmente imponga el Congreso Nacional. 5. De los empréstitos y operaciones de crédito que decrete el mismo Congreso para urgencias de la Nación o para empresas de utilidad nacional.

Artigo 9º: En todo el territorio de la Nación no habrá más aduanas que las nacionales, en las cuales regirán las tarifas que sancione el Congreso.

Artigo 16: La igualdad es la base del impuesto y de las cargas públicas.

Artigo 52: A la Cámara de Diputados corresponde exclusivamente a la iniciativa de las leyes sobre contribuciones.

Artigo 75: Atribuciones del Congreso:Inciso 1: Legislar en materia aduanera. Establecer los derechos de importación y exportación, los cuales, así como las avaluaciones sobre las que recaigan, serán uniformes en toda la Nación.Inciso 2: Imponer contribuciones indirectas, como facultad concurrente con las provincias. Imponer contribuciones directas, por tiempo determinado, proporcionalmente iguales en todo el territorio de la Nación, siempre que la defensa, seguridad común y bien general del Estado lo exijan.

Ao debruçar-se sobre o Sistema Tributário Brasileiro, onde as normas essenciais são determi-nadas pela Constituição Federal, inicialmente seria possível indagar se o conceito de renda estaria ou não incluído no texto da Carta Magna. Refletindo sobre o assunto, o ilustre doutrinador José Artur LIMA GONÇALVES foi claro ao defender a ideia de que a definição de renda deve ser construída a partir do texto constitucional. Nas palavras do douto professor: “Não há, portanto, como pretender sustentar, seriamente, que o conceito de renda possa ter sido deixado à disposição do legislador infraconsti-tucional, no Brasil.8”. Cabe ressaltar que também existe, por outro lado, inteligência no sentido de afirmar que o conceito de renda encontra-se expresso na Constituição; e que é possível chegar até ele através de uma interpretação do texto da Carta Magna9. Segundo o primeiro entendimento, conside-rando-se que não se encontra no texto da Constituição Federal Brasileira uma definição clara de renda, torna-se necessário examinar a conceituação que o texto constitucional pressupõe.

Torna-se importante observar que, se bem a Constituição não traz em seu texto um conceito didático de renda, o simples fato de citar o vocábulo “renda” alude à existência de um significado de tal conceito. Sua definição será deduzida a partir do exame do texto constitucional.

Antes de iniciar o estudo em questão, torna-se fundamental restringir a análise ao dispos-to pela Constituição, deixando de lado tanto as normas infraconstitucionais quanto a doutrina. Um

(7) ATALIBA, Geraldo, Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1968.(8) GONÇALVES, José Artur Lima, obra citada, p.196.(9) É a tese que defende, por exemplo, o autor Roberto QUIROGA MOSQUERA em sua obra “Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O Imposto e o Conceito Constitucional, São Paulo, Ed. Dialética, 1996”.

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primeiro esboço de construção do conceito constitucional de renda, seria identificar alguns concei-tos que se aproximam ou se encontram relacionados à conceituação de renda dentro do arcabouço constitucional. Uma vez discriminados e entendidos estes termos, o caminho para elaborar o conceito constitucional de renda estaria pavimentado.

O primeiro destes elementos a ser analisado é o “faturamento”, presente no artigo 195, inciso I b) da CF/1988. De acordo com o mestre Geraldo ATALIBA, o conceito jurídico de “faturamento” é ine-quívoco. Trata-se da soma dos valores das faturas emitidas. Não se encontra vinculado com qualquer tipo de resultado comparativo. Mesmo sendo um dos elementos que contribuem com o processo de alteração patrimonial das pessoas jurídicas, o faturamento não se mostra capaz de avaliar a capacida-de contributiva do sujeito passivo da exação. Isso porque, sem considerar os gastos, o valor ingressado não serve para deduzir sinais de riqueza.

Outro conceito que diretamente se relaciona à ideia de renda é o do “capital”. Vários são os artigos da Constituição Brasileira que apresentam esse vocábulo: - Art. 156 § 2, I; 165 § 1º, § 2º e § 5º, II; 167, III, 172, 192, 222 § 1º e Artigo 52, II do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. No texto constitucional, a ideia de capital se refere a um investimento permanente, sem considerar o aspecto dinâmico da comparação entre dois momentos que refletem diferentes estados patrimoniais.

A expressão “lucro” surge nos artigos 7º XI, 172, 173 § 4º e 195 I da Constituição Federal. Aqui se observa o que poderia ser considerado como sendo um conceito parcial de renda, dado que lucro sempre é um ganho; ou seja, resultado positivo da atividade empresarial. Dentro de uma ideia mais abrangente de renda, o lucro pode ser visto como uma de suas espécies.

Outro elemento auxiliar utilizado na construção do conceito constitucional de renda é o vocá-bulo “ganho”, que aparece no artigo 218 § 4º da Carta Magna. Assim como a expressão “faturamento”, analisada anteriormente, a ideia de ganho não está vinculada ao eventual saldo positivo observado em determinado período de tempo. Refere-se o termo em questão aos ingressos percebidos, sem conside-rar eventuais perdas que também decorrem da atividade empresarial.

A Constituição Brasileira apresenta o vocábulo “resultado” nos artigos 7º XI, 20 §1º, 71 VII, 195 § 8º e 231 § 3º. Esta expressão se refere à situação final de um determinado processo. Da mesma forma que, ao analisar apenas os “ganhos”, não é possível a auferir capacidade contributiva, o mes-mo fenômeno se observa ao contemplar, exclusivamente, os resultados. Isso porque podem ser tanto positivos quanto negativos.

Concluindo a análise do texto constitucional no sentido de caracterizar os elementos que ser-vem de base para construir o conceito de renda, proposta por LIMA GONÇALVES, destaca-se a expressão “patrimônio”. Este termo designa o conjunto de bens ou direitos de uma pessoa pública ou privada. A expressão surge nos seguintes artigos da Constituição: artigo 5º XLV e LXXIII, 23 I, 24 VII, 30 IX, 49 I, 129 III, 144, 145 §1º, 150 VI “a”, “c”, § 2º, § 3º e § 4º; 156 § 2º I, 213 II, 216 § 1º e § 4º, 219, 225 § 1º II e § 4º, 239 § 2º e artigos 36 e 51 § 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Uma vez identificados e individualizados os termos que foram expressamente utilizados pelo constituinte e concluindo que a conceituação de renda deverá, necessariamente, diferenciar-se da ideia de “faturamento”, “capital”, “lucro”, “ganho”, “resultado” e “patrimônio”, o brilhante pro-fessor LIMA GONÇALVES define o conteúdo do conceito constitucional de renda como sendo o: “saldo positivo resultante do confronto entre certas entradas e certas saídas, ocorridas ao longo de um dado período”10.

Considerando a conceituação elaborada, e analisando seus elementos basilares, é possível concluir que, para a existência de renda, é necessário estar diante de um “saldo positivo”; ou seja, de um acréscimo. Esta ideia pressupõe uma comparação entre dois momentos diferentes, onde entre o primeiro e o segundo período se verifica um aumento, algo mais em relação ao ponto de partida da observação.

(10) GONÇALVES, José Artur Lima, obra citada, pg. 179.

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Em relação à origem da diferença positiva que caracteriza a renda dentro do conceito ora ana-lisado, torna-se fundamental chamar a atenção para o fato de que esta decorre de “certas” entradas e saídas, e não de todas as movimentações que majoram ou reduzem o patrimônio. Cabe identificar quais são os ganhos relevantes no que diz respeito ao acréscimo patrimonial, o mesmo sendo aplicado às saídas.

Por derradeiro, há que ser destacada a ideia de que as já citadas entradas e saídas devem ser analisadas no marco de um lapso temporal pré-determinado. Este “período”, composto por um termo de início e outro final, indicará se, entre os dois momentos, existiu ou não acréscimo patrimonial. Esta análise, finalmente, servirá para definir se foi auferida renda.

1.2.2. Delimitação Infraconstitucional:

Analisando a conceituação de renda a partir da legislação infraconstitucional vigente na Argenti-na e no Brasil, observa-se que cabe ao artigo 2º da Ley de Impuesto a las Ganancias11 elucidar o tema em questão dentro do ordenamento jurídico argentino. Antes de partir para uma leitura do texto, torna-se necessário atentar para o fato de que encontram-se presentes na lei diferentes definições de renda, que variam de acordo com o sujeito passivo do tributo. O inciso 1º do artigo 2º consagra o já analisado “Princípio da Renda Produto” ao definir renda como sendo: “... los rendimientos, rentas o enriqueci-mientos susceptibles de una periodicidad que implique la permanencia de la fuente que los produce y su habilitación”. Todavia, em se tratando das sociedades de capital, é necessário avançar na leitura do artigo e considerar a inequívoca referência que o inciso 2º faz às pessoas jurídicas, citando o artigo 69 da mesma lei. Portanto, conclui-se que, para definir a renda dos chamados “Sujeitos Empresa12” aplica-se o Princípio da “Renda Acréscimo Patrimonial”, explicitado no artigo 2º, inciso 2º da lei 20.628.

Observa-se, portanto, que o legislador fez uso da liberdade que lhe foi concedida por um sis-tema tributário que não se encontra sistematizado pela Constituição Federal para diferenciar, segundo seu alvitre, o conceito de renda aplicável de acordo com o sujeito passivo da exação.

Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, e no que tange a legislação infraconstitucional, o Código Tributário Nacional – que trata-se de Lei Complementar13 – apresenta, em seu artigo 4314, a definição do fato gerador do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Como já foi anteriormente aprofundado ao tratar os aspectos normativos constitucionais do conceito de renda, a boa doutrina determina que esta conceituação deve ser construída a partir da interpretação do texto da Carta Magna, e não da análise dos artigos do Código Tributário Nacional15.

Analisando o enunciado do artigo 43 do Código Tributário Nacional, afirma o ilustre professor Paulo Ayres BARRETO:

(11) Lei 20.628. Art. 2° - A los efectos de esta ley son ganancias, sin perjuicio de lo dispuesto especialmente en cada categoría y aun cuando no se indiquen en ellas: 1) Los rendimientos, rentas o enriquecimientos susceptibles de una periodicidad que implique la permanencia de la fuente que los produce y su habilitación. 2) Los rendimientos, rentas, beneficios o enriquecimientos que cumplan o no las condiciones del apartado anterior, obtenidos por los respon-sables incluidos en el artículo 69 y todos los que deriven de las demás sociedades o de empresas o explotaciones unipersonales, salvo que, no tratándose de los contribuyentes comprendidos en el artículo 69, se desarrollaran actividades indicadas en los incisos f) y g) del artículo 79 y las mismas no se complementaran con una explotación comercial, en cuyo caso será de aplicación lo dispuesto en el apartado anterior. 3) Los resultados obtenidos por la enajenación de bienes muebles amortizables, acciones, títulos, bonos y demás títulos valores, cualquiera fuera el sujeto que las obtenga.(12) Terminologia utilizada na obra: El Impuesto a las Ganancias, de RAIMONDI, Carlos e ATCHABAHIAN, Adolfo. (Ed. La Ley, 4ª Ed. Buenos Aires, 2007).(13) Lei nº 5.172 de 25/10/1966.(14) CTN. Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. § 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. § 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponi-bilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.(15) Neste sentido opinam: José Artur LIMA GONÇALVES, José Luiz BULHÕES PEDREIRA, Luciano AMARO, Celso Antônio BANDEIRA DE MELO, entre outros.

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“O conteúdo do enunciado prescritivo veiculado pelo CTN. Em seu artigo 43, não desborda o conceito constitu-cional de renda. De veras, a referência a proventos de qualquer natureza, como acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior, impõe a seguinte conclusão: nos termos do CTN os acréscimos patrimoniais sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda são os enunciados no inciso I do artigo 43 ou quaisquer outros. Vale dizer, por analogia, as cores escolhidas para colorir essa superfície são preto, branco, cinza ou qualquer outra16.”

Considerando a definição de renda trazida ao ordenamento jurídico pelo Código Tributário Na-cional, sob o prisma do Princípio da Repartição Constitucional de Competências, observa-se a ausência de violação à Carta Magna. A referência feita pelo inciso I do artigo 43 do CTN ao “produto do capital”, e a expressão “acréscimos patrimoniais”, presente no inciso II do mesmo dispositivo de lei, se diferen-ciam claramente de outros conceitos antes referidos, como, por exemplo, patrimônio ou faturamento.

Em relação às teorias sobre a renda, já aludidas nos pontos 14 e 15, observa-se que o texto do Código Tributário Nacional consagra a tese da Renda Acréscimo Patrimonial - entendida em sentido amplo. Encontram-se agrupados no mesmo artigo os conceitos de renda e proventos de qualquer na-tureza. Desta forma, pode ser entendido que o tributo em questão incidirá tanto sobre os acréscimos patrimoniais quanto sobre a renda consumida. Portanto, de acordo com o CTN, a incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza ocorrerá sobre o que devemos entender como uma riqueza nova, sem importar sua origem ou seu destino.

A abrangência esboçada no critério adotado pelo legislador infraconstitucional brasileiro demonstra que este exerceu sua competência concorrente de forma a não cometer marcada inconstitucionalidade. Cabe ressaltar, ademais, que o Código Tributário Nacional entrou em vigor em primeiro de janeiro de 1967, ainda sob a égide da Constituição Federal de 1946. Tratava-se, à época, de lei ordinária. Com o advento da Carta Constitu-cional de 1967, e consequente criação do conceito de Lei Complementar, o CTN recebeu este status. Finalmen-te, a atual Constituição Federal veio a acolher o diploma legal em questão também como Lei Complementar.

Aprofundando o exame do texto do artigo 43 do Código Tributário Nacional, cabe destacar que este é claro ao determinar que o fato gerador do tributo sobre a renda e proventos de qualquer natureza é a “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” da renda, definida através dos conceitos plasmados nos incisos I e II, já analisados nos parágrafos anteriores. Em sintonia com a determinação do diploma legal em questão, verifi-ca-se que nem a existência de renda, nem o direito de auferi-la configuram-se como sendo o fato tributável.

Mostra-se necessário, consequentemente, dentro da análise de incidência do tributo, compreender os conceitos apresentados. Entende-se que existe disponibilidade econômica de certo bem quando ele se encontra em condições de ser negociado livremente no mercado, quando não houver gravames de nenhuma natureza sobre o elemento em questão que o impeçam de circular. Já a disponibilidade jurídica se verifica quando a lei confere a um certo bem ou riqueza a disponibilidade econômica antes citada. Trata-se, portanto, a disponibilidade jurídica, de uma presunção estabelecida por lei da disponibilidade econômica.

Finalmente, conclui-se que a conceituação de renda oferecida pelo Código Tributário Nacional mostra-se totalmente compatível com o metódico, ordenado e exaustivo sistema tributário constitu-cional existente no país. O CTN, em observância à hierarquia do ordenamento jurídico brasileiro, não extrapolou os limites constitucionais ao tratar o ponto relacionado à definição do conceito de renda.

2: Temas Controversos

2.1. Renda de Fonte Nacional ou Estrangeira:

O tema relativo à tributação sobre a renda auferida pelas pessoas jurídicas fora do território do Estado onde se encontram sediadas será apresentado através do exame de um caso concreto. A Corte Suprema de Justiça da República Argentina publicou acórdão17 julgando sentença de segunda instância que havia confirmado decisão no sentido de excluir do âmbito de incidência do Impuesto a las Ganancias o resultado econômico obtido a partir de investimentos realizados no exterior de recursos recebidos para honrar pagamentos a sujeitos residentes na Argentina.

(16) BARRETO, Paulo Ayres, Imposto sobre a Renda e Preços de Transferência, Dialética, São Paulo – 2001, p.73.

(17) B 59 XXXV R.O. Banca Nazionale del Lavoro S.A. c DGI s proceso de conocimiento.

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A decisão atacada havia disposto que, tanto o capital proveniente dos juros quanto das dife-renças cambiais não se encontrava atingido pelo gravame, dado que a renda gerada tinha sido origi-nada por investimentos realizados no exterior. Afirmou o julgador de segunda instância que o fato da renda auferida ter sido, posteriormente, utilizada em território nacional era irrelevante para a deter-minação de sua fonte. Asseverou, neste sentido, que a fonte sempre manteve sua origem estrangeira.

O Fisco interpôs recurso argumentando que a renda decorrente do investimento realizado no exterior, contrariamente ao disposto pelas anteriores instâncias, deveria ser considerada de fonte argentina e que, portanto, estaria sujeita à incidência de tributação. Como base para tal afirmação, argumentou que o capital em questão, mesmo tendo sido aplicado no estrangeiro, nunca esteve des-vinculado do pagamento de pensões e aposentadorias aos beneficiários residentes na Argentina. Desta forma, os recursos tinham sido utilizados economicamente dentro do país, enquadrando-se como de fonte argentina de acordo com o disposto pelo artigo 2º do texto da lei18.

Analisando o mérito da questão, a Corte Suprema observou que, durante o período sobre o qual versa a demanda - exercícios fiscais dos anos de 1989 e 1990 – o diploma legal que disciplinava a tributação sobre a renda era a lei nº 20.628, de 1974. Esta norma consagrava o chamado “Princípio da Territorialida-de”, que determinava que a obrigação tributária alcançava apenas a renda auferida dentro do território nacional. Cabe ressaltar que apenas com a entrada em vigência da lei 24.073, de 1992, passou a ser aplica-do na República Argentina o que se conhece como “Princípio da Universalidade”, onde é tributado o total da renda auferida pelas pessoas jurídicas domiciliadas no país, tanto no âmbito nacional quanto no exterior.

Desta forma, o máximo tribunal restringiu a análise do caso em tela a determinar se a renda auferida pela empresa autora seria de origem nacional, o que significaria sua subordinação ao grava-me, ou se tratava-se de renda proveniente de fonte estrangeira. Aprofundando o exame da situação fática, sempre tendo como base as disposições do diploma legal anteriormente citado – lei 20.628 - a renda auferida por meio do capital investido em entidades bancárias do exterior não constituiria renda de fonte argentina. Sendo assim, sempre se manteve à margem do campo de tributação.

Seguindo o raciocínio traçado pelos ministros da Corte, cabe ressaltar que o destino final do capital aplicado, o pagamento das pensões e aposentadorias aos beneficiários residentes na República Argentina, não se configurava como motivo válido para impedir a aplicação do princípio da localiza-ção da fonte da renda como elemento definitivo do âmbito de cobrança do tributo. O tribunal aduziu como argumento a disposição do artigo 9º do Decreto 2353/8619, regulamentador da lei nº 20.628, que determina como de fonte argentina “os juros provenientes de depósitos bancários situados no país”. De tal forma, e concluindo a contrario sensu, ficou claro que o resultado de depósitos efetuados em entidades financeiras localizados no exterior deveria ser considerado como sendo de fonte estrangeira.

O estudo desta decisão convida a analisar a evolução das legislações tributárias argentina e brasi-leira sobre a tributação da renda das pessoas jurídicas no que diz respeito ao critério territorial. Como visto nos parágrafos anteriores, dentro do ordenamento jurídico argentino, a lei 20.628, vigente desde 1974, consagrava o Princípio da Territorialidade, também chamado de Princípio da Base Territorial ou, ainda, Source Income Taxation. Com o advento da lei 24.073, no ano de 1992, passou a ser aplicado o Princípio da Universalidade, também conhecido como Princípio da Base Global ou World Wide Income Taxation.

Traçando um paralelo histórico com a legislação brasileira, detecta-se que, por força do disposto no artigo 33720 do Regulamento do Imposto de Renda de 1994, aprovado pelo Decreto-lei nº 1041/94, apenas os rendimentos produzidos dentro do âmbito territorial brasileiro estavam sujeitos à incidência de tributação sobre a renda. Os ganhos de capital das Pessoas Jurídicas domiciliadas no Brasil decorrentes de atividades exercidas no exterior não eram tributados. Era adotado, portanto, o Princípio da Territorialidade. Esta situa-ção se viu alterada a partir do ano de 1996 em virtude da promulgação da lei 9.249/9521. O diploma legal em questão trouxe para dentro do ordenamento jurídico brasileiro a aplicação do Princípio da Universalidade.

(18) Lei 20.628, Ley de Impuesto a las Ganancias Art. 2º: Son ganancias: “1) Los rendimientos, rentas o enriquecimientos susceptibles de una periodicidad que implique la permanencia de la fuente que los produce y su habilitación.”(19) Decreto 2353/86 Art. 9º: Son Ganancias de Fuente Argentina: “... los intereses provenientes de depósitos bancarios ubicados en el país.”(20) RIR/94 Art. 337: O lucro proveniente de atividades exercidas parte no país e parte no exterior somente será tributado na parte produzida no país.(21) Lei 9.249/95 Art. 25: Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano.

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Previamente à mudança ocorrida em 1996, e vigente até a atualidade, houve um antece-dente histórico na aplicação do Princípio da Universalidade dentro do sistema tributário brasileiro. O Decreto-lei nº 2.39722, de 22/11/1987 alterou o regime tributário sobre a renda auferida no exterior pelas pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, afastando o Princípio da Territorialidade e consagrando o Princípio da Universalidade. Em sintonia com a norma anteriormente citada, até mesmo a renda produzida no estrangeiro pelas empresas subsidiárias localizadas fora do Brasil foi alcançada pela tri-butação sobre a renda. Isso por força do Decreto-lei nº 2.41323, de 10/02/1988. Entretanto, a vigência do Princípio da Territorialidade foi rapidamente restabelecida com a promulgação do Decreto-lei nº 2.429, de 14/04/1988. Este decreto, em seu artigo 1124, revogou expressamente a legislação anterior, trazendo de volta a aplicação do Princípio da Fonte25.

Os princípios em questão orientam as atividades hermenêuticas dos Estados que os adotam. A consagração de um ou outro princípio por parte do legislador estabelece os critérios de definição do exercício do poder estatal de tributar e sua escolha depende da política fiscal que cada país deseja colocar em prática. O ponto fundamental em questão é a conexão entre o Estado arrecadador e o contribuinte. Enquanto o Princípio da Territorialidade coloca em evidência a localização territorial da fonte geradora de renda, o Princípio da Universalidade contempla a totalidade dos ganhos de ca-pital auferidos pela pessoa jurídica domiciliada em território nacional, independente do lugar onde tenham sido produzidos. O célebre doutrinador Heleno TORRES, refletindo sobre a opção por parte do legislador de adotar um ou outro princípio, afirma que: “Em verdade, tal escolha paira, tão somente, na opção entre adotar o princípio da universalidade, ou não, porque o princípio da territorialidade é imanente a todo e qualquer ordenamento jurídico. Não há uma terceira opção”26.

Em relação à incorporação do Princípio da Universalidade no ordenamento jurídico das duas maio-res economias do MERCOSUL, torna-se importante destacar que este fato esteve vinculado a um momento histórico de grande incremento da mundialização da economia, a década de 90. Nessa época a região passou a receber importante volume de investimentos externos, com a instalação de filiais e sucursais de empresas estrangeiras, ao mesmo tempo em que companhias nacionais se tornaram multinacionais.

O acelerado processo de desenvolvimento econômico trouxe como uma de suas consequên-cias o enfraquecimento do exercício de soberania por parte dos Estados. Com a valorização do papel desempenhado pelas empresas privadas dentro desta nova realidade globalizada, coube aos Estados promoverem uma adaptação de seus sistemas legais internos. Mudanças como a aplicação do Princípio da Universalidade tornaram-se necessárias para evitar práticas como a evasão fiscal internacional, bem como para desestimular os investimentos nos chamados “paraísos fiscais”.

2.2. Renda Obtida de Forma Gratuita ou Onerosa:

Em relação à natureza gratuita ou onerosa da renda, e sempre seguindo a proposta de examinar temas controversos usando como base acórdãos prolatados pelos Tribunais Superiores da Argentina e do Brasil, será analisada decisão da Corte Suprema de Justiça da República Argentina27 que ratificou julgamen-to que afastara a incidência de isenção sobre a renda originada pela diferença entre a utilização, por parte da empresa demandante, de Bônus de Consolidação do Estado Nacional no pagamento de dívidas tributá-rias e o custo de aquisição no mercado dos referidos títulos, cujo valor havia sido sensivelmente inferior.

(22) Decreto-lei nº 2.397/87 Art. 7º: Serão computados no lucro real das pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País os resultados obtidos no exterior, diretamente ou através de filiais, sucursais, agências ou representações.(23) Decreto-lei nº 2.413/88 Art. 8º: Serão computados no lucro real das pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País os resultados obtidos no exterior, diretamente, ou através de subsidiárias, filiais, sucursais, agências ou representações.(24) Decreto-lei nº 2.429/88 Art. 11. Fica revogado o art. 8º do Decreto-lei nº 2.413, de 10 de fevereiro de 1988. A tributação dos resultados das atividades de navegação marítima, aérea, de outros transportes e meios de comunicação com países estrangeiros continuará regida pelas disposições do art. 63 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964.(25) Art. 63. Lei nº 4.506/64: No caso de empresas cujos resultados provenham de atividades exercidas parte no País e parte no exterior, so-mente integrarão o lucro operacional os resultados produzidos no País. § 1º Consideram-se atividades exercidas parte no País e parte no exterior as que provierem: a) das operações de comércio e outras atividades lucrativas iniciadas no Brasil e ultimadas no exterior, ou vice-versa; b) da exploração da matéria-prima no território nacional para ser beneficiada, vendida ou utilizada no estrangeiro, ou vice-versa; c) dos transportes e meios de comunicação com os países estrangeiros. § 2º Se a empresa que explora atividade nas condições previstas neste artigo não puder apurar separadamente o lucro operacional produzido no País, será ele estimado ou arbitrado como equivalente a 20% (vinte por cento) da receita bruta operacional.(26) TORRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas das empresas. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1997. Pg 69.(27) P 17 XXXVIII Recurso Extraordinario. Petrolera Pérez Companc S.A. (TF 17.085-I) c DGI.

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O entendimento do tribunal de segunda instância foi no sentido de que a renda auferida pela recorrente ao efetuar o pagamento de débitos tributários utilizando bônus adquiridos no mercado fi-nanceiro não poderia ser classificada como enriquecimento a título gratuito. De tal forma, não se esta-ria diante de uma das hipóteses de isenção tributária previstas em lei. Durante o período do qual trata o litígio, encontrava-se vigente o Decreto 450/86, regulamentador da lei 20.628 – Ley de Impuesto a las Ganancias. A isenção de tributação sobre a renda obtida de forma não onerosa estava contemplada no artigo 20 do diploma legal em questão28.

Para concluir no sentido da improcedência do pedido da autora, a Câmara de Apelações, órgão julgador de segunda instância, baseou-se na análise do Decreto 316/9529. O entendimento do órgão colegiado foi no sentido de que este texto legal havia apenas instituído um regime de facilitação para o pagamento de débitos fiscais, portanto não se tratava de um mecanismo de redução ou remissão de dívida.

Inconformada com a sentença prolatada, a autora interpôs recurso alegando, inicialmente, que o pagamento do tributo realizado mediante entrega de bônus tinha significado uma redução no va-lor do imposto. Disse, também, que tal quantia não se encontraria atingida pela cobrança de imposto de renda, dado que o valor não poderia ser deduzido da sua própria base de cálculo30.

Seguindo sua exposição, a recorrente alegou que o texto do citado Decreto 316/95 perdoava, parcialmente, as dívidas tributárias. Desta forma, inexistindo contraprestação por parte do devedor, se estaria diante de uma situação de enriquecimento a título gratuito, portanto isenta da aplicação do gravame sobre a renda.

A lide em questão se restringia, deste modo, a determinar qual seria o tratamento dado pelo ordenamento tributário ao pagamento de débitos fiscais realizado por meio da entrega de Bônus de Consolidação do Estado Nacional, cotados em seus valores nominais, que haviam sido adquiridos por um custo inferior ao do valor posteriormente compensado.

Ao analisar o mérito da demanda, o julgador de última instância utilizou como critério basilar de interpretação o já consagrado entendimento da Corte Suprema de Justiça da República Argentina no sentido de dar pleno efeito à intenção do legislador. Uma vez definido este critério hermenêutico, os elementos para dirimir o pleito foram buscados no próprio texto do Decreto 316/95.

Ao apreciar o diploma legal em questão, os ministros entenderam que tal decreto não havia instituído nenhum tipo de redução, remissão ou perdão de débitos tributários. Apenas fora estabele-cido um regime de pagamento de dívidas fiscais baseado na apresentação espontânea dos devedores que se enquadrassem em determinadas situações, concedendo-lhes benefícios e facilidades para efe-tuar os pagamentos dos tributos devidos. O procedimento a ser seguido para regularizar a situação do contribuinte consistia em realizar o cancelamento das dívidas mediante, por um lado, a entrega de Bônus de Consolidação do Estado Nacional, aceitos por seu valor nominal, e efetuando o pagamento parcelado do restante do valor devido, em dinheiro31.

(28) A disposição isentava: y) Las donaciones, herencias, legados y todo otro enriquecimiento a título gratuito y los beneficios alcanzados por la ley de impuesto a los premios de determinados juegos y concursos deportivos.(29) Atualmente derrogado pelo Decreto 1.269/02, Art. 3.(30) Lei 20.628, Art. 88: No serían deducibles, sin distinción de categorías: d) El impuesto de esta ley y cualquier impuesto sobre terrenos baldíos y campos que no se exploten.(31) Decreto 316/95: Art. 9 – El cumplimiento de las obligaciones fiscales omitidas deberá efectuarse mediante el pago de las mismas conforme a las disposiciones siguientes: a) Hasta un ochenta por ciento (80%) mediante la entrega de Bonos de Consolidación en moneda nacional o en dólares estadounidenses y el resto mediante depósito bancario, al contado o en hasta treinta y seis (36) cuotas mensuales, consecutivas e iguales en cuanto al capital a amortizar. Art. 10 – Las obligaciones fiscales cuyos vencimientos se hubieren operado hasta el 31 de diciembre de 1994, inclusive, no comprendidas en el régimen de presentación espontánea previsto en las disposiciones del Tít. I, excepto las indicadas en los incs. a) y b) del art. 2, podrán cumplimentarse conforme a las disposiciones siguientes: a) Hasta un sesenta por ciento (60%) mediante la entrega de Bonos de Consolidación en moneda nacional o en dólares estadounidenses y el resto mediante depósito bancario, al contado o en hasta treinta y seis (36) cuotas mensuales, consecutivas e iguales en cuanto al capital a amortizar. Art. 15 – El ingreso de los importes correspondientes a los conceptos indicados en el presente régimen deberá ser efectuado mediante depó-sito bancario y la entrega de Bonos de Consolidación, según el caso, no aceptándose otra forma de pago que la mencionada. A los fines del presente decreto, cuando proceda su utilización, los Bonos de Consolidación se considerarán por su valor nominal.

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Ainda no sentido de afastar o caráter remissivo do texto analisado, a Corte destacou que o instrumento legal em questão, Decreto do Poder Executivo Nacional, fora instituído de acordo com as faculdades delegadas pelo Poder Legislativo. Acatando o Princípio Constitucional da Legalidade, observa-se que é de exclusiva responsabilidade do Congresso Nacional a criação de leis que perdoem ou reduzam dívidas tributárias. No caso sob análise, se estava diante de uma clara situação de dele-gação legislativa, onde fora facultado ao Poder Executivo eximir, total ou parcialmente, as obrigações acessórias e sanções; bem como estimular o pagamento antecipado de tributos ou instituir planos de parcelamento de débitos pendentes. Sendo de competência exclusiva do Parlamento beneficiar os con-tribuintes com indultos de qualquer natureza32, concluiu-se no sentido de afastar, categoricamente, o alegado caráter remissivo do Decreto 316/95.

O ganho de capital auferido pela empresa ao computar-se o valor nominal dos títulos em ques-tão, maior do que o preço pago por estes no mercado, foi entendido pelo julgador de última instância como um acréscimo patrimonial alcançado pelo disposto pelo Artigo 2º, inciso 2 da Lei do Imposto de Renda33. Segundo o entendimento da Corte, o texto legal que disciplina a cobrança de imposto sobre a renda consagra, no artigo antes citado, a chamada Teoria da “Renda Acréscimo Patrimonial”34. A análise da realidade econômica do caso em tela comprova que se estava diante de um rendimento real e efetivo obtido pelo contribuinte.

Uma vez estabelecido que a diferença entre o valor de entrega e de aquisição dos títulos constituiu em rendimento sujeito à incidência do gravame, o exame por parte da Corte centrou-se em determinar se a renda representava, ou não, um enriquecimento a título gratuito. Desta definição dependeria a isenção do tributo.

Analisando o tema relativo às isenções tributárias, a Suprema Corte reiterou a argumentação no sentido de que, em tais situações, mostra-se imprescindível estar diante da inequívoca intenção do legislador em isentar o contribuinte da exação. Ademais, argumentou no sentido de que a interpreta-ção das isenções deve ser realizada considerando o contexto global da lei e sua finalidade. Recordou, novamente, que a primeira regra de interpretação é dar pleno efeito à intenção do legislador.

Na construção de seu raciocínio, o Máximo Tribunal foi buscar nos antecedentes históricos da tributação sobre a renda os elementos necessários para dirimir a lide. Inicialmente, a lei 20.628 - Ley de Impuesto a las Ganancias - incluía na base de cálculo do tributo apenas os valores originados a par-tir do enriquecimento a título oneroso, enquanto que os demais tipos de rendimentos eram gravados por norma específica, lei 20.632. Este último tributo foi derrogado pela lei 21.282. Posteriormente, a publicação da lei 21.286 veio a modificar o conceito de renda gravada do artigo 2º inciso 2 da nor-ma que disciplina a cobrança do imposto sobre a renda, consagrando a teoria da Renda Acréscimo Patrimonial e introduzindo no ordenamento jurídico a isenção em questão. Em síntese, a construção histórica ocorreu da seguinte forma: primeiro, com a derrogação do imposto específico que gravava as rendas obtidas de forma não onerosa. Em um segundo momento, o conceito de renda no texto da Ley de Impuesto a las Ganancias foi ampliado, incluindo também os rendimentos auferidos de forma não onerosa. Ao mesmo tempo foi incluída a isenção sobre rendas desta natureza no já citado artigo 20 inciso “y” da lei.

Tal desenvolvimento normativo, de acordo com o entendimento dos eméritos julgadores, re-dundou na exclusão dos rendimentos obtidos de forma não onerosa do âmbito de incidência da tribu-tação sobre a renda. A isenção em questão se aplicaria às mesmas situações anteriormente contem-pladas pela então derrogada lei 20.632.

Voltando a apreciar os argumentos esgrimidos pela recorrente, a Suprema Corte entendeu que a autora apenas foi capaz de obter o rendimento que motiva o embate argumentativo pelo fato de ter sido incluída no regime de facilidades instituído pelo Decreto 316/95. Desta maneira, a recorrente

(32) Constituição Nacional. Art. 75 inc 20: Corresponde al Congreso : ... conceder amnistías generales.(33) Art. 2° - A los efectos de esta ley son ganancias, sin perjuicio de lo dispuesto especialmente en cada categoría y aun cuando no se indiquen en ellas: ... 2) Los rendimientos, rentas, beneficios o enriquecimientos que cumplan o no las condiciones del apartado anterior, obtenidos por los responsables incluidos en el artículo 69 y todos los que deriven de las demás sociedades o de empresas o explotaciones unipersonales, salvo que, no tratándose de los contribuyentes comprendidos en el artículo 69, se desarrollaran actividades indicadas en los incisos f) y g) del artícu-lo 79 y las mismas no se complementaran con una explotación comercial, en cuyo caso será de aplicación lo dispuesto en el apartado anterior.(34) Ver capítulo 1, ponto 14 da presente pesquisa.

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viu-se beneficiada com a possibilidade de regularizar seus débitos dentro das condições previstas pela norma em questão. Segundo os eméritos julgadores, foi o fato de enquadrar-se como um dos sujeitos favorecidos pelo regime de benefícios que ensejou o auferimento da renda que teve sua natureza dis-cutida em recurso. Sendo assim, a Corte concluiu seu entendimento determinando que o rendimento obtido fora gerado como consequência das prestações cumpridas pela recorrente ao ajustar-se ao regime do Decreto 316/95. De tal forma, a renda auferida não podia ser considerada como sendo de natureza não onerosa.

2.3. Acréscimo Patrimonial no Conceito de Renda:

O acórdão35 que passará a ser analisado versa sobre a consideração do critério do acréscimo patrimonial como um dos elementos que compõem o conceito de renda. A decisão trata sobre Recurso Extraordinário conhecido e provido pelo STF que fora interposto em consequência do julgamento de im-procedência de ação ajuizada contra a Fazenda Nacional. Tal ação ordinária tinha como intenção obter a restituição de imposto que, segundo argumentação da recorrente, fora indevidamente cobrado.

A empresa recorrente incorporou a seu capital social, no mês de outubro de 1964, determi-nada importância econômica. Os acionistas pagaram imposto de renda sobre o valor em questão, de acordo com disposição do parágrafo único do artigo 11 da então vigente lei 4154/6236. Na declaração de renda correspondente ao exercício financeiro de 1964, a recorrente incluiu em seu balanço, a título de Lucro Tributável, a parcela incorporada ao capital. Sobre este valor foi também recolhido o imposto correspondente.

Ocorreu que, entre o período de realização do Balanço Geral da sociedade e o momento de apresentação da Declaração de Imposto de Renda, foi editada a lei 4506/64 que, em seu artigo 3837, determinou a cobrança de imposto sobre os lucros distribuídos, sob qualquer título ou forma, salvo determinadas exceções. Apesar da conversão do valor relativo ao Fundo de Reserva em capital não constituir lucro distribuído, a recorrente foi obrigada a efetuar o pagamento do imposto previsto. In-conformada diante de tal situação, interpôs recurso e baseou sua argumentação na tese de que a con-ceituação de renda devia, necessariamente, estar vinculada à ideia de acréscimo de valor pecuniário. Alegou que, pelo fato de não ter sido verificado nenhum aumento ou acrescentamento, o pagamento do tributo foi indevido.

O recurso interposto pela empresa foi improvido. Os julgadores consideraram que o fato gera-dor do imposto de renda tinha se configurado, dado que a autora havia distribuído lucros sob a forma de novas ações, o que promoveu o aumento do capital social. Argumentaram que o fato da distribuição não ter sido realizada em espécie não descaracterizou a operação em questão. A conclusão da análise foi no sentido de afirmar que o caso em tela não se enquadrava na exceção prevista pelo parágrafo 1º do já citado artigo 38 da lei 4506/64, tendo em vista que o montante se configurava como sendo “Fundo de Reserva Não Tributada”, e não “Reserva Tributada em Poder de Pessoa Jurídica”.

A empresa autora, inconformada com a decisão de segunda instância, interpôs Recurso Ex-traordinário afirmando que, mesmo tendo em vista a autorização constitucional para que o legislador instituísse tributo sobre renda e proventos de qualquer natureza, a conceituação de renda, necessaria-mente, envolve a ideia de ganho, de acréscimo. No caso em questão, a distribuição de lucros realizada aos acionistas não significou nenhum acréscimo patrimonial para a empresa. Alegou a autora, ademais, que o mesmo fato gerador estaria sendo tributado três vezes. Primeiramente, fora cobrado imposto sobre a renda dos acionistas, ao ser aplicado o artigo 11 da lei 4154/62. Por outro lado, a sociedade pagou o imposto de renda devido relativo ao período fiscal em questão. Finalmente, a empresa fora obrigada a pagar o tributo novamente, por força da aplicação do artigo 38 da lei 4506/64. A autora

(35) Recurso Extraordinário N 117.887 SP Cia. Antarctica Paulista c União Federal.(36) Lei 4154/62, art. 11. Parágrafo Único. O imposto recolhido na fonte, nos termos deste artigo, será deduzido do que houver de ser pago pela pessoa física beneficiária do rendimento, de acordo com a sua declaração anual cabendo a devolução do excesso, caso a importância recolhida na fonte seja superior ao imposto devido de acordo com a declaração.(37) Lei 4506/64. Art. 38. Além do imposto de que trata o artigo anterior, será cobrado o imposto de 7% (sete por cento) sobre os lucros distri-buídos, sob qualquer título ou forma, exceto os atribuídos ao titular da empresa individual e aos sócios das entidades referidas na letra b do § 1º do artigo 18 da Lei nº 4.154, de 28 de novembro de 1962.§ 1º O disposto neste artigo não se aplica às bonificações em ações novas resultantes de correção monetária do ativo imobilizado, procedida de acordo com a lei, ou de incorporação de lucros ou reservas, nos termos do art. 83 da Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958.

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completou sua exposição afirmando que, tanto a primeira cobrança, correspondente ao acréscimo pa-trimonial obtido pelos acionistas ao receber novas ações; quanto a segunda, pelo aumento de capital social da empresa, foram legítimas. Entretanto, a aplicação do artigo 38 da lei 4506/64 foi completa-mente infundada, dado que, no caso em tela, a distribuição das ações não majorou o patrimônio da sociedade.

Analisando o mérito da questão, o STF iniciou o exame da situação fática considerando a dis-posição da Constituição Federal relativa à incidência de tributos sobre a renda. O artigo 15, inciso IV, da Constituição de 1946, vigente à época da lide, dispunha que era de competência da União “decretar impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza”38. Valendo-se dos ensinamentos da melhor doutrina, os ilustres ministros determinaram que tal definição de renda por parte do legislador infra-constitucional deveria, obrigatoriamente, ater-se à ideia de que renda significa “ganho”, “acréscimo”, “aumento”. No caso em questão, a distribuição dos lucros aos acionistas não havia gerado nenhum acréscimo patrimonial à recorrente. Se algum tributo pudesse ter incidido sobre a operação em ques-tão, a exigência deveria recair sobre as pessoas dos acionistas, jamais sobre a sociedade, pois esta não obtivera nenhuma espécie de ganho com a distribuição das ações. Desta sorte, não restaram dúvidas no sentido de determinar que a decisão de segunda instância havia violado a Constituição Federal.

Examinando os argumentos esgrimidos pela recorrente no sentido de alegar a inconstituciona-lidade do artigo 38 da lei 4506/64, os ilustres julgadores salientaram, novamente, que o texto cons-titucional em vigor à época da lide não trazia definição acabada de renda, facultando ao legislador ordinário a tarefa de elaborar esta conceituação. A regulamentação infraconstitucional da matéria surgiu apenas com a promulgação da lei 5172/66 – Código Tributário Nacional – vigente a partir de 01 de janeiro de 1967. Portanto, o CTN não fazia parte do ordenamento jurídico brasileiro quando da promulgação e aplicação da lei 4506/64 ao caso sob julgamento. Mesmo fazendo esta ressalva, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o legislador não poderia ter definido renda ou proventos sem considerar e incluir dentro da conceituação a ideia de acréscimo patrimonial. Reiterando os argumen-tos que afirmaram que a distribuição dos lucros que enseja a lide não representou acrescentamento patrimonial de nenhuma natureza para a empresa recorrente, o STF finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário declarando a inconstitucionalidade do dispositivo legal em questão.

2.4. IRPJ e CSLL:

Este Recurso Extraordinário39, interposto em março de 2008, atualmente tramita no Supremo Tribunal Federal e trata da questão relativa à possibilidade de ser realizada dedução do valor corres-pondente à Contribuição Social sobre o Lucro líquido – CSLL – da base de cálculo do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das Pessoas Jurídicas- IRPJ.

A decisão que ensejou a interposição do recurso em questão - acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região - defendeu a legalidade do artigo 1º da Lei 9316/9640, norma que alterou a legislação relativa ao Imposto de Renda e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. A recorrente argumenta no sentido de que tal dispositivo de lei afronta os artigos 145 § 1º41, 146 III “a”42 e 153 III43, todos da Constituição Federal de 1988.

Após a decisão preliminar da Corte no sentido de reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, o relator, Ministro Joaquim BARBOSA, analisou o recurso e negou-lhe provimento. O ilustre ministro iniciou seu voto afastando a argumentação da recorrente

(38) Constituição Federal 1946. Artigo 15: Compete à União decretar impostos sobre: ... IV – Renda e proventos de qualquer natureza.(39) RE N 582525 SP Santander S.A. c União Federal.(40) Lei 9316/96 Art. 1º O valor da contribuição social sobre o lucro líquido não poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real, nem de sua própria base de cálculo. Parágrafo Único: Os valores da contribuição social a que se refere este artigo, registrados como custo ou despesa, deverão ser adicionados ao lucro líquido do respectivo período de apuração para efeito de determinação do lucro real e de sua própria base de cálculo.(41) Art. 145 § 1º CF/88: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do con-tribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.(42) Art. 146 CF/88: Cabe à lei complementar ...III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: ... a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.(43) Art. 153 CF/88: Compete à União instituir impostos sobre: ... III - renda e proventos de qualquer natureza.

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no sentido de que o conceito constitucional de renda teria sido violado pela decisão do tribunal de segunda instância. Afirmou que a Carta Magna não traz em seu texto um conceito expresso de renda ou proventos, apesar de permitir que tais elementos sejam tributados. Por outro lado, asseverou que não existe um sentido universal ou absoluto de renda, de tal sorte que o legislador complementar ou ordinário não poderia tê-lo violado. O Ministro definiu a ideia de que renda pode ser considerada como um “objeto cultural”.

No mesmo sentido, avaliou que o conceito de renda poderia ser definido tomando como base influências provenientes do sistema jurídico como um todo, assim como de outros sistemas que, em certa medida, mantêm relações com a Ciência do Direito, como é o caso do Sistema Econômico e o Contábil. O Excelentíssimo relator continuou sua exposição considerando alguns aspectos no sentido de definir a base de cálculo possível do Imposto sobre a Renda. De acordo com a análise do Ministro, para examinar o Recurso Extraordinário em questão seria suficiente apreciar quatro elementos que definiriam a base de cálculo do tributo. São eles: a) Acréscimo Patrimonial. b) Ingressos. c) Saídas e, finalmente, d) Determinado Período de Tempo. Em síntese, a conceituação de renda elaborada pelo ilustre julgador pode ser resumida da seguinte forma: “Entende-se renda como sendo o acréscimo pa-trimonial resultante do cômputo de certos ingressos e de certas saídas ao longo de um certo período de tempo”. Concluindo a primeira parte de seu voto, afirmou que esses critérios poderiam ser deduzidos das normas gerais em matéria tributária, a partir da leitura e interpretação dos artigos 4344 e 4445 do Código Tributário Nacional.

O Excelentíssimo Ministro seguiu sua explanação argumentando no sentido de que o valor devido a título de CSLL não poderia ser dedutível, dado que não deveria ser considerado como despe-sa operacional. Ressaltou o fato de que, para ser considerada despesa necessária, ou operacional, é necessário que o gasto em questão esteja vinculado à atividade empresarial. Sendo, na ilustre opinião do Ministro Relator, a CSLL uma parcela do lucro auferido pelo contribuinte destinada, por força de lei, aos cofres públicos, não consiste em despesa necessária ou operacional à realização da operação ou negócio que, posteriormente, acabará gerando renda. Neste sentido, frisou que a incidência de IRPJ e de CSLL são pressupostos das operações empresariais que, por sua vez, são a base dos fatos jurídicos tributados. Conclui o Relator no sentido de deixar claro que “tributo não pode ser considerado como insumo da cadeia produtiva”.

Aprofundando o exame das alegações da recorrente, o Ministro rejeitou o argumento de que a proibição da dedução do valor da CSLL da base de cálculo do IRPJ implicaria em tomar um montante que não corresponde à renda para efetuar o cálculo do tributo. Analisando o processo de formação da renda, o eminente julgador defendeu a ideia de que o fato do acréscimo patrimonial ou do saldo positivo terem sido consumidos, ou não, antes ou depois da apuração; assim como a circunstância de parte da renda tornar-se vinculada a uma obrigação determinada, de forma a fixar destinação especí-fica para o valor, mostram-se irrelevantes.

Salientou, ademais, que a incidência do tributo ocorre no momento em que for verificada a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou dos proventos, sem considerar a des-tinação posterior destes valores. Ilustrando o caso em tela, o eminente julgador dividiu-o em dois mo-mentos: inicialmente, o contribuinte recebe um fluxo de novas riquezas que, após realizada a devida apuração, vão representar, ou não, renda. Posteriormente, uma vez confirmada a existência de lucro real, e observada a incidência do IRPJ e da CSLL, parte do montante dessa renda terá como destino saldar as obrigações com o Fisco. O Ministro esclarece que não deixará de haver renda ou lucro se, entre estes dois momentos, o contribuinte der alguma destinação aos valores em questão. Neste senti-do, completou o raciocínio afirmando que não se estaria diante de uma hipótese de dupla tributação, tendo em vista que o valor que deverá ser pago a título de CSLL não deixa de configurar-se como lucro real para o contribuinte, independente da destinação posterior que lhe seja dada.

(44) Código Tributário Nacional, artigo 43: O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combina-ção de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior ...(45) CTN, artigo 44: A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.

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Passando a examinar a alegação de ofensa à reserva de lei complementar para dispor sobre normas gerais em matéria de Imposto de Renda – artigo 146, III, a, CF/88 – o Relator argumentou no sentido de que os artigos 43 e 44 do CTN não estabelecem um entendimento em relação ao que é o chamado lucro real nem tampouco conceituam renda, dentro da extensão pretendida pelo recorrente. Continuou seu raciocínio afirmando que a análise dos artigos em questão não viabiliza a identificação dos valores pagos a título de CSLL como sendo despesas operacionais ou necessárias à atividade em-presarial, de tal forma não se torna obrigatório seu cômputo na apuração do IRPJ.

O voto do Ministro Relator também afastou a alegada afronta ao Princípio da Capacidade Con-tributiva – artigo 145 § 1º CF/88 – dado que, na opinião do emérito julgador, a vedação da dedução do valor da CSLL no cálculo do IRPJ não tem como consequência a tributação de qualquer outra grandeza que não seja a renda. Argumentou no sentido de que o valor pago a título de CSLL representa renda para o contribuinte, mesmo não sendo destinado à extinção do crédito tributário. De tal sorte, pode ser incluído no cálculo da obrigação tributária referente ao IRPJ. Salientou que a impossibilidade de dedução no caso em tela não torna a carga tributária demasiadamente pesada ou desproporcional para a empresa, não significando uma punição para a atividade econômica. O Relator finalizou seu voto declarando a improcedência da alegação de desrespeito à regra da anterioridade, argumento também defendido pelo recorrente. Por não se tratar do tema de análise desta pesquisa, esta última parte do voto não será analisada.

Divergindo do Relator, o Ministro Marco Aurélio MELLO deu provimento ao recurso. Inicial-mente, o ilustre julgador apontou vício formal relativo à publicação da lei 9316/96, argumentando no sentido de que tal inovação, em virtude da matéria tratada, deveria ter sido introduzida no ordena-mento jurídico por meio de lei complementar que alterasse o CTN, mais especificamente seu artigo 43. Afirmou que, mesmo superado o que, em sua opinião, configurou-se como vício, não se estaria diante de um novo elemento que se enquadrasse dentro do espectro constitucional do tributo. Isso porque o julgador considera a CSLL como um ônus para o contribuinte e não como uma vantagem. Alegou que, dentro desta circunstância, torna-se impossível entender que algo possa ser considerado, ao mesmo tempo, encargo e renda. Concluiu sua exposição no sentido de avaliar como inconcebível o aumento da capacidade econômica do contribuinte para que este venha a arcar com a incidência do tributo, especificamente do imposto de renda.

Após o voto do relator, Ministro Joaquim BARBOSA, e a divergência do Ministro Marco Aurélio MELLO, o Ministro Teori ZAVASCKI acompanhou o voto do primeiro acrescentando que a CSLL é parte do lucro real reservada para o custeio da seguridade social e não se trata de despesa operacional. No mesmo sentido, declarou que não houve violação ao artigo 146 III “a” da Constituição Federal de 1988 por não ter a lei 9316/96 alterado a abrangência do conceito de renda estabelecido nos artigos 43 e 44 do CTN. A Ministra Rosa WEBER também acompanhou o voto do relator, negando provimento ao Recurso Extraordinário.

Outro a manifestar-se favoravelmente ao voto do relator foi o Ministro Luiz FUX. Em sua expla-nação, destacou que a jurisprudência do STF presume legítima a tributação sempre que houver previ-são legal e ausência de limitação constitucional do poder de tributar. Agregou que a egrégia corte já havia consagrado a possibilidade de incidência de tributo sobre tributo no sistema jurídico brasileiro. No mesmo sentido, declarou que o STF oportunamente decidiu que a CSLL é constitucional. Salientou que o fato da lei 9316/96 não permitir a exclusão da base de cálculo do IRPJ da CSLL não significa criação de tributo, mas sim uma complementação por parte do legislador ordinário à impossibilidade de se fazer deduções.

Também negando provimento ao recurso, o Ministro DIAS TOFFOLI argumentou que o IRPJ e a CSLL não poderiam ser deduzidos por fazerem parte do lucro real auferido pelo contribuinte. Disse que a lei 9316/96 não criou, elevou ou extinguiu a exação, apenas explicitou o que já havia sido disposto pela norma criadora da CSLL. No mesmo sentido, declarou não observar inconstitucionalidade no ar-tigo 1º da lei 9316/96 considerando a inexistência de um conceito unívoco de renda e que a CF/1988 tampouco a define. Concluiu afirmando que, a efeitos de apurar o IRPJ, a CSLL não se trata de despesa operacional, correspondendo a parcela do lucro do contribuinte. A Ministra Carmem Lúcia e o Ministro Ricardo Lewandowski também acompanharam o voto do relator.

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Conclusão

No estudo do Direito, o exercício ao recurso do Direito Comparado mostra-se de grande utili-dade quando se tem por objetivo detectar semelhanças e diferenças entre dois ou mais ordenamentos jurídicos diversos. A análise comparativa dos sistemas jurídicos contribui com o desenvolvimento de uma consciência crítica por parte dos operadores do Direito. Este fenômeno faz com que, ao examinar sua própria legislação, sejam elaborados questionamentos e, até mesmo, surjam certas perplexida-des ao comparar diferentes institutos jurídicos. As singularidades do Direito Positivo interno de cada Estado, muitas vezes, apenas são detectadas por meio do uso das ferramentas fornecidas pelo Direito Comparado.

Em se tratando do estudo realizado acerca do sistema tributário das duas maiores economias do MERCOSUL a partir do exame da legislação tributária relativa ao Imposto de Renda, mais especifica-mente da conceituação de renda, destaca-se como importante aspecto de diferenciação o fato de que o sistema tributário brasileiro se caracteriza por possuir um status constitucional, o que não se verifica no ordenamento jurídico argentino.

Esta particularidade, como já fora explanado oportunamente nesta pesquisa, é um fator que contribui com o entorpecimento do processo de harmonização das legislações tributárias entre os membros do bloco econômico. Isso ocorre porque realizar modificações ou reformas de vulto na legis-lação tributária brasileira significa, inexoravelmente, promover alterações na Constituição Federal. Cabe destacar que os procedimentos legislativos de modificação constitucional sempre são menos ágeis do que os necessários para alterar a legislação ordinária.

No que diz respeito à criação e efetiva cobrança do imposto de renda na Argentina e no Bra-sil, ressalta-se que ambos países instituíram a tributação sobre a renda no mesmo período histórico e após diversas tentativas prévias por parte do Poder Executivo. Outro ponto de comparação entre o desenvolvimento histórico da imposição de tributo sobre a renda em ambas as nações é o fato de que, ao longo dos anos, as legislações relativas ao tributo sofreram inúmeras alterações e sempre se caracterizaram por um marcado dinamismo. Estas modificações foram sempre no sentido de ampliar o conceito de renda, para assim atender a crescente voracidade fiscal dos Estados.

Abordando mais especificamente a problemática da conceituação de renda dentro do siste-ma tributário argentino e brasileiro, observa-se que o conceito de renda existente, tanto nos textos normativos de ambos os países quanto na jurisprudência analisada, deriva das mesmas fontes doutri-nárias. Ao ver-se diante de situações práticas que os colocam diante da problemática de definir o que é renda, legisladores e demais operadores do Direito recorrem aos conceitos propostos e consagrados pela doutrina.

Entre as diferentes teorias apresentadas e analisadas na primeira parte desta pesquisa, quan-do foram examinados os aspectos teóricos do conceito de renda, pode-se afirmar que o que se encon-tra cristalizado nos textos legais que disciplinam a cobrança de imposto cobrado pela renda auferida por pessoas jurídicas, tanto na Argentina quanto no Brasil, é a aplicação da chamada Teoria da Renda Acréscimo Patrimonial. Como já fora analisado neste mesmo trabalho, este entendimento acerca do conceito de renda caracteriza-se por sua marcada abrangência ao determinar que todo e qualquer aumento de patrimônio verificado ao longo de determinado período deve ser considerado rendimento.

A partir da análise realizada nesta pesquisa, pode-se considerar que a criação, normatização, interpretação e aplicação, por parte dos tribunais constitucionais, dos preceitos que regulam a im-posição de tributo sobre a renda auferida pelas pessoas jurídicas submetidas às legislações argentina e brasileira guardam mais semelhanças do que diferenças. Sob este aspecto, cabe ressaltar que a almejada harmonização das legislações tributárias, presente desde os primeiros esforços no sentido de promover integração regional, é uma tarefa a ser realizada, principalmente, pelos detentores do poder político e nem tanto pelos operadores do Direito.

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Considerações sobre a Transferência do Risco na Convenção de Viena de 1980

Maria Carolina Guarienti Pinto1

RESUMO

A recente submissão do Brasil à Convenção de Viena de 1980 sobre a compra e venda internacional de mercadorias impõe a incorporação de suas normas ao ordenamento jurídico interno, devendo adaptar-se o sistema brasileiro às disposições da Conven-ção, quando tratar-se a relação jurídica de um contrato internacional de compra e venda de mercadorias. Saber a quem recai o risco de eventuais danos ou mesmo a perda dos produtos durante toda a execução do contrato é de extrema relevância para que seja garantida sua máxima efetividade, bem como a segurança jurídica na compra e venda. Por isso, a Convenção de Viena detém-se a impor o risco à deter-minada parte, de acordo com a situação originada pelo contrato, de acordo com o princípio da Boa-Fé objetiva. No Brasil, apesar da brevidade do Código Civil ao tratar sobre o tema, bem como de divergências conceituais a determinar a transferência ou não do risco, o referido diploma também baseia-se na boa-fé, de forma a reduzir a relevância das disparidades entre os dois textos, o que deverá diminuir a dificuldade em sua aproximação e na recepção das normas convencionais pelo Brasil.

PALAVRAS-CHAVE

Convenção de Viena. Risco. Transferência.

ABSTRACT

The recent submission of Brazil to the Vienna Convention of 1980 on the internatio-nal sale of goods requires the incorporation of their standards by the domestic legal system, the Brazilian system must adapt itself to the provisions of the Convention, when the legal relationship is an international agreement of purchase and sale of goods. Knowing who bears the risk of any damage or even loss of the products throu-ghout the execution of the contract is extremely important to guarantee their maxi-mum effectiveness and legal certainty in buying and selling. Therefore, the Vienna Convention imposes the risk to a certain party, according to the situation arising out of the contract, in accordance with the principle of objective good faith. In Brazil, despite the brevity of the Civil Code when dealing on the issue, as well as conceptual differences to determine whether or not the risk passes, that diploma is also based on good faith, so as to reduce the significance of differences between the two texts, which should ease the difficulties in their approach and in receipt of conventional norms by Brazil.

KEY-WORDS

Vienna Convention. Risk. Passing.

(1) Especialista em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

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Introdução

Dentre as relações humanas, as relações comerciais têm grande importância, contribuindo de forma decisiva para o desenvolvimento da sociedade e circulação da economia.

O contrato de compra e venda, o mais frequente em tais situações, é considerado pela dou-trina como o mais importante dos contratos, motivo pelo qual é aqui estudado, conforme preceitua Silvio de Salvo Venosa: “Em singela síntese, a compra e venda pode ser definida como a troca de uma coisa por dinheiro. Nesse contexto, cumpre fixar que inexiste na sociedade moderna contrato mais importante e mais utilizado”2.

As formas de negociação e execução da compra e venda vêm sofrendo adaptações com o de-correr dos anos e com a evolução da sociedade, moldando-se à realidade e às necessidades de cada sujeito e de cada época.

Assim, com o advento da tecnologia, as relações contratuais de compra e venda interna-cional – aquelas que apresentam o chamado “elemento de estraneidade” – tornam-se cada vez mais presentes em nosso contexto social. Da mesma forma, quanto mais comuns tais transações maiores as chances de eventuais divergências entre os contratantes, aumentando portanto a necessidade de amparo jurídico para estas questões.

Considerando-se o referido elemento de estraneidade, não raro os diplomas legais internos dos países de origem das partes não se prestam a dirimir o problema, dados os limites de aplicabilida-de de leis domésticas no cenário internacional, bem como os limites impostos pelos próprios países à aplicação de leis estrangeiras em seu território.

Em razão de tal lacuna, surgiram os acordos e órgãos internacionais, encarregados de promo-ver, tanto quanto possível, uma uniformização das normas utilizáveis em contratos internacionais de compra e venda mercantil, a exemplo das INCOTERMS, adiante analisadas.

Entretanto, tais normas não possuíam caráter vinculativo aos países e entidades que a eles se submetessem, consistindo sim em propostas de diretrizes a serem analisadas para facilitar a resolução dos problemas, quando estes ocorressem.

Daí a relevância do presente tema, a Convenção de Viena de 1980 sobre a venda internacional de mercadorias, por tratar-se de acordo internacional recepcionado pelo ordenamento jurídico inter-no dos Estados assinantes, dentre os quais o Brasil recentemente se enquadrou.

A Convenção de Viena preocupa-se, em seus artigos 66 a 70, em determinar de forma unifi-cada entre seus adeptos a transferência do risco sobre as mercadorias submetidas à compra e venda internacional, questão deveras relevante, inclusive por ser capaz de inspirar maior segurança jurídica.

O instituto do risco e, portanto, a determinação do momento de sua transferência, aponta a quem tocará a responsabilidade (sobretudo financeira) sobre a mercadoria em caso de extravio, dete-rioração ou qualquer outra situação adversa à qual possa acabar submetida.3

Em virtude da recente incorporação pelo Brasil das normas convencionais, em vigor desde o dia 1º de abril de 2014, é que analisamos suas disposições concernentes à transferência do risco, de modo a averiguar se o Código Civil brasileiro encontra-se apto a receber tais regras, ou se um processo de adaptação, tanto da lei pátria quanto dos juristas, se fará necessário.

(2) VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 25.(3) Aproximando-se da noção de caso fortuito ou força maior, instituídas pelo Código Civil de 2002.

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1. Compra e Venda e Comércio Internacional

1.1. A Compra e Venda e os “Riscos” no Âmbito Internacional

O risco concernente aos contratos de compra e venda é tema complexo. Não apenas a defi-nição do risco por si só, como também, levando-se em conta o ordenamento jurídico brasileiro, sua incidência a respeito das partes envolvidas na relação contratual.

Um contrato de compra e venda vincula duas partes em um sinalagma: o vendedor, o qual obriga-se a transferir a propriedade do objeto do contrato e o comprador, obrigado a pagar o preço acordado pelo bem como contraprestação. Neste sentido, Araken de Assis, Ronaldo Alves de Andrade e Francisco Glauber Pessoa Alves: “Note-se que as obrigações são recíprocas, residindo aí a bilateralidade do contrato, onde a obrigação de uma das partes é a causa da obrigação da outra”.4

A noção da bilateralidade do contrato de compra e venda será essencial mais adiante, no estudo da quebra do contrato por uma das partes.

A questão do risco inerente aos contratos de compra e venda apresenta-se na possibilidade de perda, perecimento ou avaria do bem antes do adimplemento das obrigações.

Risco, portanto, é a possibilidade de ocorrerem danos ao objeto antes que se conclua o con-trato, antes que as obrigações de ambas as partes estejam quitadas. Não o dano em si, mas sim a mera possibilidade de sua implementação.

Resta determinar sobre qual das partes recairá o risco, caso os danos venham de fato a ocorrer.

Observando-se o sistema brasileiro5, nota-se que, resguardadas as raras exceções, o risco nor-malmente recai sobre o devedor, eis que até o cumprimento do contrato é ele o proprietário do objeto.

Esta determinação faz-se adequada ao sistema brasileiro, eis que, para nós, o contrato de compra e venda “(...) produz, como regra geral, unicamente a obrigação de o vendedor entregar a coisa ao comprador”.6

O Direito brasileiro adotou como fator capaz de determinar a transferência da propriedade a tradição, herdada do Direito Romano7. A entrega do bem, desta forma, é o que marca a transferência da coisa do patrimônio do vendedor ao do comprador.

Deste modo, para regular o risco sobre as mercadorias, o sistema pátrio também valeu-se de herança romana:

O art. 492 (antigo, art. 1.127) coroa o princípio, já presente nas obrigações de coisa certa, da res perit domino: ‘até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador’.8

A transferência do risco no Brasil, portanto, vem atrelada à transferência da propriedade.

Esta singela solução oferecida pelo Código Civil pátrio, entretanto, é potencialmente causa-dora de desequilíbrios na relação, podendo onerar demasiadamente o vendedor, especialmente em casos de contratos cuja natureza exija que a execução se estenda no tempo.

(4) ASSIS, Araken de; ANDRADE, Ronaldo Alves de; ALVES, Francisco Glauber Pessoa. Comentários ao Código Civil Brasileiro, v. 5: do direito das obrigações. Coordenadores: Arruda Alvim e Thereza Alvim. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 741.

(5) Artigos 481 ao 532 do Código Civil Brasileiro. (VADE MECUM. Organização: Nylson Paim de Abreu Filho. 10. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014).

(6) VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 26.(7) Sobre a compra e venda no Direito Romano, ver: ARGUELLO, Luis Rodolfo. Manual de derecho romano. 3. ed. Buenos Aires: Astrea, 1992,

p. 297 e ss. (8) VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 53.

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Apontam ainda Araken de Assis, Ronaldo Alves de Andrade e Francisco Glauber Pessoa Alves9, citando Orlando Gomes, que, em nosso sistema, da mesma forma que ocorre com a Convenção de Viena, as partes têm plena liberalidade para disporem das regras acerca da transferência do risco (e ao mesmo tempo, da propriedade, no Brasil) conforme melhor lhes convier. As regras do Código Civil aplicar-se-ão, portanto, em caso de silêncio contratual sobre o tema.

Ocorre que, tratando-se de contratos internacionais de compra e venda de mercadorias, os quais normalmente envolvem o transporte das referidas mercadorias entre um Estado e outro, o risco é mais evidente, dado o maior período de tempo necessário para que ambas as obrigações sejam devi-damente quitadas e a frequente exposição das mercadorias a situações adversas.

Diretamente proporcional à presença do risco na relação é a importância da definição de qual das partes deverá suportar eventuais danos que a carga possa sofrer, em outras palavras a qual dos contratantes tocará o risco da operação de compra e venda internacional.

Considerando-se ainda o cenário internacional, deparamo-nos com outro impasse: qual será o sistema jurídico a apontar a quem caberá o risco?

1.2 A Transferência do Risco e a sua Regulamentação nos Incoterms

A prática comercial consagrou como diretrizes ao longo dos anos os chamados International Commercial Terms (Incoterms), ou Termos Internacionais do Comércio, em português.

Sua organização é realizada pela Câmara Internacional do Comércio (CCI), a qual, desde 1936, busca reunir as condições utilizadas pelos comerciantes internacionais a respeito do risco, objetivando conferir maior uniformidade e segurança a tais relações.

A evolução da tecnologia veio facilitar e agilizar a comunicação entre longas distâncias, bem como trazer meios mais ágeis e seguros de transporte de mercadorias. O conteúdo dos Incoterms, por-tanto, tratando-se de resultado da prática reiterada entre comerciantes, acaba por sofrer adaptações, de forma a receber tais adventos tecnológicos e costumeiros, ensejando sua revisão periódica pela CCI, de forma a mantê-las sempre atualizadas e garantir sua máxima utilidade.

Sua última alteração data de 2010, tendo entrado em vigor no dia 1o de janeiro de 2011, sendo referida pela doutrina como os “Novos Incoterms”.

O sistema, assim, convenciona determinadas siglas, as quais referem-se às condições em que o con-trato deverá ser cumprido por ambas as partes, estabelecendo regras concernentes ao risco anteriormente referido, como por exemplo forma e local de entrega das mercadorias e inclusive determinando o momento em que o risco sobre a carga transfere-se do vendedor para o comprador (eis que a maior parte dos contratos internacionais de compra e venda envolvem o transporte das mercadorias, normalmente realizado por via marítima), variando tal momento de acordo com a sigla contemplada no contrato, a cargo das partes.

Percebemos acentuada discrepância entre o sistema dos Incoterms e o sistema brasileiro quanto às obrigações das partes no contrato de compra e venda, apesar de aplicarem-se em situações diferentes – os Incoterms devem ser expressas no contrato, enquanto que as leis brasileiras aplicam-se caso não haja cláusula contratual em contrário.

Enquanto os Incoterms apresentam grande flexibilidade, adaptando-se facilmente tanto às mais variadas naturezas de contratos de compra e venda quanto à vontade e conveniência das partes, o Código Civil brasileiro apresenta normas consideravelmente mais sucintas e rígidas.

Conforme coloca Fábio Ulhoa Coelho, a lei pátria coloca como obrigações do vendedor “Além de sua obrigação principal de transferir o domínio da coisa, o vendedor tem mais quatro: arcar com as despesas da tradição e com os débitos que gravem a coisa, bem como responder por vícios ocultos

(9) GOMES, Orlando, apud ASSIS, Araken de; ANDRADE, Ronaldo Alves de; ALVES, Francisco Glauber Pessoa. Comentários ao Código Civil Brasileiro, v. 5: do direito das obrigações. Coordenadores: Arruda Alvim e Thereza Alvim. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 765.

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e evicção”.10

Já ao comprador cabem duas obrigações: “a de pagar em dinheiro o preço contratado e a de arcar com as despesas da escritura e registro”.11

Os encargos do vendedor, em um contrato de compra e venda doméstico, geram, sem dúvida, maior onerosidade e dispêndio de recursos e de esforços do que as obrigações do comprador, ao con-trário do sistema convencional, o qual busca o equilíbrio entre ambos os contratantes e atribui o risco à parte em melhores condições de arcar com tal responsabilidade, conforme veremos.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa,

A CCI divide os Incoterms em quatro grupos básicos: E-terms, que são os que iniciam com a vogal E e geram a menor obrigação ao vendedor; F-terms são os que dão ao vendedor a obrigação de entregar o produto a um transportador indicado e custeado pelo comprador, pelo qual se responsabiliza; os C-ter-ms, nos quais o vendedor tem a maior obrigação, ou seja, entregar o produto custeando o transportador e responsabilizando-se por ele; e os D-terms, que representam cláusulas de maior responsabilidade do vendedor.12

Desta forma, consagrando-se no contrato internacional de compra e venda a sigla EXW, os comerciantes remetem à aplicação da cláusula chamada “Ex Works”, a qual determina a extinção da responsabilidade do vendedor uma vez que as mercadorias sejam disponibilizadas ao comprador no domicílio do primeiro, não havendo mais quaisquer obrigações exigíveis do vendedor, tais como em-barque dos produtos e desembaraço para exportação.13

A sigla FCA refere-se à cláusula Free Carrier: as obrigações do vendedor consideram-se cum-pridas na entrega das mercadorias, já desembaraçadas, ao comprador, pessoa por ele apontada ou ao transportador.

Segundo a cláusula Free Alongside Ship (FAZ) –, o vendedor exime-se da responsabilidade sobre eventuais danos, perda ou deterioração ao entregar a carga ao lado do navio onde será transpor-tada, também já desembaraçada a suas expensas e apta a exportação.14

Free On Board (FOB) – indica a transferência do risco quando da entrega e embarque das mer-cadorias no navio e porto indicados pelo comprador, naturalmente já desembaraçada.15

Note-se que, determinadas contratualmente as condições da sigla CFR, Cost and Freight, a qual constitui-se em uma espécie de complementação da cláusula FOB, por abranger suas normas, adicionam-se às obrigações do vendedor as despesas com o frete e demais operações inerentes ao transporte do objeto do contrato até o porto apontado pelo comprador, caso encontre-se distante do referido porto.16

Da mesma forma, abrangendo as disposições da cláusula FOB, impondo ainda outras obriga-ções ao vendedor, há a cláusula Cost, Insurance and Freight (CIF), que coloca como responsabilidade do vendedor, além do desembaraço e embarque da mercadoria comercializada, o frete e o seguro dos produtos, até sua chegada ao porto de destino.17

O contrato de compra e venda pode ainda apontar como dever do vendedor arcar com a contratação e pagamento do frete e demais despesas relativas ao transporte dos produtos até o local previamente acordado, tratando-se esta da sigla CPT Carriage Paid To –, a qual, semelhante às duas predecessoras, vem ampliar o rol de obrigações impostas ao vendedor pela cláusula FCA, já referida,

(10) COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 167.(11) COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 170.(12) VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 72.(13) De acordo com a Resolução n. 21 de 7 de abril de 2011, a qual recepcionou as INCOTERMS de 2010 no âmbito brasileiro, em caso de cláu-

sula EXW, tratando-se de contrato que acarrete exportação por parte do comerciante brasileiro, este deverá arcar com o desembaraço da mercadoria, uma vez que o estrangeiro não possui condições práticas de realizá-lo por si próprio.

(14) Observe-se a aplicação de tal sigla apenas em contratos que envolvam transporte na forma aquaviária, marítima ou fluvial.(15) Utilizável apenas em transporte aquaviário.(16) Utilizável apenas para contratos que envolvam transporte aquaviário de mercadorias.(17) Utilizável apenas para contratos que envolvam transporte aquaviário de mercadorias.

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bem como a sigla CPT Carriage and Insurance Paid To, que vem como complemento da FCA e da pró-pria CPT, no sentido de, além do já estudado, responsabilizar o vendedor também pelo seguro sobre a carga transportada.

Já a sigla DAT, abreviação de Delivered At Terminal, coloca como momento de transferência do risco sobre os produtos comercializados aquele em que o vendedor os coloca à disposição do com-prador em data ou prazo e local previamente estipulados pelas partes, descarregados, porém sem obrigatoriedade do vendedor quanto ao desembaraço.

Delivered At Place (DAP) diferencia-se da anterior quanto ao modo de disponibilização das mercadorias: enquanto de acordo com a cláusula DAT elas devem ser descarregadas do veículo trans-portador às expensas do vendedor, pactuada pelas partes a sigla DAP, tal obrigação não impõe-se ao vendedor, que deixará de responder pelo risco no momento em que disponibilizar os produtos em local18 e data ou prazo já determinados, aptos a serem descarregados do veículo transportador, às expensas do comprador.

Observe-se a sutileza teórica na distinção entre tais siglas, contrapondo-a aos aspectos prá-ticos que daí advém.

Não são incomuns acidentes envolvendo carga e descarga de mercadorias, especialmente quando comercializadas em grandes quantidades, o que pode vir a gerar danos ou mesmo a perda de parte ou da integralidade dos produtos.

Assim, um detalhe aparentemente de caráter teórico, é apto a decidir a qual das partes incumbirá a reparação de eventuais danos, de forma a desestimular e mesmo inviabilizar conflitos entre as partes, que poderiam acabar por comprometer o cumprimento do contrato e a realização de operações internacionais.

Ambos os termos DAT e DAP foram recepcionados na versão mais recente das Incoterms, da-tada de 2010.

Optando os comerciantes pela cláusula Delivered Duty Paid (DDP) –, o vendedor responderá pelos riscos até disponibilizar a carga ao comprador em local determinado no país deste, não arcando, contudo, com os custos e o risco de arriamento.

1.3 A Validade Jurídica dos Incoterms no Brasil

Entretanto, apesar de satisfatórias e específicas quanto ao tema da transferência do risco, os Incoterms não são impostos pela CCI aos contratos de compra e venda internacional: tratam-se de uma proposta de uniformização das relações mercantis, não existindo qualquer obrigatoriedade em sua utilização. São, portanto, um exemplo de Direito Consuetudinário observado na atualidade.

A questão da não obrigatoriedade, contudo, acaba por emanar situação inusitada no Brasil, no âmbito da prática comercial.

A Câmara de Comércio Exterior, por meio da Resolução no 21 de 7 de abril de 201119, exigiu, ao contrário do costume internacional, a utilização dos Incoterms em exportações e importações en-volvendo partes brasileiras.

Entretanto, em resolução posterior, de no 33, em 18 de maio de 2011, a mesma instituição deter-minou a suspensão da norma supracitada, pelo prazo de 60 dias.

Apesar de já superado o referido lapso temporal, determinando novamente a obrigatorieda-de na aplicação dos Incoterms, tal norma ainda pode ser questionada, considerando-se o fato de a

(18) Excluem-se os terminais.(19) BRASIL. Câmara de Comércio Exterior. Resolução no 21, de 7 de abril de 2011. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/

dwnl_1311715093.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2014.

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natureza de tais termos não apontar a necessidade de sua aplicação. Não tratam-se de leis, visto que emanam de um órgão internacional de ordem privada – CCI, e portanto não podem ser impostas pelo Estado Brasileiro.

A prática comercial no Brasil, como referido, vem submetendo-se à Resolução no 2120, exigindo a utilização dos Incoterms como condição básica para que o contrato possa ser executado em território pátrio.

1.4 A Convenção de Viena de 1980

A questão envolvendo a definição do momento da transferência do risco sempre esteve pre-sente em contratos internacionais de compra e venda, devido à sua extrema relevância, eis que a possibilidade de ocorrerem danos ou a perda da mercadoria sempre preocupa os contratantes.

Entretanto, até décadas atrás, definir o momento em que o risco transfere-se do vendedor ao comprador poderia resultar em algo complicado e abstrato, caso as partes não mencionassem nenhu-ma sigla dos Incoterms, em virtude de o contrato, então, envolver dois ou mais ordenamentos jurídicos distintos, e não raro conflitantes entre si.

Nas palavras de Véra Jacob Fradera e Luiz Gustavo Meira Moser:

As características do comércio internacional e a necessidade de uniformização das trocas para facilitar o comércio fizeram com que organizações internacionais, como a UNCITRAL, tomassem a iniciativa de promover a elaboração de Convenção sobre a compra e venda internacional de mercadorias, com o objetivo de uniformizar as regras relativas ao mais importante de todos os contratos.21

Assim, em 1980, vem a Convenção da ONU sobre a Compra e Venda Internacional de Mercado-rias, conhecida como Convenção de Viena, para uniformizar o desenvolvimento das relações de compra e venda internacional de mercadorias, instituindo um sistema a ser aplicado a tais relações, dispensando a escolha de um ordenamento jurídico interno de um dos Estados envolvidos caso ocorram controvérsias a respeito do contrato, bem como impondo-se em caso de silêncio contratual a respeito dos Incoterms.

Em razão da força normativa adquirida pelos costumes no âmbito do comércio internacional ao longo dos anos, a Convenção de Viena de 1980 estabeleceu sua própria incidência como subsidiária aos costumes ou disposições consagradas ou não pelas partes no contrato de compra e venda, disposi-ções estas que deverão orientar o desenvolvimento e o cumprimento das obrigações.

Tal subsidiariedade resta clara na redação do artigo 6º da Convenção: “The parties may exclude the ap-plication of this Convention or, subject to article 12, derogate from or vary the effect of any of its provisions”.22

A Convenção de Viena vigora há algumas décadas em vários países, inclusive países-membros do MERCOSUL, como Argentina e Uruguai, tendo considerável expressão no cenário internacional.

O Brasil submeteu-se recentemente de maneira formal a tais disposições, apesar de já existi-rem contratos envolvendo partes brasileiras regrados pela Convenção, uma vez que o segundo sujeito da relação resida em país assinante.

O texto convencional, portanto, incorporará nosso sistema jurídico a partir do dia 1º de abril de 2014, de acordo com o Decreto Legislativo nº 538/201223, o qual o aprovou, possuindo caráter de lei ordinária. Obedecendo-se o critério da lei mais recente, leis ordinárias anteriores sobre o tema que contrariem as disposições da Convenção de Viena restam por ela revogadas de forma tácita.

(20) BRASIL. Câmara de Comércio Exterior. Resolução no 21, de 7 de abril de 2011. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1311715093.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2014.

(21) FRADERA, Véra Jacob de; MOSER, Luiz Gustavo Meira (Orgs.). A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo: Atlas, 2011, p. 6.

(22) Tradução do original: “As partes podem excluir a aplicação da presente Convenção ou, sem prejuízo do artigo 12, derrogar ou modificar o efeito de qualquer das suas disposições”. (CONVENÇÃO DE VIENA. Compra e venda internacional de mercadorias. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/text/e-text-66.html>. Acesso em: 24 jun. 2014).

(23) BRASIL. Decreto Legislativo nº 538/2012, de 18 de outubro de 2012. Disponível em:<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2012/decretolegislativo-538-18-outubro-2012-774414-convencao-137911-pl.html>. Acesso em: 24 jun. 2014.

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Desta forma, tal Convenção inevitavelmente integrará o sistema jurídico pátrio, vinculando definitivamente comerciantes brasileiros à sua observação, especialmente no tocante à questão de situar o risco, razão pela qual é objeto de análise.

2 As Regras Gerais da Convenção de Viena sobre os riscos

2.1 A Responsabilidade das partes quanto às Mercadorias

O artigo 66 da Convenção de Viena24 é mencionado por autores como o artigo mais relevante a respeito da transferência do risco em compra e venda internacional de mercadorias.

Isto se deve, particularmente, à preocupação do dispositivo em contemplar a responsabilida-de pelas mercadorias em situações alheias ao comprador, ainda que o risco já recaia sobre ele, preo-cupação esta pertinente em razão da alta frequência da utilização do transporte marítimo, bem como do fato de alguns Incoterms delegarem ao vendedor a obrigação de providenciar o transporte da carga.

De acordo com Rhodrigo Deda Gomes e Frederico E. Z. Glitz,

(...) o dispositivo não se limitaria a delimitar o momento de transmissão dos riscos, custos e ônus, mas principalmente a atribuir responsabilidade, sendo, portanto, bastante útil como ferramenta para diri-mir controvérsias, dar segurança jurídica e garantir a eficiência do sistema da convenção.25

Assim posicionam-se os autores devido ao fato de o artigo não colocar o momento exato em que a transferência do risco deverá ocorrer, mas sim dispor a respeito das consequências atinentes às partes caso ocorram danos ou perda de mercadorias.

De acordo com a Convenção, o comprador, em regra, não exime-se de pagar o preço acordado caso não receba as mercadorias ou as receba em não conformidade com o contrato quando o risco tiver sido transferido a ele. A exceção apontada pelo próprio artigo é o caso em que tal desconformidade seja consequência de um ato ou omissão do vendedor.

Tal disposição assemelha-se à lei brasileira no tocante à responsabilidade civil quanto ao es-tado da mercadoria comercializada.

Como já colocado, no Brasil, a noção de transferência do risco encontra-se intrínseca à trans-missão da propriedade, a qual se dá com a tradição. Os riscos a que nos referimos são aqueles aqui contemplados como resultados da ocorrência de caso fortuito ou força maior, situações além do con-trole de qualquer das partes contratuais.

Ao determinar que o comprador não pode recusar-se a quitar sua obrigação caso o risco já tenha sido transferido a ele, o texto convencional aproxima-se às disposições de nosso Código Civil, eis que no Brasil, uma vez o comprador responsável pelas mercadorias, deverá suportar as consequências de eventual ocorrência de caso fortuito ou força maior.

Como referido, o artigo 66 não aponta expressamente o momento em que o risco deve trans-ferir-se do vendedor ao comprador. Tal definição pode ser resultado de acordo entre as partes, estabe-lecido no próprio contrato, ou, a forma mais comum, através de diretrizes contempladas pela prática comercial, sobretudo os Incoterms.

Ora, trata-se da transferência do risco em sua forma mais objetiva: a partir do momento em que o risco sobre perda ou dano à carga lhe tocar, o comprador deverá prestar a obrigação pactuada, sem, em regra, qualquer possibilidade de abatimento no valor ou reclamação à outra parte.

(24) No original: “Loss of or damage to the goods after the risk has passed to the buyer does not discharge him from his obligation to pay the price, unless the loss or damage is due to an act or omission of the seller”. Tradução do original: “Perda ou dano às mercadorias após a passagem do risco para o comprador não isenta da sua obrigação de pagar o preço, a não ser que a perda ou o dano seja devido a um ato ou omissão do vendedor”. (CONVENÇÃO DE VIENA. Compra e venda internacional de mercadorias. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/text/e-text-66.html>. Acesso em: 24 jun. 2014).

(25) GLITZ, Frederico E. Z.; GOMES, Rhodrigo Deda. Revista de Direito Empresarial: RDEmp, Belo Horizonte: Fórum, ano 10, n. 1, p. 20, jan./abr. 2012.

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Menciona-se na doutrina a opinião de alguns juristas no sentido de o artigo 66 onerar demasia-damente o comprador, em casos de utilização de Incoterms, como por exemplo as cláusulas FOB e CIF, que estipulam a transferência do risco antes mesmo da saída das mercadorias do porto de embarque.

Considerando-se a natureza frequentemente secundária que assume a Convenção de Viena pe-rante as cláusulas contratuais e a liberdade de ambas as partes na instituição de tais cláusulas, incluindo os Incoterms, entendemos não haver desequilíbrio na relação de compra e venda originado pelo referido artigo, eis que o momento da transferência do risco pode ser determinado unicamente pelos sujeitos envolvidos no negócio, o que confere ao comprador ampla liberdade para deliberar os ônus que a ele recairão, bem como para posicionar-se contrário a cláusulas que considere prejudiciais a si.

Em relação ao sistema brasileiro percebemos, aqui sim, a potencialidade em onerar dema-siadamente, neste caso, o vendedor, mantendo-se o risco sob sua responsabilidade até o momento da tradição. Entretanto, a lei pátria também abre aos contratantes a alternativa de pactuarem de forma distinta, determinando as regras de transferência do risco específicas para aquele negócio jurídico que então instituem, porque as normas civis a este respeito não se tratam de regras cogentes.

Nota-se ainda a respeito do artigo 66 que a transferência do risco não pressupõe necessariamen-te a entrega das mercadorias, novamente, devido à utilização frequente dos Incoterms. Tratam-se, pois, de momentos distintos, e muitas vezes sem qualquer relação ao tratar-se a relação contratual de uma compra e venda internacional de mercadorias.

Neste sentido:

As for the rules on passing of risk, there are two principal types of legal technique. One is to link the passing of risk to delivery and provide that risk passes on delivery (with certain exceptions). The other is to provide separate rules on delivery and on passing of risk. Both the Convention and the Incoterms employ the latter technique. The rules of the Convention on passing of risk (Articles 66-70) do not contain any reference to delivery.26

Assim, ainda que silente o contrato quanto aos Incoterms e, por conseguinte, ao momento da transferência do risco, não existirá qualquer relação entre aquele e a entrega das mercadorias ao comprador, eis que a Convenção de Viena também optou por dissociar tais conceitos.

Tal ressalva é presente na doutrina, observando-se que difere do sistema jurídico brasileiro, o qual baseia-se na herança do Direito Romano, colocando a tradição como fator determinante da res-ponsabilidade perante o bem em questão – res perit domino. “Ressalte-se, o conceito de transferência de risco não equivale, necessariamente, ao conceito de entrega (tradição), como no Direito brasileiro (...)”.27

Sob esta perspectiva, observa-se um conceito jurídico que em muito contradiz o sistema pá-trio, sendo que, este último, uma vez em vigor a Convenção de Viena no Brasil, deverá recepcionar o texto do referido acordo, complementando assim as disposições legais a respeito de contratos de com-pra e venda, quando apresentarem natureza internacional, admitindo noções e diretrizes referentes à transmissão do risco dissociada da transferência da propriedade.

Entretanto, necessário ressaltar a ressalva instituída pelo próprio texto do artigo, ao reme-ter-nos à análise de situações em que a perda ou dano às mercadorias ocorram em razão de um ato ou omissão do vendedor.

Em caso de ilicitudes por parte do vendedor que reflitam nas mercadorias, portanto, ainda que já transferido o risco sobre a carga ao comprador, este poderá recusar-se a pagar o preço acordado.

(26) Tradução do original: “Quanto às regras da transferência do risco, há dois tipos principais de técnica jurídica. Um deles é para ligar a transferência do risco à entrega e proporcionar a passagem do risco no momento da entrega (com algumas exceções). A outra é fornecer regras específicas relativas à entrega e à transferência do risco. Tanto a Convenção e os Incoterms empregam a última técnica. As regras da Convenção sobre transferência do risco (artigos 66-70) não contém qualquer referência à entrega” (HELLNER, Jan. The Vienna Convention and standard form contracts. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/hellner.html#iv>. Acesso em: 19 fev. 2014).

(27) GLITZ, Frederico E. Z.; GOMES, Rhodrigo Deda. Revista de Direito Empresarial: RDEmp, Belo Horizonte: Fórum, ano 10, n. 1, p. 18, jan./abr. 2012.

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Observa-se que a segunda parte do artigo 66 da Convenção de Viena apresenta uma relação mais estreita com o ordenamento jurídico brasileiro, eis que aproxima-se da responsabilidade civil, exonerando o comprador de sua obrigação caso o vendedor não implemente a sua da forma acordada, abrangendo tanto a responsabilidade contratual quanto a extracontratual.28

Assim, uma vez considerados ilícitos atos ou omissões imputados ao vendedor em razão de causa-rem danos às mercadorias, deverá ele arcar com o prejuízo, ainda que o risco já incida sobre o comprador.

Manifesta-se a doutrina no sentido de considerar o referido comportamento por parte do vende-dor ilícito, o que justificaria a ressalva ora analisada, eis que a definição de a quem cabe o risco aplica-se apenas a casos acidentais, inevitáveis, normalmente intempéries naturais ou ações de terceiros.29

Importa ainda ressaltar as consequências que recairão sobre o vendedor, de acordo com a legislação pátria, que comportar-se de maneira culposa, culminando em avarias ou perda da carga: “Se a perda ou deterioração decorrer de culpa do vendedor, responderá ele pelo valor da coisa mais perdas e danos (art. 234; antigo art. 865)”.30

Note-se que o princípio da boa-fé objetiva foi recepcionado pelos dispositivos da Convenção de Viena, inclusive presente na segunda parte do artigo 66, em razão de tratar-se de preceito extre-mamente relevante na maior parte dos ordenamentos jurídicos internos, ao tratarem a respeito do Direito Contratual ou, de acordo com Flávio Tartuce, “todas as codificações modernas importantes”.31

Sob este aspecto, percebemos uma semelhança entre a legislação contratual brasileira32 e o texto convencional, uma vez que ambos exigem comportamento ilibado e boa-fé de ambas as partes durante e mesmo após a execução de sua obrigação.

Ora, absolutamente pertinente a exceção prevista pelos legisladores da Convenção. O fato de o risco não mais recair sobre o vendedor não deve garantir-lhe impunidade sobre eventuais atitudes suas potencialmente prejudiciais ao comprador.

Neste sentido afirma Wellington Pacheco Barros:

A boa-fé sempre esteve presente na história do contrato a partir de sua origem romana e não é diferen-te nos contratos brasileiros. Acreditar que a outra parte está agindo de forma correta e que o objeto do contrato é lícito é algo integrante do bom relacionamento entre as pessoas.33

Assim, ainda que não mais responda por eventuais avarias à carga, em razão de pactuados Inco-terms que definam a transferência do risco antes da efetiva entrega, o vendedor não deve receber o preço caso seu comportamento demonstre negligência ou má-fé, sob pena de onerar excessivamente – e injustamente – o comprador.

Exemplo comum na doutrina trata de casos, não raros, de compra e venda de mercadorias cuja natureza exija condições especiais de transporte, comumente bens perecíveis, as quais, de acor-do com alguns Incoterms, devem ser providenciadas pelo vendedor.

Tais bens, caso transportados de forma inadequada em razão de um ato ou omissão da parte responsável pelo transporte, restarão inutilizados ou gravemente danificados. A mera transferência do risco não exime qualquer das partes de cumprir suas obrigações e especialmente de agir com boa-fé, motivo pelo qual, em casos semelhantes, ao comprador é garantido o direito de insurgir-se contra o pagamento no momento da cobrança, no valor total do negócio ou proporcionalmente aos danos cau-sados pela má conduta do vendedor.

(28) SOARES, Maria Ângela Bento; RAMOS, Rui Manuel Moura. Contratos internacionais. Coimbra: Almedina, 1995, p. 169.(29) GLITZ, Frederico E. Z.; GOMES, Rhodrigo Deda. Revista de Direito Empresarial: RDEmp, Belo Horizonte: Fórum, ano 10, n. 1, p. 19-20,

jan./abr. 2012. (30) VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 53.(31) TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007, p. 197.(32) Artigos 113 e 422 do Código Civil brasileiro. (VADE MECUM. Organização: Nylson Paim de Abreu Filho. 10. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014).(33) BARROS, Wellington Pacheco. Contratos: estudos sobre a moderna teoria geral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 38.

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Da mesma forma, no Direito brasileiro, ainda que as partes definam a transferência do risco ao comprador em momento anterior à tradição, caso o vendedor comporte-se de forma contrária ao princípio da boa-fé, este deverá suportar o prejuízo que daí advém.

Percebemos ainda, ao estudar a ressalva instituída pelo próprio artigo 66, a relevância que o legislador convencional a confere ao deixar de restringir “ato ou omissão do vendedor” apenas a comportamento que caracterize quebra de contrato, como o exemplo citado acima, mas abrangendo mesmo os menores descuidos por parte do vendedor, ainda que este não deixe de cumprir suas obriga-ções pactuadas, conforme demonstra Leif Sevon:

If the contract were on FOB terms, the risk would normally pass when the goods pass the ship’s rail. If the seller causes damage to the goods at the port of discharge while he or she is recovering the con-tainers, the damage to the goods may be considered not a breach of the contract, but rather a tort. The Convention provides that the buyer would, nevertheless, not be obliged to pay the price but would have a right to deduct the damages to which he or she might be entitled, as they would be calculated under the applicable law of tort. Several authors seem to support this view.34

Desta forma, a intenção de causar danos (ou sua ausência) é fator irrelevante ao determinar-se a inversão da regra geral do artigo 66: qualquer dano imposto à carga oriundo de ação ou omissão do vendedor, ainda que não constitua quebra essencial do contrato, atrairá a incidência da segunda parte do texto, devendo portanto o prejuízo recair sobre a parte responsável por sua ocorrência, de acordo com o princípio da boa-fé objetiva, recepcionado pela Convenção de Viena.

2.2 A Transferência do Risco nos Contratos que ensejem Transporte

O artigo 67 da Convenção de Viena refere-se especificamente àqueles contratos que envolvam o transporte das mercadorias35 e à transferência do risco nesses casos.

Naturalmente, o transporte das mercadorias é, na grande maioria das situações, inerente à transação internacional, eis que normalmente envolve duas partes em territórios distintos, justifican-do a preocupação do legislador convencional em ater-se a tal questão.

Assim, submetem-se a tais disposições os contratos de compra e venda cujo transporte enseje outra relação contratual, com a parte responsável por levar a carga ao local de seu destino final, onde deverá ser recebida pelo comprador.36

Preceitua o artigo:

(1) If the contract of sale involves carriage of the goods and the seller is not bound to hand them over at a particular place, the risk passes to the buyer when the goods are handed over to the first carrier for transmission to the buyer in accordance with the contract of sale. If the seller is bound to hand the goods over to a carrier at a particular place, the risk does not pass to the buyer until the goods are handed over to the carrier at that place. The fact that the seller is authorized to retain documents controlling the disposition of the goods does not affect the passage of the risk.(2) Nevertheless, the risk does not pass to the buyer until the goods are clearly identified to the contract, whether by markings on the goods, by shipping documents, by notice given to the buyer or otherwise.37

(34) Tradução do original: “Se o contrato fosse em termos FOB, o risco normalmente passaria quando as mercadorias transpusessem a amurada do navio. Se o vendedor causa danos aos bens no porto de descarga, enquanto ele ou ela está resgatando os contêineres, os danos aos bens podem ser considerados não uma violação do contrato, mas sim um delito. A Convenção estabelece que o comprador, no entanto, não será obrigado a pagar o preço, mas que tem o direito de deduzir os prejuízos a que ele ou ela pode ter direito, uma vez que seria calculado nos termos da lei aplicável. Vários autores parecem apoiar este ponto de vista” (SEVON, Leif. Passing of risk. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/sevon3.html>. Acesso em: 13 maio 2014).

(35) Também conhecidos como Shipment Contracts.(36) O contrato de seguro sobre a mercadoria trasladada independe do contrato de transporte terceirizado; não há qualquer empecilho para

a constituição de um contrato de seguro caso o transporte seja realizado pelas próprias pessoas do comprador ou do vendedor.(37) Tradução do original: “(1) Se o contrato de compra e venda envolve o transporte das mercadorias e o vendedor não é obrigado a entregá-las em um lugar particular, o risco é transferido para o comprador quando a mercadoria é entregue ao primeiro transportador para transmissão ao comprador, de acordo com o contrato de compra e venda. Se o vendedor é obrigado a entregar os bens a um transportador em um deter-minado lugar, o risco não passa para o comprador até que as mercadorias sejam entregues ao transportador naquele lugar. O fato de que o vendedor é autorizado a reter documentos que controlam a disposição dos bens não afeta a passagem do risco. (2) No entanto, o risco não passa para o comprador até que as mercadorias sejam claramente identificadas de acordo com o contrato, seja por marcação nos produtos, através de documentos de transporte, mediante notificação ao comprador ou de outra forma” (CONVENÇÃO DE VIENA. Compra e venda internacional de mercadorias. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/text/e-text-67.html>. Acesso em: 24 jun. 2014).

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À primeira vista percebe-se que o dispositivo subdivide-se, de forma a abranger situações distintas, razão pela qual será apreciado de forma semelhante.

Em sua primeira parte, a Convenção direciona-se a contratos que, apesar de ensejarem o referido contrato de transporte, não determinem um local específico onde o vendedor deva disponibi-lizar a carga ao transportador.

Portanto, o risco será suportado pelo comprador a partir do momento em que os bens forem disponibilizados ao primeiro sujeito responsável por sua condução.

Ressalte-se que esta situação abrange transportadores terrestres que porventura o vendedor contrate para levar a carga até o porto de embarque. O comprador passará a responder pelo risco, então, antes mesmo de os bens chegarem ao porto (forma mais comum de transporte internacional de mercadorias).

Conforme John O. Honnold38, esta disposição remonta a uma época anterior, antes da utiliza-ção de contêineres para a condução da carga.

Daí a transferência do risco quando da entrega ao primeiro transportador, diferindo de regras mais recentes e já enraizadas na prática comercial, como os próprios Incoterms, sendo que algumas das quais concentram a transferência do risco ao comprador no momento em que a carga é colocada no navio, visto tratar-se o embarque de um processo delicado.

Parece-nos um tanto desequilibrada tal definição, eis que o comprador acaba por assumir o risco durante a quase totalidade da execução do contrato, apesar de não encontrar-se, do ponto de vista prático, na melhor posição para tal, vez que, quando da entrega ao primeiro transportador, não possui controle e acesso adequados sobre a carga que justifiquem que sobre ele recaia o risco de avarias ou perda.

O próprio instituto visa impor o risco àquele que encontrar-se em melhores condições de proceder à recuperação da carga, caso perdida ou avariada, ou de tomar quaisquer outras providên-cias necessárias. Como mencionado, tal não ocorre no caso, considerando-se a maior proximidade do vendedor com o transportador das mercadorias.

O Código Civil brasileiro enfrenta o tema de forma parecida, apesar de relacionar sempre o risco com a tradição. A entrega da mercadoria ao primeiro transportador também é considerada por tal diploma, como colocam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

Claro está que se a coisa é expedida para lugar diverso ou é entregue a terceiros para que seja o porta-dor, ambas as situações por determinação do comprador, este passará a assumir a responsabilidade pela integridade da mesma, até chegar ao seu local de destino. Em caso como este, interessa a celebração de um contrato de seguro, para prevenir o adquirente de eventuais prejuízos.39

Ocorre que o sistema brasileiro admite também uma modalidade de tradição em particular, a “tra-dição ficta”, nas palavras de Araken de Assis, Ronaldo Alves de Andrade e Francisco Glauber Pessoa Alves:

(...) veja-se que a hipótese legal estabelece uma forma de tradição ficta ao determinar que, posta a coisa à disposição do comprador, por conta dele correm os riscos decorrentes de caso fortuito ou força maior, muito embora a coisa ainda possa em realidade estar na posse do vendedor (...).40

Nota-se então a aproximação dos diplomas analisados, os quais, apesar de critérios e bases di-versas, preocupam-se em enfrentar diversas questões em comum, como ora demonstrado. O momento da transferência do risco em casos de contratos que envolvam transporte da carga é, pode-se dizer, o mesmo, a despeito das referidas divergências de conceitos.

(38) HONNOLD, John O. Risk of loss. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/honnold5.html#802>. Acesso em: 11 mar. 2014.(39) GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Tomo 2. São Paulo: Saraiva, 2008, v. IV, p. 20.(40) ASSIS, Araken de; ANDRADE, Ronaldo Alves de; ALVES, Francisco Glauber Pessoa. Comentários ao Código Civil Brasileiro, v. 5: do direito das

obrigações. Coordenadores: Arruda Alvim e Thereza Alvim. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 766.

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Na segunda parte do primeiro parágrafo, o artigo continua instituindo que, caso as partes acordem que a mercadoria deve ser entregue ao responsável pelo transporte em local específico, será este o momento de passagem do risco para o comprador.

Havendo necessidade de condução até o ponto referido, esta gerará riscos ao vendedor.

Araken de Assis aponta disposição semelhante em nosso Código Civil:

Parece-nos indubitável que se o vendedor, atendendo a pedido do comprador, remeter a coisa vendida para local diverso do avençado no contrato ou do local onde aquela se encontrava, a tradição se operará no momento em que a coisa vendida for entregue ao transportador, transferindo-se ao comprador a partir deste momento os riscos a que a coisa estiver sujeita, nada podendo o comprador reclamar do vendedor, salvo se este estiver afastado das orientações daquele (...), ou seja, o vendedor só estará exonerado de responder pelos riscos da coisa se entregar a coisa ao transportador, em obediências às ordens do comprador.41

Ressalte-se não haver qualquer determinação no texto convencional sobre os tipos de trans-porte abarcados pelo artigo 67, o que leva naturalmente à conclusão de que o modo de transporte utilizado não exerce influência sobre os efeitos da transferência do risco.

Ainda na primeira parte do artigo, o legislador convencional especifica que a transferência do risco não sofrerá qualquer alteração caso o vendedor entenda por bem reter os documentos referentes à mercadoria (e, por conseguinte o controle sobre ela).

Tal prerrogativa assiste ao vendedor, de acordo com a Convenção de Viena, como medida preventiva. A retenção dos documentos vem como uma garantia de pagamento ao vendedor, o qual pode, caso lhe pareça necessário, formalizar a entrega da carga apenas após o comprador efetuar o pagamento acordado.

Consideramos tal disposição absolutamente pertinente, pois além de, como mencionado, constituir uma garantia ao vendedor, trata-se de um instrumento de manutenção da boa-fé na relação de compra e venda internacional, desestimulando eventual inadimplência do comprador.

Por conseguinte, justo é que nestas circunstâncias, em que o risco já recai sobre o comprador, este continue arcando com possíveis avarias ou extravio dos bens, de forma a evitar que o vendedor, tendo já entregado a mercadoria antes do pagamento, reste prejudicado em razão do negócio.

Observem-se ainda situações em que o próprio vendedor providencia a condução dos bens, seja até outro transportador, seja até o próprio comprador.

Bem coloca John O. Honnold: “The seller does not ‘hand over’ the goods when he loads his own truck, and those trucks are not a ‘carrier’”.42

Neste caso, as circunstâncias estabelecidas como momento da transferência do risco pelo artigo 67 não se implementam. O risco, portanto, permanece sobre o vendedor.

O sistema jurídico brasileiro, como apontamos, considera como fator determinante para a transferência do risco – ainda que não seja tema muito frequente – a propriedade, e como pressuposto desta, a tradição.

Apesar disso, a jurisprudência brasileira vem conseguindo dissociar-se das noções de Direito interno em contratos que apresentem elementos de estraneidade, admitindo os Incoterms, quando presentes, como diretrizes para a definição de desavenças relativas ao negócio.

(41) ASSIS, Araken de; ANDRADE, Ronaldo Alves de; ALVES, Francisco Glauber Pessoa. Comentários ao Código Civil Brasileiro, v. 5: do direito das obrigações. Coordenadores: Arruda Alvim e Thereza Alvim. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 768-769.

(42) Tradução do original: “O vendedor não ‘entrega’ os bens quando carrega seu próprio caminhão, e estes caminhões não são um “transpor-tador” (HONNOLD, John O. Risk of loss. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/honnold5.html#802>. Acesso em: 11 mar. 2014).

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Assim foi o julgamento da apelação no 0189269-45.2006.8.26.0100, apreciada pela 25a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo43. Trata-se de contrato internacional de compra e venda de cebolas, as quais, segundo as apelantes, chegaram ao porto de destino, após o pagamento do preço avençado, em más condições para consumo e comercialização.

O Incoterm definido pelas partes limitava a responsabilidade do vendedor ao momento de embarque da mercadoria no porto de origem, já desembaraçada para exportação – Cost, Insurance and Freight (CIF).

Ora, apesar de obrigado a arcar com as expensas do transporte da mercadoria, o risco a res-peito de perda ou deterioração será imputado ao vendedor logo após o embarque da carga.

Logo, no caso em análise, a pretensão das requeridas deveria ter sido direcionada à trans-portadora contratada, de modo a reivindicar dela eventual reparação, caso as avarias fossem de fato resultado de má conservação.

Neste sentido expressou-se o relator da sessão:

A prova dos autos evidencia que as mercadorias foram embarcadas pela autora nos termos do contra-tado (cebola classe II) e de acordo com as normas que regulam a qualidade do produto. Além disso, a pactuação da cláusula “CIF” torna de responsabilidade das demandadas o transporte após o desembara-ço para a exportação, excepcionando a regra estabelecida pelo Código Civil e comportando observância face ao princípio do ‘pacta sunt servanda’.

Já a segunda parte do artigo coloca ainda outra condição para que o risco passe ao comprador: a devida e clara identificação das mercadorias como referentes àquele contrato de compra e venda específico.

A exigência de identificação demonstra-se pertinente quando entre as partes em questão existe mais de um contrato, o que não raro ocorre.

Além disso, de acordo com o Compêndio das Nações Unidas a respeito dos contratos de com-pra e venda internacional de mercadorias: “La finalidad de esta disposición es descartar la posibilidad de que el vendedor identifique las mercaderías perdidas o danadas después del accidente”.44

Quanto à forma, o legislador convencional menciona três identificações que se prestam para tal, em um rol, contudo, aberto. Qualquer procedimento adotado pelo vendedor capaz de identificar as mercadorias e relacioná-las a um contrato de compra e venda específico atende à exigência do artigo 67.

Importa ressaltar novamente o artigo 6o da Convenção de Viena, o qual confere às partes a op-ção de afastar suas disposições caso acordem de forma distinta, aplicando-se também, naturalmente, às regras do artigo 67 quanto à transferência do risco.

(43) SÃO PAULO. 9ª Vara Cível. Apelacão com revisão nº 990.10.267816-4. Processo: 583.00.2006.189269-8. Comarca: São Paulo. Prolator: Juiz Guilherme Santini Teodoro. Apelantes: Companhia Brasileira de Distribuic ão e outro. Ape-lado: Handelmaatschppij J. P. Beemsterboer B. V. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do>. Acesso em: 28 jun. 2014.

(44) Tradução do original: “A finalidade desta disposição é descartar a possibilidade de o vendedor identificar as mercadorias perdidas ou danificadas após o acidente” (NAÇÕES UNIDAS. Brasil adere à Convenção da ONU sobre contratos internacionais de compra e venda de mer-cadorias. A/CN.9/SER.C/DIGEST/CISG/67. p. 4. Disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/V04/555/08/PDF/V0455508.pdf?OpenElement>. Acesso em: 12 mar. 2014.

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3. As Regras Especiais da Convenção de Viena sobre os Riscos

3.1 A Transferência dos Riscos das Mercadorias em Trânsito

A Convenção preocupa-se também com situações de venda de mercadoria que já encontre-se em trânsito à época da transação.

O artigo 68 pode ser tomado como exemplo do caráter prático que assume a Convenção de Viena, direcionando seu texto a situações comuns no âmbito da compra e venda internacional. Diante da ocorrência frequente da compra e venda de mercadorias em trânsito, portanto, importa definir a quem tocará o risco.

Entretanto, apesar da intenção prática do legislador convencional, a disposição do presente artigo resta um tanto abstrata ao utilizar critérios indefinidos, abrindo espaço para comentários dou-trinários e uma interpretação abrangente por parte dos juristas, bem como dificultando sua aplicação em diversas ocasiões.

Assim, é instituída a regra geral para estes casos, a qual possui caráter mais concreto do que o restante do texto: o risco será transferido para o comprador no momento da celebração do contrato.

O problema resultante de tal texto é de ordem prática, ironicamente, contrariando o propó-sito da Convenção. Considerando-se que eventuais danos à mercadoria são normalmente constatados quando de sua chegada ao porto de destino, resta extremamente difícil determinar-se a data em que tais avarias ocorreram - antes ou depois da celebração do contrato de compra e venda -, de forma a saber a qual das partes deverá ser imputado o risco.

Ora, apesar de oferecer uma disposição concreta e relativamente simples à primeira vista, a Convenção de Viena acaba por dificultar a aplicação do artigo 68, o qual inclusive, em razão mostrar--se tão abstrato, potencializa controvérsias entre comprador e vendedor quanto à questão do risco.

Nesse sentido:

The alternative would be to make the risk pass only from the time of conclusion of the sales contract. The practical inconvenience of this latter solution is that it is very difficult to determine when damage occurred to the goods in transit. Therefore, such a rule leads to disputes.45

Salientamos a acentuada escassez a respeito do tema no que concerne ao ordenamento jurí-dico brasileiro, especialmente na doutrina.

O Código Civil atém-se muito brevemente à questão, em seus artigos 529 e seguintes, e de forma bastante abrangente.

No Brasil, as mercadorias, ao serem comercializadas quando já encontrarem-se em trânsito, serão, por assim dizer, substituídas pelos documentos mercantis a elas correspondentes, para fins de posse e propriedade sobre os produtos.

O único artigo do diploma a referir-se à transferência do risco em tais casos é o artigo 531, o qual transcrevemos:

Se entre os documentos entregues ao comprador figurar apólice de seguro que cubra os riscos do trans-porte, correm estes à conta do comprador, salvo se, ao ser concluído o contrato, tivesse o vendedor ciência da perda ou avaria da coisa.

(45) Tradução do original: “A alternativa seria fazer o risco passar apenas a partir do momento da conclusão do contrato de compra e venda. O inconveniente prático desta última solução é que é muito difícil determinar quando ocorreu o dano durante o trânsito. Portanto, essa regra leva a disputas” (VON HOFFMANN, Bernd. Passing of risk in international sales of goods. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/vonhoffmann.html#ii2>. Acesso em: 8 abr. 2014).

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Mais uma vez o legislador brasileiro vinculou a transferência do risco à transferência da proprie-dade sobre as mercadorias, neste caso, à entrega dos documentos pertinentes, bem como recepcionou o princípio da boa-fé objetiva, impedindo que o risco e suas consequências recaiam sobre o comprador em caso de venda de produtos já avariados, dos quais o vendedor tivesse prévio conhecimento.

Assim a Convenção de Viena vem complementar as disposições do Código Civil de 2002 sobre o assunto, visto que o legislador brasileiro manifestou-se de forma bastante genérica.

Observe-se que o artigo sob análise também apresenta uma exceção a sua regra geral, como o anterior: quando as circunstâncias assim determinarem, o comprador suportará o risco de perda ou dete-rioração a partir do momento em que as mercadorias foram entregues ao transportador, remetendo-nos à regra do artigo 67.

A referida norma, contudo, é inaplicável a contratos de compra e venda de mercadorias em trânsito, pois, como visto, baseia-se no momento da entrega da carga ao primeiro transportador, o que, nos casos ora analisados, ocorre antes da celebração do contrato.

Nas palavras de Barry Nicholas: “The ordinary rule in Article 67(1) cannot apply, for when the goods were handed over to the carrier, they were not handed over «for transmission to the buyer»”.46

O artigo 68, de acordo com a doutrina, foi alvo de ferrenhas discussões quando de sua concepção.

Inicialmente, tomou-se como regra a ideia do artigo 99, ULIS (Uniform Law of International Sale of Goods), acordo internacional precedente à Convenção de Viena, que estabelecia como norma única para casos de venda de mercadorias em trânsito a transferência retroativa do risco para o comprador.

Manifestaram-se contra este dispositivo especialmente comerciantes provenientes de países em desenvolvimento, considerando-se prejudicados.

As críticas afirmavam que tal regra não levava em consideração a situação destes países, onerando demasiadamente seus cidadãos caso figurassem em relação comercial como a ora estudada.

De acordo com Barry Nicholas, “The grounds of criticism were that it was both irrational and unjust to put the risk on the buyer before the moment when the contract was made, and also that the buyer could have no insurable interest until that moment”.47

Segundo Bernd Von Hoffmann48, a crítica mais expressiva foi no sentido de a retroatividade do risco criar uma situação de injustiça para o comprador quando a mercadoria não tiver sido objeto de um contrato de seguro durante o período anterior à celebração do contrato.

Apesar disto, era já prática comercial, respaldada pelo referido artigo 99 da ULIS, de forma que as relações comerciais já seguiam este preceito, fazendo da retroatividade do risco, além de um acordo internacional, um costume entre comerciantes.

Ainda, mencionou-se a favor o argumento de que qualquer transtorno sofrido pelo comprador em razão do risco retroativo poderia refletir no preço final, visto tratar-se de um contrato que pres-supõe negociações.49

(46) Tradução do original: “A regra comum no artigo 67 (1) não pode ser aplicada, pois, quando os bens foram entregues ao transportador, eles não foram entregues “para transmissão ao comprador” (NICHOLAS, Barry. Bianca-Bonell commentary on the international sales law. Giuffrè: Milan, 1987, p. 496-501. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/nicholas-bb68.html>. Acesso em: 21 mar. 2014).(47 ) Tradução do original: “Os motivos de críticas eram de que era tanto irracional e injusto colocar o risco do comprador antes do momento em que o contrato foi feito, e também que o comprador não poderia ter interesse segurável até aquele momento” (NICHOLAS, Barry. Bian-ca-Bonell commentary on the international sales law. Giuffrè: Milan, 1987, p. 496-501. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/nicholas-bb68.html>. Acesso em: 21 mar. 2014).(48) VON HOFFMANN, Bernd. Passing of risk in international sales of goods. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/vonhoffmann.html#ii2>. Acesso em: 08 abr. 2014.(49) NICHOLAS, Barry. Bianca-Bonell commentary on the international sales law. Giuffrè: Milan, 1987, p. 496-501. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/nicholas-bb68.html>. Acesso em: 21 mar. 2014.

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Assim, a Convenção de Viena, salomonicamente, determinou como regra geral a transferência do risco no momento da celebração do contrato, sem entretanto excluir a ocorrência da retroativida-de, abordando-a como exceção.

A referida regra geral, entretanto, é potencial causadora de divergências entre as partes envolvidas no contrato, pois, como referido, há casos em que resta impossível saber-se a que ponto do caminho ocorreu o dano – exemplo comum na doutrina são danos causados pela água do mar –, gerando incerteza quanto a quem deverá suportar o risco e, especialmente, acentuada insegurança jurídica na transação.

Assim afirma John O. Honnold: “This problem is less serious when damage results from an identifiable event—a fire, a storm at sea, a train wreck or a truck collision, but is difficult when dam-age results from water seepage, overheating or the like”.50

Como referimos, a redação convencional restou abstrata e suscetível a ampla interpretação, eis que não determina o momento específico em que o risco passará ao comprador.

Ao admitir uma exceção, o legislador convencional não foi claro quanto a sua incidência, determi-nando apenas que o risco sobre a carga será transferido de forma retroativa – a partir da entrega da merca-doria ao transportador que emitiu os documentos referentes ao transporte51 –, quando a situação o justificar.

Naturalmente, a questão que segue é “quais situações ensejam a transferência retroativa do risco?”

Não há disposição que determine tais circunstâncias, dificultando ainda mais a aplicação do dispositivo, bem como ensejando potenciais controvérsias entre os comerciantes, de sorte a, reitera-mos, contrariar o próprio sentido da Convenção de Viena.

O legislador convencional, assim, delega à prática comercial a definição de quando se faz cabível a exceção do artigo 68.

De acordo com John O. Honnold52, há uma situação comum que pode ser tomada como exem-plo de circunstâncias que indiquem a transferência retroativa do risco: o envio ao comprador dos documentos pertinentes ao transporte da carga, incluindo uma apólice a ele endossada, tornando-o a única pessoa capaz de reivindicar a posse das mercadorias no momento de sua chegada.

Note-se que não há qualquer menção à necessidade de acordo entre comprador e vendedor que expresse o ânimo das partes em transferir o risco de forma retroativa, eis que a redação do artigo não institui qualquer condição para sua implementação.

Entretanto, da mesma forma como não exige composição quanto à transferência do risco, a Convenção de Viena não a proíbe, de acordo com o artigo 6o do diploma. Desta forma, não há qualquer empecilho a que, ainda que não exista condição que indique o risco retroativo ao comprador, este o assuma em razão de prévia combinação com o vendedor.

Bem observa Jan Ramberg quanto à questão: em aspectos práticos, a exceção colocada pela segunda frase do artigo acaba por ser substituída quando utilizada o Incoterm CIF, a qual trará os mesmos resultados que prevê a exceção do artigo 68, vez que imputa ao comprador o risco sobre as mercadorias quando do embarque no navio de transporte, restando ao vendedor a obrigação de arcar com o transporte da carga – exatamente o que ocorre quando é realizada a venda de mercadorias em trânsito.53

(50) Tradução do original: “Este problema é menos grave quando o dano resulta de um evento identificável - um incêndio, uma tempestade no mar, um desastre de trem ou uma colisão de caminhão, mas é difícil quando o dano resultar de infiltração de água, sobreaquecimento ou similar” (HONNOLD, John O. Uniform Law for International Sales under the 1980 United Nations Convention. 3..ed. 1999, p. 409-412. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/ho68.html>. Acesso em: 19 mar. 2014).(51 ) Para transporte marítimo o documento referente ao contrato firmado com o transportador é denominado “Bill of Lading”.(52) HONNOLD, John O. Uniform Law for International Sales under the 1980 United Nations Convention. 3..ed. 1999, p. 409-412. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/ho68.html>. Acesso em: 19 mar. 2014.(53) RAMBERG, Jan. To what extent do INCOTERMS 2000 Vary Articles 67(2), 68 and 69? Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/ramberg.html#iii>. Acesso em: 25 mar. 2014.

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Ressalte-se a incidência do artigo 68, aplicável não só a casos de mercadorias transportadas pela via marítima, mas também nas demais circunstâncias em que a carga esteja já submetida a um contrato de transporte, como por exemplo por via terrestre ou ferroviária.54

Ainda, necessário retermo-nos na última parte do artigo, que coloca uma terceira situação como exceção à regra tida como geral: se, quando da celebração do contrato, ou seja, momento da transferência do risco, existirem danos que o vendedor conheça ou deva conhecer e não comunicar o comprador, o risco sobre tais eventos será imputado ao primeiro.

Evidencia-se novamente a forte presença do princípio da boa-fé nas disposições da Convenção de Viena, aspecto em que concorda com o Código Civil pátrio.

Ora, a última frase do artigo 68 nada mais exige do vendedor do que uma conduta transpa-rente e honesta, impondo-lhe o prejuízo caso aja de forma contrária, priorizando também, através da exigência de boa-fé, a segurança jurídica.

Interessante observação a respeito fazem Adolfo A. N. Rouillon e Daniel F. Alonso, manifestan-do-se no sentido de considerarem a disposição supérflua ao texto convencional: “Su carácter superfulo deriva del hecho que, de haber pérdida o deterioro de la cosa al momento de la celebración del con-trato, no hubiera mediado consentimiento sobre el objeto de la contratación (art. 19)”.55

Pertinente a manifestação dos autores, também em razão de, como já apontamos, a Convenção de Viena recepcionar a boa-fé, princípio contrariado pelo comportamento descrito na última frase do artigo.

Entretanto, apesar de soar redundante a uma primeira análise, julgamos apropriada tal previ-são como forma de evitar eventuais conflitos e inclusive disputas judiciais, o que ensejaria a interpre-tação do sistema pelo julgador, ora dispensada em virtude de haver uma norma expressa.

Assim, apesar de gerar certo desequilíbrio na relação comercial, a norma colocada pelo artigo 68 como exceção é sempre preferível à regra geral, em razão de ser menos suscetível a desencadear divergências entre as partes, proporcionando maior segurança jurídica ao contrato quando este envol-ver mercadorias em trânsito.

3.2 A Transferência dos Riscos quando não há Transporte

A doutrina refere-se ao artigo 69 como “the general rule”, expressando assim um artigo desti-nado às situações que não estejam abrangidas nem pelo artigo 67 e nem pelo artigo 68.

A “não abrangência” constitui-se em contratos que não exijam o transporte da carga, sendo estes a minoria dos contratos internacionais de compra e venda, fato que justifica a noção de regra residual.

Tais contratos, conforme coloca Johan Erauw56, teriam aparência de contratos domésticos.

Esta noção deriva da ideia de proximidade geográfica entre as partes, eis que, como colocado, não existe a necessidade de providenciar-se o transporte das mercadorias, possibilitando ao compra-dor que as retire diretamente no local onde está o vendedor.

Isto demonstra desde já afinidade entre o artigo ora estudado e as normas pátrias aplicáveis a casos semelhantes, pois o Código Civil de 2002 preocupa-se predominantemente, se não totalmen-te, com contratos de compra e venda domésticos, presumindo a não necessidade de um contrato de transporte na maioria dos casos.

(54 ) SEVON, Leif. Passing of risk. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/sevon3.html>. Acesso em: 13 maio 2014. (55) Tradução do original: “Seu caráter supérfluo deriva do fato que, ao haver perda ou deterioração da coisa no momento da celebração do contrato, não havia autorização para a mediada sobre o objeto de contratação (art. 19)” (ROUILLON, Adolfo A.N.; ALONSO, Daniel F. Codigo de Comercio: comentado y anotado. 1. ed. Tomo 1. La Ley: Buenos Aires, 2005, p. 790).(56) ERAUW, Johan. CISG Articles 66-70: the risk of loss and passing it. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/erauw.html#iv>. Acesso em: 13 maio 2014.

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Subdividido em duas regras aplicáveis ao caso, a primeira determina a própria regra residual aos contratos internacionais de compra e venda: quando, segundo o contrato, as mercadorias devem ser retiradas pelo comprador no domicílio do vendedor – o que ocorrerá inclusive quando o contrato silenciar quanto ao local-, o risco será transferido a partir do momento em que o comprador as recebe. O risco sobre perda ou deterioração, a partir daí, deverá ser suportado por ele.

Ressalte-se que o momento da transferência do risco será o momento da retirada das merca-dorias pelo comprador, independentemente de o comprador fazê-lo antes do prazo ou da data pactu-ados: “If, on the other hand, the buyer takes over the goods before the agreed date of delivery, the risk passes to the buyer when he or she takes over the goods”.57

Percebemos daí que a Convenção encara os referidos casos de forma parecida à do Direito Romano, base do sistema civil pátrio: a transmissão do domínio sobre a coisa, a tradição romana, en-contra-se fortemente ligada à transferência do risco na presente regra.

Casos em que é disponibilizado um prazo para retirada da carga também sofrem a incidência da primeira parte do artigo 69, da mesma forma como descrito acima. Até o recebimento dos bens pelo comprador, ainda que dentro do prazo determinado, o risco sobre quaisquer danos, perda ou demais imprevistos a respeito do objeto do contrato permanece sobre o vendedor.

Razoável tal disposição, eis que condiz com a lógica instituída pela Convenção de Viena no que concerne à transferência do risco: priorizar o risco ao sujeito que tiver controle sobre as mercadorias, ou sobre aquele que tiver mais facilidade de tomar as devidas providências em casos de ocorrência de danos ou perda. Nos casos a que se destina o artigo 69, o vendedor é quem encontra-se nesta posição.

Considera Bernd von Hoffmann58, com quem concordamos, ser o artigo 69 preferível à INCO-TERM Ex Works, apesar da notável semelhança entre as duas regras, a qual impõe o risco ao comprador no momento em que os bens são postos à sua disposição, pelas mesmas razões expostas acima: en-quanto detiver a posse do objeto do contrato, o vendedor encontra-se em melhor situação para lidar com possíveis imprevistos.

Ponto curioso a respeito de tal tema reside na redação do artigo, o qual limita a transferência do risco em função de quebra da obrigação contratual59 apenas à falha específica do comprador em retirar as mercadorias dentro do prazo ou na data determinadas.

Qualquer outra violação contratual por parte do comprador, portanto, desde que este reclame a carga dentro do prazo acordado, não ensejaria a transferência do risco.

Bem exemplifica Bernd von Hoffmann:

A typical case of such a breach of contract may occur when the buyer is bound to make payment on delivery but refuses to do so. In this situation, the buyer does not fail to take delivery, but it is the unpaid seller who refuses to deliver to the buyer.60

No caso acima, de acordo com a regra estabelecida pelo artigo 69, apesar de o comprador não cumprir com sua obrigação contratual – o pagamento no momento da retirada dos bens-, o risco permanecerá a cargo do vendedor, eis que a violação contratual não trata-se de atraso na reivindica-ção da carga.

(57) Tradução do original: “Se, por outro lado, o comprador assume a mercadoria antes da data de entrega acordado, o risco é transferido para o compra-dor quando ele ou ela aceita as mercadorias” (SEVON, Leif. Passing of risk. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/sevon3.html>.Acesso em: 13 maio 2014. (58) VON HOFFMANN, Bernd. Passing of risk in international sales of goods. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/vonhoffmann.html#ii2>. Acesso em: 08 abr. 2014.(59) “Breach of contract”, no texto da Convenção.(60) Tradução do original: “Um caso típico de tal quebra de contrato pode ocorrer quando o comprador é obrigado a fazer o pagamento no momento da entrega, mas se recusa a fazê-lo. Nesta situação, o comprador não deixa de receber, mas é o vendedor não remunerado que se recusa a entregar ao comprador” (VON HOFFMANN, Bernd. Passing of risk in international sales of goods. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/vonhoffmann.html#ii2>. Acesso em: 08 abr. 2014).

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Menciona ainda o autor61 que a delegação alemã, quando da elaboração do texto convencio-nal, propôs uma emenda ao artigo 69, segundo a qual a regra estudada aplicar-se-ia a qualquer viola-ção contratual por parte do comprador, a qual restou rejeitada.

Partilhamos uma vez mais de sua posição, no sentido de considerar a referida emenda perfeita-mente coerente com o restante do sistema convencional, tomando-se o risco como ferramenta encoraja-dora ao comprador, para que este cumpra suas obrigações contratuais em sua integralidade, sob pena de arcar com os riscos de mercadorias que não encontram-se ainda em seu poder e também, particularmente, para instituir a justiça e equilibrar a relação, desonerando o vendedor cumpridor de sua parte no acordo.

Também neste sentido manifestou-se o legislador brasileiro, conforme Caio Mário da Silva Pereira: “A mora accipiendi importa em inversão do risco. Posta a coisa à disposição do comprador, em tempo oportuno e modo ajustado, se não a levanta suporta os riscos, e não se pode queixar do dano a que se exponham”.62

Ainda, no sentido de equilibrar a relação comercial, faz-se oportuno o exemplo colocado por Leif Sevon:

The Convention seems to provide that if the seller should have delivered the goods on November 18, but is capable of delivering only on November 26, and the buyer actually takes over the goods on November 29, after being informed that the goods are available, the risk passes when the goods are actually taken over by the buyer, i.e., on November 29.63

Ora, perfeitamente razoável a norma da primeira parte do artigo 69 também sob este as-pecto, de forma que, como mencionado acima, desonera a parte cumpridora do acordo, impedindo a transferência do risco ao comprador quando este cumpre suas obrigações contratuais mas não pode retirar os bens em razão de descumprimento por parte do vendedor.

Quanto à segunda parte do artigo, este destina-se às situações em que o comprador também deverá retirar as mercadorias diretamente, entretanto em local previamente acordado, que não o local de negócios do vendedor, como na primeira parte.

A distinção ocorre no momento da transferência do risco ao comprador, a qual ocorrerá mais cedo: de acordo com a segunda parte do artigo 69, o risco será do comprador no momento em que a entrega for devida e ele restar ciente de que as mercadorias estão à sua disposição para retirada no local estipulado no contrato.

Maior neste caso a semelhança da disposição convencional com o Incoterm Ex Works, em razão de ambos proporcionarem a transferência do risco ao vendedor precocemente em relação às demais regras, antes mesmo – e independentemente - de o comprador encontrar-se em posse da carga.

O fato central, portanto, é a ciência por parte do comprador, a qual, de acordo com Leif Sevon64, não necessariamente deverá ocorrer a partir do vendedor, eis que a redação do artigo assim não especifica.

Restando o comprador ciente de que a mercadoria está apta a ser retirada e disponível para tal, seja por meio de contato com o vendedor ou outros meios – como exemplifica o autor, pelo trans-portador-, este deverá arcar com o risco sobre as mercadorias.

A distinção entre tais regras vem do fato de o local neste caso ser qualquer outro que não o local de negócios do vendedor – normalmente são determinados locais como depósitos ou armazéns específicos para este fim.

(61) VON HOFFMANN, Bernd. Passing of risk in international sales of goods. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/vonhoffmann.html#ii2>. Acesso em: 08 abr. 2014.(62) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 194.(63) Tradução do original: “A Convenção parece prever que se o vendedor deveria ter entregue a mercadoria em 18 de novembro, mas é capaz de entregar apenas em 26 de novembro, e que o comprador realmente aceita as mercadorias em 29 de novembro, depois de ser informado de que os produtos estão disponíveis, o risco é transferido quando a mercadoria é efetivamente assumidas pelo comprador, ou seja, em 29 de novembro” (SEVON, Leif. Passing of risk. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/sevon3.html>. Acesso em: 13 maio 2014).(64) SEVON, Leif. Passing of risk. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/sevon3.html>. Acesso em: 13 maio 2014.

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A legislação brasileira também dispõe a respeito, no mesmo sentido:

Entende-se como tradição e, portanto, deslocamento do risco para o comprador, o fato de a coisa ter sido posta à disposição deste. Suporta ele, então, o risco das coisas que se recebem contando, pesando, medindo, ou assinalando, mesmo que o fortuito ocorra no ato de contar, marcar ou assinalar, se nessa oportunidade já estiverem à disposição do adquirente.65

A transferência do risco, de acordo com a lei brasileira para tais situações, ocorrerá no mesmo momento colocado pelo legislador convencional.

Considerando-se novamente a noção de controle sobre a mercadoria, na qual as regras de transmissão de risco da Convenção de Viena são calcadas, percebemos que, não encontrando-se os bens sob a posse do vendedor (em seu local de negócios), este não terá, como presume-se na primeira parte do artigo 69, controle sobre eles de forma a colocá-lo em situação mais prática a providenciar sua manutenção, seguro e eventual reparação.

Desta forma, nota-se o grande desequilíbrio na compra e venda caso a norma da primeira parte do artigo fosse aplicada a casos semelhantes, eis que como referimos, o vendedor então não encontra-se em posição melhor do que a do comprador para arcar com os riscos sobre a carga.

Justifica-se, portanto, a transferência do risco no momento colocado, pois, respeitando-se o tempo razoável que coloca o legislador convencional para que o comprador retire as mercadorias ou o prazo determinado no contrato, ele é quem terá melhores condições de zelar pela manutenção da mercadoria, em lugar do vendedor, como anteriormente.

Pertinente a colocação de Barry Nicholas66 ao esclarecer a relevância da distinção entre o mo-mento de entrega da carga no local acordado e o momento em que o comprador toma conhecimento de tal entrega, da disponibilidade para retirada. Somada à ciência do comprador, o legislador conven-cional exige também que a entrega seja devida, como pressuposto para disponibilidade.

Ainda segundo o autor, dentre outros casos, o texto da segunda parte do artigo 69, sob uma interpretação rígida, poderia gerar problemas de ordem prática, cujos resultados viriam a contrariar a lógica do sistema da Convenção.

Segundo ele, a condição de que a entrega da mercadoria seja devida ao tempo de sua retirada por parte do comprador estipulada para transferência do risco é potencial causadora de dificuldades na aplicação do artigo. Bastaria o vendedor disponibilizar as mercadorias e cientificar o comprador antes do prazo ou data contratual para tal e que o comprador as retirasse também mais cedo. A letra da Convenção manteria o risco sob a pessoa do vendedor, ainda que as mercadorias já estivessem sob a posse do comprador.

Naturalmente a situação elencada contraria os princípios convencionais, vez que o comprador então teria melhores condições de garantir as mercadorias contra perdas ou deteriorações.

O doutrinador determina, com razão, que em casos semelhantes deva ser observado o princí-pio geral, o propósito da regra, admitindo-se então a transferência do risco ao comprador no momento em que a carga encontre-se em seu poder, ainda que fora do prazo firmado em contrato.

Consideramos também a possibilidade de o contrato firmado entre as partes não determinar de forma objetiva o prazo dentro do qual o comprador, ciente da entrega das mercadorias, deverá retirá-las.

A doutrina menciona que as partes envolvidas no negócio deverão respeitar um lapso de tem-po razoável para tal. A interpretação resta naturalmente dificultosa quanto a essa questão, em razão da subjetividade do termo “razoável”.

(65) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 194.(66) NICHOLAS, Barry. Bianca-Bonell commentary on the international sales law. Giuffrè: Milan, 1987, p. 496-501. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/nicholas-bb68.html>. Acesso em: 21 mar. 2014.

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Importa ainda ressaltar o terceiro parágrafo do artigo 69, o qual exige a identificação das mercadorias como objeto do contrato específico, à semelhança do artigo 67, já analisado.

O último parágrafo do artigo impõe tal exigência a ambas as regras anteriores como condição para a transferência do risco e, sobretudo, para o desenvolvimento satisfatório da relação comercial. A carga só poderá ser considerada como “à disposição do comprador” quando estiver identificada como relativa ao contrato em questão.

Julgamos a mencionada regra, como o fizemos com a do artigo 67, absolutamente cabível nos casos submetidos ao artigo 69, basicamente pelas mesmas razões.

Quanto ao primeiro parágrafo, ainda que exista contato direto entre as duas partes envolvidas na compra e venda, eis que o comprador dirige-se ao local de negócios do comprador para retirar as mercadorias, estas deverão estar apropriadamente identificadas como referentes a determinado con-trato, especialmente em casos nos quais as partes estabeleçam outros contratos de compra e venda, a respeito de outros objetos, bem como em razão da possibilidade de o vendedor firmar contratos com outros compradores, e por esta razão armazenar diferentes mercadorias em seu estabelecimento.

Já quando à regra especial, ainda mais relevante se faz a identificação das mercadorias, ob-viamente, eis que o comprador deverá retirá-las em local estranho a ambas as partes, como referimos, normalmente estabelecimentos específicos para este fim, como armazéns ou depósitos os quais, pre-sume-se, são também utilizados por outros comerciantes, alheios ao contrato em questão, inclusive de forma simultânea.

Assim, dada a importância da adequada e clara identificação das mercadorias, reiteramos sua plausibilidade como pressuposto para a transferência do risco, somada às demais condições já elenca-das para situação sob a égide do artigo 69 da Convenção de Viena.

Portanto, vêm o artigo 69 e seus parágrafos demonstrar coerência quanto ao sistema e ao critério geral da Convenção, eis que a transferência do risco nos casos analisados baseia-se, como nos demais artigos, na questão do controle sobre a carga, determinando-se assim quem deverá suportar o risco, bem como dissociando a noção de risco e sua transferência da propriedade sobre os bens, como vem fazendo o legislador convencional até então.

3.3 Risco e Inadimplemento Contratual

A Convenção também preocupa-se em regular situações em que a compra e venda acaba por não implementar-se, no caso específico do artigo 70, em razão de violação fundamental do contrato por parte do vendedor.

O comprador prejudicado, de acordo com tal prescrição, tem garantidos a si os remédios previstos pelo texto da Convenção – inclusive a resolução do contrato - em caso de inadimplemento substancial por parte do vendedor, independente de ter-se operado a transferência do risco de acordo com um dos artigos anteriores.

Assim, ainda que o risco sobre danos ou perda da mercadoria já seja a si imputado, se tais danos originarem-se de uma quebra fundamental do contrato efetuada pelo vendedor, o comprador não será impedido de buscar a reparação de tais danos, ou mesmo a resolução do contrato, caso seja este seu interesse.

Da mesma forma, o legislador brasileiro também instituiu alternativas à parte do contrato prejudicada em razão de comportamento culposo da outra, dentre elas, como na Convenção de Viena, a resolução do negócio.

As soluções para problemas em casos em que as mercadorias foram entregues são enumeradas na própria Convenção, conferindo ao comprador um amplo rol de alternativas para compensar o dano que sofrera em razão de comportamento inadequado do vendedor.

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O artigo 70, por sua vez, tem redação bastante específica, determinando expressamente que tais remédios estariam disponíveis ao comprador em caso de quebra fundamental do contrato, concei-to central para análise da aplicação deste preceito.

Portanto, caso a perda ou deterioração da mercadoria ocorra após a transferência do risco, mas devido à quebra fundamental do contrato, a dita transferência não constituirá empecilho à parte lesada para que esta rescinda o negócio.67

O conceito de “quebra fundamental do contrato” remete-nos ao estudo do artigo 25 da Con-venção de Viena, o qual determina quando o comportamento do vendedor68 poderá ser assim consi-derado.

Apesar da visível intenção do legislador convencional em primar pela objetividade, a utiliza-ção de termos abrangentes exige um estudo detalhado do texto, de forma a capacitar-nos a compre-ender o próprio conceito e por conseguinte, o âmbito de incidência do artigo 70.

A compreensão do referido artigo 25 faz-se necessária em razão de, dentre outros remédios, autorizar a rescisão do negócio jurídico devido à quebra fundamental por uma das partes. A rescisão, por sua vez, frequentemente acarretará imprescindivelmente o transporte das mercadorias, armaze-namento, seguro, dentre outras providências, situações em que se deverá especificar qual dos sujeitos envolvidos deverá suportar o risco de perda ou perecimento.

Neste sentido explica Johan Erauw, apresentando também o rol de remédios disponíveis ao comprador eventualmente lesado:

The buyer’s remedies for fundamental breach with respect to delivered goods are: requiring delivery of substitute goods (Article 46(2)), asking repair (Article 46(3)), reducing the price (Article 50), avoiding the contract (Article 49(1)(a)) and claiming damages (Articles 74 to 77). If a buyer either avoids the contract or demands substitute goods, the original delivered goods are returned to the seller (Articles 81(2) and 82), hence the risk also goes back to the seller.69

Os fatores chaves colocados pelo artigo 25, portanto, são: a) a quebra, para ser considerada funda-mental, deve privar a outra parte substancialmente daquilo que esperava auferir em função da relação con-tratual e b) a impossibilidade de previsão, por uma pessoa razoável, da situação que levou à referida quebra.

Assim, observamos a possibilidade de existirem situações de quebra contratual que não se adaptem à descrição acima estudada. Nestes casos, a resolução do contrato não será um remédio disponível à parte que se considerar lesada, sem prejuízo dos demais remédios disponibilizados pela Convenção, acima elencados.

Ressaltamos daí, novamente, a importância em retermo-nos momentaneamente na análise do conceito de “quebra fundamental do contrato” e demais disposições do artigo 25.

A noção de quebra fundamental vem amparada, como referido, por um conjunto de circuns-tâncias, cuja coexistência autoriza a parte lesada a requerer a resolução do contrato.

Não há quebra fundamental, portanto, sem que reste demonstrado o prejuízo – substancial- so-frido por uma das partes como consequência de comportamento diverso do esperado imputado à outra.

O prejuízo será a chave para determinar-se se ocorreu de fato uma quebra fundamental do contrato ou meramente uma quebra contratual. Esta última apresenta-se em casos de descumprimento de determinadas obrigações contratuais as quais, entretanto, não acarretem maiores danos ao outro

(67) SEVON, Leif. Passing of risk. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/sevon3.html>. Acesso em: 13 maio 2014.(68) Há referências à quebra contratual por parte do comprador, entretanto não são os casos mais comuns.(69) Tradução do original: “São remédios do comprador para violação fundamental no que diz respeito aos produtos fornecidos são: requerer a entrega de bens substitutos (artigo 46 (2)), pedido de reparação (artigo 46 (3)), a redução do preço (artigo 50), resolução do contrato (artigo 49 (1) (a)) e alegação de danos (artigos 74 a 77). Se um comprador ou resolve o contrato ou exige bens substitutos, os produtos originais entregues são devolvidos ao fornecedor (artigos 81 (2) e 82), portanto, o risco também vai voltar para o vendedor” (ERAUW, Johan. CISG Articles 66-70: the risk of loss and passing it. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/erauw.html#iv>.Acesso em: 13 maio 2014).

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contratante, como bem exemplifica Cyro Faria Annes: “Por exemplo, quando um vendedor não atende à obrigação de empacotar os bens, mas estes chegam intactos ao comprador, não haveria prejuízo”.70

De forma específica, o legislador convencional dispõe que o prejuízo capaz de embasar even-tual resolução do contrato é o prejuízo substancial.

O interesse básico da Convenção de Viena como sistema é a manutenção da relação contra-tual, reconhecendo-se sua função social e garantindo a segurança jurídica aos contratantes. Por isso notamos maior rigidez em razão à caracterização da quebra fundamental e, por conseguinte, à alter-nativa de rescindir-se o contrato.

Entretanto, analisamos o caso em que eventual descumprimento acarrete à outra parte o desinteresse na execução do negócio, eis que em virtude do comportamento diverso do esperado, as expectativas em relação ao contrato não poderão ser realizadas. O desinteresse caracteriza o prejuízo substancial, aquele que impede a parte lesada de auferir aquilo que justamente esperava do contrato, em razão de seus termos.

Ambos, doutrina e jurisprudência, pacificaram o entendimento a respeito do tema, ligando diretamente a definição de prejuízo substancial às expectativas da parte prejudicada.

Ressalta ainda Cyro Faria Annes71 que as dimensões dos danos causados pelo descumprimento não podem ser limitados a danos exclusivamente materiais ou mesmo a danos diretamente relaciona-dos com o contrato em questão, podendo naturalmente abranger prejuízos causados à parte em outras relações comerciais (como em casos de revenda de mercadorias), bem como danos extrapatrimoniais.

Em contrário vem o Código Civil brasileiro, conforme dispõe Maria Helena Diniz:

Se houver deterioração, o comprador terá a opção de resolver o contrato ou aceitar a coisa no estado em que se achar, com abatimento no preço; se o fato se deu por culpa do alienante (CC, art. 236), poderá pedir, ainda, indenização por perdas e danos.72

Percebemos divergência notável entre os dois sistemas: ainda que o inadimplemento não se dê em razão de culpa do vendedor, o comprador poderá resolver o contrato caso julgue conveniente. A alternativa concedida ao comprador em caso de culpa do devedor é a perseguição de perdas e danos, o que invariavelmente levará o dissídio ao âmbito judicial.

Assim, em contratos de compra e venda domésticos, ainda que os danos ou a perda sejam re-sultado unicamente de caso fortuito ou força maior, sem qualquer contribuição do vendedor para tal, o credor terá a opção de resolver o negócio, sendo a culpa, e não o prejuízo substancial73, o conceito utilizado como critério para o cabimento da medida.

O ônus da prova da existência do prejuízo substancial, na Convenção de Viena, é, naturalmen-te, da parte prejudicada, a qual deverá demonstrar objetivamente o nexo causal entre o descumpri-mento contratual do outro contratante e os prejuízos que teve de suportar.

Preceitua também o artigo 25 que, para caracterizar-se a quebra como fundamental, esta deve advir de situação previsível por pessoa razoável da mesma espécie nas mesmas circunstâncias.

Esta parte do artigo impõe outra condição à definição da substancialidade do prejuízo – e, portanto, do caráter fundamental da quebra – a previsibilidade.

(70) ANNES, Cyro Faria, apud FRADERA, Véra Jacob de; MOSER, Luiz Gustavo Meira (Orgs.). A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo: Atlas, 2011, p. 182.(71) ANNES, Cyro Faria, apud FRADERA, Véra Jacob de; MOSER, Luiz Gustavo Meira (Orgs.). A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo: Atlas, 2011, p. 182.(72) DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 24. ed. São Paulo: Sa-raiva, 2008, p. 193.(73) E, portanto, a quebra fundamental do contrato, nos termos da Convenção de Viena.

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A contrario sensu, caso arguido o prejuízo substancial por um dos contratantes, após a prova da ocorrência efetiva de danos, o ônus sofre uma inversão, recaindo então sobre a parte faltante. Caso seja capaz de provar que as circunstâncias que levaram ao descumprimento de suas obrigações não eram consideradas previsíveis, dentro da definição do artigo, a substancialidade do prejuízo sofrido pelo primeiro é afastada, bem como a possibilidade de resolução do contrato em razão do referido prejuízo.

Depreende-se então que, caso o resultado – prejuízo substancial – não fosse absolutamente imprevisível – por pessoa ponderada da mesma espécie nas mesmas condições –, o descumprimento contratual seria ainda considerado uma quebra por parte do contratante, entretanto, não terá a na-tureza de quebra fundamental.

O legislador convencional, adiante, conferiu imprecisão a respeito da resolução do contrato em razão da quebra fundamental, exigindo a prova da ocorrência de imprevisibilidade, conceito extre-mamente abstrato, por, como dissemos, pessoa ponderada da mesma espécie nas mesmas condições, noção também altamente abstrata.

A respeito do tema houve discordâncias já à época da elaboração da Convenção de Viena, bem como divergências doutrinárias que até os presentes dias subsistem. Cyro Faria Annes74 bem cita a observação de Véra Jacob de Fradera e Luiz Gustavo Meira Moser, quem atribuiu as críticas ao fator da imprevisibilidade ao fato de demonstrar-se uma potencial ferramenta de estímulo ao descumpri-mento contratual, eis que, segundo afirmou-se, bastaria a alegação de imprevisibilidade do resultado para eximir a parte faltante das consequências. Ainda segundo a jurista, em contrapartida, estudiosos afirmaram que a necessidade de prova concreta de que o resultado seria de fato imprevisível impos-sibilitaria locupletação da parte de má-fé, vez que não são raras as ocasiões em que a prova não é facilmente demonstrada.

Ainda coloca-se a menção a “pessoa ponderada da mesma espécie nas mesmas circunstâncias” como vaga, no sentido de apresentar grande dificuldade na determinação efetiva de quem e como seria uma “pessoa razoável”, vez que tratamos com um cenário internacional que abrange diversos fa-tores divergentes, e simultaneamente relevantes a tal definição, ocorrendo o mesmo com a expressão “nas mesmas circunstâncias”.75

Face à acirrada divergência doutrinária e à extrema vagueza dos termos empregados pela Convenção de Viena, chegamos naturalmente à conclusão a que chegou a doutrina: a aplicação da norma abstrata caberá à apreciação casuística.

Desta forma, analisando-se novamente o artigo 70, observamos que não existe qualquer men-ção por parte do legislador convencional a respeito do risco sobre as mercadorias em caso de aplicação de um dos remédios disponíveis ao comprador prejudicado, em especial a rescisão contratual.

Como referimos, entretanto, saber quem suporta o risco é de extrema importância em qual-quer relação comercial, levantando assim um problema a ser enfrentado.

Johan Erauw76 manifesta-se neste sentido, colocando que em caso de invocação de um dos remédios do comprador, o risco sobre os produtos passará ao vendedor, de forma retroativa, vez que imputam-se a ele as consequências pelo descumprimento contratual.

Coloca ainda o autor situações em que, de acordo com os artigos 82 e 83 do texto convencional, o comprador perderia o direito de invocar os remédios de rescisão contratual e substituição das merca-dorias. O comprador então, embora suporte uma quebra contratual por parte do vendedor, ainda estará obrigado a pagar o preço. Apesar disso, segundo o jurista, não haveria empecilhos a que o comprador

(74) ANNES, Cyro Faria, apud FRADERA, Véra Jacob de; MOSER, Luiz Gustavo Meira (Orgs.). A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo: Atlas, 2011, p. 184.(75) FRADERA, Véra Jacob de; MOSER, Luiz Gustavo Meira (Orgs.). A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo: Atlas, 2011, p. 186.(76) ERAUW, Johan. CISG Articles 66-70: the risk of loss and passing it. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/erauw.html#iv>. Acesso em: 13 maio 2014.

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reclamasse, como exemplifica, outros remédios que ainda restam a sua disposição, como um abatimento no preço acordado em razão de perda ou deterioração. O comprador que permaneça em posse das mer-cadorias enquanto aguarda providências do vendedor, portanto, não será submetido ao risco sobre elas, meramente responderá pelas obrigações inerentes a sua manutenção e armazenamento.

Apontam ainda, sobre o risco em tais situações, Maria Ângela Bento Soares e Rui Manuel Moura Ramos:

Concretamente no que toca ao direito de resolução (...), poderia pôr-se um problema. O de, estando a sua utilização condicionada pela possibilidade de restituição, em estado idêntico, das mercadorias ao vendedor (artigo 82, parágrafo 1), saber se tal faculdade não ficaria precludida pelo facto de se ter operado a perda ou deterioração das mercadorias após a transferência do risco para o comprador. Em todos os demais casos, o direito de resolução não é prejudicado, ainda que a perda ou desaparecimento das mercadorias resulte de caso fortuito.77

Perceba-se, no problema considerado pelos autores, que o sentido geral, a lógica do texto con-vencional não permitiria solução diversa, pois, como já ressaltado, a quebra fundamental do contrato é pressuposto ao exercício do direito de rescisão contratual, nos termos do artigo 70 c/c artigo 25.

Desta forma, caso incorra o vendedor em uma quebra fundamental, natural é a transferência do risco sobre as mercadorias durante o lapso temporal até a efetiva rescisão do acordo a si, eis que foi ele quem descumpriu com suas obrigações, causando assim prejuízos ao comprador.

3.3.1 Situações específicas

Importa ainda ressaltar situações comumente analisadas pela doutrina que, de acordo com fatores variáveis, poderão ou não configurarem-se em quebra fundamental, tanto por parte do vende-dor quanto por parte do comprador.

A demora na entrega dos bens, por si só, não representa, em tese, uma quebra fundamental por parte do vendedor.

Voltamos à análise do conceito de quebra fundamental para justificarmo-nos: a simples en-trega intempestiva da carga não gera, em regra, prejuízo substancial ao comprador78, e, portanto não serve como única circunstância basilar para a rescisão contratual.

Entretanto, o exame casuístico pode apresentar situações em que outros fatores, aliados ao atraso, comprovem o prejuízo imposto ao comprador. A doutrina cita, especialmente, casos em que a natureza do produto comercializado exija pontualidade na entrega, por tratar-se de bem perecível ou mesmo sazonal.79

A entrega após a data máxima estipulada pode também operar quebra fundamental do contra-to, de acordo com Cyro Faria Annes, quando “(...) os bens deveriam ser entregues em uma determi-nada data, e esta data era determinante do ponto de vista do comprador, sendo que o vendedor sabia disso, haveria quebra fundamental no caso de atraso na entrega dos bens”.80

Encontram-se na doutrina outros vários exemplos de situações semelhantes, todos colocando como critério de avaliação da eventual existência de quebra fundamental a relevância para o com-prador da data combinada para entrega. Reiteramos: o estudo sempre remeterá à noção de prejuízo substancial. Caso a demora na entrega não gere sérios prejuízos, a quebra em questão não terá caráter fundamental, não ensejando, portanto medida tão drástica quanto à rescisão.

(77) SOARES, Maria Ângela Bento; RAMOS, Rui Manuel Moura. Contratos internacionais. Coimbra: Almedina, 1995, p. 184-185.(78) De forma geral, pois apesar do atraso, as mercadorias foram afinal entregues.(79) ANNES, Cyro Faria, apud FRADERA, Véra Jacob de; MOSER, Luiz Gustavo Meira (Orgs.). A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo: Atlas, 2011, p. 188-189.(80) ANNES, Cyro Faria, apud FRADERA, Véra Jacob de; MOSER, Luiz Gustavo Meira (Orgs.). A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo: Atlas, 2011, p. 188.

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Importa ainda atermo-nos à questão do risco, nas palavras de Adolfo A. N. Rouillon e Daniel F. Alonso:

Por ende, en caso de entrega tardía y destrucción posterior antes que el comprador se hiciere cargo de las mercaderías sin comunicar su intención de resolver, la pérdida debe ser soportada por el vendedor, aun cuando éste ya no era responsable por el riesgo, en la misma inteligencia de translación retroactiva de aquél con motivo del incumplimiento (arts. 70 y 81).81

O mesmo ocorre em situações inversas. Caso o comprador incorra em demora no pagamento do preço estipulado, o entendimento doutrinário é que tal atraso não configura por si só uma quebra de natureza fundamental.82

Será sempre necessário analisarem-se os casos individualmente, levando-se em consideração suas especificidades sob o critério de avaliação principal, como já colocado: a ocorrência ou não do prejuízo substancial.

Assim, dada a distinção entre “quebra” e “quebra fundamental” do contrato, percebemos a acentuada relevância que possui tal diferença83, a qual reside na natureza dos danos causados pela parte faltante – prejuízo substancial - e da situação que acarretou o descumprimento, sendo a quebra fundamental, como já destacado, a única capaz de embasar a resolução do negócio jurídico, nos ter-mos do artigo 70 c/c artigo 25 da Convenção de Viena.

Considerações Finais

As normas da Convenção de Viena pretendem disponibilizar maior facilidade e segurança jurí-dica aos contratantes, conforme mencionado, através da centralização das disposições concernentes à compra e venda internacional de mercadorias.

Quanto à transferência do risco, nos artigos convencionais ora estudados são abordadas as principais situações em que potencialmente irão encontrar-se os comerciantes internacionais, sempre imputando o risco a comprador ou vendedor, utilizando-se o critério de maior controle sobre a carga para determinar quem arcará com os prejuízos em caso de perda ou danos.

Já o ordenamento jurídico brasileiro, apesar de ater-se à questão no Código Civil de 2002, o fez de forma mais breve, sem, entretanto, deixar de apresentar grandes e relevantes semelhanças com os artigos convencionais.

Notável é, dentre tais semelhanças, a recepção do princípio da Boa-Fé objetiva em ambos os siste-mas, eis que a intenção do contratante ao agir é sempre considerada, bem como a prévia ciência de que suas ações são potencialmente danosas e, também, a eventual negligência em cumprir com sua parte do acordo.

Seja de acordo com o legislador convencional, seja de acordo com o legislador brasileiro, portanto, em caso de uma das partes agir de forma negligente ou em má-fé, causando assim danos ou perda das mercadorias (e, naturalmente, prejuízos ao outro contratante), ter-se já operado a trans-ferência do risco ou não é matéria irrelevante, eis que o comerciante de boa-fé, cumpridor de suas obrigações, não deverá suportar os prejuízos a ele impostos de tal forma. Ainda que o risco não mais incida sobre si, o contratante de má-fé responderá pela perda ou decréscimo, seja por pagar o preço, caso seja o comprador, seja por não recebê-lo, caso vendedor.

Assim, o princípio basilar a orientar o desenvolvimento da relação mercantil deverá ser o da Boa-Fé, o que pode ser observado no decorrer da leitura de ambos os textos na matéria concernente à compra e venda, especialmente à transferência do risco.

(81) Tradução do original: “Assim, em caso de atraso na entrega e posterior destruição antes de o comprador tomar posse das mercadorias sem comunicar a sua intenção de rescindir, a perda deve ser suportada pelo vendedor, mesmo não sendo mais responsável pelo risco, em mesma inteligência que transmissão retroativa do risco (arts. 70 e 81)” (ROUILLON, Adolfo A. N.; ALONSO, Daniel F. Codigo de Comercio: comentado y anotado. 1.. ed. Tomo I. Buenos Aires: La Ley, 2005, p. 794).(82) Observe-se que o não pagamento, de acordo com a doutrina, constituirá de pronto quebra fundamental. (FRADERA, Véra Jacob de; MOSER, Luiz Gustavo Meira (Orgs.). A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo: Atlas, 2011, p. 192).(83) E, por conseguinte a análise conjunta dos artigos 70 e 25 da Convenção de Viena.

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Em contrapartida, diferem Convenção e Código Civil ao determinarem o conceito central a ser levado em consideração para, de forma prática e objetiva, decidir a qual das partes tocará o risco sobre a transação mercantil.

O Código Civil como sistema tem por origens as normas romanas, segundo as quais res perit domino, ou seja, a coisa perece para seu dono.

Trata-se de uma forma de fato mais objetiva e em contrapartida demasiado simplista de colo-car que o fator a determinar quem deverá suportar eventuais danos ou a perda do bem em uma relação de compra e venda, no Brasil, será o proprietário.

A propriedade, por sua vez, é estritamente ligada ao instituto da posse, passando o comprador a figurar como dono somente após a tradição. Tal definição, como apontamos, vem a onerar demasia-damente o vendedor, eis que é ele o proprietário até que a mercadoria chegue às mãos do comprador, o que, em uma transação internacional, pode tomar um grande espaço de tempo, durante o qual, seja qual for a situação84, res perit domino – o vendedor deverá responder por danos ou perda ou, como quer a lei pátria, caso fortuito ou força maior.

Já a Convenção de Viena opta por dissociar os institutos da posse e da propriedade, admitindo que o comprador torne-se o dono antes mesmo da chegada da carga ao bem de destino, colocando como centro para a transferência do risco uma noção mais subjetiva: deverá arcar com os riscos aque-le que estiver em melhores condições de tomar as providências cabíveis em caso de danos ou perda.

Apesar de tal disparidade conceitual, como mencionamos, o princípio a direcionar e embasar ambos os sistemas é a Boa-Fé, exigindo-se idoneidade de ambos os contratantes do início ao fim da relação contratual.

Assim, em termos práticos, os sistemas exercem função muito semelhante, amparando a par-te de boa-fé contra eventuais quebras contratuais por parte do outro acordante, diminuindo a impor-tância e incidência da disparidade acima mencionada.

Portanto, apesar de existentes, as distinções conceituais não exercem influência sobre o resul-tado final, sobre as diretrizes e sobre a base dos dois diplomas, não representando um óbice relevante à recepção das normas convencionais pelo ordenamento jurídico brasileiro, a qual não deverá, acredi-tamos, ensejar maiores infortúnios.

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(84) À exceção da má-fé.

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Descripcion del método y lenguajeutilizado en la obra de Santo

Tomás de Aquino la sumade teología o teológica.

Adrián Sergio Cetrángolo1

Resumen

El presente trabajo describe en forma simple y concreta, el método y lenguaje uti-lizado en la obra La Suma Teológica del Dr. De la Iglesia Santo Tomas de Aquino. Su objetivo es meramente descriptivo y pretende ser una simple guía metodológica para ordenar el pensamiento aplicado a la elaboración de trabajos de orden científico, describiendo la inobjetable narrativa de la obra orientada únicamente a la búsqueda de la verdad lógica.

Palabras Claves Método .Suma teológica. Santo Tomas de Aquino. Verdad lógica

Abstract

This paper describes in simple and concrete form, method and language used in the work The Summa Theologica of Dr. From St. Thomas Aquinas Church. Its purpose is merely descriptive and aims to be a simple methodological guide for ordering the thought applied to the development of work scientific, irrefutable narrative descri-bing oriented solely to the pursuit of truth logic work.

Key Words

Suma Theological method. St. Thomas Aquinas. logical truth

Introducción:

El objeto del presente estudio del método y el lenguaje empleado por el autor en la obra mencionada desde diferentes visiones o aspectos tiene ell fin de determinar algunas consideraciones que nos permitan entender el proceso racional empleado, que convierte a la obra en una pieza única del estudio realista del objeto que se propone. Esto es particularmente importante para su época dándole un rigor racional-metodológico-científico al estudio de la Teología que convirtió a su autor en uno de los más grandes metafísicos de la historia.

Observaciones metodológicas: Debemos mencionar como observación metodológica que, como modo de arribar al objeto de estu-

dio, nos hemos propuesto hacerlo desde diferentes pero definidos modos que a continuación se desarrollan.

(1) Abogado en Argentina. Profesor Titular de Derecho Civil III Contratos (IUPFA), Profesor Adjunto de Civil III (Contratos Universidad Maimóni-des), Profesor Adjunto de Derecho Comercial I (Unlam),Profesor de Derecho del Seguro (UBA) (FCE), Director Académico Fundación Ciencias Jurídicas y Sociales, Instituto académico del Colegio de Abogados de la Provincia de Buenos Aires (CiJuSo).

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1)Lineamientos generales de la filosofía Tomista

La importancia de conocer los LINEAMIENTOS GENERALES DE LA FILOSOFIA TOMISTA esta dada en que: debemos saber desde donde se elabora la obra, y desde donde habla su autor, su concepción de Dios, del hombre y del orden Social. Su análisis debe ser somero para no distraer la atención del objeto de estudio principal.

Los Lineamientos Generales de la filosofía Tomista parten de dos axiomas básicos en los cuales se apoyan

1) La afirmación de la realidad objetiva del Universo. Y 2) La confianza en los sentidos y en la inteligencia humana como Instrumentos del Conocimiento.

El hombre de cara al Universo se halla con un inmenso espectáculo, riquísimo, variado y con-fuso, que los sentidos aprehenden y que la inteligencia penetra y descubre el orden existente en el universo.

En consonancia con estos principios establece:LOS CUATRO ORDENES UNIVERSALES: Los menciona en orden de importancia y puede fundarse

una distinción conveniente entre de las disciplinas filosóficas con sus correspondientes Objetos Formales:• Orden Natural: El que la Razón Humana no Hace si no considera.(Objeto de la Física y la Metafísica)

• Orden Racional El que la razón humana hace en sus propios actos, ordenando entre sí los conceptos y sus signos, que son las palabras. (Objeto de la Moral y la Etica).

• Orden Moral: El que la razón humana hace en las operaciones de la voluntad.

• Orden Técnico: El que la razón se introduce en las cosas exteriores, construidas por el hombre (Objeto de las artes mecánicas).

En estos cuatro ordenes y en sus diversos planos analógicos está la realidad plena del hombre.

-TEOLOGIA NATURAL EXISTENCIA DE DIOS: Define que la búsqueda de Dios puede hacerse por dos caminos, el de la Fe (el más perfecto) y el de la razón ( que Santo Tomas elabora) y como una aca-bada interpretación de esa busqueda, define “No se trata de definir o comprender a Dios, Indefinible e incomprensible, si no de definir y comprender el mundo que, sin El , no tendría razón de ser, ni podría subsistir, ni sería siquiera accesible a nuestro conocimiento”-

-LA PERSONA HUMANA: La PERSONA es una sustancia completa repitiendo a Boccio la define

como “Una sustancia individual de Naturaleza Racional”, una” unión sustancial de Cuerpo y Alma”. El alma humana es una sustancia incompleta y no forma por sí sola a una persona.

-LA LEY: “Es una cierta ordenación de la Razón (Práctica) dirigida al bien común y promulgada por quien tiene a cargo el cuidado de la comunidad.” Y establece cuatro categorías de Leyes.

• *Ley Eterna: Es el plan de la Divina Sabiduría por el que dirige todas las acciones y movimientos de las criaturas en orden al bien común de todo el universo.

•*Ley Natural: Es la Ley natural promulgada al hombre por medio de la razón.

•*Ley Positiva: Es la que procede del intelecto práctico de la razón humana, dirigida al bien común temporal, y promulgada por la autoridad competente.

De lo expresado puede deducirse un vocación racional y realista del cosmos que como veremos sin duda se expresará también en el plan de la obra y el método.

2) Plan de la obra

Así las cosas, comenzaremos por decir que sigue un esquema Teológico. Comienza con Dios, re-

alidad suprema y principio de todo lo real; desciende luego a a los seres creados y asciende nuevamente a Dios a través de de la actividad Humana, por ser el hombre síntesis de la creación. De esta doble línea ascendente descendente se abre a la historia para estudiar la acción salvífica efectuada por Cristo.

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De allí la división tripartita de la obra. La segunda parte por su extensión, esta dividida en dos: Prima Secundae y Secunda Secundae. Cada una de las partes se divide en cuestiones, que a su vez se dividen en artículos.

Tal es el plan de la suma teológica y el proceso aque ha dado lugar: 1°Parte: La emanación de Dios el Principio:2° Parte, el retorno, Dios el fi; como quiera que de hecho, según el designio libre y absolutamente gratuito de Dios (la historia sagrada nos lo ha revelado), este retorno se hace por mediante Cristo-Hombre-Dios, la 3° Parte Estudiará las condiciones cristianas del retorno.

División de la Suma Teológica:

1° PARTE

a)Dios en si mismo, Uno en esencia y trino en Personas.

b) Dios Creador, conservador y gobernador de todas las cosas.

2°PARTE

c) Dios como fin supremo y último de las criaturas racionales.

d) Medios aptos y adecuados para conseguir ese fin supremo.

3°PARTE

e) Camino que lleva al fin Supremo y último: Nuestro Senor Jesucristo.

Así pues si la Primera Parte considera a Dios en si mismo y como primer principio eficiente de todas las cosas, la Segunda y Tercer Partes lo miran como Fin Ultimo y Bienaventuranza cumplida de la criatura racional.

Este camino ascendente, descendente, ascendente constituye el eje conductor de la obra que traza un camino ordenado hacia el conocimiento racional de Dios, el hombre y la naturaleza.

Debemos plantearnos cual el objetivo de Santo Tomás al estructurar su obra. Estos objetivos fueron:

a) Exponer de manera concisa, compendiada el conjunto de un campo científico determinado (recorde-mos que nos encontramos en un período pre-científico)

b) Organizar minuciosamente los objetos tras un minucioso análisis, y

c) Llevar esto a cabo de manera que la obra se adapte pedagógicamente a los estudiantes .

Con esto pretende remediar los inevitables defectos de la enseñanza escolástica la dispersión de la materia teológica supeditada a desordenadas disputas, las repeticiones, las discusiones inútiles, la imposibi-lidad de formarse una visión sintética de las cosas siguiendo el orden de los textos bíblicos. La redacción de la suma comprueba esa intención de poner orden, de simplificar y por lo mismo, de mejorar la enseñanza.

La perfección de la Suma desde el punto de vista de su construcción, no es un punto de parti-da, sino una meta; sería desconocer el mecanismo propio del espíritu humano creer que la elaboración de la Suma no es el resultado de un largo y difícil tanteo, constantemente reemprendido y utilizado según las exigencias del objeto.(“Todo objeto de conocimiento se resiste a la sistematización por-que lo real desborda los esquemas de nuestro espíritu”)

3)Método empleado en su discurrir

Así pues, Santo Tomás adopto un esquema neoplatónico. Supongamos que pretendió ser fiel a la tradición teológica cristiana, pero lo que sobre todo intentaba era utilizar los recursos que brindaba ese esquema para resolver la aporía mencionada.

El tema de la emanación y del retorno permite ciertamente precisar el orden de las naturalezas con respecto a Dios, principio y fin, encasillándolos en la jerarquías de género y especies :he aquí la inte-ligibilidad formal . Por otra parte encaja en el detalle concreto de la emanación (Génesis) y del Retorno (Gobierno divino y actividad libre del hombre) : hete aquí a la teología embebida de historia sagrada.

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Para lograr lo propuesto Santo Tomás en su obra debió superar el determinismo e idealismo que caracterizan al neoplatonismo pagano. En este esquema se resuelve dejando afectada la emana-ción y el retorno por la voluntad de Dios.

El método empleado por Santo Tomas es el de la disputa (Frecuente en la Edad Media), con-sistente en un camino lógico de argumento y oposición y una solución final a lo uno y lo otro. Su obra también la componen las denominadas Cuestiones Disputadas, siguiendo este método 1) Cuestiones Ordinarias (Debates en la Cátedra) y 2) Cuestiones Extraordinarias o quolibet (Debates sin tema fijo que tenían lugar en grandes solemnidades litúrgicas, navidad, pascua, etc.) algunas de ellas son a)So-bre la verdad, b)Sobre el alma, c)Sobre la potencia, d)Sobre las criaturas espirituales, e)Sobre el mal, f)Sobre las virtudes, g)Sobre el verbo encarnado, h)Sobre las virtudes cardinales, i)Sobre la corrección fraterna, j)Sobre los atributos divinos.;etc.

El método de la disputa enunciado se compone de cinco pasos:

1°) Enunciado de la tesis: La tesis es una proposición (que deberá mantenerse con razonamientos argu-mentativos) la cual es clara y estructurada Lógicamente.

2°) Objeciones: Se expresan los argumentos contrarios a la Tesis planteada.

3°) Argumentos de autoridad: Se fundan y explican todos los argumentos que puedan ser encontrados en contra de la tesis planteada.

4°) Argumentación de la tesis: Se plantean, se fundan y explican todos los argumentos que puedan ser encontrados a favor de la tesis planteada.

5°) Solución de objeciones: Se plantea la solución a las argumentaciones en contra del 2° punto, que convalidan la tesis planteada.

Así podemos decir que Santo Tomás a través del descripto método persigue un alto fin cientí-fico. Sigue el camino del trabajo especulativo, aprovecha el resultado de las indagaciones anteriores (Las Disputas) y se deja guiar también por puntos de vista religioso-morales. De este modo Santo To-mas presenta un fundamento especulativo-autónomo, lógico-Metafísico, una manera de considerar las cuestiones y un método positivo-histórico y una trama religioso-mística.

En esta técnica de exposición, que en todo momento presenta pro et contra (argumento en contra), se decide como explicamos por una solución determinada y después refuta los argumentos alegados en pro de la opinión contraria. Lo realizado por Santo Tomás no se reduce a un artificio dialéctico, si no que esta al servicio de una duda metódica real .Muchas veces en las respuestas a las objeciones se encuentran intercaladas observaciones accesorias, que en la parte principal o cuerpo del articulado hubieran estorbado la marcha propia de la demostración.

4)Lenguaje Empleado

El lenguaje empleado tiene un estilo sencillo, práctico, positivo, sin vuelo retórico,y sin co-lorido poético. Su objeto no es trazar brillantes cuadros, ni construir frases impresionantes y de rico colorido, sino expresar ideas claras y límpidas. Fantasía y sentimiento parece que se retiran.

En el desarrollo brillante y la originalidad del estilo aventaja Buenaventura a Santo Tomás. En Santo Tomás lo que da carácter al escrito es la sobria reflexión propia del modo aristotélico; en Buenaventura trasciende al lenguaje el fuego entusiasmo platónico –agustiniano.

Conclusiones Finales Santo Tomás llevo a cabo ante todo, un trabajo intelectual independiente, lógico-metódico y

metafísico-especulativo. Su método está guiado por puntos de vista rigurosamente objetivos y domi-nado únicamente por el ideal de verdad. El mismo dice ”En la aceptación lo mismo que en el repudio de las opiniones, no debe el hombre dejarse guiar por el amor o por el odio hacia aquel que las repre-sente, si no más bien por la certidumbre de la verdad”.(racionalidad)

En esta utilización y refutación del neoplatonismo Santo Tomás sostiene que “la razón nada puede contra la verdad de la fe, pero puede jugar un papel en la manifestación de la verdad, una vez demostrada: Manifestar una Verdad de Fe inaccesible a la razón será como apuntalarla con razones

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no demostrativas ciertamente sino probables o tan solo verosímiles, aclararlas mediante analogías y lejanas semejanzas que podamos hallar en las cosas.”

En toda ocasión sigue el camino recto de la verdad y procura aportar toda luz y claridad po-sible con el tema que se trata.

En laza su trabajo con los resultados anteriores de la ciencia, aprovecha el saber ya adquiri-do, enfila argumento sobre argumento, observación sobre observación, hasta que surge la respuesta buscada como una imagen en relieve.

En todo momento separa el saber real del saber aparente, lo cierto de lo probable, el resul-tado definitivo de la hipótesis.

En la obra de referencia Santo Tomás emplea juntamente la observación y la especulación, el análisis y la síntesis, y así encuentra la vía media de la consideración unilateral de la realidad y la apreciación exclusiva de la idea , entre el empirismo positivista y el realismo exagerado.

En particular La Suma Teológica es una joya del arte didáctico que le debemos a su método y lenguaje claro, racional y distinto.

Es atribuible a la Suma poner orden al estudio de la teología, y en virtud de ello podemos decir que “por los canales de la organización sistemática discurre toda la sabia de la tradición cristia-na y da vida a todo el conjunto. En esta “organización sistemática” mucho interviene el método y el lenguaje de la obra, por lo que pienso que gran parte del éxito de la difusión de la doctrina Cristiana (base del mundo occidental) podría ser atribuido a su claridad conceptual y metodológica.

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Dignidade da Pessoa Humana comoDiretriz da Execução Penal:

A Metodologia APAC*Suellen Martins Pacheco1

Henrique Severo Palma2

Olga Maria Batista Gon3

RESUMO

O presente trabalho visa contextualizar a Dignidade da Pessoa Humana como princí-pio fundamental aplicável a todo o Direito e, sendo assim, a necessidade imperativa de sua observância na Execução Penal Brasileira. A alternativa de implementação do Método desenvolvido pela APAC – Associação de Proteção e Auxílio ao Condenado apresenta novas perspectivas e possibilita a obtenção de resultados diferentes dos demonstrados pelo Sistema Prisional comum, atendendo ao disposto na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

PALAVRAS-CHAVE

Dignidade da Pessoa Humana, Pena de Prisão, Execução Penal do Brasil, APAC, Asso-ciação de Proteção e Amparo ao Condenado.

ABSTRACT

The present study aims to contextualize the Dignity of the Human Person as a fun-damental principle applicable to all the Law and, thus, the imperative necessity of its observance in Brazilian Penal Execution. The alternative implementation of the Method developed by APAC – Association of Protection and Assistance to the Convict-ed presents new perspectives and makes possible the obtainment of results different from those demonstrated by the common Penal System, attending the explained at the Constitution of the Brazil Federative Republic in 1988 and the Universal Decla-ration of Human Rights.

KEYWORDS

Dignity of the Human Person, Prison Sentence, Brazilian Penal Execution, APAC, Asso-ciation of Protection and Assistance to the Convicted.

Introdução

A evolução das concepções acerca dos bens e valores inerentes ao Homem elevou a Dignidade da Pessoa Humana à Princípio Fundamental Universal, colocando-a como diretriz da Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos e da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Em que pese a Primazia da Dignidade da Pessoa Humana seja amplamente difundida pelos Estados Constitucionais

(1) Acadêmica de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre(2) Acadêmico de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre(3) Acadêmica de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre * Trabalho apresentado na XII Jornada Interuniversitária de Direito Constitucional e Direitos Humanos que ocorreu em setembro de 2014 na Universidade Javeriana de Bogotá, Colômbia, sob orientação do Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre Roque Soares Reckziegel, Mestre em Direito pela Unisinos e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS.

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Contemporâneos, há dificuldade quando de sua efetivação, como é o caso do Sistema Prisional Bra-sileiro, o qual não é capaz de harmonizar a pena de prisão aos direitos intrínsecos à pessoa. A fim de cumprir o disposto na Ordem Constitucional de 1988, o método desenvolvido pela APAC - Associação de Proteção e Assistência ao Condenado surge como alternativa à atual execução da pena no Brasil, apresentando resultados diferentes dos observados no Sistema Prisional Comum.

1. Dignidade da Pessoa Humana

A dignidade da pessoa humana é o princípio fundamental consagrado internacionalmente que confere unidade e sentido a uma determinada Ordem Constitucional, colocando o Ser Humano como fundamento e fim da sociedade e do Estado.

1.1 Breves Considerações Históricas quanto à Dignidade da Pessoal Humana

Na antiguidade clássica a dignidade se relacionava com a posição social ocupada pelo indi-víduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade. Para os antigos, esta poderia ser quantificada, bem como sofrer variações dependendo da pessoa tomada por referência, ou seja: admitia-se a existência de pessoas mais dignas e pessoas menos dignas. O cidadão grego, por exemplo, sentia-se livre e digno ao participar diretamente da vida política, mesmo que fosse tolhido do que consideramos hoje garantias individuais e estivesse submetido sem ressalvas à vontade da maioria4. Marco Túlio Cícero (Roma, séc. I a.C.) considerava a dignidade um atributo humano decor-rente da qualidade ímpar de ser racional, embora não a entendesse como conjunto amplo e universal de direitos inerentes à pessoa e sim como uma potencialidade sujeita a evolução através do cumpri-mento de deveres, tendo sua tessitura definida pela posição sociopolítica dos indivíduos5. Porém, as indagações acerca de direitos naturais ao Homem, independentemente de norma prévia ou posterior ratificação pelo poder constituído, já poderiam ser observadas na obra Antígona de Sófocles, escrita no séc. V a. C.6

Essa noção de dignidade como predicado humano passível de graduação permaneceu no Me-dievo, não mais apenas como fator de diferenciação em relação aos outros seres vivos e sim pautada na autodeterminação e na circunstância defendida pela Igreja Católica de ter sido o Homem feito à imagem e semelhança de Deus7.

Durante o Renascimento houve uma maior abrangência da concepção de dignidade, sem – con-tudo – desvencilhar-se do precedente teológico, razão pela qual se considera que Immanuel Kant inicia a construção da dignidade universal humana e completa o processo de secularização:

O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser consi-derado simultaneamente como fim.8

(...)No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, po-de-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.9

Em que pesem as críticas ao modelo kantiano de dignidade, destacando-se aquelas concer-nentes a não ter sido superado o excessivo antropocentrismo (ainda mais em tempos de necessária proteção Ambiental) sua importância filosófica e jurídica é inquestionável e continua a propiciar as bases para a conceituação da dignidade da pessoa humana na atualidade.

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1.2 Dignidade da Pessoa Humana como Fundamento Universal Do Direito

As discussões relativas à condição diferenciada do Homem e o conjunto de bens e valores que permeiam sua Dignidade, como se pode observar, ocorrem desde a Idade Antiga. No entanto, a elevação ao posto de Princípio Universal e fundamento do Direito interno de inúmeros ordenamentos jurídicos, bem como sua primazia no âmbito do Direito Internacional, é resultado de um movimento recente da história que buscou oferecer resposta às atrocidades cometidas na segunda guerra mundial.

Neste contexto, o acesso a tecnologias de comunicação em massa possibilitou que fossem di-vulgadas em larga escala as consequências catastróficas da desconsideração do outro. Em razão disso, cidadãos dos mais diferentes Estados e culturas puderam questionar o governo que tinham legitimado e rever o paradigma no qual estavam inseridos, percebendo que alguns direitos deveriam ser comuns e não mais permanecer no campo da discussão teórica:

Perante as experiências históricas de aniquilação de ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências físicas ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento político da República. Nesse sentido, a República é uma or-ganização política que serve ao homem, não é o homem serve os aparelhos político-organizatórios10.

Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada em 1948 pela aprovação unânime de 48 Estados, e os direitos nela expostos tem por características a Universalidade, pois a condição de pessoa é requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos, sendo a Dignidade Humana fundamento dos direitos humanos; e a indivisibilidade, sendo o catálogo dos direitos civis e políticos conjugado ao catálogo dos direitos econômicos, sociais e culturais11.

Gize-se que não há qualquer ressalva no que concerne à característica humana inata de pos-suir Dignidade – independe das circunstâncias concretas, já que inerente a toda e qualquer Pessoa Humana, visto que, em princípio, todos — mesmo o maior dos criminosos — são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas12.

Essa “igualdade” difere da postulada pelas revoluções liberais que combateram o Absolutismo e culminaram no Estado de Direito. Percebeu-se que não seria suficiente resguardar apenas a igual-dade formal, consubstanciada em direitos de primeira geração (não intervenção estatal e respeito às garantias individuais) para que seja propiciada dignidade à pessoa humana. Para tanto, o Estado preci-saria intervir para dirimir as desigualdades materiais (direitos de segunda geração ou direitos sociais) a fim de conferir efetividade aos Direitos Humanos.

Contudo, em alguns países, o Estado Social nasce ligado a formas de governos autocráticos, caracterizados pela falta de participação popular, havendo certa “sucessão” de direitos. No Brasil, nasce ligado à Ditadura Militar, palco de inúmeras violações à Declaração Universal dos Direitos Huma-nos, embora tenha sido signatário do supracitado documento. Desta forma, apenas com a Constituição de 1988 foi possível dar vazão aos compromissos já firmados no campo internacional e assumir inter-namente a tarefa de propiciar o conjunto de direitos, garantias e deveres capazes de resguardar o conceito pluridimensional de Dignidade e conferir direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração concomitantemente13.

Nesse sentido, importante mencionar a lição do ilustre doutrinador Ingo Wolfgang Sarlet14:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispõe já em seu artigo primeiro ser um Estado Democrático de Direito e ter por Princípios Fundamentais a Soberania, a Cidadania, a Dignidade da Pessoa Humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

(10) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 225.(11) PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 44(12) SARLET, Ingo Wolfgang. Dimensões da Dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e de Direito Constitucional. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 21(13) SCHÄFER, Jairo. Classificação dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.(14) SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62

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Faz-se imprescindível a análise do presente dispositivo para a compreensão da complexa gama de conceitos aplicáveis a todos os ramos do ordenamento jurídico brasileiro, bem como sua postura no âmbito internacional.

Em primeiro plano, o Estado, de forma resumida, é uma sociedade política criada pela von-tade de unificação e desenvolvimento do Homem com intuito de regulamentar e preservar o interesse público, tendo por finalidade o bem comum. Pressupõe benefícios, direitos e deveres, para os indiví-duos formadores deste “pacto”, uma vez que foge a própria ideia de racionalidade e autopreservação a concordância com um “contrato social” em que exista mais prejuízo do que benesses. O único modo legítimo pelo qual alguém abre mão de sua liberdade natural e assume os laços da sociedade civil consiste no acordo com outras pessoas para se juntar e unir-se em comunidade, para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras.15 Na concepção contemporânea, vale dizer que a razão e a finalidade do Estado são a preservação e o desenvolvimento humano em toda a sua potencialidade: é a concretização da Dignidade de todos, sem a qual não existe bem comum. Daí a necessidade de De-mocracia (demos = “povo” e kratos = “governo”), ou seja, que o poder emane do povo, do destinatário da abstração formadora do Estado, sem a qual não se pode manifestar dignidade individual ou coletiva em toda a sua amplitude. Por isso não basta apenas que o Estado de Direito seja entendido como um simples seguidor da lei, mais do que isso, o Direito se presta a oferecer subsídios normativos – regras e princípios - que possibilitem e o legitimem no cumprimento de seu dever à luz da dignidade da pessoa humana.

Assim é a ordem constitucional brasileira logo em seu artigo primeiro: na República Federativa do Brasil o Estado está submetido ao Direito, sendo que o poder emana do povo, e tem por princípios fundamentais a soberania – não possuir superior no plano externo e nem igual no plano interno – a cidadania (capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações) e a Dignidade da Humana.

Essa forma de organização alicerçada nos direitos humanos foi adotada em diversos países, citando-se como outro exemplo latino-americano a CONSTITUCION POLITICA DE COLOMBIA, que já em seu artigo primeiro dispõe que:

Colombia es un Estado social de derecho, organizado en forma de República unitaria, descentralizada, con autonomía de sus entidades territoriales, democrática, participativa y pluralista, fundada en el respeto de la dignidad humana, en el trabajo y la solidaridad de las personas que la integran y en la prevalencia del interés general.

Portanto, os Direitos Humanos e a primazia da Dignidade da Pessoa Humana fundamentam grande parte dos Estados Constitucionais contemporâneos, porém muitas vezes padecem de efetivida-de, como é o caso do Sistema Prisional Brasileiro.

1.3 O Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana aplicado ao Direito Penal.

Observadas as devidas considerações gerais concernentes à Dignidade da Pessoa Humana e sua posição suprema no plano interno e externo, importante se faz a análise de sua aplicação quando diante do ramo mais sensível de qualquer ordenamento jurídico: o Direito Penal.

A origem da pena já era vista no século XVIII por Cessare Beccaria como uma maneira de con-trabalançar os efeitos do interesse do indivíduo que se opõe ao bem geral. O ilustre autor defendeu que a legitimidade Estatal para aplicá-la advém da parcela mínima de liberdade que o particular dis-pôs ao depósito público para viver em sociedade. O agregado dessas mínimas porções possíveis forma o direito de punir e tudo que vai além disso é abuso, não justiça.16

No ordenamento Brasileiro, encontram-se expressos na Constituição Federal – ou implícitos - diversos princípios penais, dentre os quais se encontram diretamente ligados à ideia de dignidade humana os princípios da legalidade penal (art. 5º, XXXIX), da lesividade da conduta, da intervenção mínima e da humanidade das penas. A dignidade humana, sem sombra de dúvida, é a base ou o ali-cerce de todos os demais princípios constitucionais penais. Qualquer violação a outro princípio afeta igualmente o da dignidade da pessoa humana. O Homem não é coisa, é, antes de tudo, pessoa dotada de direitos, sobretudo perante o poder punitivo do Estado17.

(15) LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil e Outros Escritos. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 76.(16) BECCARIA, Cessare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Hunter, 2013. p. 12-4. (17) GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal. 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

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Desta forma, a pena deve ser adequada à conduta praticada pelo indivíduo quando esta im-portar lesão a um bem jurídico passível de tutela pelo Direito Penal. A finalidade da sanção é resso-cializadora e educativa, sendo assim, não possui o condão de satisfazer um desejo de vingança por meio de punições severas e cruéis, causadoras de sofrimento físico e moral. O direito Penal deve ser aplicado em ultima ratio, caso contrário haverá violação ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

A dignidade humana deve definir as características do fato que dá lugar à pena, determinando que apenas bens jurídicos com referibilidade à pessoa possam ser objeto de tutela penal. Assim, é ile-gítima a aplicação de sanções penais com o intuito de punir condutas que não causem ou não tenham potencial para provocar lesões18.

No que concerne aos aspectos que circundam a aplicação da pena, o filósofo contemporâneo Michael Foucault19 examinou os mecanismos sociais e teóricos que motivaram as grandes mudanças que se produziram nos sistemas penais ocidentais durante a era moderna. Sem adentrar em todas as reflexões proporcionadas pelo autor, cumpre referir que ao longo da história o Direito Penal foi uti-lizado para suprimir as classes menos favorecidas e deixar clara a posição que deveriam ocupar com obediência. A pena não seria aplicada em face da prática lesiva e como acautelamento da dignidade da vítima e sim para afirmar o poder Estatal coordenado pela classe dominante. O crime representaria – também – qualquer conduta que afrontasse o status quo.

Desta forma, a passagem da exposição pública dos suplícios até o atual enclausuramento vigiado e longe do restante da sociedade seriam métodos políticos, desvinculados da intenção de pre-servação dos Direitos Humanos ou ressocialização, possuindo o intuito de criar “corpos dóceis”. Para o autor, não há preocupação com a pessoa do condenado, apenas a pretensão de que ele não mais tenha meios de ferir os que realmente devem ter a Dignidade Protegida.

Nesse aspecto, Sandra Jatahy Pesavento levanta importantes indagações ao tratar da forma-ção dos estereótipos sociais no Brasil:

O que fazer com os desafortunados, e, principalmente, o que fazer para impedir que a questão so-cial degenere em conflito e este em ameaça efetiva? Enunciada enquanto problema, a questão social suscitará a elaboração de discursos científicos que descrevem, analisam e despertam estratégias de abordagem para atingir resultados satisfatórios. É assim que se articula o discurso médico higienista, o discurso jurídico e criminológico, o discurso técnico e estético. Pobres, sujos, malvados, feios? Os habitantes da urbe precisam ser enquadrados dentro de uma ordem supostamente mais ordenada, bela, higiênica, moral. Práticas e discursos são, por sua vez, acompanhados da elaboração de imagens sobre a população pobre urbana: os deserdados da fortuna, o Zé povinho; o vagabundo, a prostituta, o operário. Existe entre estas imagens a presença dos conteúdos morais, das etnias e raças, envolvidas no processo de trabalho em formação, no processo de industrialização. Enfim, os negros eram os crimino-sos, os ladrões, os vagabundos; os mestiços ou mulatos são o Zé Povinho, e os de aparência imigrante europeia, os trabalhadores20.

A autora defende, ainda, que as bases para a construção dos estereótipos não precisa corres-ponder à realidade, apenas ser aceito como real. Fato é que no Brasil a massa carcerária corresponde a uma imagem de criminoso nos moldes retratados por PESAVENTO e não é coincidência que na maioria das vezes a situação degradante dos presídios seja a continuação da miserabilidade vivenciada pelo detento quando em liberdade. Pune-se a pobreza, a sujeira, a feiura, dentro e fora do presídio, não a ação.

Portanto, as origens históricas e sociais não podem ser ignoradas ao tratar do problema car-cerário. Cumpre referir que a abolição da escravatura no Brasil deu-se apenas em 1888, através da Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel, e o fim da monarquia apenas no ano seguinte. Não foram feitas quaisquer políticas de inclusão ou mesmo de transição da escravidão para a liberdade. O Estado Bra-sileiro, o qual no ano seguinte já era uma República Liberal, não se preocupou em oferecer condições para que os ex-escravos pudessem ser integrados ao mercado de trabalho formal e assalariado. Prova disso foi, a preferência pela mão de obra europeia, que aumentou muito no Brasil após a abolição, ou seja, se existisse necessidade de pagamento, este deveria ser dado a uma pessoa branca e não para aqueles que momentos antes eram “coisa”, bem semovente. Da mesma forma, a liberdade não lhes concedeu propriedade e escolarização. Assim, negro da senzala foi direto para a favela. Lugar que acolheu também os imigrantes mantidos em regime de servidão e todo trabalhador que não se encai-xasse no mercado de trabalho, razão pela qual Cristovam Buarque sugere “uma Segunda Abolição”21.

(18) COSTA, Helena Regina Lobo da. A Dignidade Humana: Teorias de Prevenção Geral Positiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 60(19) FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 15 ed. Petrópolis: Vozes, 1997. (20) PESAVENTO, Sandra Jatahy. Os Pobres da Cidade. 2 ed. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1998. p. 9(21) BUARQUE, Cristovam. A Segunda Abolição. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

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É nesse contexto de marcada desigualdade e sem que tenham sido implementadas as reformas necessárias sequer para o Estado de Direito nos moldes liberais que nasce o Estado Social no Brasil e posteriormente a Constituição de 1988 toma para si a tarefa Hercúlea de obedecer aos parâmetros necessários à Dignidade da Pessoa Humana.

Em que pese à condição social por si só não ser excludente de crime, deve-se levar em conta que a imposição de conduta compatível com o socialmente esperado pressupõe que antes tenha sido oportunizada ao infrator cidadania: para a obrigatoriedade de conduta adequada (deveres) a pessoa precisa ter tido as dimensões de sua dignidade respeitada (direitos). Em outras palavras, o Estado e a sociedade que se comprometem com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e ignoram as vio-lações cotidianas praticadas contra os indivíduos, por ação ou omissão, não podem cobrar destes o comportamento análogo aos que tiveram suas prerrogativas respeitadas. O poder de punir está alicer-çado na responsabilidade estatal de assegurar a dignidade compatível com a condição de ser pessoa.

Como tratar, então, aquele que infringe a Lei Penal e ao mesmo tempo acautelar sua dignidade? Conforme SARLET, é comum se verificar situações em que se depara com a violação da dig-

nidade de uma pessoa por terceiro, impondo-se o problema de saber se seria possível, para proteger a dignidade de alguém, afetar a dignidade do ofensor, que, pela sua condição humana, é igualmente digno, embora tenha naquela situação agido de modo indigno e violado a dignidade de seus semelhan-tes22. Nessas situações o autor refere certa “relativização da dignidade”. Contudo, ao que parece, o princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana não poderia ser relativizado, tampouco o agir de modo indigno é capaz de afetar a Dignidade enquanto aspecto inerente ao Homem, uma vez que palavras com conteúdos semânticos diferentes. Nessa situação, parece mais apropriada uma analogia à ponderação de princípios elaborada por Alexy23.

Os princípios são normas que não possuem hierarquia, nem podem ser suprimidas, porém terão maior ou menor amplitude de acordo com as necessidades do caso concreto. No que tange à pena de prisão, não se está relativizando ou afastando dimensões da dignidade, visto ser qualidade una, e sim adequando dignidades para que ambas possam ser expressas na maior extensão possível (como em uma caixa em que se alocam balões e na qual se organizam de modo a que nenhum estoure). Mesmo porque, como já foi citado, o exercício da cidadania pressupõe deveres. Assim, a exigência de cumprimento de obrigações ou a consequente responsabilização quando um indivíduo lesiona direito de outrem não significa violação à dignidade do ofensor e sim reforço à sua característica de cidadão: pessoa detentora de direitos, capaz de cumprir e assumir deveres, dentre eles o compromisso respei-tar e até mesmo proteger a dignidade do outro.

A dignidade adequada ao relacionamento intersubjetivo não admite relativização, devendo-se ponderar a fim de conferir a maior amplitude a todos os sujeitos de direito.

Desta forma, o sistema prisional somente pode restringir o cidadão infrator da mínima parcela necessária para a sua ressocialização e responsabilização, visando apenas a minorar as consequências do delito, a fim de que o comportamento que fere a dignidade de outrem não mais seja praticado24. A pessoa deve ter sua dignidade resguardada enquanto estiver sob a tutela prisional do Estado, mais ainda quando se perceber a ausência de subsídios pretéritos. Cabe à sociedade zelar pelos princípios constitucionais e não permitir que o poder de punir seja criminoso.

Tem-se, portanto, que a pena de prisão somente é compatível com a Dignidade da Pessoa Hu-mana quando respeitados os Direitos Humanos e executada nos estritos limites necessários, mantendo o preso em contato com tudo que oportunize sua ressocialização, mesmo porque uma das dimensões da dignidade é exatamente o contato harmônico com o outro.

O absoluto desprezo de todas as considerações aventadas no que concerne à dignidade do cidadão recolhido em estabelecimento penitenciário demonstra de forma inequívoca a falência do sistema prisional brasileiro, conforme demonstrado por Cezar Roberto Bitencourt25.

Enquanto permanecer o atual método de cumprimento de pena, pode-se afirmar de maneira inequívoca que a República Federativa do Brasil viola no plano interno sua própria Constituição e a Lei Penal, bem como desconsidera o pressuposto de validade de todo o seu Ordenamento Jurídico, além de ignorar o compromisso firmado internacionalmente quando da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

(22) SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 129(23) ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.90.,(24) ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 5ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004.(25) BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: Causas e Alternativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 352

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1.4 Dignidade da Pessoa Humana e Método APAC: Ações diferentes para Resultados diferentes.

Consoante propõe Boa Ventura de Souza Santos26, para que os direitos humanos sejam um avanço precisam atender às demandas contra-hegemônicas e efetivar sistematicamente os direitos dos “subalternos”, dos “marginalizados”, dos desconsiderados. Dentre esses, principalmente, encon-tra-se o condenado, pois enquanto ao cidadão “livre” é facultado se insurgir contra a violação dos seus direitos, ao preso resta esperar que a sociedade não mais aceite a situação degradante, de abandono e tortura, vivenciada no atual Sistema Carcerário Brasileiro. A postura adotada em relação ao preso ofende a própria ideia de Estado Democrático de Direito e de Humanidade formada e aprimorada ao longo dos séculos, contrapondo-se a todos os valores, princípios e regras que a República Federativa do Brasil se comprometeu a defender.

Assim, a Dignidade não deve servir a uma falaciosa noção de direitos humanos que mantêm uma concepção hegemônica e retrógrada, a qual constrói uma imagem de pessoa inaplicável a grande parte da população, vendo como sujeito de direitos apenas o “homem médio” e delegando ao restante uma promessa consubstanciada em normas programáticas.

De acordo com o art. 1º da Lei de Execução Penal Brasileira (Lei 7.210/1984) a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

No entanto, o Sistema Penitenciário Brasileiro não é capaz de dar cumprimento à Lei Penal ou a qualquer orientação principiológica fornecida pela Constituição de 1988. Limita-se a ser o local em que se depositam desordenadamente pessoas longe do restante da sociedade em condições cruéis e desumanas e – depois de cumprida a pena ilegal e inconstitucional do ponto de vista executório – de-volve para o convívio social o resultado da agressão: mais violência.

Porém, parte da sociedade brasileira já se deu conta que o ciclo deve ser interrompido através de um tratamento diferente ao cidadão transgressor e que o respeito à Dignidade da Pessoa Humana é a única forma de propiciar pacificação social.

Uma alternativa que vem ganhando força nacionalmente é a implementação do método de-senvolvido pela APAC (Associação de Proteção e Assistência aos condenados), o qual coloca a valoriza-ção do Ser Humano e a sua capacidade de recuperação como diretrizes da execução penal. Para que a pena cumpra sua finalidade à luz dos Direitos Humanos é preciso promover o contato com a família, o acesso à religiosidade, à higiene, ao bem estar físico e mental, dentre outros aspectos inerentes à dignidade a serem observados no caso concreto. Somente com o incentivo à cidadania como – por exemplo – o acesso ao trabalho e ao desenvolvimento das aptidões, demonstrando que a pessoa está incluída na sociedade, é possível que as normas de um Estado pluralista façam sentido para todos.

Esses aspectos são compreendidos pelo método APAC a fim de acautelar a dignidade do deten-to e respeitá-la enquanto concepção complexa e pluridimensional.

O método APAC não somente harmoniza a pena de prisão à Dignidade de pessoa Humana como também concretiza os valores da cidadania ao convidar os demais sujeitos de direitos a participar de uma transformação que supera a esfera individual do apenado. Traduz uma visão pós-moderna que ces-sa com o pensamento linear que vê no preso um objeto do direito e assume uma concepção complexa de mundo onde todos participam responsavelmente da vida em sociedade.

Conforme o Manuel Atienza lo que el mundo necesita, obviamente, son ciudadanos cívicos. Y el Derecho (no cualquier Derecho, sino un Derecho imbuido de los valores del constitucionalismo) es, probablemente, uno de los instrumentos más potentes con el que cuentan para llevar a cabo la ingente tarea de civilizar el mundo27.

Interessante mencionar que o título da obra citada é Podemos hacer más: outra forma de pensar el Derecho, de fato esta é uma perspectiva necessária no que tange à Execução Penal do Brasil, pois o cumprimento atual da pena e sua consequente desumanização não pode mais prosperar. Tam-bém é inviável que a responsabilidade seja depositada integralmente ora no indivíduo, ora no Estado, ora na sociedade, sempre de forma simplista e excludente. A responsabilidade está diluída e a solução também: cabe a todos a concretização do Princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana.

(26) SANTOS, Boa Ventura de Souza. Se Deus Fosse um Ativista dos Direitos Humanos. São Paulo: Cortez, 2013.(27) ATIENZA, Manuel. Podemos Hacer Más: otra forma de pensar el Derecho. Madri: Pasos Perdidos, 2013. p. 60

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2. APAC - Associação de Proteção e Amparo ao Condenado

O método tradicional de execução penal, como é de consciência da sociedade moderna, há muito se perdeu do caminho idealizado para o cumprimento da lei penal em um Estado Democrático de Direito. Sabe-se que no sistema prisional brasileiro mais de 80% dos apenados voltam a cometer crimes, muito pela ausência de políticas de ressocialização, não obstante ao fato de cada apenado ter um custo alto para o Poder Público (cerca de R$ 1.800,00 por preso, equivalentes a U$ 760,00).

A gravidade do problema reside na ideologia reinante no método comum de execução penal, onde o foco é na segurança, através da atuação da polícia militar e dos agentes penitenciários, o que acarreta o afastamento do convívio do preso com a sua família, devido à forte repressão que sofre em sua esfera social. Além disso, a exposição constante deste a diversas enfermidades, fruto do ambiente maculado das penitenciárias brasileiras, é fator fundamental para a expressiva afronta aos direitos humanos.

Conforme doutrina de Cezar Roberto Bittencourt, tomando como referente o sistema político instituído pela Constituição Federal de 1988, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que o Direito Penal no Brasil deve ser concebido e estruturado a partir de uma concepção democrática de Estado de Direito, respeitando os princípios e garantias reconhecidos ao preso na nossa Carta Magna. Significa, em poucas palavras, submeter o exercício do ius puniendi ao império da lei ditada de acordo com as regras do consenso democrático, colocando o Direito Penal a serviço dos interesses da sociedade, par-ticularmente da proteção de bens jurídicos fundamentais, para o alcance de uma justiça equitativa28.

Com base na realidade observada nas instituições prisionais tradicionais, o método APAC (As-sociação de Proteção e Assistência aos Condenados) foi elaborado no ano de 1972 a partir de pesquisas e estudos de um grupo de voluntários, liderados por Mário Ottobon, advogado de São Paulo, militante na Pastoral Carcerária29. Tal metodologia consiste em uma reengenharia drástica do modo como a exe-cução penal é tratada desde sempre.

Adotado em diversos estados da República Federativa do Brasil, tem seu resultado mais expres-sivo em Minas Gerais onde existem 29 casas de recuperação constituídas nos moldes do método APAC e, no Brasil, são mais 152 APACS, juridicamente organizadas que atuam na assistência aos condenados30.

A Associação de Proteção e Assistência ao Condenado – APAC é uma entidade civil de direito privado, que atua junto aos Poderes Judiciário e Executivo dedicada à recuperação e à reintegração social dos condenados. Seus fundamentos são a valorização da dignidade dos presos enquanto seres humanos, baseados na assistência total para a promoção de uma vida digna aos egressos do cárcere.

A fundamental diferença entre o método APAC e o método tradicional da execução penal reside na ideologia que direciona os trabalhos da APAC. Nesta nova concepção de cumprimento da lei penal, os presos frequentam cursos supletivos e profissionalizantes a fim de se evitar a ociosidade, característica marcante do sistema comum.

Cumpre salientar que o método se estrutura na municipalização da execução penal, ou seja, considera a cidade de residência da família daquele recuperando que cumpre integralmente sua pena em casa prisional de pequeno porte, com capacidade máxima para 120 pessoas, nos três regimes de penas privativas de liberdade (fechado, semiaberto e aberto).

Nestas casas prisionais não existem agentes penitenciários, tampouco policiais. O suporte é formado por funcionários, voluntários e diretores com o amparo da comunidade, a qual fica próxima da pessoa inserida no programa de reintegração social da APAC.

Diante de todo exposto, cresce a corrente vinculada à defesa dos direitos humanos que des-taca a importância e promove a realização de novas práticas de ressocialização do preso e a humani-zação do sistema prisional brasileiro.

2.1. Elementos Fundamentais para o sucesso do Método APAC

Em consonância ao artigo 3º da Lei de Execuções Penais que estabelece que ao condenado sejam assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, não havendo qualquer dis-tinção de natureza racial, social, religiosa ou política, o método APAC possui doze pilares idealizados a partir de estudos do comportamento do recuperando no sistema comum e visa à correção das lacunas deixadas pela execução penal atual.

(28) Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal : Parte Geral. São Paulo:Saraiva, 2012. Pág. 47.(29) Disponível em < http://www.apacitauna.com.br/index.php/institucional/dr-mario-ottoboni> Acesso em 12 de ago. de 2014. (30) Disponível em <http://apac-brasil.blogspot.com.br/> Acesso em 12 de ago. de 2014.

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São eles: A participação da Comunidade; Recuperando ajudando Recuperando; Trabalho; Re-ligião; Assistência Jurídica e Assistência à Saúde; Valorização Humana; Família; O Voluntário e sua Formação; Mérito; Centro de Reintegração Social e Jornada de Libertação com Cristo.

Cabe destacar a fundamental importância de todos esses pilares na metodologia utilizada, por-quanto se estrutura em um conjunto equilibrado e harmonioso que culmina no sucesso do método. Tendo por escopo dar materialidade às disposições gerais do capítulo que trata da assistência ao preso na referida legislação penal e enfatizar o caráter ressocializador que direciona a implantação da norma.

2.1.1 A Participação da Comunidade

Todo o esforço para melhorar o sistema prisional brasileiro se torna obsoleto, se ao libertar-se o homem, a sociedade o rejeita, o repugna e o força a retornar à criminalidade por absoluta falta de opção.

A participação da comunidade é um dos desafios enfrentados pelo programa, já que é necessário ultrapassar a barreira do preconceito para com os egressos do sistema prisional. Também se faz necessá-rio que o corpo social ampare o cidadão que enfrenta os problemas advindos do encarceramento, tanto durante o cumprimento da pena de prisão, quanto após esta, quando este é devolvido à liberdade.

Assim, com base inclusive no art. 10, e seu parágrafo único, da Lei da Execução Penal - LEP (Lei 7.210/84) e em orientação da ONU, justifica-se que se municipalize a execução penal para que os demais cidadãos possam através de uma maior aproximação ajudar na reintegração daquele cidadão ao convívio harmônico com a comunidade.

Tal assistência justifica-se ao nos depararmos com o fenômeno enfrentado pela pessoa presa, a qual desaprende a viver em liberdade, adaptando-se ao sistema tradicional das prisões, onde cons-tantemente são expostas a violações físicas, psíquicas e sexuais.

A APAC somente poderá existir com a participação da comunidade organizada, pois compete a ela a grande tarefa de introduzir o método nas prisões e de reunir forças em prol do ideal planejado. Esta demanda se dá por meio do trabalho voluntário nas diversas áreas necessárias para o bom funcio-namento do método.

O método apaqueano tem transformado os reeducandos, reduzindo a violência dentro e fora dos presídios e, consequentemente, diminuindo a criminalidade.

2.1.2 Recuperando ajudando recuperando

A prisão comum, ao contrário do que ela realmente demonstra ter se tornado, deveria repre-sentar um aparelho disciplinar em que os apenados obtivessem a oportunidade de um novo começo em suas vidas. No entanto, a prisão representa uma relação de hierarquia de uns em detrimento de outros, onde os primeiros vigiam, reprimem, isolam, enquanto estes se submetem a todo tipo de tratamento desumano em consequência de sua má conduta.

O sistema penitenciário brasileiro, ao invés de ressocializar acaba por condenar ainda mais o indivíduo para além de sua pena, renegando o seu direito à dignidade.

Em respeito à necessidade humana de estar inserido em sociedade e ser aceito por esta, existe a imperiosa obrigação de o recuperando estabelecer uma relação de respeito e companheirismo para com o próximo dentro das dependências da APAC, promovendo a harmonia do ambiente onde o método é aplicado.

A disciplina da casa prisional está alicerçada na maior liberdade de o recuperando agir na-turalmente dentre os objetivos da pena e por meio da cooperação de todos para a reestruturação de sua vida em liberdade. Todos os recuperandos fazem as refeições juntos, sentados à mesa, utilizando talheres e louça, cooperando com a limpeza do local, como fariam em suas casas no convívio com sua família. Trata-se de uma maior humanização do preso que no sistema comum muitas vezes se alimenta utilizando as próprias mãos, tendo em vista que o Estado não proporciona aos apenados os utensílios mínimos indispensáveis a sua alimentação e higiene pessoal.

2.1.3 Trabalho

O trabalho talvez seja o apoio mais necessário e desejado, pois o egresso tem extrema di-ficuldade em colocar-se no mercado, até porque a sociedade estigmatiza-o. É por essa razão que o legislador dedicou o artigo 27 da L.E.P. só para prever a colaboração à orientação de trabalho.

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Ao cidadão que cumpre pena é fundamental estar vinculado a uma atividade laboral para que faça parte do contexto e da proposta da APAC. Desenvolvendo aptidões que não poderiam ser desen-volvidas no regime comum, pois neste há uma cota limitada para o preso trabalhar, e, também, tendo contato com uma nova forma de sustentar-se após a passagem prisional.

No regime fechado, a APAC preocupa-se com a recuperação do sentenciado, fazendo aflorar bons sentimentos que o trabalho possa proporcionar. Nessa fase, o recuperando pratica trabalhos la-borterápicos na confecção de artesanato, atividades agrícolas e industriais.

No regime semiaberto, cuida-se da formação de mão de obra especializada, através de oficinas instaladas dentro dos Centros de Reintegração Social, respeitando-se a aptidão de cada recuperando.

No regime aberto, o trabalho tem o enfoque de inserção social, já que o recuperando presta serviços à comunidade, trabalhando fora dos muros do Centro de Reintegração Social.

2.1.4 Religião

A prática da religiosidade é um direito da pessoa e uma das dimensões de sua dignidade que deve ser respeitada em todas as esferas da execução penal, oportunizando ao recuperando o exercício de sua espiritualidade, bem como conhecer através do trabalho voluntário pessoas que representam entidades religiosas. Através dessa assistência se idealiza que o recuperando possa manifestar um dos aspectos intrínsecos à Dignidade da Pessoa Humana.

2.1.5 Assistência jurídica

A maior parte da população prisional é constituída por pessoas pobres que, portanto, não reú-ne condições para contratar um advogado e o problema se agrava especialmente na fase da execução da pena, onde os seus direitos são frequentemente violados. A APAC objetiva estabelecer acompanha-mento jurídico para que os presos estejam amparados pela lei e não à margem desta como no sistema comum.

2.1.6 Assistência à saúde

Em relação à saúde do recuperando são oferecidas assistências médica, psicológica, odonto-lógica, dentre outras de modo eficiente, por meio do trabalho voluntário de profissionais dedicados à causa, em estrita observância da Lei de Execução Penal.

2.1.7 Valorização Humana

A valorização humana consiste no alicerce do método da APAC, uma vez que coloca em pri-meiro lugar a dignidade do ser humano, e, nesse sentido, todo o trabalho é conduzido de modo a reformular a autoestima da pessoa inserida no método.

Em reuniões de cela, com utilização de métodos psicopedagógicos, é realizado grande esforço para fazer com que o recuperando volte suas vistas para a valorização de si; convencê-lo de que sua Dig-nidade permanece inalterada. A educação e o estudo devem fazer parte desse contexto de valorização humana, sem os quais não há completo desenvolvimento das aptidões. Concursos, palestras e eventos diversos integram a rotina de uma APAC para que os recuperandos resgatem valores da vida social.

A melhoria das condições físicas da casa prisional, a alimentação balanceada e de qualidade e, até mesmo, a utilização de talheres para as refeições são aspectos que humanizam a forma de aplicação da pena.

2.1.8 A Família

A participação da família do recuperando também é muito importante, por isso existe a ne-cessidade da integração dos familiares em todos os estágios da vida prisional, como um dos pilares da recuperação do condenado. Atividades frequentes envolvendo o núcleo família do recuperando evita a desestruturação familiar, a submissão a facções criminosas e, portanto, é essencial ao processo de recuperação e reeducação.

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2.1.9 O Voluntário e sua formação

O trabalho é baseado na gratuidade, no serviço ao próximo, como demonstração de respeito e apoio ao recuperando. Nas APAC’s que administram o Centro de Recuperação Social, onde não há a presença de policiais, a remuneração deve restringir-se apenas e prudentemente às pessoas destaca-das para trabalhar no setor administrativo.

Para desenvolver sua tarefa o voluntário participa de um curso de formação, normalmente desenvolvido em 42 aulas. Nesse período, ele conhece a metodologia, desenvolvendo suas aptidões para exercer o trabalho com eficácia e forte espírito voluntário.

2.1.10 Centro de Reintegração Social

A APAC possui o Centro de Reintegração Social e, nele, dois pavilhões: um destinado ao regi-me semiaberto e outro ao aberto, não frustrando assim, a execução da pena. O estabelecimento do Centro de Reintegração Social oferece ao recuperando a oportunidade de cumprir a pena próximo de seu núcleo afetivo: família, amigos e parentes, facilitando a formação de mão de obra especializada, favorecendo assim, a reintegração social, respeitando a Lei e os direitos do condenado.

2.1.11 Mérito

A vida prisional do recuperando é minunciosamente observada para que seu mérito seja apu-rado e, consequentemente, seja concedida a progressão dos regimes de cumprimento das penas pri-vativas de liberdade. Por meio do cumprimento da pena de maneira justa e eficiente, tanto o recupe-rando quanto a sociedade estarão protegidos. Para tanto, é imperiosa a necessidade de uma Comissão Técnica de Classificação (CTC) composta de profissionais ligados à metodologia, seja para classificar o recuperando quanto à necessidade de receber tratamento individualizado, seja para recomendar, quando possível, os exames exigidos para a progressão de regime e, até mesmo, para verificar a ces-sação de periculosidade, a dependência toxicológica e a insanidade mental.

Nesse aspecto pesa, inclusive, o pedido de perdão à vítima para a apuração do mérito do con-denado, porquanto seja esta atitude um dos objetivos do programa de ressocialização.

2.1.12 Jornada de Libertação com Cristo

Trata-se de um encontro anual constituído por palestras que envolvem valorização humana e religião, com testemunhos dos participantes objetivando a inspiração dos recuperandos em adotar uma nova filosofia de vida. Em que pese o título remeta à fé cristã, a metodologia APAC não exclui ou impõe qualquer religião. Pode-se considerar este pilar um encontro ou um retiro no qual os internos e voluntários fazem uma espécie de balanço do ano, discutindo seus progressos, dificuldades, etc. Assim, aplica-se a todos independentemente de possuir ou não crenças religiosas, pois – embora tenha tam-bém por escopo dar vazão à espiritualidade do recuperando – o encontro visa proporcionar a reflexão. Os recuperandos dos três regimes (fechado, semiaberto e aberto) deverão participar da Jornada em algum momento do cumprimento da pena, preferencialmente durante o regime fechado.

Com a aplicação dos 12 (doze) pilares busca-se proporcionar ao recuperando o exercício das dimensões que compõem sua Dignidade, bem como a efetividade dos Direitos Humanos e o cumpri-mento da Lei de Execuções Penais.

3. Resultados do atual Sistema Carcerário Brasileiro em contraste com as perspectivas demonstradas pelo Método APAC.

A realidade do sistema carcerário no Brasil hoje é preocupante e, com certeza, não proporcio-na ao apenado uma oportunidade de futura ressocialização.

O cárcere separa o cidadão livre daquele que foi condenado por um crime; todavia, a pena prevista na lei é a de “privação de liberdade”, permanecendo íntegros seus outros direitos não alcan-çados pela sentença.

A Constituição Federal, consoante já foi referido, em seu art. 1º estabelece que a República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, entre outros, a dignidade da pessoa humana (CRFB/88, art. 1º, inc. I). Essa mesma constituição determina

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também que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inc. III). Contudo, o recluso dentro do sistema prisional é submetido a situações desumanas, tendo sua dignidade dilacerada, o que culmina na baixíssima possibilidade de recuperação e ressocialização, dadas as condições sub-humanas da maior parte dos cárceres brasileiros.

Conforme a CPI do Sistema Carcerário, o Presídio Central localizado na cidade de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, foi considerado pelas autoridades fiscalizadoras “uma masmorra”, simplesmente o pior entre os presídios brasileiros:

Em celas que cabem quatro, seis ou oito indivíduos, respectivamente, encontram-se 20, 25 e até 30 detentos. A parte superior, conhecida como “masmorra”, foi o lugar que mais chocou a comissão de ins-peção. Em buracos de 1m x 1,5m, os presos dormem em camas de cimento, convivem em sujeira, mofo e fedor insuportável. Quem ‘’cai’’ no Central, não recebe talher para fazer suas refeições. Os presos comem com as mãos, de acordo com o relatório.Paredes quebradas, celas sem portas, banheiros imundos, sacos e roupas penduradas por todo o lado completam a paisagem. Hoje, neste “inferno dantesco”, sobrevivem 4,3 mil presos, a maioria provi-sórios, quando só poderia abrigar 2 mil. A degradação física do prédio foi documentada, em abril do ano passado, pelo Laudo Técnico do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia do Rio Grande do Sul, enquanto os horrores vividos pela população carcerária estão documentados na Repre-sentação enviada à Washington31.

Ressalta-se que em 2013 houve representação contra o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e na Organização dos Estados Americanos (OEA) em razão do descaso frente ao problema, considerando as condições de funcionamento do Sistema Carcerário Brasileiro uma violação aos Direitos Humanos, sobretudo ao artigo 5º do Pacto de San Jose da Costa Rica, o qual dispõe que:

Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

Na representação enviada às autoridades internacionais competentes, o Promotor de Justiça da Vara de Execução Penal de Porto Alegre Gilmar Bortolotto apresentou depoimento, referindo que “o Presídio Central de Porto Alegre não é o único, mas é o símbolo deste momento. O que o Estado investe ali dentro acaba servindo para fomentar mais o crime. É como se fosse um dínamo da criminalidade. Hoje, do jeito que está, o Central estimula e reproduz a criminalidade. O Estado investe dinheiro ape-nas para agravar mais a situação. A lógica, ali dentro, é a da brutalização.”

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Organização dos Estados Americanos reco-mendaram medidas em janeiro de 2014, afirmando que a situação do Presídio Central de Porto Alegre, o qual é exemplo de todo o Sistema Carcerário Brasileiro, apresenta requisitos de gravidade, urgência e irreparabilidade, no caso da violação de direitos já cometidas. Foram recomendadas melhorias de higiene, instalação de extintores, redução da superlotação e o fim das facções criminosas32.

Desta forma, resta evidente que o cárcere do nosso falho sistema prisional tradicional nada tem a ver com a proposta oferecida pela APAC, a qual utiliza a comunidade, a família, o respeito aos direitos que não foram sonegados pela sentença condenatória e a esperança na reabilitação do Ser Humano.

É assim que a APAC vê seus apenados: como sujeitos de direitos e não como um mero objeto da execução penal.

A prova de que o sistema APAC de fato funciona são os resultados obtidos, como índice de reincidência que neste sistema é de apenas 7,83% com o método integral e 14,83% com o método parcial, já âmbito nacional no sistema carcerário convencional o índice de reincidência é de 85% e no âmbito mundial 70%.

O mínimo que deve ser oferecido pelo Estado àqueles que se encontram reclusos são condi-ções concretas de retornar a sociedade e reconstruir sua vida.

Este percentual de reincidência na APAC nos mostra que é possível conciliar a pena com a Dignidade da Pessoa Humana, cumprindo as obrigações impostas pela Lei de Execuções Penal à luz da Constituição de 1988 e contidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos demais pactos internacionais sobre o Tema nos quais o Brasil seja signatário.

Uma pena cumprida de forma digna possibilita a reabilitação daquele que foi recebido com res-peito e atenção durante todo o cumprimento de sua pena. A pessoa passa a ter fé em si mesmo e no outro.

(31) Disponível em <http://www.conjur.com.br/2013-jan-12/denunciar-situacao-prisional-oea-forma-coacao-moral> Acesso em 13 ago. de 2014.(32) Disponível em < http://gaucha.clicrbs.com.br/rs/noticia-aberta/oea-recomenda-melhorias-no-presidio-central-de-porto-alegre-62882.html> Acesso em 13 de ago. de 2014.

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Uma importante forma de vivência e aprendizado é o trabalho realizado dentro das APAC que capacita o apenado proporcionando a possibilidade de trabalho após o cumprimento de sua pena.

Os trabalhos oferecidos nas APACs no regime fechado são barbearia, fabricação de velas, artesanato, trabalho em empresa presente dentro do próprio sistema, assim como o trabalho de ma-nutenção e limpeza do Centro de Recuperação Social. O regime semiaberto conta com trabalho na cozinha, fábrica de blocos, fábricas de sandálias, horta, horto, jardim, mercearia, serralheria, padaria e demais setores da APAC.

Este sistema prisional, que é referência e modelo não somente no Brasil, disponibiliza atendi-mentos diversos aos apenados como aconselhamento jurídico, saúde, entre outros.

São oferecidas as assistências médica, psicológica, odontológica, jurídica, ao presidente e ao gerente administrativo, de modo humano e eficiente, por meio do trabalho voluntário de profissionais dedicados à causa apaqueana.

Por isso, é fácil deduzir que a saúde deve estar sempre em primeiro plano, para evitar sérias preocupações e aflições do recuperando.

Na tabela abaixo podemos identificar como o acompanhamento médico se traduz em resulta-dos positivo a saúdo do apenado.

Distúrbios Físicos Sist. Mét. APAC

Resfriados Constantes 70% 9%Enxaqueca 36% 3%Dor de cabeça 18% 9%Úlcera Nervosa 54% 2%Sinusite 18% 4,7%Gastrite 34% 6%Falta de apetite(anorexia) 56% 5%Dor de ouvido 18% 3%Dor de dente 44% 9%

Dados extraídos do site www.fbac.org.br em 13 de agosto de 2014

A segurança é importante para o sistema APAC, mas não é uma de suas prioridades, pois se respeitando à Dignidade e oportunizando trabalho, auxílio médico, psicológico, e proximidade com a comunidade e família o recuperando se sente acolhido, fazendo com que os índices de fuga ou de conflitos violentos entre os apenados sejam baixíssimos.

Diante do exposto, constata-se que essa alternativa prisional se apresenta como um projeto viável, não só pelos resultados que se tem obtido, mas também pela grande economia que representa.

Uma vaga no sistema prisional tradicional custa aos cofres públicos R$45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), o custo mensal R$1.800,00 (mil e oitocentos reais) por preso por mês. No sistema apa-quiano uma vaga custa R$15.000,00 (quinze mil reais), o custo mensal é de R$900,00 (novecentos reais).

A APAC não é mais um sonho ou um mero modelo de sistema prisional, mas uma realidade que está recebendo cada vez mais adeptos, no Brasil e no exterior, e a sua proposta é possibilitar a resso-cialização do recuperando, a fim de concretizar no âmbito da execução penal o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, sob o slogan de que todo Homem é maior do que seu erro.

Conclusão

O Sistema Carcerário tradicional não é capaz de atender às normas do Ordenamento Jurídico Brasileiro, tampouco conceder o conjunto de bens e valores inerentes ao Homem, os quais devem ser observados ainda com maior atenção quando este se encontra inteiramente sob a tutela do Estado. A Dignidade, qualidade intrínseca a toda Pessoa Humana, não admite ressalvas ou relativização, visto ser característica una.

Conforme foi exposto, é o Princípio Fundamental dos Estados Constitucionais

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Contemporâneos, e cuja primazia foi obtida através de séculos de luta por igualdade e combate a opressão.

Tendo em vista que a Execução da Pena no Brasil atualmente se consubstancia em violação aos Direitos Humanos, o método desenvolvido pela Associação de Proteção e Assistência ao Condenado se demonstra uma alternativa viável, capaz de harmonizar os valores presentes na Constituição de 1988, os compromissos firmados em âmbito internacional e o Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana.

O método APAC introduz o pensamento complexo na Execução Penal ao não tratar o recuperando como objeto do Direito e sim como Sujeito de Direitos, uma vez que oportuniza o pleno exercício dos bens jurídicos não alcançados pela sentença penal condenatória, entendendo a Dignidade como conceito pluridimensional. Outro mérito da Metodologia apaqueana é a participação da comunidade, uma vez que o crime não pode ser apartado da análise social e – sendo assim – tanto o problema da criminalidade quanto a solução estão difusos em toda a sociedade.

Por fim, os resultados obtidos pela execução da pena no Brasil evidenciam a absoluta falência do Sistema Prisional, tornando imprescindível a implantação de métodos capazes de atingir resultados diferentes. Nesse sentido, o Sistema APAC apresenta grandes perspectivas de melhora e através das informações colhidas resta clara a discrepância entre este e o Sistema Comum. É uma forma viável de concretizar o Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana na Execução Penal, uma vez que todo Homem é maior do que seu erro.

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ECODESIGN - Fator Redutorde Impacto Ambiental

Eduardo Viecelli1

RESUMO

Este artigo procura definir o ECODESIGN e situá-lo no panorama produtivo mundial atual, apresentando alguns conceitos e ferramentas ambientais utilizadas para a sua aplicação nos processos de planejamento, produção, utilização e reciclagem de um produto. No final, é apresentado um exemplo da aplicação de uma ferramenta de avaliação ambiental amplamente utilizada no Ecodesign, gerando impacto ambiental positivo.

PALAVRAS-CHAVE

design de produto; impacto ambiental; desmaterialização; reciclagem; reutilização; ciclo de vida do produto

ABSTRACT

The present article introduces basic concepts on Ecodesign, highlighting its role in the current world mass production frame. A number of conceptual tools is presented, in connexion to its applications on planning, producing, using and recycling a prod-uct. At the final part, an example is offered, showing a practical case where a widely used conceptual tool can be applied, generating a positive environmental effect.

KEY WORDS

Product design; environmental impact; dematerializing; recycling; reusing; product’s life cycle

Introdução

Antes de pensarmos em qualquer processo técnico, de engenharia, de produção, ou ambos, é preciso entender que o conceito do ECODESIGN (ou ECODESENHO, ou DESENHO ECOLÓGICO) significa uma mudança de mentalidade. Mesmo algumas empresas que demonstram maior respeito para com o ambiente, tratando seus resíduos, ou reciclando alguns materiais descartados, nem sempre estão aplicando em seus produtos e processos o conceito de ECODESIGN, pois tratar os resíduos (processo conhecido como estratégia T) ou reciclar materiais (processo conhecido como estratégia R) são estra-tégias de final de processo. O ECODESIGN representa a materialização de uma estratégia de início de processo. Aí reside a principal diferença de enfoque. A postura atual no mundo ainda é considerar a entrega do produto ao consumidor como o final da responsabilidade da empresa. Entretanto, isso está mudando, felizmente. A ideia de ciclo de vida do produto passa a ser DO BERÇO AO BERÇO. Ou seja, o produto é concebido na empresa, e a ela deve voltar, quando for o caso.

(1) Doutorando em Planejamento e Desenvolvimento pela UB (Universitat de Barcelona), Espanha; Participante de grupos de pesquisa em mobilidade urbana e ecodesign da Universitat de Barcelona, (Espanha) ; Mestrado em Administração pela FGV/SP (São Paulo); Mestrado em Controladoria pela USP (São Paulo); Especialização em Finanças Internacionais pela SSE (Stockholm School of Economics) (Estocolmo, Suécia) ; Professor da Faculdade Dom Bosco (Porto Alegre , Brasil); Participante do Grupo de Pesquisa em Sustentabilidade, da UFRGS (Porto Alegre, Brasil)

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O que devemos saber sobre o ECODESIGN

O Ecodesign tem como objetivo a concepção de produtos que sejam mais respeitosos com o meio ambiente, ou seja, que causem o menor impacto ambiental negativo possível. Em alguns casos, é possível imaginar até mesmo a concepção de produtos que produzam impactos POSITIVOS no meio. O Ecodesign não somente procura minimizar os impactos dos produtos na fase de sua elaboração, mas se preocupa também na sua utilização e na gestão de seus resíduos, na medida em que prevê o elemento antrópico (ou seja, a atuação humana), colabora para a redução dos impactos também nas fases sujei-tas ao comportamento humano, podendo exercer, inclusive, um papel educativo a esse respeito, com a adequada comunicação (o que será tratado em outro artigo).

O processo do Design Ecológico (ou ECODESIGN)

Primeiramente, é preciso contextualizar o design (projeto) no processo de criação de produ-tos. Inclusive, vamos de início admitir que seja o projeto incorpore os modernos conceitos referidos anteriormente, caracterizando-se, assim, como ECODESIGN.

As fases devem compreender:

1. a descrição do sistema-produto em estudo;2. a prospecção dos efeitos ambientais que certa modificação no design pode acarretar;3. a avaliação das melhoras ambientais geradas pela modificação planejada;4. a comunicação dos resultados positivos da modificação como informação ao consumido.

Para operacionalizar a aplicação do Ecodesign, utiliza-se alguma dentre as ferramentas hoje conhecidas de ANÁLISE AMBIENTAL. Todas elas incorporam o conceito de Ciclo de Vida.

Existem algumas somente qualitativas, outras semiquantitativas, e outras quantitativas. Ve-jamos algumas delas:

A) Qualitativas

1. Listas de Verificação

Procuram revelar aqueles pontos em que o potencial de impacto negativo é mais forte. Atra-vés de uma lista (uma espécie de check-list) os setores envolvidos no desenvolvimento de produtos, na empresa, vão assinalando os aspectos que consideram falhos nas diferentes fases do ciclo de vida do produto.

2. Avaliação da Estratégia Ambiental

Esta ferramenta, também qualitativa, apresenta, contudo, uma vantagem, que é a de permi-tir a “visualização do impacto” em potencial. Ainda que sujeita a limitações, não deixa de ter várias vantagens, combinando a facilidade de aplicação e o baixo custo com a possibilidade de avaliações quantitativas (ainda que subjetivas), tornando-a mais acurada que a LV.

Assemelha-se a uma teia de aranha, atravessada por eixos, por sua vez divididos em dois, gerando, portanto, semieixos, cada qual medindo um aspecto importante para a geração de impacto ambiental. Vejamos um exemplo:

Diminuição do impacto na distribuição

Redução do impacto do processo de produção

Seleção de materiais impactantes

Melhora inicial das funções do produto

Redução do impacto associado à eliminação

Melhora na utilização (fase de uso) do produto

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Colocando a nota 0 (zero) na origem, o grupo de ecodesign anotará a média das avaliações de cada integrante para cada aspecto no semieixo específico daquele aspecto. Uma nota deve ser tanto mais alta quanto MELHOR o grupo considerar que o produto está posicionado naquele quesito.

B) Semiquantitativas

1. Avaliação das Mudanças no Design

Consiste em analisar a geração de resíduos em cada etapa do ciclo de vida do produto, com-parando os dados atuais com uma estimativa dos dados relativos a cada etapa APÓS certa modificação potencial que esteja sendo planejada no design. Leva-se em conta elementos como: toxicidade, au-mento (ou diminuição) dos resíduos do produto, de suas embalagens, possibilidades de reutilização dos resíduos como subprodutos, e outros, a depender do tipo de produto.

2. Matrizes de Análise

Consistem, como o nome diz, em matrizes, onde se posicionam numa dimensão (digamos, a vertical) as fases do ciclo de vida do produto, e na outra (a horizontal, neste exemplo) os tipos de impactos potenciais. Vejamos um exemplo:

C) Quantitativas

a) Análise de Ciclo de Vida (LCA)

Este é o instrumento mais completo de avaliação ambiental de produtos. É quantitativo, multifatorial (ou seja, analisa diversos fatores impactantes, sejam simultâneos ou não), objetivo e é o instrumento que certamente passa a constituir um idioma comum entre diversas empresas, setores e países. Devido à sua complexidade, sua aplicação é mais difícil, sendo também seu custo maior. Por es-tas razões, não é recomendado como o primeiro procedimento de análise ambiental de uma empresa. Ao contrário, o processo ideal segue uma evolução das ferramentas qualitativas rumo às quantitativas. Assim, sobretudo quando se trata de pequenas e médias empresas, o melhor é iniciar com as Listas de Verificação ou com a Avaliação da Estratégia Ambiental, passando depois às matrizes analíticas ou à Avaliação de Mudanças no Design, para só depois utilizar a LCA (sigla em inglês da Análise do Ciclo de Vida).

Exemplo de Redesenho de um Produto

A ideia básica, recordemos, é produzir uma MELHORIA AMBIENTAL. Nesse exemplo, a ferra-menta escolhida foi a Avaliação Estratégica Ambiental.

Ficha do Produto

O sistema-produto escolhido foi: CREME DE BARBEAR NÃO ESPUMÓGENO + BÁLSAMO PÓS-BARBAApresentação: tubos de plástico flexível (como os de pasta de dente, sem pressão). Função (ou funções) desempenhada(s):

1. Básicas1.1. Preparação da barba e pele para o barbear, com lâminas de barbear.1.2. Deslizamento mais suave das lâminas sobre a pele.

2. Agregadas2.1. Suavização da pele após o atrito das lâminas.2.2. Hidratação da pele. 2.3. Odorização da pele.2.4. Melhor visibilidade ao barbear, devido à ausência de espuma (especialmente útil para

quem usa bigode ou cavanhaque, e deve observar os contornos dos mesmos).

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No presente exemplo, estariam sendo atendidas as seguintes condições:

a) Desmaterialização (substituição de alguns componentes por substitutos intangíveis, sem perda de função).

b) Multifunção (integração de dois ou mais produtos em um único) – conjugação das funções de dois produtos (preparação da pele e hidratação da mesma) em um único produto.

c) Eficácia (aumento do número de processos por unidade de produto).d) Otimização de Benefícios (eliminação de componentes supérfluos sem redução das funções

do produto).

Eficácia – Consideremos que um homem adulto utiliza 50g de bálsamo para cada 100g de espuma (situação padrão). Com o novo produto, o número de barbas feitas cresceria, pois o mesmo produto cumpre as duas funções.

Se A0 é o número de barbeares obtidos com 150g de produtos (100g espuma + 50g balsamo), e A1 o número de barbeares obtidos por esse mesmo adulto com o novo produto.

E0 seria a eficiência com os produtos tradicionais, e E1 a eficiência com o novo produto, então teríamos:

E0 = A0 / 150 e E1= A1 / 100

Uma vez que A0 = A1, concluímos que E1 = 1,5 E0, ou seja, obtivemos um incremento de efi-ciência da ordem de 50%, neste exemplo.

Além disso, vejamos alguns outros ganhos ambientais:

• A conjugação de dois produtos num só, por si, já elimina a embalagem do segundo produto.• A substituição do composto original destinado a produzir espuma, por um creme que NÃO a

produz, elimina a necessidade de embalagens com pressão. Essas embalagens geralmente são metálicas e contêm elementos mecânicos (válvula, mola), além de uma grande tampa plástica (totalmente inútil e que será descartada junto com sua grande embalagem!).

• O novo produto pode ser embalado em um tubo simples do mesmo tipo que o creme dental. A quantidade de produto despendida é proporcional à pressão exercida pelo usuário, então o controle da quantidade é facilitado, evitando o desperdício ocasionado pela grande quan-tidade dispensada pelos tubos com pressão a cada toque na válvula.

• O conteúdo energético do plástico é menor que o do metal.• Pode-se fabricar a embalagem com plástico reciclável e, inclusive, reutilizável.

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Imigração e Mercado de Trabalho- a construção da identidade

dos senegaleses no nortedo Rio Grande do Sul

Claussia Neumann da Cunha1

1. INTRODUÇÃO

Com o aprofundamento do processo globalizador a Cooperação Internacional torna-se um dos maiores difusores de intercâmbio intercultural, permitindo assim, a promoção de trocas culturais entre sociedades originalmente bastante diferentes em termos culturais umas das outras. Analisando estes aspectos; tanto a informação e ideia possuem, no elemento cultural, a sua fonte de criação e raiz de poder. Isto quer dizer que os aspectos culturais são capazes de motivar opiniões e influenciar indivíduos, como também possibilitam a alteração de seus paradigmas políticos e comportamentais.

Diante deste paradigma, as empresas públicas e privadas, precisam analisar o choque cultural existente entre suas regiões, ou seja, examinar não somente a sua realidade, assim como a realidade dos colaboradores imigrantes. Buscar uma reciprocidade de emoções, prevendo a conduta alheia e entendendo os diferentes valores existentes nas pessoas envolvidas.

Cada país possui características peculiares em relação à estrutura territorial, serviços e pro-dutos oferecidos, cuja diversificação está relacionada à qualificação de tais atividades. Milton Santos (1979, p.14) articula que o arranjo espacial de determinado local está diretamente ligado ao modo de produção, sendo que, para a análise deste espaço, serão considerados fatores sociais, políticos e econômicos, os quais evoluem de acordo com o modo de produção executado e de seus momentos sucessivos. Se considerarmos o fluxo comercial capitalista e o sistema de produção enxuta de um de-terminado local que estiver especializando sua produção, a evolução social condicionada pela organi-zação do espaço irá possibilitar um fluxo imigratório intenso, principalmente de culturas africanas no qual a mão de obra é barata e operacionalmente falando, eficaz.

O objetivo deste artigo é apresentar uma visão geral da construção da identidade de imi-grantes no Brasil no mercado de trabalho, especificamente de senegaleses na região norte do Rio Grande do Sul. A escolha do tema se justifica pela importância de estar crescendo o fenômeno de imigração no Brasil, como também pelo fato de as migrações internacionais terem ganhado espaço acadêmico, repercutindo no meio social, cultural e sendo central na esfera política de vários países que as têm em seu interior.

2. MÉTODOS DE PESQUISA

Quanto ao objeto, esta pesquisa classifica-se como bibliográfica e quanto ao objetivo, a pes-quisa caracteriza-se como exploratória-descritiva de natureza qualitativa. Esta pesquisa, como forma de registro e sistematização de dados, permitirá a identificação, levantamento e exploração de do-cumentos (dados secundários) os quais se tornarão fontes de estudos analíticos a serem examinados.

(1) Claussia Neumann da Cunha é Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Unilasalle, especialista em Negócios Interna-cionais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), especialista em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestranda em Desenvolvimento Regional pela UNISC. Atualmente, é professora do curso de logística, Comércio Exterior e Marketing pela Escola Ômega, professora nos cursos de Comércio Exterior e Logística pela Ftec, professora dos cursos de Logística e Admi-nistração pela Unitec. Editora e colunista de negócios internacionais pelo RI. Escreveu os livros de Gestão de Compras, Gestão de Produção e Negócios Internacionais pela Acesso Digital. Atuou durante 10 anos como analista de importação e exportação em empresas privadas, e Diretora na CAE Consultorias Acadêmica e Empresarial. Contato ([email protected])

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A coleta de dados envolveu a técnica de documentação indireta, particularmente dados de fontes secundárias, em razão da opção pela pesquisa bibliográfica. Foram analisadas as informações disponibilizadas na web site de órgãos reguladores e de associações ligadas à imigração africana.

Para a análise de dados Gil, Minayo et. al. (1994) esclarece que a combinação dos dados co-letados exige organização e análise quando objetiva os conteúdos subjetivos da pesquisa qualitativa. Dentro desse enfoque, o estudo recorreu às aspirações, crenças, valores e atitudes das pessoas, bem como aos significados dos processos, fenômenos e dinâmicas sociais, que, por sua vez, não permitem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

3. REFERENCIAL TEÓRICO

A fundamentação teórica deste artigo apresenta os conceitos e características referentes à cultura e construção de identidade.

3.1 Conceitos de cultura e identidade

“Cultura é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costu-mes, ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma socieda-de” (EDWARD TYLOR apud LARAYA, 2005, p. 25).

A cultura é considerada legado de um povo, evidenciada por crenças e atitudes comportamen-tais de seu grupo, cujos valores são reflexionados como sendo as características mais profundas do ser humano capazes de influenciar o seu comportamento. As negociações comerciais internacionais, por sua vez, traduzem-se em estratégias de busca por informações privilegiadas. Esse processo gera uma demanda por qualificação informacional e cria nos negociadores a necessidade do entendimento das relações internacionais e pessoais.

“Cultura é ordinária: este é o primeiro fato. Toda sociedade humana tem sua própria forma, seu próprio propósito, seus próprios significados. Toda sociedade humana os expressa nas instituições, nas artes e na educação. O fazer da sociedade é a busca dos significados e direções comuns, e eles surgem no ativo debate e no aperfeiçoamento pressionado pela experiência, contato e descoberta, escritos eles mesmos na terra.” (WILLIAMS; 2000)

Ortiz (2008, p.5) comenta que as culturas como patrimônio da humanidade possui uma extensa diversidade nos valores de seus indivíduos, sendo universais ou não, devemos respeitá-las e mantê-las. De acordo com Sheth, et al. apud BORNHOFEN; KISTENMACHER, (2007, p. 2) descreve dessa forma:

[...] A cultura é aprendida. Ninguém nasce com ela. Assim, o comportamento instintivo, que possuí-mos desde o nascimento, não faz parte da cultura. Dessa forma, o ato de chorar ou rir não é cultural; entretanto, saber quando é adequado chorar ou rir em público é uma característica cultural já que é algo que precisamos aprender. As culturas diferem, por exemplo, no grau em que permitem a expressão pública de emoções, como chorar ou rir.

A partir da revolução da informação, os meios de produção, circulação e troca cultural, ex-pandiram-se, propiciando a troca em ascensão de recursos humanos, materiais e tecnológicos, ao mes-mo tempo, o indivíduo tornou-se o executor de tais processos. Tratando-se de se negociar com pessoas com culturas diferentes, com seres humanos interpretativos e instituidores de sentido.

Hall (p.8) comenta que:

O que denominamos “nossas identidades” poderia provavelmente ser melhor conceituado como as se-dimentações através do tempo daquelas diferentes identificações ou posições que adotamos e procu-ramos “viver”, como se viessem de dentro, mas que, sem dúvida, são ocasionadas por um conjunto especial de circunstâncias, sentimentos, histórias e experiências única e peculiarmente nossas, como sujeitos individuais. Nossas identidades são, em resumo, formadas culturalmente.

O autor nos indica que pensar identidade, é pensar sua construção e interpretação através da cultura, como resultante de um processo de identificação que permite que nos posicionemos no interior das definições que os discursos culturais fornecedores ou que nos subjetivemos. Os senegale-

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ses interpretam a sua imagem a partir de seu passado histórico, ou seja, pela cultura herdada e não transmutada pela globalização ou mundialização da cultura.

A cultura local de uma comunidade está relacionada ao espaço físico de vivência e manu-tenção tradicional de sua identidade. Ou seja, a importância da cultura ao nível dos grupos étnicos ou regionais, capazes de gerar conflitos, competições e rivalidades, devido às especificidades ligadas pelo passado, como a pronúncia, língua ou o dialeto, os comportamentos coletivos e individuais, etc.

3.2 Globalização e a imigração de trabalhadores

Dentre os fenômenos emergentes na globalização contemporânea deve ser destacada a ques-tão da migração internacional, que assume contornos diferentes e apresenta novos desafios no que se refere à sua análise e interpretação (BÓGUS, 1999, p. 165).

A globalização dos mercados acarretou profundas mudanças no campo econômico, e uma de suas consequências é a própria migração de empresas e grupos econômicos, em busca de melhores condições fiscais e mão-de-obra mais barata. Com isso, muitas oportunidades são fechadas o que implica na necessidade de mudança do trabalhador, que seguem para o local onde se encontram as oportunidades de emprego. Como também, estimula parte de seus cidadãos a buscarem melhores oportunidades de trabalho em outras localidades, ainda que fora de seus países de origem onde possa obter melhores condições de vida e necessidade de sobrevivência.

São diversos os motivos que levam o trabalhador à migração, ele pode ser compelido por situ-ações extremas como a guerra, perseguições étnicas ou simplesmente a fuga da pobreza e da fome. A pobreza e a esperança de uma vida melhor levam à imigração legal ou ilegal, permanente ou tempo-rária. Por livre e espontânea vontade, por obrigação ou por ambos os motivos, o homem estende a sua vida sobre mundos separados (BECK, 1999, p. 137).

Para Ianni (1996, p. 7-8) Toda essa movimentação envolve problemas culturais, religiosos, linguísticos e raciais, simultaneamente sociais, econômicos e políticos. Emergem xenofobias, etno-centrismos, racismos, fundamentalismos, radicalismos, violências. Eles acabam por serem vítimas da exploração por empresas inidôneas, grande parte dirigidas por outros imigrantes, que muitas vezes perpetuam um ciclo de exclusão a que foram inicialmente submetidos.

O que se pode concluir, portanto, é que a atual migração de trabalhadores tem como causa di-reta, embora não única, os efeitos da globalização da economia. Os trabalhadores pobres que migram, acabam por fazê-lo de modo marginal, e são submetidos a exploração.

3.3 Identidade do imigrante senegalês

Cada povo tem seus traços característicos – língua, costumes, culinária, religião, superstições, traços fenotípicos. A soma dessas características transmite às pessoas que não integram aquele povo uma ideia coletiva preconcebida.

Os imigrantes, quando saem de seu local de origem e dirigem-se a uma nova terra, levam com eles esses traços característicos, e a simples presença desses caracteres, que os torna “diferentes” dos nativos, leva à criação de um estereótipo, de uma ideia preconcebida, e muitas vezes preconceituosa, porque não submetida à crítica, pelo povo receptor. Conforme Cunha (1998, p. 499), os trabalhadores imigrantes são estrangeiros e, apenas por este motivo, podem despertar suspeitas ou hostilidades nas comunidades onde vivem e trabalham e ser objeto de discriminação – mesmo porque, na maioria dos casos, são economicamente pobres e compartilham os problemas dos grupos menos favorecidos da sociedade do Estado que os acolhe.

Quando o imigrante é identificado apenas por suas características étnicas e pelo nicho do mercado de trabalho em que consegue se inserir, existe uma identificação negativa, uma identificação que faz com que lhe seja negado o reconhecimento como ser humano completo. E a sua identificação como trabalhador imigrante diante da sociedade acaba servindo de empecilho para que possa conseguir melhor colocação

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de trabalho, ainda que se trate de trabalhador qualificado, frustrando suas esperanças de, ao atravessar fronteiras, obter acesso a um mundo melhor. Isso pode ser observado quando as sociedades industrializadas importam força de trabalho necessária, sem preocupação com as pessoas que desempenham essa força de trabalho, que acabam sendo vistas meramente como mão de obra temporária e descartável.

O trabalhador imigrante tem sido utilizado, como mão de obra barata e descartável, sem que se respeitem seus direitos fundamentais, em razão da situação precária de permanência que muitos deles encontram, principalmente aqueles que adentram ou permanecem no país de maneira ilegal, ao qual se subordinam em razão do medo da deportação e da esperança de, com o trabalho, conseguirem obter dinheiro e condições futuras de legalização.

O imigrante chega ao país de destino como estrangeiro, desprovido do acesso aos direitos de cidadania; apenas com a efetiva inserção dentro do sistema jurídico, do reconhecimento do Estado re-ceptor de sua condição civil, é que passa a ter potencial acesso aos direitos mínimos. Um trabalhador que não consegue sua inserção dentro do sistema jurídico do país que o recebe é lançado na situação de abandono e miséria; sem documentos, não consegue remeter dinheiro para casa, nem abrir conta em banco, e fica mesmo impossibilitado de sair do país, porque, caso saia, não consegue mais retornar. Assim, foge da miséria em seu país para viver em condições ainda piores em um país estranho.

De acordo com Tedesco e Grzybovski (2013) os motivos de estes imigrantes estarem na região norte do Estado do Rio Grande do Sul são variados, mas a maioria deslocou-se de São Paulo, e no qual receberam informação de que no norte do Estado do Rio Grande do Sul seria possível agilizar a documentação para a estada provisória no país. A partir daí, iniciou-se intenso fluxo (i)migratório de senegaleses, fato que se somou à possibilidade imediata de empregos em frigoríficos e empresas. A maioria dos imigrantes tem experiência em seu país em atividades agrícolas e de comércio, mas muitos também possuem habilidades técnicas, como pedreiro, carpinteiro, soldador, motorista, mecânico, padeiro, etc.

Quanto ao mercado de trabalho, segundo os autores Tedesco e Grzybovski (2013) os imigrantes buscam as melhores oportunidades e, quando as encontram, simplesmente migram pela região. Jun-tos, eles exploram os benefícios econômicos e financeiros (salário, moradia, alimentação, transporte, outros) de uma proposta de trabalho e migram de uma para outra empresa com facilidade. Em relação aos aspectos culturais, os senegaleses conservam os hábitos religiosos, alimentares e de convivência em grupos. Entre eles, além da cordialidade e espontaneidade, é conservada a hierarquia familiar: permanece em pé quem é mais novo, seja nos espaços de convivência ou na calçada em frente às pousadas/moradias.

4 . Considerações Finais

O artigo objetivou apresentar uma visão geral da construção da identidade de imigrantes no Brasil no mercado de trabalho, especificamente de senegaleses na região norte do Rio Grande do Sul.

Verificou-se que as relações de trabalho constituem uma dimensão central da vida do imigran-te, pois fazem parte dos motivos da decisão de emigrar. A passagem de uma situação para outra com a intenção de melhorar de vida, instrumentalizada pelas questões de moradia, profissão, segurança eco-nômica e aquisição de posses, passa a legitimar subjetivamente decisões migratórias dos senegaleses.

O recurso à mão de obra imigrante reflete interesses e estratégias de atores econômicos e da sociedade brasileira. Assim, os senegaleses são sujeitos com tendência de maior exploração e precari-zação de relações, tempos, espaços, atividades e remunerações.

Nessa apresentação sobre a presença de senegaleses na região norte do Estado do Rio Grande do Sul, constatou-se que os imigrantes não estão integrados à sociedade regional, mas encontram-se inseridos no mercado de trabalho. Mantendo laços religiosos culturais, buscam por uma habitação adequada e barata, como também de uma remuneração mais satisfatória. Mesmo aceitando as adver-sidades inerentes a imigração os senegaleses não desejam voltar ao seu local de origem, e acabam criando uma nova identidade para a região norte do Estado.

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5. Referências

BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo, respostas à globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

BÓGUS, Lucia Maria Machado. Globalização e migração internacional: o que há de novo nesses pro-cessos. In DOWBOR, Ladislau; IANNI, Octávio, e RESENDE, Paulo-Edgar A. (org.). Desafios da globaliza-ção, 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

BORNHOFEN, Denean; KISTENMACHER, Georgia Mueller Peres. A Cultura Norte-americana como um Instrumento do Soft Power dos Estados Unidos: o caso do Brasil durante a Política da Boa Vizinhan-ça. Disponível em: <http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/bri/33004110044P0/2008/galdioli_as_me_mar.pdf >. Acesso em: 10.02.2015.

CUNHA, Guilherme da. Migrantes e refugiados: marco jurídico e estratégia no limiar do século XXI. In PINHEIRO, Paulo Sérgio; GUIMARÃES, Samuel Pinheiro (organização). Direitos Humanos no Século XXI. Rio de Janeiro: IPRI – Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais Fundação Alexandre de Gusmão, 1998.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1996.

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Dispo-nível em: < http://www.gpef.fe.usp.br/teses/agenda_2011_02.pdf>. Acesso em: 10.02.2015.

IANNI, Octávio. Globalização e diversidade. In PATARRA, Neide Lopes (coordenação). Migrações inter-nacionais: Herança XX, Agenda XXI. Campinas: FNUAP; São Paulo: Oficina Editorial, 1996.

LARAYA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 18ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

MINAYO; Maria Cecília de Souza (org). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis. Editora Vozes. 1994

ORTIZ, Renato. Cultura e desenvolvimento. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/pculturais/article/view/3194/2304>. Acesso em: 15.02.2015.

SANTOS, Milton. Espaço e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979.

TEDESCO, João Carlos Tedesco; GRZYBOVSKI Denize. Dinâmica migratória dos senegaleses no nor-te do Rio Grande do Sul. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-d=S0102-30982013000100015 >. Acesso em: 15.02.2015.

WILLIAMS, Raymond. Cultura. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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La “Libertad de Contratar” en el Mercosur - y sus Limitaciones

ante el Orden Público -Silvio Javier Battello Calderón1 José Nosvitz Pereira de Souza2

RESUMEN

El presente estudio trata de la libertad en la contratación internacional del Mercosur, con especial referencia a las limitaciones que este principio puede sufrir cuando se enfrenta al orden público internacional.

PALABRAS CLAVES

Contrato internacional – Mercosur – Orden Público

ABSTRACT

The present study deals with principle of freedom in the international contract (with special reference to the Mercosur). More specifically, this paper analyzes the limita-tions that this principle suffers when facing the international public order.

KEY WORDS

International Contract – Mercosur – Public Order

ÍNDICE

Introducción. 1. Las Fuentes Normativas 2. La Utilización del Orden Público por el Sistema Conflictual Clásico 3. La Autonomía de la Voluntad 4. La Influencia de la Nueva Lex Mercatoria 5. El Arbitraje 6. El Protocolo de Buenos Aires. Bibliografía.

Introducción

El Mercosur posee un ámbito comercial supranacional efectivo, en el cual los operadores económicos realizan sus actividades de dos formas: interactuando con otros operadores económicos de otros Estados Miembros, comprando o vendiendo sus productos o servicios, o estableciéndose de forma permanente o transitoria en los otros Estados. Sin embargo, los objetivos de libre circulación de bienes, servicios y factores productivos, así como el compromiso de los Estados Partes de armonizar sus legislaciones en las materias correspondientes para lograr el fortalecimiento del proceso de inte-gración, propuestos pelo Tratado de Asunción, aún están en vías de concretización3.

(1) Pós-doutor em Direito pela Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA); doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Membro da associação Argentina de Direito Internacional (AADI), da Associação Brasileira de Direito Internacional (ABDI), e da Associação Ibero-americana de Direito Privado (AIDP). Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Advogado na Argentina e no Brasil.(2) Mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), graduado em Direito pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenador e professor do curso de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e Professor da Faculdade Decision de Negócios.(3) BORJA, S. Teoria geral dos tratados: Mercosul a luta pela união latino-americana. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001, p. 232 y ss; PABST, H. Mercosul: direito da integração. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 95 y ss.

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La falta de normas institucionales nos obliga a analizar el DIPr de los países del Bloque en los temas relacionados a la contratación internacional, en especial la libertad de contratar, por ser esta la principal herramienta jurídica de dinamización de los factores de producción circulación de la propiedad.

La expresión libertad de contratación tiene diferencias de significado en el Derecho Privado y en el Derecho Internacional Privado, o en nuestro caso, en el ámbito del Mercosur. Dentro de las fronteras nacionales todos los ciudadanos tiene libertad de contratar y libertad contractual. Libertad de contratar, entendida como la facultad que las personas tienen de contratar porque así quieren ha-cerlo, y libertad contractual, entendido como la libertad que las partes tienen en la determinación del contenido del acuerdo. Estas grandes libertades, que tienen sus orígenes en el seno de la revolución francesa4, son posibles siempre dentro de un cuadro normativo específico, antes representada por los Grandes Códigos, hoy por Códigos y leyes especiales, que delimitan la esfera de actuación de los particulares en materia contractual.

No sucede lo mismo en el ámbito de la contratación internacional del Mercosur. La libertad de contratación generalmente es analiza como el derecho que las partes tienen de elegir el sistema jurídico que reglamentará sus relaciones. Las certezas o previsibilidades que los ciudadanos tienen en la contratación nacional se desfiguran cuando la misma se transforma en internacional. A seguir, analizaremos cómo funciona la evicción del orden público internacional ante las incertezas de la con-tratación, comenzando por el análisis de las fuentes normativas.

1. Las Fuentes Normativas

En relación a las fuentes heterónomas5, Argentina, Paraguay y Uruguay, están vinculados jurí-dicamente por los Tratados de Montevideo de derecho civil internacional de 1889 y 1940. Por su parte, Brasil ratifico el Código Bustamante, apartándose así del sistema anterior.

Por el Tratado de Montevideo de 1889 la regulación del contrato queda vinculada a las leyes del lugar de ejecución de las obligaciones emergentes de los mismos, pero nada dice sobre la autono-mía del a voluntad, por lo que la doctrina entiendo que la rechaza. El art. 5 del Protocolo Adicional a los Tratados de Montevideo de 1940 no admite la autonomía de la voluntad material, con la salvedad de que ley aplicable así lo determine6. El resto de la normativa del Tratado referente a contratos se limita brindar soluciones para determinar cuál es la ley del lugar de ejecución de la obligación típica del contrato7. En el ámbito procesal, el art. 56.3 del Tratado de 1940 tiene una regla especial que permite la elección tácita del juez competente.

El Código Bustamante, ha dado más atención a los contratos internacionales, dedicando un capitulo para las obligaciones en general, otro para los contratos en general y once para los contratos en particular, además de consagrar la autonomía de la voluntad como principio, aunque no lo haga de forma expresa (surge en consecuencia de los art. 184, 185,186 y 318 para la elección del foro). Tambi-én admite el acuerdo de elección de foro, tanto los ante litem natam como los post litem natam (Art. 323). A pesar de las ventajas comparativas que el Código Bustamante pueda tener sobre el sistema de Montevideo, lo cierto es que su aplicación por los tribunales en el Brasil es prácticamente nula, y tam-poco ha despertado la atención doctrinaria, por lo que muchos consideran siendo ya de letra muerta8.

Ante la falta de reglamentación convencional que se aplique a todos los Estados del Mercosur, los contratos internacionales pueden quedar sometidos a las reglas del DIPr de cada Estado, donde también se verifican diferencias importantes. Brasil reglamenta los contratos internacionales por la ley de su celebración9, mientras que Argentina, Paraguay y Uruguay lo hacen por la ley de ejecución10. También hay diferencias substanciales sobre la recepción de la autonomía de la voluntad de las partes

(4) Sobre los orígenes y evolución del concepto, ver: LOBO, P. Contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 56 y ss.; también REZZONICO, J.C. Prin-cipios fundamentales de los contratos. Buenos Aires: Astrea, 1999, p. 159 y ss. (5) Por fuente heterónomas se entienden aquellas nacidas de convenciones internacionales vigentes en los cuatro países fundadores pero que no han sido elaboradas por los órganos del MERCOSUR sino por otros ámbitos de producción jurídica. Sobre esta reglamentación, véase: FERNANDEZ ARROYO, D. La nueva configuración del Derecho Internacional Privado del MERCOSUR: ocho respuestas contra la incertidumbre. In: Revista Jurídica No. 28. Buenos Aires, 1998, p. 267-286; también: DREYZIN DE KLOR, A. El MERCOSUR. Generador de una nueva fuente de Derecho Internacional Privado. Buenos Aires: Zavalia, 1997, p.250 y ss. (6) BOGGIANO, Contratos Internacionales. Buenos Aires: Depalma, 1995, p. 18. (7) Sobre el tema, ver HARGAIN, D.; MIHALI, G. Circulación de bienes en el Mercosur. Buenos Aires: B de F, 1998, p. 33 y ss. (8) Sobre el Código Bustamente, y en espacial su relación con el derecho brasileño, ver: CASTRO, A. Direito Internacional Privado. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005; AMORIN ARAUJO, L. I. Curso de direito dos conflitos interespaciais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 29 y ss. (9) Para un analis detallado de los contratos internacionales en el derecho brasileño, ver: ARAUJO, N. Contratos Internacionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009; RODAS, G. (org.) Contratos Internacionais. 3 ed. São Paulo: RT, 2002. (10) NOODT TAQUELA, María Blanca, Reglamentación general de los contratos internacionales en los Estados mercosureños, en In. FERNÁNDEZ ARROYO D. (coord.), Derecho Internacional Privado de los Estados del Mercosur. Buenos Aires: Zavalía 2003, p. 979 y ss.

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como fuente de regulación de los contratos internacionales. En el ámbito material, Brasil y Uruguay no la admite, mientras que Argentina lo hace por vía doctrinaria y jurisprudencial11.

2. La Utilización del Orden Público por el Sistema Conflictual Clásico

Aunque cada vez sea menos común, es posible que por indeterminación de las partes o por las propias circunstancias del caso la determinación del derecho se haga por aplicación de las reglas de conflicto clásicas del foro (ley de celebración para Brasil y ley de ejecución en los demás). En tales cir-cunstancias, si la conexión indica un derecho extranjero, el mismo será aplicado en la medida que no sea contrario al orden público internacional del foro. Aunque los motivos por los cuales pueda generar la evicción en materia contractual sean diversos, la fundamentación siempre se dará por la contrarie-dad con los principios del foro, por ejemplo, contratos obtenidos bajo coacción, contratos celebrados por incapaces, por quebrados, contratos donde no hubo aceptación expresa de una de las partes, etc.

¿La excepción de orden público en los casos que envuelvan derecho de los Estados Partes del Mercosur en materia contractual es frecuentemente utilizada?

Nuestra investigación no ha encontrado antecedentes significativos sobre contratos de compra y venta de mercadería, contratos de transporte y de prestación de servicios en general - principales fuentes contractuales de la libre circulación de mercaderías – donde los tribunales nacionales hayan rechazado la solución material del derecho contractual de los Estados Partes. Las únicas decisiones que se refieren al tema, y solo de forma incidental, son dos fallos de los tribunales brasileños en ma-teria de seguro12,

En el primer caso, que se analiza la cobertura de riesgos en el exterior, vincula la causa al derecho argentino. En este, la ley de seguros 17.418 es la encargada de asegurar los limites al ejercicio de la autonomía de la voluntad y a la aplicación del derecho extranjero. El art. 158, que trata de la Obligatoriedad de las normas, dispone: “Además de las normas que por su letra o naturaleza son total o parcialmente inmodificables, no se podrán variar por acuerdo de partes los artículos 5, 8, 9, 34 y 38 y sólo se podrán modificar en favor del asegurado los artículos 6, 7, 12, 15, 18 (segundo párrafo), 19, 29, 36, 37, 46, 49, 51, 52, 82, 108, 110, 114, 116, 130, 132, 135 y 140.

Cuando las disposiciones de las pólizas se aparten de las normas legales derogables, no po-drán formar parte de las condiciones generales. No se incluyen los supuestos en que la ley prevé la derogación por pacto en contrario”. De esta forma, aunque el contrato de seguro este vinculado a una reglamentación convencional, deberán siempre respetarse las disposiciones de la ley de seguros, ya que el derecho indicado por el tratado nunca será aplicable si es contrario al orden público nacional.

(11) NOODT TAQUELA, Reglamentación…, p. 1008 y ss.(12) - APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MATERIAL CUMULADA COM DANOS MORAIS, PERDAS E DANOS E LUCROS CESSANTES - INÉPCIA DA INICIAL - PRELIMINAR RECHAÇADA - CONTRATO DE SEGURO VEICULAR INTERNACIONAL - ADITIVO DE EXTENSÃO DE PERÍMETRO - VIAGEM AO EXTERIOR – PAÍSES DO MERCOSUL - DANO NO MOTOR POR ACIDENTE - CONSERTO REALIZADO ÀS EXPENSAS DO SEGURADO PARA POSTERIOR REEMBOLSO - ATO AUTORIZADO PELA SEGURADORA - RECUSA INDENIZATÓRIA - ARBITRARIEDADE - TRANSTORNOS QUE VÃO ALÉM DAQUELES VIVIDOS NO COTIDIANO - SEGURADO QUE SE VÊ PRIVADO DA UTILIZAÇÃO DE SEU VEÍCULO BEM COMO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA - ABALO MORAL CONFIGURADO - OBRIGAÇÃO COMPENSATÓRIA DEVIDA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO - Verificando-se que a petição inicial está apta a ser processada, uma vez que fornece ao juízo os elementos necessários à compreensão do pedido e da causa de pedir, e estando evidente a sua possibilidade jurídica, não há falar em inépcia da inicial. Encontrando-se o veículo com contrato de seguro em vigência e circulando em perímetro autorizado contratualmente, eventual sinistro que venha a impossibilitar a utilização do bem segurado, quando inexistente agravamento de risco por parte do condutor, nasce à seguradora o dever de indenizar, nos limites da apólice, o valor contratado, principalmente quando a atitude do segurado é exercida sob a orientação repassada pela seguradora, não podendo esta, de forma pura e simples, recusar o ressarcimento, sob pena de, assim o fazendo, responder por todo o abalo que venha a repercutir na esfera psíquica e íntima do segurado. TJSC - AC 2010.047252-5 - 3ª CDCiv. - Rel. Des. Fernando Carioni - DJe 10.09.2010. -AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS ACIDENTE DE TRÂNSITO OCORRIDO EM AUTOESTRADA DO PARAGUAI DISCUSSÃO ACERCA DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA RECONHECIMENTO INCIDÊNCIA DA EXCEÇÃO PREVISTA PELO ARTIGO 3º DO PROTOCOLO DE SÃO LUIZ, ASSINADO PELOS PAÍSES INTEGRANTES DO MERCOSUL COMPETÊNCIA DEFINIDA PELO DOMICÍLIO DOS ENVOLVIDOS NO BRASIL PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURIDÍCA DOS PEDIDOS AFASTADA PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAS RECONHECIDA PELO OR-DENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, AINDA QUE TENHA HAVIDO PAGAMENTO PARCIAL DO PREJUÍZO, PELO SEGURO AFASTAMENTO DA PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL PROVA DA CULPABILIDADE QUE DEVE SER APURADA DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE PASSIVA DO SEGUNDO AGRAVANTE - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO CAUSADOR DO ACIDENTE E DO CONDUTOR - RECURSO DESPROVIDO - 1- A finalidade do MERCOSUL é integrar os países do cone sul não só no mercado financeiro e comercial, mas também no âmbito jurídico. Por tal razão, promulgou-se o Protocolo de São Luiz para regular a responsabilidade civil decorrente de aci-dente de trânsito. 2- De acordo com a exceção prevista pelo artigo 3º do Protocolo é competente a justiça do domicílio das pessoas envolvidas no acidente automobilístico, ou seja, é competente a justiça brasileira. 3- Ainda que tenha havido recebimento parcial dos prejuízos materiais pelo seguro, não há óbice legal que impeça os agravados de recorrerem ao Poder Judiciário para pleitear indenização por danos materiais complementares e danos morais. 4- Diante da ocorrência de acidente de trânsito, não havendo composição entre as partes, evidencia-se a utilidade dos agravados em recorrerem ao Poder Judiciário para a tutela de seu direito, bem como a adequação do meio processual eleito para tanto, caracterizando-se o seu interesse processual. Análise da culpabilidade será feita em ato de cognição exaustiva do processo. 5- É possível figurar o segundo agravante no polo passivo da demanda, porquanto reconhecida a sua condição de proprietário do veículo que, a princípio, teria causado oacidente automobilístico, reconhecida a sua responsabilidade solidária com o condutor. (TJPR - AGI 0671428-5 - Rel. Des. José Laurindo de Souza Netto - DJe 08.11.2010 - p. 207)

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Oyarzabal enseña que esta excepción a la aplicación del derecho extranjero se fundamenta en una supuesta reserva implícita a los tratados, a la soberanía nacional del Estado y en su carácter de principio general de derecho en el sentido del art. 38 del Estatuto de la Corte Internacional de justicia13. Cabe aún referirse expresamente al os Tratados de Montevideo donde la excepción de orden público está expresamente determinada en el art. 4 del Protocolo Adicional al Tratados de 1940.

Para posicionarse sobre el orden público argentino en materia de seguros, el referido art. 158 clasi-fica las normas de la ley en cuatro categorías, según su modificabilidad o inmodificabilidad total o parcial: a) normas que no admiten ningún tipo de modificación por las partes, aunque las mismas sean en beneficio del asegurado, como son las disposiciones del art. 5, 8, 34 y 38; b) normas total o parcialmente inmodificables dependiendo del texto de la ley o de su naturaleza. No están determinadas de forma expresa, por lo que cabe a la jurisprudencia su determinación; c) normas que representan mínimos impuestos a favor del asegurado y, consecuentemente, susceptibles de ser aumentados si la práctica aseguradora juzga prudente en la comer-cialización del contrato. Son varias las normas en ese sentido, por ejemplo, los art. 6,7,29,36,37,46,49,52,108,110,114, etc. d) las demás normas supletorias, modificables conforme a la libertad de las convenciones.

Es importante señalar que aunque las disposiciones del art. 158 hagan referencia a normas de orden público interno, la doctrina ha entendido que son también normas de orden público internacio-nal14. Así, cabe al juez nacional analizar en el caso en concreto si determinada estipulación contractual o si el derecho extranjero aplicable al caso es contraria al orden público foráneo.

También debemos referirnos a las diferencias que existen entre el orden público y las normas impe-rativas, en especial la norma de policía económica del seguro del derecho argentino, determinada por la ley 12.988, que en su art. 2 prohíbe asegurar en el extranjero cualquier interés asegurable de jurisdicción nacio-nal15. La norma es de aplicación pacifica por los tribunales nacionales, siempre con referencias al antiguo fallo de la CSJN, 06/07/70, Johnson y Johnson de Argentina S.A.C.I.16 Sin embargo, no hay previsión expresa ante el conflicto de la norma referida con tratados y convenciones internacionales ratificados por la Argentina.

En este sentido, nos parecen correcta la tesis de Oyarzabal, por lo cual, las normas de policía interna argentina no pueden ser contrarias al contenido de los acuerdos internacionales ratificados por el país; en segundo lugar, cuando un tratado internacional contiene normas de conflicto en materia de seguros, implican la posibilidad de contratar seguros en el extranjero sobre intereses argentinos en los términos del derecho alienígena indicado por la norma convencional, y por último, los intereses de juris-dicción argentina pueden ser asegurados sin restricciones en una plaza extranjera cuando un tratado que vincula a la República a al Estado Extranjero respectivo lo autoriza expresamente o implícitamente17.

Lo dicho hasta aquí también se aplica el derecho brasileño18, que tampoco admite la cobertura de riesgos nacionales en el exterior, con la excepción de que dicho riesgo no sea objeto de seguro en

(13) En este sentido: OYARZABAL, M. El contrato de seguro multinacional. Buenos Aires: Abaco, 1998, p. 165. (14) En ese sentido: PARDO, A. Régimen internacional privado del contrato de seguro en nuestro país, JA, 1971, p. 431 y ss. (15) La norma se complementa con las disposiciones de los art. 3 y 4 de la Ley: Artículo 2.- Queda prohibido asegurar en el extranjero a per-sonas, bienes o cualquier interés asegurable de jurisdicción nacional. En caso de infracción esta será reprimida con una pena impuesta al asegurado e intermediario por el Poder ejecutivo, de hasta veinticinco veces el impuesto de la prima. La resolución del Poder ejecutivo será apelable ante la Cámara Nacional de apelaciones en lo civil, comercial y penal especial y contencioso administrativo de la Capital Federal.Artículo 3.- Deben cubrirse exclusivamente en compañías argentinas de seguros todas las personas, bienes, cosas, muebles e inmuebles, semovientes, responsabilidad o daños que se resuelvan asegurar, dependientes, de propiedad y/o utilizados por la Nación, las provincias, las municipalidades, entidades autárquicas o por personas físicas o jurídicas que exploten concesiones, permisos o tengan franquicias, exenciones o privilegios de cualquier índole en virtud de leyes o disposiciones de autoridades de la Nación, provincias o municipalidades. En caso de infracción, regirá la misma penalidad establecida en el artículo anterior.Artículo 4.- Deben igualmente ser cubiertos en compañías argentinas de seguros, los seguros de toda clase de bienes que entren al país, cualquiera que sea la forma, cuyo riesgo de transporte a la República sea por cuenta de quien lo reciba, así como los seguros de los bienes que salgan del país, cualquiera que sea la forma cuyo riesgo de transporte al extranjero sea por cuenta de quien lo remita.(Este párrafo ha quedado sin efecto por resolución 589/94 M.E.c. y O. y S.P.). En los trámites aduaneros correspondientes, deberá declararse bajo juramento si se ha cubierto el riesgo y en tal caso acompañar copia firmada de la póliza respectiva. Las infracciones serán reprimidas con la misma penalidad establecida en el art. 2.(16) Publicado por Julio Córdoba en DIPr Argentina el 16/09/09, en Fallos 277:121 y en BOGGIANO, A. Derecho Internacional Privado, 4a. ed., Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2001, t. II. En el mismo sentido: CNCom., sala B, 07/05/80, Pellegrini, Carlos D. c. Acedra S.A. y otros, ED 88-404. (17) Cf.: OYARZABAL, Mario. El contrato…, cit., p. 165.(18) Brasil. Lei Complementar N° 126/2007: “Art. 19. Serão exclusivamente celebrados no País, ressalvado o disposto no art. 20 desta Lei Complementar: I - os seguros obrigatórios; e II - os seguros não obrigatórios contratados por pessoas naturais residentes no País ou por pessoas jurídicas domiciliadas no território nacional, independentemente da forma jurídica, para garantia de riscos no País. Art. 20. A contratação de seguros no exterior por pessoas naturais residentes no País ou por pessoas jurídicas domiciliadas no território nacional é restrita às seguin-tes situações: I - cobertura de riscos para os quais não exista oferta de seguro no País, desde que sua contratação não represente infração à legislação vigente; II - cobertura de riscos no exterior em que o segurado seja pessoa natural residente no País, para o qual a vigência do seguro contratado se restrinja, exclusivamente, ao período em que o segurado se encontrar no exterior; III - seguros que sejam objeto de acordos internacionais referendados pelo Congresso Nacional; e IV - seguros que, pela legislação em vigor, na data de publicação desta Lei Complementar, tiverem sido contratados no exterior. Parágrafo único. Pessoas jurídicas poderão contratar seguro no exterior para cobertura de riscos no exterior, informando essa contratação ao órgão fiscalizador de seguros brasileiro no prazo e nas condições determinadas pelo órgão regulador de seguros brasileiro.”. Ver también: Resolução CNSP nº 197/2008 y Circular SUSEP nº 392/2009.

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el territorio nacional. La violación trae como consecuencia una sanción administrativa, en los términos de los arts. 19 y 20 de la Circular SUSEP No. 392/2007, pero no implica la nulidad o anulabilidad del contrato.

Superada la cuestión del orden público por aplicación indirecta del derecho extranjero, de-bemos analizar ahora la autonomía de la voluntad, sin dudas, el tema que más debates ha generado sobre la materia.

3. La Autonomía de la Voluntad

La autonomía del la voluntad es sin lugar a dudas uno de los temas más importantes del DIPr, y se ha llegado a afirmar que su análisis marca la transición entre el DIPr de carácter moderno al DIPr de carácter hipermoderno19. A pesar de ello, y en el ámbito del Mercosur, Argentina es el único Estado Parte que admite la autonomía de la voluntad en materia de juez competente y derecho aplicable20. En el ámbito procesal reconoce el principio por el art. 1 del Código Procesal Civil y Comercial del Na-ción, y aunque no exista norma que lo establezca expresamente para el derecho material, su admisión es pacifica en la doctrina21 y jurisprudencia22 nacional. De forma ilustrativa, en el fallo del 25 de agosto de 1998, la Corte Suprema de Justicia de la Nación sostuvo, en materia de contratos internacionales, que:

“la cláusula de conocimiento de embarque, pactada por las partes vinculadas por un contrato de trans-porte marítimo, que autoriza a transportar la mercadería sobre bordo, resulta válida dado el lugar adonde debe ser transportada aquella es materia de disponibilidad que no ofende ni el orden público (art. 14,inc. 2 del Código Civil), ni las normas imperativas establecidas por la Convención de Bruselas y en la ley argentina (art. 603, ley 20.094)”, agregando que en los contratos internacionales, la autono-mía de la voluntad de las partes se encuentra limitada por los principios de derecho internacional, que hacen al espíritu de la legislación argentina, y por las normas que revisten el carácter internacional imperativo”.23

En la reglamentación paraguaya no existe norma expresa referida a la autonomía de la vol-untad material. Aún se debate en la doctrina nacional si el país acepta o no el principio24. Entre los motivos para su rechazo se citan las normas imperativas del art. 669 del Código Civil de 1987, que equivalen, en cuanto a sus efectos, a las de orden público en la nomenclatura paraguaya. Ya en el ámbito procesal, el Código Procesal Civil paraguayo, en su art. 3, prohíbe expresamente la prorroga de jurisdicción, con la salvedad de que no sea admitido por leyes especiales.

Rechazan el principio los derechos brasileño y uruguayo. En el Brasil, la autonomía de la vol-untad era consagrada por el Código Civil de 1916, que en el art. 13 de su introducción disponía: “salvo estipulação em contrario, para qualificar e reger as obrigação…” Con la reforma introducida en 1942, que substituyo el capitulo introductorio del código por una Lei de Introdução ao Código Civil, retiró la primera parte de la norma (salvo estipulação em contrario) y el artículo 9 de la ley no reconoce la autonomía de la voluntad en los contratos internacionales. Con la reforma de 2010, que altera la denominación de Lei de Introducão ao Código Civil –LICC por Lei de Introducão às normas do Direito Brasileiro – LINDB, el legislador nacional perdió la oportunidad de modificar el texto en cuestión como reclamado por la mayoría de la doctrina nacional. En ámbito procesal, las reglas no son claras (art. 88 y 89 del Código de Proceso Civil) aunque la doctrina y la jurisprudencia nacional la admiten25.

En el Derecho uruguayo rige como principio la prohibición de la autonomía de la voluntad, tanto material como procesal, siendo imperativas la aplicación del Apéndice del Código Civil, ley 10.084/41, que en el art. 2403 determina: “las reglas de competencia legislativa y judicial determi-nadas en este título, no pueden ser modificadas por voluntad de las partes. Éstas sólo podrán actuar

(19) ZANCHET, M. A proteção dos consumidores no direito internacional privado brasileiro. Dissertação de Mestrado em Direito. PPGD. Faculdade de Direito. UFRGS, 2006, p. 214.(20) Para una visión general: URIONDO DE MARTINOLI, A. Autonomía de la voluntad en el MERCOSUR y en los países asociados. Anuário IHLADI, No. 14, 1999, p. 400 y ss. (21) Para un estudio más detallado del tema, véase: BOGGIANO, A. Contratos Internacionales. Buenos Aires: Dealma, 1995. (22) A título de ejemplo, véase: Cám. Nac. Com. Sala E, “Banco de Río Negro y Neuquén c/Independencia Transportes Internacionales S.A., E.D. 97-604; CSJN, “Gobierno de la República del Perú c/S.I.F.A.R, Soc. Ind. Finan. Argentina s/incumplimiento del contrato” LL, 86, 328. (23) CSJN “la Buenos Aires Cia de Seguros c. Capitán y/o Armador y/o propietario Buque Gladiator”, LL 1998, p. 16-17- Fallos 321-2297. (24) DIAZ LABRANO, R. R. Derecho Internacional Privado. La Aplicación de las Leyes Extranjeras y sus Efectos Frente al Derecho. Asunción: Intercontinental, 1992, p. 262 y ss; SILVA ALONSO, R. Derecho Internacional Privado. Asunción: Intercontinental, 1999, p. 273 y ss. (25) Sobre el tema, con abundante referencia jurisprudencial, ver: DE NARDI, M. A eleição de foro em contratos internacionais: uma visão brasileira. In: RODAS, J.G. Contratos Internacionais. 3 ed. São Paulo: RT, 2002, p. 122; ARAÚJO, N. Contratos Internacionais. 4 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 265 y ss.

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dentro del margen que le confiere la ley competente”26. En la exposición de motivos de la ley, Vargas Guillemette sostiene que: “..Las partes no pueden variar a su arbitrio las reglas de competencias legislativa y judicial, ya que para determinarlas se han tenido fundamentalmente en cuenta el in-terés social afectado del Estado a cuyo orden social o económico se vincula por naturaleza la relación jurídica de que se trata”27

Ante las dificultades de armonización de las legislaciones nacionales entre si y de estas con las normas convencionales vigentes en la región, acompañamos la corriente doctrinaria que propone como una alternativa de solución, la adopción de la Convención de México de 199428, que admite la elección del derecho aplicable y además acepta que el juez tome en consideración la lex mercatoria, tanto para determinar el derecho aplicable (Art. 9.2) como para cumplir con los requisitos de equidad y justicia en el caso concreto. Esto podría concretarse por la aprobación de la Convención por parte de cada uno de los Estados, o por una Decisión del CMC que reproduzca el texto.

Sin embargo los contratantes internacionales, principalmente empresarios, han sabido es-capar de las cárceles legislativas nacionales de diversas formas. Las más destacadas son: a) por los avances de las lex mercatoria, b) el arbitraje y c) el Protocolo de Buenos Aires.

4. La Influencia de la Nueva Lex Mercatoria

Mientras los legisladores nacionales y convencionales se preocupan por entender, clasificar y normativizar los contratos internacionales, la actividad económica continúa evolucionando. Las em-presas, independientemente de su tamaño, intensifican día tras día sus relaciones con proveedores, pares y consumidores en el exterior. Y son los propios empresarios quienes elaboran sus propias reglas y designan sus jueces.

Es sorprende ver cómo la realidad de los negocios trasciende la normas imperativa, nacionales o convencionales, para dar lugar a nuevos usos y costumbres contractuales. Esta evolución se debe, en muchos casos, a las actividades desarrolla por asociaciones empresariales, como la Cámara de Comer-cio Internacional –CCI-29 y por institutos especiales como UNCITRAL30 o UNIDROIT31, que atienden los nuevos desafíos de forma racional, en algunos casos, anticipándose a la práctica.

En la actualidad, la diversidad normativa para-estatal es abundante. La doctrina reconoce al menos cuatro tipos32: Primero, los usos espontáneos, cada vez más raros y marginales en la práctica de los negocios; Segundo, los usos y elaboraciones normativas creados de forma privada, que a título de ejemplo podemos citar: a) los usos típicamente mercantiles, con mención especial para los trabajos de la Cámara de Comercio Internacional –CCI-, en especial los consagrados INCOTERMS33; b) reglas elaboradas como standard técnicos, como ser las normativas de la International Organization for Standarisation -ISO34, que sirven como patrones o guías al que las empresas se someten, y la falta de adecuación de fabricantes o prestadores de servicios a esos estándares puede ser causa de responsabi-lidad jurídica.; c) las reglas de gobierno corporativo, plasmadas en códigos o estatutos creados tanto por instituciones públicas cuanto privadas que buscan dar transparencia a los consejos directivos y a las personas vinculados a ellos en las sociedades anónimas35; d) reglas contables o de auditoría, como los International Financial Reporting Standard (IFRS)36, que sirven como base para la clasificación de las empresas que cotizan en bolsas de valores; y tantos otros usos o normas de instituciones privadas que buscan llevar seguridad y celeridad para quien actúa en su ámbito37. En tercer lugar, los usos para evitar la intervención del Estado, dado que muchas veces las asociaciones empresariales o institutos

(26) OPERTTI BADÁN, D. La CIDIP V: una visión en perspectiva. In: Revista Uruguaya de Derecho Internacional Privado, No. 1. Montevideo: Universidad de la República, 1996, p. 28 a 35. (27) Citado por: NOODT TAQUELA, M.B. Reglamentación…, cit., p. 1021.(28) Entre otros: OPERTTI, uma visión..., cit., p; 32.; ARAUJO, Contratos…, cit., p. 177 yss; MORENO RODRIGUES, J. A. Los contratos y la Haya ¿ancla al pasado o puente al futuro?. In: FERNANDEZ ARROYO, D. y MORENO RODRIGUEZ, J. (org.) ¿Cómo se codifica hoy el derecho comercial internacional? Asunción: La ley paraguaya, 2010, p. 336. (29) http://www.iccwbo.org/(30) http://www.uncitral.org/(31) http://www.unidroit.org/(32) BASEDOW, J. El Derecho Privado en la Economía. En: BASEDOW, J; FERNANDEZ ARROYO, D. y MORENO RODRIGUEZ, J. (org.) ¿Cómo se codifica hoy el derecho comercial internacional? Asunción: La ley paraguaya, 2010, p. 13 y ss.(33) Términos Comerciales Uniformes, actualmente en la versión 2010, que simplifica las categorías de la versión 2000, estipulando los siguien-tes términos: EXW Ex Works; FCA Free Carrier; CPT Carriage Paid To; CIP Carriage And Insurance Paid To; DAT Delivered At Terminal; DAP De-livered At Place; DDP Delivered Duty Paid; FAS Free Alongside Ship; FOB Free On Board; CFR Cost And Freight; CIF Cost Insurance And Freight.(34) http://www.iso.org/iso/home.html(35) Véase a modo de ejemplo el Código Suizo de Gobierno Corporativo, accesible en: http://www.ecgi.org/codes/documents/swiss_code_feb2008_en.pdf(36) http://www.ifrs.org/Home.htm(37) Véase como ejemplo la reglamentación de la FIFA para la transferencia de jugadores, o de las disposiciones de IATA para el transporte áereo.

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especiales se adelantan a la reglamentación estatal sobre temas delicados o controvertidos38. En cuar-to lugar, los usos y elaboraciones normativas apoyados por el Estado, práctica más corriente en los pa-íses del Common Law, como son los distintos trabajos de la American Law Institute39, muy respetados en el medio jurídico de los Estados Unidos40.

Estos sistemas normativos para-estatales no excluyen la aplicación de los derechos naciona-les, tampoco Tratados o Convenciones, pero cumplen una importante función ecualizadora entre los derechos nacionales, haciendo disminuir la incidencia de orden público internacional en el ámbito contractual.

5. El Arbitraje

Otro instrumento superador de las dificultades antes enunciadas en el ámbito del a autonomía de la voluntad es el auge que ha cobrado en Latinoamérica el arbitraje en los contratos internaciona-les. En efecto, la mayor parte de los países de la región han puesto sus leyes arbitrales en sintonías con la Convención de Nueva York y la Ley Modelo de Uncitral.

En el ámbito del Mercosur, todos los Estados Partes han ratificado la Convención de Nueva York reconocimiento y ejecución de sentencias arbitrales extranjeras de 1958 y las convenciones de Panamá de 1975 y Montevideo de 1979 en el ámbito de la OEA41. También todos adhirieron al Acuerdo sobre Arbitraje Comercial Internacional del Mercosur42.

La utilización del arbitraje en el ámbito de los contratos internacionales es un fuerte elemen-to limitador en la utilización del principio del orden público internacional, aunque continua sirviendo como criterio rector para la protección de los derechos y garantías fundamentales del foro. La juris-prudencia brasileño en reconocimiento y ejecución de sentencias arbitrales nos brinda ejemplos muy ilustrativos de la importante función que el orden público cumple en la materia:

PROCESSUAL CIVIL. SEC - SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. HOMOLOGAÇÃO. DESCABIMENTO. ELEIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA PARTE REQUERIDA. OFENSA A PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO. 1. PLEXUS COTTON LIMITED, sociedade constituída e existente de acordo com as leis da Inglaterra, com sede em Liver-pool, Inglaterra, requer a homologação de SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA, proferida por LIVERPOOL COTTON ASSOCIATION - LCA, que condenou SANTANA TÊXTIL LTDA. a pagar à requerente a quantia de U$D 231.776,35 (duzentos e trinta e um mil, setecentos e setenta e seis dólares e trinta e cinco cen-tavos), além de determinar o faturamento de parte da mercadoria ou o equivalente a 2.204.600 líbras líquidas, em razão de descumprimento de contrato firmado entre as partes. 2. Na hipótese em exame, consoante o registrado nos autos, não restou caracterizada a manifestação ou a vontade da requerida no tocante à eleição do Juízo arbitral, uma vez que não consta a sua assinatura nos contratos nos quais se estabeleceu a cláusula arbitral. 3. A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem. 4. No caso em exame, não houve manifestação expressa da requerida quanto à eleição do Juízo Arbitral, o que impede a utilização desta via jurisdicional na presente controvérsia. 5. Pedido de homologação a que se nega deferimento. 43

SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. HOMOLOGAÇÃO. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. AUSÊNCIA DE ASSI-NATURA. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. “A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem.” (SEC nº 967/GB, Relator Ministro José Delgado, in DJ 20/3/2006). 2. A falta de assinatura na cláusula de eleição do juízo arbitral contida no

(38) Basedow cita como ejemplo el uso de información genética para el cálculo de riesgos en los seguros de vida y planes de salud, se ha dado a conocer que en varios países europeos las compañías de seguros se han comprometido, sea unilateralmente, sea por acuerdos con los gobi-ernos, a no hacer uso de datos genéticos para el cálculo de riesgos. In: BASEDOW, El Derecho…, cit., p. 16.(39) http://www.ali-aba.org/(40) Sobre el tema, ver: Garro, Alejandro. El Derecho Internacional Privado en los Estados Unidos: Balance y Perspectivas. En: Revista Mexicana de Derecho Internacional Privado. Número especial, 2000, p. 101 y ss. (41) En el ámbito de la CIDIP, y relacionado al arbitraje, se encuentran vigentes en los cuatro países las siguientes convenciones: La Convención Interamericana sobre Exhortos y Cartas Rogatorias (Panamá, 1975) y su protocolo adicional; La Convención Interamericana sobre Recepción y Prueba del Derecho Extranjero (Panamá 1975); La Convención Interamericana sobre Régimen Legal de Poderes para ser Utilizados en el Ex-tranjero (Montevideo, 1979); y la Convención Interamericana sobre Normas Generales de Derecho Internacional Privado (Montevideo, 1979). (42) Decisión Consejo Mercado Común No. 3/98. (43) STJ, SEC 967, publicado en: DJ 20/03/2006 p. 175LEXSTJ vol. 200 p. 256RDR vol. 40 p. 154REV. FORENSE. vol. 386 p. 341.

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contrato de compra e venda, no seu termo aditivo e na indicação de árbitro em nome da requerida exclui a pretensão homologatória, enquanto ofende o artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei nº 9.307/96, o princípio da autonomia da vontade e a ordem pública brasileira. 3. Pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira indeferido. 44

SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. HOMOLOGAÇÃO. REQUISITOS. LEI 9.307/96 E RESOLUÇÃO 9/2005 DO STJ. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. CONVENÇÃO DE ARBITRÁGEM. EXISTÊNCIA. CLÁUSULA COMPRO-MISSÓRIA. ANÁLISE DE CONTROVÉRSIA DECORRENTE DO CONTRATO. JUÍZO ARBITRAL. POSSIBILIDADE. MÉRITO DA DECISÃO ARBITRAL. ANÁLISE NO STJ. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À ORDEM PÚBLICA. PRECEDENTES DO STF E STJ. 1. As regras para a homologação da sentença arbitral estrangeira encontram-se elencadas na Lei nº 9.307/96, mais especificamente no seu capítulo VI e na Resolução nº 9/2005 do STJ. 2. As duas espécies de convenção de arbitrágem, quais sejam, a cláusula compro-missória e o compromisso arbitral, dão origem a processo arbitral, porquanto em ambos ajustes as partes convencionam submeter a um juízo arbitral eventuais divergências relativas ao cumprimento do contrato celebrado. 3. A diferença entre as duas formas de ajuste consiste no fato de que, enquanto o compromisso arbitral se destina a submeter ao juízo arbitral uma controvérsia concreta já surgida entre as partes, a cláusula compromissória objetiva submeter a processo arbitral apenas questões in-determinadas e futuras, que possam surgir no decorrer da execução do contrato.4. Devidamente observado o procedimento previsto nas regras do Tribunal Arbitral eleito pelos con-tratantes, não há falar em qualquer vício que macule o provimento arbitral. 5. O mérito da sentença estrangeira não pode ser apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, pois o ato homologatório res-tringe-se à análise dos seus requisitos formais. Precedentes do STF e do STJ. 6. Pedido de homologação deferido.45

6. El Protocolo de Buenos Aires

El Protocolo de Buenos Aires de 1994, sobre jurisdicción internacional en materia contrac-tual46 , se ha transformado con el pasar de los años en piedra angular de la integración regional en materia de contratos. Aunque solo trata de la determinación de competencia en contratos paritarios -excluyendo expresamente su aplicación para las relaciones que presentan sujetos contractuales hipo-suficientes -, su ratificación por todos los Estados Partes le ha dado un nuevo significado al principio de la autonomía de la voluntad. Este, que antes era de aplicación limitada, acabó por transformarse en nuevo paradigma de los contratos internacionales en la Región47.

Es cierto que el Protocolo de Buenos Aires por sí solo no puede solucionar todas las lagunas y dificultades interpretativas del enmarañado de normas nacionales, tratados y convenciones que están vigentes, en especial por las contradicciones que le elección del foro puede presentar en relación a la autonomía conflictual material48, pero también es verdad que este es el mejor instrumento con el que hoy cuentan los empresarios para dar previsibilidad a relaciones contractuales. Además, el Protocolo ya ha probado su eficacia por encima de las leyes procesales nacionales. La jurisprudencia paraguaya nos brinda un excelente análisis del Protocolo y su imperatividad por sobre las normas nacionales. En los autos “Distriware S.R.L. c/Dart Argentina S.A. s/indemnización de daños y perjuicios y otros”49 el Tribunal de Apelación decidió:

(44) STJ, SEC 978 GB 2006/0173771-1 , publicado em DJe 05/03/2009 RIOBDCPC vol. 58 p. 160 y ss(45) STJ, SEC 1210, publicada en DJ 06.08.2007 p. 444 y ss(46) Para un análisis detallado del Protocolo de Buenos Aires, ver: DREYZIN DE KLOR, A. Jursidicción Contracual Internacional en el Mercosur. In: Revista de Derecho Privado y Comunitario. No. 07. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 1994, p. 465 a 490; PERUGINI, A. M. Protocolo de Buenos Aires sobre jurisdicción internacional en materia contractual. JA 6052, Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1997, p. 58 a 63; TELLECHEA BERGMAN, E. Un marco jurídico al servicio de la integración. Las regulaciones del Mercosur sobre jurisdicción internacional. In: BORBA CASELLA, P. (org.).Contratos internacionais e direito económico no Mercosul. São Paulo: LTr, 1996, p. 48-74. (47) Sobre el tema, ver: ORIUNDO DE MARTINOLI, A. Simetrías y asimetrías en materia contractual. In: Revista de Derecho Privado y Comu-nitario. No. 18. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 1998, p. 513 a 533; HARGAIN, D; MIHALI, G. Régimen jurídico de la contratación mercantil en el MERCOSUR. Buenos Aires: Faria editor, 1993. FRESNEDO DE AGUIRRE, C. La autonomía de la voluntad en la contratación internacio-nal. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1991.(48) Sobre el tema, Fernandez Arroyo “aún cuando los problemas relativos a la jerarquía y a la aplicabilidad de las normas mercosureñas se solucionaron, seguiremos asistiendo a la paradoja de que las partes en un contrato internacional podrían, según las normas antes comenta-das, elegir el juez o arbitro para dirimir sus controversias, pero no podrían designar el derecho aplicable a las mismas porque el MERCOSUR no tiene reglamentada la cuestión y la interpretación común de las normas generalmente coincide en la prohibición de la autonomía de la voluntad” In: FERNANDEZ ARROYO, D. El futuro del MERCOSUR: La reglamentación mercosureña en materia de contratos internacionales desde la cosmovisión borgeana. In: Revista de Derecho Privado y Comunitario. Año 2000, No. 3. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2000, p. 477-498; (49) “Tribunal de Apelación en los Civil y Comercial, Quinta Sala, Acuerdo y Sentencia No. 84/03, juicio Distriware S.R.L. c/Dart Argentina S.A. s/indemnización de daños y perjuicios y otros”. Disponible en: http://cedep.files.wordpress.com/2009/09/distriware-vs-dart-ley-194.pdf, consultado el 25-11-2011.

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“ (…) Precisamente sobre la noción público de orden público es necesario detenerse, pues cuando en la relación jurídica que ocasiona el conflicto uno de sus elementos es internacional, entonces, el concepto del mismo debe ser cuidadosamente dilucidado para establecer si se trata de norma de orden público internacional o es simplemente orden público local. Esto es así porque cuando el mismo es tomado como un mecanismo de defesa debe ser admitido con sentido restrictivo y solo cuando colisiona con el orden público internacional… La doctrina llama atención sobre el punto senalando que el concepto de orden público local difiere con el que se tiene el mismo en el orden internacional. El orden público nacional solo trata de que no se derogue la norma por voluntad de los particulares, lo cual es diferen-te al caso que atiende un elemento internacional, en cuyo caso se crea la necesidad de establecer la norma de conflicto. En este caso, el orden público tiene un carácter relativo y solo puede considerarse tal cuando afectan ciertos valores que sean capaces de destruir los valores en que se sustentan la soberanía y la competencia, y no es tal cuando existe elemento internacional en la relación jurídica. Establecida la relatividad del concepto de orden público en materia de derecho internacional, debe di-lucidarse si aplicar el orden público “a priori” lo cual implica hacerlo directamente antes de considerar la norma de conflicto, lo cual sería también negar el Derecho Internacional.

El jurista compatriota Roberto Ruiz Díaz Labrano nos propone una solución a este problema, cuando dice que “no cabe excepción a la aplicación de la norma extranjera competente sino solo cuando con-travenga de un modo manifestó el orden público. Esto implica el reconocimiento de un principio que va más allá de un interés particular, aunque público, de acuerdo a la caracterización legislativa local, sino de aquellos de carácter general, fundamentales y transcendentes, contemplados en el orden ju-rídico de un estado”. En el caso de autos, en el artículo noveno del contrato se ha pactado no solo la competencia de un tribunal extranjero, sino ambas partes están de acuerdo en que la cuestión debe resolverse bajo el imperio de las leyes de la República Argentina. Entonces, no podría existir orden público afectado si se considera que ambas partes están de acuerdo en la aplicación de la ley extran-jera, hecho permitido por nuestra legislación, con lo dispone el Art. 22 del Código Civil, por lo que no existe en nuestro caso ley de orden público afectada, sino se ha cuestionado solamente la aplicación de la ley de fondo de dicho país. No puede prevalecer nuestro orden público local en un contrato que celebró en el extranjero, y en el que se convino por los mismos contratantes aceptar el imperio de di-chas leyes substantivas (no fue cuestionado por ninguno de los contratantes) ni de normas en conflictos y en base de los cuales se pactó que el tribunal competente es el de dicho país. El. Art. 3 del Código procesal Civil que pretende prevalecer fue transcripto parcialmente por el excepcionante, pues es cierto que se “establece el carácter improrrogable de la competencia territorial a favor de jueces extranjeros”, pero la última parte de este mismo artículo establece la relatividad del concepto del orden público cuando expresamente dispone “salvo lo establecido en leyes especiales”. El Protocolo de Buenos Aires del ano 1994 sobre jurisdicción internacional en materia contractual, que forma parte del Tratado de Asunción que fundó el Mercosur, acogido por la Ley n. 597-95, es la ley especial, ya citada por el insigne preopinante, resuelve el problema en forma expresa, especialmente la parte que dice “serán competentes los tribunales del estado parte a cuya jurisdicción las partes hayan acordado someterse por escrito, siempre que tal acuerdo no haya sido obtenido en forma abusiva.” Entonces, el tema del orden público local cede ante esta norma, por no ser de orden público internacional, y ya solo queda por establecer si hubo o no clausula abusiva. La justificación del excepcionante como un abuso por ser un contrato de adhesión, aparte de no estar demostrado, nada tiene que ver con la forma abusiva de obtenerse el contrato. Un contrato de adhesión es legal y legitimo, y debe demos-trarse el abuso que distorsione la voluntad para que surta efecto la excepción establecida en la ley para cuestionar la jurisdicción. El excepcionante no lo ha hecho, pero además no hubo derogación de la competencia, pues el excepcionante se ha transladado hasta Buenos Aires, República Argentina y, entonces, no se ha derogado la competencia que desde luego era del lugar donde se firmó el contrato y que se acepto someterse a la ley de la misma. Hubiera sido diferente que firmándose en la Argentina se derogue la competencia y se la transfiera al Paraguay o viceversa. Al no justificarse el orden público invocado ni el abuso senalado en el Art. 4 de la Ley n. 597-94, adhiero al argumento del preopinante y voto por la revocatoria de la resolución recurrida, haciendo lugar a la excepción de incompetencia, con costas. Es mi voto.

(…) Por lo que resulta de la votación que la instruye el acuerdo precedente y sus fundamentos, el Tribunal de Apelación en lo Civil e Comercial, 5 Sala, resuelve: Na hacer lugar al recurso de nulidad in-terpuesto en esto autos, por improcedente. Revocar, con costas, el A.I. n 1.811 de fecha 14 de octubre del 2002, y en su reemplazo, hacer lugar, con costas, a la Excepción de Incompetencia de Jurisdicción deducida por la firma Dart Argentina S.A. contra Distriware S.R.L., por los fundamentos sostenidos en el exordio de la presente resolución. – Linneo Ynsfrán Saldívar. – Fremiort Ortiz Pierpaoli. – Carmelo A. Castiglioni. – (Sec. Edgar Rivas Laguardia)”50

(50) Disponible en: http://cedep.files.wordpress.com/2009/09/distriware-vs-dart-ley-194.pdf, consultado el 13-12-2011.

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A título final, observamos que en realizad la amalgama de situaciones contradictorios en el ámbito contractual no es tan grande como parece, y que el Protocolo de Buenos Aires ha solucionado buena parte del diferencias subsistentes al establecer reglas muy flexibles de competencia interna-cional. Además, debemos destacar la importante función de integración que el Protocolo de Buenos Aires viene a desarrollar. Este instrumento permite mayor previsibilidad contractual, favoreciendo así la integración económica. Las empresas saben, de ante mano, quien va a juzgar sus diferencias ante una eventual acción judicial, fortaleciendo así la seguridad jurídica de la contratación internacional.

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O Direito do Trabalho perante o Artigo 51 do Estatuto da Microempresa e

Empresa de Pequeno PorteProf. Laura Machado de Oliveira1

RESUMO

O Estatuto Nacional da Microempresa da Empresa de Pequeno Porte é uma inova-ção legislativa necessária para o crescimento econômico de um país, regulamen-tando o suporte legal para o tratamento determinado pela Constituição Federal em seu artigo 146, III, ‘b’. É uma compilação do tratamento diferenciado, facilitado e simplificado para tal forma societária, repercutindo no direito laboral. É um claro exemplo das flexibilizações trabalhistas, causando remodelagens significativas. Algu-mas novidades são muito bem vindas, realmente trazem vantagens, melhorias, fo-mentando a economia nacional, contudo, algumas inovações deveriam ser revistas. A flexibilização com certeza trará aumentos quantitativos, mas em contrapartida, poderá ocasionar perdas qualitativas. Um exemplo negativo ocasionado é a dispensa de contratar aprendizes, mas caso realize, não há a obrigatoriedade de efetuar a matrícula nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem, perdendo a razão de ser do instituto, desconsiderando a importância da educação do jovem.

PALAVRAS-CHAVE

Estatuto Microempresa e Empresa de Pequeno Porte; Lei Complementar n° 123/2006; Dispensas obrigações trabalhistas; Flexibilização; Contrato de Aprendizagem.

ABSTRACT

The Statute of the National Micro Small Company is a legal innovation necessary for economic growth of a country, regulating the legal suport to the treatment given by the Federal Constitution in its article 146, III, ‘b’. It is a compilation of differential treatment, facilitated and simplified to such corporate form, affecting the labor law. It is a clear example of the flexibility labor, causing significant makeovers. Some very welcome news indeed bring benefits, improvements, boosting the national economy, however, some innovations should be revised. The relaxation will certainly bring increased quantity, but in contrast, may cause qualitative losses. Caused a negative example is the exemption to hire apprentices, but if it happens, there is an obli-gation to make the registration in the courses of the National Service of Learning, losing the reason for the institute, disregarding the importance of educating the young.

KEY WORDS

Status of Micro and Small Businesses; Complementary Law No. 123/2006; Layoffs labor obligations; Flexibility; Learning Contract.

(1) Advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho. Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Mestranda em Direito do Trabalho pela UFRGS.

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Introdução

O atual ordenamento jurídico brasileiro vem seguindo a tendência, cada vez mais frequente, de estabelecer normatização pormenorizada para específicos temas para o melhor discernimento e regra-mento. Exemplos são: o Estatuto do Torcedor, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, entre outros. Seguindo tais entendimentos, surgiu através da Lei n° 9.841 de 1999, norma agora revogada pela Lei Complementar n° 123/2006, o tratamento distinguido para as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. A Lei é denominada de Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, em razão de denominar-se estatuto (em linguagem técnica-jurídica) qual-quer lei que disciplina as relações jurídicas de uma específica categoria de determinadas pessoas ou coisas.

Diante de seu advento, a partir do dia 15 de dezembro daquele ano, vários âmbitos do direito devem ser reanalisados acerca do tratamento diferenciado e facilitado para essas formas societárias. Tal modificação ocorreu não apenas quanto ao ramo trabalhista, mas também a área tributária, ci-vilista, previdenciária, licitatória, entre outras. Inúmeras são as novidades e permissivos legislativos implementados. A Lei, idealizada para facilitar o tratamento para tais empresas, tende a aumentar a incidência de empreendimentos neste setor.

A publicação da norma foi muito comemorada pelo ramo, pois já era aguardada a unificação de Leis esparsas para o surgimento do Estatuto, agora com status de Lei Complementar. A primeira impressão real-mente é de avanço e incitação para o deslize das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, entretanto, analisando detalhadamente, certas vezes até em comunhão com outros aspectos do direito brasileiro, vislum-bra-se certa falta de destreza do legislador ao aprovar preceitos que deveriam merecer cuidados minuciosos.

Analisando o viés trabalhista, a Lei pode não trazer tantos benefícios para a sociedade como o seu objetivo principal, ou talvez até trazer retrocessos a direitos alcançados ao longo de anos. Esse será o pressu-posto deste artigo, debruçar sobre os fundamentos do referido Estatuto e as consequências na seara laboral, calcando o estudo principalmente no artigo 51, artigo destinado a tratar especificamente sobre o tema.

O principal enfoque é quanto aos seus objetivos, que visam trazer maior facilidade e sim-plicidade para as empresas em diversos ramos do direito, e em longo prazo, com o crescimento das mesmas, proporcionaria maior desenvolvimento econômico para a coletividade. Todavia, dessas sim-plificações poderão não ocasionar o desenvolvimento social em virtude do retrocesso dos preceitos no tocante ao direito trabalhista, além de outros prejuízos concretos ao obreiro.

Também não há como negar as melhorias adimplidas que podem seguir de exemplo para de-mais áreas, contudo, é necessário estabelecer um ponto de equilíbrio entre os direitos marginalizados e os priorizados para não provocar destoantes situações. Há de se analisar se realmente os temas tra-tados pelo nobre legislador seguiram a cautela e se as escolhas foram ajustadas e pertinentes.

1. A LEI COMPLEMENTAR N° 123/2006

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Introduzido pela Lei Complementar n° 123/2006, o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, chamado também de Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, trouxe modificações con-sideráveis em relação ao regramento no tocante a tais formas societárias. Consolidou duas disciplinas jurídicas anteriormente dispostas na Lei n° 9.317 de 1996, que tratava dos aspectos tributários do re-gime do Simples Federal, e a Lei n° 9.841 de 1999, o anterior Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, sendo ambas revogadas com a promulgação da Lei Complementar n° 123. O Estatuto surgiu segundo as diretrizes constitucionais que asseguram o tratamento diferenciado para as Micro-empresas e Empresas de Pequeno Porte, conforme o artigo 146, III, “d”; 170, IX e 1792.

(2) Artigo 146 CRFB. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.Artigo 170 CRFB. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existên-cia digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.Artigo 179 CRFB. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

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Partindo-se do consagrado conceito de justiça, de acordo com o princípio da isonomia, ou seja, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida exata da desigualdade, é possível traçar um paralelo com o tema em questão. O que pode ser tolerável para uma grande em-presa, poderá não ser para uma média ou pequena. É evidente mesmo para um leigo no assunto, que uma pequena empresa não tem condições de competir em pé de igualdade com uma grande. Diante disso, é necessária a regulamentação específica para as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, para tornar menos injusta a relação de mercado entre as mesmas, assim como entre os consumidores.

São muitas as pesquisas apontando o percentual dessas formas societárias no Brasil e no mun-do. Os números não são uniformes, mas é visível a maioria esmagadora. Pesquisas informais chegam a informar que as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte somam um número expressivo de apro-ximadamente 99% dos estabelecimentos empresariais existentes no Brasil.

Veiculada no site do Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, no Brasil existem 6,4 milhões de estabelecimentos. Desse total, 99% são micro e pequenas empre-sas (MPEs). As MPEs respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado (16,1 milhões). De acordo com o Portal do Empreendedor, no Brasil existem 3,7 milhões de MEIs (dezem-bro/2013).3

Tais números são citados apenas para salientar a importância do tipo societário para o Brasil e a consequente repercussão que o seu Estatuto gera no momento que disciplina o regulamento de boa parte da economia de um país, consequentemente afetando a sociedade.

As pequenas empresas também se mostram muito importantes no crescimento de um país, pois demonstra a distribuição do capital dentro da coletividade, não permanecendo as riquezas nas mãos de poucos, diminuindo o abismo e a desigualdade entre as classes sociais.

1.2 CONCEITUAÇÃO

Antes de adentrar no tema, rapidamente, imprescinde a conceituação da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. Para o enquadramento como tais, a Lei estabelece parâmetros de fatura-mento. De acordo com o artigo 3°, as microempresas são as que possuem, anualmente, uma receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00. Já as de pequeno porte devem ter, anualmente, receita bruta superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior a R$ 3,6 milhões.

A partir do inicialmente abordado, passadas essas explanações necessárias para o debate da matéria, passamos à análise da Lei Complementar n° 123/2006, com enfoque preciso no que tange o direito do trabalho.

2. O ARTIGO 51 DA LEI COMPLEMENTAR N° 123/2006

O citado artigo é onde encontramos a seção “Das obrigações trabalhistas”, localizada dentro do Capítulo “Da simplificação das relações de trabalho”. Indispensável a sua transcrição:

Artigo 51 LC 123/2006. As microempresas e as empresas de pequeno porte são dispensadas: I - da afixação de Quadro de Trabalho em suas dependências; II - da anotação das férias dos empregados nos respectivos livros ou fichas de registro; III - de empregar e matricular seus aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem; IV - da posse do livro intitulado “Inspeção do Trabalho”; e V - de comunicar ao Ministério do Trabalho e Emprego a concessão de férias coletivas.

Verificado o artigo, vislumbram-se claramente as modificações quanto o clássico direito do trabalho previsto na CLT.

O legislador, na tentativa de eliminar os procedimentos burocráticos incompatíveis com o tratamento simplificado e favorecido previsto na Constituição Federal, alterou o regime trabalhista para as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, buscando mais uma vez, minimizar possíveis problemas que os novos empresários possam encontrar.

Para melhor análise da matéria, os incisos serão divididos em subtópicos para o seu melhor entendimento.

(3) Disponível em: <http://www.sebraesp.com.br/index.php/234-uncategorised/institucional/pesquisas-sobre-micro-e-pequenas-empresas--paulistas/micro-e-pequenas-empresas-em-numeros>. Acesso em 12 dez.2014.

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2.1 DO QUADRO DE TRABALHO

O estudo deste subitem requer um comparativo necessário com a Lei n° 9.841/1999, norma que disciplinava o tema, ainda com status de Lei Ordinária. O assunto é bastante polêmico, pois ape-sar do título do Capítulo da Lei n° 123/2006 ser “Da simplificação das relações de trabalho”, o inciso em tela trouxe mais uma obrigação para os empregadores, uma exata obrigação inexistente na regra anterior, sendo um novo encargo para os donos das empresas.

A Lei n° 9.841/1999, em seu artigo 11 tratava das normas celetistas não aplicáveis para o grupo societário em questão:

Artigo 11 Lei n° 9.841/1999. A microempresa e a empresa de pequeno porte são dispensadas do cum-primento das obrigações acessórias a que se referem os artigos 74; 135, § 2o; 360; 429 e 628, § 1o, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Como podemos verificar, a Microempresa e a Empresa de Pequeno Porte estava dispensada do cumprimento do disposto no artigo 744. Em nenhum momento o artigo da Lei n° 9.841/1999 fez menção ao caput do artigo 74, sendo assim, como os parágrafos do artigo seguem a sorte deste, con-cluímos que tanto as obrigações constantes no caput quanto as de seus respectivos parágrafos estavam dispensadas.

Assim, de acordo com a Lei de 1999 (que fora totalmente revogada pela nova Lei), os empre-gadores estavam dispensados de manter o quadro de horário fixado na empresa. Todavia, a partir do advento da Lei Complementar de 2006, conforme verificado no artigo 51, I, há a dispensa apenas do Quadro de Trabalho. Apesar de não existir definição clara a respeito do que é um quadro de trabalho, para o nosso estudo isto não será relevante. A mudança significativa, como podemos perceber, é no fato da Lei anterior apenas fazer referência aos artigos da CLT inaplicáveis para as Micro e Pequenas Empresas, algo não verificado na recente Lei, fazendo, esta última, menção quanto ao quadro de trabalho, e não mais aos artigos da CLT. Disso, é concluído que com o surgimento do novo Estatuto, a obrigação de cumprimento do artigo 74 da CLT é válida, e assim o quadro de horário nasceu para as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.

Essa mudança foi rechaçada por alguns doutrinadores, conforme a argumentação do Professor Fernando Augusto de Vita Borges de Sales:

O novo Estatuto, no que se refere especificamente à questão do controle de frequência, tornou pior a situação das microempresas e das empresas de pequeno porte, na medida em que não repetiu a redação da lei revogada. As disposições da lei nova sobre a matéria são vagas e imprecisas, o que gerará muitas incertezas no futuro.[...]As consequências para tais empresas serão desastrosas, eis que terão de adotar algum sistema de con-trole de jornada de trabalho, sob pena de sofrerem sanções administrativas e processuais. A Lei que tem por objetivo dar tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte (art. 1º), especialmente ao cumprimento de obrigações trabalhistas (inciso II), acaba por criar uma obrigação extra, que até então – na égide da Lei 9.841/99 – elas não tinham. O Capítulo VI da Lei Complementar 123/06, que trata da “simplificação das relações de trabalho” não atinge o objetivo proposto, na medida em que altera para pior a situação das microempresas e das empresas de pequeno porte, imputando-lhes obrigações – art. 74 da CLT – que antes elas não tinham. Evidente que não se está simplificando nada, mas sim, complicando. O novo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte ressuscita antigas obrigações que não mais faziam parte da rotina dessas empresas. Sem dúvida isso configura um retrocesso legislativo sem justificativa plausível para tanto e afronta o espírito cons-titucional que deveria nortear a edição da Lei Complementar 123/065. (grifo da autora)

(4) Artigo 74 CLT. O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo expedido pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comercio, e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma. § 1º - O horário de trabalho será anotado em registro de empregados com a indicação de acordos ou contratos coletivos porventura celebrados. § 2º - Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso. § 3º - Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará, ex-plicitamente, de ficha ou papeleta em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o § 1º deste artigo.(5) SALES, Fernando Augusto de Vita Borges de. O novo Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequena Porte e os cartões de ponto dos empregados. Retrocesso legislativo que ressuscita obrigações ultrapassadas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1573, 22 out. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10554> Acesso em 10 fev.2012

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Com a instituição do previsto pelo inciso referido, as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte estão sujeitas ao artigo 74 da CLT, isto é, estão obrigadas a manter o controle de frequência dos seus empregados nos estabelecimentos que tenham mais de 10 empregados. Conforme a Súmula 338 do TST6 é ônus do empregador o registro do controle de jornada quando o estabelecimento contar com mais de 10 empregados. A inversão do ônus da prova no tocante a essa matéria deve-se ao fato da prova não ser fácil de ser realizada pelo autor da ação, fugindo do disciplinado pelo artigo 818 da CLT7.

Favorável à mudança da Lei, considerável argumentação do advogado Marcelo Rugeri Grazzio-tin, apontando a (des)vantagem da falta do controle de horário:

A vantagem parece estar no fato de que os empregados deixam de desperdiçar tempo com anotação do horário, ganhando produtividade e uma mínima economia com a desnecessidade de adquirir e realizar manutenção em equipamentos de controle de jornada (relógio, sistema eletrônico ou ficha ponto), agi-lizando as relações de emprego. Por outro lado, o prejuízo pode ser maior, já que, não havendo prova documental da jornada de trabalho, o risco de uma discussão na Justiça do Trabalho aumenta, ficando toda questão de eventual pedido de horas extras baseado na prova oral. Entretanto, a prova testemu-nhal, que é fonte principal da prova oral, não é confiável8.

Não consideramos o aludido dispositivo um retrocesso legislativo, como dito pelo primeiro colega citado. Bem pelo contrário, concordamos com a última menção, acreditamos que seja um de-senvolvimento para as relações de trabalho. Como comprovar a jornada de trabalho de um empregado se não dessa forma tão eficaz? Não é uma garantia apenas para o empregado, e sim também para o próprio empregador, que terá meios probatórios efetivos para se resguardar de futuras reclamações judiciais baseadas em indícios e provas testemunhais, já que não existiriam os cartões ponto (controle de jornada). O surgimento dessa obrigação traz maior desenvolvimento não apenas para essa forma societária, como o próprio sistema judiciário, contra a lentidão da justiça, pois a partir da Lei n° 123, será necessário apenas juntar as folhas de cartão ponto para conferir ou não a obtenção do direito ao empregado, ou o caso contrário, para a garantia aos empregadores de eventuais reclamatórias de má-fé.

É de se cumprimentar a implementação do instituto, a primeira impressão, realmente não é de ser uma “simplificação das relações de trabalho”, mas raciocinando em longo prazo, são claros os benefícios advindos.

2.2 DA ANOTAÇÃO DAS FÉRIAS DOS EMPREGADOS

Neste quesito não há muito a ser discutido. A dispensa quanto à anotação das férias dos em-pregados nos respectivos livros ou fichas de registro não é novidade, uma vez que o artigo 11 da Lei 9.841/99, já citado no último item, a previa expressamente em seu rol. Trata do artigo 135, § 2º da CLT9.

Contudo, insta frisar que não foi dispensada a anotação das férias na Carteira de Trabalho do empregado, mas apenas do livro ou ficha de registro.

O objetivo da anotação das férias na CTPS e no livro de empregados é no tocante à matéria probatória, para conferir certa segurança jurídica ao ato, contudo, é admitida prova em sentido con-trário. Sendo assim, como haverá anotação na carteira de trabalho do obreiro, não há necessidade de nova anotação no livro ou ficha de registro de empregados.

(6) Súmula nº 338 TST. JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA. I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) em-pregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir.(7) Artigo 818 CLT. A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.(8) GRAZZIOTIN, Marcelo Rugeri, Tratamento Jurídico diferenciado à pequena empresa no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p 71.(9) Artigo 135 CLT. A concessão das férias será participada, por escrito, ao empregado, com antecedência de, no mínimo, trinta dias. Dessa par-ticipação o interessado dará recibo. § 1º - O empregado não poderá entrar no gozo das férias sem que apresente ao empregador sua Carteira de Trabalho e Previdência Social, para que nela seja anotada a respectiva concessão. § 2º - A concessão das férias será, igualmente, anotada no livro ou nas fichas de registro dos empregados.

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2.3 DO CONTRATO DE APRENDIZAGEM

Sem dúvidas tal tema é o de maior polêmica referente ao direito trabalhista, visto que reper-cute nos aprendizes, isto é, pessoas menores de idade, inclusive. A Lei em seu artigo 51, III, desobriga o microempresário e o empresário de pequeno porte de contratar e matricular seus aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem.

A polêmica é pouquíssimo tratada, inclusive no âmbito jurídico. Aprendiz é aquele que, de acor-do com o artigo 428 da Consolidação das Leis do Trabalho, celebra contrato de aprendizagem, que é um contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 e menor de 24 anos, inscrição em programa de aprendizagem para formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico nas entidades do sistema ‘S’ (SENAI, SENAC, SENAR, SENAT, e SESCOOP) assim como as escolas técnicas de educação, inclusive as agrotécnicas, e as entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivos a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Já o aprendiz, por sua vez, se compromete a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação, com observância aos seguintes princípios: garantia de acesso e fre-quência obrigatória ao ensino fundamental, horário especial para o exercício das atividades e capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho. Assim sendo, percebemos a preocupação entre a formação concomitante de um profissional e cidadão responsável, isso em uma fase marcante para isso.

A desobrigação não é novidade no novo Estatuto, pois a Lei anterior, a 9.841/1999, no seu ar-tigo 11, já previa a dispensa da contratação dos aprendizes, assim como o artigo 14, I, do Decreto nº 5.598/2005, que regulamenta a aprendizagem. A inovação da Lei Complementar se concentra na questão de os contratando, está dispensada da matrícula nos Cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem.

O Estatuto retira a obrigatoriedade tanto do emprego, quando, se empregados, da matrícula em cursos do Serviço Nacional. Vale dizer, às Empresas de Pequeno Porte está assegurado o direito de contratar aprendizes e, na hipótese de contratá-los, estará desobrigada de mantê-los matriculados em cursos profissionalizantes, ficando o encargo para as empresas de médio e grande porte, arcando sozinhos os custos dessa demanda social.

A Lei n° 9394 de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 1º, disciplina que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (grifo da autora).

A aprendizagem proporciona ao jovem o preenchimento de parte de tempo “livre” com atividades que visam a prepará-lo para o ingresso no mundo do trabalho. Por outro lado, as empresas também são bene-ficiadas. São elas que recebem esses profissionais capacitados para trabalhar em suas unidades após o término do curso. Elas contribuem com 1% do valor bruto de sua folha de pagamento, através do recolhimento à Pre-vidência Social no item “Encargo de Terceiros”, para custear o respectivo serviço nacional de aprendizagem.

De acordo com a Instrução Normativa do Ministério Trabalho e Emprego nº 75, de 08 de maio de 2009, em seu artigo 3º, parágrafo único, foi limitado o número de aprendizes de acordo com a CLT, caso as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte optem pela sua contratação, deverão observar o limite máximo de 15% estabelecido no artigo 429 da CLT.

Vários são os benefícios da aprendizagem:

• Ao contratar um jovem aprendiz, a empresa estará contribuindo não só para a formação profissional do mesmo, mas também garantindo que ele permaneça no curso, pois a grande maioria dos jovens que participam dos cursos de aprendizagem possui origens nas classes menos abastadas;

• Se a empresa posteriormente contratar esse jovem, com certeza ela estará contratando não só um profissional qualificado, mas um profissional ‘compromissado’. Isso porque o jovem sabe que a em-presa participou de forma decisiva na sua formação e, com certeza, ele está pronto para retribuir com seu esforço e dedicação;

• Esse profissional possui uma formação profissional qualificada e isso significa um maior “rendimento” no exercício das funções. Assim, o aprendiz é um investimento da empresa, a médio prazo, que me-lhora os produtos ou serviços oferecidos pela mesma;

• Por fim, não custa citar a questão da responsabilidade social das empresas. Muitas vezes elas querem colaborar diretamente com o processo para a melhoria das condições de vida das comunidades em que estão inseridas e a aprendizagem pode muito bem se encaixar como uma de suas ações10.

Apesar dos avanços do direito em diversos campos, jamais poderá ser esquecido ou menos-

(10) MENEZES, Cláudio Carvalho. A aprendizagem como instrumento de profissionalização do adolescente. Disponível em <http://www.abmp.org.br/textos/77.htm>. Acesso em 20 maio.2012.

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prezado a prerrogativa do menor à educação, qual seja o motivo. A proteção ao menor aprendiz é respaldada no título dos direitos e garantias fundamentais da nossa Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXXIII: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de qua-torze anos”. Ao disciplinar o tema dentro desse rol, assegura o acesso ao mercado dos trabalhadores menores que necessitem iniciar a vida profissional antecipadamente. Destarte, também garante que este trabalho será desenvolvido com parte importante e indissociável de sua formação técnico-edu-cacional. O legislador constitucional jamais promulgaria um artigo permitindo um menor laborar na condição de aprendiz sem a condição de estar estudando. Já o legislador do Estatuto, concedeu tal absurdo, fazendo perder a finalidade legal imprescindível de associar o início da vida no mercado de trabalho com a conclusão de cursos de habilitação profissional.

A Constituição Federativa do Brasil ainda assegura:

Artigo 227 CRFB. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissiona-lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.[...]§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:[...]II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;

Alisando concomitantemente a Constituição e o Estatuto, torna-se visível o total desrespeito com os princípios e diretrizes constitucionais, uma vez que os direitos trabalhistas estão sendo total-mente descumpridos no momento que a aprendizagem não está sendo tratada da forma disciplinada pela CLT, tornando o artigo do Estatuto inconstitucional, pois fere as diretrizes da nossa Carta Magna.

O Estatuto preza os interesses dos grupos econômicos em detrimento da educação, dos estu-dos do menor. A medida é de todo repreensível e desvirtua a proteção ao trabalho. A necessidade de contratação de aprendizes não se dá apenas pela imposição legal, mas sim em função de uma questão de responsabilidade social e consciência de desenvolvimento e aprimoramento mundial.

O ordenamento jurídico, através de vários preceitos, vinha destacando a importância do me-nor, principalmente com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, o tratando como um ser em desenvolvimento. Todavia, a presente Lei objeto deste trabalho veio por romper com as diretrizes apontadas pelas demais Leis pátrias.

Diante da carência de trabalho que assola a sociedade, ficando o mercado de trabalho cada vez mais seletivo e competitivo, exigindo aprimoramento daqueles que pretendem ingressar ou se manter, o Estado tem o dever de tomar medidas para aumentar a quantidade de postos de trabalho. Contudo, com a promulgação desse dispositivo na Lei n° 123/2006, o Estado está por fazer o caminho contrário. Luciana Helena Brancaglione critica e aponta uma solução para o tema:

Assim, entendemos que o inciso III do artigo 51 da Lei Complementar 123/06 é inconstitucional e eventual interpretação gramatical pode levar à errônea conclusão de que os microempresários e os empresários de pequeno porte podem contratar o menor entre 14 anos e 16 anos incompletos como aprendiz e dele exigir apenas a prática da atividade desenvolvida. Ou seja, receamos que o contrato de aprendizagem encubra uma verdadeira relação de emprego, por não vir acompanhado de convênio com instituição de formação teórico-profissional e que, com isso, o empresariado se olvide do verdadeiro objetivo do contrato, que é o de proporcionar ao menor oportunidade para desenvolvimento educacio-nal, emocional e profissional e formar cidadãos.[...]Ao perquirirmos qual a solução para viabilizar o impasse entre a necessidade de desburocratizar e reduzir os custos das microempresas e empresas de pequeno porte, com a abertura do “mercado de trabalho” para os jovens, concluímos que, em razão da prioridade absoluta da dignidade do ser em desenvolvimento, há que se estabelecer critérios que afastem tal incompatibilidade, como a adoção de percentuais de exigência de contratação progressivos conforme a renda ou capital social11.

(11) BRANCAGLIONE, Luciana Helena. Sobre os reflexos da Lei Complementar nº 123/2006 no contrato de aprendizagem . Jus Navigandi, Teresi-na, ano 11, n. 1512, 22 ago. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10298> Acesso em 22 fev.2012.

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A elucidação trazida pela autora é de grande valia, pois o legislador jamais poderá encarar uma matéria de tamanha relevância de forma tão radical. É mais inteligente um raciocínio propor-cional, cada empresa promovendo os aprendizes na medida de sua capacidade econômica. Assim, ninguém sairá prejudicado: a empresa que não será obrigada a contratar um número mínimo de apren-dizes sem condições de provê-los, estes que poderão estudar concomitantemente com o trabalho, e por fim, a sociedade que em longo prazo terá profissionais melhores qualificados, enriquecendo a mão de obra pátria. É necessário encontrar uma harmonia entre a situação socioeconômica que o país se encontra com a condição de aprendiz do menor. Ambos são valores muito dignos, mas em nenhum momento poderá ocorrer o total desrespeito com nenhum dos campos envolvidos.

Sem dúvidas, a qualificação profissional não é a única condição que determinará o sucesso do adolescente, mas nesse atual contexto global, de desemprego, falta de mão de obra qualificada, dis-crepância de classes sociais, com certeza, ela pode ser a porta de entrada que permitirá o acesso do jovem a uma condição de vida mais digna. A reversão do preceito legal deverá ser realizada logo, pois as consequências poderão ser irremediáveis, visto que ocorre em uma faixa etária onde a educação é de tamanha importância, e se recuperada, não ocorrerá com a mesma qualidade.

2.4 DA POSSE DO LIVRO INTITULADO “INSPEÇÃO DO TRABALHO”

Item que não ocorreu inovação legislativa, uma vez que a Lei n° 9.841/99, em seu artigo 11, já previa a dispensa do artigo 628, § 1º12, que trata da obrigatoriedade do livro intitulado “Inspeção do Trabalho”.

A CLT, assim como a Portaria do Ministério do Trabalho nº 3.158, de 18.05.1971 disciplina o as-sunto, o qual os Agentes da Inspeção do Trabalho registrarão sua visita ao estabelecimento, declarando a data e hora do início e término da mesma, bem como o resultado da inspeção, nele consignando, se for o caso, todas as irregularidades verificadas e as exigências feitas, com os respectivos prazos para seu atendimento, e, ainda, de modo legível os elementos de sua identificação funcional. Se existir mais de um estabelecimento, filial ou sucursal, deverão possuir tantos livros “Inspeção do Trabalho” quantos forem seus estabelecimentos.

Porém, com o permissivo legal, as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte estão deso-brigadas desse dever.

Não vemos razão de existir a dispensa, já que é de importância para o estabelecimento, tra-tando da segurança de todos ali presentes. Por exemplo, no livro serão lavradas todas as problemáticas verificadas pelo Inspetor/Auditor, como anotações referentes a escadas de incêndio, atestados médi-cos, condições sanitárias, entre outros.

A desobrigação do livro não causa grande “desburocratização” das relações de trabalho, pois para o dono do estabelecimento, nada será do que um livro, não encarecendo a sua ficha financeira. O livro poderá ser comprado em qualquer papelaria, a sua única obrigação é mantê-lo em condições próprias para uso. A Portaria que disciplina o tema não contém nenhuma obrigação no que se refere à posse do livro que poderia ser um agravante para a sua guarda que justificaria a dispensa. Quem de-verá preenchê-lo é o Auditor Fiscal do Trabalho, este sim, terá muito mais trabalho com o aumento da forma societária a partir do interesse de empresários em criar Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, mas isto nada mais é do que sua tarefa, e se o número de auditores é insuficiente para atender a demanda brasileira, que sejam colocados mais inspetores, sejam realizados concursos públicos e as respectivas vagas para preenchimento do déficit.

Assim sendo, continuamos a procurar uma justificativa lógica para a dispensa, algo não en-contrado ao longo desta pesquisa, portanto, frisamos a nossa desconformidade para a desobrigação da posse do livro chamado “Inspeção do Trabalho”, pois nada mais é do que o “extrato” das irregu-laridades ocorridas no estabelecimento. Sem ele, torna-se muito mais complexo averiguar, de forma precisa, as violações de preceitos constatados pelos auditores fiscais do trabalho, uma vez que os arquivos estarão apenas guardados na Superintendência do Ministério do Trabalho e Emprego, sendo que poderiam, também, estar arquivados na própria empresa, facilitando a próxima visita do Auditor.

(12) Artigo 628 CLT. Salvo o disposto nos arts. 627 e 627-A, a toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração. § 1º Ficam as empresas obrigadas a possuir o livro intitulado “Inspeção do Trabalho”, cujo modelo será aprovado por portaria Ministerial.

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2.5 DA COMUNICAÇÃO AO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO DA CONCESSÃO DAS FÉRIAS COLETIVAS

Conforme o disciplinado no artigo 139 §2º da CLT, é necessária a comunicação das férias coletivas ao órgão local do Ministério do Trabalho com antecedência mínima de 15 dias13, assim como em relação à comunicação ao sindicato e à fixação de aviso no local de trabalho, de acordo com o estabelecido no §3º do mesmo artigo consolidado.

Assim sendo, como o artigo 51, III do Estatuto apenas fez menção a dispensa da comunicação ao Ministério do Trabalho e Emprego, isto é, o §2º do artigo 139 da CLT, o §3º já não segue a mesma sorte, uma vez que não foi mencionado na Lei Complementar e, portanto deverão ser comunicados os sindicatos representativos da respectiva categoria profissional.

Não vemos maiores problemáticas quanto ao inciso, uma vez que caso ocorra algum abuso no ato (muitas vezes as férias coletivas sucedem em função de crises financeiras passadas pelas empre-sas, atemorizando seus empregados), os sindicatos poderão cuidar da matéria, pois estes continuam sendo informados da ocorrência das férias coletivas e assim, tem titularidade para pleitear e discutir os direitos da categoria em questão com o respectivo sindicato patronal para o exame da situação.

CONCLUSÃO Diante do estudo do Estatuto e reflexos no direito do trabalho, são visíveis as melhorias e os

retrocessos advindos pela Lei. Contudo, as matérias trabalhadas são restritas e pouco irão promover a condição da empresa no que tange às relações de trabalho.

A Lei ainda é muito recente, há escasso material a respeito e há pouco a ser analisado do ponto de vista das consequências conduzidas pela Lei Complementar, uma vez que os principais aspectos po-lêmicos são implementações inexistentes nas legislações anteriores, dificultando o estudo da disciplina.

Do ponto de vista trabalhista, com certeza não serão essas novidades trazidas pela Lei que incentivarão o microempresário a formalizar o seu negócio e ingressar no mercado como Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte. Outros temas que causam impacto financeiro significativo poderiam ter sido discutidos, mas ao em vez disso, o legislador, por exemplo, resolveu minimizar os gastos do empreendimento com a dispensa da matrícula dos aprendizes nos cursos destinados a esse fim. Temas menos nobres poderiam ser suprimidos, todavia a opção eleita foi no que tange a educação profissional de menores de idade, algo que jamais poderia ser menosprezado.

Não sabemos os parâmetros de valores utilizados para a confecção do Estatuto, mas com certeza a relação custo benefício poderá não ser obtida caso alguns tópicos da Lei não forem revistos, pelo contrário, poderá ser alcançado um resultado muito negativo se comparado ao aplicado pela CLT.

Com certeza, chegamos à conclusão que o Estatuto figura como um retrocesso nas relações trabalhistas, pois modificações como essas acima citadas não poderão mensurar de outra forma se não negativamente. Infelizmente, é com pesar que é detectada uma Lei recente em nosso sistema, que teria o filão de oferecer melhorias e incentivar as relações trabalhistas, possua um caráter tão desvan-tajoso para a coletividade, mas não é possível encarar outra finalização sem ser essa. Mas também há o que saudar na nova Lei. O início do controle de horário da jornada é de grande valia, pois agora a dispensa da obrigação diz respeito apenas ao quadro de trabalho.

Interessantes são certos aspectos, como a dispensa da posse do livro intitulado “Inspeção do Trabalho”, algo que não é verificada razão em existir, uma vez que não cria maiores transtornos para o microempresário, é para o controle de irregularidades do estabelecimento, e sem esse livro, torna-se mais complicada tal averiguação.

O objetivo do Estatuto é muito nobre e está certo que o ramo precisa de reconhecimento para o seu crescimento econômico, resta saber se o rumo tomado em certos temas é o certo. Apesar dos avanços trazidos pela Lei, os retrocessos os superam, resultando em um expoente negativo. A Lei pre-cisa de melhorias, revisões, um estudo em longo prazo, além de uma reflexão do legislador a respeito dos princípios e direitos priorizados no momento de confecção da norma, da mesma maneira, a reali-zação de maiores pesquisas de campo para apurar o que na prática está ocorrendo no interior desses estabelecimentos. Foi esse o foco de estudo desse trabalho, demonstrar as mudanças, as críticas e consequências implementadas pela Lei, pelo menos quanto aos efeitos trabalhistas, sem pretensão de esgotar o tema.

(13) Artigo 139, § 2º CLT. Para os fins previstos neste artigo, o empregador comunicará ao órgão local do Ministério do Trabalho com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, as datas de início e fim das férias precisando quais os estabelecimentos ou setores abrangidos pela medida. § 3º CLT. Em igual prazo, o empregador enviará cópia da aludida comunicação aos sindicatos representativos da respectiva categoria profissional, e providenciará a afixação de aviso nos locais de trabalho.

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Pesquisa de clima organizacional:um estudo de caso em uma

emissora de TV no RSLiége Pires do Rosário Lau1 Camila Capitanio Jocksch2

RESUMO

Este estudo tem como objetivo identificar os fatores de satisfação/insatisfação dos colaboradores do setor de Suprimentos em uma emissora de TV no RS. É uma pesqui-sa com abordagem quantitativa, exploratória, via um estudo de caso. Os dados foram coletados através da aplicação de um questionário para os funcionários da respectiva área e com questões relacionadas ao plano de benefícios, condições de trabalho, tarefas, crescimento profissional, trabalho em equipe, liderança e relacionamento entre colegas e líder. Os resultados mostraram que os fatores de satisfação foram o plano de benefícios, as condições de trabalho, o trabalho em equipe, a liderança e o relacionamento entre colegas e líder. E os fatores de insatisfação estão relacionados aos serviços do restaurante (plano de benefícios), as tarefas e ao crescimento profis-sional. Constatou-se que os colaboradores do setor mostraram um bom nível de sa-tisfação, entretanto, analisando o índice de insatisfação há necessidade de algumas ações de melhorias para um melhor atendimento às expectativas dos funcionários que também está associado à realização do desejo do cliente e ao bom desempenho organizacional.

PALAVRAS-CHAVE

Clima Organizacional. Pesquisa de Clima. Satisfação/Insatisfação

ABSTRACT

This study aims to identify the factors of satisfaction / dissatisfaction of employees Supplies industry in a TV station in RS . It is a survey with a quantitative approach , exploratory , via a case study . Data were collected through a questionnaire to the respective area employees and issues related benefit plan , working conditions , tasks, professional growth , teamwork , leadership and relationship between colle-agues and leader. The results showed that the satisfaction factors were the benefits plan , working conditions , teamwork , leadership and the relationship between colleagues and leader. And the dissatisfaction factors are related to restaurant ser-vices ( benefit plan ) , tasks and professional growth. It was found that the industry collaborators showed a good level of satisfaction , however , analyzing the rate of dissatisfaction is no need for some improvement actions to better service the ex-pectations of employees that is also associated with reaching the client’s wishes and good organizational performance.

KEYWORDS

Organizational climate. Climate Survey . Satisfaction / dissatisfaction

(1) Psicóloga, mestre em Ciências Sociais Aplicadas, especialista em Administração Estratégica Organizacional, professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, consultora de empresas, orientadora de trabalhos de conclusão de curso. E-mail: [email protected](2) Bacharel em Administração pela Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

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1. Introdução

No mundo contemporâneo, onde as empresas estão vivendo, existe uma complexidade de variáveis que exige constante atualização das estratégias, redefinição dos mercados e repensar das estruturas.

No ambiente de negócios se verifica a competitividade, o elevado grau de exigência e como as organizações interagem com o ambiente onde se encontram há um grande impacto interno nas mes-mas, expressando-se nas formas de trabalho, na execução das tarefas, no desempenho e expectativas dos colaboradores.

A satisfação pessoal e profissional reflete em um clima positivo na organização e uma pessoa que sentir um ambiente positivo de desempenho pensará em realizar um bom trabalho. À medida que as empresas oportunizarem o desenvolvimento para seus funcionários e bom ambiente de trabalho obterá mais comprometimento e melhores resultados. Logo, identificar o que os colaboradores pensam sobre a empresa/setor, ouvir a opinião dos mesmos são meios de verificar como estão sendo atendidas as expectativas e, consequentemente, indicará o clima organizacional.

A empresa em estudo tem como missão “facilitar a comunicação das pessoas com o seu mun-do” e executa seu trabalho com excelência nos mais diversos setores em que atua. Ela trabalha con-teúdos jornalísticos, de entretenimento e de serviços por meio de emissoras de rádio e de televisão, jornais e portais de internet. É o segundo maior empregador de jornalistas do país e toda a organização é dedicada a gerar as melhores soluções para os clientes. Para atender estas metas, o cliente interno deve possuir uma visão de conjunto e comprometimento, via um clima organizacional favorável. Um ambiente interno com reduzida satisfação entre os funcionários pode gerar falhas nos métodos de trabalho, baixa produtividade, absenteísmo, retrabalho e reduzido nível de motivação.

Então, este estudo tem como objetivo identificar o clima organizacional do setor de Supri-mentos de uma emissora de TV no RS relacionados às condições de trabalho, plano de benefícios, relacionamento entre colegas e líder, distribuição de atividades, crescimento profissional, liderança e trabalho em equipe.

O presente trabalho está estruturado da seguinte forma: a primeira é a introdução. A segunda apresenta a fundamentação teórica ligada ao estudo oferecendo suporte teórico aos conceitos aborda-dos. A metodologia utilizada é descrita na terceira parte. Na quarta, apresentam-se os resultados com a análise dos mesmos. Finalizando, a quinta parte com as considerações finais.

2. Clima Organizacional

O clima organizacional é o conjunto de impressões gerais que os funcionários têm em relação ao seu ambiente de trabalho. Ainda que nem todos os indivíduos tenham a mesma opinião, o que não é possível, pois não têm a mesma percepção, o clima organizacional reflete o comportamento organi-zacional. São as características específicas de cada organização, seus valores ou atitudes que afetam a maneira pela qual as pessoas ou grupos se relacionam no ambiente de trabalho. Este conjunto de fatores não pode ser analisado isoladamente, mas sempre em conjunto. Neste contexto, segundo Chiavenato (1994), o clima organizacional influencia diretamente na motivação, no comportamento humano e na satisfação no trabalho. Ele cria alguns tipos de expectativas cujas consequências resul-tam em diferentes atitudes. As pessoas esperam certas recompensas e criam satisfações ou frustrações com base em suas percepções do clima organizacional.

Conforme Robbins (2010), o clima organizacional refere-se às percepções comuns que os fun-cionários de uma organização têm com relação à empresa e ao ambiente de trabalho. Uma pessoa que encontra um clima positivo de desempenho pensará em fazer um bom trabalho com mais frequência.

Araújo (2014) destaca o corpo funcional, dizendo que as pessoas da organização contribuem para a instalação de um clima organizacional favorável que conduz a resultados, tanto nos negócios, quanto em qualquer atividade-fim da empresa.Assim como, o gestor de pessoas deve ser hábil para identificar eventuais ruídos no relacionamento entre as pessoas, visando ao melhor clima possível e assegurando um desenvolvimento dos trabalhos na área.

Luz (2003) defende que, em qualquer empresa, cabe à área de recursos humanos ouvir os funcionários, já que faz parte de sua missão proporcionar a estes um bom clima organizacional. A obrigação de tornar os funcionários satisfeitos ou “motivados” está contida tanto na literatura técnica quanto no cotidiano da Administração de Recursos Humanos. Logo, se “motivar” ou ao menos satisfa-zer as necessidades dos funcionários é parte da missão da ARH, então ela tem o dever de diagnosticar,

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periodicamente, o clima organizacional. Esta análise pode ser feita por meio da ferramenta de pesquisa de clima. Pasetto (2012) define

que a pesquisa de clima é um filtro com atributos pertencentes à empresa, por meio do qual passam os dados objetivos dos empregados, permitindo saber o que pensam e sentem em relação à empresa e ao próprio trabalho realizado. É de suma importância mensurar as variáveis escolhidas que após analisadas, devem ser confrontadas com outras medidas por outras ferramentas complementares de gestão de recursos humanos.

Segundo Bedani (2006) a pesquisa de clima organizacional é o mapeamento das percepções so-bre o ambiente interno da organização, como ponto de partida igualmente válido para mudanças e o desenvolvimento organizacional. É um processo apropriado e importante utilizado para a averiguação das opiniões dos colaboradores quanto aos mais diversos fatores que possam interferir na sua satisfa-ção ou insatisfação em relação à organização. Permite que a instituição avalie o momento pelo qual está passando e planeje ações, visando à melhoria contínua.

Sendo o clima organizacional um resultado do conjunto das satisfações e insatisfações dos colaboradores, é importante citar alguns conceitos. O conceito de satisfação no trabalho, para Ro-bbins (2010) é um sentimento positivo com relação ao trabalho, resultado de uma avaliação de suas características. Ainda diz que o trabalho de uma pessoa vai além de organizar papéis, programar um computador e atender os clientes. Requer, também, a convivência com os colegas e superiores, a obe-diência às regras e políticas organizacionais, o bom desempenho, a aceitação das condições de traba-lho geralmente abaixo do ideal. A avaliação que um colaborador faz de sua satisfação ou insatisfação é resultado de um somatório de elementos do trabalho, entre eles, as oportunidades de promoção, a supervisão, a natureza do trabalho, relacionamento. O empregado satisfeito com seu trabalho adota uma postura positiva em relação à empresa, enquanto o insatisfeito possui atitudes negativas, por meio de reclamações, desinteresse, baixa produtividade e falta de motivação.

Para Gil (2001), a motivação é a força que estimula as pessoas a agir. É a energia que gera a produtividade de uma organização, justamente por isso as empresas estão cada vez mais atentas à importância de investir em ações para a valorização dos colaboradores.

Para Pasetto (2012), o clima pode ser avaliado por meio de muitas variáveis, dependendo do interesse da empresa. Entre os fatores mais conhecidos, a autora cita a imagem da empresa, comuni-cação, remuneração, carreira, liderança, relacionamento, benefícios, treinamento, desenvolvimento, qualidade, produtividade, segurança, meio ambiente e satisfação geral.

Para Oliveira (2002), a satisfação se exprime através da concordância/discordância do indi-víduo sobre o grau de cumprimento de aspectos extrínsecos, originados de fontes internas da organi-zação, tais como, reconhecimento profissional, benefícios, estilo de chefia, recompensas financeiras, promoção.

Neste estudo, os fatores selecionados para medir o clima do setor na empresa são mostrados a seguir com o respectivo embasamento teórico.

Ligado ao fator Benefícios, na concepção de Marras (2011) denomina-se benefício o conjunto de programas oferecidos pela organização como complemento ao sistema de salários. Portanto, auxilia na manutenção de baixos índices de ausências e rotatividade, boa qualidade de vida dos colaborado-res, redução do estresse. O mesmo autor explica que o salário não é o único componente remunera-tório de contraprestação do trabalho. Chama-se remuneração, os benefícios somados ao salário total (nominal e todas as verbas de crédito). Um plano de benefícios pode atender às necessidades intrín-secas, em geral são de caráter psicológico (necessidades sociais, de relacionamento) e as extrínsecas que fornecem a satisfação de fatores físicos (serviços, seguros).

Segundo Robbins (2010) há muitas maneiras de remunerar os empregados e o melhor sistema de remuneração é o que paga o trabalho que vale, sendo também competitivo em comparação com o mercado. É uma decisão estratégica e ao remunerar melhor, as empresas têm funcionários mais bem qualificados e mais motivados, permanecendo mais tempo no local. Existem formas de programas de remuneração variável, plano este que baseia em alguma medida de desempenho individual e/ou organizacional.

Quanto a Liderança, Fiorelli (2013) assinala que o líder obtém a cooperação entre as pessoas, promove a convergência de diferentes percepções e objetivos. Outro aspecto importante citado pelo autor é de que não podemos confundir “chefia” ou “gerência” com “liderança”. Na organização, a ge-rência influencia os indivíduos devido ao poder normativo racional-legal. O líder é capaz de conseguir que outras pessoas, espontaneamente, ultrapassem o estabelecido formalmente.

Na concepção de Gil 2011 (apud Gardner, John W. B) as características que um líder deve possuir são: vitalidade física e energia; inteligência e capacidade de julgamento; disposição para

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aceitar responsabilidades; aptidão para tarefas; habilidade para lidar com as pessoas; necessidade de conquista; capacidade de motivar; coragem; capacidade de conquistar e manter confiança; decidir e estabelecer prioridades; domínio e afirmação, e adaptabilidade. O líder exerce um papel de suma importância nas organizações, pois este atua nos recursos emocionais e espirituais da organização, incluindo seus valores, comprometimento e pretensões.

De acordo com Chiavenato (1999), o líder é aquele que exerce influência em seus liderados através do respeito e admiração que estes têm por ele e não apenas pelo cargo que exerce. Uma essencial habilidade que o líder deve dominar é o feedback, processo no qual deve ser transmitida a percepção a respeito do comportamento de seus liderados. O feedback é importante para a construção de um bom relacionamento interpessoal. Quando são aperfeiçoadas as suas habilidades, naturalmente é estabelecido um processo de respeito, compreensão e confiança entre as partes envolvidas.

Quanto a variável Equipe, Tanure (2007) expõe a importância deste formato de trabalho e que no mundo contemporâneo adquire proporções mais significativas, em especial no complexo ambiente de redes. As equipes são marcadas pela diversidade, mas a liderança preparada sabe lidar, orientando, administrando os conflitos e organizando as mesmas.

Robbins (2004) destaca a diferença entre um grupo e uma equipe. Um grupo de trabalho inte-rage para compartilhar informações, tomar decisões e ajudar cada membro em seu desempenho na sua área de responsabilidade. Enquanto, que uma equipe de trabalho gera uma sinergia positiva por meio do esforço coordenado. Os esforços individuais resultam em um nível de desempenho maior do que a soma daquelas contribuições individuais. Uma equipe é um grupo pequeno de pessoas, que dividem os mesmos interesses e se dispõem a trabalhar para atingir objetivos que tem em comum.

Fiorelli (2000) enfatiza que a interação humana aumenta o conhecimento mútuo, propiciando melhor aproveitamento dos pontos fortes de cada um e ocasionando a neutralização dos pontos fracos, aumentando assim a produtividade e o bem-estar no trabalho.

O Relacionamento entre Colegas e Líder é outra variável estudada e que está associada ao trabalho de equipe. Os profissionais habitualmente veem os líderes como modelo a ser seguido, por isso a atividade de liderar pessoas requer habilidades específicas, como compreender as expectativas dos seus liderados e os elementos que compõem estas.

Conforme Maximiniano (2004, p.17), para trabalhar eficientemente com as pessoas, você pre-cisa de ferramentas comportamentais da organização: entendimento das diferenças individuais, da cultura organizacional, e de processos como motivação, dinâmica de grupos e comunicação visando à promoção da união e do trabalho em equipe. O feedback, habilidade que o líder deve dominar, é importante para a construção de um bom relacionamento interpessoal, pois quando são aperfeiçoadas as suas habilidades, naturalmente é estabelecido um processo de respeito, compreensão e confiança entre as partes envolvidas.

Relativo às Tarefas, o papel do funcionário em relação à tarefa que desempenha, com o decorrer dos anos, vem recebendo uma dimensão maior e com ela a perspectiva de melhorias. Para que ocorra o aperfeiçoamento das tarefas, é necessário o aumento da participação do indivíduo na definição dos objetivos e processos e das técnicas desenvolvendo assim a produtividade e satisfação no trabalho, pois desta forma o indivíduo não será capaz de tratar suas tarefas como algo insignificante. Para Cohen (2003) quanto melhor distribuídos os recursos (níveis de expertise) do grupo entre seus componentes, mais adequada será a participação total dos integrantes, indicando que as atribuições podem ser divididas mais adequadamente entre os participantes na dependência dos recursos.

A oportunidade de crescimento profissional/reconhecimento é outro importante fator pes-quisado. Para Gil (2011) reconhecimento, atividades desafiadoras e estimulantes, crescimento são capazes de proporcionar efeitos produtivos na satisfação no trabalho, resultando no aumento da capa-cidade produtiva das pessoas. A avaliação de desempenho (360 graus) promove o autoconhecimento e autodesenvolvimento. O enriquecimento da tarefa supõe o aumento intencional da responsabilidade, amplitude e desafio no trabalho.

3. Metodologia

Este estudo classifica-se como uma pesquisa exploratória, pois consiste em explorar uma si-tuação ou área em que há pouco conhecimento, a fim de levantar problemas gerais ou causas dos mesmos e possui uma abordagem quantitativa e descritiva. Com base na classificação de Vergara (2010) quanto aos fins é exploratória, pois busca fazer um levantamento bibliográfico sobre o tema para melhor compreendê-lo e descritiva porque descreve, organiza os dados de uma determinada população e estabelece correlações entre as variáveis. Quanto aos meios, classifica-se como pesquisa

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de campo, utilizando dados primários coletados no setor através da aplicação de um questionário e, também o uso de materiais já elaborados constituídos, principalmente, de livros e artigos científicos para a fundamentação teórica sobre o tema.

O método de investigação adotado foi o estudo de caso que segundo Gil (2009) é um modelo proposto para a produção do conhecimento num campo específico, que aponta princípios e regras a serem observados ao longo de todo o processo de investigação.

A amostra foi composta por 10 colaboradores do setor de suprimentos (70%), incluindo ana-listas, assistentes e estagiário. Os dados foram coletados através da utilização de um questionário constando, inicialmente, dados da amostra, tais como, escolaridade, tempo de empresa, sexo e, após, as questões abordando as variáveis: plano de benefícios, condições de trabalho, tarefas, crescimento profissional, trabalho em equipe, liderança e relacionamento entre colegas e líder. Para cada pergun-ta, o respondente escolhia uma de três alternativas de resposta. Na visão de Krumm (2005), a maioria das pesquisas sobre clima organizacional envolve a utilização de questionários, pois uma mensuração mais exata deve focalizar o que cada indivíduo diz, em vez de gerar um resumo.

Para a análise dos dados foi utilizada a técnica de estatística descritiva cujo objetivo é carac-terizar uma amostra de dados, que é obtida por meio de variáveis selecionadas para o estudo. Segundo Vergara (2005), a pesquisa descritiva expõe característica de uma determinada população. Pode tam-bém estabelecer correlações entre variáveis e definir sua natureza.

4. Apresentação e Análise dos Dados

Com base no questionário aplicado aos funcionários do Setor de Suprimentos da emissora de TV, são apresentados, inicialmente, os dados sobre a amostra. E, após, os fatores da pesquisa (plano de benefícios, condições de trabalho, tarefas, crescimento profissional, trabalho em equipe, liderança e relacionamento entre colegas e líder) com os respectivos percentuais de resposta.

Dos respondentes, 50% são do sexo feminino e 50% do sexo masculino; referente ao grau de escolaridade, 30% dos colaboradores está cursando o ensino médio, 40% o ensino superior, 20% com curso superior completo e 10% com pós-graduação. No que diz respeito ao tempo de empresa, 20% dos funcionários possuem até 6 meses, 50% possuem de 1 ano e 3 meses até 4 anos e 30% acima de 7 anos no local.

4.1 Fatores Pesquisados

Com relação ao Plano de benefícios, 80% da amostra responderam que atende as suas ne-cessidades e a de seus dependentes e 20% disseram que atende parcialmente. Dentro do plano de benefícios foi avaliado o convênio de assistência médica, o restaurante, o vale transporte e o estacio-namento. Quanto ao convênio de assistência médica proporcionado pela empresa, 80% estão satisfei-tos; 10% mais ou menos satisfeitos; e, 10% insatisfeitos, indicando que a maioria demonstra satisfação com o convênio que lhes é oferecido. Relativo ao restaurante (serviços, cardápio, valor, higiene...) dos colaboradores, 40% responderam como satisfeitos, 30% mais ou menos e 30% não satisfeitos. Portanto, há um alto nível de insatisfação neste fator avaliado. Quando questionados sobre o vale transporte e o estacionamento, 100% da amostra estão satisfeitos.

Então, a maioria das pessoas do setor está satisfeita com o Plano de benefícios que a empresa oferece, exceto em relação à qualidade do restaurante. Para Chiavenato (2004) os benefícios sociais constituem remuneração indireta com importante participação na manutenção, motivação e atração de profissionais qualificados.

No fator Condições de trabalho, inclui aspectos da estrutura física, de segurança e materiais para a realização do trabalho. Ao responder sobre a estrutura física das salas, 80% estão satisfeitos e 20% parcialmente satisfeitos. Sobre as condições e orientações de segurança, 100% estão satisfeitos. Relacionado à disponibilidade de materiais básicos de trabalho, a maioria está satisfeita (90%).

Relacionado ao fator Tarefas, 40% da amostra disseram que existe uma boa distribuição das mesmas facilitando o trabalho; entretanto, 60% responderam que é razoável. Questionados se há sa-tisfação na execução das tarefas, 50% estão satisfeitos e 50% mais ou menos. Se as responsabilidades estão claras e compreendidas, 60% relataram que sim e 40% não estão bem claras. Quanto à inovação, a amostra (90%) respondeu que é estimulada para inovar nas tarefas executadas, enquanto que 10% responderam ser razoável este estímulo.

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Na variável Crescimento profissional foi perguntado se a empresa estimula o aprendizado contínuo, se existe oportunidade de crescimento interno/promoção e 60% dos funcionários do setor responderam que sim, enquanto 40% disseram existir razoavelmente. O reconhecimento do desempe-nho no trabalho pela empresa foi pontuado satisfatoriamente por 40% dos respondentes, enquanto 60% estão mais ou menos satisfeitos.

Outro item estudado foi sobre o Trabalho em equipe e questionados os colaboradores se há confiança e respeito entre os componentes da equipe, 90% responderam que sim e 10% disseram que não. Sobre a existência de diálogo transparente e aberto entre os colegas de trabalho, 80% responde-ram que existe, 10% mencionaram que há parcialmente e 10% disseram que não existe diálogo aberto. Quanto à prática do trabalho em conjunto/união, 90% responderam que praticam e 10% disseram que não. Se os funcionários trabalham buscando atender um único objetivo, 60% responderam que sim, 30% mais ou menos e 10% não. Estas perguntas estão relacionadas aos fatores que determinam o sucesso de uma equipe. Fiorelli (2000) defende que a interação humana aumenta o conhecimento mútuo, propiciando melhor aproveitamento dos pontos fortes de cada um e ocasionando a neutralização dos pontos fracos, aumentando assim a produtividade e o bem-estar no trabalho. Além disso, o trabalho em equipe é capaz de favorecer as iniciativas e inovações, onde fatores emocionais e racionais serão capazes de motivar as pessoas a procurarem uma equipe, para as quais as mesmas possam pertencer.

Outro aspecto pesquisado foi sobre a Liderança do setor. Ligado ao supervisor se sabe lidar com as diferenças individuais na equipe, 80% disseram sim e 20% mais ou menos. Se o supervisor ime-diato transmite conhecimento/domínio no cargo, se é receptivo às sugestões adversas ocorridas no trabalho e oferece feedback à equipe sobre o trabalho, 100% da amostra estão satisfeitos. Questiona-dos sobre se sentirem valorizados no setor, 50% falaram que sim e 50% mais ou menos. Dos responden-tes, 80% disseram que o superior é imparcial na resolução de problemas na equipe, enquanto que 20% relatam que é razoável. Para Chiavenato (2004), ninguém pode ser um líder a menos que consiga com que as pessoas façam aquilo na qual ele pretende que façam, nem será bem sucedido. A menos que, seus seguidores o percebam como um meio de satisfazer suas próprias aspirações pessoais, ou atingir seus objetivos.

Destacando o fator Relacionamento entre Colegas e Líder, 100% da amostra estão satisfei-tos com a relação interpessoal entre o superior imediato e os subordinados. Perguntados se existem momentos de integração entre os colegas e líder, se o superior imediato mantém a equipe informada sobre assuntos relacionados ao trabalho e se os colegas são encorajados a dialogar sobre os conflitos internos, 90% estão satisfeitos. Já em relação às pessoas solucionarem os problemas de relacionamen-to que surgem no setor com autonomia, 60% disseram que sim, 30% mais ou menos e 10% disseram que não sentem autonomia. Segundo Robbins (2010), a alta congruência entre o chefe e o funcionário relacionado à percepção do trabalho está significativamente ligada à satisfação do colaborador.

Então, realizada a análise dos dados deste estudo pode-se identificar que os fatores de satis-fação considerados pelos respondentes foram: plano de benefícios (exceto o restaurante), condições de trabalho, trabalho em equipe, liderança, relacionamento entre colegas e líder. Por outro lado, os fatores de insatisfação foram: benefícios (restaurante), tarefas e crescimento profissional.

Os resultados apresentados na pesquisa demonstraram que existe bom nível de satisfação dos colaboradores do setor de suprimento da empresa. Entretanto, analisando o índice de insatisfação per-cebe-se que é necessária a implantação de algumas melhorias, estimulando a criação de um ambiente de trabalho mais agradável para os colaboradores, atendendo melhor às expectativas dos funcionários que também está associado à realização do desejo do cliente e ao bom desempenho organizacional.

Relativo ao único item, o restaurante, que apresentou resultado insatisfatório dentro do plano de benefícios foi indicado que a organização identifique os pontos fracos que podem estar relacionados ao cardápio, limpeza, atendimento, entre outros. Quanto à insatisfação apresentada em relação às tarefas foi sugerida uma revisão e ajuste das mesmas com a elaboração de um novo fluxograma de maneira com que as funções a serem exercidas se adéquem ao perfil de cada funcionário, conduzindo a melhor distribuição das atividades no setor. No que tange a falta de reconhecimento da empresa em relação ao desempenho exercido pelos colaboradores pode ser implantada a avaliação de desem-penho 360 Graus. Esta é um importante instrumento que se bem aplicado pode gerar motivação nos colaboradores, pois a autopercepção do avaliado é confrontada com a percepção das diversas pessoas envolvidas no processo, levando a um reconhecimento mais verdadeiro.

Logo, é essencial que ao mensurar os fatores escolhidos, ao descrevê-las, em seguida, anali-sá-las e com base na estratégia organizacional investir em programas de melhoria.

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5. Considerações Finais

Este estudo teve como objetivo geral identificar os fatores de satisfação/insatisfação dos colaboradores do setor de Suprimentos de uma emissora de TV no RS. Foi feita uma pesquisa de clima como instrumento para medir o clima do respectivo setor, na qual é uma ferramenta de grande valor que compõe a gestão estratégica e um questionário como técnica de investigação.

Desta forma, identificou-se o que os colaboradores pensam sobre o setor e os principais fato-res que influenciam o clima interno. Os resultados apresentados pela amostra foram em sua maioria positivos, com exceção de alguns fatores que necessitam da implantação de melhorias. Através da aná-lise dos dados, conclui-se que a maioria dos respondentes está satisfeita com os benefícios que a em-presa oferece (exceto o restaurante). A empresa está disponibilizando os materiais básicos e essenciais para a realização do trabalho, além de dispor de uma boa estrutura física e condições de segurança para os colaboradores. A liderança apresentou pontos fortes, no que diz respeito, aos conhecimentos ligados às atividades, à recepção de sugestões/críticas e ao feedback que oferece aos seus colabo-radores. Há um bom índice relativo ao estímulo para inovação no trabalho. Os chefes são bem vistos pela equipe, deixando claro o que esperam, atendendo às solicitações com agilidade e estimulando os funcionários a fazerem cada vez melhor seu trabalho. Sobretudo, existe um índice de insatisfação dos funcionários pesquisados deixando o clima organizacional a desejar em alguns aspectos. São eles, os serviços oferecidos no restaurante, a execução das tarefas devido à má distribuição das mesmas e a falta de reconhecimento da empresa do desempenho no trabalho. Para tais aspectos de insatisfação, sugeriu-se a implantação de ações que promovam mudanças significativas de modo a atingir os objeti-vos e o setor/empresa continuar prosperando.

Assim, conclui-se que ao estudar o clima da empresa é ouvir a opinião do cliente interno, iden-tificar o nível de satisfação do mesmo e um clima positivo é que faz a organização chegar ao destino.

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Responsabilidade Civil decorrente da Violação dos Direitos da Personalidade

Guilherme Augusto Pinto da Silva1

Jeronimo Basil Almeida2

RESUMO

O presente ensaio versa sobre a responsabilidade civil aplicada às hipóteses de vio-lação dos direitos da personalidade, através da qual se propõe uma reclassificação dos danos extrapatrimoniais a partir da identificação do bem jurídico violado. Para tanto, analisa-se, em linhas gerais, o caminho percorrido pela responsabilidade civil e o seu estado atual. Na sequência, aborda-se a temática dos direitos da personalida-de em geral, suas características e classificação. Por fim, examinam-se em especial os direitos à honra, à imagem e à privacidade e algumas das inúmeras hipóteses de violação, em uma leitura crítica à luz de uma nova classificação dos danos extrapa-trimoniais.

PALAVRAS-CHAVE

Responsabilidade Civil – Direitos da Personalidade – Danos Morais – Danos Extrapatri-moniais – Direito à honra – Direito à imagem – Direito à vida privada e intimidade.

SUMÁRIO

Introdução. 1. Considerações gerais e delimitação da temática. 2. Os direitos da per-sonalidade. 2.1. Características e classificação. 3. Danos aos direitos da personalida-de. 3.1. Dano à honra. 3.2. Dano à imagem. 3.3. Dano à intimidade e vida privada. Conclusão. Referências bibliográficas.

ABSTRACT

This paper is about the tort law applied to cases of violation of personality rights by which proposes a reclassification of damage from the violated legal right identi-fication. For this, we analyze, in general, the path taken by tort law and its current state. Following, deals with the theme of the rights of personality, characteristics and classification. Finally, it examines in particular the rights to honor, image, priva-cy and some of the many cases of violation, in a critical reading in the light of a new classification of damage.

KEYWORDS

Tort law - Personality Rights - Moral Damages - Right to honor - Right to image - Right to privacy and intimacy

(1) Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS. Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Advogado inscrito na OAB/RS.(2) Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Advogado inscrito na OAB/RS.

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Introdução

A crise do Direito Privado – que enfrentou o fenômeno da constitucionalização e repersonaliza-ção – foi fundamental para afirmação dos direitos da personalidade e a superação da leitura patrimo-nialista do direito civil. O instituto da responsabilidade civil, igualmente, teve significativas mudanças no sentido de alçar a pessoa humana ao centro de sua preocupação, seja através da superação do ideário de culpa, ou da ampliação das hipóteses de reparação de danos, admitindo a indenização por “dano moral”.

A conjugação dos direitos da personalidade e da responsabilidade civil, neste sentido, demons-tra-se fundamental à compreensão da ideia dos danos morais, ou extrapatrimoniais, e a consequente reparação. A proposta desta pesquisa consiste em examinar, em uma leitura conjunta, os direitos da personalidade e o instituto da responsabilidade civil aplicado às hipóteses de violação destes direitos. Consequentemente, sugere-se uma nova leitura, ou reclassificação dos danos extrapatrimoniais para que integrem as hipóteses de violação dos direitos da personalidade. Para tanto, faz-se uma leitura crítica das hipóteses de violação dos direitos à honra, à imagem e à vida privada, com a consequente análise de alguns julgados dos Tribunais Superiores e Tribunais de Justiça.

1. Considerações gerais sobre a Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil é o instituto que estuda a violação dos interesses juridicamente re-levantes da pessoa, em sua esfera patrimonial e/ou extrapatrimonial, estabelecendo diretrizes para imputação e fixação das consequências jurídicas decorrentes do ato violador, atribuindo indenização que visa suprimir, reparar ou compensar a lesão sofrida. Em síntese, é possível afirmar que a responsa-bilidade civil configura-se como a violação de um dever e a atribuição de uma consequência.

O certo é que o instituto atravessou mudanças significativas nos últimos anos. A ênfase que desde muito tempo sempre foi atribuída ao ofensor, deslocou-se para o ofendido, ampliando-se as hipóteses de reparação. Superou-se, gradualmente, a noção subjetiva de culpa, atrelada ao dolo do agente causador do dano, para consolidar o fenômeno da objetivação da responsabilidade civil. Essa tendência ganhou força com a Constituição Federal de 1988, que consagrou a reparação dos “danos morais”, de forma autônoma em relação aos “danos materiais”, estabelecendo novos contornos à reparação de danos. Também se deve ao fato da pessoa humana ter sido alçada ao ápice do ordena-mento, a partir da dignidade como fundamento da república.

De modo geral, a responsabilidade civil estabelece alguns pressupostos: a existência de uma conduta, ocorrência de dano e o nexo de causalidade que vincule o dano à conduta imputada ao agen-te causador, justificando o dever de reparar. A noção de dano moral, por sua vez, era negativa: o que não estivesse abarcado pela concepção de dano material restaria caracterizado como dano moral.

A partir de então, constata-se que ao abrigo dos “danos morais”, encontram-se as mais varia-das espécies de danos, trazendo como identidade entre si apenas o fato de não estarem relacionados ao patrimônio, mas sim com os interesses da pessoa humana – sendo a fixação do quantum indenizató-rio de problemática aplicação prática. A tentativa de quebra da divisão entre “danos morais” e “danos materiais” para uma sistematização dos danos – à guisa do que se demonstrou com o rol dos direitos da personalidade – seria insuficiente, razão pela qual não se cogita sistematizar3 os danos no âmbito da responsabilidade civil4, o que não significa que não seja possível realocá-los, ou reclassificá-los.

Neste sentido são as colocações de Fernando Noronha:

“Esta classificação que separa danos à pessoa e a coisas não era feita nas análises tradicionais da responsabilidade civil. Até tempo relativamente recentes, em que a preocupação fundamental do or-denamento jurídico era com a atividade econômica, os danos à pessoa humana, considerada em si mesma, passavam quase despercebidos. Muitos juristas chegavam a assimilar danos a coisas e danos patrimoniais, por um lado, e danos pessoais e danos extrapatrimoniais, por outro. Hoje, porém, em que se reconhece ao ser humano uma iminente dignidade, no desenvolvimento da ética sistematizada por Kant no final do século XVIII e conhecida como personalismo ético, e em que as próprias constitui-ções destacam a importância da tutela da pessoa (assim, entre nós é princípio fundamental do Estado Democrático de Direito a proteção da dignidade da pessoa humana: Constituição Federal, art. 1º, III),

(3) Aqui não se confunde a sistematização dos danos com a sistematização da responsabilidade civil. Sobre o assunto, ver: NORONHA, Fernan-do. Responsabilidade civil: uma tentativa de ressistematização. Revista de direito civil, n. 64, abr./jun/93, São Paulo: RT. p.13-47.(4) Conforme adverte Eugênio Facchini Neto: “Dificilmente haverá no direito civil matéria mais vasta, mais confusa e de difícil sistematização do que a responsabilidade civil.” FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo Código. In: SARLET, Ingo Wolfang (Org.). O Novo Código Civil e a Constituição. 2. ed.rev.ampl. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2006. p. 154.

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assume especial relevo a tutela da integridade física, psíquica e moral da pessoa, com o consequente reconhecimento do direito à reparação por todos os danos resultantes de atos ou fatos que atentem contra ela. Se a pessoa humana é um dos valores fundamentais a ser tutelado pelo ordenamento jurídi-co, é plenamente justificado que se dê especial relevância aos danos pessoais5.”

Para superação da visão simplista da divisão dos danos (dano moral e material), ganha impor-tância disciplina dos direitos da personalidade. Com o advento do Código Civil de 2002, o legislador estampou um rol numerus apertus de interesses da pessoa, tais como direito à honra; à imagem; à vida privada; que seguem em dinâmica construção. De certa forma isso possibilita uma nova classifi-cação ao que se denomina “dano moral”, para que se identifique qual o bem jurídico violado no caso concreto, com a finalidade de dar cabo ao que a praxis jurídica chama de “indústria do dano moral”.

Isso por que de modo geral, os direitos da personalidade oferecem um conjunto amplo de si-tuações definidas pelo sistema jurídico, de modo objetivo e controlável, sem necessidade de recurso à ocorrência de dor ou prejuízo, já que a responsabilidade opera-se pelo simples fato da violação (dam-nu in re ipsa)6. Assim, verificada a violação a direito da personalidade surge o dever de indenizar, não sendo necessária prova do prejuízo, como anteriormente indispensável, bastando que se comprove o nexo de causalidade.

É possível, assim, afirmar que a disciplina dos direitos da personalidade integra e concretiza o princípio da dignidade humana, renovando o instituto da responsabilidade civil. Diante dessa consta-tada transformação, suscitou-se o questionamento: onde alocar as hipóteses de violação dos direitos da personalidade? Serão constitutivos de uma (re)classificação própria ou podem ser sistematicamente conduzidos ao gênero “dano moral7”?

2. Os direitos da personalidade

A disciplina dos direitos da personalidade revelou polêmica8 quando do seu surgimento. A uma porque a construção dogmática é relativamente recente, podendo ser atribuída à doutrina francesa e alemã do final do século XIX. Também porque o direito romano – do qual o direito brasileiro é her-deiro de muitos institutos – não contemplou os direitos da personalidade9, nos moldes em que hoje é concebido.

Logo após as primeiras elaborações doutrinárias acerca dos direitos da personalidade, vieram as críticas e as teorias negativistas. As principais críticas encontravam justificativa na concepção pa-trimonialista do direito civil, à luz da qual era forçoso reconhecer a existência de direitos relacionados ao indivíduo. Eis o fundamento das teorias negativistas: a personalidade estaria atrelada ao indivíduo, que é sujeito de direitos; logo não poderia, ao mesmo tempo, ser objeto deles.

Somente a partir dos anos cinquenta é que se passou a admitir a existência dos chamados direitos da personalidade, muito embora ainda arraigados a uma índole de essência patrimonialista. No período pós-guerra, a partir de uma consciência humanista10 e dos estudos de psicanálise11, restou pacífico que o ser humano deve ser compreendido em toda sua dimensão ontológica e não como sujeito abstrato ou titular de direitos. É possível afirmar, portanto, que os direitos da personalidade encon-tram-se atrelados ao princípio da dignidade da pessoa humana.

No âmbito do ordenamento pátrio, o Código Civil de 1916 não se ateve ao trato dos direitos da personalidade, sob o pretexto de que já estariam previstos na Constituição de 1891. A Constituição

(5) NORONHA, Fernando. Os danos à pessoa, corporais (ou biológicos) e anímicos (ou morais em sentido estrito), e suas relações com os danos patrimoniais e extrapatrimoniais. Revista de Direito Privado. n.22, abril-junho 2005. p. 85.(6) LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos Morais e direitos da personalidade. Revista Trimestral de Direito Civil. vol. 6. abril/junho 2001. p. 80. (7) MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza de sua reparação. Revista dos Tribunais. n. 789. ano 90. Julho de 2001. p. 27. A autora utiliza a expressão “danos extrapatrimoniais”.(8) TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In: Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.23.(9) ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Considerações sobre o Desenvolvimento dos Direitos da Personalidade e sua Aplicação às Relações de Trabalho. In: Direitos fundamentais e justiça. Porto Alegre, v.3. n. 6, 2009, p. 165. No mesmo sentido Tepedino constata que: “o direito romano não tratou dos direitos da personalidade aos moldes hoje conhecidos. Concebeu apenas a actio injuriarum, ação contra a injúria que, no espírito prático dos romanos, abrangia qualquer “atentado à pessoa física ou moral do cidadão”, hoje associado à tutela da personalidade humana.” No mesmo sentido: TEPEDINO, Gustavo. op. cit. p. 24(10) SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 29 e ss.(11) SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 34. No mesmo sentido refere Judith Martins-Costa: “Antes de a psicanálise instaurar seu reinado, pondo a nu a relevância da saúde psíquica e da vida sexual e afetiva, poder-se-ia cogitar da hipótese de “dano psíquico”, “dano à vida afetiva”, “dano à vida conjugal” ou “dano à realiza-ção sexual”? No mesmo sentido: MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza da sua reparação. Revista dos Tribunais. n. 789. Ano 90. Julho de 2001. p.22.

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de 1988 foi, todavia, a que demonstrou real comprometimento na proteção da pessoa, tutelando os direitos da personalidade, através do art. 5º e incisos. Consequentemente, o Código Civil de 2002 in-corporou esse influxo – de proteção e tutela dos interesses da pessoa humana - e trouxe um capítulo específico para tratar dos direitos da personalidade, como a servir de chave de leitura ao restante do diploma privatista.

Isso não significa que a positivação dos direitos da personalidade no Código Civil de 2002 re-velou-se imprescindível ao reconhecimento destes direitos pelo ordenamento. Em verdade, vieram a dar ênfase à pretensão do constituinte, pois:

Caso a eficácia de um direito fundamental dependesse de uma legislação infraconstitucional que o implementasse, correr-se-ia o risco de a omissão do legislador ordinário ter mais força eficacial do que a ação do legislador constituinte. Isso significaria que a criatura (legislador ordinário) teria mais poder do que seu criador (legislador constituinte) 12.

Essa incorporação de valores constitucionais pelo direito privado decorre do princípio da dig-nidade da pessoa humana, ou seja, recoloca-se ao centro do ordenamento o ser humano e suas emana-ções13. Os direitos da personalidade, portanto, refletem a manifestação dos direitos fundamentais no âmbito do direito privado, que nem por isso abandonam suas características. Por isso, podemos dizer que sua aplicação não é limitada ao âmbito do direito público, ou a relações onde um dos sujeitos não seja público. Aplicam-se também nas relações entre particulares14.

Estuda-se, doravante, as características e classificação dos direitos da personalidade, o que não significa que sejam retomados alguns pontos peculiares e explicitados outros aspectos ainda não abordados, nos tópicos subsequentes.

2.1 Características e classificação

Dentre as características dos direitos da personalidade, podemos considerar serem: intrans-missíveis; irrenunciáveis; indisponíveis; inatos (originários); absolutos; extrapatrimoniais; imprescrití-veis; impenhoráveis; vitalícios; necessários; oponíveis erga omnes15.

No que diz com a intransmissibilidade, constata-se que os direitos da personalidade não po-dem ser objeto de cessão por constituírem a essência do indivíduo, expressando a personalidade da própria pessoa, o que impede sua aquisição por terceiros por via de transmissão16. A irrenunciabilidade retrata a impossibilidade de a pessoa abdicar de algum dos direitos da personalidade, mesmo que não os exercite, uma vez que ele é inseparável da personalidade humana17. Por serem indisponíveis, igualmente, identificam-se com os bens mais preciosos da pessoa, situando-se em um patamar que, em princípio, impossibilita a transação.

Os direitos da personalidade também são inatos, eis que a pessoa é titular desde o nascimen-to. São absolutos erga ommes, assemelhando-se, neste sentido, ao direito de propriedade – pois sua atuação faz-se em qualquer direção, independente de relação jurídica direta que imponha respeito a esses direitos. Há, na verdade, uma obrigação negativa por parte de toda coletividade, de respeitar a personalidade dos cidadãos. Além de oponíveis contra o Estado, são também contra todas as demais pessoas18.

Apesar de absolutos, os direitos da personalidade não são ilimitados, existindo a possibilidade de demarcações impostas pelo próprio direito objetivo e em razão da necessidade de conjugação com outras situações protegidas. Essas limitações podem ser extrínsecas ou intrínsecas. Os limites intrínsecos são ditados pela própria lei, que estabelece o conteúdo com a demarcação do domínio de aplicação do respectivo direito. Serão extrínsecos quando resultarem da conjugação com outras situações protegidas – liberdade de imprensa e direito de imagem, por exemplo –, haja vista que os interesses protegidos pelo direito da personalidade podem conflitar com outros direitos e poderes protegidos pelo ordenamento.

(12) FACHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 51.(13) Ibidem. p. 34.(14) CUNHA, Paulo Ferreira da. Direitos de personalidade, figuras próximas e figuras longínquas. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul. AJURIS. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed. 2006. p. 183.(15) BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p.15.(16) BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Atlas. 2005. p. 27.(17) Ibidem. (18) SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2005, p. 57.

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São imprescritíveis no sentido de que mesmo em situação de limitação voluntária ou restrição de determinado direito da personalidade – como nos casos de reality show –, o indivíduo pode exercitar seu direito a qualquer tempo.

Além da classificação adotada, existem outras respeitáveis e dignas de referência como a de Elimar Szaniawaski19, para quem os direitos da personalidade resumem-se, no direito à vida, à integri-dade física, ao direito sobre as partes destacadas do corpo e o direito sobre o cadáver, à liberdade, ao resguardo, à honra, ao segredo, à identidade pessoal e direito moral de autor.

Pontes de Miranda, por sua vez, resume a classificação em: direito à vida, à integridade física, à integridade psíquica, à liberdade, à verdade, à honra, à própria imagem, à igualdade, ao nome, à intimidade, ao sigilo e direito autoral20.

Existem ainda os defensores de uma simplificação na classificação dos direitos da personali-dade, em dois grupos: direito à integridade física e à integridade moral21. Isso se deve ao fato de que os direitos da personalidade são inúmeros e de várias categorias. O Código Civil apresenta um singelo rol residual22, de modo que não engloba a totalidade dos direitos da personalidade, boa parte destes estampados na Constituição como direitos fundamentais.

A classificação dos direitos da personalidade se revela indispensável para que se possa discutir a possibilidade de reclassificação dos danos aos direitos da personalidade como subespécies do dano extrapatrimonial. É mais do que necessário reconhecer que os direitos da personalidade constituem fattispecie em construção23, de modo que recorrer à Lei - seja Constituição ou Código Civil - nem sem-pre será suficiente para identificar o bem jurídico violado em situação concreta.

Vale dizer que o direito comparado sido de aquilatada valia no sentido de melhor elucidar essas questões. A indenizabilidade do préjudice d’agrément do direito francês, semelhante ao loss of amenities of life da jurisprudência anglo-americana, identificam a violação de direito da personali-dade ao constatar a privação do indivíduo gozar dos prazeres da vida, próprios da sua idade, cultura, meio social em que vive24.

Veja-se que nesses casos, trazendo o ideário ao direito brasileiro, não há a identificação pre-cisa de um direito típico da personalidade violado, mas de uma tutela reparatória viabilizada pela leitura do princípio da dignidade da pessoa humana25 como cláusula geral de tutela da personalidade26. Essa abertura conferida pela cláusula geral de tutela da personalidade é que possibilita à teoria da res-ponsabilidade civil “ampliar, cada vez mais, sua abrangência, a fim de possibilitar que todo e qualquer dano possa ser reparado27”. A redação do artigo 94928 do Código Civil de 2002 segue esta linha, quando refere “algum outro prejuízo”.

Por isso, a crítica que se faz às classificações referidas, é no sentido de não adotar uma, ou outra, como adequada ou não adequada, mas sim de reconhecer que os direitos da personalidade ain-da se encontram em evolução dogmática. Portanto, podemos utilizar no âmbito da responsabilidade civil – para fins da reclassificação dos danos extrapatrimoniais – aqueles direitos da personalidade tidos como incontroversos pelo Código Civil (artigos 11 a 21), pela Constituição Federal, ou tenham sido suficientemente exauridos em sede de discussão doutrinária, não existindo controvérsias relevantes ao reconhecimento de sua existência.

(19) SZANIAWASKI, Elimar. op. cit. p. 51.(20) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1971. Parte Especial. p. 8(21) BARROSO, Luis Roberto. Liberdade de expressão versus direitos da personalidade: colisão de direitos fundamentais e critérios de ponde-ração. In: SARLET, Ingo Wolfang (Org.). Direitos fundamentais, informática e comunicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 75.(22) Capítulo II. Art. 11 ao 21. (23) MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza da sua reparação. op. cit. p. 27.(24) FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo Código. In: SARLET, Ingo Wolfang (Org.). O Novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.189(25) Não se desconhece as controvérsias em torno da definição conceitual do princípio da dignidade da pessoa humana, cuja bibliografia é vastíssima e ainda não se chegou a um consenso doutrinário a respeito do assunto. Sobre o tema: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. ZANOTELLI, Maurício. Direito e diferença: a reconstrução jurídica da dignidade da pessoa humana. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito Público) - Pro-grama de Pós Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 2010.(26) TEPEDINO, Gustavo. A tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-constitucional Brasileiro. In: Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 46-48.(27) FACHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo Código. op. cit. 161.(28) “Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”

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3. Danos aos direitos da personalidade

Partindo-se do pressuposto que os direitos da personalidade ainda são fattispecie em cons-trução, seria pretensão imatura desta pesquisa querer abordar as hipóteses de responsabilidade civil por violação aos infinitos direitos da personalidade29. Neste sentido, dedica-se análise, doravante, às hipóteses de responsabilidade por violação dos direitos da personalidade sobre os quais não paira nenhuma espécie de dúvida acerca de seu reconhecimento como tais, quais sejam: o direito à honra; à imagem e à privacidade.

Faz-se a ressalva, porém, que embora o instituto da responsabilidade civil aplicado às hipóte-ses de violação dos direitos da personalidade integre e concretize o princípio da dignidade da pessoa humana, não se deve levar ao entendimento de ser a violação dos direitos da personalidade objeto exclusivo de tutela jurídica. Diz-se isso porque a preocupação dos juristas tem sido centrada em “momentos patológicos30” da proteção da personalidade, resultantes em indenização pecuniária, em detrimento de seu exercício, o que revela resíduos superados da concepção patrimonialista.

3.1 Dano à honra

Honra deriva do latim Honos, nome do Deus da guerra, aclamado por militares para coragem na batalha. O sentido da expressão, por óbvio, sofreu variações assumindo outros aspectos ao longo da evolução cultural da sociedade, sendo não difícil encontrar quem nomine o direito à honra como direito à integridade moral. Embora nos primórdios em que foi concebido não se falasse em direitos da personalidade, em Roma já era possível encontrar a tutela da honra através da actio injuriarum.3132 A proteção, contudo, não atingia todas as pessoas, já que os escravos não possuíam honra civil, podendo suportar qualquer ofensa. Somente em casos graves, que atingissem o proprietário do escravo, é que se configurava a injúria33.

O certo é que o direito à honra tem como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana34, como os demais direitos da personalidade e desperta para o fato de que não somente a integridade física do homem deve ser tutelada, mas também sua integridade moral ou psíquica. Do direito à honra decorre a subdivisão em subjetiva e objetiva.

Na honra subjetiva, o indivíduo experimenta o dano como forma de dor psíquica, sentimento da própria dignidade, ou prejuízo absorvido pela alma humana. A honra subjetiva, portanto, faz parte da existência moral, a qual o indivíduo não perde jamais, ou seja, “honra tem o ladrão, a adúltera, o mendigo35”. Em relação à honra objetiva, trata-se da consideração que a sociedade dá ao indivíduo. É o apreço da pessoa perante seu meio de convivência. Em resumo: enquanto a honra subjetiva volta-se ao âmago do indivíduo, a honra objetiva volta-se aos seus semelhantes na avaliação de seus atributos.

A tutela da honra não é só civil, mas também penal através dos delitos de calúnia, difamação e injúria. Os dois primeiros protegem a honra em sentido objetivo, enquanto a injúria a ofensa se faz à dignidade ou decoro do indivíduo36.

A honra mereceu atenção do constituinte no artigo 5º, inciso X, e do legislador no diploma civil através do artigo 20, quando tratou dos direitos da personalidade. É possível perceber, no entanto, que não são raras as situações nas quais o direito à honra irá se chocar com outro direito constitucional-mente assegurado, como a livre manifestação do pensamento (art. 5º, inciso IV), livre manifestação de crença (art. 5, inciso VI), acesso à informação e sigilo de fonte (art. 5º, XIV), dentre outros.

Vale dizer que o direito à honra é absoluto, mas encontra limites, sendo um deles prescritos no âmbito penal como exceptio veritatis, ou exceção da verdade. Faz-se o registro de uma exceção, quanto ao aspecto da exceção da verdade, pois a doutrina e a legislação de alguns países autoriza que se impeça a divulgação de fatos verdadeiros, mas detratores da honra individual – o chamado segredo

(29) SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. op. cit. p.91(30) LÔBO, Paulo Luiz Netto. op. cit. p.82.(31) Através da action injuriarum, o injuriado poderia pleitear, perante o magistrado uma certa soma em satisfação pelas injúrias sofridas, sendo que o juiz estaria livre para decidir se o pedido era justo e equitativo.(32) Fernanda Duarte, José Ribas Vieira, Margarida Maria Lacombe Camargo, Maria Paulina Gomes. (Coords.). Os direitos à honra e à imagem pelo Supremo Tribunal Federal — Laboratório de análise jurisprudencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.139.(33) AMARANTE, Aparecida I. Responsabilidade Civil por dano à honra. 4.ed. rev. Atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p.19.(34) FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e infor-mação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996. p.109.(35) AMARANTE, Aparecida. I. op. cit. p.60.(36) NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Em defesa da honra: doutrina, legislação e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 10.

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da desonra37. O direito à honra também encontra limites nas imunidades conferidas pelo ordenamento a certas pessoas, colocadas em condições peculiares em relação às demais, que não desfrutam dessa prerrogativa. O exercício de certas funções – como a da magistratura, parlamentar, advocacia, dentre outras – requerem independência para que se possa agir em benefício do bem comum. Eis a intenção do legislador ao conferir imunidade a esses indivíduos. Contudo, a imunidade também não pode ser absoluta38, pois é inadmissível que seja utilizada como “escudo” legitimador de ofensas à honra.

No âmbito da responsabilidade civil, atendidos seus pressupostos básicos e configurada a vio-lação da honra, surge o dever de reparar39. Mas é possível a reparação do dano à honra? Dito de outro modo, o dano à honra como dano endereçado à integridade moral da pessoa pode ter um equivalente pecuniário? Cumpre, então, chamar atenção para os papéis que a indenização pecuniária desempenha, quais sejam: (i) compensação; (ii) reparação, (iii) punição40.

No que diz com o dano à honra, não é possível cogitar hipótese de reparação, sendo utilizada com maior frequência a indenização enquanto compensação da violação da honra e dissuasão da con-duta do agente ofensor, muito embora casuisticamente não se identifique essa precisão técnica nos julgamentos.

Veja-se que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 447.584-RJ41, em clássico conflito en-tre o direito à honra e a liberdade de imprensa, entendeu que a liberdade de imprensa encontra limi-tes no direito à honra do indivíduo. Em que pese não tenha havido o esmero de indicar que se tratasse de dano à honra – utilizou-se o “dano moral”-, é dada ênfase à função da responsabilidade civil e ao papel que a indenização pecuniária desempenha. Nas palavras do Ministro Cezar Peluso:

“Não é mister grande esforço intelectual por advertir em que o valor da indenização há de ser eficaz, vale dizer, deve, perante as circunstâncias históricas, entre as quais avulta a capacidade econômica de cada responsável, guardar uma força desencorajadora de nova violação ou violações, sendo como tal perceptível ao ofensor, e, ao mesmo tempo, de significar, para a vítima, segundo sua sensibilidade e condição sociopolítica, uma forma heterogênea de satisfação psicológica da lesão sofrida. Os bens ideais da personalidade, como a honra, a imagem, a intimidade da vida privada, não suportam critério objetivo, com pretensões de validez universal, de mensuração do dano à pessoa. Noutras palavras, a restituição do gravame a tais bens não é recondutível a uma escola econômica padronizada, análoga à das valorações relativas aos danos patrimoniais”42”.

(37) BARROSO, Luis Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação consti-tucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revistra Trimestral de Direito Civil. vol. 16. out/dez. 2003. p. 76.(38) Sobre a imunidade do advogado, importa conferir o amplo debate do STF no julgamento da ADI 1.127/DF, em acórdão de mais de 200 laudas, que restou com a seguinte ementa: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. DISPOSITIVOS IMPUGNADOS PELA AMB. PREJUDICADO O PEDIDO QUANTO À EXPRESSÃO “JUIZADOS ESPECIAIS”, EM RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DA LEI 9.099/1995. AÇÃO DIRETA CONHECIDA EM PARTE E, NESSA PARTE, JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sua presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais. II - A imunidade profissional é indispensável para que o advogado possa exercer condigna e amplamente seu múnus público. III - A inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho é consectário da inviolabilidade assegurada ao advogado no exercício profissional. IV - A presença de representante da OAB em caso de prisão em flagrante de advogado constitui garantia da inviolabilidade da atuação profissional. A cominação de nulidade da prisão, caso não se faça a comunicação, configura sanção para tornar efetiva a norma. V - A prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público. VI - A administração de estabelecimentos prisionais e congêneres constitui uma prerrogativa indelegável do Estado. VII - A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. VIII - A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional. IX - O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável. X - O controle das salas especiais para advogados é prerrogativa da Administração forense. XI - A incompatibilidade com o exercício da advocacia não alcança os juízes eleitorais e seus suplentes, em face da composição da Justiça eleitoral estabelecida na Constituição. XII - A requisição de cópias de peças e documentos a qualquer tribunal, magis-trado, cartório ou órgão da Administração Pública direta, indireta ou fundacional pelos Presidentes do Conselho da OAB e das Subseções deve ser motivada, compatível com as finalidades da lei e precedida, ainda, do recolhimento dos respectivos custos, não sendo possível a requisição de documentos cobertos pelo sigilo. XIII - Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.(ADI 1127, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2006, DJe-105 DIVULG 10-06-2010 PUBLIC 11-06-2010 EMENT VOL-02405-01 PP-00040 RTJ VOL-00215- PP-00528) (39) Art. 953 – Código Civil 2002 - A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.(40) Sobre uma possível aplicação das “punitive demages” do direito inglês no Brasil, ver : VAZ, Caroline. Funções da responsabilidade civil : da reparação à punição e dissuasão : os punitive damages no direito comparado e brasileiro. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2009. p. 97-161.(41) EMENTA: INDENIZAÇÃO. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral. Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística. Limitação da verba devida, nos termos do art. 52 da lei 5.250/67. Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art. 5º, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1º, da CF de 1988. Recurso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual não foi recebido pelo ordenamento jurídico vigente. (RE 447584, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 28/11/2006, DJ 16-03-2007 PP-00043 EMENT VOL-02268-04 PP-00624 RTJ VOL-00202-02 PP-00833 LEXSTF v. 29, n. 340, 2007, p. 263-279 RDDP n. 51, 2007, p. 141-148) (42) Ibidem. Grifos nossos.

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Percebe-se que ainda não há, pela técnica de julgamento, a sensibilidade do judiciário ao reconhecimento de subclassificação do dano extrapatrimonial. Melhor seria se fosse indicado o dano extrapatrimonial como gênero, o dano à honra como espécie e quiçá uma subespécie alocada entre a honra objetiva e subjetiva.

Existe um conflito examinado com frequência no âmbito da doutrina e jurisprudência, que diz respeito a proteção da honra dos acusados e a divulgação de fatos criminosos ou de procedimentos criminais – que os garantistas denominam de “shows midiáticos”. Há certo consenso no sentido de que existindo interesse público, não é possível invocar o direito do acusado à honra. O denominado caso “Lebach”, julgado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, em 1973, tem o condão de reafirmar esse posicionamento.

“Lebach” é um pequeno lugarejo da Alemanha, onde em 1969 ocorreu o assassinato brutal de quatro soldados que guarneciam um depósito de armas e munições, que foram roubadas. No ano seguinte os dois principais acusados foram condenados à prisão perpétua, sendo que um terceiro foi condenado a seis anos de reclusão por ter colaborado com a preparação do crime.

Atenta à repercussão do crime, o ZDF (Zweites Deutsches Fernsehen), canal televisivo ale-mão, produziu um documentário quatro anos após o crime, no qual seriam reproduzidos nome e fotos dos condenados, inclusive revelando casos de homossexualidade entre os criminosos. O documentário seria exibido logo após a soltura do terceiro condenado, que já tinha cumprido boa parte da pena.

Eis que o terceiro condenado, em vias de ser posto em liberdade, ingressou em juízo postulan-do liminar que impedisse a exibição do programa, pois o documentário seria prejudicial a sua ressocia-lização. Invocou, para tanto, o seu direito à honra – na Constituição alemã tido como direito ao livre desenvolvimento da personalidade. A liminar, em sede de primeiro grau foi negada, sob o argumento de que o episódio seria de interesse público inegável.

Em sede de recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde) junto ao Tribunal Constitucio-nal, foram ouvidos representantes do programa televisivo, especialistas do ramo do conhecimento pertinentes, bem como do Governo Federal e do Estado ao qual o apenado deveria se ressocializar. O Tribunal reformou o entendimento do juízo originário, concedendo a liminar para impedir a veiculação do documentário, caso seu nome fosse referido ou sua imagem fosse apresentada43.

Em face do direito à ressocialização do apenado – este relacionado à honra objetiva - houve o esmero do Tribunal de resguardar, também, a imagem retrato, para que não houvesse a exposição. Por certo que se o caso fosse trazido à solução do direito pátrio, encontraríamos solução diversa em face da dicção constitucional de 1988.

Interpretação diversa foi dada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do MS 24832 MC44. “Law King Chong” ingressou com mandado de segurança, pedindo liminarmente que não fosse televisionado e reproduzido em emissoras de rádio seu depoimento em Comissão Parlamentar de In-quérito, na condição de indiciado. Após longo debate e ampla discussão sobre uma série de questões de ordem, a votação é no sentido da não concessão de segurança, embora concedida a liminar. Em voto do Ministro Gilmar Mendes, inclusive, é feita referência ao caso “Lebach” do Tribunal Alemão, com as distinções pertinentes no que se refere à aplicabilidade da experiência alemã ao nosso ordenamento jurídico.

3.2 Dano à imagem

O Direito à imagem é de difícil conceituação jurídica, sendo que não há, na própria doutrina, uma conceituação exauriente. Sua complexidade acaba por se desdobrar, também, no escopo de sua proteção, na titularidade e mesmo no reconhecimento da existência de um direito autônomo45.

(43) SCHWABE, Jürgen. Cinqüenta anos de jurisprudência do tribunal constitucional federal alemão. Montevideo : Konrad Adenauer Stiftung, 2005, p. 488(44) EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. Depoimento. Indiciado. Sessão pública. Transmissão e gravação. Admissibilidade. Ine-xistência aparente de dano à honra e à imagem. Liminar concedida. Referendo negado. Votos vencidos. Não aparentam caracterizar abuso de exposição da imagem pessoal na mídia, a transmissão e a gravação de sessão em que se toma depoimento de indiciado, em Comissão Parlamentar de Inquérito. (MS 24832 MC, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/03/2004, DJ 18-08-2006 PP-00019 EMENT VOL-02243-01 PP-00128)(45) Os direitos à honra e à imagem pelo Supremo Tribunal Federal — Laboratório de análise jurisprudencial / Fernanda Duarte, José Ribas Vieira, Margarida Maria Lacombe Camargo, Maria Paulina Gomes. (coords.). — Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 146.

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A tese pioneira a respeito do direito à imagem46 identifica duas espécies: a) imagem retrato47 – decorrente da identidade física do indivíduo; b) imagem-atributo4849 – que envolve o indivíduo dentro de suas relações sociais, e, que possuem proteção constitucional, porém com diferentes referenciais normativos.

Existe ainda, na doutrina, quem proponha a incorporação de elementos psíquicos ao direito à imagem50. Todavia, se o alargamento for levado a extremos, corremos o risco de dissolver o próprio conceito de imagem, obtendo resultados vagos e imprecisos.

Assim, tomaremos o estudo a partir de uma matriz filosófica – a figura do ser tratar-se-ia do elemento de sua individualização. Sociologicamente, seria fator de reconhecimento e integração social. Neste passo, como juridicamente nos interessa, surge o direito à imagem sob os dois ângulos precípuos em que se apresentam: a imagem ora o sentido de retrato, ora de boa fama – atributo -, conforme mais se apegue aos elementos visíveis ou coletivos da definição, respectivamente.

Podemos conceituar o direito à imagem como sendo “a projeção dos elementos visíveis que integram a personalidade humana, é a emanação da própria pessoa, é o eflúvio dos caracteres físicos que a individualizam51”. O direito à imagem compreende todas essas formas de exteriorização, incluí-dos o molde, os gestos, a voz. Reina certa controvérsia quanto à caricatura52. A imagem, portanto, é o conjunto de traços e caracteres que distinguem e individualizam uma pessoa no meio social.

No que diz com as hipóteses de violação do direito à imagem – seja retrato ou atributo – estas podem ser, conforme síntese de Notaroberto Barbosa:

1. quanto ao consentimento: quando o indivíduo tem a própria imagem usada sem que tenha dado qualquer consentimento para tal;

2. quanto ao uso: quando, embora tendo sido dado consentimento, o uso feito da imagem ultrapassa os limites da autorização concedida;

3. quanto à ausência de finalidades que justifiquem a exceção: quando, embora se trate de pessoa cé-lebre, ou fotografia de interesse público, a maneira de uso leva à inexistência de finalidade que se exige para a limitação do direito da imagem.53

Independente da forma de violação do direito à imagem pode-se utilizar da legítima defesa, tutela preventiva54 ou tutela reparatória. Iremos nos ater ao exame da última, que surge derradeira-mente quando não é possível mais valer-se das outras formas de tutela da imagem.

No âmbito da responsabilidade civil, não são raros os entendimentos que atribuem ao direito à imagem um duplo conteúdo: moral, porque direito da personalidade; patrimonial, porque assentado

(46) Defendida por Luiz Alberto David Araújo in ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem.Belo Horizonte: Del Rey, 1996. (47) Está regulada genericamente no art. 5º, X, CRFB/88 “ são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, asse-gurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.(48) A imagem-atributo é protegida pelo art. 5º, V, CRFB/88 “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.(49) Exemplo bastante claro a respeito da proteção da imagem enquanto atributo, embora não tenha sido utilizada a devida nomenclatura, vem do polêmico caso em que a apresentadora Xuxa ajuizou medida cautelar, a fim de proibir a comercialização e divulgação das fitas de vídeo do filme “Amor, Estranho Amor”, no qual a mesma protagonizou cenas eróticas com uma criança. O TJ-RJ entendeu que: “após o lançamento da fita (no cinema), ocorrido em 1982, Xuxa se projetou, nacional e internacionalmente, com programas infantis na televisão, criando uma imagem que muito justamente não quer ver atingida, cuja vulgarização atingiria não só ela própria como as crianças que são o seu público, ao qual se apresenta como símbolo da liberdade infantil, de bons hábitos e costumes, e da responsabilidade das pessoas” (TJRJ, 2ª Câmara Cível, Apelação Cível 1991.001.03819, Des. Thiago Ribas Filho, julg. 27.02.1992).(50) Carlos Alberto Bittar propõe a incorporação de elementos psíquicos: “ O direito à imagem surge como aquele que a pessoa possuí sobre a sua forma plástica e mais os componentes que a individualizam no seio da coletividade. Dimensão corporal, cores, atitudes, rosto, ca-racterísticas peculiares do corpo, silhuetas, e outros caracteres individualizam a pessoa. Refletem também a alma e a personalidade mais profunda. Outras características individualizadoras pertencem à categoria das informações biomédicas e permitem identificar ou contribuir para identificação dos indivíduos. (51) REsp 58101/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 16/09/1997, DJ 09/03/1998 p. 114.(52) Explicita Pontes de Miranda: “a caricatura mais tem por fim efeito cômico que efeito identificativo. Porém nem um nem outro feriu o ponto: a caricatura é a imagem do que se reflete, da fisionomia ou do todo humano, na psique do caricaturista; é a imagem de imagem; pode bem acontecer que apanhe mais do que a fotografia e obtenha exprimir mais do que o retrato a óleo ou a lápis. Mas, por isso mesmo que se tira da imagem interior, não pode opor-se à sua feitura o caricaturado. Se ofende à honra, ou a outro direito, é outra questão. Todavia – e esse é o ponto principal – a caricatura de grande valor identificativo não pode ser atribuída a outrem, ofendendo a identidade pessoal; esta-ria violado o direito de personalidade à própria imagem. A afirmativa de que a caricatura só diz respeito o direito à própria imagem quando a identidade pessoal está em causa implica que se não precise do consentimento do caricaturado para se fazer caricatura; portanto sem razão estavam H. Keyssner (Das Recht am eigenen Bilde, 33) e J. Kohler (Das Individualrecht als Namenrecht, Archiv für Bürgerliches Recht, V, 88, Das Eigenbild im Recht, 16) quando equiparam a caricatura à fotografia”( PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1971. Parte Especial, Tomo VII, § 738, “Direito à própria imagem”, p. 62)(53) BARBOSA, Alvaro Antonio do Cabo Notaroberto. Direito à própria imagem: aspectos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 88.(54) O Conselho da Justiça Federal, por intermédio do Enunciado 140 da III Jornada de Direito Civil, interpretou o artigo 12 do Código Civil, conjugando-o justamente com o artigo 461 do Código de Processo Civil, com a seguinte redação: Enunciado 140: Art. 12: A primeira parte do art. 12 do Código Civil refere-se a técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art. 461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada com resultado extensivo.

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no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia e a utilização da imagem sem a autorização do indivíduo, revela-se terreno fértil a essa finalidade.

Veja-se, justamente neste sentido, o entendimento do STJ, anteriormente à promulgação do Código Civil de 2002, no julgamento do Recurso Especial 267.52955, que acaba por ser contraditório em sua própria redação. Revela, em um primeiro momento, que o direito à imagem possui um conteúdo patrimonial, para, em seguida, revelar que “o direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial”.

Este aspecto é fundamental para caracterização da responsabilidade civil, pois adotando este entendimento, a mera violação do direito à imagem, sem que exista o dano ao “conteúdo patrimonial” da imagem, não ensejaria o dever de indenizar56. Inevitável não relacionar a compreensão do caráter extrapatrimonial do direito à imagem, ao fenômeno da constitucionalização do direito privado, a par-tir do qual o direito civil deixou de ser lido à luz de um viés patrimonialista, ganhando força a partir do Código Civil de 2002. Por isso, “a utilização da imagem alheia é possível, em primeiro lugar, quando houver autorização do titular57”, não importando se a imagem será utilizada para fins econômicos, ou não será utilizada de forma ofensiva. Se não há autorização, está configurada a violação do direito à imagem58, momento a partir do qual nasce a pretensão reparatória.

A interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal59 é bastante lúcida ao compreender cor-retamente a tutela reparatória do direito à imagem. O texto constitucional confere tutela ostensiva aos direitos da personalidade, de modo que as hipóteses de reparação não podem enfrentar uma in-terpretação restritiva. Neste sentido:

“É dizer, a Constituição não exige a ocorrência de ofensa à reputação na reparação do dano moral. Na verdade, o Tribunal a quo emprestou ao dano moral caráter restritivo, o que não se coaduna com a forma como a Constituição o trata, no inc. X do art. 5º. O que precisa ser dito é que, de regra, a publicação de fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento ao fotografado, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangi-mento, Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição (art. 5º, X)60.”

(55) Ementa : DIREITO À IMAGEM. CORRETOR DE SEGUROS. NOME E FOTO. UTILIZAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. PROVEITO ECONÔMICO. DIREITOS PA-TRIMONIAL E EXTRAPATRIMONIAL. LOCUPLETAMENTO. DANO. PROVA. DESNECESSIDADE. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ. INDENIZAÇÃO. QUAN-TUM. REDUÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. HONORÁRIOS. CONDENAÇÃO. ART. 21, CPC. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.I - O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia.II - A utilização da imagem de cidadão, com fins econômicos, sem a sua devida autorização, constitui locupletamento indevido, ensejando a indenização.III - O direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de caráter personalíssimo, por proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada IV - Em se tratando de direito à ima-gem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral.V - A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento sem causa, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às pe-culiaridades de cada caso.VI - Diante dos fatos da causa, tem-se por exacerbada a indenização arbitrada na origem.VII - Calculados os honorários sobre a condenação, a redução devida pela sucumbência parcial resta considerada.VIII - No recurso especial não é permitido o reexame de provas, a teor do enunciado n. 7 da súmula/STJ.(REsp 267529/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 03/10/2000, DJ 18/12/2000, p. 208)(56) Veja-se neste sentido: APELAÇÃO CÍVEL/RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MATÉRIA JORNALÍSTICA. GARANTIA DA LIBERDADE DE IMPRENSA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À IMAGEM DO AUTOR. REPORTAGEM INFORMATIVA E NÃO TENDENCIOSA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SUCUMBÊNCIA REDIMENSIONADA. A liberdade de imprensa encontra limitação no direito de cada indivíduo, especialmente na ética que os profissionais do Jornalismo e os órgãos de imprensa devem pautar suas ações e veiculações. A Constituição Federal, em seu art. 5º, garante a liberdade de manifestação do pensamento, ainda que vedado o anonimato, tanto quanto assevera invioláveis a liberdade de consciência e a de crença, garantindo a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Caso concreto em que a imagem do demandante não fora maculada, não havendo falar em dever de indenizar. Em que pese a insatisfação do demandante, a matéria jornalística não revela intenção de ofender, injuriar ou difamar a sua pessoa, restando claro o escopo de informar a sociedade. Não se vis-lumbra caráter sensacionalista na reportagem, mas a prática do exercício regular de direito, inerente ao estado democrático de direito. Ônus sucumbenciais redimensionados. APELO PROVIDO. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO. (Apelação Cível Nº 70036836104, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em 22/06/2011)(57) TEPEDINO, Gustavo. Código civil interpretado : conforme a Constituição da República. 2. ed.rev.atual. Rio de Janeiro : Renovar, 2007. p.52.(58) Neste sentido é o enunciado da Súmula 403 do STJ: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de ima-gem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.” A crítica que se faz à redação do enunciado refere-se à parte final “com fins econômicos ou comerciais”, pois concebe um conteúdo patrimonial do direito à imagem já superado.(59) Ementa: CONSTITUCIONAL. DANO MORAL: FOTOGRAFIA: PUBLICAÇÃO NÃO CONSENTIDA: INDENIZAÇÃO: CUMULAÇÃO COM O DANO MATE-RIAL: POSSIBILIDADE. Constituição Federal, art. 5º, X. I. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, abor-recimento ou constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5º, X. II. - R.E. conhecido e provido. (RE 215984, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 04/06/2002, DJ 28-06-2002 PP-00143 EMENT VOL-02075-05 PP-00870 RTJ VOL-00183-03 PP-01096) (grifo nosso).(60) Ibidem.

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A interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal vale dizer, consagra o direito à imagem como um direito autônomo, ou seja, que não se vincula a qualquer outro direito da personalidade. A crítica, ainda, diz respeito à recondução do dano à imagem à categoria de “dano moral”, quando poderia ser perfeitamente utilizado o dano à imagem como subespécie do dano extrapatrimonial. Pela interpretação do acórdão guerre-ado, o direito à imagem somente seria violado nas hipóteses em que houvesse ofensa à reputação (direito à honra), o que vincula, de forma equivocada, a violação do direito à imagem à violação da honra.

Outra controvérsia que ronda o tema da reparação do dano à imagem, diz com o consentimento ou da forma de autorização para o uso da imagem: deve ser expressa ou tácita? Em um primeiro mo-mento, importa compreender que a autorização para ser fotografado não inclui a publicação da fotografia. Entende-se necessária – e recomendável – a autorização expressa, ressalvadas situações peculiares, em que a pessoa manifesta de forma inequívoca a autorização, através de alguma entrevista, por exemplo.

Ainda que na maioria dos casos em que ocorre a lesão à imagem-atributo ocorra também a lesão à honra do indivíduo, não raras são circunstâncias em que não se verifica lesão à honra. Subsiste, mesmo assim, a tutela reparatória do direito à imagem, razão pela qual merece tratamento autônomo – como direito da personalidade.

Derradeiramente, examinemos a tutela reparatória do direito à intimidade e vida privada, enquanto direitos da personalidade.

3.3 Dano à intimidade e vida privada

A discussão acadêmica acerca do direito à privacidade foi introduzida pelos advogados Warren e Bran-deis61, através de artigo célebre da literatura jurídica The Right to Privacy. Naquela oportunidade os autores interpretaram o direito à privacidade como um direito à “não intrusão”, trazendo como característica marcante a ideia de isolamento e reserva, the right to be let alone. Posteriormente, a própria privacy foi objeto de inú-meras interpretações, sendo que mesmo nos dias de hoje, permanece controvertida sua interpretação.

No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal62 e o Código Civil63 determinam que a vida privada – e intimidade64 – são invioláveis. Mas a multiplicação da capacidade de percepção dos acontecimentos no mundo pelo homem sugere um passo para um processo revolucionário que po-derá resultar no ostracismo da privacidade65, mesmo após os árduos anos de luta para que pudesse ser reconhecido este direito. É que em tempos de evasão da privacidade, principalmente através do uso das novas tecnologias, fica cada vez mais difícil se defender das modalidades de invasão da privacida-de. Os serviços oferecidos de forma gratuita no ambiente virtual, por exemplo, em essência possuem um custo. O usuário paga, inconscientemente, com a própria privacidade.

É claro que esse agir inconsciente do indivíduo, de fornecer seus dados voluntariamente – evasão da privacidade - possui uma racionalidade psicológica. O indivíduo nada mais faz do que acompanhar o influxo social. Através do fenômeno da polarização de grupos66, é possível explicar, por exemplo, o uso das redes sociais. Se um pequeno grupo utilizar redes sociais para comunicar-se e trocar ideias afins entre si, logo outras pessoas que compartilham da mesma ideologia irão se sentir excluídas, e passarão a integrar o pequeno grupo. Esse pequeno grupo então, em curto espaço de tempo, se tornará grande.

Isso foi o que quis dizer Andy Warhol, em 1968, ao afirmar que todos, um dia, serão celebrida-des instantâneas com quinze minutos de fama. Não há mais uma preocupação com a invasão da esfera privada, pois a tendência atual é a evasão da privacidade. A privacidade deixou de ser importante aos indivíduos que expõem episódios de suas vidas em redes sociais, através do preenchimento de cadas-tros, ou mesmo ao responder com frequência a perguntas da espécie “whats happening?67” buscando de maneira desesperadora quebrar recordes de “seguidores”, isto é, do maior número de pessoas que tem acesso às informações disponibilizadas pelo próprio indivíduo.

(61) WARREN, Samuel. BRANDEIS, Louis. The right to privacy, in Harvard Law Review, 1890.(62) Art. 5º, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.(63) Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.(64) Embora a jurisprudência e vários autores não distingam intimidade de privacidade (a distinção é sempre feita com relação à vida privada) entendemos que há uma distinção. A própria terminologia da palavra confere este significado: íntimo é proveniente do latim intimus, que é superlativo de interior. O direito à intimidade, portanto, está relacionado com episódios mais restritos da vida do indivíduo, envolvendo relações familiares, amizades próximas e mesmo a esfera do segredo.(65) BENDA, ERNST. Dignidad humana y derechos de la personalidad, in: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Wener; VOGEL, Hans-Joehen; HESSE, Konrad; HEYDE, Wolfgang (Org.). Manual del derecho constitucional. 2.ed. Madrid: Marcial Pons, 2001, p.131.(66) Sobre polarização de grupos ver: SUNSTEIN, Cass R. A verdade sobre os boatos. Ed. Campus. 2010. p. 45 e ss.(67) A pergunta referida antecede o preenchimento de um tweet (www.twitter.com), ou seja, pequena frase de até 300 caracteres onde o indivíduo apresenta resposta à pergunta, ou alimenta o campo com informações que deseja publicizar aos seus seguidores – pessoas filiadas ao seu perfil no site, que imediatamente terão acesso àquela informação.

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Como se vê, a situação é preocupante e é preciso combatê-la. Do contrário, consagra-se a previsão de Phil Zimmerman, que em 1998, disse: “um dia, todos teremos quinze minutos de priva-cidade”. Justamente por essa dinâmica revolução, um conceito próprio de vida privada permanece em contínua elaboração. Os países da Europa Ocidental, através do Conselho da Europa e de outros mecanismos internacionais, na tentativa de formular normas de proteção à esfera íntima da pessoa, chegaram à conclusão de que:

[...] o direito à vida privada consiste essencialmente em poder se levar sua vida como se entende com o mínimo de ingerências. Ele diz respeito à vida privada, à vida familiar e à vida do lar, à integridade física e moral, à honra e à reputação, ao fato de não ser apresentado sob um falso aspecto, à não divul-gação de fatos inúteis e embaraçosos, à publicação sem autorização de fotografias privadas, à proteção contra espionagem e às indiscrições injustificáveis ou inadmissíveis, à proteção contra a utilização abusiva de comunicações privadas, à proteção contra a divulgação de informações comunicadas ou recebidas confidencialmente por um particular. Não podem se prevalecer do direito à proteção de sua vida privada as pessoas que, por suas próprias atitudes, encorajaram indiscrições das quais elas venham a se queixar posteriormente. O respeito à vida privada de uma pessoa ligada à vida pública levanta um problema particular. A fórmula ‘a vida privada pára onde começa a vida pública’ não basta para resol-ver este problema. As pessoas que representam um papel na vida pública têm direito à proteção da vida privada, salvo nos casos em que esta possa ter incidência sobre a vida pública. O fato de que o indivíduo ocupe um lugar de destaque na atualidade, não o priva do direito ao respeito de sua vida privada68.

Vários foram os autores que esboçaram um conceito de vida privada. De modo geral, existe um consenso em que o direito à privacidade consiste na pretensão de estar separado de grupos, man-tendo o indivíduo livre de ingerências externas e da observação de outras pessoas, pois “no âmago do direito à privacidade está o controle de informações sobre si mesmo69.”

O direito à privacidade abarca, também, a inviolabilidade do domicílio e a vida doméstica, o sigilo da correspondência e das comunicações convencionais ou eletrônicas, e os dados pessoais, por-quanto representa, na maioria das vezes, uma extensão da vida privada (ou mesmo íntima) da pessoa. Procura-se, pois, delimitar a ingerência da sociedade, eis que a ordem jurídica reconhece e resguarda a todos uma área personalíssima e intocável da pessoa, em nítida consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Portanto, qualquer investida sobre essa área delimitada pelo próprio indivíduo, que pretende manter-se livre de ingerências externas, configura violação do direito à privacidade, momento em que surge a possibilidade de aplicação da tutela reparatória. Tem sido objeto de preocupação dos defenso-res da privacidade, atualmente, a questão da proteção de dados pessoais70, que em algumas situações também é digna da tutela reparatória, objeto deste estudo.

Por exemplo, no julgamento do Recurso de Apelação nº 7003990674871, pelo Tribunal de Jus-tiça do Estado do Rio Grande do Sul, foi reconhecido o dever de reparar o dano à privacidade, pela quebra do sigilo telefônico sem autorização judicial. Em síntese, o caso diz com o fato de a parte

(68) SZANIAWSKI, Elimar. op. cit. p.289-290. Conforme o referido autor, o conceito encontra-se disposto na Res. 428 de 23.01.1970, no § “c”, alíneas 2 e 3 da Assembléia Consultiva do Conselho da Europa. (69) MENDES, Gilmar. Curso de direito constitucional. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.379.(70) Sobre o assunto, dentre outros, ver: DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006; RUARO, Regina Linden. Responsabilidade civil do estado por dano moral em caso de má utilização de dados pessoais. Revista Direitos fundamentais & justiça, Porto Alegre, v.1, n.1, p. 231-245, 2007.(71) Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FORNECIMENTO DE DADOS TELEFÔNICOS PELA OPERADORA. EXTRATO DE LIGAÇÕES APRESENTADO EM AÇÃO POR TERCEIROS. AUSENTE ORDEM JUDICIAL. QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO DO USUÁRIO DO SERVIÇO DE TELEFONIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE. DANOS MORAIS IN RE ISPA CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDOS. - ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA E CARACTERIZAÇÃO DA ILICITUDE NO CASO CONCRE-TO - Há responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços bastando que exista, para caracterizá-la, a relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surgindo o dever de indenizar, independentemente de culpa ou dolo. O fornecedor de produtos e serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados por defeitos relativos aos produtos e prestação de serviços que disponibiliza no mercado de consumo. O sigilo telefônico, ao qual estão submetidos os dados dos clientes das empresas de telefonia e assemelhadas, não se restringe às informações cadastrais dos usuários, mas estende-se também aos dados relativos à utilização dos serviços. A empresa de telefonia responde por danos morais quando disponibiliza o extrato de ligações do usuário a terceiro, sem autorização do titular da conta ou interveniência do Poder Judiciário. Precedentes do STJ. Alegação de defeito na prestação de serviço que não foi elidida pela empresa ré, nos termos do art. 333, II do CPC e diante da possibilidade de aplicação da inversão dos ônus da prova prevista no art. 6º, inc. VIII, do CDC. Caracterizado ato ilícito decorrente do abuso de direito, conforme previsto no art. 187, do Código Civil, impõe-se o dever de indenizar os danos causados. Dever de indenizar caracterizado, frente aos danos advindos da falha do serviço disponibi-lizado pela empresa ré no mercado de consumo. - DANOS MORAIS - QUANTUM INDENIZATÓRIO - O valor a ser arbitrado a título de indenização por danos morais deve refletir sobre o patrimônio da ofensora, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica ao resultado lesivo produzido, sem, contudo, conferir enriquecimento ilícito ao ofendido. - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - Deve ser mantido o valor fixado na sentença a título de honorários advocatícios, pois remunera adequadamente o trabalho do profissional, na esteira do entendimento mani-festado por este Colegiado. APELOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70039906748, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 11/05/2011)

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autora imputar a prática de ato ilícito à ré, operadora de telefonia celular, pois esta teria fornecido dados telefônicos protegidos por sigilo a terceiros em outra demanda, mas sem qualquer ordem judi-cial neste sentido, violando-lhe o direito constitucional à intimidade e privacidade.

A sentença de primeiro grau, fundamentadamente reconheceu que “o dano moral decorre do próprio fato da indevida disponibilização dos registros telefônicos, por serem dados acobertados pela proteção constitucional da inviolabilidade”72. A mera violação da privacidade, portanto, resulta no de-ver de reparação. Para fixação do “dano moral” no Recurso de Apelação referido, o relator considerou as seguintes variáveis:

1) a parte autora teve divulgados seus dados telefônicos pela demandada, sem qualquer ordem judicial neste sentido; 2) restou configurada violação ao direito constitucional à intimidade e à privacidade da pessoa; 3) como corolário, a honra subjetiva da autora foi atingida; 4) a conduta ilícita praticada pela demandada gerou danos morais in re ipsa, que prescindem de comprovação, pois decorrem da própria ilicitude do ato; 5) verifico que no caso concreto houve defeito no serviço prestado pela ré, ao não respeitar o sigilo dos dados telefônicos da autora; 6) a situação econômica das partes73.

A crítica possível à decisão prolatada, diz apenas com o item 3, que reconheceu a existência de dano à honra, como corolário da violação da privacidade. Salvo em hipóteses excepcionais – que não guarda identidade com o caso referido -, o dano à privacidade não resulta na violação da honra do indi-víduo, tampouco é possível essa vinculação entre os direitos da personalidade feita à espécie, do tipo: se o direito da personalidade “x” for violado, como corolário também estará violado o direito “y”.

E mesmo se a excepcionalidade do caso autorizasse essa violação de direitos da personalidade em efeito dominó para fins de fixação da indenização correspondente, o gênero dano moral restaria insuficiente a emprestar a clareza necessária à importância do instituto da responsabilidade civil. Con-forme se propôs no início desta pesquisa, portanto, a realocação dos danos a direitos da personalidade no âmbito da responsabilidade civil, exige exatamente este raciocínio do julgador, qual seja: fixar o dano extrapatrimonial – ou dano moral – em valor x+y, de modo que o dano à privacidade compensa-se através de indenização fixada em valor x, enquanto o dano à honra compensa-se através de indeniza-ção fixada em valor y, por exemplo.

Esse raciocínio não só facilita a identificação do bem jurídico violado no caso em concreto, mas também funciona como uma barreia a desenfreada busca por “danos morais” no âmbito do Poder Judiciário. Também serve de facilitador do manejo dos recursos, pois ao pleitear a majoração ou mi-noração do quantum, a parte poderá indicar com precisão cirúrgica o objeto de sua inconformidade.

Conclusão

Ao realizar uma pesquisa, geralmente o pesquisador alimenta mais dúvidas do que extraí certezas, de modo que as conclusões ora elencadas não se revelam estáticas e definitivas. Estão submetidas à crítica e ao constante aperfeiçoamento.

Em um primeiro momento, é possível afirmar que não existem hipóteses de “danos morais”, ou extrapatrimoniais, além das violações dos direitos da personalidade, de modo que uma reclassificação ou subclassificação do gênero (dano moral) através da identificação do direito da personalidade violado no caso concreto se faz necessária e renovadora ao instituto da responsabilidade civil. Fala-se em reclassificação, porque uma tentativa de sistematizar a reparação de danos (extrapatrimoniais) revela-se equivocada. Como se viu, os direitos da personalidade constituem-se fattispecie em construção, tutelados pela cláusula geral da dignidade da pessoa humana – sendo dificultosa a identificação precisa do direito violado, em alguns casos.

Essa reclassificação do “dano moral” consiste em estabelecê-lo como gênero e os direitos da personalidade como espécies, de modo a autorizar e possibilitar a quantificação do valor pecuniário de reparação ou compensação de forma individualizada, a partir da identificação do direito da personalidade violado. Isso é viabilizado a partir da constatação de que os direitos da personalidade são autônomos, não sendo necessária para violação de um direito, a violação de outro. Como regra,

(72) Ibidem. (73) Ibidem.

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não existe violação em efeito dominó dos direitos da personalidade, salvo em hipóteses excepcionais, em que determinada série de fatos originados de um único agente causador tenha a dimensão de violar inúmeros direitos da personalidade. Portanto, a violação de direito da personalidade constitui dano in re ipsa, no qual é dispensável a investigação de culpa, pois deriva da simples violação do direito.

Os direitos da personalidade não são absolutos no sentido de irrestringíveis, possuindo limitações demarcadas pela própria Lei e pela conjugação com outros direitos igualmente tutelados como fundamentais ao indivíduo, como se viu no estudo do direito à honra. No que diz com o direito à imagem, percebeu-se que a leitura patrimonial do conteúdo desse direito é equivocada, não importando que a utilização indevida e não autorizada da imagem se dê com ou sem finalidades comerciais ou lucrativas. Por fim, é possível perceber que a violação dos direitos da personalidade não é hipótese exclusiva de tutela, devendo também ser viabilizada a criação de mecanismos efetivos de realização do exercício de tais direitos, em especial o direito à privacidade associado às novas tecnologias.

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Uma Análise do Destino dos Resíduos Sólidos das Cidades Brasileiras

Ricardo Pulrolnik1

RESUMO

O crescimento populacional que acelerou, especialmente a partir do século XX, ten-do alcançado 7 bilhões de habitantes em 2011, associado ao aumento da longevidade com a melhoria da qualidade de vida e ao modelo econômico capitalista baseado no consumo, onde o ciclo de vida dos produtos através da inovação tem sido mais curto, tem agravado cada vez mais o problema da disposição dos resíduos gerados pelo ser humano. É sempre importante destacar a dimensão do problema dos resíduos sólidos em nossas cidades e a necessidade de promover um gerenciamento adequado que permita eliminar ou, ao menos, reduzir de forma significativa os adversos impactos ambientais (contaminação de água e solo, poluição do ar), sanitários (proliferação de doenças), sociais e mesmo econômicos (tratamentos de saúde, custo de recupe-ração de áreas degradadas etc.) provocados pelo emprego de práticas condenáveis na destinação final do lixo. No Brasil, a responsabilidade pela coleta e destinação dos resíduos públicos e domiciliares é dos municípios. Entretanto, os desafios na im-plementação do gerenciamento e destino adequado dos resíduos sólidos das cidades brasileiras têm sido enormes. Este artigo tem a finalidade de apresentar uma análise do destino dos resíduos sólidos das cidades brasileiras identificando estes desafios e propondo ações a serem implementadas através de políticas públicas que envolvam os governos em nível federal, estadual em parceria com as prefeituras.

ABSTRACT

The population growth has accelerated, especially from the twentieth century, ha-ving achieved 7 billion inhabitants in 2011, associated with increased longevity with improved quality of life and the capitalist economic model based on consumption, where the life cycle of products through innovation have been shorter, has incre-asingly worsened the problem of disposal of the waste generated by humans. It is always important to highlight the scale of the problem of solid waste in our cities and the need to promote appropriate management that eliminates or at least dras-tically reduce the adverse environmental impacts (water and soil contamination, air pollution), health (spread of diseases), social and even economic reasons (health care, cost of reclamation, etc..) caused by the use of reprehensible practices in the disposal of waste. In Brazil, it is municipal responsibility to collect and to dispose household waste. However, the challenges in the implementation of management and appropriate destination of solid waste in Brazilian cities has been enormous. So this article aims to develop an analysis of the destination of solid waste in Brazilian cities, identifying these challenges and proposing actions to be implemented through public policies that involve federal government, state governments, in partnership with municipal governments.

PALAVRAS-CHAVE

resíduos sólidos, aterro sanitário, aterro controlado, lixão ou vazadouro

(1) Gerente de Sistemas e integrante do Comitê de Sustentabilidade na Embratec Tecnologia, MBA em E-Business pela FGV, Especialista em Gestão Ambiental pela Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS, Brasil.

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Introdução

O acúmulo de lixo é um fenômeno exclusivo das sociedades humanas. Em um sistema natural, não há lixo: o que não serve mais para um ser vivo é absorvido por outros, de maneira contínua. No entanto, nosso modo de vida produz, diariamente, uma quantidade e variedade de lixo muito grande, ocasionando a poluição do solo, das águas e do ar com resíduos tóxicos, além de propiciar a prolife-ração de vetores de doenças (HESS, 2002). Este fato tem se constituído num dos maiores desafios da sociedade moderna, ou seja, como equacionar a geração excessiva e a disposição final ambientalmen-te segura do lixo.

A Organização Mundial da Saúde (apud Tonani, 2011, p. 44) define lixo como “qualquer coisa que seu proprietário não quer mais, em um dado lugar e em um certo momento, e que não possui valor comercial”. De acordo com essa definição, pode-se concluir que o resíduo sólido, separado na sua origem, ou seja, nas residências e empresas, e destinado à reciclagem, não pode ser considerado lixo, e sim, matéria prima ou insumo para a indústria ou outros processos de produção, com valor comercial estabelecido pelo mercado de recicláveis.

Demajorovic (apud BROLLO, SILVA, 2001, p.6-7), identifica três fases no desenvolvimento da gestão dos resíduos sólidos nos países desenvolvidos. Na primeira fase, que prevaleceu até o início da década de 70, segundo o pesquisador, priorizou-se apenas a disposição dos resíduos. Os maiores avan-ços deste período foram a eliminação da maioria dos depósitos a “céu aberto” na Europa Ocidental e o encaminhamento do lixo a aterros sanitários e incineradores. A segunda fase, durante as décadas de 70 e 80, caracterizou-se pela priorização da recuperação e reciclagem dos materiais, através do estabelecimento de novas relações entre consumidores finais, distribuidores e produtores, para ga-rantir, ao menos, o reaproveitamento de parte dos resíduos. A partir da década de 80, numa terceira fase, a atenção passa a concentrar-se na redução do volume de resíduos, em todas as etapas da cadeia produtiva. Assim, antes de pensar no destino dos resíduos, pensa-se em como não gerá-lo; antes de pensar na reciclagem, pensa-se na reutilização dos materiais, o que demanda menos energia; e, só então, antes de encaminhar os resíduos (rejeitos) ao aterro sanitário, procura-se recuperar a energia presente nos mesmos, por meio de incineradores, tornando-os inertes e diminuindo seu volume.

Na Europa, a Alemanha foi o primeiro país a instituir, em 1972, modelos de cuidado e rea-proveitamento de seus resíduos. No país, a coleta de resíduos sólidos urbanos (RSU) é tarefa dos seus aproximadamente 16 mil municípios, que criaram sistemas diferenciados para cumprir a lei de geren-ciamento dos resíduos. Há basicamente dois métodos de recolhimento de materiais recicláveis: coleta seletiva feita diretamente nos estabelecimentos comerciais e nas residências e entrega nos pontos de coleta. Em 1991 entrou em vigor a primeira portaria – a Packaging Ordinance – que responsabiliza a indústria pelo descarte das embalagens dos seus produtos. A legislação foi aperfeiçoada em 1998 e 1999, integrando novas tecnologias aos sistemas de reciclagem de embalagens.

Com a organização da União Europeia, ganhou força a prática de coibir a proliferação de li-xões. Várias diretivas orientam os planos de gestão dos estados-membros, que, apesar de realidades diferentes, têm como prioridade a minimização da geração de resíduos, o incentivo à reciclagem e às novas tecnologias, a possibilidade de geração de energia e a compensação dos impactos.

No Brasil, a Constituição Federal, promulgada em 1988, garantiu em seu artigo 225, o direito de todos os brasileiros “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defen-dê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O artigo 23 define que são competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios “proteger o meio ambiente e com-bater a poluição em qualquer de suas formas”.

Entretanto, assim como nos países desenvolvidos, no Brasil o lixo historicamente tem sido destinado a lixões, aterros controlados ou a aterros sanitários. Os lixões caracterizam-se por ser um local de descarga de resíduos de toda espécie, a “céu aberto”, sem qualquer medida de proteção ao meio ambiente ou à saúde pública, assim como sem controle de acesso. Os aterros controlados, por sua vez, são locais de descarga de resíduos sólidos que, embora não costumem dispor de sistema de impermeabilização de solo ou de tratamento de gás, minimizam alguns dos impactos ambientais com

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o emprego de material inerte na cobertura dos resíduos ao final de cada jornada. Além disso, o seu acesso é controlado. Os aterros sanitários, por sua vez, constituem-se como a solução mais adequada para a disposição dos resíduos sólidos em virtude de empregarem técnicas que permitem o controle da poluição e proteção da saúde pública. O solo é impermeabilizado, o lixo é compactado e coberto diariamente além de haver sistemas de tratamento de chorume, drenagem das águas superficiais e de coleta e queima do biogás. Assim como os aterros controlados, os aterros sanitários também tem seu acesso controlado.

Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), os representantes dos 170 países presentes, consolidaram o conceito de desenvolvimento sustentável, como diretriz para a mudança de rumos no desenvolvimento global. Esse conceito se fundamenta na utilização racional dos recursos naturais, de maneira que possam estar disponíveis para as futuras gerações, garantindo também a construção de uma sociedade justa, do ponto de vista econômico, social e ambiental. Os compromissos assumidos pelos governos, nessa ocasião, compõem a Agenda 21, cuja implementação pressupõe a tomada de consciência sobre o papel ambiental, econômico, social e político que cada cidadão desempenha na sua comunidade, exigindo a integração de toda a sociedade no processo de construção do futuro. (NOVAES, 2000).

Dentro destes princípios, a Agenda 21 apresenta um cronograma de ações, a serem implemen-tadas progressivamente, segundo metas estabelecidas, buscando a economia de energia e recursos naturais; preservação e conservação do meio ambiente e da biodiversidade; diminuição dos níveis de emissão de carbono para a atmosfera; gestão dos recursos hídricos; produção sustentável e eliminação progressiva da poluição e exploração predatória do meio ambiente.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) instituída pelo Brasil através da Lei nº 12.305/2010 veio para nortear os princípios básicos da minimização da geração, reutilização, recicla-gem, tratamento e disposição final de resíduos, seguindo esta ordem de prioridade. A PNRS estabe-lece ainda a diferença entre resíduos e rejeitos: os resíduos devem ser reaproveitados e reciclados e apenas os rejeitos devem ter disposição final ambientalmente adequada. Assim, a PNRS vem a ser um dos principais pilares do Governo Brasileiro para atingir as metas estabelecidas na Agenda 21. A lei reúne os princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações a serem adotadas pela União isoladamente ou em parceria com Estados, Distrito Federal, Municípios e Particulares. Além disso, prevê a concessão de incentivos fiscais e financeiros às instituições que promovam a reutilização e a reciclagem de resíduos, além de dar prioridade ao recebimento de recursos federais aos municípios que aderirem ao Programa Nacional de Resíduos Sólidos.

O Programa Nacional de Resíduos Sólidos integra quatro Ministérios e tem como um dos ob-jetivos a erradicação dos lixões. A inclusão desse objetivo em um plano municipal de gerenciamento integrado de resíduos é um dos critérios de elegibilidade dos municípios a serem beneficiados pelas li-nhas de financiamento do Programa. Existem recursos destinados a investimentos na infraestrutura de limpeza urbana, instalação de aterros sanitários, aquisição de equipamentos, organização de coopera-tivas de catadores, implantação de sistemas de coleta seletiva, entre outros. A liberação desses recur-sos está condicionada ainda, a uma contrapartida de recursos do município e do estado, à existência de Empresa Municipal de Limpeza Urbana e à conformidade dos projetos com as normas ambientais.

Ao setor empresarial cabe a estruturação de planos de gerenciamento, integrados aos planos de gestão, com o propósito de não gerar, minimizar e reaproveitar materiais de descarte, além de implantar sistemas de logística reversa. Deve haver estímulo às novas tecnologias na fabricação, na operação, no transporte e no descarte, com indicadores e controle de resultados, objetivando melho-rar a eficiência e aproveitar a oportunidade de gerar novos negócios.

Diante da importância que o destino adequado dos resíduos sólidos tomou para que se atinjam as metas da Agenda 21 e o compromisso do Governo Brasileiro para este fim, este artigo busca analisar o cenário atual das cidades brasileiras na implementação de seus planos de gerenciamento integrado de resíduos sólidos assim como apresentar propostas que possam acelerar a sua execução.

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O cenário brasileiro

No Brasil, há hoje em torno de 190 milhões de habitantes gerando resíduos frequentemente em excesso e com desperdício. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cada brasileiro produz quase 1 quilo de lixo por dia – o que resulta em 183 mil toneladas diárias em todo o país. O crescimento da economia brasileira percebido desde 2002 contribuiu para reduzir significa-tivamente o desemprego no Brasil e trouxe aumento real aos salários, beneficiando principalmente as classes menos favorecidas (classes C e D). Com um melhor poder de compra e com condições de crédito mais facilitadas, estas classes partiram para o consumo desenfreado, adquirindo produtos e serviços que anteriormente não tinham condições de fazê-lo.

Em contrapartida a redução do desemprego, ao aumento da renda, ao incremento do con-sumo, ao aumento da população brasileira e ao aumento de sua longevidade, houve um aumento significativo na geração de resíduos sólidos. Dados do Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil 2011, divulgados pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), contabilizam quase 62 milhões de toneladas de resíduos gerados no Brasil naquele ano. O mais grave é que 42% desses resíduos foram parar em lixões e locais ambientalmente inadequados. Portanto, sob o ponto de vista ambiental, o momento econômico favorável ao Brasil tem gerado impactos negativos ao meio ambiente, principalmente em virtude dos municípios não terem realizado um planejamento adequado para a destinação dos seus resíduos sólidos.

O mapa abaixo mostra a participação das regiões do país no total de RSU coletado.

Figura 1 - Participação das Regiões do País no Total de RSU Coletado

Fonte: ABRELPE, Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2011.

A figura 1 permite concluir, que as regiões sul e sudeste, que possuem tanto uma representatividade econômica maior no PIB brasileiro quanto uma representatividade populacional maior com relação ao restan-te do país, mesmo tendo uma abrangência territorial menor em relação às demais regiões, são as que pos-suem em conjunto a maior participação na coleta de RSU totalizando aproximadamente 63% do RSU coletado.

Concomitante aos dados da figura 1, as tabelas 1 e 2 exibidas a seguir, mostram a evolução da destinação final dos resíduos sólidos conforme as cinco regiões do Brasil.

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Tabela 1 - Quantidade de Municípios por tipo de Destinação Adotada – 2011

Destinação Final2011 – Regiões e Brasil

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul Brasil

Aterro Sanitário 88 446 154 808 698 2194

Aterro Controlado 109 502 148 640 365 1764

Lixão 252 846 164 220 125 1607

BRASIL 449 1794 466 1668 1188 5565

Fonte: ABRELPE, Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2011.

Tabela 2 - Quantidade de Municípios por tipo de Destinação Adotada – 2010

Destinação Final2010 – Regiões e Brasil

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul Brasil

Aterro Sanitário 85 439 150 798 692 2164

Aterro Controlado 107 500 145 639 369 1760

Lixão 257 855 171 231 127 1641

BRASIL 449 1794 466 1668 1188 5565

Fonte: ABRELPE, Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2011.

Através dos dados das tabelas 1 e 2 conclui-se que cada uma das regiões tem dado uma dinâ-mica diferente com relação ao objetivo de destinar o seu RSU aos locais ambientalmente adequados, os aterros sanitários. As regiões Sul e Sudeste, economicamente mais desenvolvidas, são aquelas que têm sido mais bem sucedidas, tendo respectivamente 58,7% e 48,4% de seus municípios destinando seu RSU a aterros sanitários. As regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, economicamente menos favo-recidas, são aquelas que têm tido menos sucesso, tendo respectivamente 33%, 24,9% e 19,6% de seus municípios destinando seu RSU a aterros sanitários.

Os dados das tabelas 1 e 2 mostram também que apesar das determinações legais e dos esfor-ços empreendidos, a destinação inadequada de RSU está presente em todas as regiões. O dado mais alarmante que confirma isto é que mais de 60% dos municípios do país não possuem aterro sanitário para dispor seus resíduos.

Comparativamente aos dados da ABRELPE, a tabela 3 mostra a evolução do destino final dos resíduos sólidos por unidade de destino dos resíduos conforme os dados coletados na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) de 1989 e de 2008.

Tabela 3 - Destino final dos resíduos sólidos, por unidades de destino dos Resíduos - Brasil - 1989/2008

Ano

Destino final dos resíduos sólidos, por unidades de destino dos resíduos (%)

Lixão Aterro controlado Aterro sanitário

1989 88,2 9,6 1,1

2000 72,3 22,3 17,3

2008 50,8 22,5 27,7

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 1989/2008.

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Apesar dos períodos avaliados pela ABRELPE e pelo IBGE serem diferentes assim como os nú-meros extraídos destas análises, o que há de comum no resultado das pesquisas é a percepção de que o avanço no destino adequado do RSU tem sido pequeno e lento.

A seguir, a tabela 4 procura mostrar o quanto cada estado evoluiu na destinação do seu RSU a aterros sanitários em relação a sua própria região e em relação aos demais estados brasileiros.

Tabela 4 – Comparativo Destinação RSU Aterros Sanitários - Região x Estados – 20112

RegiãoRSU DestinadoAterros Sanit.

Nível Regional(t/dia2)Estado

RSU Destinado Aterros Sanit.

Nível Estadual(t/dia2)

Nor

te

35%

Acre 53,4%

Amapá 39,4%

Amazonas 54,8%

Pará 27,3%

Rondônia 7,0%

Roraima 10,8%

Tocantins 32,3%

Nor

dest

e

35,3%

Alagoas 3,4%

Bahia 30,8%

Ceará 44,4%

Maranhão 31,5%

Paraíba 30,7%

Pernambuco 43,1%

Piauí 50,1%

Rio Grande do Norte 27,7%

Sergipe 46,3%

Cen

tro-

Oes

te

29,40%

Distrito Federal 33,9%

Goiás 29,1%

Mato Grosso 25,1%

Mato Grosso do Sul 26,7%

Sude

ste

72,20%

Espírito Santo 63,8%

Minas Gerais 64,1%

Rio de Janeiro 68,0%

São Paulo 76,5%

Sul

70,30%

Paraná 69,8%

Rio Grande do Sul 70,0%

Santa Catarina 71,8%

Fonte: Elaborado a partir do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2011 da ABRELPE.

Pela tabela 4 pode-se avaliar com maior profundidade as diferenças entre cada um dos esta-dos assim como perceber as discrepâncias, algumas vezes enormes, que existem até mesmo entre os estados de uma mesma região. Um exemplo desta discrepância são os estados de Rondônia e Roraima que destinam respectivamente apenas 7% e 10,8% do seu RSU a aterros sanitários enquanto que na

(2) Tonelada por dia

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região a que pertencem, a região Norte, o destino de RSU a aterros sanitários é de 35%. Caso similar a este pode-se perceber no estado de Alagoas, que destina apenas 3,4% do seu RSU a aterros sanitários enquanto que na região Nordeste, região a que pertence, o destino de RSU a aterros sanitários é de 35,3%. Os casos citados, coincidentemente tratam de regiões que juntamente com a região Centro--Oeste estão muito distante de destinar o seu RSU na integralidade a aterros sanitários.

Sob um viés mais otimista, tem-se a liderança de estados como São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul que estão muito adiantados em relação ao destino adequado do seu RSU, tendo 70% ou mais de seu RSU destinado a aterros sanitários. Estes estados, coincidentemente pertencem às regiões que lideram o destino adequado do RSU, as regiões Sudeste e Sul. Pode-se perceber ainda que não há diferenças significativas entre os estados destas regiões (Sudeste e Sul) e o seu indicador regional, diferente do que foi constatado nas regiões Norte e Nordeste.

Para mudar este cenário, o Brasil buscou estabelecer suas metas através da implementação da PNRS. Entre as metas propostas pela PNRS está uma disposição mais adequada dos resíduos sólidos das diversas fontes produtoras assim como: a) a redução do volume de resíduos gerados; b) a ampliação da reciclagem associada a mecanismos de coleta seletiva com inclusão social dos catadores; c) respon-sabilização de toda a cadeia de produção e de consumo pelo destino dos resíduos com a implantação de logística reversa e d) envolvimento dos diferentes entes federativos na elaboração e execução dos planos adequados às realidades regionais, vinculando repasse de recursos à elaboração de planos mu-nicipais, intermunicipais e estaduais de resíduos sólidos. Entretanto, a meta mais desafiadora e mais imediata que também está prevista na PNRS é a erradicação dos lixões até o final de 2014.

Para que a meta da erradicação dos lixões ocorra até o final de 2014, há uma série de ações que necessitam ser definidas, planejadas e executadas pelos municípios. Com base na Lei de Sanea-mento Básico, o gerenciamento de RSU é considerado serviço público, o qual, quando não prestado diretamente pelo Poder Público, pode ter sua execução delegada, em regime de concessão ou permis-são, a entes privados. Há três diferentes modalidades para a prestação do serviço de gerenciamento de RSU: diretamente pelo Poder Público, permissão, e concessão de serviço público, em consonância com os ditames da Lei de Concessões ou da Lei de Parcerias Público-Privadas. Esta é uma das primeiras decisões importantes que o município deve tomar. A decisão de delegar ou de assumir diretamente o gerenciamento de RSU deverá estar argumentada tanto na capacidade de gestão do município quanto na condição financeira de assumi-lo.

É importante enfatizar que a implantação da PNRS não é algo simples. O município deve possuir um sistema ambiental completo que possua secretaria de meio ambiente, saneamento, urba-nização, conselho municipal de meio ambiente e até mesmo fundo de meio ambiente e disponibilize verba para o setor que possibilite gerenciar o tratamento de resíduos de forma integrada ao sistema de saneamento básico e ambiental já existente. Há ainda a necessidade de formação de uma equi-pe que será responsável pela elaboração do Plano de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos (PGIRS) do município. É o PGIRS que definirá as diretrizes e demais ações a serem implementadas, entre elas, a construção do aterro sanitário local, que poderá ocorrer através de consórcios públicos intermunicipais.

Entretanto, a construção do aterro sanitário por si só não se constitui numa solução única e isolada. Um programa de coleta seletiva de lixo deve fazer parte do PGIRS, articulando-se, de manei-ra integrada, com as demais técnicas a serem adotadas para o tratamento e destinação do lixo. As primeiras informações oficiais sobre coleta seletiva dos resíduos sólidos foram levantas pelo IBGE em 1989 através da PNSB, que identificou, naquela oportunidade, a existência de 58 programas de coleta seletiva no país. Todavia, dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) de 2011 do IBGE indicam 1796 municípios com programa, projeto e/ou ação de coleta seletiva de lixo desenvolvi-do pela administração municipal. Destes 1796 municípios:

• em apenas 612 a coleta seletiva abrange todo o município;• em 823 a coleta seletiva abrange toda a área urbana da sede municipal;• em 162 a coleta seletiva abrange alguns bairros da área urbana da sede municipal;• em 125 a coleta seletiva abrange bairros selecionados e• em 74 a coleta seletiva abrange outras áreas quaisquer.

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Portanto, apesar de haver um crescimento significativo no número de municípios que imple-mentaram a coleta seletiva, isto representa apenas 32% dos municípios brasileiros.

Aliado à implementação da coleta seletiva de lixo, deve ser criado um programa de incentivo à reciclagem. A criação de um programa de reciclagem no município visa acima de tudo, reaproveitar os resíduos sólidos destinando-os às indústrias locais que podem utilizá-los na sua matriz produtiva. Além do fato de ser ambientalmente mais adequada esta estratégia, o município terá alguns benefícios socioeconômicos. Em termos de benefício social, pode-se destacar a geração de empregos através da indústria da reciclagem que, por consequência, traz receitas ao município através da arrecadação de impostos. Já do ponto de vista econômico, o município prolongará a vida útil do seu aterro sanitário um vez que será destinado ao aterro sanitário somente o que efetivamente não pôde ser reaproveitado.

Ainda em relação aos fatores econômicos, constata-se que alguns administradores públicos argumentam que os programas de coleta seletiva são muito caros, em parte movidos pela ideia er-rônea de que os mesmos deveriam dar lucros à administração municipal. Aliás, este tem sido um dos principais argumentos do poder público municipal para não investir em aterro sanitário, isto é, por conta dos altos investimentos necessários para sua implantação uma vez que há necessidade de se realizar estudos de impacto ambiental, compra do terreno e instalações de proteção ambiental. Tais investimentos podem ser minimizados: a) pelo estabelecimento de parcerias com o setor privado; b) pela adoção de tecnologias simples e baratas, apropriadas à realidade de cada município; c) pela ex-ploração da geração de biogás e d) pela geração de composto orgânico, ótimo condicionador de solos e fonte de nutrientes para as plantas.

Apesar da evolução do destino dos resíduos sólidos para aterros sanitários ser significativa, re-presentando um aumento de 60% de 2000 para 2008 segundo dados do IBGE, ainda tem-se mais de 50% do volume dos resíduos sólidos não recebendo destinação adequada. Levando-se em consideração que entre 2000 e 2008 houve um crescimento anual médio de 1,3% com relação à destinação de resíduos sólidos a aterros sanitários e que, a partir da última pesquisa restavam 6 anos para o cumprimento da meta da PNRS, chega-se à conclusão que a meta está longe de ser atingida. Para que a meta seja atendida haveria necessidade de um crescimento anual médio de 12%. Já, utilizando-se a pesquisa da ABRELPE realizada em 2011 como referência, constata-se que 42% do volume dos resíduos sólidos não recebem destinação adequada e que haveria necessidade de um crescimento anual médio de 20% até 2014, ou seja, a situação é mais grave ainda. Como se não bastasse toda esta situação de lentidão da ação dos municípios, o Relatório de Auditoria Operacional - Monitoramento no Programa Resíduos Sólidos Urbanos do Tribunal de Contas da União (TCU) estima que o desperdício gerado na aplicação de recursos, pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em convênios para construção de aterros sa-nitários, que foram abandonados ou que retornaram a condição de lixões, no período de janeiro/2000 a abril/2011, se aproxima de R$ 20 milhões, ou 38% do valor transferido. Por outro lado, se considerar todos os valores destinados à área de resíduos sólidos que não lograram resolver efetivamente o pro-blema da disposição final, pode-se chegar a cerca de R$ 92 milhões entre janeiro/2000 e abril/2011, ou 57%. A projeção desse percentual sobre o total dos valores ainda a liberar, para todos os convênios de RSU pactuados no mesmo período, pode atingir cerca de R$ 200 milhões. Portanto, além do fato das ações dos municípios serem lentas, ainda encontra-se o desperdício do dinheiro publico destinado para este fim, o que leva a crer na falta de compromisso e seriedade dos entes políticos neste assunto assim como em tantos outros que a sociedade brasileira já tem conhecimento.

Considerações Finais

Desde que o ser humano surgiu no planeta e o vem utilizando-o como seu habitat, tem gera-do impacto ambiental. Apesar de ser uma afirmação extremamente forte, ela é verdadeira. Durante séculos e séculos o ser humano tem explorado e extraído tudo do planeta sem levar em consideração que alguns recursos são finitos e pouco tem se preocupado com as consequências dessa exploração. Espécies inteiras de flora e fauna já foram dizimadas pelo ser humano, muitas delas por mero prazer ou ganância. O ser humano passou a ter noção de suas atitudes maléficas em relação ao Ambiente e a repensar as suas ações a partir das mudanças climáticas que o planeta vem passando nos últimos séculos e que vem afetando-o com mais intensidade a cada ano.

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Mas não basta ter consciência, há necessidade, na verdade, do ser humano agir. Durante as últimas décadas várias, pesquisas têm sido realizadas com o intuito de encontrar alternativas de exploração sustentável do planeta. Da mesma forma, várias conferências e congressos mundiais têm sido realizados com o objetivo de sensibilizar líderes políticos, líderes empresariais e a população no sentido de estabelecer metas e compromissos quanto ao consumo sustentável e ao respeito que se deve desenvolver no que tange ao meio ambiente.

Entretanto, entre o discurso, a assinatura de protocolos e o efetivo cumprimento das metas compro-missadas, percebe-se uma enorme distância. A burocracia governamental e o interesse econômico têm tido sucesso na batalha contra o meio ambiente. Aliado a isto, os líderes políticos mundiais não estão preparados e suficientemente conscientes da importância desta nova ordem mundial. Estes deveriam ser os primeiros for-madores de opinião e os primeiros a direcionar suas políticas para este foco, ou seja, o foco socioambiental.

No Brasil isto não ocorre de maneira diferente. Embora o Governo Brasileiro tenha criado a PNRS para demonstrar o seu compromisso com a Agenda 21, a sua implementação anda a passos lentos. Uma das principais metas, que é a de extinguir os lixões e substituí-los por aterros sanitários até 2014, apesar de estar em andamento, está longe de ser atingida. Se considerarmos os dados oficiais do go-verno brasileiro, apenas 27,7% das cidades brasileiras implementaram seus aterros sanitários segundo a PNSB 2008 do IBGE. Portanto, para que a meta de extinguir os lixões até 2014 seja atingida, neces-sita-se de um choque na gestão pública. A falta de recursos para implementação destas políticas não deve servir de desculpas para a não implementação das políticas ambientais. Além de recursos já pre-vistos no Orçamento Geral da União, em vários Ministérios e através de emendas parlamentares para a implementação da PNRS, os bancos de fomento como o BNDES possuem linhas de crédito destinadas para esta finalidade para os municípios. Para isto, basta a apresentação do PGIRS e o compromisso efetivo de sua implementação pelos entes políticos.

À população em geral cabem algumas responsabilidades, como: a) o consumo consciente; b) o descarte correto dos seus resíduos; c) o uso adequado dos recursos naturais; d) o respeito ao meio ambiente e e) a cobrança e fiscalização acirrada das ações dos líderes políticos locais, especialmente em seus prefeitos e vereadores, na implementação do PGIRS.

No decorrer deste artigo, buscou-se apresentar o panorama da destinação dos resíduos sólidos nos municípios brasileiros. Além disso, foram apresentadas alternativas e estratégias para elaboração e imple-mentação do PGIRS que vem auxiliar na implantação dos aterros sanitários. Espera-se com isso, manter este assunto na pauta de discussões da sociedade brasileira, pois, somente desta forma poderemos atingir a meta da eliminação dos lixões até 2014 e assim contribuir para a preservação do planeta para as gerações futuras.

Referências

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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Perfil dos Municípios Brasileiros - 2011. Rio de Janeiro: 2011. Disponível em: : www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmu-nic/2011/default.shtm. Acesso em: 01/05/2013.

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MELLO, Gustavo. Notas sobre o Gerenciamento de Resíduos Sólidos Urbanos no Brasil. Rio de Ja-neiro: BNDES Setorial, 2008.

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TONANI, Paula. Responsabilidade Decorrente da Poluição por Resíduos Sólidos. São Paulo: Método, 2011.

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CIRENO, Maria Eugênia Diniz Figueirêdo. Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos no Brasil: Fatores de Capacidade Institucional dos Municípios para Adequação das Exigências Tecnológicas da Política Na-cional de Resíduos Sólidos. Recife, 2012. Disponível em: http://www.padr.ufrpe.br/index.php?op-tion=com_jdownloads&Itemid =13&view=viewdownload&catid=8&cid=69. Acesso em: 15/05/2013.

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• Os artigos deverão ser enviados em CD, acompanhado de duas vias impressas ou via e-mail, em arquivo eletrônico anexo, desde que não ultrapasse a 8 Mb. O autor receberá a confirmação de recebimento.

• Os artigos serão selecionados de acordo com a sua relevância, originalidade e qualidade cientí-fica. Toda submissão deverá estar adequada às normas da revista ATITUDE e aprovada por todos os autores do trabalho.

• Os trabalhos enviados para a publicação serão analisados, primeiramente, por um dos mem-bros da Comissão Editorial, que decidirá pela sua pertinência para as áreas de Ciências Sociais, Ciências Tecnológicas ou afins. Posteriormente, os manuscritos serão enviados a pelo menos dois avaliadores ad-hoc, que farão uma revisão cega. Os pareceres dos avaliadores deverão discorrer sobre os seguintes pontos do manuscrito: atendimento das normas de publicação estipuladas; pertinência na área; relevância dos resultados; adequação científica da redação; atualização da literatura utilizada; clareza dos objetivos, da metodologia e dos resultados; e sustentabilidade da discussão pelos resultados obtidos e na literatura científica. O parecer final poderá ser: acei-to sem modificação; aceito com modificações; ou recusado. O(s) autor(es) serão informados da decisão, assim que ela for tomada.

• Os artigos que tiverem recomendação de alteração serão remetidos ao autor para as devidas providências e será necessário o reenvio de nova cópia impressa em um mês e outra em disquete ou CD ou e-mail para a Comissão Editorial.

• A aceitação final do manuscrito será condicionada à concretização das modificações solicitadas pelo pareceristas ou com a devida justificativa do(s) autor(es) para não fazê-la. O Conselho Edi-torial da Revista Atitude fará revisões de linguagem no texto submetido, quando necessário.

• Toda responsabilidade do conteúdo do artigo é do(s) autor(es).• Cada artigo submetido à Revista Atitude receberá cinco exemplares da revista. publicação final, já que a dimensão das menores letras e símbolos não deve ser inferior a 2 mm

depois da redução. Ilustrações em cores são aceitas, mas o custo de impressão é de responsabi-lidade do autor.

• As citações no interior do texto devem obedecer as seguintes normas: um autor (Linsen, 1988); dois autores (Vergara e Vermonth, 1960); três ou mais autores (Larrousse et al., 1988). Trabalhos com mesmo(s) autor(es) e mesma data devem ser distinguidos por sucessivas letras minúsculas (Exemplo: Scouth 2000a,b), o mesmo ocorrendo com trabalhos de múltiplos autores que tenham em comum o primeiro deles. Não utilizar op. cit. nem apud. Devem ser evitadas citações a in-formações pessoais e de trabalhos em andamento.

• Os artigos deverão ser enviados em CD, acompanhado de duas vias impressas ou via e-mail, em arquivo eletrônico anexo, desde que não ultrapasse a 8 Mb. O autor receberá a confirmação de recebimento.

• Os artigos serão selecionados de acordo com a sua relevância, originalidade e qualidade cientí-fica. Toda submissão deverá estar adequada às normas da revista ATITUDE e aprovada por todos os autores do trabalho.

• Os trabalhos enviados para a publicação serão analisados, primeiramente, por um dos mem-bros da Comissão Editorial, que decidirá pela sua pertinência para as áreas de Ciências Sociais, Ciências Tecnológicas ou afins. Posteriormente, os manuscritos serão enviados a pelo menos dois avaliadores ad-hoc, que farão uma revisão cega. Os pareceres dos avaliadores deverão discorrer sobre os seguintes pontos do manuscrito: atendimento das normas de publicação estipuladas; pertinência na área; relevância dos resultados; adequação científica da redação; atualização da literatura utilizada; clareza dos objetivos, da metodologia e dos resultados; e sustentabilidade da discussão pelos resultados obtidos e na literatura científica. O parecer final poderá ser: acei-to sem modificação; aceito com modificações; ou recusado. O(s) autor(es) serão informados da decisão, assim que ela for tomada.

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VIII · Número 16 · Julho - Dezembro de 2014 177

• Os artigos que tiverem recomendação de alteração serão remetidos ao autor para as devidas providências e será necessário o reenvio de nova cópia impressa em um mês e outra em disquete ou CD ou e-mail para a Comissão Editorial.

• A aceitação final do manuscrito será condicionada à concretização das modificações solicitadas pelo pareceristas ou com a devida justificativa do(s) autor(es) para não fazê-la. O Conselho Edi-torial da Revista Atitude fará revisões de linguagem no texto submetido, quando necessário.

• Toda responsabilidade do conteúdo do artigo é do(s) autor(es).• Cada artigo submetido à Revista Atitude receberá cinco exemplares da revista.

THE ATITUDE JOURNAL is an open access, biannual scientific journal that publishes original scien-tific papers on the Social Sciences, Technological Sciences and their applications. Manuscript sub-mission is spontaneous and free of charge, and the papers selection is based on recommendation by ad-hoc reviewers, using peer-review process.

Submission Procedures and manuscript evaluation

Manuscripts will be selected according to relevance, originality and scientific quality. All submission must meet the journal’s format expectations. Each authors needs to approve of the article’s content. The submitted papers will be analyzed primarily by one of the members of the Editorial Committee to assess whether if it is appropriate for the journal. Then the manuscript will be sent to at least two reviewers. The reviewers will evaluate the manuscript according to the following criteria: conformity to the expected format and style; its fit with the particular area of the Journal; quality and relevance of the findings; scholarly content of the review; scientific adequacy; coverage of current literature; clarity of the study aims, methods and results; adequate correspondence between results obtained and discussion and scientific review. The final decision can be: accepted without modifications; ac-cepted with modifications or refused. The author(s) will be informed of the final decision in a timely manner. The final manuscript acceptance will depend upon the authors’ revision of the paper accor-ding to the modifications suggested by the reviewers or with an adequate author(s) report justifying why the suggested modifications were not performed. The Editorial Committee of Atitude Journal of Dom Bosco Faculties from Porto Alegre, RS, Brazil will make language revisions in the submitted text, when necessary.

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