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E D I T O R I A L

Caros Amigos,

O relatório Panamora da Biodiversidade Global 3, produzido e publicado pelaConvenção sobre Diversidade Biológica (CDB), em maio último, revelaque as variedades de arroz cultivadas na China despencaram de 46.000 (em1950) para pouco mais de 1.000 (em 2006); que mais de 70% da diversida-de genética de 200 a 300 variedades de plantas usadas na alimentação, desdeo desenvolvimento da agricultura, desapareceram em estado natural, sóexistindo em bancos de genes; e que somente nos primeiros seis anos desteséculo, mais de 60 raças de animais de criação foram consideradas extintas.

A partir desse quadro alarmante de empobrecimento do patrimônio gené-tico natural em escala mundial, mais grave ainda é a atuação dos deputadosfederais que patrocinam alterações no Código Florestal Brasileiro para atendera reivindicações da bancada ruralista. Para entendermos a complexidade daquestão que coloca em risco iminente a segurança da biodiversidade e darede aquífera brasileiras – e, por extensão, favorece o agravamento dosfatores que contribuem para o aquecimento global –, publicamos o textode advertência do Professor Aziz Nacib Ab’Saber, geógrafo, professoremérito da UPS, autor de centenas de pesquisas e tratados científicos quecontribuem para o enriquecimento da ecologia, da biologia evolutiva, dafitogeografia, da geologia, da arqueologia e da geografia.

“Pressionar por uma liberação ampla dos processos de desmatamento significa desconhe-cer a progressividade de cenários bióticos a diferentes espaços de tempo futuro, e favorecerde modo simplório e ignorante os desejos patrimoniais de classes sociais que só pensam emseus interesses pessoais (...), nada entendem de previsão de impactos e não têm compro-misso ético com a natureza.”. Confira porque a indignação e os argumentoscientificamente irrefutáveis apresentados no artigo por Aziz Ab’Saber pro-vam que as propostas de flexibilização do Código Florestal levarão aoretrocesso, senão à falência inelutável das florestas e cursos d’água do país.

Haverá uma alternativa ecodesenvolvimentista ao atual modelo econô-mico? Será que a continuidade do crescimento econômico poderá sercompatibilizada à exigência de sustentabilidade? O progresso social sem-pre dependerá do crescimento econômico? Será que essa relação não estásendo dificultada por avaliações baseadas em convenções ultrapassadas,adotadas quando nem se cogitava sobre a existência de um fenômenocomo o aquecimento global? As respostas são dadas no brilhante artigode José Eli da Veiga e nas reflexões de Michael Löwy sobre a crise domodelo capitalista de consumo associada à crise ecológica.

Helio CarneiroEditor

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meio ambiente,de forma transversal e analítica.

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Editada e impressa no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente nãose responsabiliza pelos conceitos e opiniõesemitidos em matérias e artigos assinados.

Colaboraram nesta ediçãoAgência Brasil

Agência Deutsche WelleAlana Gandra

Alfonso GonzálezAziz Ab’Saber

Carlos MachadoIgor Felippe Santos

Jane McGrathJosé Eli da VeigaMarcelo Szpilman

Michael LöwyPanorama da Biodiversidade Global 3

Roberto SmeraldiThe Pacific Institute

UNEMGUNEP/GRID-Arendal

Wanderlei Antonio Pignati

Diretora

Editor

Subeditor

Projeto Gráfico

Revisão

Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

Mariana Simõ[email protected]

A revista Cidadania & Meio Ambienteé uma publicação da Câmara de Cultura

Telefax (21)2487-4128 (21) 8197-6313 . 8549-1269

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Nº 28 – 2010 - ANO VCapa: Montagem sobre imagem Pink Sherbet Photography

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DoDoDoDoDo aquecimentoaquecimentoaquecimentoaquecimentoaquecimento globalglobalglobalglobalglobal aoaoaoaoao ecodesenvolvimentoecodesenvolvimentoecodesenvolvimentoecodesenvolvimentoecodesenvolvimentoEsta síntese dos dois primeiros capítulos do recém-lançado Mundo em Transe analisa a relaçãoentre crescimento econômico e sustentabilidade ambiental, e alinhava as dificuldades quepontilham a transição para a economia de baixo carbono. Por José Eli da Veiga

Água:Água:Água:Água:Água: cronologiacronologiacronologiacronologiacronologia dedededede conflitosconflitosconflitosconflitosconflitos (3ª.(3ª.(3ª.(3ª.(3ª. parteparteparteparteparte 1999–2009)1999–2009)1999–2009)1999–2009)1999–2009)A utilização não equitativa dos recursos hídricos vem tingindo de sangue as águas que banham aHistória da Humanidade, como revela esta última parte do estudo os Conflitos da Água.Por The Pacific Institute

Agrotóxico:Agrotóxico:Agrotóxico:Agrotóxico:Agrotóxico: problemaproblemaproblemaproblemaproblema dedededede saúdesaúdesaúdesaúdesaúde públicapúblicapúblicapúblicapúblicaA lavoura brasileira foi “afogada” em 1 bilhão de litros de praguecidas em 2009. Esse uso exageradoque torna o país o maior consumidor mundial de agrotóxicos já deixou de ser uma questão agrícolapara se transformar em questão de saúde pública. Entrevista com Wanderlei Antonio Pignati

CriseCriseCriseCriseCrise ecológica:ecológica:ecológica:ecológica:ecológica: maismaismaismaismais gravegravegravegravegrave quequequequeque aaaaa econômicaeconômicaeconômicaeconômicaeconômicaCo-autor do Manifesto Ecossocialista Internacional, Michael Löwy reflete sobre a crise do modelocapitalista de consumo associada à crise ecológica, e apresenta uma alternativa ecossocialista parao atual modelo econômico. Entrevista por Alfonso González

A exaustãoA exaustãoA exaustãoA exaustãoA exaustão dadadadada diversidadediversidadediversidadediversidadediversidade genéticagenéticagenéticagenéticagenéticaOs ecossistemas naturais e os sistemas de produção agrícola e pecuária estão em fase deempobrecimento genético. Confira as ações em andamento para conservar a diversidade genéticavegetal, especialmente via bancos de sementes ex-situ. Por Panorama da Biodiversidade Global 3

CidadesCidadesCidadesCidadesCidades sustentáveissustentáveissustentáveissustentáveissustentáveisPara ser sustentável, a cidade tem de reorganizar os espaços, gerir novas economias externas,eliminar as deseconomias de aglomeração, melhorar a qualidade de vida das populações esuperar as desigualdades socioeconômicas para garantir o crescimento . Por Carol Salsa

MasdarMasdarMasdarMasdarMasdar City:City:City:City:City: umaumaumaumauma cidadecidadecidadecidadecidade semsemsemsemsem poluiçãopoluiçãopoluiçãopoluiçãopoluiçãoEm Abu Dabi, capital dos Emirados Árabes – quarto maior produto mundial de petróleo e emissorde dióxido de carbono (CO2) –, a transição para a ecoeconomia ganha status de objetivo nacionalcom a construção de uma cidade ambientalmente descarbonizada. Por Jane McGrath

DegradaçãoDegradaçãoDegradaçãoDegradaçãoDegradação ambientalambientalambientalambientalambiental nanananana sociedadesociedadesociedadesociedadesociedade dododododo riscoriscoriscoriscoriscoEnquanto as sociedades experimentam uma importante melhoria na qualidade de vida, osindicadores ambientais pioram em função de consumismo, degradação e uso insustentável dosrecursos naturais, com flagrantes desigualdades em escala planetária. Por Carlos Machado

PPPPPescado:escado:escado:escado:escado: aaaaa fontefontefontefontefonte ameaçaameaçaameaçaameaçaameaça secarsecarsecarsecarsecarOs oceanos e sua biodiversidade devem ser vistos como prioridade na questão da preservaçãoambiental, já que os estoques pesqueiros naturais estão em acelerado processo de esgotamentodevido à sobrepesca e à pesca predatória. Por Marcelo Szpilman

DoDoDoDoDo CódigoCódigoCódigoCódigoCódigo FlorestalFlorestalFlorestalFlorestalFlorestal aoaoaoaoao dadadadada BiodiversidadeBiodiversidadeBiodiversidadeBiodiversidadeBiodiversidadeAs mudanças defendidas pelos produtores rurais na proposta de flexibilização do Código FlorestalBrasileiro visam proteger a vegetação ou apenas expandir as atividades produtivas em detrimentodo patrimônio florestal e da biodiversidade? Por Aziz Ab’Saber

UmaUmaUmaUmaUma afrontaafrontaafrontaafrontaafronta aoaoaoaoao EstadoEstadoEstadoEstadoEstado dedededede direitodireitodireitodireitodireitoOs parlamentares acabaram por aprovar um texto de reforma do Código Florestal que enfraquecea proteção dos solos vulneráveis e os cursos d’água, ameaça a sobrevivência das reservas legais e,pior ainda, estimula o descumprimento da lei. Por Roberto Smeraldi

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Este artigo apresenta uma breve síntese dos dois primeiros capítulos dorecém-lançado Mundo em Transe (1), obra que remete ao debate sobre anatureza da relação entre crescimento econômico e sustentabilidadeambiental. Descubra as dificuldades que pontilham a rota da transiçãorumo à “economia de baixo carbono”.

ecodesenvolvimento

Do aquecimentoglobal

ao

Supondo que sejam afastadas as ame-aças de imensas catástrofes provocadas por uso de armas atômicas, por

bioterrorismo ou bioerros, o monitoramentoda mudança climática exigirá que a econo-mia global reduza radicalmente a emissãode gases de efeito estufa. Mas uma reflexãominimamente aprofundada sobre as pers-pectivas desse processo, que está sendochamado de “transição ao baixo carbono”,

levanta dúvidas sobre questões que aindanem fazem parte das reflexões da comunida-de dos economistas.

Por exemplo: será que a continuidade docrescimento econômico poderá ser compa-tibilizada à exigência que passou a se deno-minar “sustentabilidade”? Será que o pro-gresso social – ou desenvolvimento – sem-pre dependerá do crescimento econômico?

Será que essa relação não está sendo difi-cultada por avaliações baseadas em con-venções ultrapassadas, adotadas quandonem se cogitava sobre a existência de umfenômeno como o aquecimento global?

TRANSIÇÃO AO BAIXO CARBONO

Transição ao baixo carbono é o nome debatismo tardio de um processo que já temmais de 35 anos. O que há de mais comum

por José Eli da Veiga

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entre as nações que já estão bem engaja-das nessa transição não é a inevitabilidadedos sacrifícios, embora tal ideia continuebem presente. Basta citar a frase escolhidapor Sir David King como subtítulo do livroque escreveu com a jornalista GabrielleWalker: “Como combater o aquecimentoglobal e manter as luzes acesas”. (2) Aocontrário, o que estimula os pioneiros des-se processo é a visão de que o combate aoaquecimento global criará uma “nova erade progresso e prosperidade”. Não por aca-so o subtítulo do mais recente livro de SirNicholas Stern, publicado com títulos dife-rentes dos dois lados do Atlântico.(3)

A melhor maneira de acompanhar o avançodo processo é prestar atenção na “intensi-dade-carbono” de cada economia. Isto é,na quantidade de emissões de dióxido decarbono (provenientes apenas do uso deenergias fósseis) (4) por unidade de produ-to (inevitavelmente o PIB).

Em termos mais precisos: essa “intensida-de-carbono” costuma ser medida pelo peso(em toneladas métricas) de CO2 de origemfóssil emitido para cada mil dólares de PIBde 2000, em paridade de poder de compra. (5)

Por isso, as cifras costumam aparecer emton CO2/mil US$. Mas fica muito mais sim-ples dividir tudo por mil para poder expressá-las em gramas (ou quilos) por dólar.

No período 1980-2006, essa intensidade-car-bono caiu mais de um terço no clubinho dospaíses considerados desenvolvidos. De pou-co mais de 600 gramas por dólar (g/U$) parapouco menos de 400. Nesse intervalo, odeclínio global da intensidade-carbono foi daordem de um quarto. O CO2 emitido pelo usode energias fósseis por dólar de PIB caiu depouco mais de um quilo para 770 gramas(6). Oproblema é que esse óbvio descolamento emrelação ao crescimento das economias nãoquer dizer que tenha havido redução, ou mes-mo estabilização, das emissões. Muito pelocontrário, a descarbonização foi apenas rela-tiva, pois, como se sabe, não resultou emmovimento ao baixo carbono em termos ab-solutos. As emissões globais oriundas douso de energias fósseis são hoje 60% superi-ores às de 1980 e 80% maiores que as de1970. Pior: são 40% superiores às de 1990,ano base do Protocolo de Kyoto.

Esse é um problema gravíssimo, que estálonge de se restringir ao aquecimento glo-bal. O descolamento relativo acompanha-

do do aumento da pressão absoluta podeser constatado em diversos outros tiposde pressão sobre os recursos naturais. Essaé a questão crucial – de desmaterializaçãosem alívio ecossistêmico – que consisteno argumento central do livro.

Se mesmo as economias mais ecoeficientescontinuam a aumentar a pressão sobre osrecursos naturais, só pode ser por causa deum aumento em seu tamanho que mais doque compensa os ganhos obtidos pelo des-colamento relativo. De forma mais direta: porcausa do crescimento dessas economias, oque remete ao debate sobre a natureza darelação que existe entre crescimento econô-mico e sustentabilidade ambiental.

CRESCIMENTO E SUSTENTABILIDADE

Mais de uma centena de nações têm se mos-trado incapazes de obter um crescimento eco-nômico, mesmo de tipo extensivo, que ao me-nos atenda às necessidades básicas de po-pulações que nas próximas décadas conti-nuarão a crescer a taxas bem elevadas. Noextremo oposto, encolhem as populações dasduas ou três dezenas de países que mais ti-veram crescimento intensivo no século pas-

sado, e que hoje exibem PIB per capita demais de 25 mil dólares-PPC, ou IDH superiora 0,930. E no meio existe ainda um “centrão”formado por cinco ou seis dezenas de na-ções em ascensão, nas quais inevitavelmen-te se reproduzem, ou são até exacerbados,os impactos negativos do crescimento in-tensivo. Basta seguir, por exemplo, as emis-sões totais de carbono de China, Índia, Bra-sil, Indonésia, África do Sul e outros gran-des emergentes do segundo mundo.

O grande problema é que estabelecer es-sas distinções esbarra imediatamente naforte convicção coletiva de que não hánada de errado com o crescimento econô-mico, de que ele sempre será benéfico, se-jam quais forem as circunstâncias. E talveznão tenha surgido melhor ilustração do queo trabalho da comissão formada por 18sumidades de 16 países, sob a liderançade Michael Spence, Robert Solow e DannyLeipziger: “The Growth Report – Strategi-es for Sustained Growth and InclusiveDevelopment”, publicado em meados de2008 pelo Banco Mundial e que tem sidocitado como “Relatório Spence”.

Essa comissão propõe que o mundo se mireno exemplo de 13 países que, desde 1950,conseguiram que seus PIB crescessem a umataxa média igual ou superior a 7% um perío-do de ao menos 25 anos: Botsuana, Brasil,China, Hong Kong, Indonésia, Japão, Co-réia, Malásia, Malta, Omã, Cingapura, Taiwane Tailândia. Sem sequer discutir se seria pos-sível para o conjunto aquilo que foi possívelpara uma de suas partes – caindo assim naconhecida falácia da composição –, esse re-latório pretende que o PIB mundial possamais do que quintuplicar (aumentar 5,4 ve-zes) em um quarto de século. Isso não querdizer que sejam liminarmente ignorados pro-blemas como o aquecimento global ou o au-mento relativo dos preços de alimentos eenergéticos. Ao contrário, na quarta partedo documento eles são considerados, juntocom as revoltas contra a globalização, emum amálgama, como “novas tendências glo-bais”, mas que seriam inteiramente exóge-nas. Isto é, que nada teriam a ver com o pró-prio crescimento econômico. Nem mesmo adificuldade de reduzir emissões de gases deefeito estufa chega a ser considerada nessecenário de multiplicação do PIB mundial por5,4 em um quarto de século.

Uma pergunta é aqui inevitável: o que fazcom que essas 18 altas autoridades em ciên-

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A pressão sobreos ecossistemasaumenta coma expansão da

economia: quantomais produção, maisimpacto ambiental.”

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cia econômica imaginem que aumentos doPIB não tenham custos socioambientais? E aprincipal resposta resulta de um raciocíniomuito comum, que também é dos mais falaci-osos: o do já enfatizado descolamento relati-vo (“decoupling”). Como em um dólar de PIBé consistentemente declinante a participaçãorelativa de recursos como petróleo e minéri-os, deduz-se que não existam limites naturaisao crescimento econômico. (7)

Um raciocínio que é duplamente inconsis-tente. Pois, por um lado, ignora que conti-nua a aumentar o fluxo de recursos naturaisque atravessa a economia, mesmo que dimi-nua no PIB seu peso monetário relativo. E,por outro, ignora que o valor é sempre acres-centado pelos humanos, mediante sua for-ça e meios que criam para produzir (trabalhoe capital), o que inclui evidentemente co-nhecimento e inteligência. Raciocina-secomo se fosse possível a criação de valoradicionado sem uma coisa à qual ele se adi-cione, em geral recursos naturais.

O DILEMA

Assim como a prosperidade não é algo quepossa ser reduzido à produção ou ao con-sumo, ela também não pode ser entendidacomo sinônimo de crescimento econômico.Ao mesmo tempo, nada garante que pros-peridade sem crescimento seja algo realmen-te possível. Seria necessário demonstrar quea ausência de crescimento econômico nãodiminuiria a capacidade de uma sociedadeprogredir. Por isso, levar a sério o custoambiental do crescimento tende a gerar uminevitável embaraço, que costuma ser cha-mado de “dilema do crescimento”.

Os economistas mais convencionais negama existência desse dilema, recorrendo jus-tamente à noção de descolamento relativo.Afirmam que reconfigurações dos proces-sos produtivos e mudanças na própriaconcepção de bens e serviços fazem comque eles exijam cada vez menos transfor-mação de insumos materiais e energéticos.Isto é, que se tornem cada vez menos de-pendentes do que pode ser denominado“transumo”, material em tradução literal dotermo em inglês “throughput”.

Todavia, a questão nem é tanto saber oque autorizaria tamanha generalização,para toda a economia, de uma tendênciaaté agora observável apenas para algunsprodutos e processos. O maior problemado raciocínio convencional está em supor

que esse fenômeno relativo chamado dedescolamento também alivie a pressão ab-soluta sobre os recursos naturais. E o quemais interessa em termos de sustentabili-dade ambiental é a comparação do tama-nho da economia com sua base ecossistê-mica. Em outras palavras, saber se com des-materialização e maior eficiência energéti-ca será resolvido o problema elementar daexistência de limites naturais à expansãodo subsistema econômico.

As evidências contrariam a tese conven-cional, mesmo nos casos em que o desco-lamento tem se mostrado até espetacular,como em algumas quedas de intensidade-carbono citadas acima. Mas talvez nãohaja melhor ilustração do que a própria“intensidade-energética” da economiaglobal. (8) Isto é, a quantidade de energiaprimária por unidade de produto.

Em queda contínua há décadas, ela é hoje umterço menor do que era em 1970. Fenômenoque foi três vezes mais rápido nos países daOCDE. Aliás, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha a atual intensidade energética é 40%inferior à de 1980. Como consequência, essa

maior eficiência no uso dos recursos energé-ticos também engendrou as quedas de inten-sidade-carbono já descritas.

Todavia, nada disso deve levar a pensarque a tendência foi favorável em termosabsolutos. Muito pelo contrário. Vale re-petir que as emissões de dióxido de carbo-no resultantes do uso de energias fósseisaumentaram 80% desde 1970. Em 2009 elaseram quase 40% superiores às de 1990, anode referência do Protocolo de Kyoto. E apartir de 2000 voltou a aumentar muito ouso de carvão, o pior do trevo fóssil queforma com o petróleo e o gás.

Essa falta de correspondência entre as evo-luções absolutas e relativas do uso de re-cursos naturais é ainda mais chocante paraos metais. Nos casos do cobre e do níquel,nem é possível constatar o descolamentoque recentemente também deixou de ocor-rer com o ferro e a bauxita. A extração des-ses quatro metais primários tem aumenta-do mais que a produção global de merca-dorias. E pior é o panorama do lado dosminerais não metálicos. A produção de ci-mento mais do que dobrou desde 1990, ul-trapassando em 70% o crescimento eco-nômico global medido pelo PIB.

A maior fraqueza da tese convencional so-bre um descolamento relativo que engen-draria harmonia entre crescimento econô-mico e meio ambiente decorre de sua ex-clusividade para as vantagens das inova-ções advindas de avanços tecnológicosbaseados na ciência. Esquece que a tec-nologia não deve ser isolada dos doisoutros fatores que mais contribuem parao impacto ambiental das atividades hu-manas: o tamanho da população e seu ní-vel de afluência. A inovação que gera odescolamento é incapaz de reduzir a pres-são absoluta sobre os recursos naturaissempre que seus efeitos se chocam com oaumento populacional e de seus níveis deconsumo. É “a questão da escala”, ex-pressão com a qual se costuma caracteri-zar esse choque.

Muitos defensores da tese do descolamen-to acreditam que o crescimento não é ape-nas compatível com os limites ambientais.Pensam inclusive que ele é imprescindívelpara que ocorra essa compatibilização, já queinduz a eficiência tecnológica. Quando a efi-ciência superar a questão da escala haverásustentabilidade ambiental.

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Hoje, as emissõesglobais de energias

fósseis são 60%superiores às de 1980,

80% às de 1970e 40% às de 1990.”

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REFERÊNCIAS:1 – Mundo em Transe – Do Aquecimento Global ao EcoDesenvolvimento, Editora Autores Associados (Armazémdo Ipê), 2010,118 páginas.2 – Gabrielle Walker & Sir David King, O Tema Quente– Como combater o aquecimento global e manter as luzesacesas, Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.3 – Nicholas Stern, A Blueprint for a Safer Planet – Howto manage climate change and create a new era of progressand prosperity, London: The Bodley Head, 2009; NicholasStern, The Global Deal – Climate change and the creationof a new era of progress and prosperity, New York: PublicAffairs, 2009.4 – Excluindo as advindas das chamadas “mudanças deuso das terras”, como os desmatamentos e queimadas, asemissões de metano da agropecuária, de arrozais, de hi-drelétricas etc.5 – US Energy Information Administration - InternationalEnergy Annual 2006 – Table H.1pco2 – World CarbonIntensity – World Carbon Dioxide Emissions from theConsumption and Flaring of Fossil Fuels per ThousandDollars of Gross Domestic Product Using PurchasingPower Parities, 1980-2006 (Metric tons of Carbon Dioxideper Thousand (2000) U.S. Dollars. Table Posted:December 8, 2008.6 – Conforme cálculo feito no recente relatório “Prosperitywithout Growth?” preparado pelo professor Tim Jacksonpara a Comissão de Desenvolvimento Sustentável dogoverno britânico: www.sd-commission.org.uk/pages/redefining_prosperity.html7 – “Knowledge and ingenuity, not oil or minerals, accountfor much of the value that has been added to the globaleconomy in recent years... If this pattern holds in thefuture, the amount of natural resources required to producea dollar of GDP will continue to decline” (p. 98).8 – Os dados estatísticos citados a seguir têm como fonteo capítulo 5 do relatório “Prosperity Without Growth”,publicado em abril de 2009 pela Comissão de Desenvol-vimento Sustentável do governo britânico: www.sd-commission.org.uk/pages/redefining-prosperity.html9 – Esse é um dos tipos do efeito. Para uma ideia maisprofunda e detalhada consultar o relatório elaborado orSteve Sorrell: The Rebound Effect: na assessment of theevidence for economic-wide energy savings from improvedenergy efficiency, A report by the Sussex Energy Group.London:UK-ERG, 2007. Disponível em: http://www.ukerc.ac.uk/Downloads/PDF/07/0710ReboundEffect/0710ReboundEffectReport.pdf

José Eli da Veiga –Professor titular doDepartamento de Eco-nomia da Faculdadede Economia, Admi-nistração e Contabili-dade da Universidadede São Paulo (FEA-USP), onde coordenao Núcleo de EconomiaS o c i o a m b i e n t a l(NESA). Além de arti-

No entanto, em 1990 a intensidade carbo-no da economia global era de 860 gramasde dióxido por dólar de produto e a popu-lação atingira 5,3 bilhões, com uma rendamédia de 4.700 dólares. Isso fazia com quea emissões globais de dióxido de carbonofossem de 21,7 bilhões. Por que teriam sal-tado em 2007 para 30 bilhões, se a intensi-dade caíra para 760 gramas? Porque a po-pulação mundial subira para 6,6 bilhões e arenda per capita para 5.900 dólares.

Por outro lado, o descolamento também nãose traduz em menor pressão absoluta sobre osrecursos naturais por causa de um fenômenoque os pesquisadores chamam de “reboundeffect”, e que pode ser traduzido por efeito“bumerangue”, ou “de ricochete”. Queremdizer com isto que a poupança obtida comaumento de eficiência energética tende a serempregada no consumo de outros bens e ser-viços com custos energéticos que podem atéprovocar um jogo de soma zero, situação des-crita como “tiro pela culatra” (“backfire”).Basta pensar, por exemplo, em uma economiafeita com a aquisição de um carro flex queviabilize a compra de mais uma viagem aérea.(9)

Por mais fascínio que possa exercer sobreos economistas convencionais a tese dodescolamento é contrariada pela simplespossibilidade de surgimento de produtosmais atraentes que não sejam tãoecoeficientes. A dinâmica inovadora queconstitui uma das principais forças motri-zes da economia capitalista – tão bem des-crita por Joseph Schumpeter como um pro-cesso de destruição criativa – não permiteque as empresas garantam sua sobrevivên-cia apenas pela busca de minimização doscustos. É vital para sua adaptação que pro-curem lançar novidades que sejam mais

estimulantes para os consumidores, mes-mo que mais caras e mais devoradoras derecursos naturais.

CONCLUSÃO

O aumento de eficiência não tem superadoa questão da escala. Por isso, não é possí-vel negar a existência do “dilema do cresci-mento”, como tentam fazer os que enfatizamo descolamento. Entre a manutenção da es-tabilidade social e a necessidade de reduziro impacto das atividades humanas sobre osrecursos naturais, não existe saída simplistacomo a que é defendida por quem endeusaessa suposição. O dilema se impõe porquea pressão sobre os ecossistemas aumentacom a expansão da economia: quanto maisprodução, mais impacto ambiental.

Mas se o aumento da eficiência não tem su-perado a questão da escala, isso não querdizer que não haja saída. Quer dizer sim quetambém é preciso levar a sério os outros doisfatores fundamentais que nunca deveriam serseparados da tecnologia: a população e seunível de consumo. E não há como buscaroutras maneiras de combinar esses três fato-res que não coloquem na berlinda a próprialógica interna da macroeconomia.

Por último, mas não menos importante, odescolamento está sujeito a limites físicos,tema que mereceu desde 1966 a genial con-tribuição teórica de Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994). Foi ele quem mostrouque as teorias da ciência econômica sim-plesmente tentam fazer de conta que nãoexiste a termodinâmica, porque seria muitoincômodo aceitar a sua segunda lei, da en-tropia. Mas ignorá-la, acreditando num des-colamento absoluto, significaria acreditarnuma economia do tipo Jardim do Éden. ■

Rene

gade

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gos em periódicos científicos nacionais e estran-geiros, e diversos capítulos de obras cole1tivas,publicou 13 livros, entre entre eles: AEmergênciaSocioambiental (São Paulo: Ed.Senac, 2007), Meio Ambiente & Desenvolvi-mento (São Paulo: Ed. Senac, 2006) e Desen-volvimento Sustentável - O desafio do séculoXXI (Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2005).Página na web: www.zeeli.pro.br.Artigo publicado em Economistas, Revista doConselho Federal de Economia (COFECON),ano 1, n. 1, dez. 2009.

Será necessário monitoraro ecodesenvolvimento com indicadoresmenos toscos que o PIB e IDH, como

proposto no relatório da Comissão Stiglitz.”

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1999 - 2000

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Timor Leste

Iêmen

Namibia,Botsuana,Zâmbia

Etiópia

Ásia Central:Kirguistão, UsbequistãoKazasquitão,

França, Bélgica,Holanda

Hazarajat,Afeganistão

India: Gujarat

Uso militar, Terrorismo

Disputa desenvolvimentista

Alvo militar,Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Terrorismo

Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Sim

Sim

Não

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

Milícia contra a independência do Timor Oriental assassina manifestantes favoráveisà independência e os corpos são lançados à água.

700 soldados são enviados para acabar com os confrontos que ceifaram seis vidas eferiram 60 entre duas aldeias em luta por uma fonte local, perto de Ta’iz. A aldeiade Al-Marzuh arrogava-se o direito exclusivo à fonte por se situar em sua terra; aaldeia vizinha de Quradah afirmava que o direito à água havia sido firmado porveredito de tribunal 50 anos antes. A disputa explodiu em violência. O presidente AliAbdullah Saleh interveio e convocou os xeiques das duas aldeias à capital, e acaboucom a questão ao dividir o manancial ao meio.

Ilha Sedudu/Kasikili, no rio Zambezi/Chobe. Disputa por fronteira e por acesso àágua. Questão apresentado ao Tribunal Internacional de Justiça.

Na Etiópia, um homem é morto a facadas durante briga por água potável.

O Kirguistão corta o suprimento de água para o Cazaquistão até que lhe seja entregue carvão;o Usbequistão corta o suprimento de água para o Casaquistão por não pagamento de dívida.

Em julho, trabalhadores da indústria química Cellatex, no norte da França, despejam5 mil litros de ácido sulfúrico em um tributário do rio Meuse quando lhes são negadosbenefícios sociais. Um analista francês revelou que fora a primeira vez em que “oambiente e a saúde pública se tornaram reféns numa ação de pressão política.”

Conflitos violentos eclodem sobre os recursos de água nas aldeias de Burna Legan e TainaLegan, e em outras partes da região, após estiagem que secou os recursos locais.

São relatadas revoltas de água em regiões de Gujarat como protesto contra o fracassodas autoridades em organizar o abastecimento adequado com caminhões pipa. Apolícia atirou contra manifestantes na aldeia de Falla, perto de Jamnagar, resultan-do na morte de três pessoas e ferimentos em 20 após protestos contra a transposiçãode água da represa de Kankavati para a cidade de Jamnagar.

BBC 1999

Al-Qadhi 2003

ICJ, 1999

Sandrasagra, 2000

Pannier, 2000

Christian ScienceMonitor, 2000

Cooperation Center forAfghanistan, 2000

FTGWR, 2000

DDDDDATAATAATAATAATA PPPPPARTESARTESARTESARTESARTES E E E E ENVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDAS OOOOORIGENSRIGENSRIGENSRIGENSRIGENS DO C C C C CONFLITOONFLITOONFLITOONFLITOONFLITO VVVVVIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIA? FFFFFONTESONTESONTESONTESONTESDDDDDESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃO

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Nesta edição, finalizamos o minucioso repertoriamento realizado pelaequipe multidisciplinar dirigida pelo Dr. Peter H. Gleick, diretor do Waterand Sustainability Program, do the Pacific Institute, sobre a utilizaçãoestratégica e bélica dos recursos hídricos ao longo da História.

ÁGUAÁGUAÁGUAÁGUAÁGUApor The Pacific Institute

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CRONOLCRONOLCRONOLCRONOLCRONOLOGIAOGIAOGIAOGIAOGIA DEDEDEDEDE CONFLITCONFLITCONFLITCONFLITCONFLITOSOSOSOSOS

PARTE 3 PARTE 3 PARTE 3 PARTE 3 PARTE 3 de 1999 até 2009de 1999 até 2009de 1999 até 2009de 1999 até 2009de 1999 até 2009

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Bolívia

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Quênia

Austrália

China

Israel, Palestina

Paquistão

Macedônia

China

Filipinas

Afeganistão

Nepal

Roma,Itália

Disputa desenvolvimentista

Terrorismo

Disputa desenvolvimentista

Ciberterrorismo

Disputa desenvolvimentista

Terrorismo, Alvo militar

Disputa desenvolvimentista,Terrorismo

Terrorismo, Alvo militar

Disputa desenvolvimentista

Terrorismo

Alvo militar

Terrorismo,Instrumento político

Terrorismo

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Não:Ameaça

Manobras para privatizar o sistema de abastecimento de água de Cochabamba,Bolívia, resultam em protestos, revoltas e violência desenfreada.

Aparente simulação de ataque terrorista à represa Nacimiento, no município deMonterey, Califórnia, ficou ora de controle quando duas estações de rádio informaramque se tratava de uma ação real.

Escaramuça entre aldeões e macacos sedentos saldo de oito macacos mortos e dezaldeões feridos. O duelo começou depois que caminhões-pipa levaram água a umaárea atingida pela seca, levando os macacos desesperado a atacar os aldeões.

Em 23 de abril de 2000, em Queensland, Austrália, a polícia prendeu um homem porusar um computador e um transmissor de rádio para assumir o controle do sistema deágua de Maroochy Shire para liberar esgoto em parques, rios e propriedades.

Eclode distúrbio civil sobre o uso e a distribuição de água do lago Baiyangdian – omaior lago natural no norte da China. Muitas pessoas morreram nas revoltas dosaldeões em julho de 2000 em Shandong depois que os funcionários cortaram ofornecimentos de água. Em agosto de 2000, ocorreram seis óbitos quando funcionáriosexplodiram um canal de água na província sulista de Guangdong para evitar que ummunicípio vizinho realizasse a transposição de água.

Os palestinos destroem os aquedutos de abastecimento dos assentamentos de Yitzhar e kibutzKisufim na Margem Ocidental. O campo de refugiados de Agbat Jabar nas cercanias de Jericóficou sem abastecimento após os palestinos pilharem e danificarem as bombas de água. Ospalestinos acusam Israel de destruir uma cisterna para bloquear o abastecimento por carrospipa, além de destruir materiais destinados a um projeto de saneamento.

Cortes no fornecimento de água devido às secas prolongadas provocam desassossegocivil. Os protestos começam em março e abril, e varam o verão. Revoltas, quatrobombas em Karachi (13 de junho), uma morte, 12 feridos, 30 prisões. Conflitos étnicos,pois alguns grupos “acusam o governo de favorecer a populosa província de Punjab[em detrimento da província de Sindh] na distribuição da água.”

Durante 12 dias o fornecimento de água a Kumanovo (população 100 mil) é cortadono conflito étnico entre albaneses e as forças macedônias. Bombas de Glaznja e dolago Lipkovo são danificadas.

Em ato de protesto contra a destruição zonas de pesca pela descontrolada poluição deágua, os pescadores do norte de Jiaxing, província de Zhejiang, represam durante 23dias o canal que descarga 90 milhões de toneladas de detrito industrial por ano. Aságuas contaminadas descarregadas nas cercanias da vizinha Shengze, província deJiangsu, mata os peixes e coloca em risco a saúde da população.

Autoridades filipinas cortam o fonecimento de água a seis remotas aldeias no sul depoisque os residentes reclamam da água fétida que sai das torneiras, levantando a suspeitassobre a contaminação dos mananciais por guerrilheiros muçulmanos. Os guerrilheiros deAbu Sayyaf, suspeita de ligação com o militante saudita Osama Bin Laden, ameaçaraenvenenar as fontes de abastecimento de água na cidade majoritariamente cristã deIsabela, na ilha Basilan, caso o exército não suspendesse a ofensiva contra eles.

Forças dos EUA bombardeiam a usina hidrelétrica na represa de Kajaki, província deHelmand, Afeganistão, cortando a eletricidade para a cidade de Kandahar. Aparen-temente, a represa não foi alvo do ataque.

A Frente de Libertação Khumbuwan (KLF) explode uma usina hidrelétrica de 250quilowatts no distrito de Bhojpur a 26 de janeiro, cortando o abastecimento de energiapara Bhojpur e áreas adjacentes. Estimativa de tempo de reparo: 6 meses, ao custo de10 milhões de rúpias. Em junho de 2002, rebeldes maoístas destruíram mais de seterepresas hidrelétricas de pequeno porte bem como uma instalação de água potável eaquedutos que abasteciam Khalanga, no Nepal ocidental.

A polícia italiana prende quatro marroquinos que planejam contaminar o sistema de abastecimentode água de Roma com uma subs0tância à base de cianeto, numa ação que objetivava edifícios queincluíram a embaixada dos EUA. Foram aventadas ligações com o grupo Al-Quaeda.

Shultz e Draper,2009

Gaura, 2000

BBC, 2000;Okoko, 2000

Gellman, 2002

Pottinger, 2000

Israel Line 2001a;Israel Line 2001b;ENS 2001a

Nadeem, 2001;Soloman, 2001

AFP, 2001;Macedonia InfoAgency, 2001

China Ministry ofWater Resources,2001

World EnvironmentNews, 2001

BBC, 2001; Parry,2001

Kathmandu Post,2002; FTGWR,2002a

BBC, 2002

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Kashmir, India

EUA

Colômbia

Karnataka, TamilNadu, India

EUA

EUA

EUA

Colômbia

Jordânia

Iraque, EUA,outros

Iraque

Sudão, Darfur

México

Disputa desenvolvimentista

Terrorismo

Terrorismo

Disputa desenvolvimentista

Terrorismo

Terrorismo

Terrorismo

Terrorismo,Disputa desenvolvimentista

Terrorismo

Alvo militar

Terrorismo

Uso militar,Alvo militar,Terrorismo

Disputa desenvolvimentista

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Duas pessoas são mortas e 25 outras feridas na aldeia de Garend, Caxemira, quandoa polícia abre fogo contra um grupo de camponeses em disputa pelo compartilhamentode água para irrigação.

Documentos apreendidos durante a prisão de um cidadão libanês que se mudara para os EUAe se tornara imâ de uma mesquita islâmica em Seattle incluíam “instruções para envenenarfontes de água” emitidas por um recrutador da al-Qaida baseado em Londres. O FBI emitiu umboletim a peritos em segurança eletrônica de todo o país advertindo que os terroristas da al-Qaidahaviam mapeado as represas americanas e os mananciais de água em preparação paraataques novos. As agências de inteligência dos EUA receberam indicações de que a al-Qaidahavia coligido informação sobre os sistemas de Supervisory Control And Data Acquisition (SCADA)disponibilizados em muitos sites da SCADA”, segundo informou o boletim SecurityFocus. “Elesbuscaram especificamente informação sobre as redes de abastecimento de água e sobre aadministração das práticas de manejo de resíduos líquidos nos EUA e em outros países.”

Em janeiro, rebeldes colombianos danificam uma comporta da represa que provê a maior parteda água potável de Bogotá. As forças armadas revolucionárias de Colômbia (FARC) detonaramuma bomba colocada numa válvula no interior de um túnel na represa Chingaza.

Violência permanente sobre a distribuição das águas do rio Cauvery, entre Karnatakae Tamil Nadu. Revoltas, destruição de propriedade, mais de 30 pessoas feridas e prisõesse estendem de setembro a outubro.

Frente de Liberação da Terra ameaça o abastecimento de água para a cidade deWinter Park. Anteriormente, o grupo reivindicara a destruição de um chalé de esqui emVail, Colorado, que ameaçava o habitat de linces.

O grupo Al-Qaida ameaça ao sistemas de abastecimento de água dos EUA através demensagem enviada a uma publicação da Arábia Saudita. A Al-Qaida não descarta“…o envenenamento da água potável em cidades americanas e ocidentais.”

Quatro artefatos incendiários são descobertos na estação de bombeamento de umaempresa de envazamento de água de Michigan. A Frente de Liberação da Terra (ELF)reivindica a responsabilidade, e acusa a Ice Mountain Water Company (subsidiária daNestlé Waters) de estar “roubando” água para auferir lucro.

Explosão a bomba no Centro de Tratamento de Água Potável de Cali mata trêstrabalhadores em 8 de maio. Os trabalhadores eram membros de um sindicatoenvolvido em intensas negociações sobre a privatização do sistema de água.

Autoridades jordanianas prendem agentes iraquianos envolvidos num complô para enve-nenar a rede de abastecimento de água das tropas americanas servindo no desertooriental da Jordânia junto à fronteira com o Iraque. O esquema envolvia o envenenamen-to de um depósito de água destinado aos soldados americanos de uma base militar emKhao, uma árida região na fronteira oriental, perto da cidade industrial de Zarqa.

Durante a invasão do Iraque pelos EUA foram relatados danos e destruição nos sistemas deabastecimento de água, sendo as principais represas objetivos militares das forças norte-americanas. Danos diretamente atribuídos à guerra incluem vastos segmentos do sistema dedistribuição de água e o sistema de abastecimento de Bagdá, danificado por um míssil.

Sabotagem/ataque a bomba ao principal aqueduto de Bagdá. A sabotagem do aqueduto,ocorrida por volta das 7 horas da manhã, foi o primeiro ataque ao sistema de abastecimentoda cidade. Ocorreu quando um Volkswagen Passat azul parou em um viaduto, perto damesquita de Nidaa, e um explosivo foi lançado à grossa comporta, relatou Hayder Muham-mad, engenheiro chefe do sistema de tratamento de água da cidade.

A guerra civil no Sudão incluiu violência contra os recursos de água. Em 2003, aldeões de Tinarelatavam que os bombardeios haviam destruído os poços de água. Em Khasan Basao, foialegado envenenamento dos poços de água. Em 2004, poços em Darfur foram intencionalmentecontaminados como parte de uma estratégia de aviltamento das populações deslocadas.

Durante anos, dois fazendeiros mexicanos disputaram os direitos de uma fonte pequenapara irrigar uma pequena plantação de milho, perto da cidade de Pihuamo. Emmarço, estes fazendeiros mataram-se a tiros de revólver.

Japan Times, 2002

McDonnell e Meyer,2002; MSNBC, 2002

Waterweek, 2002

The Hindu 2002a; TheHindu 2002b; Times ofIndia 2002a

Crecente, 2002;Associated Press, 2002

AP, 2003a; Waterman,2003; NewsMax, 2003;US Water News, 2003

AP, 2003b

PSI, 2003

MJS, 2003

UNICEF, 2003; ARC,2003

Tierney e Worth, 2003

Toronto Daily, 2004;Reuters Foundation,2004

Guardian, 2004

DDDDDATAATAATAATAATA PPPPPARTESARTESARTESARTESARTES E E E E ENVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDAS OOOOORIGENSRIGENSRIGENSRIGENSRIGENS DO C C C C CONFLITOONFLITOONFLITOONFLITOONFLITO VVVVVIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIA? FFFFFONTESONTESONTESONTESONTESDDDDDESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃO

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Numa ação militar dirigida a terroristas islâmicos, incluindo a Al-Qaeda e o MovimentoIslâmico do Uzbekistão, casas, escolas e poços de água foram danificados e destruídos.

Doze homens das forças de segurança indianas foram mortos por uma bomba caseiracolocada num duto de água subterrâneo durante a “operação de contra-insurreiçãonuma área de Khanabal, distrito de Anantnag.”

Dezenas de milhares de agricultores organizam uma manifestação pacífica contra aconstrução da represa de Pubugou no rio Dadu, província de Sichuan. O esquadrãoantirevolta foi convocado para por fim ao protesto, com óbito de um militar. Testemunhasdo fato relatam que vários manifestantes também morreram. (Ver China 2006.)

Um relatório de 2004 do Pentágono sobre as forças armadas chinesas aventa a possibilidadeda adoção pela China Nacionlalista (Taipei) de sistemas militares passíveis de uso comoinstrumento de coerção contra a República Popular da China por “representarem ameaçasreais à população urbana chinesa ou a objetivos de alto valor, como a represa das TrêsGargantas”. A China denunciou “a sugestão norte-americana” para que Taiwan concentrasseseus objetivos militares na represa, o que levou os EUA a negar tal insinuação.

Serviços deficientes de abastecimento de água e esgoto no distrito municipal de Phumelelagerou meses de protestos, com feridos e sérios danos à propriedade municipal.

Os EUA param dois projetos de abastecimento de água para punir a AutoridadePalestina por não descobrirem os responsáveis pelo ataque mortal a uma escoltadiplomática norte-americana em outubro de 2003.

Quatro pessoas foram mortas em outubro e mais de 30 feridas em novembro poragricultores em protesto contra a distribuição de água do canal de irrigação IndiraGhandi, no distrito de Sriganganagar, fronteira com o Paquistão. Foi imposto toque derecolher nas cidades de Gharsana, Raola e Anoopgarh.

Pelo menos 250 pessoas morreram e muitas outras ficaram feridas nos confrontos pelapropriedade de poços e terras pastoris. Denominada pelos camponeses de “Guerra do Poço”.Uma estiagem de três anos gerou extensa violência pelo uso dos recursos de água limitados,ornados ainda mais escassos pela falta de eficiente planejamento governamental.

A polícia é enviada ao noroeste do Quênia para controlar uma violenta disputa entre os gruposétnicos Kikuyu e Masai sobre fontes de água e pastagem. Em janeiro, mais de 20 pessoasmorreram nas escaramuças. Em julho, o saldo de mortes excedeu 90 óbitos, sobretudo no centrorural de Turbi. Os pastores Masai acusaram um político local de Kikuyu de desviar um rio parairrigar sua fazenda, privando de água as criações a jusante. A disputa que deslocou mais de2000 aldeões refletem as tensões entre nômades e as comunidades assentadas.

A mídia local deu conta de uma luta entre as tribos Hajja e Amran por um poço localizadoentre as duas localidades iemenitas. Segundo os despachos, confrontos armados entre asduas facções forçaram muitas famílias a deixar suas casas e a migrar. As notícias confirma-ram a prisão de 20 pessoas numa tentativa de sustar a contenda.

Em 2004, as autoridades chinesas executam um homem que participara de protestoscontra a construção da represa de Pubugu, na província de Sichuan. Chen Tao foicondenado por ter morto um policial e executado antes da conclusão dos trâmites legais.

Pelo menos 12 pessoas morreram e mais de 20 ficaram feridas em confrontos por águae pasto na região fronteiriça da Somália.

Pelo menos 40 pessoas morreram no Quênia e na Etiópia em embates sem trégua porágua, gado e pastagem. O confronto ocorreu na região de Oromo, sul da Etiópia, e nodistrito de Marsabit, norte do Quênia.

Rebeldes do grupo Tigres do Tamil cortam o abastecimento de água para as aldeias pró-governamentais no nordeste do Sri Lanka. As forças governamentais responderam comataque ao reservatório, alegando terrorismo pelos Tigres do Tamil. O conflito motivado pelainterrupção de fornecimento de água já tinha ceifado mais de 425 vidas desde agosto.

Mísseis lançados pelo grupo Hezbollah danificam um sistema de tratamento de esgotoem Israel. O governo libanês calculou que os ataques israelenses de revide danificaram

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Paquistão

India, Caxemira

China

China, EUA

África do Sul

Faixa de Gaza

India

Etiópia

Quênia

Iêmen

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Etiópia

Etiópia e Quênia

Sri Lanka

Israel, Líbano

Terrorismo

Terrorismo

Disputa desenvolvimentista

Alvo militar

Disputa desenvolvimentista

Terrorismo, Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Uso militar, Alvo militar,Terrorismo

Alvo militar, Terrorismo

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Reuters, 2004a

TNN, 2004

BBC, 2004b; VOA,2004

China Daily, 2004;Pentagon, 2004

CDE, 2007

AP, 2004

Indo-Asian NewsService, 2004

BBC, 2004a; AP,2005;Wax, 2006

BBC, 2005a; Ryu,2005; Lane, 2005

Al-Ariq,i 2006

BBC, 2006d;Coonan, 2006

BBC, 2006a

Reuters, 2006

BBC, 2006b; BBC,2006c; Gutierrez,2006

Science, 2006;Amnesty Int,2006;

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os sistemas de abastecimento de água - tanques, aquedutos, estações de bombea-mento e instalações ao longo do rio Litani - em todo o sul do Líbano.

Milhares de camponeses furaram o sistema de segurança e atacaram com violência a área darepresa Hirakud para protestar contra o favorecimento de fornecimento de água à indústria.

A represa Kajaki foi palco de luta entre as forças do Taliban e da OTAN, principalmentebritânica e holandesa. O Taliban tenta de tudo para tornar impossível a reconstrução darepresa e a instalação de cabos de alta tensão para transmissão de energia.

Um cidadão de Toronto previamente acusado de tentativa de assassinato e de posseilegal de explosivos foi acusado de oito tentativas de assassinato após injetar emgarrafas de água um líquido desconhecido.

A falta de chuva gerou crescente confronto pastores e fazendeiros ávidos por água. Em agosto,2007 pessoas foram forçadas deixar suas casas devido aos confrontos na província de Zounweogo.

Um protesto pelo custo da água em Nyanya, Abuja, Nigéria, resultou em violência,inclusive com espancamento de vendedores de água.

Para muitos observadores, a “anexação” do Tibet pela China foi motivada, entre outros álibis,pela importância dos recursos hídricos tibetanos. O “Tibet é chamado de ‘manaciais domundo’ — já que o planalto tibetano alberga imensas reservas glaciares, nascentes de 10dos maiores rios da Ásia, inclusive o Amarelo, o Yangtze, o Mekong, o Brahmaputra, oSalween, o Hindus e o Sutlej, entre outros. Segundo algumas estimativas, o planaltotibetano é fonte de água doce capaz de abastecer um quarto da população do mundo.”

Em outubro, o Taliban ameaçou explodir a represa Warsak, a principal fonte de abastecimen-to de água de Peshawar, durante uma ofensiva governamental na região.

A China reivindica uma parte do Tibet histórico hoje sob controle da Índia (parte do estadode Arunachal Pradesh). Para influenciar esta disputa territorial, China tenta bloquear oempréstimo de $2,9 bilhões para a Índia pelo Asian Development Bank. A China argumentaque parte desse empréstimo foi destinado a projetos hídricos na área em litígio.

Sem advertência prévia, a Coreia do Norte libera 40 milhões de metros cúbicos de águada represa Hwanggag, provocando uma colossal onda no rio Imjin. Na Coreia do Sul,pelo menos seis pescadores e campistas morrem afogados. A Coreia do Sul teme que aCoreia do Norte possa usar a água da represa como arma em um conflito violento. ACoreia do Norte alegou urgência na liberação do grande volume de água, desculpou-se e prometeu advertir o país vizinho numa eventual necessidade futura.

Somalis etíopes atacam uma comunidade Borana, na região de Oromia, em função denovo poço sendo perfurado na fronteira disputada. Três pessoas da aldeia Kafa, emOromia, são mortas, sete são feridas e a totalidade da comunidade desalojada de suascasas. A broca de perfuração também é destruída.

Militares do Sri Lanka informam a dinamitação das paredes do reservatórioKalmadukulam pelos guerrilheiros do Tigres do Tamil na tentativa de protelar o avançodas tropas governamentais em Mulliativu, o último bastião Tamil. Apesar da ação dosguerrilheiros, o governo capturou Mullaitivu um mês depois.

Uma família do estado indiano de Madhya Pradesh é morta por uma pequena turba aotirar ilegalmente água de um duto municipal. Muitos correram para pegar água antesdo cano secar. A estiagem e a desigualdade na distribuição de água gerou mais de 50violentos confrontos na região no mês de maio. Mais de uma dúzia de pessoas morrerame outras tantas ficaram feridas desde janeiro ao disputarem um balde de água.

No dia 3 de dezembro ocorre confronto policial com centenas de residentes de Mumbai queprotestam contra os cortes de água. Saldo: um óbito e dezenas de feridos. As autoridadesde Mumbai são forçadas a racionar a água frente a pior monção em décadas.

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Burkina Faso, Gaanae Costa do Marfim

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China, Tibete

Paquistão

China e India

Coréia do Norte,Coréia do Sul

Regiões de EtniaOromia da EtiópiaeSomália

Tropas do Sri Lanka,Guerrilheiros Tigresdo Tamil

Cidadãos Indianos

Residentes deMumbai,Polícia

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Alvo militar, Terrorismo

Terrorismo

Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

Alvo militar, Disputadesenvolvimentista

Terrorismo

Disputa desenvolvimentista,Uso militar

Instrumento político

Disputa desenvolvimentista

Uso militar, Alvo militar

Disputa desenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista

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Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Murphy, 2006

Statesman NewsService, 2007

Friel, 2007

Star, 2007

UNÃOCHR, 2007

Yakubu, 2008

Desconhecido

Perlez e Shah, 2008

Wong, 2009

Korea Herald, 2009

BBC, 2009b

BBC, 2009;BBC,2009a

Singh, 2009

Chandran, 2009

VVVVVIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIA?

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Fonte: Para permanente atualização sobre conflitos e usos estratégicos dos recursos hídricos ao redor do planeta, aconselhamos visitas periódicas ao site do The Pacific Institute e à páginawww.worldwater.org/conflict/list/. Cada evento referenciado no the Pacific Institute for Studies in Development, Environment, and Security database on Water and Conflict é linkado àfonte original, fato que permite a análise em profundidade da referência. O The Pacific Institute também apresenta estudos e soluções para as questões de conservação hídrica atuais.

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problema de saúde públicaEntrevista com Wanderlei Antonio Pignati. Por Igor Felippe Santos

Maior consumidora mundial deagrotóxicos (1), a lavoura brasilei-ra foi “afogada” em 1 bilhão delitros desses produtos químicos em2009. O uso exagerado depraguicidas já deixou de ser umaquestão especificamente agrícolapara se transformar em um pro-blema de saúde pública.

POR QUE A CADA NOVA SAFRA CRESCE A QUANTIDADE DE VENENO DES-PEJADO NAS LAVOURAS?Wanderlei Antonio Pignati – O consumo de agrotóxicos dobrou nosúltimos 10 anos. Passamos a ser o maior consumidor mundial de agro-tóxicos. No estado do Mato Grosso, 105 milhões de litros de agrotó-xicos foram usados na safra agrícola passada, com uma média de 10litros por hectare de soja ou milho e 20 litros por hectare de algodão.Há vários municípios que usaram até 7 milhões de litros em uma safra.Isso traz um impacto muito grande para a saúde e para o ambiente.

A utilização de agrotóxicos tem aumentado porque a semente édominada por seis ou sete indústrias no mundo todo, inclusive emnosso país. Essas sementes são selecionadas para a utilização deagrotóxicos e fertilizantes químicos, que aumentam a produtivida-de e os lucros das empresas do agronegócio. Paralelamente, tam-bém vem crescendo o desmatamento com a plantação de novasáreas, fato que leva ao aumento da demanda por agrotóxicos efertilizantes químicos. O Mato Grosso passou de quatro milhõespara 10 milhões de hectares plantados na última safra.

O desmatamento é a primeira etapa do agronegócio. Em seguida,entra a indústria da madeira, a pecuária, a agricultura, o transporte

AGROTÓXICO:

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e o armazenamento. Por fim, a verdadeira agroindústria, com aprodução de óleos, de farelo e a usina de açúcar, álcool, curtumes,beneficiamento de algodão e os agrocombustíveis. Esse processovem ganhando muito desenvolvimento devido à dependência dopaís à exportação. E tudo isso levou ao aumento do consumo deagrotóxicos no Brasil.

QUANTO MAIS O AGRONEGÓCIO AVANÇA MAIOR É O CONSUMO DE

AGROTÓXICOS?W.A.P – Sim. As sementes das grandes indústrias são dependen-tes de agrotóxicos e fertilizantes químicos. As indústrias não fa-zem sementes que prescindam desses produtos. Não criam se-mentes resistentes a várias pragas sem a necessidade de agrotóxi-cos. E não fazem isso porque são produtores de sementes e agro-tóxicos. Criam sementes dependentes de agrotóxicos. Com os trans-gênicos, a situação piora mais ainda. No caso da soja, a produçãoé resistente a um herbicida, o glifosato, conhecido como Round-up, patenteado pela Monsanto. Aí o uso é duas ou três vezesmaior. Isso também aumenta o consumo de agrotóxicos.

A CTNBIO LIBEROU DIVERSAS VARIEDADES DE

TRANSGÊNICOS SOB O ARGUMENTO DE QUE ASSIM

SE DIMINUIRIA A NECESSIDADE DE AGROTÓXICOS…W.A.P – É só pegar o exemplo da soja trans-gênica, que não é resistente a praga nenhu-ma, para perceber que a alegação não passade mentira, que deve ser desmascarada a ní-vel nacional e internacional. A soja transgêni-ca não é resistente a pragas, mas a um herbi-cida, o glifosato, que é usado antes do plan-tio e novamente nos primeiros três meses.Assim, na soja transgênica, o uso do herbici-da é triplicado. Agora tem-se o milho transgê-nico, também resistente ao glifosato, o quevai aumentar ainda mais o consumo de agro-tóxicos. Em geral, os transgênicos resisten-tes a pragas ainda são minoria.

QUAIS OS EFEITOS DOS AGROTÓXICOS NA SAÚDE HUMANA E NO AMBIENTE?W.A.P – Os impactos negativos ocorrem no trabalhador, que lida eaplica o veneno diretamente; em sua família, que mora dentro dasplantações de soja e na periferia das cidades, já que a pulverizaçãoé realizada quase sobre as casas. No ambiente, o impacto maior sedá via contaminação das águas: resíduos de agrotóxicos chegamaos poços artesianos de água potável, aos córregos, aos rios, àágua da chuva e ao ar. Toda a população absorve os agrotóxicos.

QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS?W.A.P – Problemas de saúde agudos e crônicos. Podem ser cita-dos: intoxicações agudas e crônicas; má-formação fetal em ges-tantes; neoplasia (que causa câncer); distúrbios endócrinos (tiróide,suprarenal, chegando alguns a mimetizar o diabetes); distúrbiosneurológicos; distúrbios respiratórios (vários agrotóxicos são irri-tantes pulmonares).

Os agrotóxicos são levados pela chuva para os córregos e rios, e seussedimentos se depositam no fundo, servindo de alimento para peixes,répteis, anfíbios, causando a extinção de muitas espécies. Enfim, osagrotóxicos causam impactos em toda a biota sobre a terra.

“No estado de MatoGrosso, 105 milhões

de litros de agrotóxicosforam usados na safraagrícola passada, comuma média de 10 litrospor hectare de soja oumilho e 20 litros porhectare de algodão.”

COMO O ESTUDO REALIZADO COMPROVOU ESSAS CONSEQUÊNCIAS?W.A.P – Para fazer tal comprovação é preciso comparar os dadosepidemiológicos de doenças em regiões usuárias de muito agrotó-xico com os de outras que os utilizam com parcimônia. Nas trêsregiões do Mato Grosso onde mais se produz soja, milho e algo-dão, por exemplo, há uma incidência três vezes maior de intoxica-ção aguda por agrotóxicos ao se comparar com outras 12 regiõesque produzem menos e usam menos agrotóxicos.

Ao analisar regionalmente o sistema de notificação de intoxicaçãoaguda da secretaria municipal, estadual e do Ministério da Saúde,percebemos que onde a produção é maior há mais casos de intoxi-cação aguda, como diarreia, vômitos, desmaios, mortes, distúrbi-os cardíacos e pulmonares, além de doenças subcrônicas de tiponeurológico e psiquiátrico, como depressão, que surgem um oudois meses após a exposição. Há agrotóxicos que causam irritaçãoocular e auditiva. Outros provocam lesão neurológica com hemi-plegia e neurite da coluna neurológica cervical.

Além disso, as regiões que mais produzem soja,milho e algodão apresentam incidência duasvezes maior de câncer em crianças e adultos ema-formação em recém-nascidos do que nasque produzem menos e usam menos agrotóxi-cos. Tal ocorrência se dá pelo uso de agrotóxi-cos cancerígenos e teratogênicos.

QUAL O PERIGO PARA OS CONSUMIDORES DOS

ALIMENTOS TRATADOS COM AGROTÓXICOS? QUAIS

AS INICIATIVAS DA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGI-LÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA) A ESSE RESPEITO?W.A.P – Desde que lançou um edital, em 2008,a Anvisa está fazendo a revisão de 16 agrotó-xicos. Quatorze são proibidos na União Euro-peia, nos Estados Unidos e no Canadá porserem cancerígenos, teratogênicos e causaremdistúrbios neurológicos e endócrinos. Mas no

Brasil eles são vendidos livremente, mesmo se conhecendo seusefeitos crônicos.

Desde 2002, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicosem Alimentos da Anvisa faz a análise de 20 alimentos. Nessesestudos, foram achados resíduos tanto de agrotóxicos não proibi-dos, como acima do limite máximo permitido. O cancerígeno eteratogênico inseticida clorado endosulfan, por exemplo, está proi-bido há 20 anos na União Europeia, nos EUA e no Canadá, mas éliberado no Brasil, sendo muito usado na soja e no milho. Esselimite máximo de resíduos é questionável, porque a sensibilidade éindividual. Se para uma pessoa o limite máximo para desenvolveruma doença é de 10 mg por dia, para outra basta 1 mg. Sem contara contaminação da água, do ar, da chuva, porque devemos juntartodos esses fatores.

COMO AVALIA A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PARA AGROTÓXICOS E O TRA-BALHO DA ANVISA?W.A.P – A Anvisa vem fazendo um bom trabalho, com base nalegislação. No entanto, todo dia os grandes burlam a lei. Não só alei nacional sobre agrotóxicos, mas também o Código Florestal, asnormas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego

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NOTA:(1) Dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a DefesaAgrícola.

Wanderlei Antonio Pignati – Médico e professor da UniversidadeFederal do Mato Grosso (UFMT). Entrevista realizada por Igor FelippeSantos, da Página do MST; http://www.mst.org.br/node/9905 (21 demaio de 2010).

(que obriga a dar equipamentos de proteção aos trabalhadores),as normas do Ministério da Agricultura (que impede a pulveriza-ção a menos de 250 metros de nascentes de rios, córregos, lagoas,habitats de animais ou moradias humanas). No Mato Grosso, to-dos os tipos de agrotóxicos são despejados por avião; não serespeitam as normas.

OS FAZENDEIROS DIZEM QUE SE USADOS CORRETAMENTE OS AGROTÓXI-COS NÃO APRESENTAM PERIGO.W.A.P – Se o trabalhador ficar como um astronauta, usando todosos equipamentos de proteção individual necessários, sua saúdepode não ser prejudicada. Mas o que dizer do meio ambiente?Todo agrotóxico é tóxico – tanto da classe I como da classe IV.Para onde vai o resíduo desse agrotóxico? Vai com a chuva para osrios e córregos, e ao evaporar volta para a terra com a chuva. Parao meio ambiente não existe uso seguro e correto dos agrotóxicos.Temos que discutir que o uso intencional dos agrotóxicos. Aschamadas pragas da lavoura – que eu não chamo de pragas – sejaum inseto, uma erva daninha ou um fungo, crescem no meio daplantação. Aí o fazendeiro polui o ambiente intencionalmente paratentar atingir essas pragas. Não há como ele retirar seletivamenteas pragas, colocá-las em uma redoma e aplicar o agrotóxico. Ouseja, ele polui de maneira intencional o ambiente da plantação, oambiente geral, o trabalhador e a produção. Uma parte dessesagrotóxicos fica nos alimentos.

O AGRONEGÓCIO ARGUMENTA QUE O USO DE GRANDES QUANTIDADES

DE AGROTÓXICOS É NECESSÁRIO EM VIRTUDE DE O BRASIL SER UM PAÍS

TROPICAL COM GRANDE DIVERSIDADE CLIMÁTICA. ISSO É VERDADE?W.A.P – Não é por conta da questão climática que o país precisa demais ou menos. Nas monografias dos agrotóxicos, a temperatura idealpara difundi-los gira em torno de 20º e 25ºC. Onde se tem essa tempe-ratura em Mato Grosso? Lá dá mais de 30 graus. Devido à alta tempe-

ratura as substâncias químicas evaporam, o que leva a uma maiorutilização de agrotóxico. Em vez de dois litros, colocam-se 2,5 litrospor hectare. Portanto, o argumento é falso. Na verdade, tem-se deaplicar agrotóxico porque a semente dependente dele. Existem formasde fazer uma produção em grande escala sem semente dependente deagrotóxicos e de fertilizantes químicos. Há vários exemplos no mundoe aqui mesmo. Mas 99% de toda a nossa produção agrícola dependedas sementes industriais dependentes de agrotóxicos.

DENTRO DESSE QUADRO, QUAL É A TENDÊNCIA DO USO DOS AGROTÓXICOS?W.A.P – O aumento da utilização de agrotóxicos. Por isso, é preci-so uma política mais contundente do governo, dos movimentosde agroecologia e dos consumidores, que cada vez mais ingeremagrotóxico. É preciso discutir o modelo de produção agrícola atu-al. Com o milho transgênico, vai-se utilizar mais glifosato. Ocorrehoje um aumento cíclico no uso de agrotóxicos. Exemplo: há ervasdaninhas resistentes ao glifosato. Num primeiro momento, aumen-ta-se a dose deste agrotóxico para erradicar a praga: em vez decinco litros por hectare, usam-se sete. E num segundo momentousa-se um herbicida ainda mais forte ou mais tóxico para combatera erva daninha que ficou resistente ao primeiro agrotóxico empre-gado. Isso não tem fim. Já existem grandes áreas de ervas dani-nhas resistentes a agrotóxicos nos Estados Unidos, na Argentina.E isso já está ocorrendo no Rio Grande do Sul, no Paraná e noMato Grosso. Este modelo é insustentável. ■

❚ Líder mundial no processo dedescarte correto de embalagensde agrotóxicos, o Brasil tornou-se centro de excelência e de re-ferência. A coleta e a destina-ção adequada desse tipo deembalagem foram iniciadas nadécada de 90, por iniciativa vo-luntária da indústria produto-ra. A entrada em vigor, em2002, da lei n. 9.974/2000,que definiu o sistema de desti-nação final de embalagens va-zias de agrotóxicos, possibilitoua reciclagem desse material, ob-jetivo reforçado com a criaçãodo Instituto Nacional de Proces-

RECICLAGEM DE EMBALAGEM DE AGROTÓXICO: MENOS DANOS AO MEIO AMBIENTE

Fonte: Alana Gandra, da Agência Brasil.

despacham as embalagens para o destino final. Todos os 26estados agrícolas brasileiros estão cobertos por essa malha.

❚ Em 2002, quando o inPev começou a operar, foram retiradasdo meio ambiente 3,8 mil toneladas de embalagens vazias e,em 2009, 27,8 mil toneladas. Ao todo, 108 mil toneladas108 mil toneladas108 mil toneladas108 mil toneladas108 mil toneladasde 2002 a 2008. 2002 a 2008. 2002 a 2008. 2002 a 2008. 2002 a 2008. Até o fim de abril de 2010 foram destina-das à reciclagem 10 mil toneladas. Até maio, esse númerodeve ser elevado em 20%, em comparação com o mesmo perí-odo de 2009, atingindo 13,8 mil toneladas. A projeção para2010 é alcançar 31 mil toneladas.

❚ O país retira 95% das embalagens colocadas no mercado,enquanto a França retira 50%, a Alemanha 65%, o Canadá75% e os Estados Unidos 20%.

❚ O volume total da reciclagem já evitou a emissão de mais de160 mil toneladas de dióxido de carbono. O benefício serámaior quando os produtores e importadores de agrotóxicos seajustarem às normas de saúde vigentes, deixando de usarmatéria-prima vencida, de adulterar fórmulas registradas, etambém quando a legislação proibir a importação de produ-tos banidos em outros países.

samento de Embalagens Vazias (inPev – www.inpev.org.br).

❚ A partir de 1990, o número de unidades de recebimento deembalagens vazias subiu de 15 para 416. Dessas, 115 sãounidades centrais, que recebem, inspecionam, compactam e

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CRISE ECOLÓGICA:

Coautor do Manifesto Ecossocialista Internacional,Michael Löwy reflete sobre a crise do modelo capi-talista de consumo associada à crise ecológica eapresenta uma alternativa ecossocialista para o atualmodelo econômico.

LA VOZ DE GALICIA – COMO SE POSICIONA EM RELAÇÃO À CRISE DO

MODELO CAPITALISTA?Michael Löwy – Trato de colocar que as crises econômica e ecoló-gica estão estreitamente vinculadas e são aspectos de uma mesmacrise fundamental da civilização ocidental capitalista e industrialmoderna, que chegou a um ponto dramático. Para mim, a criseecológica é mais grave, mesmo que menos aparente que a finan-ceira, porque coloca em perigo a vida no planeta. E se faz necessá-rias mudanças muito radicais.

LVG – O QUE O ECOSSOCIALISMO PROPÕE?M.L. – A necessidade de uma profunda mudança revolucionárianão apenas das relações de propriedade, mas do próprio aparelhoprodutivo, do paradigma de produção e de tudo o que representaa civilização do capitalismo industrial moderno. A alternativa éuma sociedade ecossocialista, na qual é a população que decideas prioridades da produção e do consumo em função de suasnecessidades sociais e do respeito aos equilíbrios ecológicos, nãoem função do benefício do capital.

LVG – PODE-SE CHEGAR A ESSE MODELO NOS PAÍSES OCIDENTAIS COM

OS ATUAIS PARTIDOS SOCIALISTAS OU DE ESQUERDA?M.L. – Mais que pelos partidos é preciso começar pelas pessoas,pela população, pelos trabalhadores. E não só nos países ricos. NaAmérica Latina, as lutas ecossociais estão mais avançadas e ecoamfortemente nas comunidades indígenas que defendem as florestasdo capital multinacional. Na Europa é preciso começar por lutaslocais concretas. Por exemplo, a luta por transportes coletivos gra-tuitos em vez do carro particular, que já está se levando a cabo emvárias cidades. Ainda não é o ecossocialismo, mas é um primeiroponto. Há uma dialética entre lutas concretas locais como essas euma visão de conjunto mais ampla de transformação da sociedade.

LVG – AS MEDIDAS EM ADOÇÃO PELOS GOVERNOS TÊM ALGUMA

SERVENTIA?M.L. – Não creio que as políticas aplicadas pelos governos vãoresolver a crise porque são medidas restritas aos marcos da pró-

pria lógica do capitalismo neoliberal. Necessitamos de medidasmais radicais, que enfrentem os interesses privados do capital epromovam uma reorganização da economia. Mas isso os gover-nos não farão e os mercados também não.

LVG – ENTÃO SERIA NECESSÁRIA OUTRA REVOLUÇÃO?M.L. – O que se deve realizar é uma transformação social radicalque alguns chamam de revolução. No entanto, isso não significaque enquanto não houver uma revolução não possamos fazer nada.É preciso apresentar medidas concretas em função dos interessesdos trabalhadores, isto é, que sejam sociais e ecológicas. Sabe-mos que os governos não vão tomá-las, mas se houver pressãosocial suficiente, eles se verão obrigados a fazer alguma coisa.

LVG – MARX RESSUSCITOU?M.L. – A ideia de que Marx morreu é velha e cada vez que o matamele ressuscita. Hoje, os economistas oficiais creem que elr é inte-ressante para entender a crise. Mas, para além de utilizá-lo paraentender a crise, Marx faz uma análise e um diagnóstico de comofunciona o capitalismo e a perspectiva de uma alternativa radical.

LVG – SE A MUDANÇA NÃO ACONTECER, QUE FUTURO NOS ESPERA?M.L. – Os analistas sociais já têm dificuldade para entender o passa-do e o presente, e mais ainda o futuro. O que podemos fazer sãopredições condicionais. Como diziam os profetas do Antigo Testa-mento, se não mudarmos sobrevém uma catástrofe. Podemos pre-ver que se seguirmos com este sistema, com os negócios de sempre,vamos ter uma crise – econômica e ecológica – ainda mais grave.Temos que tomar consciência da necessidade de uma mudança derumo, confiando na racionalidade dos seres humanos, sobretudodos oprimidos e explorados, para que a realidade mude. ■

Michael Löwy – Sociólogo e filósofo marxista franco-brasileiro, profes-sor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, de Paris, e coautordo Manifesto Ecossocialista Internacional. A entrevista resume a reflexãoapresentada pelo autor na Semana Galega de Filosofia (6/4/2010) e foipublicada no jornal espanhol La Voz de Galícia (07/04/2010). Traduçãodo Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores (Cepat).

Entrevista com Michael Löwy. Por Alfonso González

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diversidade genética

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O declínio das populações de algumasespécies – combinado com a fragmen-

tação das paisagens, dos corpos de águasinteriores e habitats marinhos – tem con-duzido, necessariamente, a uma significa-tiva redução geral da diversidade genéticada vida na Terra.

Embora essa queda seja preocupante porvárias razões, há uma inquietação especialquanto à perda de diversidade nas raças evariedades de plantas e animais utiliza-dos para a subsistência humana. A homo-geneização geral de paisagens e de varie-dades agrícolas pode tornar as populaçõesrurais mais vulneráveis às mudanças futu-ras, caso se realize a possibilidade de de-saparecimento de traços genéticos manti-dos ao longo de milhares de anos.

Um exemplo da redução da diversidade deculturas pode ser encontrado na China, ondeo número de variedades de arroz local culti-vado caiu de 46.000, em 1950, para poucomais de 1.000, em 2006. Em cerca de 60 a 70

A diversidadegenética está se

perdendo nosecossistemas

naturais e nossistemas de

produçãoagrícola e

pecuária. Umimportante

esforço estásendo feito paraconservar a diversidade genética vegetal, especialmente via bancos de

sementes ex situ. Confira esta grave ameaça à biodiversidade.

por cento das áreas nas quais os parentessilvestres de arroz usados para germinar, ounão são mais encontrados ou a área dedica-da ao seu cultivo foi extremamente reduzida.

Um progresso significativo tem sido alcan-çado na conservação de culturas ex situ, queconsiste na coleta de sementes de diferen-tes variedades genéticas para catalogação earmazenamento para possível uso futuro.Para cerca de 200 a 300 culturas, estima-seque mais de 70% da diversidade genética jáesteja conservada em bancos de genes, al-cançando o objetivo definido no âmbito daEstratégia Global para a Conservação de Plan-tas. A Organização das Nações Unidas paraAgricultura e Alimentação (FAO) tambémreconheceu o papel fundamental desempe-nhado pelos agricultores e criadores de ani-mais, bem como dos curadores de coletas exsitu, na conservação e no uso sustentáveldos recursos genéticos.

Contudo, ainda é necessário um esforçomaior para conservar a diversidade genéti-

ca nas propriedades rurais, de modo a permi-tir a adaptação contínua das variedades àsmudanças climáticas e a outras pressões.Também são necessárias medidas adicionaispara proteger a diversidade genética de ou-tras espécies de importância econômica esocial, incluindo as plantas medicinais, osprodutos florestais não madeireiros, as es-pécies locais (variedades adaptadas ao lon-go do tempo a condições especiais) e osparentes silvestres das culturas.

EMPOBRECIMENTO GENÉTICO

DA PECUÁRIA

Sistemas padronizados de alta produção dapecuária levaram a uma erosão da diversidadegenética de pelo menos um quinto das raças. Adisponibilidade de recursos genéticos maiscapazes de dar suporte à subsistência de ani-mais no futuro pode estar comprometida.

Vinte e um por cento das 7 mil raças de animaisda pecuária 1 mundial (entre 35 espécies do-mesticadas de aves e mamíferos) estão classi-ficadas como em situação de risco, sendo o

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Bancos de sementes representam um importante papel na conservação da biodiver-sidade de espécies vegetais e nas variedades de cultivos para as futuras gerações.Entre os programas mais ambiciosos para conservação ex situ estão a Parceria parao Banco de Sementes do Milênio (Millenium Seed Bank Partnership), iniciada pelosJardins Botânicos Reais de Kew, Grã-Bretanha, e seus parceiros internacionais.Atualmente, este banco possui quase 2 bilhões de sementes de 30 mil espécies deplantas silvestres, principalmente de terras áridas, enquanto o Silo Global de Se-mentes de Svalbard, na Noruega, perto do Círculo Ártico, tem por objetivo fornecera rede básica natural contra a perda acidental da diversidade agrícola em bancosde genes tradicionais. O silo tem capacidade para conservar 4,5 milhões de amos-tras de semrisco de extinção de raças de animais de criaç~aoentes.

Panorama da Biodiversidade Global 3 – Tex-to produzido pela Convenção sobre Diversida-de Biológica (CDB), maio de 2010. A versãoem português está disponível em http://gbo3.cbd.int. e www.mma.gov.br/portalbio.©Secretariado da CDB

percentual real provavelmente muito mais ele-vado, já que mais de 36% se encontram emcondição de risco desconhecida. Somentedurante os primeiros seis anos deste século,mais de 60 raças foram consideradas extintas.

A redução na diversidade de raças tem sido,até o momento, maior nos países desen-volvidos, na medida em que as variedadesamplamente utilizadas e produzidas, comoo gado Holstein-Friesian, começam a do-minar. Em muitos países em desenvolvi-mento, as mudanças nas demandas domercado, a urbanização e outros fatoresvêm ocasionando o acelerado desenvolvi-mento de sistemas mais intensivos de pro-dução de animais. Isto, por conseguinte,levou ao aumento da utilização de raçasnão locais, principalmente as oriundas depaíses desenvolvidos, muitas vezes à cus-ta dos recursos genéticos locais.

As políticas públicas e os programas dedesenvolvimento podem piorar a situaçãose forem mal-planejados. Subsídios dire-tos e indiretos tendem a favorecer a produ-ção em larga escala – em detrimento da cri-ação de animais em pequena escala –, bemcomo a promoção de raças “superiores”, oque irá reduzir ainda mais a diversidade ge-nética. A manutenção da pecuária tradicio-nal também está ameaçada pela degrada-ção das pastagens e pela perda do conhe-cimento tradicional por causa das pressõesantrópicas, como migrações, conflitos ar-mados e os efeitos do HIV/Aids.

A perda de diversidade genética em siste-mas agrícolas é particularmente preocupan-te, tendo em vista que as comunidades ru-rais enfrentam desafios cada vez maiorespara se adaptar às condições climáticas fu-turas. Os recursos genéticos são extrema-mente importantes para o desenvolvimentode sistemas agrícolas que capturem maiscarbono e emitam menor quantidade de ga-ses de efeito estufa, e para servir de basepara a cria0ção de novas variedades. Umaraça ou variedade de pouca importância hojepode revelar-se muito valiosa no futuro. Sefor permitido que seja extinta, as opções paraa futura sobrevivência e adaptação estarãosendo fechadas para sempre. ■

Um grande número de raças das cinco principais espécies de animais de criação estáem risco de extinção. De modo geral, das 35 espécies domesticadas desses animais,mais de um quinto figura na classe de risco de extinção. Fonte: FAO

RISCO DE EXTINÇÃO DE RAÇAS DE ANIMAIS DE CRIAÇÃO

PERDA DE BIODIVERSIDADE

O gado Holstein-Friesian éum exemplo de animal de cri-ação que se tornou dominanteem todo o mundo, muitas ve-zes substituindo criações tra-dicionais e reduzindo a diver-sidade genética.

GRANDES IMPLICAÇÕES PARA O BEM-ESTAR HUMANO

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Cidades SUSTENTÁVEISpor Carol Salsa

As cidades surgiram no interior das sociedades agrícolas no ano 2000 a.C.,

no Egito. Na Idade Média, devido ao co-mércio praticado a longa distância, as cida-des adquiriram a feição de entreposto co-mercial. No século 19, a Revolução Indus-trial trouxe um novo conceito: a qualidadede vida, já ameaçada pela poluição geradapelas fábricas na Europa. No Brasil, nosanos 50, o desenvolvimento econômico foiimpulsionado pelo setor automobilístico. Acidade moderna torna-se um póloconcentrador de comércio, serviços e in-formações. E passa a ser o principal espaçode consumo e circulação das riquezas pro-duzidas no campo.

Com a mecanização da lavoura, a fixação dohomem no campo torna-se inviável. A in-dústria reforça o desfecho dado pela lavouraquando transfere, geograficamente, o nú-cleo produtivo do campo para o meio urba-no. Formam-se os movimentos de migraçãoem massa provocando o caos nas grandescidades. O crescimento descontrolado dapopulação urbana demanda serviços, equi-pamentos públicos, transportes, comércio,

“Uma cidade sustentáveldepende da capacidadede reorganizar os espa-ços, gerir novas econo-mias externas, eliminaras deseconomias deaglomeração, melhorara qualidade de vida daspopulações e superar asdesigualdades socioeco-nômicas para o cresci-mento econômico.”(Eduardo Alva, 1997)

tecnologia, causando uma série de trans-tornos à dinâmica das cidades.

No início da década de 1990, a ConferênciaRio-92 produziu o documento conhecidocomo Agenda 21, que selava a indissocia-bilidade do desenvolvimento econômico emrelação à conservação do meio ambiente.Surge então o conceito de cidade susten-tável, um lugar onde as conquistas no cam-po do desenvolvimento social, econômicoe ambiental deveriam se estabelecer. Maspaira uma dúvida no ar: de que forma serápossível adaptar as cidades aos atributosexigidos pela sustentabilidade?

A literatura é vasta e, nela, encontra-se olivro Criar Cidades Sustentáveis, deHerbert Girardet (1989). Ele considera as me-galópoles, verdadeiras usinas de consumode energia e de produção intensiva de resí-duos sólidos. Outra teoria aventada era aque enfocava cidades biocidas e cidadesecológicas, se comparadas as suas formasde organização. As cidades biocidas eramassociadas às máquinas potentes de des-truição da natureza e geradoras de estresse

humano, e as ecológicas seguiam o padrãosustentável.

No ano 2000, o Ministério do Meio Ambi-ente elabora o documento “Cidades”, noqual destacam-se seis temas centrais refe-rentes à incorporação da dimensão ambi-ental nas políticas públicas.1 Agricultura sustentável;2 Cidades sustentáveis;3 Infraestrutura e integração regional;4 Gestão de recursos naturais;5 Redução das desigualdades sociais; e6 Tecnologia para o desenvolvimento sustentável.

A construção das cidades sustentáveisdemanda mudanças estruturais e grandearticulação entre os atores envolvidos. Pla-nos traçados para elas favorecem o surgi-mento de um novo modo de concepção deprojetos e de execução de obras.

A CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL

Neste momento, o papel das incorporadorastorna-se crucial. Estes são os nove passosnecessários para se chegar a uma constru-ção sustentável:

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1 Planejamento sustentável da obra;2 Aproveitamento passivo dos recursos naturais;3 Eficiência energética;4 Gestão e economia da água;5 Gestão dos recursos sustentáveis na edificação;6 Qualidade do ar e do ambiente interior;7 Conforto termo-acústico;8 Uso racional de materiais e9 Uso de produtos e tecnologias ambiental-mente amigáveis.

Levantamento realizado pelo Conselho Em-presarial Mundial para o desenvolvimentoconfirma: a construção é conhecida comoo setor dos 40%, pois essa é a sua partici-pação no consumo mundial de energia,água e recursos naturais. No entanto, naevolução do conceito de cidades é lenta aadoção de métodos eficazes que confiramao estágio em que se encontram a denomi-nação de “cidades sustentáveis”. ■

CIDADESAs cidades podem influenciara redução dos impactos climáti-cos em pelo menos dois modos:1 – Via administração e imple-mentação de atividades (papelda governança), elas devemassumir o mais rapido possí-vel as metas de neutralizaçãode emissão de carbono; e2 – Elas também influenciam ocomportamento de seus habitan-tes e de outros parceiros, comoa indústria e o transporte.Essas são as funções das cida-des junto à comunidade. As-sim, elas motivam os cidadãosa participar do projeto de re-dução das emissões em prol deum ambiente saudável.

É possível trabalhar em prol daneutralidade climática. À seme-lhança das corporações, as ida-des podem agilizar o que fornecessário para que os objeti-vos propostos sejam plenamen-te funcionais. Em todos os lo-cais onde a participação públi-ca é eficaz, a administração urbana torna-se uma grandecompradora de materiais e equipamentos: papel, computa-dores, mobiliário, frota veicular (carros, ônibus, caminhõesde coleta de lixo, ambulâncias, viaturas de bombeiros e as-sim por diante).

As cidades também são responsáveis pelo fornecimento deequipamentos aos edifícios e espaços públicos. Nesse quesito,elas devem garantir a aplicação de critérios benéficos ao cli-ma, especialmente na escolha de materiais e na questão daenergia. Podem igualmente privilegiar as políticas de consu-mo de alimentos orgânicos e bebidas produzidos localmentee que serão consumidos nas lanchonetes, escolas, teatros eem todas as instituições pelas quais são responsáveis.

Carol Salsa – Engenheira civil, pós-graduadaem Mecânica dos Solos pela COPPE/UFRJ; emGestão Ambiental e Ecologia pela UFMG; emEducação Ambiental pela FUBRA; analista am-biental concursada da FEAM; perita ambientalda Promotoria da Comarca de Santa Luzia/MinasGerais. Infelizmente, as relevantes contribuiçõesde nossa colaboradora se encerraram em 8/2/2010,data em que Carol Salsa morreu vítima de dengue.Outros artigos da autora estão disponíveis nolink: http://www.ecodebate.com.br/2009/03/16/cidades-sustentaveis-artigo-carol-salsa/

CONSTRUÇÕESAs construções são res-ponsáveis por mais de 40%da energia consumida nospaíses da OCDE, no nívelglobal respondem poraproximadamente 30% dasemissões de gases de efei-to estufa, segundo estudosdo Sustainable Buildingand Construction Initiative,da UNEP.

Em termos absolutos, essevolume está aumentandorapidamente já que a cons-trução civil dispara, especi-almente nos países em de-senvolvimento. Os sistemasde refrigeração, aqueci-mento e iluminação de nos-sas residências e o uso deeletrodomésticos conso-mem 11% da energia glo-bal. Calcula-se que as re-sidências típicas do ReinoUnido poderiam economi-zar em torno de duas tone-ladas anuais de CO2 ao

adotar padrões de eficiência energética, ou seja, otimizandoo isolamento, o aquecimento e a iluminação.

A própria atividade da construção civil afeta as emissõesde gases de efeito estufa. O cimento, por exemplo, é ummaterial com alto poder de emissão de CO2, enquanto amadeira é renovável, além de proteger o clima. Mas háque se ter cuidado, pois existe madeira “boa” e madeira“não tão boa”.

Se uma cobertura florestal deve ser derrubada para a cons-trução de uma casa e não for replantada depois, seráemitido CO2 adicional, da mesma maneira que o concreto(o que também vale para o mobiliário).

Himsa Ecovilage – Arimoore

REDUÇÃO DOS IMPACTOS CLIMÁTICOS

Fonte: Kick the Habit – A Guide to Climate Neutrality. Publicação do Programa Ambiental das Nações Unidasproduzido com GRID-Arendal. Copyright©2008 UNEMG, UNEP/GRID-Arendal

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Masdar City será a primeira cidade doplaneta que além de não produzir re-

síduos vai ser inteiramente livre da emissãode carbono. Ironicamente, o custeio da ci-dade está sendo bancado pelo governo deAbu Dabi com o dinheiro que recebeu abas-tecendo as emissões de carbono de todo omundo com o petróleo exportado. Para atin-gir o objetivo de zero carbono e zero resí-duos, o projeto se vale de tecnologias deponta em “planejamento sustentável”, quereduzem ao máximo o impacto ambiental.

O projeto Masdar (a fonte, em árabe) – umlouvável esforço de expansão de pesquisae implementação da construção sustentá-vel – está sendo construído num terreno de6 km2, adjacente ao aeroporto internacio-nal, e com custos estimados em US$22 bi-lhões. O empreendimento lançado em janei-ro de 2008 para ser concluído em 2016, pre-vê uma cidade capaz de sustentar 50 milmoradores e mais de mil empresas.

uma cidade sem poluição

por Jane McGrath

Mesmo em Abu Dabi, capital dos Emirados Árabes – quarto maior pro-dutor mundial de petróleo e emissor de dióxido de carbono (CO2) –, atransição para a ecoeconomia ganha status de objetivo nacional com aconstrução de Masdar City, a cidade ambientalmente descarbonizada.

Mas manter a cidade sustentável será umgrande desafio para os arquitetos britâ-nicos da empresa Foster + Partners, já queo clima da região não é exatamente ame-no. As temperaturas podem chegar a 50oC,e as estruturas terão de ser climatizadassem a utilização da energia gerada porcombustível fóssil. E que tipo de trans-porte será usado para que as pessoas semovimentem sem carros?

Geração de energia – Embora o clima daregião da futura cidade seja quente, tem avantagem de ser ensolarado. E será justa-mente o sol a fonte de energia. Para isso, osprojetistas planejam construir uma gigan-tesca usina de energia solar.

A cidade não terá arranha-céus, e as estrutu-ras de geração de energia fotovoltaica serãoinstaladas nas coberturas das construções.Uma usina de dessalinização fornecerá águafresca para a Masdar City, também movida a

energia solar. A cidade também será benefi-ciada com a energia gerada por uma usinamovida a hidrogênio, que custará US$ 2 bi-lhões. O hidrogênio, fonte limpa de energia,emite muito menos dióxido de carbono que amaioria dos processos que geram energia apartir de combustíveis fósseis.

Para manter o baixo consumo de energia e acidade sempre refrigerada, os arquitetos pro-jetaram as estruturas da cidade de modo atirar total vantagem da brisa natural do mar.Para proteger a população do clima árido dodeserto, a cidade será cercada por um murodotado de torres eólicas. Além disso, cons-truções mais altas sombrearão as ruas estrei-tas. Se as estruturas utilizarem tecnologiassustentáveis e a demanda de energia for re-duzida em 70% devido a essas tecnologias,será mais fácil Masdar City sobreviver comrecursos energéticos alternativos. Espera-seuma economia de cerca de US$ 2 bilhões empetróleo em 25 anos.

Foster + PartnersMasdar City:

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Abastecimento de água – Os esforços para aconservação dos recursos hídricos da cidadeenvolvem a reciclagem de pelo menos 80% daágua utilizada. Toda a água residual tratadairrigará o solo. Por meio desses processos, osresponsáveis pelo planejamento esperam re-duzir o consumo de água em 60%.

Tratamento de resíduos – Mas o que fazercom os resíduos produzidos por uma comu-nidade de 50 mil pessoas? A resposta estána compostagem e na reciclagem de plásti-co, papel, alumínio e outros materiais. Paraevitar que os resíduos acabem num aterrosanitário, grande parte seguirá para uma usi-na de compostagem, onde as bactérias irãodecompor o material. Assim, a reciclagem seráde alta prioridade para Masdar.

Transporte público – Como não haverá car-ros em Masdar City, isso contribuirá para anão emissão de dióxido de carbono. Afinal,as pessoas que irão viver e trabalhar ali nun-ca estarão a mais de 200 metros do transporte:um trem elétrico correndo em trilhos elevadosgarantirá o transporte fácil entre Masdar Citye Abu Dabi. Para se movimentar pela cidade,as pessoas utilizarão veículos de “trânsitopessoal rápido”, movidos a energia elétrica ecorrendo sobre trilhos magnéticos.

PEGADA DE CO2A unidade de negócios Masdar Carbon gerarárecursos com a comercialização da redução de

emissão de gases de efeito estufa no contextopreconizado pelas diretrizes do Protocolo deKyoto. E isso será feito oferecendo-se às em-presas exploradoras de petróleo e de gás doOriente Médio, África e Ásia assistência técni-ca, gerenciamento de projetos e financiamentode políticas de redução de CO2. Além disso,tanto a usina geradora de energia fotovoltaicade 10MW quanto a unidade de estocagem deenergia solar SHAMS I, ambas situadas emAbu Dabi, são projetos CDM registrados.

Paralelamente, a Masdar Carbon desenvol-ve uma multibilionária rede nacional de se-questro de carbono capaz de reduzir signi-ficativamente a pegada de carbono do país.Em sua fase inicial de operação – um dosprimeiros projetos comerciais de capturade carbono em escala mundial –, a redenacional sequestrará por volta de 6,5 mi-lhões de toneladas de CO2 das usinas ge-radoras de energia e das instalações in-dustriais de Abu Dabi no ano de 2013. Ocarbono capturado será transportado esepultado em poços de petróleo para au-mentar a recuperação do óleo.

INSTITUTO DE CIÊNCIA

E TECNOLOGIA MASDAR

É o núcleo das atividades de pesquisa e de-senvolvimento de Masdar City, com papelprimordial na construção da cidade. Abertoaos estudantes em setembro de 2009, o Ins-tituto oferece dez programas de mestrado em

APOSTA NO FUTURO ENERGÉTICOO Projeto Masdar (The Abu Dhabi Future Energy Company)foi criado para desenvolver, comercializar e implementarsoluções de energia renovável (descarbonizada) e tecnolo-gias limpas para aplicação global em larga escala. É consti-tuído por três unidades de negócios e um braço de fundo deinvestimento:

MASDAR CARBON – Especializada no desenvolvimento de so-luções de eficiência energética e projetos livres de energiafóssil capazes de contribuir significativamente para a redu-ção das emissões de carbono.

MASDAR CITY – Planejamento urbano integrado de energialimpa nos arredores de Abu Dabi totalmente movido a ener-gia renovável.

MASDAR POWER – Investimento e construção de megaprojetosde energia renovável.

MASDAR VENTURE CAPITAL – – – – – Administra o Masdar Clean TechFunds (fundos de capital com foco em investimentos em ener-gia renovável e tecnologia limpa).

Fonte: texto de Jane McGrath para How StuffWorks.

ciências e um primeiro programa de doutora-do em energias renováveis e tecnologiassustentáveis. Cabe ao instituto encorajar umambiente acadêmicocapaz de alimentar a pró-xima geração de descobertas científicas.

Desenvolvido em cooperação com o Massa-chusetts Institute of Technology (MIT), oMasdar Institute of Science and Technolo-gy é um centro de pós-graduação focadona ciência e no desenvolvimento de energi-as renováveis avançadas, tecnologias am-bientais e sustentabilidade. O Instituto, queocupa o cerne da pesquisa nacional e con-grega a comunidade responsável pelo de-senvolvimento de Masdar City, receberáaté 600 mestres e doutores. Através de con-vênios firmados com instituições de pes-quisa públicas e privadas de todo o plane-ta, os pesquisadores terão a tarefa de de-senvolver soluções tecnológicas de pontaem energia renovável e sustentabilidade queacelerarão a descarbonização do planeta.

Quando entrar em operação, este ambiciosoprojeto de cidade ecológica poderá finalmenteser posto à prova. Masdar City – e seu Mas-dar Institute of Science and Technology –constituem um canteiro de tecnologia ambi-ental pioneiro. A partir dela surgirão inova-doras e bem-sucedidas soluções ecológicaspara outras cidades do planeta. ■

Foster + Partners

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por Carlos Machado

Enquanto as sociedades expe-rimentam uma importantemelhoria na qualidade devida, os indicadores ambien-tais vêm piorando vertiginosa-mente em função do consumis-mo desenfreado, da degrada-ção e do uso insustentável dosrecursos naturais. O resultadosão as flagrantes desigualda-des em escala planetária.

IHU ON-LINE – QUAIS OS RISCOS APLICÁVEIS AOS PROBLEMAS AMBI-ENTAIS NO CENÁRIO ATUAL?Carlos Machado – Temos pesquisado sobre os problemas ambi-entais porque consideramos que eles apontam para os processosde degradação que estão atingindo os sistemas de suporte à vida– como os ciclos das águas, do clima e dos solos, o fornecimentode alimentos e de água, e a disponibilidade de recursos naturaisfundamentais à nossa vida. Assim, podemos falar que há melhoriada qualidade de vida (acoplada à ideia de que quanto mais consu-mo, melhor a qualidade de vida), enquanto, ao mesmo tempo, osindicadores ambientais pioram. Afinal, quanto maior o consumo,mais recursos naturais são utilizados ou degradados. Não há umafórmula mágica que permita aumentar o consumo sem aumentar osdanos ambientais.

E isto também se acopla ao crescimento, tanto da populaçãocomo do consumo per capita, que também cresceu ao longo doséculo 20, acompanhado de grandes desigualdades, já que oconsumo médio de um cidadão de um país rico pode ser até 40vezes maior que o de outro cidadão que vive em um país pobre.Assim, consideramos que não se pode tratar de melhoria da qua-lidade de vida sem tratar dos sistemas de suporte à vida, sendoque, nessa inter-relação, temos a questão do crescimento e dasdesigualdades.

IHU – E COMO AVALIA A AGENDA AMBIENTAL BRASILEIRA EM RELAÇÃO

AOS PROJETOS EM DESENVOLVIMENTO?C.M. – Tem avançado em muitos aspectos em termos de diagnós-ticos e até de proposições. Porém, é muito importante destacarque essa agenda encontra-se subordinada a um modelo de desen-volvimento econômico que considera que crescer explorando re-cursos naturais é o único caminho, uma visão do século passado

David Blackwell

ainda dominante nas mentes dos gestores. E por ser bastante se-torial, não tem avançado efetivamente na transversalidade funda-mental para as ações. Um exemplo disto pode ser visto na poluiçãoatmosférica por veículos automotores.

Enquanto o Ministério do Meio Ambiente procurava demonstrarcomo os veículos automotores são altamente poluentes, colocan-do em discussão este tema até para as questões ligadas ao consu-mo, o governo incentivava os consumidores a comprar carrosnovos, ao invés de investir na manutenção dos empregos do setora partir de investimentos na produção do transporte coletivo. Nãoprecisamos ir muito longe para ver as consequências disso. Bastarefletir sobre o tema em um engarrafamento nas grandes cidades –seja no ônibus ou no carro.

IHU – O BRASIL VIVEU, NOS ÚLTIMOS VERÕES, GRANDES PROBLEMAS

COM CAUSAS NATURAIS. COMO A IDEIA DE SOCIEDADE DO RISCO SE

APRESENTA EM SITUAÇÕES COMO ESSA?C.M. – Ao tratar a questão da sociedade do risco, Ulrich Beck [1]

aponta para a capacidade de as tecnologias perigosas tornarem-sedifusas num tempo em que vigoram inadequados processos políti-cos decisórios (que não incorporam os novos atores sociais) e umreducionismo científico que não consegue tratar os riscos e incerte-zas inerentes a este processo. Assim, temos não só a reconfigura-ção de riscos tradicionais, como o surgimento de novos.

O debate sobre os eventos com causas “naturais” – em váriosaspectos determinadas socialmente – também se reconfigura nes-te processo. Isso porque temos enchentes e inundações que, seobjetivamente são iguais às do passado, agora trazem como novi-dade o fato de muitas de suas causas estarem relacionadas desdeao precário ou ausente planejamento urbano até às mudanças am-

na sociedade do riscoDegradação ambiental

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RECURSOS DA TERRA NÃO SUPORTAM PRESSÃO HUMANA❚ Pesquisa mostra que se todos os consumidores seguissem opadrão norte-americano seriam necessários 4,5 planetas paraatender à demanda.❚ Se o impacto do ser humano na Terra fosse medido segun-do a numeração de roupa, seria possível dizer que a huma-nidade, que 54, tenta ocupar um planeta cujo formato écapaz de suportar apenas o tamanho 34.❚ “Nós vivemos num planeta em que, em menos de 200 anos,saltamos de 1,5 bilhão de pessoas para 6,5 bilhões. Em 40anos, deveremos ser 9 bilhões: viveremos o fenômeno de quetudo será escasso”, informa Achim Steiner, diretor do Pnuma,Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

SOCIEDADE DO CONSUMO❚ A ideia está por toda parte: quanto mais se compra mais feliz sevive. Esse conceito se consolida nos estudos de psicologia.❚ Durante séculos e milênios tivemos que acumular para so-breviver. Quem acumulava mais tinha melhores chances deresistir ao próximo inverno. Esse padrão de comportamentoainda é seguido hoje. Acredita-se que ter cada vez mais ga-rante a sobrevivência e a felicidade”, analisa Tal Ben Shahar,que conduziu uma pesquisa sobre o assunto em Harvard.

ESTÍMULO AO CONSUMO AMEAÇA FUTURO SUSTENTÁVELMUDANÇA OU FUTURO SOMBRIO❚ “As próximas gerações terão que triplicar o abastecimento deenergia, cuja produção precisa ser livre de emissões de carbono.O futuro precisa ser neutro em CO2”, enfatiza Charles Hopkins,da Unesco e professor da Universidade York, em Toronto.❚ O princípio básico: precisamos de mais eficiência e menoslixo. A natureza não sabe o que é lixo. O que para um orga-nismo é descartado como resíduo, para outro pode ser fontede alimento. A sociedade moderna precisa adotar sistemasemelhante. Temos apenas que fazê-lo de uma maneira eco-nomicamente plausível.❚ Esse seria o fim da sociedade do descartável. E, como espe-ra Charles Hopkins, haveria uma renascença do modelo deeconomia verde. “A solução não está apenas em aumentar aeficiência. Como efeito final, isso significaria apenas maisprodução de mercadoria mais barata e, com isso, extinguirainda mais rápido as fontes não renováveis. Se não mudar-mos o modo de pensar de forma radical, podemos nos con-duzir ao abismo”, teoriza Hopkins.❚ A conclusão de Steiner não é diferente. “Uma coisa nós jásabemos: não poderemos viver pacificamente neste planetase continuarmos, no século 21, seguindo o modelo econô-mico do século 20.”

Fonte: M. Amberger, H. Jeppesen, N. Pontes. Reportagem da Agência Deutsche Welle, DW-WORLD.DE (26/2/2010).

NOTA:[1] Ulrich Beck – Sociólogo alemão que leciona na Universidade de Munique e na LondonSchool of Economics, estuda a modernização, os problemas ecológicos, o individualismo e aglobalização. Nos últimos anos também tem estudado a exploração e as condições de mudançano trabalho em um mundo que assiste ao crescimento do capitalismo global, à perda de poderdos sindicatos e à flexibilização dos processos de trabalho.

Carlos Machado de Freitas – Historiador formado pela UniversidadeFederal Fluminense, mestre em Engenharia de Produção pela UFRJ,doutor em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz e pós-doutorpela Universidade de São Paulo. Artigo publicado em IHU On-line [Uni-versidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS] eno portal EcoDebate (28/5/2010).

bientais mais globais, como as climáticas. O que significa que ascausas atuais associadas ao homem podem ter consequênciasque transcendem as gerações atuais, e que não encontram nosmecanismos correntes formas de controle – basta ver o fracassodo último acordo sobre o clima.

É a reinterpretação destes riscos “antigos” ou mesmo no surgimen-to de novos riscos (nanotecnologia, por exemplo) que a sociedadedo risco se aplica, pois já não podemos separar o que é natural doque é social, ao mesmo tempo em que os mecanismos de decisão ecompreensão se apresentam como insuficientes. Estes são os si-nais de uma crise que não é só ambiental, mas também social.

IHU – O PROGRESSO IMPLICA NECESSARIAMENTE EFEITOS CATASTRÓFICOS?C.M. – A trajetória do homem sempre acompanhou a história dasmudanças ambientais em função da apropriação dos recursos natu-rais. Num primeiro momento, relacionadas à sobrevivência; numsegundo momento, relacionadas às diversas formas de acumulaçãode poder, riqueza e distinção social. O que temos hoje é a potencia-lização do uso da natureza em uma escala muito maior, mediadapelas tecnologias que propiciam a acumulação de recursos.

Até 1800, nunca havíamos ultrapassado um bilhão de habitantes. Apartir daí, rapidamente passamos para seis bilhões em apenas 200 anos,sendo que demoramos cerca de 150 mil anos para chegar ao primeirobilhão. Como se não bastasse, cada ser humano consome hoje, emmédia, uma quantidade muito maior de água, alimentos, energia etc.Nesta lógica, não temos como ter este crescimento – que é bastantedesigual – sem gerar uma crise. A questão é: até onde podemos ir.

IHU – O SENHOR ESTUDA A CASO DE MANAUS. ESTA CIDADE ESTÁ

INSERIDA NA IDEIA DE SOCIEDADE DO RISCO?C.M. – Não estudamos Manaus no contexto da sociedade do risco,embora os argumentos anteriores possam também ser aplicados a

este caso. Estudamos porque boa parte do debate sobre a Amazô-nia está centrada na questão ambiental, esquecendo ou ocultandoque lá vivem milhões de pessoas, concentradas principalmente nascidades cercadas por florestas. Trabalhamos com a perspectiva deque não é possível pensar a questão ambiental sem pensar a ques-tão do ser humano e de sua saúde, assim como o inverso.

IHU – QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS RISCOS PARA MANAUS?C.M. – Em Manaus, os principais riscos ambientais à saúde estãoassociados ao processo de urbanização. Manaus apresenta os mes-mos problemas de muitas das cidades do país, como poluição, doen-ças crônicas, acidentes de trânsito e violência. Estas questões estãoassociadas ao precário desenvolvimento, expresso na precária infra-estrutura de saneamento e ocupação do solo (dengue e doençasdiarreicas, agravadas em casos de enchentes, por exemplo), assimcomo doenças associadas à pobreza (tuberculose e leishmaniose) e àexpansão urbana nas bordas da floresta (malária, por exemplo). Ouseja, Manaus vivencia uma situação bastante complexa, com riscosassociados ao processo de urbanização, à pobreza e à precária infra-estrutura urbana, com riscos que podem ser agravados – como den-gue e malária – por mudanças ambientais globais. ■

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a fonte ameaça secar

por Marcelo Szpilman

SOBREPESCA E AMEAÇA DE EXTINÇÃO

Em valor nutritivo e digestibilidade a carnede peixe é uma das melhores. Temos tam-bém razões gustativas para apreciarmos la-gostas, camarões e mexilhões. Comê-lossempre foi um ato natural e nada antiecoló-gico. No entanto, para que possamos conti-nuar a consumi-los no futuro devemos pen-sar de forma responsável sobre este assun-to. Os oceanos e sua biodiversidade devemser vistos como prioridade para a preserva-ção ambiental.

Apesar de a pesca ser uma das mais anti-gas atividades desenvolvidas pelo homem,parece que todo esse tempo de prática ain-da não foi suficiente para evitar que elaseja realizada de forma predatória. Levan-tamentos recentes indicam que atualmentea captura indiscriminada mata e desperdi-ça entre 18 e 40 milhões de toneladas depeixes, tubarões, tartarugas e mamíferosmarinhos todos os anos, o que representanada mais, nada menos que um terço dapesca mundial. Trata-se de um crime con-tra a natureza e de um inaceitável desper-dício que ameaça secar a fonte.

A destrutiva combinação da sobrepescacom a pesca predatória empreendida nasúltimas décadas cobrará um alto preço mui-

to em breve. Em muitos casos, o “futuro” jáchegou: diversas espécies comerciais depescado estão ameaçadas de desaparecer.No Brasil, já são 145 espécies de peixes e 12de tubarões ameaçadas de extinção, e 31espécies de peixes e 6 de tubarãosobrepescadas. Entre as espécies mais ame-açadas, temos o cação-anjo, a raia-viola, omero, o peixe-serra e o surubim. Entre osestoques de espécies tradicionaissobrepescadas em nosso litoral estãomangona, tubarão-martelo, sardinha, pargo,cioba, tainha, enchova, namorado, corvina,garoupa, cherne, pescadinha, camarões elagostas. E esses números só não são mai-ores devido à histórica falta de verba parapesquisas em nosso país.

A sobrepesca – feita de forma correta e le-gal, mas acima do limite que permite a umaespécie se autorrepor na natureza – e a pes-ca descontrolada são problemas graves,porém mais compreensíveis do ponto devista histórico. Há séculos ocorre a capturado pescado comercial para alimentação hu-mana. No entanto, se já não chegou, a ativi-dade está chegando ao limite de exploraçãopara algumas espécies. Da mesma forma queo homem percebeu, há milênios, que nãoconseguiria sobreviver somente coletandoe caçando seu alimento, razão pela qual

desenvolveu a agricultura e a pecuária, te-mos que nos conscientizar de que o mar,apesar de seu tamanho, não é um provedorde recursos inesgotáveis.

DEFESO: INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO

Os recursos pesqueiros, ao contrário deoutros recursos naturais, podem ser perfei-tamente renováveis. O correto gerenciamen-to de seus estoques deve ser visto comoimportante ferramenta para o desenvolvi-mento sustentável do país. Nesse sentido,existem alguns instrumentos que já se mos-traram eficientes. O defeso – proibição dapesca na época de reprodução (desova) – ea maricultura – produção controlada de es-pécies marinhas em áreas confinadas – sãonão apenas soluções para a queda na cap-tura de espécies comerciais, como tambémformas de preservação dos oceanos.

O exemplo da sardinha-verdadeira é bastan-te elucidativo. Peixe barato nos anos 70 e 80– alimento farto nas mesas menos favoreci-das –, a média anual da pesca da sardinhaera então de 200 mil toneladas: correspon-dia a 38% dos peixes pescados anualmenteno Brasil. A partir da década de 80, teve iní-cio uma queda contínua nos totais captura-dos. Prevendo que a captura estava alémdos limites que permitiriam garantir o equilí-

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Os oceanos e sua bio-diversidade devem servistos como prioridadepara a preservaçãoambiental, já que os es-toques pesqueiros na-turais estão em acele-rado esgotamento de-vido à sobrepesca e àpesca predatória.por Marcelo Szpilman

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❚ A pesca de tubarão tem dois objetivos: a cartilagem, transformada em cáp-sulas apregoadas como antitumorais (em analogia ao fato de o tubarão serimune ao câncer), e as nadadeiras (muitas vezes extirpadas do animal aindavivo, que depois é devolvido ao mar para afundar e apodrecer), utilizadaspara fazer sopa, tida como afrodisíaco e símbolo de status na China. Trata-sede mais uma das aberrações predatórias e criminosas vigentes. Não se podeameaçar a existência de uma espécie animal ou vegetal em prol da “supos-ta” melhoria da saúde humana. Ainda mais quando se dispõe de tecnologiacapaz de sintetizar as substâncias comprovadamente benéficas.

❚ Atualmente, cerca de 100 milhões de tubarões são capturados e mortos acada ano em todos os mares. Isso representa uma monumental ameaça àsobrevivência dessas espécies, que conhecem vertiginoso declínio. 43% dasespécies existentes no litoral brasileiro já estão nas listas de “ameaçadas deextinção”. Nesse ritmo de consumo insustentável, algumas serão extintasnos próximos anos.

❚ Deixar de ver os tubarões como feras assassinas e ter consciência de que elesexercem um papel crucial na manutenção da saúde e equilíbrio dos ecossiste-mas marinhos é um importante passo para uma mudança de atitude.

❚ Para mais informações sobre tubarões e sua desmistificação, solicite oartigo “Você tem medo de tubarão?” pelo email [email protected]

Marcelo Szpilman – Biólogo marinho forma-do pela UFRJ, com pós-graduação executiva emMeio Ambiente (MBE) pela COPPE/UFRJ. Au-tor de Guia Aqualung de Peixes (1991), SeresMarinhos Perigosos (1998/99), Peixes Marinhosdo Brasil (2000/01), Tubarões no Brasil (2004)e de artigos sobre natureza, ecologia, evolução efauna marinha publicados na mídia impressa eno Informativo do Instituto Aqualung, do qual édiretor e editor. Diretor do Projeto Tubarões noBrasil (PROTUBA) e membro da Comissão Ci-entífica Nacional (COCIEN) da ConfederaçãoBrasileira de Pesca e Desportos Subaquáticos(CBPDS). O artigo original, Pesca predatória esobrepesca: a fonte ameaça secar, foi publicadoem www.ecodebate.com.br (26/5/2010).

brio entre a atividade pesqueira e a conser-vação da espécie, a legislação brasileirapassou a proteger a reprodução da sardi-nha através do defeso (novembro-março ejulho-setembro). Em 1990, ano mais crítico,a captura atingiu 32 mil toneladas. Aindaque o defeso tenha contribuído na recupe-ração dos estoques, como demonstra o ín-dice de 1997, com cerca de 118 mil tonela-das, infelizmente a produção tem osciladomuito e a expectativa média atual é de nomáximo 30 a 50 mil toneladas por ano.

Assim, o defeso demonstrou ser um importan-te instrumento de ordenamento e conserva-ção, permitindo que a pesca continue a serexercida de forma sustentável. Se no começoos pescadores comerciais reclamavam da me-dida, logo perceberam a importância dela parasua atividade, e hoje a defendem com unhas edentes. As lagostas (janeiro-abril) e os cama-rões (dezembro-fevereiro na região Norte; mar-ço-maio nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul)também têm seus períodos de defeso. Mas,infelizmente, a maioria dos peixes e tubarões,que também precisam de proteção, não têmseus períodos de defeso instituídos por lei. Semfalar, é claro, na proteção ambiental de suasáreas de desova e de berçário.

A PESCA INCORRETA E ILEGAL

A noção de pesca predatória que temoshoje, feita de forma incorreta e ilegal, comoa pesca com malha fina, arrastão de fundoou bomba, pode mudar de acordo com osconceitos da sociedade e de seu tempo. Oque hoje é legal amanhã pode não ser. Oque é ilegal no Brasil pode não ser emMoçambique. Quem não se lembra do ro-mântico arrastão de praia, muito comumaté a década de 80 em quase todo o país?Capturava tudo em seu caminho e o quenão prestava à comercialização (grande par-te) era deixado na areia para apodrecer.

Felizmente, o arrastão de praia foierradicado por uma legislação mais rígi-da. No entanto, de acordo com o Ibama,órgão responsável pela fiscalização e con-trole das atividades pesqueiras no Brasil,ainda existe uma quantidade considerá-vel de pescadores trabalhando de formaincorreta e, consequentemente, predató-ria. Mesmo sabendo como a pesca preda-tória pode ser deletéria, podemos, de cer-to modo, compreender que muitas vezeso pescador, sem qualquer outra alternati-va, é movido pela necessidade de saciar afome de sua família.

Também não há mal algum em se comer umsuculento filé de cação. Aliás, come-se ca-ção ou tubarão (que são a mesma coisa) hácentenas de anos. O problema ocorre quan-do o filé vem de espécies mundialmente ame-açadas de extinção, como a mangona e otubarão-martelo. Absurdo ainda mais inad-missível é a “perseguição” de determinadasespécies de tubarão para a extração de par-tes de seu corpo que geram produtos supér-fluos e de benefícios duvidosos e sem com-provação científica. A ganância humana é opior tipo de pesca predatória. ■

TUBARÃO: VÍTIMA DO SUPÉRFLUO

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O mar, apesar de seu tamanho, não é um provedor de recursos inesgotáveis.”“

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Do CÓDIGO FLORESTAL

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A flexibilização do Código Florestal Brasileiro proposta pela Co-missão Especial da Câmara dos Deputados em julho constitui avançoou retrocesso da política de proteção ambiental? É um passo deci-sivo para a revogação da legislação brasileira de combate às mu-danças climáticas? As alteraçõesdefendidas pelos produtores ru-rais visam proteger a vegetação ou apenas expandir as atividadesprodutivas em detrimento do patrimônio florestal e da biodiversida-de? O professor Aziz Ab’Saber analisa esta delicada questão.

ao da BIODIVERSIDADEpor Aziz Ab’Saber

Kate Fisher/BBC World Service

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Em face do gigantismo do território eda situação real em que se encon-tram seus macrobiomas – Amazônia

Brasileira, Brasil Tropical Atlântico, Cer-rados do Brasil Central, Planalto das Arau-cárias, e Pradarias Mistas do Brasil Sub-tropical – e seus numerosos minibiomas –faixas de transição e relictos de ecossiste-mas –, qualquer tentativa de mudança noCódigo Florestal tem que ser conduzida porpessoas competentes e bioeticamente sen-síveis. Pressionar por uma liberação amplados processos de desmatamento significadesconhecer a progressividade de cenáriosbióticos, a diferentes espaços de tempo fu-turo, e favorecer de modo simplório e igno-rante os desejos patrimoniais de classes so-ciais que só pensam em seus interesses pes-soais, no contexto de um país marcado porgrandes desigualdades sociais.

Cidadãos de classe social privilegiada, quenada entendem de previsão de impactos, nãotêm compromisso ético com a natureza. Nãobuscam encontrar modelos técnico-científi-cas adequados para a recuperação de áreasdegradadas, seja na Amazônia, seja no Bra-sil Tropical Atlântico ou alhures. São pesso-as para quem a exigência de adoção de ativi-dades agrárias “ecologicamente autos-sus-tentadas” é mania de cientistas irrealistas.

OS ERROS DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL

Por muitas razões, se houvesse um movi-mento para aprimorar o atual Código Flo-restal, ele teria que envolver o sentido maisamplo de um Código de Biodiversidades,levando em conta o complexo mosaico devegetacional de nosso território. Remete-mos essa proposta para Brasília, e recebe-mos em resposta que era uma ideia boa, mascomplexa e inoportuna (…). Agora, outraspersonalidades trabalham por mudanças es-tapafúrdias e arrasadoras no Código Flo-restal, motivo pelo qual ousamos criticar osque insistem em argumentos genéricos eperigosos para o futuro do país. Mais doque nunca é necessário evitar que gente deoutras terras, sobretudo de países hegemô-nicos, venha a dizer que fica comprovadoque o Brasil não tem competência para diri-gir a Amazônia (…). Ou seja, os revisoresdo atual Código Florestal não teriam com-petência para dirigir o todo territorial doBrasil. Que tristeza, gente minha.

O primeiro grande erro dos que no momentolideram a revisão do Código Florestal brasi-leiro – a favor de classes sociais privilegia-

das – diz respeito à chamada estadualizaçãodos fatos ecológicos de seu território espe-cífico. Sem lembrar que as delicadíssimasquestões referentes à progressividade dodesmatamento exigem ações conjuntas dosórgãos federais correspondentes, em con-junto com órgãos estaduais similares, com aPolícia Federal rural e o Exército brasileiro.Todos conectados com autoridades munici-pais que têm muito a aprender com um Códi-go novo que envolva todos os macrobio-mas do país e os minibiomas que os ponti-lham, com especial atenção para as faixaslitorâneas e as faixas de contato entre as áre-as nucleares de cada domínio morfoclimáti-co e fitogeográfico do território.

Para pessoas inteligentes e capazes de pre-ver impactos a diferentes tempos do futurofica claro que ao invés da “estadualização”é absolutamente necessário focar o zonea-mento físico e ecológico de todos os domí-nios de natureza do país. A saber, as duasprincipais faixas de Florestas Tropicais Bra-sileiras: a zona amazônica e a zona das ma-tas atlânticas; o domínio dos cerrados, cer-radões e campestres; a complexa regiãosemiárida dos sertões nordestinos; os pla-naltos de araucárias e as pradarias mistasdo Rio Grande do Sul; além de nosso litorale do pantanal mato-grossense.

O PODER DOS LATIFUNDIÁRIOS

Seria preciso lembrar ao honrado relator AldoRabelo – a meu ver bastante neófito em ma-téria de questões ecológicas, espaciais e emfuturologia – que atualmente predomina naAmazônia Brasileira um verdadeiro exércitoparalelo de fazendeiros, que em sua área deatuação têm mais força do que governado-res e prefeitos. O que se viu em Marabá, coma passagem das tropas de fazendeiros desfi-lando pela Avenida da Transamazônica, de-veria ser conhecido pelos congressistas deBrasília e diferentes membros do Executivo.De cada uma das fazendas regionais passa-va um grupo de cinquenta a sessenta cama-radas, tendo à frente, em cavalos nobres, odono da propriedade e sua esposa, segui-dos dos filhos em cavalos lindos.

Os grupos iam em frente, separados um dooutro por alguns minutos. E alguém a pé,como um comandante, controlava a passa-gem da cavalgada dos fazendeiros. Ninguémda boa e importante cidade de Marabá saiupara observar a coluna amedrontadora dosfazendeiros. Somente dois meninos deixaramas bicicletas na beira da calçada e observa-

ram, silentes, o deslocamento das tropas. Ne-nhum jornal do Pará ou do país noticiou aocorrência amedrontadora. Alguns de nósnão pudemos atravessar a ponte para parti-cipar de um evento cultural.

Será certamente apoiados por fatos como esseque alguns proprietários de terras amazôni-cas deixaram sua mensagem, nos seguintestermos: “a propriedade é minha e eu faço comela o que eu quiser, como quiser e quandoquiser”. Mas ninguém esclarece como con-quistou seus imensos espaços inicialmenteflorestados. E outros, ainda, vivendo em dife-rentes áreas do centro-sul brasileiro, quandoperguntados sobre como enriqueceram tantoexplicam que foi com os “negócios na Ama-zônia” (…). Ou seja, através de loteamentosilegais, venda de glebas para incautos em lo-cais de difícil acesso e que, ao fim de certo

Pressionar por umaliberação amplados processos de

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a diferentes espaços detempo futuro.”

“Vista aérea - fazenda Mato Grosso Simon Chirgwin

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tempo, são liberadas para madeireiros contu-mazes. E o fato mais infeliz é que ninguémprocura novos conhecimentos para reutilizarterras degradadas. Ou exigir dos governan-tes tecnologias adequadas para revitalizar ossolos que perderam nutrientes e argilas, tor-nando-se areias finas (siltização).

REDES HIDROGRÁFICAS EM PERIGO

Entre os muitos aspectos caóticos deriva-dos de alguns argumentos dos revisores doCódigo destaca-se o que diz que se deveproteger a vegetação até sete metros e meiodo rio: redução de algo que já estava muitoerrado, e que agora fica reduzido – generica-mente – a quase nada em relação aos gran-des rios do país. Imagine-se que para o rioAmazonas a exigência protetora seja de ape-nas sete metros, e que para a grande maioriados ribeirões e córregos fosse aplicada amesma exigência. Trata-se de um desconhe-cimento entristecedor sobre a ordem de gran-deza das redes hidrográficas do território in-tertropical brasileiro. Na linguagem amazô-nica tradicional, o próprio povo já reconhe-

ceu elementos referentes à tipologia dos riosregionais. Para eles, ali existem, em ordemcrescente: igarapés, riozinhos, rios e parás.Uma divisão lógica e pragmática que é aceitapor todos os que conhecem a realidade darede fluvial amazônica.

Por desconhecer esses fatos, os relatoresda revisão do Código aplicam o espaço desete metros da beira de todos os cursosd’água fluviais sem sequer ter ido lá paraconhecer o fantástico mosaico de rios doterritório regional.

Mas o pior é que as novas exigências do Có-digo Florestal proposto têm excessivo e abu-sivo caráter liberalizante. Fala-se em sete me-tros e meio das florestas beiradeiras (ripario-biomas) e, depois, em preservação da vege-tação de eventuais e distantes cimeiras. Sempoder imaginar quanto espaço fica liberadopara qualquer tipo de ocupação. Lamentávelem termos de planejamento regional, de espa-ços rurais e silvestres. Lamentável em termosde generalizações forçadas por grupos de in-teresse (ruralistas).

MATA E PERCENTUAIS DE PRESERVAÇÃO

Já se poderia prever que um dia os interessa-dos em terras amazônicas iriam pressionarde novo pela modificação do percentual aser preservado em cada uma das proprieda-des da região. O argumento simplista mereceuma crítica decisiva e radical. Para eles, seem regiões do centro-sul brasileiro a taxa deproteção interna da vegetação florestal é de20%, por que na Amazônia a lei exige 80%?Mas ninguém tem coragem de analisar o queaconteceu nos espaços ecológicos de SãoPaulo, Paraná, Santa Catarina e Minas Ge-rais com o percentual de 20%.

Nos planaltos interiores de São Paulo, asoma dos desmatamentos produziu cenári-os de generalizada destruição. Nessas im-portantes áreas, dominadas por florestas eredutos de cerrados e campestres, somenteo tombamento integrado da Serra do Mar,envolvendo as matas atlânticas, os solos eas aguadas da notável escarpa, foi capazde resguardar os ecossistemas orográficosda acidentada região. O restante – “maresde morros”, colinas e várzeas do médio Pa-raíba e do Planalto Paulistano; e pró-parteda Serra da Mantiqueira – sofreu uma des-truição deplorável. É o que ninguém no país– para falar de gente inteligente e bioética –não quer que se repita na Amazônia Brasi-leira, em um espaço de 4.200.000 km².

FLORESTAMENTO E REFLORESTAMENTO

Os relatores do Código Florestal argumen-tam que as áreas muito desmatadas e degra-dadas poderiam ficar sujeitas a “(re) flores-tamento” por espécies homogêneas, já pen-sando em eucalipto e pinus. Uma prova degrande ignorância, já que desconhecem adiferença entre reflorestamento e floresta-mento. Esse último, pretendido por eles, éuma prática exclusivamente de interesse eco-nômico empresarial, que infelizmente nãopretende preservar biodiversidades.

Eles desconhecem que para áreas muito de-gradadas já existe um plano de(re)organização dos espaços remanescentessob o enfoque de revigorar a economia depequenos e médios proprietários: o projetoFLORAM. Os eucaliptólogos perdem a éticaquando alugam espaços por trinta anos, deincautos proprietários, preferindo áreas dota-das de solos tropicais férteis (oxissolos) eevitando as áreas degradadas de morros pe-lados reduzidas a trilhas de pisoteio (hipso-métricas), semelhantes ao protótipo existen-te no planalto do Alto Paraíba, em São Paulo.Ao arrendar terras de bisonhos proprietáriospara uso em 30 anos e sabendo que os donosda terra podem morrer qantes de se comple-tar o prazo. Isso cria um grande problema ju-dicial para os herdeiros, sendo que ao fim danegociação as empresas cortam todas as ár-vores de eucaliptos ou pinos, deixando miría-des de troncos no chão. Um cenário que im-pede a posterior reutilização das terras paraatividades agrárias. Tudo isso deveria serconhecido por aqueles que defendem feroz-mente um Código Florestal liberalizante.

Por todas as razões somos obrigados a cri-ticar a persistente e repetitiva argumenta-ção do deputado Aldo Rebelo, que conhe-cemos há muito tempo e de quem sempreesperávamos o melhor. Mas, neste momen-to, somos forçados a lembrá-lo de que cadaum tem de pensar em sua biografia. E que opolítico precisa honrar a história de seu par-tido. Especialmente para os partidos que sedizem de esquerda e jamais poderiam fazerprojetos totalmente dirigidos aos interes-ses pessoais de latifundiários.

A EXIGÊNCIA DE UMA VISÃO MACRO

Insistimos que em qualquer revisão do Có-digo Florestal vigente devem-se enfocar asdiretrizes considerando as grandes regiõesnaturais do Brasil, sobretudo os domíniosde natureza muito distintas entre si, taiscomo a Amazônia e suas extensíssimas flo-

O projeto de revisãodo Código Florestal

proposto na Câmara Federaldefende um processo

que resultará emdesmatamento e emissões

incontroláveis de CO2.”

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Aziz Nacib Ab’Saber – Geógrafo, professor emérito da Uuniversidade de São Paulo (USP),autor de centenas de pesquisas e tratados científicos, contribuindo significativamente para o enri-quecimento da ecologia, da biologia evolutiva, da fitogeografia, da geologia, da arqueologia e dageografia. Prêmio Internacional de Ecologia de 1998 e Prêmio Unesco para Ciência e MeioAmbiente de 2001. Artigo publicado no portal EcoDebate (8/7/2010).

restas tropicais e o Nordeste seco com seusdiferentes tipos de caatingas. Trata-se deduas regiões opostas em relação à fisiono-mia e à ecologia, assim como em face desuas condições socioambientais. Ao tomaro partido dos grandes domínios adminis-trados técnica e cientificamente por órgãosdo Executivo federal, teríamos que conec-tar instituições específicas do governo bra-sileiro com suas similares estaduais. Exis-tem regiões como a Amazônia, que envolveconexões com nove estados do norte bra-sileiro. Em relação ao Brasil Tropical Atlân-tico, os órgãos do Governo Federal –IBAMA, IPHAN, FUNAI e INCRA – teriamque manter conexões com os diversos se-tores similares dos governos estaduais denorte a sul do Brasil. E assim por diante.

Enquanto o mundo todo luta pela diminui-ção radical da emissão de CO2, o projeto derevisão do Código Florestal proposto naCâmara Federal defende um processo queresultará numa onda de desmatamento e deemissões incontroláveis de gás carbônico,como observado por muitos críticos em di-versos trabalhos e entrevistas.

Parece ser muito difícil para pessoas não ini-ciadas em cenários cartográficos perceberos efeitos de um desmatamento na Amazô-nia de até 80% das propriedades rurais sil-vestres. Em qualquer espaço do territórioamazônico onde vêm sendo estabelecidasglebas com desmate de até 80%, haverá ummosaico caótico de áreas desmatadas e fai-xas interpropriedades estreitas e mal preser-vadas. Nesse caso, as bordas dos restos deflorestas interglebas ficarão à mercê do cor-te de árvores de madeiras nobres. Além dis-so, a biodiversidade animal com certeza seráprofundamente afetada.

Seria necessário que os pretensos reformu-ladores do Código Florestal lançassem so-bre o papel os limites de glebas de 500 a mi-lhares de quilômetros quadrados e, dentrode cada parcela das glebas, colocasse indi-cações de 20% correspondentes às florestasditas preservadas. Pela observação do resul-tado desse mapeamento simulado eles pode-riam perceber que o caminho da devastaçãolenta e progressiva produziria alguns qua-dros similares ao que já aconteceu nos con-fins das longas estradas e seus ramais, emáreas de quarteirões implantados para vendade lotes de 50 a 100 hectares, onde o arrasa-mento de florestas no interior de cada quar-teirão foi total e inconsequente. ■

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Surpreendentemente, não é o Código Flo-restal que sai mais ameaçado pelo rela-

tório aprovado na Comissão Especial daCâmara dos Deputados, criada por iniciati-va de deputados ruralistas. As principaisameaças são para o Estado de direito e paraa competitividade da agropecuária.

Após o alarde sobre as mazelas do Códi-go, os parlamentares acabaram aprovan-do um texto que enfraquece um de seuspilares – a proteção de cursos d’água esolos vulneráveis –, mas não afeta de for-ma expressiva o arcabouço legal.

Claro, isso é paradoxal num país que conta-biliza centenas de mortos e bilhões em pre-juízo e com aluviões, enchentes e desliza-mentos. Mas esse não é o ponto principal.O texto promove o que de pior se pode fa-zer com a lei: premiar seu descumprimento.

Propõe uma anistia de abrangência jamaisconcebida: não apenas possibilita o perdãode todas as atividades ilegais até 2008 –legitimando assim a expectativa de que issose repita indefinidamente – mas também dis-pensa da recuperação dos ativos ilegalmen-te destruídos em imóveis até quatro módu-los, ou seja, em qualquer lugar, pois um imó-vel pode ser desdobrado pelo mesmo dono.

A proposta é uma afronta aos produtoresrurais que trabalham dentro da lei. Há unsdias, o presidente da empresa brasileira lí-

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Uma afronta ao Estado de direitoder mundial em celulose me questionou:“Por que nós respeitamos a reserva legal,faturamos R$ 28 bilhões por ano e distri-buímos dividendos, enquanto outros se-guem impunemente desmatando e até ge-ram pouco emprego?”

A ironia é que, enquanto isso, nem sequer serealizam as atualizações do Código que seri-am razoáveis, após meio século de vigência.

O exemplo mais usado no discurso ruralista éo da injustiça com culturas que utilizam parci-almente encostas, como videira, maçã e café.

Se forem adotados cuidados como cobertu-ra do solo, curvas de nível, banquetas etc.,elas não contribuem para a degradação.

Mais ainda: podem até representar, noconjunto, uma oportunidade de valoriza-ção do ambiente, por formar arranjos pro-dutivos articulados com turismo, águasminerais e outros serviços.

Seria a hora certa de adaptar a lei às peculi-aridades da multiplicação e da complexida-de dos territórios. Mas na proposta da co-missão não entrou nada que esteja basea-do em diversidade, critério técnico, desem-penho ou incentivo para melhores práticas.

Restrições ao desmatamento e à grilagemda terra são os principais vetores para in-vestir na revolução tecnológica de produti-

vidade, que é necessária para atingir maislucratividade e competitividade no segmen-to da produção primária.

Algumas cadeias já fazem isso com sucesso.Na pecuária, que ocupa 80% de nossa áreacultivada, o desafio é especialmente urgente.A proposta aprovada na comissão desconsi-dera esse aspecto crucial e que se aplica, comas devidas diferenças, tanto à agricultura fa-miliar quanto à grande fazenda.

Assim, desestimula-se o investimento emprodutividade, que poderia se beneficiar denossa capacidade avançada de pesquisa.

Enquanto buscam anistias em Brasília, os quese erguem como defensores da agricultura sa-botam abertamente, em seus Estados, os pro-gramas de regularização que sanariam os pas-sivos florestais sem precisar desmoralizar a lei.

Inovação, produtividade e tecnologia nocampo requerem investimento, incentivo,competição leal e liderança. E até melhorano Código Florestal. É um debate difícilde se fazer no grito, sem ouvir a ciência,entre ruidosos gigolôs de infrator bus-cando votos. ■

Roberto Smeraldi – Jornalista, diretor daOSCIP Amigos da Terra – Amazônia Brasileira eautor do Novo Manual de Negócios Sustentá-veis (Publifolha, 2009). Artigo publicado na Folhade S. Paulo (15/7/2010)

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por Roberto Smeraldi

Os parlamentares acaba-ram por aprovar um textode reforma do Código Flo-restal que enfraquece aproteção dos solos vulne-ráveis, os cursos d’água eameaça a sobrevivênciadas reservas legais.

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