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  • Revista

    ESMAFEEscola de MagistraturaFederal da 5a. Regio

    TRF 5a. Regio Recife Pernambuco

    N 8 2004

  • EDITORIASECRETARIA EXECUTIVA DA ESMAFE 5a.

    Humberto Vasconcelos Secretrio ExecutivoNancy Freitas Supervisora

    IMPRESSOIndstrias Grficas Barreto Limitada

    Av. Beberibe, 530 - Encruzilhada52041-430 - Recife - PE

    [email protected]

    TIRAGEM1.000 exemplares

    CAPAAndr Gonalves Garcia

    REVISTA ESMAFE 5a.

    ESCOLA DE MAGISTRATURA FEDERAL DA 5 REGIORUA DO BRUM, 216 BAIRRO DO RECIFE

    50030-260 RECIFE [email protected]

    REVISTA ESMAFE: Escola de Magistratura Federal da5 Regio. Recife: TRF 5 Regio, n 8. Dez. 2004.314p.ena, Clrio Cezar Batista, 1972-

    1. O DIREITO ADQUIRIDO. 2. EFEITOS DAINCONSTITUCIONALIDADE DA LEI. 3. A REFORMAPREVIDENCIRIA BRASILEIRA. 4. ADMINISTRAOJUDICIRIA. 5. A RELATIVAO DA COISA JULGADA

    CDU 34 (81)CDD 340

    PeR-BPE

  • ESCOLA DE MAGISTRATURAFEDERAL DA 5a. REGIO

    DIRETORIALUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA - Diretor

    Desembargador Federal

    JOANA CAROLINA LINS PEREIRA - Vice-DiretoraJuza Federal

    CONSELHO EDITORIAL

    Des. Federal Ridalvo CostaDes. Federal Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti

    Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de FariaJuiz Federal Edilson Pereira Nobre Jnior

  • TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5a. REGIO

    DESEMBARGADORES FEDERAIS

    MARGARIDA DE OLIVEIRA CANTARELLIPresidente

    NAPOLEO NUNES MAIA FILHOVice-Presidente

    JOS BAPTISTA DE ALMEIDA FILHOCorregedor Regional

    RIDALVO COSTA

    PETRUCIO FERREIRA DA SILVA

    JOS LZARO ALFREDO GUIMARES

    JOS MARIA DE OLIVEIRA LUCENA

    FRANCISCO GERALDO APOLIANO DIAS

    UBALDO ATADE CAVALCANTE

    FRANCISCO DE QUEIROZ BEZERRA CAVALCANTIDiretor da Revista

    LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIADiretor da ESMAFE

    PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA

    PAULO DE TASSO BENEVIDES GADELHA

    FRANCISCO WILDO LACERDA DANTAS

    MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS

  • Editorial ...................................................................................................... 7

    O Direito Adquirido e as Emendas Constitucionais ...................................... 9Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de FariaEfeitos da Inconstitucionalidade da Lei ...................................................... 23Desembargador Ferderal Francisco Wildo Lacerda DantasA Reforma Previdenciria Brasileira (Emenda Constitucional 41,de 9.12.2003) e o Direito Adquirido. O Contedo das Regrasde Transio e seus Destinatrios .............................................................. 43Juza Federal Germana de Oliveira MoraesAdministrao Judiciria ........................................................................... 53Juiz Federal Alexandre Costa de Luna FreireA Relativao da Coisa Julgada e o Art. 741, Pargrafo nico, do CPC ... 67Juiz Federal Tarcsio Barros BorgesDireito Adquirido e Leis de Ordem Pblica ..............................................117Juiz Federal Frederico DantasMetamorfoses nos Conceitos de Direiro e de Soberania. O Princpioda Complementaridade. O Tribunal Penal Internacionale a Constituio ...................................................................................... 137Juiz Federal Carlos Alberto Simes de Tomaz

    Contrataes no Servio Pblico por Excepcional InteressePblico: A Previso do Inciso IX, do Art. 37, da ConstituioFederal - Consideraes Atuais e Relevantes .......................................... 163Procurador Federal Flvio Roberto Ferreira de LimaDiscricionariedade Administrativa, Conceitos JurdicosIndeterminados e Controle Judicial .......................................................... 177Doutor Andreas J. KrellDa Impossibilidade de Adoo da Deslegalizao como Fundamento Competncia Normativa das Agncias Reguladoras Brasileiras ................ 225Bacharela Maria Carolina Scheidgger Neves

    Sumrio

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    Princpios do Direito Processual (Uma Abordagem Especial Quanto aosPrincpios Inpiradores dos Juizados Especiais e Questo daSubsidiariedade) ..................................................................................... 243Professora Luciana de Medeiros Fernandes

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    EDITORIAL

    O nmero 08 da Revista da ESMAFE.5 o terceiro a ser editado em2004. Pela primeira vez, foi atingida a periodicidade quadrimestral projetadaquando do lanamento deste peridico. Este feito no aleatrio, mas fruto deum trabalho de planejamento que figurou como uma das metas da atual adminis-trao da Escola de Magistratura Federal da 5 Regio. Doravante, garantido oritmo de produo ideal, haver trs nmeros por ano, e alcanado estar umdos principais objetivos da Revista, que o de oferecer ensejo de divulgaoregular produo cultural de magistrados federais e membros da comunidadejurdica regional.

    Como a Revista, tambm outros setores da atividade da ESMAFE.5lograram sucesso neste ano de 2004. Entre outras atividades, foram instaladosos Ncleos Seccionais em todas as Sees Judicirias e o Ncleo de CursosIsolados, providncias que deram maior consistncia s atividades da Escola,no rumo de sua autonomia.

    O ms de maio foi marcado por uma atividade de grande xito o IIEncontro Regional de Juzes Federais da 5 Regio. Realizado no Summerville,Resort localizado no litoral sul de Pernambuco, congregou um nmero expressi-vo de magistrados que, durante trs dias, discutiram uma pauta integrada portemas de grande atualidade para a magistratura brasileira. Um dos marcos des-se II Encontro foi a incluso da atividade no calendrio permanente da ESMA-FE, que o repetir a cada dois anos.

    Nos Ncleos Regionais, j grande a pauta de realizaes, algumas re-percutindo a atividade da Escola e outras de iniciativa dos prprios Ncleos.Podem ser mencionadas atividades como a Quinta Jurdica, evento j integradoao calendrio do Tribunal Regional Federal e da Seo Judiciria do Rio Gran-de do Norte, que se estender s demais seccionais nos prximos meses; e umaarticulao mais agressiva da Escola e seus Ncleos com institutos de cursossuperiores, visando ao oferecimento de cursos de extenso a magistrados eservidores da Justia Federal. Neste particular, tem relevncia o protocolo queest em vias de ser firmado entre a Escola de Magistratura Federal da 5 Re-gio, por seu Ncleo Seccional de Sergipe, e a Universidade de Buenos Aires.

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    Por iniciativa da prpria ESMAFE.5, est em fase de concluso a estruturaode dois cursos de ps-graduao: A Gesto Administrativa dos rgos do Po-der Judicirio e o Curso de Especializao em Direito Pblico. O primeirodesses cursos poder ter incio ainda em 2004.

    A par das atividades acadmicas, a ESMAFE.5 iniciou seu calendriode atividades culturais, valorizando o bem cultural da Regio, atravs de recitaisnas Quintas Jurdicas e nos encontros e simpsios que coordena. Lanada noRecife, no ms de outubro, a exposio Todos Cantam Sua Terra, coleo defotografias que revelam as nossas cidades e textos da literatura de inspiraourbana. A exposio migrar para todos os Ncleos Seccionais, exibindo o queh de mais representativo em cada uma das cidades onde se localizam.

    O ano se encerra com a realizao de dois eventos simultneos, o I En-contro Nacional de Diretores de Escolas de Magistratura Federal e o I Encon-tro Regional de Diretores dos Ncleos Seccionais da ESMAFE.5. Desseseventos, dar notcia pormenorizada o prximo nmero desta Revista.

    Recife, dezembro de 2004.

    A EDITORIA

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    O DIREITO ADQUIRIDO E AS EMENDASCONSTITUCIONAIS

    Luiz Alberto Gurgel de FariaDes. Federal do TRF - 5 Regio

    SUMRIO: 1. Introduo; 2. Poder Constituinte; 2.1. A teo-ria de Sieys; 2.2. Espcies; 2.3. Titularidade e Exerccio; 2.4. Poderde Reforma - Espcies; 2.5 Emendas Constituio; 3. Do DireitoAdquirido; 3.1. Conceito; 3.2. O Direito Adquirido nas ConstituiesFederais Brasileiras; 3.3. O Direito Adquirido e o Poder de Reforma;4. Concluso; 5. Bibliografia.

    1. INTRODUO

    Nos idos de 1997, quando cursei o Mestrado em Direito na UniversidadeFederal de Pernambuco UFPE, fui provocado pelo meu ilustre Professor IvoDantas a elaborar um estudo acerca do Direito Adquirido e as Emendas Cons-titucionais.

    quela poca estavam em tramitao as denominadas reformas adminis-trativa e previdenciria (esta, a primeira delas), que terminaram sendo aprova-das atravs das Emendas Constitucionais de ns 19/98 e 20/98, respectivamen-te.

    Em face do grande universo de pessoas atingido, uma das questes maissuscitadas dizia respeito ao direito adquirido, diante da pergunta se a garantiapoderia ser invocada contra as emendas constitucionais.

    Anos se passaram e, diante da continuidade das reformas em nossa CartaMagna, a questo continua atual, sendo o momento de retom-la.

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    O tema do direito adquirido, mormente no aspecto que se pretende enfo-car, diante das emendas constitucionais, no pode deixar de ser examinado jun-tamente com o Poder Constituinte, motivo pelo qual esse tpico tambm seralvo de anlise no decorrer do trabalho.

    2. PODER CONSTITUINTE

    2.1. A TEORIA DE SIEYS

    Em breves palavras, o Poder Constituinte pode ser definido como o po-der de elaborar uma Constituio.

    Os primeiros escritos acerca da matria foram antecedentes, poucos me-ses, deflagrao da Revoluo Francesa. Coube ao abade Emmanuel Sieys,atravs do panfleto Quest-ce que le tiers tat?, introduzir as lies iniciaisacerca da teoria que se formava.

    Cumpre, todavia, renovar a advertncia feita por Paulo Bonavides (inCurso de Direito Constitucional, 5 edio, So Paulo, Malheiros, 1994, p.120), no sentido de que no se deve confundir o Poder Constituinte com a suateoria.

    Com efeito, aquele sempre existiu em toda a sociedade poltica. A teori-zao para legitim-lo, no entanto, apenas surgiu no final do sculo XVIII, exa-tamente a partir da monografia acerca do Terceiro Estado.

    De acordo com a doutrina clssica de Sieys, o Poder Constituinte inicial, autnomo e incondicionado. Inicial em razo de que no existe, antesdele, nem de fato nem de direito, qualquer outro poder. Autnomo em funo deque somente a ele compete decidir se, como e quando deve se outorgar umaConstituio Nao. incondicionado porque no est subordinado a qual-quer regra.

    Ao revs das caractersticas que denotam o Poder Constituinte, os pode-res constitudos so limitados e condicionados, sendo que suas organizaes eatribuies so fixadas de acordo com a Constituio.

    As distines entre o Poder Constituinte e os poderes constitudos so deextrema importncia para se pesquisar a existncia de mais de uma espcie doprimeiro, o que ser objeto de anlise no tpico seguinte.

    2.2. ESPCIES

    Ainda nos tempos de hoje, comum encontrar na doutrina a diviso doPoder Constituinte em originrio e derivado.

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    O primeiro seria encarregado de produzir, de forma primitiva, o texto daConstituio, enquanto o segundo seria utilizado por ocasio de sua reforma.

    A produo originria se d na hiptese da primeira Constituio de umEstado ou no caso de modificao revolucionria da ordem jurdica, quandono h continuidade do ordenamento constitucional anterior. J a derivada ocorrenas hipteses de necessidade de alterao da Lei Maior, em face de modifica-es existentes na sociedade1, a exigirem uma correspondente mudana na Carta,de acordo com as normas previamente ditadas, que limitam e condicionam oexerccio desse poder.

    Com base nos elementos que tipificam as espcies estudadas, j sepode vislumbrar a impropriedade tcnica de se considerar o Poder de Reformacomo um Poder Constituinte Derivado.

    Ora, o Poder Constituinte, como j exposto, inicial, autnomo e incon-dicionado, caractersticas estas que no se encontram presentes no exerccio dereforma de uma Constituio.

    Assim, conforme conclui J. J. Gomes Canotilho (in Direito Constitucio-nal, 6 edio, Coimbra, Livraria Almedina, 1993, p. 95), o poder de revisoconstitucional , consequentemente, um poder constitudo tal como o poderlegislativo. Verdadeiramente, o poder de reviso s em sentido imprprio sepoder considerar constituinte; ser, quando muito, uma pardia do poder cons-tituinte verdadeiro. (Grifei).

    No outra a lio de Ivo Dantas (in Direito Adquirido, Emendas Cons-titucionais e Controle da Constitucionalidade, 2 edio, Rio de Janeiro,Lumen Juris, 1997, p. 5): ... confundem-se os conceitos de Poder Constitu-inte e de Poder de Reforma, este ltimo, s vezes, impropriamente deno-minado de Poder Constituinte Derivado e contraposto ao Poder Consti-tuinte Originrio. Esclarecidos, entretanto, os dimensionamentos conceituaisde ambos, ver-se- que, enquanto o primeiro no conhece em sua manifestaolimitaes jurdico-positivas, o segundo, ao contrrio, no poder livrar-se debalizamentos jurdicos previamente estabelecidos, o que explica, de forma in-conteste, a aplicao do controle de constitucionalidade obra que pelo PoderReformador vier a ser produzida. (Grifei).

    Demonstrada, pois, a inadequao da diviso do Poder Constituinte emoriginrio e derivado, a denominao em pauta ser utilizada, neste trabalho,

    1 como tambm, muitas vezes, em face dos diferentes interesses dos governantes, que procuram moldar aConstituio de acordo com os seus planos de administrao.

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    exclusivamente com relao ao poder constituinte efetivamente existente, en-quanto a faculdade de se alterar a Constituio passar a ser tratada comoPoder de Reforma.

    2.3. TITULARIDADE E EXERCCIO

    A titularidade do Poder Constituinte variou de acordo com a ideologiareinante em cada poca e com o regime de governo ento adotado.

    Para os pases que adotam o regime autocrtico, o titular ser uma mino-ria. Ao contrrio, nas democracias, o Poder Constituinte pertencer ao povo.

    Na nossa Nao, que j conviveu com os dois tipos de regime, a titulari-dade do poder pertence ao povo, tendo sido exercido, durante a elaborao daltima Carta, promulgada em 1988, atravs de uma Assemblia Constituinte.

    Deveras, esse ente coletivo, cujos integrantes so normalmente eleitospelo povo, que costuma exercer o Poder Constituinte.

    Tal agente, exatamente por no ser o titular do Poder, edita uma obraque vale como Constituio na medida em que conta com a aceitao do titular.Esta aceitao presumida sempre que o agente designado pelo titular paraestabelecer a Constituio, como ocorre quando uma Assemblia Constituinte eleita. Ou aferida posteriormente, seja expressamente quando a Constituio sujeita manifestao direta do povo (referendum) ou tacitamente quandoposta em prtica vem a ganhar eficcia, nos termos do magistrio de ManoelGonalves Ferreira Filho (in Curso de Direito Constitucional, 20 edio,So Paulo, Saraiva, 1993, p. 22).

    No Brasil, o titular do Poder de Reforma tambm o povo, sendo exer-cido atravs de seus representantes.

    2.4. PODER DE REFORMA - ESPCIES

    A Constituio em vigor prev duas formas de manifestao de reformade seu texto. A primeira se encontra contida no art. 60, que cuida do processode emenda. J a segunda trata da reviso constitucional, prevista no art. 3 doAto das Disposies Constitucionais Transitrias.

    A reviso, programada para ser realizada cinco anos aps a promulgaoda Lei pice, atravs de um procedimento legislativo mais simples, pelo voto da

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    maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sesso unicameral,j se ultimou, trazendo pouqussimas alteraes no Texto2, durante o ano de1994.

    Para o presente ensaio, crescem em importncia, pois, as reformas a se-rem implementadas por intermdio das emendas, o que justifica o seu estudo emitem apartado, logo a seguir.

    2.5. EMENDAS CONSTITUIO

    A Carta Magna, em seu art. 60, caput, incisos I a III, estabelece a quemcabe a iniciativa de emend-la: a) um tero, no mnimo, dos membros da Cma-ra dos Deputados ou do Senado Federal; b) o Presidente da Repblica; c) maisda metade das Assemblias Legislativas das unidades da federao, manifestan-do-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus integrantes.

    Como se pode observar, so duas as novidades no tocante ao Texto de67/69: 1) a emenda pode ser promovida por apenas um tero dos membros dequalquer das Casas, no havendo mais a necessidade de tal quorum na Cmarae no Senado, como dispunha o art. 47, inciso I, 3; 2) restabeleceu-se ainiciativa dos legislativos estaduais, anteriormente contida na Constituio de1891 (art. 90, 1).

    Por sua vez, a Constituio em vigor disciplina limitaes temporais aopoder de emenda, uma vez que ela no poder ser alterada na vigncia de inter-veno federal, estado de defesa ou estado de stio (art. 60, 1), nem tampou-co poder haver, na mesma sesso legislativa, renovao de proposta cuja ma-tria tenha sido rejeitada ou considerada prejudicada ( 5).

    O processo legislativo a ser observado se encontra disposto no 2, docitado art. 60, determinando que a proposta seja discutida e votada em cadaCasa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada seobtiver, em ambos, trs quintos dos votos dos respectivos membros, cabendo apromulgao da emenda s Mesas da Cmara dos Deputados e do SenadoFederal, com o correspondente nmero de ordem ( 3).

    H ainda as restries de ordem material, sendo vedada a proposta deemenda tendente a abolir (art. 60, 4): I) a forma federativa de Estado; II) ovoto direto, secreto, universal e peridico; III) a separao dos Poderes; IV) osdireitos e garantias individuais.

    2 Foram, ao todo, promulgadas seis emendas constitucionais de reviso.

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    As limitaes em pauta constituem as chamadas clusulas ptreas, dentreas quais se insere o direito adquirido, na condio de garantia individual (art. 5,inciso XXXVI, CF), da porque ganha relevo a indagao: As emendas consti-tucionais podem violar o direito adquirido? A resposta a esta questo constitui ocerne principal principal deste esboo e dever ser discorrida nas linhas seguin-tes.

    3. DO DIREITO ADQUIRIDO

    3.1. CONCEITO

    A doutrina clssica, apoiada em Duguit (apud Ivo Dantas, ob. cit., p. 2/3)j registrava a dificuldade na definio do que venha a ser direito adquirido.

    Inobstante, no se pode comear a desenvolver um tema sem traar osseus contornos.

    Assim, apesar dos obstculos, os estudiosos do direito no esmorece-ram, no af de encontrar o melhor conceito para o instituto.

    Referncia sempre mencionada no estudo da matria, o italiano Gabbalana a seguinte definio: adquirido todo direito que - a) conseqncia deum fato idneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato foi con-sumado, embora a ocasio de faz-lo valer no se tenha apresentado antes daatuao de uma lei nova sobre o mesmo; e que - b) nos termos da lei sob cujoimprio se entabulou o fato do qual se origina, entrou imediatamente a fazerparte do patrimnio de quem o adquiriu (apud R. Limongi Frana, A irretroa-tividade das leis e o direito adquirido, 3 edio, So Paulo, RT, 1982, p. 50).

    No Direito Brasileiro, a questo no pode ser estudada sem a leitura daobra de R. Limongi Frana (ob. cit., p. 208), para quem o direito adquirido aconseqncia de uma lei, por via direta ou por intermdio de fato idneo; conse-qncia que, tendo passado a integrar o patrimnio material ou moral do sujeito,no se fez valer antes da vigncia da lei nova sobre o mesmo objeto.

    J Jos Afonso da Silva (in Curso de Direito Constitucional Positivo,6 edio, 2 tiragem, So Paulo, RT, 1990, p. 374) assim leciona: Para com-preendermos melhor o que seja direito adquirido, cumpre relembrar o que sedisse acima sobre o direito subjetivo: um direito exercitvel segundo a vontadedo titular e exigvel na via jurisdicional quando seu exerccio obstado pelosujeito obrigado prestao correspondente. Se tal direito exercido, foi devi-damente prestado, tornou-se situao jurdica consumada (direito consumado,direito satisfeito, extinguiu-se a relao jurdica que o fundamentava... Se o di-reito subjetivo no foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direi-

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    to adquirido, porque era direito exercitvel e exigvel vontade de seutitular. Incorporou-se no seu patrimnio, para ser exercido quando lheconviesse. A lei nova no pode prejudic-lo, s pelo fato do titular no oter exercido antes. (Grifei).

    No se pode olvidar que o legislador tambm cuidou da questo, no 2,art. 6, da Lei de Introduo ao Cdigo Civil (Decreto-lei n 4.657, de 04.09.42):Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou algum porele, possa exercer, como aqueles cujo comeo do exerccio tenha termo prefi-xo, ou condio preestabelecida inaltervel, a arbtrio de outrem.

    Em resumo, direito adquirido aquele que, j integrante do patrimnio deseu titular, pode ser exercido a qualquer momento, no podendo lei posterior,que tenha disciplinado a matria de modo diferente, causar-lhe prejuzo.

    3.2. O DIREITO ADQUIRIDO NAS CONSTITUIES FEDERAIS BRASILEIRAS

    De certo modo, as Constituies Brasileiras sempre trataram do tema,com exceo da Carta de 1937, que nada dispunha sobre o assunto, havendo aedio de leis retroativas durante a sua vigncia.

    Com apoio no esclio de Raul Machado Horta (in Estudos de DireitoConstitucional, Belo Horizonte, Del Rey Editora, 1995, p. 274/276), consta-ta-se que o tratamento constitucional da matria pode ser destacado em doisperodos. No primeiro, consagra-se o princpio da irretroatividade ampla dasleis, sendo o direito adquirido um preceito reflexo daquele, posteriormente dis-ciplinado na legislao ordinria. Foi o que se observou nas Cartas de 1824(art. 179, 3) e de 1891 (art. 11, 3). No segundo, a irretroatividade foiabsorvida pelo direito adquirido, que passa expressamente a ser inscrito comoprincpio constitucional, conforme se verifica nos Textos de 1934 (art. 113, 3), 1946 (art. 141, 3), 1967/69 (art. 153, 3) e de 1988, alhures j men-cionado (art. 5, inciso XXXVI).

    Dessa forma, com excluso da Constituio Polaca de Vargas, todas asoutras protegeram, de forma implcita ou explcita, o direito adquirido, revelan-do a deferncia com que o constituinte sempre cuidou do assunto.

    3.3. O DIREITO ADQUIRIDO E O PODER DE REFORMA

    Antes de se adentrar no mago do tema a ser investigado, necessrio sefaz examinar, de modo preliminar, a questo do direito adquirido em face daConstituio.

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    As prprias caractersticas do Poder Constituinte - o poder de elaboraruma Carta Magna, nos termos j expostos, evidenciam que o instituto no podeser invocado perante uma nova ordem jurdica constitucional.

    Deveras, o fato de ser inicial, autnomo e incondicionado denota que talpoder no tem limites no mbito do Direito Positivo, podendo alcanar situa-es pretensamente resguardadas pelo direito adquirido.

    A matria parece no suscitar controvrsias.Manoel Gonalves Ferreira Filho, em conferncia proferida no Tribunal

    de Alada Criminal de So Paulo, em 11.06.97, publicada sob o ttulo PoderConstituinte e Direito Adquirido - Algumas Anotaes Elementares, na Re-vista dos Tribunais, Doutrina Civil, So Paulo, RT, vol. 745, 1997, p. 21, jassim se manifestava: ...Mas a retroatividade no vedada norma constituci-onal oriunda do Poder originrio. Com efeito, dada a sua inicialidade, ou melhor,dada a inexistncia de limitao jurdica que a proba, pode ela colher fatos a elaanteriores. Em conseqncia, pode dar-lhes carter (lcito ou ilcito) diferente doque tinham na ordem jurdica anterior. Igualmente pode pr termo a direitosadquiridos.

    O Professor Ivo Dantas, mais uma vez lembrado em sua festejada obra jreferida (p. 58/59), posiciona-se: J dissemos que um texto constitucional resultado de um Hiato Constitucional, vale dizer, de um processo revolucion-rio. No se vincula a nenhum preceito jurdico-positivo que lhe seja anterior,muito embora, tambm nesta hiptese, os valores sociais e o Direito Naturalfuncionem como limitaes ao exerccio do Poder Constituinte. Por isto, e emconseqncia, poderia a nova Constituio desconstituir direitos adquiri-dos tal como aconteceu com a atual Constituio de 1988. Entretanto, nes-te caso - e j o dissemos -, h um pressuposto de ordem formal: a ressalva dono respeito aos direito adquiridos com fundamento da Constituio anteriorter que vir expressa, no podendo ser objeto de meras dedues interpretati-vas. (Grifei).

    A advertncia final do consagrado Mestre guarda relevncia, pois, noDireito indgena, so escassos os casos de embate entre as Cartas Polticas e osdireitos adquiridos. Ademais, a nova Constituio normalmente recepciona asleis que no lhe so contrrias, o que justifica a necessidade da explicitao,para que no haja dvidas.

    A propsito, vlido transcrever a lio de Raul Machado Horta (ob.cit., p. 281): A Constituio, por deciso soberana do constituinte originrio,poder revogar o direito adquirido, da mesma forma que revoga as leis anterio-

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    res incompatveis. Como a sucesso constitucional do Brasil no se opera pormudanas violentas e se faz acompanhar da continuidade no tempo das leisanteriores, os casos de conflito entre a Constituio e o direito adquirido seroreduzidos, quando no raros. Em nosso sistema, a Constituio fonte proteto-ra do direito adquirido, sobrepondo-o lei.

    No mbito jurisprudencial, o assunto , tambm, pacfico, restando con-sagrado pelo Pretrio Excelso que no pode haver direito adquirido contrapreceito expresso da Constituio.

    A regra seria a mesma no que se refere s emendas constitucionais, noexerccio do Poder de Reforma?

    A resposta negativa merece prevalecer.A Carta de 88 inscreve, em seu art. 5, inciso XXXVI, o direito adquirido

    como uma garantia individual.Por sua vez, os direitos e garantias individuais no podem ser abolidos

    atravs de emenda (art. 60, 4, CF), demonstrando, de forma clara, a impos-sibilidade do Poder de Reforma violar tal preceito.

    Os que defendem posicionamento contrrio, argumentam que o direitoadquirido no pode ser prejudicado por lei, de acordo com o preceito cons-titucional, o que excluiria a emenda.

    Ora, o vocbulo lei a empregado no seu sentido amplo, englobandotodas as modalidades de legislao, a partir das emendas.

    Ademais, no se pode esquecer que o Poder de Reforma um poderconstitudo, limitado, e, como tal, deve respeitar as diretrizes traadas pelo Po-der Constituinte. Se este estabeleceu a proteo ao direito adquirido, como seadmitir que, posteriormente, na vigncia do mesmo ordenamento jurdico cons-titucional, sem que tenha havido qualquer processo revolucionrio de mudana,a prpria Carta Poltica, atravs de uma emenda, venha a violar o preceito queela mesmo resguardou? Seria, no mnimo, um contra-senso.

    Transportando tais consideraes para as constantes reformas constituci-onais, dvidas no podem restar no sentido de que, aqueles que j integraram odireito ao seu patrimnio, ainda que no tenham exercido a vantagem, estoprotegidos sob o manto do art. 5, inciso XXXVI, CF.

    esse o entendimento que vem prevalecendo no campo doutrinrio.Em artigo conjunto, Carlos Ayres Britto e Valmir Pontes Filho (in Direito

    Adquirido contra as Emendas Constitucionais, Revista de Direito Adminis-trativo, Rio de Janeiro, Renovar, 1995, vol. 202, p. 80) assim se expressam:Em sntese, a norma constitucional veiculadora da intocabilidade do direito ad-

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    quirido norma de bloqueio de toda funo legislativa ps-Constituio. Im-pe-se a qualquer dos atos estatais que se integram no processo legislativo,sem excluso das emendas.

    Srgio de Andra Ferreira (in O princpio da segurana jurdica emface das reformas constitucionais, Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense,vol. 334, p.198) afirma: Foi a prpria CF de 1988 que, quando quis excepci-onar, teve de faz-lo expressamente, ao estatuir, no art. 17 do ADCT, que nose admitia, no caso nele previsto, invocao de direito adquirido. Se isso ocor-resse, no haveria necessidade de ressalva. Mas essa excluso, questionvelmesmo em uma nova Constituio, intolervel em se tratando de mera emendaconstitucional.

    Para Manoel Gonalves Ferreira Filho (in Poder Constituinte ... cit., p.25) ningum negar ser a norma constante do art. 5, XXXVI, da Constituiouma garantia, garantia essa da segurana das relaes jurdicas. Conseqente-mente ela no poder ser abolida pelo Poder Constituinte derivado (Poder deReforma).

    J o Ministro Carlos Mrio da Silva Velloso, em artigo dedicado ao tema,publicado em sua obra Temas de Direito Pblico, Belo Horizonte, 1994, p.448/449, lana a seguinte concluso: ... um direito adquirido por fora da Cons-tituio, obra do Poder Constituinte originrio, h de ser respeitado pela refor-ma constitucional, produto do Poder Constituinte institudo, ou de 2 grau, vezque este limitado, explcita e implicitamente, pela Constituio.

    Raul Machado Horta (ob. cit., p. 281/282) ensina: Ao incluir no rol damatria vedada ao poder constituinte de reviso a emenda tendente a abolir osdireitos e garantias individuais, a Constituio transformou o Ttulo II da Cons-tituio, que abrange os Direitos e Garantias Individuais e Coletivos (art. 5, I aLXXVII) no seu ncleo irreformvel e, por isso, inatingvel pelo Poder de Emen-da. Nessa irreformalidade, encontra-se o princpio de que a lei no prejudicaro direito adquirido (art. 5, XXXVI). O poder constituinte originrio poder, emtese, suprimir o direito adquirido, de modo geral, incluindo nessa supresso aregra que veda a lei prejudicial de direito adquirido. No caso do poder constitu-inte de reviso, ser questionvel a emenda que propuser a supresso do direitoadquirido assegurado pelo constituinte originrio. A emenda ficar exposta aarguio de inconstitucionalidade.

    Ivo Dantas (ob.cit., p. 61/62) expe idntica concluso, destacando quequando se fala em Emenda Constitucional, esta manifestao de um PoderConstitudo - Poder de Reforma -, integrando, nos termos do art. 59 (CF, 1988),

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    o Processo Legislativo e, como tal, encontra-se obrigada a render homenagensao texto da Constituio, concluso a que se chega no por mero exerccioexegtico, mas, inclusive, por determinao expressa deste mesmo texto (art.60, 4).

    Destarte, apesar da existncia de vozes abalizadas em contrrio, como ade Hugo de Brito Machado (v. Direito Adquirido e Coisa Julgada como Ga-rantias Constitucionais, Revista dos Tribunais, So Paulo, RT, vol. 714, p.19-26) observa-se que a doutrina vem sedimentando a exegese segundo a qualh direito adquirido em relao emenda constitucional.

    Em caso de violao ao princpio, caber, pois, ao prejudicado se socor-rer do Poder Judicirio, sendo certo que, na hiptese da emenda afrontar odireito adquirido, estar sujeita ao controle da constitucionalidade, conformeposio j albergada3 na Corte Suprema, no julgamento das ADINs de ns926-5/DF e 939-7/DF, que tratavam do Imposto Provisrio sobre Movimenta-es Financeiras - IPMF.

    4. CONCLUSO

    Em face do estudo realizado, podem-se apontar as seguintes ilaes:

    a) a teorizao do Poder Constituinte - poder de elaborar uma Constitui-o - surgiu a partir do final do sculo XVIII, atravs do panfleto Que Terceiro Estado?, de autoria do abade Emmanuel Sieys, s vspe-ras da Revoluo Francesa;

    b) as caractersticas bsicas desse poder so trs: 1) inicial, em razode que no existe, antes dele, nem de fato nem de direito, qualqueroutro poder; 2) autnomo em funo de que somente a ele competedecidir se, como e quando deve se outorgar uma Constituio Na-o; 3) incondicionado porque no est subordinado a qualquer re-gra;

    c) os elementos indicados no se fazem presentes no processo de altera-o de uma Carta Poltica, pois muitos so os limites a serem observa-dos, havendo, no caso, o exerccio de um poder constitudo - o Poder

    3 A possibilidade de existncia de normas inseridas na Carta Magna estarem eivadas do vcio da inconsti-tucionalidade, reconhecida pelo Supremo, consagrou a posio que parcela da doutrina j vinha, h muito,defendendo.

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    de Reforma, sendo inadequada a denominao deste como PoderConstituinte Derivado;

    d) nas democracias, a titularidade do Poder Constituinte cabe ao povo,sendo normalmente exercida atravs de uma Assemblia Constituinte,eleita para tal finalidade, como ocorreu durante os trabalhos da Cartade 88;

    e) no Brasil, h previso do Poder de Reforma ser exercido atravs dareviso constitucional, iniciada cinco anos aps a promulgao da Leipice (art. 3, ADCT) e j concluda, havendo, ainda, a possibilidadede mudanas atravs das emendas constitucionais, disciplinadas noart. 60 da Constituio;

    f) direito adquirido aquele que, j integrante do patrimnio de seu titu-lar, pode ser exercido a qualquer momento, no podendo lei posterior,que tenha disciplinado a matria de modo diferente, causar-lhe preju-zo;

    g) com excluso da Constituio Polaca de Vargas (1937), todas as ou-tras protegeram, de forma implcita ou explcita, o direito adquirido,revelando a deferncia com que o constituinte sempre cuidou da mat-ria;

    h) o Poder Constituinte no tem limites no mbito do Direito Positivo, demodo que a Constituio pode alcanar situaes pretensamente res-guardadas pelo direito adquirido;

    i) diferente a regra no que se refere ao poder constitudo - Poder deReforma -, pois o princpio do direito adquirido constitui uma garantiaindividual (art. 5, XXXVI, CF) e, como tal, encontra-se protegido nacondio de clusula ptrea, expressa no art. 60, 4, IV, da CartaMagna, de forma que as emendas constitucionais ho de respeitar opreceito;

    j) em caso de violao ao princpio, caber ao prejudicado se socorrerdo Poder Judicirio, sendo certo que a emenda estar sujeita ao con-trole da constitucionalidade.

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    EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI(A Questo da repristinao da lei que revogou disciplina

    legal anterior e que ela prpria foi afastada porinconstitucional)

    Francisco Wildo Lacerda DantasDesembargador Federal do TRF - 5 Regio

    1. Introduo; 2. Os sistemas de controle de constitucionalida-de; 3. O modelo brasileiro; 3.1. Controle Difuso; 3.2. O controle abs-trato/concentrado; 4. Os efeitos da inconstitucionalidade, no Brasil;4.1. Controle abstrato/concentrado; 4.2 - Controle difuso; 4.3 Aquesto da repristinao da lei que revogou lei anterior e que, poste-riormente foi afastada, por inconstitucional; 5. Breves concluses.

    1. INTRODUO

    Ao apreciar o Agravo de Instrumento n 58586/AL, em que so parteDestilaria Autnoma Porto Alegre Ltda e Instituto Nacional do Seguro Social INSS, voltei a enfrentar questo a respeito da alegada vedao da repristina-o, por lei posteriormente afastada por inconstitucional, a cujo respeito tinhaprocedido algumas anotaes, com o propsito de escrever artigo a respeito.Ao responder gentil correspondncia do Desembargador Federal LUIZ AL-BERTO GURGEL DE FARIA, para colaborar com a edio da Revista daEscola de Magistratura Federal, brilhantemente dirigida por ele, lembrei-me dessaexperincia, que resolvi aproveitar, para com os complementos utilizados nadeciso que iria proferir no supramencionado agravo, atender ao convite, quetenho como verdadeira intimao, tal o apreo que me merece a convocao.

    J se observou que o homem tem porfiado por estabelecer um sistema denormas que se lastreiem em uma norma fundamental, de modo a estabeleceruma hierarquia para as leis e de garanti-la. Isso resulta da luta suprema do ser

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    humano para vencer o contingente, de modo a estabelecer-se que as leis mu-dam, mas permanece a Lei1. Essa preocupao mais antiga do que a siste-matizao promovida por HANS KELSEN2 quando imaginou o ordenamentojurdico de forma piramidal, estruturado a partir da uma norma geral fundamen-tal, identificada com a Constituio, muito embora esse autor concebesse a nor-ma fundamental como aquela norma presente na conscincia da comunidadejurdica regrada por determinada ordem jurdica, como suposto de que se deverespeitar e acatar as normas que a integram, correspondente ao imperativo ca-tegrico de KANT.

    Inicialmente, essa tendncia buscou amparo no iderio do jusnaturalismo.Assim, uma lei que se revelasse injusta no deveria ser obedecida por no seajustar ao direito natural, imposto por Deus, como o ideal de justia. Ainconstitucionali-dade da lei se revelava como uma afronta aos valores contem-plados pelo direito natural. Superada a concepo do direito natural como algovindo de fora do sistema jurdico, continuou o homem a buscar um referencialque pudesse servir de fundamento consa-grao de valores que deveriam serrespeitados pelas normas, sob pena de perderem a validade.

    Nesse sentido, JORGE MIRANDA observou que a inconstitu-cionalidadeno deve ser vista apenas como uma sano de invalidao da norma que con-trarie o texto constitucional, por ir mais alm, revelando-se como um mecanismode garantia dos direitos, mediante o qual considera-se a invalidade de certasnormas para que a eficcia garantstica da Constituio seja reposta3.

    Segundo MAURO CAPPELLETTI, isso se operou com a adoo devrias providncias: em primeiro lugar, admitem-se as constituies modernascomo normas prevalentemente de valor porque ainda que expressas em fr-

    1 - Cf. Mauro Cappelletti, O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado,traduo ao vernculo por Aroldo Plnio Gonalves e reviso de Jos Carlos Barbosa Moreira, SrgioAntnio Fabris Editor, Porto Alegre, 1984, p. 09-15.

    2 - Segundo observa Carlos Blanco de Morais, muito antes da existncia do constitucionalismo e, pois, dehaver-se concordado com as excelncia da constituio como documento escrito que se queria permanen-te, j se destacava em vrios pases, entre os quais Portugal, a figura dos embargos de nulidade, opostos emjuzo pelos particulares, contra atos normativos aprovados pela autoridade real, com violao das chama-das Leis Fundamentais, ou de jus superior, sobretudo quando tais atos normativos se mostrassemlesivos aos seus direitos e privilgios. Cf. Justia Constitucional, Tomo I Garantia da Constituio eControlo da Constitucionalidade, Coimbra Editora, 2002, p. 325.

    3 - Cf. Contributo para uma Teoria da Inconstitucionalidade, Coimbra Editora, 1996, reimpresso, p.13.

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    mulas necessariamente vagas, ambguas, imprecisas e programticas, tem-se quea Constituio define uma tbua de valores que rege determinada sociedade eque por isso devem ser respeitados. Depois, se busca atribuir um carter rgidoa essa Constituio. Em terceiro lugar, surge a grande novidade, busca-se trans-formar a impreciso e a imvel estaticidade daquelas frmulas consagradas naConstituio e a inefetividade daquela prevalncia, numa efetiva, dinmica epermanente concretizao desses valores, atravs da obra de um intrpretequalificado: o juiz constitucional (Hter der Verfassung) 4.

    Assim, desenvolveu-se um controle ou, como preferem os lusos, umafiscalizao da constitucionalidade das leis, cujo exame, ainda que sumrio, setorna obrigatrio, para apurar-se os efeitos que produz a inconstitucionalidade.

    2. OS SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

    comum resumir-se o controle de constitucionalidade das leis ao sistemapoltico e ao sistema jurdico, subdivindo-se este ltimo no controle difuso e/ouabstrato, reservado este ltimo a um Tribunal Constitucional5.

    O sistema de controle poltico o que, em lugar de atribuir o controle deconstitucionalidade ao Poder Judicirio, prefere comet-lo a outro poder denatureza poltica, como o Parlamento, na forma existente na Inglaterra6, onde aconstituio flexvel ou a um rgo de natureza especialmente criado para esse

    4 - Idem, ibidem.

    5 - H vrias classificaes a respeito, impossvel de serem todas mencionadas no corpo de um artigodestinado a examinar, sumariamente, a problemtica dos efeitos decorrentes da pronncia de inconstitu-cionalidade. Jos Alfredo de Oliveira Baracho fez referncias a alguns, do que ressalto a aluso classifi-cao de Marcelo Caetano: controle exercido por rgo poltico comum, por rgo poltico especial, porrgo jurisdicional especial; ou por fim, por rgo jurisdicional comum (Manual de Cincia Poltica eDireito constitucional, Tomo I, p. 346 e s) e Georges Duverger, para quem havia um controle pelo corpopoltico, controle por um juiz ou ausncia de controle (Cours de Droit Constitutionnel et InstitutionsPolitiques, Le Cours de Droit, 1956-1957, Paris, p. 183). Cf. Processo Constitucional, Ed. Forense,Rio de Janeiro, 1984, p. 169. Jorge Miranda, por sua vez, para ficarmos s nesses autores, resume o queconsidera como modelos de fiscalizao aos seguintes: 1 - modelo de fiscalizao poltica, centrado noexemplo francs, profundamente ligado ao dogma do constitucionalismo daquele pas; 2 - modelo defiscalizao judicial (judicial review), com origem nos Estados unidos, em 1803; e o 3 - modelo defiscalizao jurisdicional concentrada em Tribunal Constitucional, de matriz austraca, por ter comoparadigma o tribunal criado pela Constituio austraca de 1920, sob inspirao de Hans Kelsen. Cf.Manual de Direito Constitucional, Tomo II Constituio e Inconstitucionalidade Coimbra Editora,1996, 3 ed. (reimpresso), p. 381.

    6 - Nesse sentido, Oswaldo Luiz Palu, Controle de Constitucionalidade Conceitos, sistemas e efeitos,Ed. Revista dos Tribunais, So Paulo, 1999, p. 93.

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    fim, como o Conselho Constitucional francs, muito embora se defenda quemodernamente se aproxima do sistema jurdico, havendo alguns autores que oidentifiquem como Corte Constitucional7.

    Nada obstante, no se revela como um genuno Tribunal Constitucional,porque no apresenta os traos ntidos de um rgo jurisdicional8. Como assi-nalei em outro artigo publicada por esta mesma revista (n 7., agosto 2004, p.109-125), pois se apresenta ... como uma justia constitucional, particular, ori-ginal, na medida em que aprecia matrias constitucionais despreocupado oualheio aplicao da regra constitucional em sentido estrito. uma justia cons-titucional de feitio nico e especfico porque os litgios que lhe so atribudospara decidir se sobrepem aos problemas constitucionais (Cf. ob cit. p. 114).

    Ademais, como assinalei no mesmo artigo e no mesmo local, o ConselhoConstitucional no exercita o controle difuso da lei e se pudesse dizer, s porisso que isso tipo de controle no integra a jurisdio constitucional exercida porum verdadeiro Tribunal Constitucional tal concluso no se compadece com aatuao do Conselho de Estado que, por sua vez, esse tipo de controle.9

    O verdadeiro sistema jurisdicional de controle de constitu-cionalidade,pelo contrrio, atribudo apenas e to somente aos Tribunais, ou ao PoderJudicirio, como um todo e compreende, por sua vez, vrias espcies.

    Muito embora esse tipo de controle tenha sido identificado com cabvelapenas e to somente nos pases onde existem constituies rgidas10, C. A.LCIO BITTENCOURT observou, em obra clssica, que isso no correspon-

    7 - Como o fez Louis Favoreu, na obra Los Tribunales Constitucionales, traduo ao espanhol da obraLes Cours Constitucionelles, por Vicente Villacampa, Editorial Airel S/A, Barcelona, 1944, p. 27-35.

    8 - Carlos Blanco de Morais assinala que o Conselho de Estado tido como um rgo que exercita ocontrole de constitucionalidade, numa viso mais ampla da jurisdio constitucional, onde predomina ocontrole preventivo. Cf. Justia Constitucional Garantia da Constituio e Controlo da Constitucio-nalidade, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 315-316.

    9 - Como observou Francine Batalleir, Le Conseil dtat Juge Constitutionell, Librarie Genrale deDroit et de Jurisprudence, Paria, 1996, p. 2021 e ob cit. p. 115 e nota 14, ao p da pgina.

    10 - Paulo Bonavides, por exemplo, assentou que o controle da constitucionalidade uma conseqncia dasconstituies rgidas. Cf. Curso de Direito Constitucional, Malheiros Editores, 9 ed. revista, atualizadae ampliada com as Emendas Constitucionais, at a de n 24, de 10.12.1999, p. 267. Osvaldo AranhaBandeira de Mello, porm, aps observar que grande parte dos juristas seguiam esse modo de pensar, refereque muitos outros no consideram assim, preferindo vincular o sistema de controle de constitucionalidadeno a uma conseqncia natural das constituies rgidas, seno como decorrncia do regime federativo,incluindo entre estes Rui Barbosa, que considerou como o maior dos constitucionalistas que o pas j teve.Cf. A Teoria das Constituies Rgidas, Jos Bushatsky, Editor, So Paulo, 1980, 2 ed., p. 100.

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    de realidade, por afirmar que em vrios pases da Europa continental comconstituies costumeiras h um sistema de controle jurisdicional11.

    Costuma-se distinguir, no controle jurisdicional, o controle pela via inci-dental ou controle difuso, tambm chamado controle no caso concreto e ocontrole abstrato e se acrescenta um sistema de controle misto em que se exer-cem ambas as formas de controle, que usualmente recebe essa denominao,como o existente no Brasil.12

    No entanto, JOS AFONSO DA SILVA observa, com melhor razo,que h apenas trs sistemas de controle de constitucionalidade: o poltico, ojurisdicional e o misto, com reserva desta ltima denominao para o sistema emque a constituio destina certas espcies de leis para o controle poltico e,outras, para o controle jurisdicional, como ocorre na Sua.13

    A Constituio Federal brasileira no sistematizou, no corpo mesmo desuas normas, esse controle. Limitou-se a disciplin-lo apenas em respeito com-petncia das autoridades jurisdicionais para exerc-lo, mesmo assim sem nadahaver dito, especificamente, em respeito ao juzo monocrtico14. H, porm,uma disciplina bem estruturada na Constituio da Repblica Portuguesa (CRP),que se invoca como subsdio do direito comparado para ajudar no estudo dotema e, por isso, se revela a seguir.

    11 - Cf. O Contrle Jurisdicional da Constitucionalidade das leis, atualizado por Jos Aguiar Dias, Ed.Forense, Rio de Janeiro, 1968, 2 ed., p. 09.

    12 - Uadi Lamgo Bulos, por exemplo, afirma que ... vigora, no Brasil, o controle misto da constitucio-nalidade das leis e atos normativos do Poder Pblico, mesclando o controle difuso, por exceo, com ocontrole concentrado, por ao. Cf. Constituio Federal Anotada, Ed. Saraiva, So Paulo, 2002, 4ed., revista e atualizada at a Emenda Constitucional n 35/2001. Muito embora Edvaldo Brito j houves-se reconhecido o equvoco de falar-se em um terceiro tipo de controle denominado de misto. Cf. Aspec-tos Inconstitucionais da ao Declaratria de Constitucionalidade de Lei ou Ato Normativo Federal,artigo inserto na obra coletiva Ao Declaratria de Constitucionalidade, sob a coordenao de IvesGandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, Ed. Saraiva, 1994, p.39-50, mais precisamente p. 46.

    13 - Cf. Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 20 ed. revista e atualizada at a EC n35, de 120.12.2001, p.49.

    14 - No h nenhum dispositivo na CF/88 que disponha sobre o poder de o Juiz deixar de aplicar a normajurdica que reputar inconstitucional. O nico dispositivo que se conhece a respeito nada obstantenenhum magistrado brasileiro tenha deixado de recusar-se a aplicar a norma que reputa inconstitucional o do art. 13, 10 da Lei n 221, de 20 de novembro de 1894, que dispunha sobre a organizao dajustia Federal e que, como no voltou a ser disciplinado por lei nenhuma, se tem como ainda em vigor.O dispositivo, mantida a grafia da poca, tem a seguinte redao: Os juizes e tribunaes apreciaro avalidade das leis e regulamentos e deixaro de applicar aos casos ocurrentes as leis manifestamenteinconstitucionaes e os regulamentos manifestamente incompativeis com as leis ou com a Constituio.

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    Essa constituio (portuguesa, naturalmente) traz dispositivos expressosa respeito exatamente na Parte IV reservados para a disciplina do que deno-minou Garantia e Reviso da Constituio, em que se destinou todo o Ttulo Ipara Fiscalizao da Constitucionalidade, denominao que substituiu a ante-rior Garantia da Constituio e que preferiu a de Controle de Constitucionali-dade, por estabelecer um corpo estruturado de normas, cuja sistematizaopensoque deveria servir de inspirao ao constituinte brasileiro e, pela disciplinatraada nos artigos 277 (como assim se enumera) a 283, pode-se resumir queh trs tipos preponderante de processos de fiscalizao de constitucionalidadeou de controle de constitucionalidade, como refere JORGE MIRANDA:

    1 - Processo de fiscalizao concreta (arts. 107 e 280 da Constituioda Repblica Portuguesa CRP e art.s 69 e seguintes da Lei Orgnica do Tribu-nal Constitucional), correspondente ao nosso processo difuso de controle deconstitucionalidade, sem domiclio constitucional expresso;

    2 - Processos de fiscalizao abstrata de inconstitucionali-dade por ao,que se subdivide em duas espcies:

    2.1 fiscalizao preventiva (arts. 278 e 279 da Constituio da Rep-blica Portuguesa (CRP) e arts. 57 e s. da Lei Orgnica do Tribunal Constituci-onal), correspondente nossa ao declaratria de constitucionalidade;

    2.2 fiscalizao sucessiva (arts. 281 da Constituio da Repblica Por-tuguesa (CRP) e arts. 62 e s. da Lei Orgnica do Tribunal Constitucional),correspondente nossa Ao Direta de Inconstitucionalidade15.

    3 - Processo de fiscalizao da inconstitucionalidade por omisso (art.283 da Constituio da Repblica Portuguesa (CRP) e arts. 67 e 68 da LeiOrgnica do Tribunal Constitucional).16

    3. O MODELO BRASILEIRO

    Muito embora no se encontre sistematizado, na prpria Constituio,como no exemplo portugus, pode-se tentar um resumo do modelo brasileiro. um sistema onde j se consagrou o controle difuso, preponderantemente reser-vado para a atuao do juiz monocrtico ou de primeiro grau, cujo fundamento

    15 - Carlos Blanco de Morais menciona expressamente que a fiscalizao abstracta sucessiva vulgarmenteconhecida como ao directa de inconstitucionalidade. Cf. Justia Constitucional, Tomo I Garantiada Constituio e Controlo da Constitucionalidade Coimbra Editora, 2002, p. 301.

    16 - Cf. Manual de Direito Constitucional, ob. cit., p. 433.

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    se encontra no art. 13, 10 da Lei n 221, de 20 de novembro de 1894, aindaem vigor17. Alm disso, h o controle concentrado ou abstrato reservadoapenas para o Supremo Tribunal Federal, como se dessume da competnciaexclusiva que lhe reserva o art. 102, parte final e o inciso I deste mesmo dispo-sitivo da CF/88.

    3.1 CONTROLE DIFUSO

    O controle difuso exercido preponderantemente pelo juiz monocrtico no monoplio dele. O referido 10 do art. 13 da referida lei menciona,expressamente, com a ortografia prpria da poca: juzes e tribunaes. Significadizer que tambm os tribunais exercitam esse controle difuso, quando apreciampela via de exceo a alegao de inconstitucionalidade de uma norma e, nessecaso, se limitar a deixar de aplic-la ao caso concreto, se admitir a alegao.Apreciar por via de exceo significa dizer que, nesse controle, no se apreciara questo prejudicial como objeto mesmo do pedido de tutela jurisdicional, masse examinar essa questo como uma questo incidental. O exerccio do con-trole difuso pelos Tribunais se d, portanto, em duas situaes: na apreciaodos processos de sua competncia originria ou na apreciao pela via recursal.

    No primeiro caso, o controle pela via incidental se exercita, no dizer de J.C. BARBOSA MOREIRA18, em respeito questo que engata no raciocniolgico do magistrado, de tal forma que no poder decidir a respeito do que lhefoi pedido de forma principal ou principaleter se o magistrado monocrticoou coletivo (Tribunal) no apreciar e decidir essa questo, pois aquela questoinfluenciar decisivamente no teor da deciso a ser proferida. Torna-se, pois,

    17 - A esse respeito, por referir que o art. 13, 10 da Lei n 221, de 20 de novembro de 1894 apontadopelos especialistas como um marco notvel do nosso sistema de controle de constitucionalidade, cf. ZenoVeloso, Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, Ed. CEJUP, Par-So Paulo, 1999, p. 30.

    18 - O autor explica que a questo prejudicial aquela que necessariamente deve ser apreciada pelo juiz paraque possa decidir a causa principal, pelo que alm dos caracteres de ser uma questo a ser previamenteexaminada pelo mesmo juiz para decidir outra questo considerada principal, com que ela se relacione, indispensvel, que se torne indispensvel esse exame, ou, como ensina: Se, para a soluo da questo x, ojuiz simplesmente pode, mas no precisa, inserir em seu raciocnio a soluo da questo y, esta nomerecer a qualificao de prejudicial, aplicvel, ao contrrio, questo z, cuja soluo seja por hipteseindispensvel de x. Aos caracteres anteriormente apontados, pois, acrescente-se o da necessariedade: sser prejudicial a questo necessariamente posta como antecedentes lgico da soluo de outra. Os grifosso do original. Cf. Questes prejudiciais e Coisa julgada, Tese de concurso para a docncia livre deDireito Judicirio civil apresentada Congregao da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Riode Janeiro, Rio de Janeiro, 1967, ed. esgotada, p. 54.

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    uma questo prejudicial constitucional. Nesse sentido, deve-se entender queesse tipo de controle pela via da exceo.

    Assim, longe de significar que somente cabvel quando se alega essevcio por ocasio da defesa, se deve entender que, nesse controle, no pode ojuiz apreciar a alegada inconstitucionalidade como um pedido em si, dito princi-paleter19. Ademais, a questo apreciada incidentalmente pelo juiz monocrticovolta a ser apreciada em grau de recurso pelo Tribunal competente para rev-la.Aqui, tem cabida o art. 97 da CF/88, nascido com a CF/1934 de Somentepelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivorgo especial podero os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ouato normativo do Poder Pblico. Observe-se, porm e isto constitui a carac-terstica maior dessa espcie de controle que a deciso apenas atinge as partesentre as quais dada, na forma do que estabelece o art. 472 do CPC. Nessesentido ADA PELLEGRINI GRINOVER observa que a deciso jamais pode-r alcanar a terceiros porque jamais se transforma em questo decidida princi-paleter.20

    3.2 O CONTROLE ABSTRATO/CONCENTRADO

    O exerccio do controle abstrato ou concentrado se d apenas no STF ea esse respeito j existe a Lei n 9.868/99, cuja ementa faz referncia expressa Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), Ao Declaratria de Constitu-cionalidade (ADConst), Ao Declaratria de Inconstitucionalidade por Omis-so e, por fim, a Ao de Descumprimento de Preceito Fundamental.

    4. OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE, NO BRASIL

    Aqui se encontra o cerne do trabalho. Pretende-se sistematizar os efeitosjurdicos produzidos no controle de constitucionalidade, no Brasil, que se resu-miu na expresso que encima este trabalho.

    19 - Cf., a esse respeito, Ada Pellegrini Grinover, Controle da Constitucionalidade, artigo publicado naRevista Forense, janeiro-fevereiro-maro de 1998, vol. 341, ano 1994, p. 03-12, mais precisamente p.03-04.

    20 - Essa autora menciona, expressamente, afirma que no controle difuso existe uma questo prejudicial,pelo que jamais se revistir da autoridade de coisa julgada, ... no sendo apta a declarar a nulidade ouanular lei inconstitucional. A resoluo do Senado no revoga nem anula a lei, limitando-se a suspender suaeficcia. Cf. Controle de Constitucionalidade, artigo citado, p. 03-04.

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    O estudo buscar examinar os efeitos produzidos quanto norma anteri-or que havia sido revogada pela norma objeto do controle deconstituciona-lidade, o alcance em respeito s partes e em respeito a terceiros,bem como em respeito ao teor da prpria norma impugnada, se toda ela ouparte dela e em que condies. Para isso, o exame se far em respeito ao con-trole difuso e abstrato, que abrange a Ao Direta de Inconstitucionalidade, aAo Direta de Constitucionalidade e a Ao Declaratria de Inconstitucionali-dade por Omisso.

    4.1 CONTROLE ABSTRATO/CONCENTRADO

    A caracterstica mais importante desse sistema de controle est confirma-da no art. 28, Pargrafo nico: de ter efeito vinculante aos rgos do PoderJudicirio e Administrao, com eficcia erga omnes, bem como de apresentaforte natureza ambivalente: manejada a ao que visa provocar a declarao deinconstitucionalidade da lei, se esta ao for julgada improcedente, declara-se aconstitucionalidade, e vice-versa.

    Esta ltima caracterstica foi objeto das crticas procedidas por LNIOLUIZ STRECK, com lastro em autores portugueses, como J. J. CANOTILHOe RUI MEDEIROS, que, aqui, se aprecia incidentemente, por se inserir no des-dobramento do tema..

    O art. 26 da Lei n 9.968/99 soa:Proclamada a constitucionalidade, julgar-se- improcedente a ao di-reta ou procedente eventual ao declaratria; e, proclamada ainconstitucio-nalidade, julgar-se- procedente a ao direta ou improce-dente eventual ao declaratria.

    O dispositivo reflete o magistrio de autores como GILMAR FERREIRAMENDES21 e MERLIN CLMERSON CLVE haviam escrito de que a aodeclaratria de constitucionalidade nada mais era do que uma ao direta deinconstitucio-nalidade com sinal trocado.

    21 - Realmente, esse autor afirma que a Ao Declaratria de Constitucionalidade nada mais que uma aoDireta de Inconstitucionalidade com sinal trocado. Cf. A Ao Declaratria de Constitucionalidade: aInovao da Emenda Constitucional n 3, de 1993, artigo inserto na obra coletiva Ao Declaratriade Constitucionalidade, coordenada por Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit.,p. 51-106, mais precisamente p. 56.

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    Nas crticas desferidas pelo douto LNIO LUIZ STRECK, em primeirolugar, se argi que se houvesse a propalada ambivalncia entre essas duas aes,no sentido de que uma o reverso da outra, no haveria, absolutamente, neces-sidade da criao da ao declaratria, em face do raciocnio rigorosamentelgico que se constri: se de uma afirmao se pode tirar uma negao, ento seconclui que h ambivalncia. Ou seja, o que se afirma num enunciado podeproduzir outro enunciado com sentido contrrio, donde a concluso de que Seuma proposio afirma algo de forma negativa, e, no seu reverso, se afir-ma positivamente a mesma coisa, ento uma coisa s. Ora, se assim argumenta - por que se tornaram necessrias duas coisas no caso a AoDireta de Inconstitucionalidade e a Ao Direta de Constitucionalidade paradizerem a mesma coisa? Isso no se ajusta lgica por conduzir ao raciocnioinverso: Se h proposio que afirma e outra que nega, uma ao lado daoutra, segue-se que elas no so a mesma coisa, mas duas coisas diferen-tes.22

    Depois, a experincia no direito comparado a de que no existe essaambivalncia. J. J. GOMES CANOTILHO, ao apreciar o controle de constitu-cionalidade concreto pelo Tribunal Constitucional que corresponde ao nossocontrole incidental observa, verbis:

    Qualquer que seja o rito de deciso de no provimento (grifo do ori-ginal) o sentido desta deciso no o de declarar positivamente aregular-i-dade constitucional da norma ou normas impugnadas, masto-somente o de julgar insubsistente um determinado vcio em de-terminadas normas a aplicar a um caso concreto e que foram objec-to de recurso de inconsti-tu-cio-nalidade. As normas podem ser in-constitucionais sob outros pontos de vista no considerados pelo Tri-bunal, porque sobre eles no incidiu qualquer deduo em juzo (pe-rante o juiz a quo (grifo do original) ou no prprio recurso).Conseqentemente, a norma susceptvel de vir a ser consideradainconstitucional por outros motivos e pode at acontecer que, sobreidntica questo, o Tribunal proceda, noutros casos, o reexame dosargumentos, concluindo pela irregularidade dos preceitos constituci-onais.23A partir a, o autor elabora uma criteriosa sntese dos argumentos con-

    22 - O raciocnio foi construdo por Lnio Luiz Streck e nos limitamos a repeti-lo, esforando-nos portorn-lo mais claro. Cf. Jurisdio Constitucional e Hermenutica Uma Nova Crtica do Direito,Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2002, p. 608.

    23 - Cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituio, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p. 891.

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    trrios a essa pretendida ambivalncia, esforando-se por mostrar que, aindaque a lei a tenha contemplado, contraria a natureza mesma da jurisdioconstitu-cional. Os tpicos do raciocnio que podem ser resumidos para ospropsitos da presente abordagem aos seguintes: a) inexistncia da ao de-claratria de constitucionalidade no direito comparado; b) a extenso da con-trovrsia constitucional provocada perante o STF; c) a possibilidade de produ-zir ou no coisa julgada nos respectivos julgamentos; d) as contradies que apresuntiva ambivalncia provoca com a tcnica de interpretao conforme aConstituio e a nulidade parcial sem reduo do texto.

    Pelo primeiro, o autor registra que se em Portugal as decises que julgamimprocedentes, no juzo da pretenso de inconstitucionalidade, se resumem areconhecer uma no declarao de inconstitucionalidade, mas no uma de-clarao de constitucionalidade, na Sua, tm assumido um carter puramentenegativo. J na Espanha, Itlia, Blgica, Irlanda e ustria tambm asseguram- os provimentos denegatrios em sede de recursos constitucionais que equi-valem nossa ao direta de inconstitucionalidade so caracterizados apenascomo negao de provimento.

    Pelo segundo, no se poderia estabelecer a equiparao porque enquantopara a ADIN no se exige a prova da controvrsia anterior, e o elenco de legi-timados para a sua propositura bem mais extenso, na ADC a exigncia dacomprovao da relevncia d a esta um feitio bem diferenciado.24 Pelo tercei-ro - a possibilidade de produzir ou no coisa julgada nos respectivos julgamen-tos a concluso resulta da observao j feita por J. J. CANOTILHO de que,em razo de o ordenamento jurdico portugus o que vale tambm para obrasileiro filiar-se ao sistema romano-germnico.

    Se uma deciso de no declarao de inconstitucionalidade fizesse coisajulgada, significaria que se estava consagrando a regra do stare decisis ou davinculao a precedentes judiciais, que no se compadece com o nosso ordena-mento jurdico, pelo que conclui com a afirmao de outro autor luso - NUNESDE ALMEIDA de que, em sentido inverso das decises de pronncia deinconstitucionalidade, as decises de no inconstitucionalidade apenas fazemcaso julgado formal (ou coisa julgada formal.25

    24 - Idem, ibidem, p. 604-605.

    25 - Idem, ibidem, com remisso obra de Canotilho Teoria da Constituio, ob. cit., p. 993 e 994 ede Lus Nunes de Almeida, A justia constitucional no quadro das funes estaduais, nomeadamenteespcies, contedo e efeitos das decises sobre a constitucionalidade de normas jurdicas, artigo insertona obra Justia Constitucional e espcies, contedo e efeitos das decises sobre a constitucionalidade dasnormas. Tribunal Constitucional, Lisboa, 1987, p. 134.

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    Pela quarta e ltima - as contradies que a presuntiva ambi-valnciaprovoca com a tcnica de interpretao conforme a Constituio e a nulidadepar-cial sem reduo do texto tem-se que a admisso da mencionada ambiva-lncia entre as duas espcies de ao destinada ao controle abstrato da consti-tucionalidade provoca profun-da contradio com as tcnicas que permitem ainterpretao conforme a Constituio e/ou a decretao da nulidade parcialsem reduo do texto, pois que ambas assentam no princpio de que as normaseditadas gozam da presuno de constitucionalidade.

    A admisso de que o entendimento de que a simples rejeio da AoDeclaratria de Constitucionalidade implica reputar-se inconstitucional a normabriga com esse princpio, por impedir que se exercitem essas tcnicas, alis,contraditoria-mente expressas no texto da mesma lei26.

    Discordo, respeitosamente, dessas concluses e observo que os podero-sos argumentos apresentados devem ser enfrentados com muita cautela e cuida-do.

    Quanto ao primeiro argumento, GILMAR FERREIRA MENDES relaci-ona vrias hipteses em que o Tribunal Constitucional alemo decidiu uma tpicaao declaratria de constitucionalidade. Isso se dera, pela primeira vez, quan-do o Bundesverfasungsgeritcht decidiu a ao proposta pelo Governo doEstado da Baixa Saxnia que postulava fosse declarada a constitucionalidadedo regulamento de 8 de julho de 1952, editado pelo Governo estadual sobre aorganizao judiciria estadual, para afirmar que:

    A Corte Constitucional, aps considerar admissvel a ao (ao pro-posta por um Governo Estadual que considera vlida disposio dodireito estadual, aps um Tribunal, uma autoridade administrativaou um rgo de um Estado ter deixado de aplic-la por consider-laincompat-vel com a Constituio) reconheceu a incompatibilidade doregulamento com a Lei Fundamental, declarando a sua nulidade, nos se-guintes termos: O Regulamento editado pelo ministrio da Baixa Saxniasobre a mudana da organizao judiciria das comarcas de Bckbur eHannover de 8 de julho de 1952 nulo.27

    26 - Cf. Lnio Luiz Streck, Jurisdio Constitucional e Hermenutica Uma Nova Crtica do Direito, ob.cit., p. 608.

    27 - Os grifos so do original., onde se remete a seguinte fonte BverfGE 2, 307 (308). Cf. A AoDeclaratria de Constitucionalidade: A Inovao da Emenda Constitucional n 3, de 1993, ob cit., p. 64.

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    Evidente que, na hiptese indicada, se havia proposto uma tpica aodeclaratria de constitucionalidade segundo afirmou GILMAR FERREI-RA MENDES - o que, s por si, contraria o argumento de LNIO STRECK.Depois, se assinala que a deciso foi contrria, por reconhecer a inconstitucio-nalidade e, pois, revelar a ambivalncia impugnada. Este mesmo autor (GIL-MAR FERREIRA MENDES) arrola outros precedentes do Tribunal constituci-onal alemo, de despecienda transcrio.28

    Em respeito ao segundo argumento, penso que LNIO STRECK apenasdemonstra que a controvrsia da Ao Direta de Inconstitucionalidade bemmais ampla do que a que d origem Ao Declaratria de Constitucionalidade,limitada existncia de uma controvrsia ou uma dvida sobre a constituciona-lidade da norma, como prprio das aes declaratrias em geral, sem que talobservao possa servir para outra coisa que no a constatao de que essasaes apresentam controvrsias diferentes.

    Tampouco me parece procedente o terceiro argumento. Ainda ambos osordenamentos - tanto o ordenamento jurdico portugus como o brasileiro, quedele derivou - no consagrem o princpio do stares decisis, nem por isso sepode deixar de reconhecer a existncia j no antigo direito portugus dosprecedentes vinculativos, como nos assentos da velha Casa de Suplicao dePortugal, por fora das regras das ordenaes manuelinas de 1521 (Liv. V, Tt.58, 1), seguidas nas Ordenaes Filipinas (Liv. I, Tit. 5, 5), orientao quefoi mantida no Cdigo Civil daquele pas de 1966, no art. 2.29 Desnecessriotambm lembrar que, no Brasil, temos as Smulas dos Tribunais, que emborano sejam vinculantes como se deseja que sejam, na reforma em andamento produz efeito semelhante.

    Depois, h que se entender que no se pode transpor para o processoprprio da jurisdio constitucional reconhecidamente um processo objetivo(Objektive Verfassung) os institutos prprios da jurisdio comum, no casoo da coisa julgada, buscando-lhe aplicao idntica, com a mesma extenso.

    Nesse sentido, ainda GILMAR FERREIRA MENDES que refere aeficcia erga omnes prevista no dispositivo da lei impugnado, h de ser vistacomo categoria de direito processual especfica do tipo de processo de controleabstrato de cons-ti-tu-cio-na-lidade. Em razo disso, me parece e que ainda

    28 - Idem, ibidem, p. 65 e s.

    29 - Como o demonstrou o mesmo Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit., p. 83.

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    que o STF tenha declarado constitucional um texto de lei, na apreciao daAo Declaratria de Constitucionalidade, nada impede que aprecie uma futuraAo de Inconstitucionalidade sobre a mesma lei, desde que se apresente umanova questo, sem que se possa alegar a existncia de coisa julgada.

    Vale a observao de que, mesmo no processo tradicional, tem-se consi-derado as sentenas como integradas pela clusula rebus sic stantibus.30

    O quarto e ltimo argumento contraditado por si mesmo. Se o prpriotexto da lei admite a tcnica de interpretao conforme a constituio e da nuli-dade parcial sem reduo do texto exatamente porque o dispositivo impugna-do art. 26 da Lei n 9.968/99 tem perfeito cabimento. Se eventualmentejulgar uma Ao Declaratria de Constitucionalidade, o STF pode exercitaressas tcnicas e nada impede que, ao concluir por entendimento contrrio aoque se pediu inconstitucionalidade, quando se pedia a declarao de constitu-cionalidade, ou vice-versa aplique essas tcnicas.

    Ao cabo desse exame, concluo que muito embora se trate de crtica muitobem elaborada, e bem fundamentada, acerca da disciplina brasileira do controlede constitucionalidade em abstrato, nem por isso deve ser acolhida.

    4.2 CONTROLE DIFUSO

    Nesse tipo de controle, o Juiz de primeiro grau ou juzo monocrtico apenas afasta, recusa-se a aplicar a norma reputada inconstitucional.

    Em respeito aos efeitos produzidos quanto norma anterior afastada inci-dentemente pelo magistrado no exerccio do controle difuso, fere-se uma ques-to que tem provocado acesas discusses: pode o Juiz afastar a aplicao deuma lei, por reput-la inconstitucional e, ao mesmo tempo, aplica a disciplina daoutra lei que teria sido por ela revogada?

    A resposta a essa indagao, de grande importncia prtica, envolve oexame, ainda que sumrio, dos efeitos da declarao de constitucionalidade:inexistncia, nulidade ou anulabilidade?

    Os autores tm resumido a doutrina e jurisprudncia a respeito nacionale estrangeira. ZENO VELOSO, por exemplo, resume as posturas de clssicosamericanos MARSHALL, CHARLES KENT e BLACK, alm de outros que sustenta que todo ato legislativo contrrio Constituio nulo, posio

    30 - Cf. Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit., p. 96-98.

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    acompanhada por RUI BARBOSA. ALFREDO BUZAID, por sua vez, defen-de que a sentena de inconstitucionalidade predominantemente declaratria,no constitutiva.

    Em conseqncia, reconhece-se uma nulidade ab initio, para concluirque o Poder Judicirio no modifica o estado da lei, para considerar nulo o queera vlido, mas declara a invalidade da lei, declara-a, pois, natimorta. Por fim,faz-se referncia a FRANCISCO CAMPOS, com o argumento de que a leiinconstitucional no nula, nem anulvel, mas inexistente.31

    Nada obstante a variedade de opinies, o entendimento de JOS AFON-SO DA SILVA me parece o melhor. No controle difuso, a questo prejudicialde constitucionalidade apreciada incidenter tantum - produz uma sentenadeclaratria, ainda que no primeiro grau limitada negativa de aplicao danorma impugnada ao caso concreto e - no segundo quando se transforma emquesto principaleter, com deciso destinada a produzir efeitos inter partes,para cuja deciso se exige quorum qualificado, mantm essa mesma natureza32. o que se l no art. 97 da CF/88: Somente pelo voto da maioria absoluta deseus membros ou dos membros do respectivo rgo especial podero ostribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo doPoder Pblico (o original no est grifado). Logo, se a deciso judicial afasta aincidncia da norma por consider-la inconstitucional, com preponderante car-ga declaratria, produz efeitos ex tunc. Evidente, assim, que se considera queno houve lei apta a produzir nenhum efeito no mundo jurdico. E se no houvelei com essa aptido, segue-se que essa lei declarada inconstitucional no revo-gou a lei anterior. Em conseqncia, a lei pseudo revogada incide na espcie.Tertius non datur.33

    4.3 A QUESTO DA REPRISTINAO DA LEI QUE REVOGOU LEI ANTERIORE QUE, POSTERIORMENTE FOI AFASTADA, POR INCONSTITUCIONAL

    A questo tem provocado acesas discusses e no pretendo, em um arti-go, enfrent-las todas elas nem muito menos resolv-las. Limito-me a contribuir

    31 - Cf. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, ob. cit., p. 192-193.

    32 - Cf. Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, So Paulo, 2002, 20 ed., revista eatualizada nos termos da Reforma Constitucional (at a Emenda Constitucional n 35, de 20.12.2001), p.52-54.

    33 - Nesse sentido, C. A. Lcio Bittencourt, O Contrle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis,edio atualizada por Jos Aguiar Dias, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1968, 2 ed., p. 131-133.

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    para o debate por apresentar a opinio pessoal a respeito, com os fundamentosdo meu convencimento.

    Em respeito a questo da repristinao da lei que revogou disciplina legalanterior e que ela prpria foi julgada inconstitucional), sei, por exemplo, queOSWALDO LUIZ PALU sustenta que se trata de admitir um carter repristina-trio que se no compadece com o ordenamento jurdico brasileiro. Para esteautor, isso se d to somente porque no h limites expressos na Constituioque, naturalmente, impedisse a produo desses efeitos. Respeitosamente dis-cordo desse entendimento. No se trata de repristinar a norma anterior porquea norma declarada inconstitucional no a revogou: uma norma natimorta semaptido para provocar nenhum efeito no mundo jurdico, muito menos o de re-vogar outra lei. Ademais, se disciplina houvesse, creio que somente poderia serno sentido inverso ao que sustentou o referido autor, na forma, alis, do queencontra disciplinado pela Constituio da Repblica Portuguesa (CRP), no ar-tigo 282, I, exatamente nesse sentido, sob pena de criar-se um vazio legislativo. ler:

    Art. 282 (Efeitos da declarao de inconstitucionalidade ou de legalida-de)1. A declarao de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com fora obri-gatria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declaradainconstitucional ou ilegal e determina a repristinao (sem grifos no origi-nal) das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

    Somente com esse alcance se poder entender o sentido da postura ado-tada a esse respeito pelo STF, como se colhe do precedente do Ministro CEL-SO DE MELLO, na Ao Direta de Inconstitucionalidade n 652-5-Maranho,em que se apreciou uma questo de ordem ali suscitada, de onde extraio oseguinte esclio:

    A declarao de inconstitucionalidade em tese encerra um juzo de ex-cluso, que, fundado numa competncia de rejeio deferida ao SupremoTribunal Federal, consiste em remover do ordenamento positivo a mani-festao estatal invlida e desconforme ao modelo plasmado na CartaPoltica, com todas as conseqncias da decorrentes, inclusive a ple-na restaurao de eficcia das leis e das normas afetadas pelo atodeclarado inconstitucional. Esse poder excepcional que extrai a

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    sua autoridade da prpria Carta Poltica converte o Supremo Tri-bunal Federal em verdadeiro legislador negativo.34

    Esse entendimento invocado quando da soluo da questo que me haviasido apresentada na condio de Juiz Federal de 1 grau, na Seo Judiciria deAlagoas, em que invoquei em apoio o precedente supratranscrito, mas se ro-bustece com o novo precedente jurisprudencial, j agora utilizado no desate domencionado AGTR N 58586/AL, em que atuei no exerccio das funes queexero, como integrante da 1 Turma do TRF da 5 Regio, que se passa atranscreve:

    EMBARGOS DE DECLARAO. RECURSO ESPECIAL. CON-TRIBUIO PREVIDENCIRIA PATRONAL. EMPRESA AGRO-INDUSTRIAL. EFEITO REPRISTINATRIO. CONTRADIO.INEXISTNCIA DE OMISSO.(...)2. Ao centrar seus fundamentos no princpio estatudo no artigo 2, 3,da Lei de Introduo ao Cdigo Civil, a deciso embargada deixou deexaminar aspecto de fundamental importncia para o correto desate dalide, concernente abrangncia e especificidade dos efeitos da declara-o de inconstitucionalidade proferida em sede de controle concentrado.3. A declarao de inconstitucionalidade em tese, ao excluir do ordena-mento positivo a manifestao estatal invlida, conduz restaurao deeficcia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucio-nal.4. Sendo nula e, portanto, desprovida de eficcia jurdica a lei in-constitucional, decorre da que a deciso declaratria da inconstitu-cionalidade produz efeitos repristinatrios, que iro atingir, inclusi-ve, a clusula de revogao, seja ela expressa ou implcita, a no serque o STF, tendo em vista razes de segurana jurdica ou de excep-cional interesse social, restrinja os efeitos da medida.5. O chamado efeito repristinatrio da declarao de inconstitucionalida-de no se confunde com a repristinao prevista no artigo 2, 3, da

    34 - Naturalmente o original no est grifado. Cf. Deciso unnime do Plenrio do STF. In DJU de 2.04.93,P. 5615.

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    LICC, sobretudo porque, no primeiro caso, sequer h revogao no pla-no jurdico.6. Embargos de declarao conhecidos para, conferindo-lhes o efeitomodificativo, dar provimento ao recurso especial. (EDRESP 445455/BA, Rel. Min. JOO OTVIO DE NORONHA, j.em 12/08/2003, DJ em 15/09/2003).

    Evidente que os precedentes se referem declarao de inconstituciona-lidade em tese, da competncia exclusiva do STF. Nada obstante, no me pare-ce que tampouco possa o juiz monocrtico deixar de aplicar uma norma a umcaso concreto e, ao mesmo tempo, deixar de reconhecer que nele incida a nor-ma que se tinha por revogada por aquela cuja incidncia afastou, por no serpossvel admitir-se o vcuo legislativo.

    Isso ganha relevo sobretudo quando o magistrado acolhe a alegao deinconstitucionalidade de norma fiscal, de modo a provocar perplexidades comoas que me assaltaram quando, na condio de Juiz Federal Titular da 1 Vara,em Macei, acolhi a alegao de inconstitucionalidade da cobrana do IPI atra-vs da pauta fiscal, determinada pela Lei e tive de apreciar porque com reque-rimento expresso da Fazenda Nacional para que o fizesse - a alegao de quecaso afastasse o regime institudo com base em ato do Ministro da Fazenda,com espeque no Decreto-lei n 1.593/77, da pauta fiscal, adotasse o anterior,que havia presuntivamente sido revogado pelo diploma legal que se reputavainconstitucional. Apesar de haver sido inicialmente concedida a medida liminar,foi ela reformada, proferindo-se sentena em que muito embora se tivesse afas-tado o regime da pauta fiscal, determinou que se promovesse a cobrana naforma anterior, firme na orientao do TFR da 5 Regio, do ento DESEM-BARGADOR FEDERAL CASTRO MEIRA, que orgulhosamente eu viria asuceder, cujo precedente se transcreve:

    TRIBUTRIO. AGRAVO INOMINADO. PAUTA FISCAL.SUS-PEN-SO DA EXIGIBILIDADE DO IPI AT SURGIMENTODE NOVA SISTEMTICA. IMPOSSIBILIDADE. Agravo de instrumento interposto visando a assegurar a no submissoao recolhimento do IPI pelo regime da pauta fiscal, at que seja institudoum novo regime de tributao.

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    No possvel afastar a pauta fiscal e no impor ao contribuinte orecolhimento sobre o valor real da operao. Agravo inominado improvido.35

    4. BREVES CONCLUSES

    Evidente que essas reflexes, provocada no exerccio da atividade juris-dicional e enriquecida com a pesquisa acadmica, no esgota o assunto. Nem sepretendeu chegar a tanto.

    Parece-me bvio, no entanto, que por mais que se argumente que uma leique tenha revogada outra, instituindo uma nova disciplina fiscal e, que, por suavez, seja declarada inconstitucional ou, mesmo, seja deixada de afastada deaplicao no caso concreto, no controle difuso exercido pelos juzes brasileiros no possa mais ser aplicada porque isso importaria repristinao, exigindo-seque venha nova lei instituindo nova disciplina, que pode mesmo ser a anterior,que se tinha por revogado, no se compadece com a lgica do razovel.

    Se se afastou a aplicao de uma lei qualquer que tenha sido o tipo decontrole de constitucionalidade exercido me parece evidente que a lei anterior,que se tinha pro revogada, volta a viger, porque uma lei inconstitucional noproduz efeito nenhum. Ainda que se identifique tal fenmeno como o de repris-tinao, no deve ser confundido com o fenmeno, do mesmo nome, a que serefere o art. 2, 3 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil, porque, como bemobservou o Ministro JOO OTVIO NORONHA, na precisa hiptese dadeclarao de inconstitucionalidade sequer h revogao, no plano jurdico.

    Insista-se, alm disso, que essas reflexes, procura estimular o debate arespeito da momentosa questo. Nada mais

    35 - Agravo Inominado no Agravo de instrumento (AGIAG) 40599-PE (200205000016213). Ac. Un. da1 Turma do TFR da 5 Regio. In DJU de 23.04.2002, p. 409.

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    A REFORMA PREVIDENCIRIA BRASILEIRA(Emenda Constitucional 41, de 9.12.2003) E O

    DIREITO ADQUIRIDO. O CONTEDO DAS REGRASDE TRANSIO E SEUS DESTINATRIOS

    Germana de Oliveira MoraesJuza Federal no Estado do Cear

    1. Mutaes constitucionais e o princpio da segurana das re-laes jurdicas; 1.1. Intangibilidade do direito adquirido perante oPoder Constituinte derivado; 1.2. Inoponibilidade do direito adquiri-do perante o Poder constituinte originrio; 2. A Reforma Constituci-onal Previdenciria Emenda Constitucional n 41, de 19.12.2003;2.1. A Reforma Previdenciria e direito adquirido; 2.2. O contedodas regras de transio e seus destinatrios.

    1. MUTAES CONSTITUCIONAIS E O PRINCPIO DASEGURANA DAS RELAES JURDICAS

    A reforma previdenciria uma reforma constitucional. De natureza cons-titucional. Veicula-se por intermdio de normas constitucionais.

    Logo, a questo h de ser tratada atravs do prisma das mutaes dasnormas constitucionais. O Direito Constitucional Brasileiro apresenta a marcada mutabilidade, caracterizado que por constante mudana de textos bsicos,seja atravs da edio de novos diplomas normativos, seja atravs de sua ativi-dade de reforma, mediante emendas.

    A Reforma Previdenciria veiculada mediante a Emenda Constitucional n.41, em 19.12.2003, um exemplo de mudana das normas da Constituio, e

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    como tal tem suscitado vrios problemas jurdicos concernentes sucesso nor-mativa da lei superior.

    A anlise terica desses problemas decorrentes da aplicao intertempo-ral das normas constitucionais resolve-se a partir da adoo do princpio dasegurana das relaes jurdicas, cujos desdobramentos compreendem a irre-troatividade das normas e a proteo ao direito adquirido temas umbilical-mente entrelaados.

    O princpio da segurana das relaes jurdicas aglutina um conjunto deregras assecuratrias de uma certa estabilizao no tempo de situaes jurdicasestabelecidas pelo Poder Pblico.

    Admite-se, no entanto, que, diante de certas situaes, o valor seguranapossa ceder e, em conseqncia, a irretroatividade das normas e a intangibilida-de do direito adquirido possam ser excepcionadas.

    O princpio da supremacia do Direito, a demandar a reviso de situaesirregularmente constitudas, e, o ideal de Justia a exigir constante mutabilida-de justificam a contemporizao do princpio da segurana das relaes jurdi-cas.

    A realizao do Direito decorre da incessante busca sisfica de concilia-o entre as exigncias, por vezes contrrias de justia e de segurana. A justiademanda, com freqncia, a modificao das normas e das situaes, para queassim se possa aperfeioar constantemente a ordem jurdica adaptando-a so-ciedade cada vez mais mutante. O valor justia requer mutabilidade. Noutropasso, o valor segurana exige estabilidade, que se traduz no respeito s situa-es j existentes.

    A segurana jurdica, diante de situaes regularmente constitudas, po-der ceder, portanto, em nome do valor Justia, pois este incita mutabilidade.

    De um lado, o princpio da segurana das relaes jurdicas requer a pro-teo das situaes regularmente constitudas: ora impondo a obrigao de mant-las; ora proibindo a imposio retroativa de novas obrigaes.

    Por outro lado, o princpio da supremacia do Direito e o ideal de Justia,conforme visto, justificam as excees proeminncia do valor segurana.

    O problema que se pe identificar quais instrumentos normativos po-dem contemplar tais excees.

    Essas excees somente podero ser produzidas por meio de normasconstitucionais emanadas do Poder constituinte originrio. Jamais por interm-dio de emendas constitucionais, manifestao do poder constituinte derivado.

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    1.1. INTANGIBILIDADE DO DIREITO ADQUIRIDOPERANTE O PODER CONSTITUINTE DERIVADO

    No Estado de Direito, a regra geral a da impossibilidade por razesde ordem factual, lgica e jurdica de que as normas disciplinem situaes pro-duzidas sob a gide de normas anteriores, suprimindo-lhes os efeitos ou atribu-indo-lhes efeitos diversos.

    As normas jurdicas so feitas para vigorar ad futurum, i.e., para incidirsobre fatos posteriores a sua edio.

    A irretroatividade, compreendida como a proibio de incidncia de nor-mas sobre fatos passados, decorre da impossibilidade fsica e lgica de reverteros efeitos dos fatos passados, os quais o tempo se encarrega de cristalizar.

    Alm disso, uma das facetas do valor segurana, inerente norma jur-dica e consectrio de seu atributo de abstratividade, isto , do fato que liga umadada conseqncia atribuio ou emisso de uma ao tpica, enquanto talrepetvel. Conforme explica Norberto Bobbio, a funo de segurana dependedessa carac