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ISSN: 1131-5571 Revista de la Inquisición 1998, nY 7: 297-307 A Inquisi~&o portuguesa a luz de novos estudos ANITA NovINsKY Universidade de S. Paulo «O Cronista que se póe a contar os acontecimentos sem distinguir peque- nos e grandes presta tributo a verdade de que nada do que alguma vez tenha acontecido pode ser considerado perdido para a historia. Certamente urna humanidade redimida ha de assumir todo o seu passado.» (WALTER BENJAMíN) Um congresso concentrado sobre a temática Inquisigáo reveste-se em nossos dias da maior importáncia, e quero parabenizar o prof. José António Escudero e os seus organizadores por esta iniciativa. É fundamental, para a revisáo do nosso tempo, que reflitamos sobre os horrores da história da humanidade e as barbaries sobre as quais se construiu a nossa civiliza9áo. A contribui’áo dos espanhóis para a melhor compreensáo desse passado, através de suas investiga9ées sobre o Tribu- nal do Santo Oficio da Inquisigán, tem sido remarcável. Mesmo que a his- toriografia em Portugal e no Brasil tenha feito alguns progressos nos úl- timos anos, os estudos inquisitórias encontram-se totalmente defasados nesses países se comparados com a produtividade da Espanha. A maior parte dos documentos relativos a a 9áo inqusitorial na América encon- tram-se ainda desconhecidos ea grande lacuna continua sendo o Brasil’. Em dois voluines publicados era Israel, dedicados a história sefaradi, as referén- cias ao Novo Mundo se limitam a América Espanhola. Ed. BEINART, 1-laira, The Se- 297

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ISSN: 1131-5571

Revistade la Inquisición

1998, nY 7: 297-307

A Inquisi~&o portuguesaa luz de novos

estudos

ANITA NovINsKY

Universidadede S. Paulo

«O Cronista quesepóea contar os acontecimentossemdistinguir peque-nose grandespresta tributo a verdadede quenada do quealguma veztenhaacontecidopodeserconsideradoperdidopara a historia. Certamentesóurna

humanidaderedimida ha de assumirtodo o seupassado.»

(WALTER BENJAMíN)

Um congressoconcentradosobrea temática Inquisigáoreveste-seem nossosdias da maior importáncia,e quero parabenizaro prof. JoséAntónio Escuderoe os seusorganizadoresporestainiciativa.

É fundamental,paraa revisáodo nossotempo,quereflitamossobreos horroresda história da humanidadee as barbariessobreas quais seconstruiuanossaciviliza9áo. A contribui’áodosespanhóisparaa melhorcompreensáodessepassado,atravésde suasinvestiga9éessobreo Tribu-nal do SantoOficio da Inquisigán,temsidoremarcável.Mesmoquea his-toriografia em Portugale no Brasil tenhafeito algunsprogressosnos úl-timos anos,os estudosinquisitórias encontram-setotalmentedefasadosnessespaísesse comparadoscom a produtividadeda Espanha.A maiorparte dos documentosrelativos a a9áoinqusitorial na América encon-tram-seaindadesconhecidose a grandelacunacontinuasendoo Brasil’.

Em dois voluinespublicadoseraIsrael, dedicadosahistóriasefaradi,asreferén-cias ao Novo Mundo se limitam a AméricaEspanhola.Ed. BEINART, 1-laira, The Se-

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Paraentendermoso quefoi o Tribunaldo SantoOficio da Inquisi9áoem Portugal,comofuncionoue a ideologiasobreaqual se apoiou,é im-portantequebusquemosconhecero quepensavamdeleoshomensde seutempoe as própriasvitimas. Semconsultarmosessasfontesteremossem-pre urnaimagernaparenteda realidade,conheceremosapenascomoo do-minadorse apresentavamasnuncaos verdadeirosmotivosqueo impul-sionavam,nemas razóespeíaquaisaIgreja portuguesapersistiuna suaobsessáopeloherege,e no heregebuscano judeu.

As fontesquenosrevelarnavisáodosperseguidossáoas mais difi-ceisde serernencontradas.Comoem todosregimenstotalitários,em Por-tugal apalavraescritae oral era censurada,ea suaviola9aocolocavaemnsco individuos, familias, grupos.O cotidiano,a partir do séculoxvi foiconstruidona baseda clandestinidade,o comportamentodos individuoserasempredubio, dividido entreo dizivel e o indizivel. Os manuscritosque circulavamnos subterráneosda sociedadeespelhavamas opinidesdosexcluidos,suascarénciaseseussentimentose constituemabasemaissolidasobrea qualpodemosnos apuiarparareconstruiro passadohistó-rico e aculturaportuguesa.Nestacomunica~áodamosapalavraa um ho-mem quepertenciaa Igrejae queviveu aexperiénciade serseuprisio-neito: o jesuitapadreAntonio Vieira. Náo vamosnosreferir aqui ao seu«crime»econdena9áo,mascxpressarsuasopiniñessobreo queerao Tri-bunal da Inquisi9áona suapatria,queficaramregistradasem duascartasque redigiu enquantose encontrava«seguro»em Roma. Em urna delas,enviadaao SantíssimoPadreInocéncioXl, escreveque«damado íntimode seu cora~do a Deusdo Ceu oit aos que ocupanío sea lugar na terrapara que vejamos mentiras, a infamia, as calamidadesde suapatria,

táo perniciosa nos benstemporais como a fazenda,a liberdade, vida ehonra, comoespirituaisde tantasalmas”»2.Na CuriaRomana,nessemo-mento, se discutiaa solicita9áodo SumoPontifice aosInquisidoresdePortugal o envio de quatro ou cinco processos,paraseremexaminadospor InocéncioXI. Comosabemosos Inquisidorese preladosportuguesesdecidiramdesobedeceraordemdo Papa,temendoquevazassemsegredosinternosdo Tribunal, fato esseque levou a suspensándo SantoOficioportuguéspor seteanos.NessacartaVieira denuncia,ostensivamente,apolíticados inquisidoreseo racismoportugués.Argumentacom diversos

phardi Legacy,2 vol. TheMagnusPress.TheHebrewUniversityof Jerusalem,Jerusalem1992.

2 Carta do Padre António Vieira sobrea causado Sanclo Oficio escrita ab San-

tíssimoPapa InnocéncioXI, Bibliotecada Ajuda, Lisboa,Codice49/IV/23. S.d. inanus-c rito.

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exemplos,quea hostilidadeaosjudeusnáoera de cunhoreligioso masquesetratavade urnaperseguígaoracista.

Na SegundaCarta,dirigida a um «portuguése grave»,Vieira ¿ain-da maisviolentono seuataqueao antisemitismoportugués.Escreve:«ar-de um odio entre todosos naturaisno reino e nas conquistasardedesdeo ber~o e nemdebaixodascinzas da sepulturaseapaga>). E sobrea táoproclamada«justi9a», escrevenum Memorial: «se no Juiz ha ódio, pOrmaisjustificado queseja a inocenciado rea, nuncaa senten~adojuiz hade ser justa»4 Na luta infatigavel que empreendeuconraa intolerAnciaVieira quenaprovar as autoridadeseclesiásticasque os cristáos-novoseram condenadosinocentemente,que as confissñesextorquidas sobpressáodo medoe da tortura eramfalsas.A injustigae a discrimina~oapoiavam-sesobreurnaideologiaracista,construidaspérentidadeslaicasmas endossadaspeía Igreja, pois fornecia os fundamentospara a sua«missáopurificadora».Vieira procuroumostrar que o poyo portuguésaprovava,por ignorAncia, os autosde té, e quea «sociedadeportuguesaera covardee medrosaperantea prepotenciadosinquisidores»5.Vieiraquandojovem conviveu longamentecom os cristáos-novosna Bahía, equandodiplomatade D. JoáoIV com os judeusna Holandaena Fran9a.Em Portugalseuconvivio com os cristáos-novosfoi íntimo e inintenup-to e seudepoimentoé urnapreciosafonteparao estudodo anil-semitis-mo e do despotismoreligiosoe político do seiscentismoportugués6.

Talvezem nenhumoutro períododa históriaa religiáotenhasidotAoardilosamenteutilizadacomopretexto,paraa eliminagáodeum gruposo-cial, como foi o judaísmoern Portugal e no Brasil, dos séculosxvi aoxvííi. O falo de coexistiremem Portugal,duranteséculos,cristáosorto-doxosehereges,náopermitequeseempregueapalavratolerAncia. A le-gisla9áoportuguesadeterminavaquaisoscidadáosquetinhamdireito de«participar»da sociedade,mesmose na prática,tenhaexistido, duranteséculos,tantoem Portugalcomono Brasil, umadicotomiaentrea lei e a

Carta que o Padre António Vieira estandocm Romadaprin¿eira vezescreveua umportuguése gravequetambémla seachavasobreo rigor do estilo das Inquisi~ñesem Por-tugal naquele tempo.Bibliotecada Ajuda, Códice49/IV/23. S.d.manuscrito.

«Memorial a favor da GentedaNa~Ao hebraicasobreo recursoqueintentavaterem Roma,expostoao SerenissimoSenhorPrincipeIII. Pedro,regentedesteReinode Por-tugal», in PadreANTÓNIO VIEIRA, Obras Escoihidas, lid. Si da Cosía,Lisboa, 195],vol. IV. ObrasVarias II, PP. ¡15-135.

Carta do padreAntónio Vieira a um portuguése grave... cit.6 Sobreo padreAnrdnio Vieira eo Judeus,vejaNOVINSKY, Anita, «PadreAntónio

Vieira, osJudeuseaInquisi~’áo», ja RevistaCebrap, NovasEstudos,a029, 5. Paulo,marqo1991, PP. 112-181

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suaexecu9ao.Essefato sedeveu,em grandeparte,ácorrup9áoqueexis-tia entreosfuncionáriosdo próprio Conseihodo SantoOficio, e no Bra-sil, devidoa enormeresisténciaquea popula9áoapresentouemendossaras leis discriminatorias.Um exemplosignificativo transparecena atitudeda popula9áoda Babia, quandofoi realizadaurna «GrandeInquirigáo»em 1646, no Colegioda Companhiade Jesus.ChamadososmoradoresaMesaInquisitorialparadenunciarseusparentese amigoshereges,muitosbahianosse recusarama faze-loe náocomparecerama convoca~odo go-vernador7.A ausenciade um Tribunal oficialmenteestabelecido.o amploterritório, a necessidadede colaboraiáonumambientenovo e muitasve-zes hostil,a faJtade gente,foram fatoresquefacilitarama«compra»doscertificadosde limpeza,e os «estatutosde pureza»foram aplicadosnacolóniabrasileiracom menosrigidés do que no Reino. Na Cúria Metro-politanadc 5. Paulo acumulamsemilharesde processosde «habilita’$ode genere»,que nAo escondem,nemcm seucontudonemem seuvoca-bulário,aorientagao«racista»daIgrejaportuguesa.Assimmesmo,foramadmitidos cristáos-novosque apresentavam«impedimentode sangue»,mediantepagamentode altas somase presta9áode servi9os.

O racismoportugués,atravésda «limpesa»de sangue,atingiu emPortugaltodas organiza9ées,religiosase laicas,e obsecona mentedegrandepartedos portugueses.Coubea urnacenafac9áodo clerocatóli-co a principal responsabilidadepeía propagagáodessevirulento anti-ju-daismoem Portugal.

Os serméespronunciadosnos autosde fé nAo escondiamessamen-sagernde ódio ao judeu. Analizandoos serrnñesda primeira metadedoséculoXVIII, nAo encontramosmen9aoaoshereges,feiticeiros,bígamos,sodomitase homosexuais,quetarnbémdesfilavamnaslongasprocissñes,nemvem mencionadosos cristáos-novose cripto judeus,masa mensa-gernésempredirigida contrao «poyojudeu»,cornourn todo.O discursoreligiosoescondiao grandeinimigo, ojudeu.

Pelo menoscinquentae duasobrasantijudaicasforam escritasentreos séculosxvi e xviii em Portugale na Espanha.No séculoXVI, dezese-te obras,no séculoxvii quinzee no xviii onze,sendoqueemnovenAo en-contramoso registrodasdatas8.

O govemode D. .loAo V representao augeda perseguiQáoauscon-versos,cm Portugale no Brasil. lima carta,datadade 5 de novembrode

NOVINSKY, Anita, Cristáos-Novosita Bahia, E1. Perspectiva,5. Paulo, 2 Ed.l992.p. 131.

8 KAYSERLING, NI., Biblioteca Espanhola-Pon¿guesa-Judaíca.Nieuwkoop(MCMLXI).

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1707,sintetizaamentalidadequepredominavaentáoentreas fac9ñesdopoder: «celebra-seum Auto de fé em honrafestival aplausoda novadig-nidadedo Inquisidor Geral.Enquantose queimamos judeus«ha de ha-ver opera no Rossio,halle mis ritas da cidade e... luminária.s no Ribei-ra...».

O controledos comportamentos,das cren~ase ideias da popula~ono Brasil erafeito atravésde dois sistemas,quefuncionavamde maneiracomplementarmasindependente:asVisitas Diocesanas,realizadaspeno-dicamentepelos Bispose Padreslocais e as Visitas Inquisitoriais, orde-nadasdiretamentede Portugale realizadaspelosVisitadoresoti Comissá-nos, especialmentenonieadosparaesseflin. Esteseramauxiliadosporagentesleigos,os familiaresdo SantoOficio, incumbidosde denunciareprenderos suspeitos.

Na análisedasDevassasDiocesanastransparecenitidamentea preo-cupa9aocoma diferen9ade classesocial dos réus.Ainda n~ofoi estuda-da de maneirasatisfatóriaa rela9áoexistenteentreessesdois sistemasdecontrole,o episcopale o inquisitórial, masdo examedasDevassasemer-ge um quadroquepermitedistinguir a qualidadede genteimplicada.Soba al9adado Bispoficavaa populaQáomais humildee carente,constituidaprincipalmentede cristáos-velhos,negros,escravos,pardos,enquantoquea al9adada Inquisig~ocabiaa burguesia,apopulagáodenivel médio,ho-mensde negócios,grandesmercadores,pequenoscomerciantes,profis-sionaisliberais, letradose mesmoartesñes,que trabalhavamlivremente,porcomaprópriaou comosimplesempregados.NasDevassasEpiscopaisconstamprincipalmenteos cnimescometidospor cnistáos-velhose estesseresumiamem feitigarias,blasfémias,usura,apostasia,bigamia,desa-catos,solicitaQoes,ofensasaoscostumes,etc,As penasnestescasoserambrandas,as infra9óesjulgadas«in loco», e as senten9asse resumiamemdonativosá Igrejae algumasadverténciaspor partedo 8ispo. Nas «Visi-tas» realizadaspelosfuncionáriosda Inquisiáo,o crime na majorpartedasvezeserao Judaísmo,seuspraticanteseramos cristaos-novos,trans-portadosparaos cárceresern Portugal,tendotodosseusbens seqiiestra-dos no ato da prisáo.Essesdois sistemasfiscalizadoresn~o tinhamfron-temasmuito nítidas maspodemsercaracterizadospeíaclassesocial quecadasistemavisava.Náo encontramosaindaelementosquepennitamde-tectarurna participa9aodireta dos oficiais do Santo Oficio nas VisitasDiocesanas.Sabemosapenasqueo períodode maior intensidadedestas

BaseadosnasDevassasEpiscopaisforarajá escritosalgunstrahaihos.Veja: LauraDE MELLO E SOIJZA,OsDesclasstficadosdo Ouro, a pobrezamineira no séculoXVIII?

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últimas coincide com o períodode intensifica9áodasVisitas Inquisitó-rias9.

Parao funcionarnentoda Inquisi9áoe aaberturade um processoha-via umachavecrucial: a familia. Numaperspectivasociale históricafoia familia que tornou possívela perpetua~áodo marranismoern Portugalcomono Brasil. Mesmohavendoumagrandediferengadenivel socialen-tre os marranosbrasileiros,algunspertencentesa «elite» da colOnia, de-monstravamurnacertasolidariedadecm rela9áoaosrecémchegadosdoReino, pobres,alquebradose miidtas vezessemnenhumabasede sub-sisténcia.Apesarda estruturafamiliar dos cristáos-novosnáodiferir cmseusfundamentosda familia patriarcalbrasileiracrista-veiha,variandoapenasconformea regiáoeo nivel socialdo patriarca,haviaum fator queasdiferenciava:a instabilidade.A sociedademarranabrasileiraapresentaurna enomemobilidade, as familias viviam muitas vezesdispersasmu-dandofrequentementede urnaregiáoparaoutra ou residindoem variascidadesdasMinas, do Rio de Janeiroe da Bahiasimultaneamente.

Seguindopráticase reminiscénciasmuitasvezesinconscientese sin-créticas,ou mesmocomolaicos, osconversostinhamconsciénciade quehaviao «nós»e o «eles».Essesentimentoe essaconciénciaeramtrans-mitidos as criangas,principalmenteaos 12-13 anos.A Inquisi9áotinha apreocupa9áode quebraressesvínculosfamiliarese todosbrasileiros,semexcessáo,quandopresosforam obrigadosa entregarpaN. filhos eosínti-mos amigos’0.

Os portuguesesde origens judaicasque emigrarampara a colOniabrasileiraconstituíram,culturalmentefalando,um elementodiferentedeseuscorreligionariosque se refugiaramnasregiñesdo norte da Europa.No enormecontinentebrasileiroespalbaram-seem numeroconsiderável.Ainda náo ternosdadosdefinitivos, maspodemosadiantarbaseando-nosem pesquisasjá realizadas,quecercade 25% a30% da popula9áobran-ca, livre, dos estadosdePernambuco,Babia,MinasGerais,Rio de Janei-ro era constituidade conversosou marranos.Na Parata chegarama

S. Pauloedit. Graal, 1982; Cajo BOSCHI,«As Visitas Diocesanase a InquisigAonaColé-fija», in Inquisi~áo. Anais do J> CongressoLuso-firasileiro sobrea Inquisi~áo, vol II, Ed.Universitária,Lisboa, 1989, Pp 965 = 996; DARCI VIDAL LIMA E IRAQ DEL NIRO,~<DevassanasMinas Gerais;observ¾óessobrecasosdeconcubinato»,in Anais do MuseuPaulista, tomo XXXI, 5. Paulo.1982;LucianoRAPOSODEPIGUEIREDO,BarrocasFa-,nílias,Ed. licitec, 1997, e O A-ressoda Memória.Ed. JoséOlimpio, lid. UniversidadedeBrasiLia, 1993.

•~ Sobrea familia marrana,vejaNOVINSKY, Anita, «O papelda Muiher no Cripto-JudaísmoPortugués»,in ORostoFe,nininodaExpansñoPortuguesa,Ed. ComissáoparaaIgualdadee paraos Direitos da Muller, Lisboa, 1995. pp. 549-555.

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constituir, no séculoxvii>, metadeda populagAobranca.No Rio de Janei-ro forampresosno séculoxviii cercade 300cristáos-novose denunciadoscomocriptojudeus850.NasMinasGeraisforampresos57 cristáos-novoscom500denunciadose na Paraiba48 prisioneiroscom300 denunciados.A regiáo de SáoPaulo tambémfoi densamentepovoadapelosdescen-dentesdejudeus,porem,sendono séculoxvii aindaextremamentepobre,náojustificavaporpartedaMetropoleumafiscaliza9áomaisrigorosa,fa-to que facilitou aquasi total aculturaqáoe assimila9áodos cristáos-no-vos11.

Uma fonte importanteparao estudodos marranosno Brasil e quenos traz informa9óesmultas vezesinexistentescm onírasfontes sáoosvolumososlivros manuscritosdenominadosLivros dos Culpados.Trata-sede um Repertóriode nomesqueos Inquisidoresmandaramfazera par-tir do principio do séculoxvii, e queelesatualizaramsistematicamente,atéfins do séculoxviii. Nesteslivros ficaramregistradosos nomesde to-dos osportugueses«suspeitos»de crirnescontraa fé ou os costumes,emqualquer lugar que se encontrassem,na Europa, Levante, Oriente ouAmérica.EsteRegistro¿ a únicafontequenospermiteconheceras ori-gensda popula9áobrasileira,pois trazos nomesealgunsdadosbiográfi-cos dos suspeitosde heresiajudaica.Desseslivros extraimos,paraapri-meirametadedo séculoxvsíií, os nomesde 1812cristaos-novosdo Brasilqueforam presosou denunciadosentreos anosde 1710 e 1750 principal-mente’2.

Durante230 anosa Inquisi9áoportuguesamanteveseusagentesnoBrasil, com a finalidadede vigiaremo comportamentodoscolonos.Maisde mil brasileirose portuguesesresidentesno Brasil foram presosentre1731 e 1748,e foram condenadosa morte21 brasileiros,dos quais 2 fo-ram queimadossimbólicamente,em efigie. As prisóesse concentraramprincipalmentenos anosde 1591-95, 1618-21,1646 e 1700-1760.

A medida quea col8nia brasileirase desenvolviaeconomicamenteaumentavaa fiscaliza9áoinquisitorial. Podemosacompanharo percursoinquisitorial no Brasil nos séculosxvii e xviii acompanhandoprimeiro a

Salvador,JOSÉGONCALVES. Cristdos-novos,Jesuitase fnquisi~ño,Ed. Pjonei-ra, S. Paulo, 1969; Os Crisídos-Novose o Comerciono AtlánticoMeridional, 5. Paulo.Ed.PioneiralMinisterioda EducavAo, 1978; Os Crist&os-Novos, Povoamentoe ConquistadoSolo Brasileiro (1530-1680).Ed. Pioneira8. Paulo, ¡976.

“ NOVINSKY, Anita, Rol dos Culpados.Ed. Expressáoe Cultura, Rio de Janeiro,1992. Ternosein preparourn volurne coin o registrodos brasileirosqueforarnpresosnostresséculoscoloniais,acusadosdecrinescontraaféeos costumes,assirncomournahis-tória sobreOs Crisidos-Novosna Rota do Ouro (Minas Gerais,séculoXVIII).

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rota do a~úcare segundo,a rotado ouro. Em fins do séculoxvi, quandoo Brasil se tomou o majorprodutorde agúcardo mundo,aInquisigáoini-ciou a suainvestidano nordeste,ondese concentravaamaiorriquezadoEstadoe no séculoxviii as regiñesvisadasforamRio de Janeiroe MinasGerais.Apesarde um Tribunal nuncase ter estabelecidooficialmentenoBrasil, FelipeII eos Inquisidoresconcordaramsobreanecessidadedesuainstituigao. No século xvii o Vigário da Sé da Bahía, Manuel Temudo,alertapor cartaaos SenhoresInquisidores,sobrea grandequantidadedeconversosqueresidiamnaBahia. Diz textualmentequea genteda naáoconsiderao Brasil a melhor tenado mundoparaviver e fazercomercio,e «a maiorparte dos quenela habizamsáojudeuse ocupamo queha demeihoremtodoestadoe osgovernadoressedeixamgobernarporeles»’3.Em meadosdo séculoxvii intensificaram-seas negociagñesentreas au-toridadeseclesiásticasda Coléniaea Coroaespanhola.visandoo estabe-lecimentode um Tribunaldo SantoOficio no Brasil. Paradoxalmente,osjesuitasemquantoemPortugaleraminimigosda lnquisigáono Brasil ser-viam como agentesprincipaisdo Tribunal. Em 1621 FelipeIV, dirige aobispoO. FernáoMascarenhas,entáoInquisidor-mor,umacarta,explican-do-Ihe quepeía «qualidade»da gentequevivía no Estadodo Brasil, eramulto importante,«para o servko de Deus e do Rei, que houvessena-queleEstadooficlais da fnquisi~áo residentes»,e pedeao Inquisidorquefale com os deputadosdo ConseihoGeral do SantoOficio, sobrea con-veniénciade se introduzir no Brasil um Tribunal. O Inquisidor MartinsMascarenhasconcordacom as razñesapresentadaspor Felipe IV, elogiao zelo de suaMajestade,acrescentandoa¡ndaque o Tribunal náo fariagastosparaa Fazendaporque«ospresosdaquelaspartes ommurnito ri-cos epoderiam cobrir todasas despesas»’4.Apesarde todasas ncgo-ciayñes,o Tribunal náofoi estabelecidono Brasil por razóesqueatého-je náoestño suficientementeclaras. As bipóteseslevantadaspor algunshistoriadoresnáopreenchemas lacunasexistentes.

O papelpolítico daInquisigáoaparecenitidamentenasinvestiga¿ñesquepromoveuno Brasil. Nosprocessosdosbrasileirose portuguesesqueforam presosquandoa Inquisigáoexecutousuaprimeira«Visita» ao Era-sil, em 1591-1595,apontava-secomocriminosoqucínestivesseaservi~ode O. Antonio Prior de Crato,quedisputavacomFelipeII o tronode Por-tugal. Tambémduranteo períodode lutapeíaindependénciade Portugal,osInquisidores,aliadosdosHabsburgos,prenderamdiversosportugueses

‘~ NOVINSKY, Anita, Cristcios-Novos na Bahía, ch.p. 68, ir 2] e p. 69, a. 26.

‘~ Ibid., p. 108 e apéndice1.

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queapoiavamacasade Braganga,acusando-osdejudaizantes.DuartedaSilva, importantefinancistada Coroa,que sustentouem grandeparteaguerracontraCastelaficou algunsanosnos cárceresda Inquisi9áoe Ma-noeI FemandesVila Real, que foi consul de D. Jodo IV na Fran9a,fbiqueimado.

Portugal em nenhummomentomostrou interessecm expulsaroscristáos-novos,e leis anti-emigratoriasforam sucessivamentepromulga-das. Essasleis eram alteradasconforme a contribuigáofinanceiradoscristáos-novose diversostextos escritosna épocarevelamquea Igrejaeo Estadonáotinhaminteresseem perdersuasfontesde renda.

O rei D. Manuelapóso massacredoscristáos-novosemLisboa,em1506.permitiu que,entre1507 e 1512,os crist~os-novossaíssemdo Rei-no. Nesseperíodoiniciou-seaondaemigratóriados portuguesesquedu-rou séculos.Seusucessor,D. JoáoIII, enquantonegociavacom Romaoestabelecimentodo Tribunalda Inquisitaocortouasaidadoscristáos-no-vos, proibi~áoquecontinuouatéo anode 1577,quandoo rei D. Sebas-tiáo, em trocade 225 mil cruzados,abriu-lhesas portas. (Lei de 21-5-1577). 0 cardealHenriquemudoua lei e proibiu novamenteasuasaida,lei essa(18-01-1580)quecontinuoua vigorarapóso dominioda Espanhaem 1580. AumentamentAo as fugas secretas,individuaisou em grupos,paraos PaísesBaixos, Alemanha,Inglaterrae Brasil. Em 1583 FelipeIIrefor9aa proibi9áoe promulgaumanova lei (lei de 6-09-1583)que sócom Felipe III será liberada(04-04-1601e 31-07-1601).Em 1604 Cle-menteVIII concedeuaoscristaos-novosde Portugalum PerdáoGeral eem 1605 permite-sea saidadaquelesquecontribuíssemcomo pagamen-to de 1 milháo e 800 mil cruzados.A partir de 1610 sucedem-senovasproibiyóes.

No que diz respeitoaos Confiscos, a Inquisi9áo portuguesa,naemissáodas ordensde prisáodistinguiaos crist~os-novosdos cristáos-velhos.Examinandoos processosverificamosque todasas emissñesdeordens de prisáo contra os cristáos-novosvinham especificadas«comconfisca9áode todosseusbens»,enquantoqueasordensdeprisáncontracristáos-velhoseramna grandemaioriaordenadas«semconfisca9áodosbens».Ainda náoconhecemoso total do patrimonioque foi arrecadadopeíaInquisigaocom a prisáodos cristáos-novosem Portugale no Brasil.Segundoumaanálisefeita por um estudiosoda Inquisi~áoportuguesa,quepartiudos inventáriosde cristáos-novospresosno Brasil na primeira

> CARVALBO, Flavio Mendesde, Inquis4&o. Urna Avalia~áo dosBensConfisca-dos a JudeusBrasileirosno SéculoXVIII? Estetrabaihon~ochegonaser publicadoernvir-tudeda morteprematuradeseuautor.Extrairnosessasinforma9ñesdo volume quenos en-

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Anita Novinsky A inquis4x&oportuguesaa luz de novosestudas

metadedo séculoxviii, podemosdizerqueamaioriadoscondenadosbra-sileirospertenciama classemédiasendoqueapenas5,4%dentreospre-soseramgrandesmagnatas’5.As atividadesa quese dedicavaamaioriados cristáos-novospresosvariavamentrecomercioe agricultura.Nessegrupo inventariadodo Brasil, na primeira metadedo séculoxviii, 36,2%de cristáos-novosviviam da agriculturae 27% do comercio.A maiorpar-te dosprisioneiroseraoriundadasregiñesmaisricasdo Brasil, 54,6% doRio de Janeiro,16,12% de Minas Geraise 15.4%da Bahia. Os anosemque foram presos a maior parte dos cristáos-novosbrasileirosváo de1711 a 1’720 e de 1731 a 1740. Sobreo montantedo patrimonioconfis-cado,calculadoo seuequivalenteem ouro, foi tirado dos grandesmag-natas(quesórepresentavam5,4% doscristáos-novos)2.584.154gramasde ouro’6.

Se examinamoso montanteconfiscadopor capitania,a Tnquisiqáoconfiscouno Rio de Janeiro3.144.917gramasde ouro (63%do total), se-guindo-sea Bahiae MinasGerais.O maiorpatrimonioconfiscadofoi nadécadade 1711 a 1720e a maiorrendaqueentrou paraoscofresdo San-to Oficio proveioda Bahia,seguidadeRio de Janeiroe MinasGerias.Emresumo,segundocálculo de Flavio Mendesde Carvalho, a lnquisi9áoconfiscoua 129 brasileirospresos,entre 1711 e 1720,bens correspon-dentesaaproximadamente5 toneladasde ouro puro. Pertoda metadedopatrimónioconfiscadopertenciaaossenhoresde engenho,e osmais ricosresidiamna Bahia’7.

O confrontodasfontesdocumentaismanuscritasconfirmam as opi-niñesdo padreAntonio Vieira e de váriosprisioneiosda Inquisigáopor-tuguesa,de queapersegui9áoaosportuguesesde origensjudaicas,cripto-judeusou náo, foi um fenomenopolítico, comimplica9éeseconomicas,quese apoiavaem um racismoorganizadoe legalizado.O ato da con-versáofor9adade todososjudeusao catolicismojá foi um ato eminente-mentepolítico. apesarde todasalegaqñesde ordem religiosafornecidaspelos reis Catolicose por D. Manuel. As primeirasleis discriminatóriascontraosconversos,apóso massacrede Toledocm 1449,náoforam cria-

tregon,ondeesclareceque paraavaharo patrimonioconfiscadobaseou-sefiO patrirnoniobruto de cadacondenado.As dividas de seocredoresnáoforarndeduzidas,urnavez queaIgrejanaopagayaos débitosde suasvitirnas. Suafonte foi o docurnentáriopublicadoporAnita NOVINSKY, Inquis4áo. Inventónos deBensConfiscadosa Crisiños-Novosno Bra-sil, SéculoXVIII. Cole

9áo«Fontesparaa 1-lisrória dePortugale do Brasil», Ed. ImprensaNacional,CasadaMoeda,Lisboa, 1978.

Th ibid.“ ibid.

Revistade la inquisicidn1998, nY 1:297-307

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Anita Novinsky A ¡nquis4~doportuguesaa luz de novosestudos

daspeíaIgreja,masforam apaixonadamenteendossadaspela Inquisigáo.A proclamadainferioridaderacial dos árabes,negrose judeusserviapa-ra controlara ascengáosocial de umanovaburguesia,queem Portugalcome~ouamultiplicar-seapartir dos grandesdescobrimentos.

No Brasil, apesardas leis discriminatórias,os cristáos-novosconse-guiram, na sua maioria, integrar-sea sociedadecrista-velha.Mas os quepertencíama «sociedadesecretademarranos»continuaramvisados,semprenabaseda familia, e erameliminadosconformeas necessidadesimediatas.Ao grupoquetinha o Podercabiadecidir queerae quemnáoera «judeu».

No Brasil foram presosfeiti9eiros, bigamos,sodomitas,padressoli-citantes,variandoseunumeroconformeos periodos.Numaperspectivaampla,amaioriadosprisioneirosforamos judaisantes.

Conforme entenderamo padre Antonio Vieira e outros contempo-raneosquelutaramcontraa intoleranciae o racismo,a Inquisi9áonáoper-mitiu a assimila~áointegraldosdescendentesdejudeus.O sistemaprecisa-vado inimigo quequria eliminar.E muitoscristáos-novos,queconseguirampenetrarna sociedadedos «puros»,náose tomarambonscristáos,ao con-trario, deramorigematodaumacamadade brasileiros«descritianizados».Na forma9áoda mentalidadebrasileiraessa«descristianizagáo»seexprimecom todovigor eln fins do séculoxvuí, quandoo grande«perigo»passaabertamentedo planoreligiáoparao planopolítico’8.

~ Sobreos brasjleiros<ilustrados»presospeíalnquisi9Ao fia Universidadede Coirn-bra, Veja: NOVINSKY, Anita, «EstudantesBrasileiros“Afrancesados”da UniversidadedeCoimbra.A perseguigAode Afitónio de MoraisSilva (1779-1806)»,in A RevoluQñoFran-cesaeseuimpactona AméricaLatina, org. OsvaldoCoggiola,Ed. Universidadede5. Pau-lo 1992, Pp. 357-371.

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