Revista Doctor Plinio 208_201507

36
7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507 http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 1/36 Publicação Mensal Ano XVIII - Nº 208 Julho de 201  Amor à hierarquia

description

Revista Doctor Plinio DrPlinio-208_201507

Transcript of Revista Doctor Plinio 208_201507

Page 1: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 1/36

Publicação Mensal Ano XVIII - Nº 208 Julho de 201

 Amor à hierarquia

Page 2: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 2/36

 S

 Brado de guerra

2

Retábulo maior da Igrejade São Tiago Apóstolo

 Valladolid, Espanha

ão Tiago foi o Santo que exerceu grande atração na Idade Média, e o seu nome foi usadocomo brado de guerra pelos heróis da Reconquista espanhola.

 Para uma alma combativa, nada mais bonito do que imaginar que, quando ela já não fizer  parte do número dos vivos, sua memória ficará, não como um sinal de conciliação, mas como

um brado de guerra! E que os bravos, no momento de arriscarem tudo, até a própria vida, pelacausa católica, terão nos lábios esse nome como um símbolo de luta e de vitória, a ponto de ser esteo último nome que muitos deles pronunciarão, cheios de entusiasmo, antes de se apresentarem à

 glória de Deus e ao sorriso de Maria. Para muitos, este nome foi o de “Santiago!”

(Extraído de conferência de 25/7/1967)

Lu

isFernándezGarcía(CC3.0)

Page 3: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 3/36

As matérias extraídas

de exposições verbais de Dr. Plinio

— designadas por “conferências” —

são adaptadas para a linguagem

escrita, sem revisão do autor 

Publicação Mensal Ano XVIII - Nº 208 Julho de 2015

 Amor à hierarquia

  3

Dr. PlinioDr. PlinioRevista mensal de cultura católica, de

propriedade da Editora Retornarei Ltda.

CNPJ - 02.389.379/0001-07

 INSC. - 115.227.674.110

 

Diretor: Gilberto de Oliveira

Conselho Consultivo:

 Antonio Rodrigues Ferreira

Carlos Augusto G. Picanço Jorge Eduardo G. Koury

Redação e Administração: Rua Santo Egídio, 418

02461-010 S. Paulo - SPTel: (11) 2236-1027

E-mail: [email protected]

Impressão e acabamento: Pigma Gráfica e Editora Ltda.

Rua Major Carlo Del Prete, 1708/171009530-001 São Caetano do Sul - SP

Tel: (11) 4222-2680

SumárioSumárioAno XVIII - Nº 208 Julho de 2015

Preços da

assinatura anual

Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 130,00Colaborador  . . . . . . . . . . R$ 180,00

 Propulsor  . . . . . . . . . . . . . R$ 415,00Grande Propulsor  . . . . . . R$ 655,00

 Exemplar avulso . . . . . . . R$ 18,00

 Serviço de Atendimento

 ao Assinante

Tel./Fax: (11) 2236-1027 

Na capa, BasílicaNotre-Dame deMontreal, Quebec,Canadá

 Foto: Gustavo Kralj

EDITORIAL 

4  Harmonia na desigualdade 

DONA  LUCILIA  

6  Mentalidade anti-igualitária 

S AGRADO CORAÇÃO DE JESUS 

10  Arquetipização,

 amor à cruz e seriedade

 A SOCIEDADE  ANALISADA  POR DR. PLINIO 

16 Coleção de sociedades 

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO 

20 Grandeza, transcendência

 e sacralidade

C ALENDÁRIO DOS S ANTOS 

26 Santos de Julho

H AGIOGRAFIA  

28 Contrassenso: uma prova de amor  

LUZES DA  CIVILIZAÇÃO CRISTà 

32  Roma sparita 

ÚLTIMA  PÁGINA  

36 O celeste rosto de Maria

Page 4: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 4/36

E d  i  t  o r i  a  l 

O

 Harmonia na desigualdade

4

 grande e talvez mais duradouro mito que atravessa os séculos e atinge todas as esferas da socie-

 dade poderia ser resumido em uma palavra: igualitarismo. Não é difícil constatar isto, sobretu-

 do se considerarmos que este foi o principal argumento usado pela serpente para tentar nossos

 primeiros pais no Paraíso. O convite “sereis como deuses” 1 parece ainda sussurrar no interior dos cora-

 ções e, hélas! poucas são as almas vigilantes e prontas a rejeitá-lo.

 Não devemos nos esquecer de que, antes do pecado, Adão e Eva possuíam a graça santificante pela

 qual participavam da natureza divina. O demônio, invejando-lhes a santidade que, se bem correspondi-

 da, redundaria numa magnífica glória, os iludiu a respeito dos planos de Deus. Aquilo que Satanás pro-

 meteu foi precisamente o que lhes arrancou. E só com o sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Segun- da Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, se reataram os laços de amizade entre os homens e Deus.

 Entretanto, mesmo após a Redenção, a humanidade continuou inclinada ao mal. E este muitas vezes

 se apresenta como na primitiva tentação: não só o homem quer ser igual a Deus, mas também nivelar to-

 da a Criação num único patamar.

Tal tendência, arraigada no orgulho, tem sido amplamente explorada e exacerbada ao longo do secu-

 lar processo de decadência da Cristandade, isto é, a Revolução, cujo cunho igualitário Dr. Plinio denun-

 ciou em seu ensaio Revolução e Contra-Revolução2  no qual o Autor afirma que a igualdade absoluta

 e a liberdade completa, concebidas como valores metafísicos, exprimem bem o espírito revolucionário3. Mas por que a igualdade absoluta entre os seres é um mal?

 Durante uma série de conferências realizadas em 1957 — portanto, dois anos antes da publicação da

 obra acima citada — Dr. Plinio explicava:

O universo consegue exatamente suas melhores expressões de semelhança com Deus pela desi-gualdade. Assim, odiar a desigualdade é odiar aquilo que há de mais semelhante a Deus na Criação.Ora, odiar a semelhança com o Criador é odiar o próprio Criador. Portanto, almejar a igualdade co-mo valor supremo é querer o contrário de Deus.

 As diversidades dos seres não existem em consequência do pecado original, como uma punição,nem como uma espécie de desfiguração introduzida no universo pelo mal e pelo pecado. Ao contrá-rio, a desigualdade existe como uma qualidade excelente, precisamente como um requinte de perfei-ção deste universo.

É pela desigualdade que Deus se manifesta melhor aos homens. Por isso a desigualdade represen-ta um bem, em si mesma. Assim, chegamos à conclusão de que procurar suprimir a desigualdade nouniverso é querer destruir o que ele tem de mais alto, de mais excelente, de mais deiforme — eu me

Page 5: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 5/36

  5

DECLARAÇÃO:  Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e

 de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou

 na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm

 outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.

atrevo a dizer —, em que o aspecto de Deus melhor sereflete.

 Assim como uma única criatura não po-deria representar e glorificar suficiente-

mente a Deus, também uma imensaquantidade de seres iguais não po-

deria refletir adequadamente asinfinitas perfeições d’Ele. Logo,sendo os seres numerosos e dis-tintos, devem estar dispostos e serelacionar dentro de uma hierar-quia. Daí decorre, como corolá-rio, que a verdadeira e duradou-ra harmonia entre os homens sóserá alcançada quando houveradmiração e alegria pelas desi-

gualdades postas por Deus nouniverso. Aplicada esta doutrina ao

campo social, vemos que um po- vo que engendrasse um grande nú-

mero de classes sociais finamente mati-zadas na sua organização política e social, fa-

ria uma obra mais completa do que engendrandosó uma classe social.

Portanto, o conceito moderno pelo qual a desigualdadede fortuna só beneficia os ricos, a desigualdade social só beneficia os nobres, a desigualdade naIgreja entre clérigos e leigos só beneficia os clérigos, é mentiroso. É o todo da Igreja e da sociedade

civil que se beneficia com isto. Também os inferiores se beneficiam com essa desigualdade.Em outras palavras, quando notamos a desigualdade num todo, não é ela em benefício dos supe-riores, mas de cada uma das partes desse todo. Numa organização política e social, essa desigualda-de não é, portanto, um mero privilégio dos que estão acima, mas de todos aqueles que compõem aescala hierárquica.

 Neste número de nossa Revista4 , Dr. Plinio nos convida a compreender e amar, como ele, a harmonia

 reinante na ordem hierárquica estabelecida por Deus no universo e, a partir dela, galgando os patamares

 da sublimidade e da sacralidade, chegar ao Criador.

1) Gn 3, 5.2) Parte I, c. VII, 3 - A.3) Cf. Op. cit., Parte I, c. VII, 3.4) Ver principalmente: “Coleção de sociedades”, p. 16-19 e

“Grandeza, transcendência e sacralidade”, p. 20-25.

Page 6: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 6/36

 Mentalidade anti-igualitária

6

DONA LUCILIA

uando contemplamos o Quadrinho1, vemos queDona Lucilia estava no fim de sua vida. Ela nãosabia disso, mas alguns meses depois ela morre-

ria, estando por completar 92 anos de idade. É uma be-líssima idade!

 Alegria em ajudar um mendigo

No Quadrinho a lucidez dela aparece inteiramente,e encontramos algo naquela atitude, naquele olhar, na-

quele modo de analisar as coisas, por onde se apareces-se diante dela um mendigo, o mais pobre, o mais caren-te de educação e de categoria, ela jamais faria a seguin-te reflexão: “Como esse sujeito é nada, como eu sou maisdo que ele! Não era próprio que ele estivesse na minhapresença.”

É evidente que a alma dela voava para esta outra posi-ção: “Coitado, ele é uma criatura humana como eu, é ba-tizado, foi resgatado pelo Sangue de Nosso Senhor Je-sus Cristo, e Nossa Senhora o tem como filho. Olhe co-mo ele está precisando de um auxílio! Tenho pena dele e vou ajudá-lo!”

Não seria uma postura igualitária, como quem dis-sesse: “Esse mendigo é igual a mim, vem cá, dá-me umaperto de mão!” Não. Ele é um mendigo, mas uma cria-tura humana e um filho de Deus; e enquanto tal, por cer-to aspecto, é igual a mim. Então, embora ele permane-ça na sua posição de mendigo, vou prestar-lhe todo o au- xílio que eu puder. Se me for possível dar-lhe dinheiro,emprego, instalação para ele se lavar e se arranjar, rou-pa, de maneira que ele saia daqui outro, farei isso na ho-ra, e com muita alegria. Embora essa roupa não fosse ade um ministro e sim de um homem do povo, mas digna

Dona Lucilia tinha grande respeito pelas pessoas superiores a ela.

E também muita consideração pelos inferiores, respeitando neles

a sua própria natureza, e reverenciando, desta maneira, o Verbo de

Deus que Se fez carne e habitou entre nós.

e distinta, própria de uma pessoa de condição modesta;mas esta eu daria para ele.

Isso seria para Dona Lucilia um regalo. Porém, prazermaior seria se ela pudesse dar o mesmo para toda a famí-lia do mendigo. E naquela noite o mendigo e sua família jantariam vestidos, cobertos, à vontade, com o dia seguin-te garantido, com trabalho para todos. Seria uma satisfa-ção, e mamãe contaria isso para todo mundo, não paramostrar que ela fez, mas para manifestar a alegria que elae os beneficiados tiveram, o que eles disseram, etc.

Dir-se-ia que na primeira atitude hipotética — queDona Lucilia não tomaria — ela demonstraria muito res-peito a si porque estaria olhando para o mendigo com su-perioridade. Mas este seria um respeito superficial por-que, substancialmente, ela é uma criatura humana e todoo resto são acidentes. O mendigo é uma criatura humanatambém e, embora os acidentes sejam desiguais, a natu-reza é a mesma. Assim sendo, ela não se respeita despre-zando sua própria natureza.

 A este propósito na Escritura há uma frase que, quan-do li, me agradou muito: “Não desprezes a tua própriacarne…”2

”Aceite esta medalha de Nossa Senhora das Graças!”

Na atitude de mamãe entrava fundamentalmente umrespeito à dignidade humana e, eventualmente, à digni-dade de católico do mendigo.

Não há dúvida de que, se o indivíduo demonstrasseser um ímpio, a atitude dela mudava. Se ela julgasse ha- ver alguma perspectiva de converter o homem, ela fariade tudo para convertê-lo. Mas se visse que era um desses

Page 7: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 7/36

  7

como que inconversíveis, ela o atende-ria e trataria bem, na medida em quenão lhe facilitasse fazer propaganda daimpiedade dele. Ao se despedirem, di-ria a ele: “O senhor quer fazer-me umfavor? Aceite também esta medalha deNossa Senhora das Graças, e use emlembrança desta velha senhora que lhequer bem!”

Este é o modo cristão pelo qual ela,catolicamente, praticava o respeito aoinferior, respeitando nele a sua pró-pria natureza, e reverenciando, destamaneira, o Verbo de Deus que Se fezcarne e habitou entre nós.

Essa forma de respeitar pode-seaplicar ainda mais facilmente à pessoa

de uma mesma categoria. Mútuo respeito que devehaver entre professores

 Abro um parêntese para verem omecanismo curioso, a fundamentaçãodesse respeito.

Tomem, por exemplo, professoresuniversitários de um país onde hajauniversidades sérias, em que o título deprofessor universitário suponha neces-

sariamente estudos profundos, difíceis,que representam — em certo sentidomuito elástico da palavra — um “mar-tírio” para a alma, embora sejam tam-bém um regalo para o espírito. Comofruto desses estudos, formam-se depoisgerações inteiras de profissionais. Es-ses professores universitários devem,portanto, tratar-se com respeito.

Professores primários devem se tra-tar com respeito também? Sim, mascom matizes diversos. Os professores

universitários devem reverenciar-seum ao outro, mais do que os professo-res primários entre si.

Qual é o fundamento desse respei-to? É que o professor exerce certa ju-risdição e certo poder sobre os alunos.Mais do que desempenhar um poderde mando, ele exerce a influência inte-lectual, cultural, que vale mais do queo poder de mandar, por exemplo, fe-char uma janela da sala de aula.

Page 8: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 8/36

8

DONA LUCILIA

Contribuir para modelar a alma de alguém, dando umdeterminado traço à sua mentalidade, é muito alto e no-bre. Principalmente quando se trata de modelar em esfe-ras mais altas do conhecimento, do pensamento, da Ci-ência, das Letras, das Artes; e, sobretudo, quando orien-tado para Deus Nosso Senhor, porque sem Deus tudo is-so é nocivo ou não vale nada.

Então, porque os professores universitários mode-lam assim as almas, eles têm uma função intrinsecamen-te elevada. Nessa elevação entra também um ato de res-peito para com o aluno, pois é tomando em muita consi-deração quanto vale um aluno que se dá valor à tarefa demodelar sua alma.

Por sua vez, um aluno universitário vale intrinseca-mente mais do que um aluno primário, porque aquele écomo a planta em eclosão, enquanto este é ainda semen-tinha que se acaba de lançar ao solo. Ora, a planta de-

senvolvida vale mais do que a semente. Por este aspec-to, vale mais ser professor universitário do que primário.Entretanto, debaixo de certo ponto de vista, o profes-

sor primário exerce mais influência sobre seus alunos doque o professor universitário.

Portanto, eles devem se respeitar mais em função daelevada missão que exercem e do valor dos alunos quemodelam.

Por essa razão compreende-se o mútuo respeito. Seeles se tratarem com desrespeito, baixam o tom e rebai- xam o aluno. Quando se apresentarem para lecionar nasala de aula, alguma coisa filtra dessa baixa consideração

em que eles se têm.

Relacionamento coma família imperial...

Voltando ao modo de Do-na Lucilia manifestar o res-peito, menciono seu trato comaqueles que lhes eram superio-res. Por exemplo, seu relaciona-mento com a família imperial doBrasil.

Mamãe nos contava comoa Princesa Isabel conhecerasua mãe e ela, em Paris, e co-mo a nobre senhora convidou--as para um lanche em sua resi-dência, em  Boulogne-sur-Seine.

Narrava todos os pormenoresda visita para se compreender acorrespondência que a Princesamanteve com minha avó e com afamília, até morrer.

Vem-me à memória também este fato: Eu era menino,e Dom Pedro Henrique3 — uns meses mais moço que eu— veio para o Brasil, pela primeira vez depois do exílio.

Os costumes do tempo eram completamente diferen-tes dos de hoje. Dom Pedro Henrique ia embarcar de volta para a Europa com a mãe dele, uma irmã e um ir-mão que morreu, e nós precisávamos ir até a estação fer-roviária para nos despedir, antes de partirem de trem pa-ra o porto de Santos.

Como minha irmã e eu tínhamos tido muito mais con-tatos com eles do que as outras crianças da família, deví-amos oferecer-lhes uma lembrança qualquer.

Recordo-me da preocupação de mamãe em encontraruma lembrança original, que não fosse, por exemplo, umobjeto que se acha em Paris muito melhor. Então o queencontrar aqui para se oferecer como presente, e quenão houvesse algo semelhante na França?

Minha mãe excogitou, então, de dar para cada umadas três crianças caixas de madeira brasileira precio-sa e perfumada, ornadas com certos tipos de cipósmuito decorativos que, cortados, envernizados ou en-cerados, ficam muito bonitos. Ela indicou como de- veriam ser as cai xas e os ornatos, foi ao Liceu de Ar-tes e Ofícios de São Paulo e encomendou os objetos,explicando que não podiam ser iguais: a caixa para amenina tinha de ser mais delicada; para os meninos,mais forte, etc. Com todo esmero, porque eles eramquem eram.

Depois, mandou comprar numa  bonbonnière  fran-

cesa que havia em São Paulo o que havia de melhor

Cartão postal retratando Boulogne-sur-Seine

 

Page 9: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 9/36

  9

Projeto da fachada do edifício do Liceu de Artes e Ofícios;Imperador Dom Pedro II, Imperatriz Teresa Cristina e suas filhas, Princesas Isabel e Leopoldina

   R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o

  R e  p  r o

 d  u ç  ã

 o

de bombons para colocar dentro das caixas, e ela mes-ma orientou a criada como embrulhar os presentes empapel de seda e amarrar com fio dourado. Em segui-da, explicou à minha irmã e a mim como nos aproxi-mar da janela do trem onde eles estavam, e com quepalavras entregar-lhes os presentes. Era o respeito pe-los superiores!

Esse respeito ela manifestava com gosto, pois tinhaalegria em respeitar. Essa cadeia de respeito ia desde ummendigo até uma princesa imperial.

...e com a antiga cozinheira

Dona Lucilia teve uma cozinheira negra chamada Bel-mira que, por razões não conhecidas por mim — eu eramenino e acompanhava essas coisas sem prestar atenção—, saiu de nossa casa e tomou emprego em outra famí-lia. Certa ocasião mamãe vinha a pé da Igreja do Sagra-do Coração de Jesus e, na esquina de casa, encontrou-se

com a Belmira que ia para outro lugar.Por interesse pela sua antiga cozinheira, minha mãeparou e conversou um instantinho com a Belmira. Lem-bro-me de uma pessoa da família fazer esta censura:

— Mas como?! Parar na rua para falar com uma em-pregada, não tem propósito!

Mamãe respondeu:— Não vejo problema algum. Eu faço mesmo, e é as-

sim que deve ser.Era a mesma pessoa altamente respeitadora da famí-

lia imperial!

 Senso de justiça e amor ao próximoEsse respeito supõe, antes de tudo, uma atenção sé-

ria posta nas pessoas para ver o que é cada uma, qual suaposição, o que vale e por que vale, dando-lhe o méritoadequado e aquilo que lhe é próprio. Por caridade, porbondade, conceder às vezes um pouquinho mais do quepareceria estritamente justo, mas sem perturbar a boa

disposição hierárquica.De outro lado, supõe também muita objetividade pa-ra não querer colocar-se numa posição que não tem, nemimaginar ser o que não é. Isso requer um senso de justiça eum amor ao próximo, tão característicos da Religião Cató-lica. Nela, esse amor ao próximo se exprimia pelo gosto, pe-lo prazer com que ela tributava esse respeito, vendo o queDeus concedeu a cada um e alegre de que tenha sido dado.

Eu definiria isso como uma mentalidade anti-igualitáriade ponta a ponta. Uma civilização onde todos tivessem essamentalidade seria uma civilização de muita harmonia, demuito acordo, de muito respeito e de muito afeto. v

(Extraído de conferência de 12/4/1988)

1) Quadro a óleo, que muito agradou a Dr. Plinio, pintado porum de seus discípulos, com base nas últimas fotografias deDona Lucilia. Ver Revista Dr. Plinio n. 119, p. 6-9.

2) Is 58, 7.3) Pedro Henrique de Orléans e Bragança (* 1909 - † 1981),

neto da Princesa Isabel.

Page 10: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 10/36

 Arquetipização,amor à cruz e seriedade

N  

10

SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

   T   i  m  o   t   h  y   R   i  n  g

Desde a primeira infância,

Dr. Plinio possuía uma tendência

à arquetipização, que era

alimentada pela frequência à

Igreja do Sagrado Coração deJesus. O ambiente, as imagens,

o órgão lhe causavam encanto,

mas ele sentia a necessidade de

que ali também houvesse uma

fortificação; e percebia que dentro

daquela harmonia e beleza estava

encravada a cruz.

a Igreja do Coração de Jesus, em São Paulo,eu sentia como um estado de espírito que fi-casse pairando pelo ar, uma mentalidade difu-

sa que parecia dizer algo através de cada um dos elemen-tos da decoração. O que havia de mais alto, mais eminen-te, mais preciso, se exprimia através da imagem do Sa-grado Coração de Jesus, sugerindo o modo de Ele ser.

Uma bonbonnière de Sèvres

Tudo quanto via em mamãe era, para mim, um ele-mento integrante d’Ele. Primeiramente, percebi a Ele naIgreja do Coração de Jesus, da qual — por pasmoso queseja — o próprio Sagrado Coração de Jesus também éum elemento integrante.

Toda a vida, desde bem pequeno, houve no meu espí-rito uma tendência para a arquetipização. Não no senti-do de me iludir, achando algo arquetípico quando na re-alidade não é, mas pensando mais ou menos o seguinte:“Se isso fosse perfeito, como seria?” E julgando mais pe-lo que aquilo deveria ser, do que pelo que era. Eu não ti-

Page 11: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 11/36

  11

nha maturidade para exprimir isto assim, mas é o que es-tava no meu espírito. Suponho que fosse uma graça.

Dou um exemplo fora do ambiente da Igreja do Cora-ção de Jesus.

Se eu visse uma  bonbonnière, o mais importante pa-ra mim não era fazer a crítica dela, mas saber como elaseria se o plano do indivíduo que a fez tivesse chega-do ao auge. Em seguida “decretava” — por pobre-za de expressão, por falta de clareza de espírito,por uma porção de coisas — ser aquele objeto“mais bonito”, porque morava ali um planomais bonito do que em outro objeto.

Lembro-me de que vovó tinha uma bonbonnière de Sèvres, daquele tempoem que se importavam as coisas daEuropa às torrentes, a baixo preço.Não era um objeto pomposo, mas

eu o achava lindo!Com a partilha dos bens, istoficou para uma tia minha, e la-mentei que a bonbonnière não ti- vesse ficado com mamãe. Uns30, 40 anos depois, numa dasidas à casa dessa minha tia, vi a bonbonnière   ao alcance de minhamão; e, não sem susto da dona dacasa, peguei-a e comecei manuseá--la. Fingi não perceber o susto deminha tia, que temia que o objeto ca-

ísse no chão. Eu tinha fama na famíliade ser “quebrador”. Não era uma fama injusta...Tive uma decepção ao analisá-la, e percebi que acha-

 va linda a bonbonnière que o artesão quisera fazer, nãoa que estava ali. Quando menino, não separava sufi-cientemente a arquetipia da realidade, e julgava que a bonbonnière   linda estava de algum modo também pre-sente ali.

O que acabo de descrever é muito menos raro do queparece. O espírito humano é correntemente propenso aisto.

 As mitras ”preciosas” dos bispos

Conto algo característico desse processo de arquetipi-zação, por onde mostro como ele é legítimo.

O velho carnaval paulista possuía aspectos dados aosuntuoso. Aquelas moças e mocinhas tinham fantasiasde princesas do Oriente e roupas de Ancien Régime. Paraimitar joias, compravam pedras falsas, as quais punhamnos ornatos. E todo o mundo achava bonito, interessan-te, sabendo ser pedra falsa. Arquetipizavam aquilo queestavam vendo.

O que faziam as moças e mocinhas, ninguém achavaridículo.

Faziam-no também os bispos. Mitras que deveriam serde tecidos riquíssimos — porque eram chamadas “mitrapreciosa”, “mitra áurea”, como reminiscência dos tem-

pos em que eram preciosas mesmo —, no meu tempode jovem eram feitas com tecidos comprados na Rua

Santa Ifigênia1, nesses especialistas de objetos de al-faiataria religiosa.

Mais de uma vez, terminada a cerimônia daPáscoa, vi um bispo chegar à porta da cate-

dral, os sinos todos tocando, o portal fazen-do moldura para ele; e reluzindo na mi-

tra todas aquelas pedras falsas que po-deriam ornar as fantasias de carna-

 val.Ninguém achava ridículo.

Era uma legítima arquetipiza-ção. Quer dizer, é um processolegítimo, sem o qual a boa or-

dem do pensamento humano équase incompreensível.

Comigo, esse processo se davadesde que me lembro de mim, jána pré-idade de formação da ra-zão, dos primeiros princípios.

Bons arquétipos e realidade

Também com relação ao mal. Al-guém diria que nasci com uma vocação maniquéia furi-bunda, mas não é verdade. Era o inimicitias ponam2, eoutras categorias de espírito que ainda não conhecia, asquais estavam dentro disso. Reputo que eram graças.

Por exemplo, já tive ocasião de falar do Herr Kinker,o dono de pensão medonho, que me pôs uma vez nachuva3. Ele se me apresentava como uma personifica-ção do mal alemão. Mas eu o via como ele não era, po-rém certamente de acordo com modelos alemães que o Herr Kinker procurou imitar. E vinha logo a ideia: “Está vendo?! Há uma porção de pessoas como o Herr Kinker.

Existe no fundo, algo semelhante a ele, e isto eu detes-to!”Isto se dava arquicarregadamente na Igreja do Sagra-

do Coração de Jesus, onde tudo era arquétipo e arque-tipizado.

Concebo que um artista faça uma crítica daquilo e en-contre defeitos. Mas esta graça de arquetipização nãogosta da análise científica e artística, porque nega a ar-quetipização e desvia a atenção dela.

Devemos tomar cuidado com os bons arquétipos queformamos na alma, pois mesmo quando não correspon-

    H    i   s    t   o

   r    i   s   c    h   e   s

     M   u   s   e   u

   m     K    a   n    t   o

   n      T    h

   u   r   g    a   u

     (      C    C

     3 .    0     )  

Mitra de Frauenfelder - Museuhistórico de Turgóvia, Suíça

Page 12: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 12/36

SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

12

dem à realidade, são mais profundos que a realidade vista.

O timbre de voz de Nosso Senhor

É importante notar ser esta atitude de alma uma ex-plicação de minha pessoa aos olhos dos outros. Se quise-

rem entender muitas de minhas atitudes, vejam que es-tou agindo em função de um arquétipo.

Mas este arquétipo não é como o do indivíduo que es-tudou na escola de Belas Artes e se põe a desenhar umafachada excelente, porque conhece os princípios. Ou es-te arquétipo sai à maneira de um jorro, do fundo da al-ma, do senso do ser em contato com a realidade, ou nãoadianta nada. Essas regras são como as regras da lógica:não servem para pensar, mas para formular com clarezao pensamento. Pois, se não se descobriu a verdade antesde usar a regra da lógica, só com a regra não se vai des-

cobrir.Na Igreja do Coração de Jesus havia algo arque-

típico mais ou menos esparso pelo ar, do qual es-tou certo de que era uma graça. Quer di-

zer, admito que, a rogos de Nossa Se-nhora, Deus desejasse que eu fosse

propenso a essa operação psicológi-ca, mental, natural, e assim me con-cedesse graças nesse sentido, para euconseguir realizar minha vocação.

Por que tenho certeza de quehavia na Igreja do Sagrado Cora-ção de Jesus uma graça? Porque,

sem saber que era uma graça, pen-sava mais ou menos o seguinte: “Écurioso, mas parece que tudo nestaigreja fala à minha alma! E fala com

o timbre de voz que teria Jesus se es-

tivesse na Terra! Esse é o própriotimbre de voz d’Ele!”Não pensem que eu tinha uma

 visão, não se trata disso.

Uma igreja bela,mas faltava-lhe algode fortificação

Graças a Nossa Senhora, tam-bém arquetipizava muito os Santos

em função das imagens. De manei-

ra que aquela coleção de imagens, aolongo das naves da Igreja do Coraçãode Jesus, era para mim imponentíssima,de Santos arquetipizados!

Ouvindo o órgão de lá, parecia-mea voz de Deus. Sabia que não era, masachava ser algo como a voz de Deus.

No fundo da minha alma, isso mesensibilizava até onde era possível sen-sibilizar alguém. Depois de sentir pro-fundamente aquilo, ficava querendo

TimothyRing

Page 13: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 13/36

   A  r  q   u   i   v  o

    R  e   v   i  s   t  a

  13

bem, e agradecendo. Porque percebia algo de muito bomque havia em mim potencialmente, que se movia agrade-cido e dizia: “Eu vos esperava, aqui estou!” Acho que eraa graça do Batismo, a presença de Deus.

Tenho a impressão de que com todas as crianças acon-tece o mesmo.

Notava, entretanto, uma característica do Coração deJesus não presente naquela igreja, mas que deveria es-tar. Sentia-me ali como se estivesse dentro de uma lindacapela medieval posta no meio do campo. Ora, na IdadeMédia não existiam capelas colocadas no meio do cam-po; precisavam ter em volta muralhas, caso contrário oinimigo as destruiria.

Eu julgava, então, que a Igreja do Coração de Jesus de- veria ser naturalmente fortificada. E aquela ausência deforça, de bellum, da guerra, fazia-se sentir. Com isso, algode minha alma não estava expresso, deixando-me a ideia de

um complemento que faltava.Contudo, consolava-me a grade da Igreja do Coraçãode Jesus e aqueles dois corpos de edifício, que davamideia de um mal a combater e uma estabilidade a afir-mar contra a intempérie. Alguma coisinha falava vaga-mente de uma circunstância adversa a ser tomada emconsideração.

Gostava muito da figura do PadreEterno, um belo mosaico existenteem cima do tabernáculo, porqueEle era representado como umancião batalhador e dominan-

do.

Dona Luciliaentendia essaatmosfera, masnão explicitava

Isso que eu sentia,algumas pessoas difu-sas pela igreja tambémsentiam mais ou menos.

Não todas, mas uns dezpor cento.Dentre os outros, mui-

tos tinham restos de re-ligiosidade conspurcados:utilitários, consuetudinários,feitos um pouco de moda e deoutros elementos meramenteterrenos. No meu tempo de meni-no, aquela era a igreja da moda de umbairro bom de São Paulo.

Porém, se deixassem de haver ali dentro as almasque sentiam aquilo que eu estava notando — das quaiso exemplo mais próximo, mais querido, mais eloquenteera mamãe — os outros não voltariam mais. Era uma es-pécie de rede, por uma ação de  proche en proche4 e depresença, mais ou menos invisível.

Parecia-me também que as pessoas que frequentavama igreja, e sentiam o que eu discernia, gostavam dessagraça, mas nunca teriam coragem de comentar, pois to-do mundo cairia na gargalhada e diria ser uma demên-cia! Portanto, não se devia falar sobre isso. E quem sen-tia não comentava, mesmo entre os que igualmente per-cebiam os imponderáveis da Igreja do Coração de Je-sus. Mentalmente, formulavam algo do que sentiam, masnão iam além disso.

 Acho que mamãe tinha ideia de que era uma graça, oque a levava a rezar muito lá. Todos esses matizes creio

que ela os tinha, até riquíssimos, mas não sabia dizer. Enunca disse.

 As pessoas tocadas por essa graça, emcerto momento, achavam-na monótona

Eu percebia também essa própria gra-ça atrair uma boa porcentagem desses

que a sentiam. Contudo, se a graçase mantivesse e eles tivessem que

ficar muito tempo em contatocom ela, a maior parte acha-

 va monótono. Chegavam lá,deliciavam-se, se encanta- vam, mas depois sentiam

tédio. E com um poucomais, um pouco menosde tempo, sumiam.

Eu ficava perplexo:“Como é esse negócio?Não posso compreen-der: gostam tanto e fo-gem? Não aguentam oque admiram?” E pen-

sava: “Dá-se o mesmocom relação a mamãe.Fazem com ela a mesmís-

sima coisa!”Cheguei, então, à conclu-

são: “Algo disso há de trans-parecer em mim algum dia. Te-

rei a vida que possuem essas coi-sas. Vou ser muito atraente para

uma minoria, mas esta vai se cansar ra-pidamente de mim…”

Page 14: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 14/36

14

SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

Tenho certeza de que, no fundo, o que aparece emmim é isso que hauri no Coração de Jesus, com essecomplemento de fortificação muito acentuado. Eu nãoseria eu mesmo e não me definiria como devo, se nãofosse isso. Qualquer reunião feita por mim tem, no fun-do, isso. Naturalmente em grau muito menor do que naIgreja do Coração de Jesus.

De um jeito ou de outro, todo o atrativo que eu pos-sa apresentar para a companhia de outras pessoas, estámarcado por isso. Portanto, sei que o itinerário forçoso éeste: em certo momento cansa.

Tenho certeza de que isso acontece com todas as pes-soas que são conformes à graça, sobretudo nonosso século. Porque isso é a proa de naviocontra todo o espírito moderno, é a própriadefinição do espírito antimoderno.

Os admiradores de Jesus se cansaram d’Ele...Há uma nota em tudo quanto eu

disse, sem a qual isso seria enorme-mente incompleto.

Na Igreja do Coração de Je-sus, e em todas as imagens doSagrado Coração de Jesus daboa escola, havia uma nota detristeza. Porque dentro de todaessa harmonia, toda essa beleza,

estava encravada a cruz.Nosso Senhor Se apresentavapara nosso olhar como sendo o pró-prio Homem-Deus, com todos os títu-los para ser amado. A isto Ele acres-centou milagres e doutrinas. Quandose lê uma frase do Evangelho, às vezesse pergunta por que o mundo intei-ro não para, e fica comentando aque-le pensamento por toda a eternidade!Quer dizer, Ele fez o inimaginável! E vê-se ter despertado admiração. En-

tretanto, seus admiradores se cansa-ram d’Ele…Essa rejeição certamente causa-

 va uma dor profunda na humanidadesantíssima d’Ele, precisamente por serimerecida.

Um espírito superficial diria a Nos-so Senhor: “Não Vos importeis. Vós na-dais dentro de vossa própria perfeição.Por que precisais desses ‘pés-rapados’que procurais?”

Seria um cálculo mal feito, evidentemente.Portanto, a vida de Nosso Senhor era tristíssima. E há

no fundo do olhar e do Coração d’Ele uma tristeza habitu-almente morando. É o por onde aparece o melhor d’Ele.

 Aceitar uma vida assim é aceitar de morar dentro de umatristeza. Ao mesmo tempo nós sermos a casa da tristeza e atristeza ser a casa de nossa alma; morarmos nós nela e elaem nós. E aceitar isso como “normal”, quer dizer, corriquei-

ro, inevitável, constante, até o fim.Devemos procurar eliminar a

alegria diante da simples ideia deque depois tem o Céu. Porque is-

to é um modo happy-end5 detomar as coisas, que nãoestá na via de Nosso Se-nhor.

Realmente, depois há o

Céu, mas existe a cruz quedesfecha na morte, interme-diária entre o homem nesta Terra eo Céu.

Este amplexo com a tristeza con-fere renúncia, abnegação, bondade,perseverança, constância a todas asnossas disposições de alma.

Não sei se torno claro quantoisso é essencial e como não seriacristão se não fosse assim.

Disso, sobretudo, muitas pes-

soas têm horror. Percebem e fo-gem! Ficam horrorizados.

 A recusa da cruztraz o apagamento da luz

 A cruz é como a sabedoria: asabedoria da cruz vai desde a ma-nhã sentar-se à porta da casa decada um, esperando como umamendiga que lhe queira abrir.Ela faz isto com todas as pesso-

as, de todos os jeitos, de todos osmodos, conservando a dignidadecomo — guardadas as proporções

— em grau divino a conservou Nos-so Senhor Jesus Cristo.

Portanto, não é uma baixeza in-digna, mas uma atitude em outra clave.E isto não é aceito.

O  flash6  faz uma operação curio-sa: cobre isso de alegria, de maneiraque inicialmente a pessoa não percebe

  p   d  p   i  c  s   (   C   C   3 .   0   )

Page 15: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 15/36

  15

a cruz. Em certo momento,suspeita estar ela aparecen-do. E um dos pontos do en-tibiamento e do tédio sucedequando o indivíduo, confusa-mente, no meio do perfumedas flores, começa a sentir ocheiro da cruz e a rejeita.

Se fosse pelo menos a cruzdramática: a pessoa se deita efaz-se crucificar! Mas não. Éa cruz de todos os dias, comsua banalidade, sua monoto-nia, sua luta contra tal ten-tação concreta, que a pes-soa não quer aceitar, masnão quer vencer; tal xodó, tal

birra, tal coisa que não querperdoar, sobretudo.O indivíduo quer colocar

no centro de sua vida umafonte de alegria. Quando querisso desista, porque fracassou!

Quando a pessoa recusa acruz, apaga-se a luz. Ela pode achar a Igreja do SagradoCoração de Jesus a mais bonita possível, mas fica átona. A alegria desaparece, começa a julgar tudo tedioso. Con-tinua a achar bonita a igreja, mas de um bonito tão apa-gado que as coisas mais admiráveis que lá existem não

despertam comentário. A biografia de Huysmans7 que li foi para mim uma re- velação e uma delícia para a alma, porque, quando ele seconverteu, passou a ver muitíssimas dessas coisas de novo.

Quando vem a conversão, a pessoa começa a perceberque a Liturgia é linda e a reperceber as belezas da Igreja.Enquanto mero artista, o Huysmans percebia, não temdúvida; mas isto não tem vida.

Os convites da graça, as recusase a seriedade diante da vida

Suponho que a graça produza esse processo no espí-rito de todos, mas a maioria vai, desde logo “apostatan-do” e tendo, já no começo, um tal desamor, que não con-servaram nem remorsos, nem recordação. De onde umaobliteração profunda, dentro da qual algo ficou. A cathé-

 drale engloutie8 é isto. Algo ainda fala à alma, mas as pes-soas vivem de soterrar essa graça.

 Ao longo da vida, todos os dias, as pessoas recebem vários convites nesse sentido, mas já vão correndo ao pri-meiro bueiro, para ver onde podem jogar fora o convite.Esta é a realidade.

Mas Nossa Senhora é tãoboa que um pavio sempre fi-ca, e essa luz pode reacender.

Isto é propriamente o Rei-no de Deus e sua justiça quedevemos procurar. Os Após-tolos o que quiseram foi is-to. Isto borbulha no Tratado

 da Verdadeira Devoção à San-

tíssima Virgem, sobretudo na“Oração Abrasada”, que éum  geyser disto! Quando seouve falar de Carlos Magno,das Cruzadas, isto borbulha!

Ficaram, assim, umas fon-tes no deserto lançando águapara uns homens que, de lon-

ge, ainda olham para elas edizem: “Como são bonitas… Agora me deixe comer tâma-ras…” Voltam as costas paraa fontes e começam a comertâmaras.

Ou, o que é pior: “Deixe--me afundar no pecado!” Porque quem recusa esta gra-ça perde as condições para conservar uma castidade per-feita.

Estas considerações produzem certa melancolia, masque não vão sem alguma alegria.

Tudo isso junto, como se chama? Seriedade.Encerramos uma conversa séria. Como é melhor sersério do que torcer!

Meus caros, que Nossa Senhora os ajude! v

(Extraído de conferência de 5/10/1985)

1) Localizada na região central da cidade de São Paulo.2) Do latim: porei inimizades (Gn 3, 15).3) Ver Revista Dr. Plinio n. 9, p. 4-5.4) Do francês: de próximo em próximo, gradativamente.

5) Do inglês: final feliz. Alusão à mentalidade difundida pelosfilmes de Hollywood.6) Graça atual de caráter místico que confere um particular

discernimento do sobrenatural. Ver Revista Dr. Plinio n. 55,p. 16-20.

7) Joris-Karl Huysmans, escritor e crítico de arte francês(* 1848 - † 1907).

8) Do francês: catedral submersa. Referência a uma lenda bre-tã segundo a qual os sinos de uma catedral submersa no marfaziam ouvir seu bimbalhar, em certas ocasiões, trazendo àtona a memória do magnífico templo e da belíssima cidadeonde ele fora erigido.

Joris-Karl Huysmans

              R          e           p             r          o 

              d           u           ç   

              ã           o 

Page 16: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 16/36

Coleção de sociedades

 S

A SOCIEDADE ANALISADA POR DR. PLINIO

e numa sociedade humana as almas correspon-derem realmente à graça e a forte maioria viverem estado de graça, no terreno espiritual elas se-

rão levadas pelo impulso rumo ao sublime; em cada so-ciedade orgânica a virtude, que é instilada nas almaspela graça, cria uma movimentação peculiar que é odesígnio da graça.

Les Baux-de-ProvenceFranç

Intervenção da graça sobrecircunstâncias naturais

Entretanto, esse desígnio toma em consideração os fa-tores naturais. Assim, a sociedade orgânica resulta da in-tervenção da graça sobre circunstâncias naturais, comouma música executada em um piano é consequência do

Fazendo novas explicitações a respeito dos

aspectos naturais e sobrenaturais dos grupos

humanos, Dr. Plinio levanta importantes questõesque orientam o estudo da sociedade orgânica.

   B  e  n   h   (   C   C   3 .   0   )

Page 17: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 17/36

  17

Aldeia de Lindenhüegel,Alemanha

toque dos dedos sobre o teclado. O dedo é a psicologiado espírito da região, da raça ali existente; o teclado é oquadro geográfico com as circunstâncias a ele inerentes.Com esses elementos a graça executa a sua “partitura”,que sempre varia. Não há um ponto predeterminado co-mo sendo o principal para todas as sociedades, mas é umponto que a graça, vista em função de determinada cir-cunstância, toca.

Fico na dúvida — e de momento não tenho elementos

para responder — se para fazer um tratado sobre a so-ciedade orgânica seria preciso que tivéssemoso elenco de todas essas circunstâncias. Is-so parece quase impossível. Haveria al-gum tratado de Psicologia ou de vidaespiritual que apresentasse todos osmovimentos possíveis da naturezahumana, considerados em abstrato,para que, a partir disso, se pudessefazer um elenco?

Talvez uma pesquisa pudessefornecer isso, mas não disponho de

tempo para fazê-la. Fica, contudo, le- vantado o problema, e podemos nosperguntar se haveria um princípio, um pon-to monárquico em função do qual se organizauma sociedade.

 A ideia de coleção e a capacidadede refletir as perfeições divinas

É certo que cada sociedade, como cada pessoa, é feitapara ser um reflexo do Criador e que, portanto, consti-

   C   T   J  o   h  a  n  s  s  o  n   (   C   C   3 .   0   )   /   J  o  s  e  p   h   C .   B  o  o  n   (   C

   C   3 .   0   )

tuindo as várias sociedades que existem, existiram e exis-tirão, Deus faz uma coleção de sociedades, as quais, vis-tas no dia do Juízo Final, enquanto sociedades, refleti-rão um aspecto global d’Ele. Parece-me uma coisa certa.

Isso que se dá com grupos humanos — povos, tribos,famílias — acontece também com outras criaturas. Porexemplo, tenho a impressão de que nos reinos animal, vegetal e mineral Deus fez coleções assim. E que depoisdo dia do Juízo, quando nos for dado conhecer bem to-

da a natureza, teremos um conhecimento, por exemplo,de todos os colibris que houve, há e haverá, em seu con- junto, de maneira que compreendamos como a co-

leção de colibris criados deu glória a Ele.

Page 18: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 18/36

18

A SOCIEDADE ANALISADA POR DR. PLINIO

Essa ideia, eu não garanto que seja certa, mas pelomenos me agrada muito. Então, também apraz muito aideia de uma coleção de homens feita desde Adão até osque viverão no fim do mundo, e que forma uma coleçãocomo seria uma de pérolas ou de brilhantes. Então, che-gamos mais uma vez ao infinito, porque há tantas cole-ções que, por sua vez, nos conduzem à noção de uma co-leção de coleções, que nos perdemos diante da infinitu-de de Deus.

Essa ideia de coleção é um dado que devemos intro-duzir nessa temática da sociedade orgânica.

 Hegemonia de espírito

 Agora, voltando ao tema do regionalismo1, notamosque ele se diferencia das sociedades amorfas. A massa,por exemplo, em contraposição ao povo, é uma socieda-

de amorfa. A região constitui-se de partes com seu morfismo pró-prio, dentro de um todo que, com isso, adquire ele mes-mo um morfismo peculiar.

Ora, este morfismo tende a se irradiar. Essa irradia-ção universal é ou não legítima?

Por exemplo, a irradiação que a Espanha teve no sé-culo XVI não é o oposto do regionalismo? Uma irradia-ção não é um fenômeno de colonialismo cultural? Atéque ponto é legítimo uma região, um país ou uma culturaprocurar extravasar além de seus limites?

Em outros termos: pode-se conceber uma região que

tenha o desejo de que a sua língua e os seus costumesregionais conquistem, pelo próprio esplendor, o restan-te do país? Será que, por seu prestígio cultural e sua ir-

radiação, um país tem o direito de exercer uma hegemo-nia de espírito sobre todo o mundo, como a França, por

exemplo?Por vezes, o imperialismo cultural pode ser muitomais inebriante do que o imperialismo militar, econômi-

co ou outro qualquer.

Um exemplo: a língua grega e a latina

Tomemos como exemplo a Grécia e Roma. Atenas, Esparta, cujos nomes assumem uma sono-ridade fabulosa para certos espíritos, eram cidadessecundárias do Império Romano, ao mesmo tem-po em que a Grécia era colônia de Roma. Ora, foi-

-se tornando hábito de toda pessoa fina falar gre-go.Pela exalação, à maneira da que poderia ter

uma flor esmagada por uma pata de elefante eque, colada no chão, deitasse seus melhores perfu-mes, a Grécia moribunda encheu com seus aromaso Império Romano.

 A meu ver, essa irradiação é legítima sempreque não viesse matar a outra cultura.

Se os gregos quisessem a morte da língua lati-na para que o grego prevalecesse, seria uma coisa

Colonização espanhola no MéxicoBiblioteca do Congresso, Washington, EUA

Fórum romano após uma audiência(Coleção particular)

   R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o

   R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o

Page 19: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 19/36

  19

errada. Mas que eles gostassem que o grego prevale-cesse sobre o latim era algo acertado. Porque o gre-go tem uma superioridade sobre o latim, reconhecidahoje pelos linguistas.

Para utilizar-me de uma metáfora que me ajudea dizer, de um modo rápido e simples, o que levariamuito tempo para explicar: toda ave superior tem odireito de abrir suas asas por cima dos pássaros que voam num nível abaixo.

Portanto, essa espécie de preeminência alada quefaz com que, por exemplo, algumas folhas da palmei-ra estejam acima das outras porque nasceram maisaltas no tronco, isto é o natural.

Existe um direito da cultura superior à expansãoalada, e uma obrigação para a cultura que se deixoupôr à sombra da outra, de aceitar e de se colocar emtodas as posições necessárias. O que é explicável pe-

lo desejo de que tudo quanto é mais belo sobressaiapara a maior glória de Deus. Contudo, sem querer li-quidar ou eliminar uma coisa que é menos bela, mastem sua razão de ser à luz do dia.

Certas realidades de ordem natural não se realizam sem o concurso da graça

Isso supõe uma forma de humildade, que é a hu-mildade dos intermediários. Não é a humildade dopequeno que diz: “Eu sou o último dos homens...”Nem é a do grande que afirma: “Bem, eu diante de

Deus não sou nada.” Mas a humildade intermediá-ria, que, com tranquilidade — não com resignação,mas sim com bem-estar sadio —, diz o seguinte: “Eutoco com a ponta dos dedos em tal outra parte do fir-mamento, de maneira que sou o elo de uma corrente.Por mim passa a ordem do universo.”

Isso só se alcança com o auxílio da graça, porque docontrário entram os patriotismos mal concebidos, misé-rias de todo tamanho! Há certas coisas que são verdadesde ordem natural, até científica, mas que não se realizamsem o concurso da graça. Mais ainda, pesa tanto a natu-reza sem a graça, que o homem não guarda essa verdade

durante muito tempo e acaba negando-a.Uma verdade que eu quis realçar no livro “A chave deprata”2 é exatamente esta: a ordem temporal, embora se- ja intrinsecamente natural, não se realiza sem o auxílioda graça.

Relacionada com esta, encontra-se outra verdade: asnações e, portanto, as sociedades cometem pecados dis-tintos dos pecados individuais, e têm que pagar nestaTerra os pecados que praticaram, porque as nações não vão para o Céu nem para o Inferno. Os homens, comoreceberão um prêmio ou um castigo eterno, podem não

O Juízo FinalIgreja de São Luís, Munique, Alemanha

   R  e  p  r  o   d

  u  ç   ã  o

auferir a justiça de Deus nesta vida, mas as nações rece-bem a justiça divina nesta Terra.

 A partir disso, poder-se-ia fazer aprofundamentos eaplicações à sociedade temporal da doutrina sobre a Co-munhão dos Santos, porque esta comunhão é, ela mes-ma, uma sociedade.

Se houvesse numa faculdade contemporânea professo-res capazes de desenvolver esse tema em matérias diver-sas, para um público de alunos entre os quais houvessedesde católicos praticantes até ateus, creio que haveriauma enorme possibilidade de atrair e até de converter,contanto que se apresentasse a questão como ela é. v

 

(Extraído de conferência de 13/11/1991)

1) Ver Revista Dr. Plinio n. 200, p. 22-27; n. 201, p. 22-25.2) Ver Revista Dr. Plinio n. 18, p. 18-21.

Page 20: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 20/36

Grandeza, transcendênciae sacralidade

 A

20

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO

   R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o

palavra “transcendental” é um termo técnicoutilizado na Escolástica, muito bom e já conhe-cido do vocabulário corrente. Mas para mim o

som da palavra diz algo do sentido dela. É um dos tais vocábulos que contêm a música do conceito que encer-ram, de maneira tal que dizer, por exemplo: “Essa é umarazão transcendental” ou “um assunto transcendental”,são coisas muito bonitas e um pouco musicais que não sepode afirmar de qualquer coisa sem cair no ridículo.

Transcendental na linguagem comum...

Qual é a relação que há entre a musicalidade da pala- vra e o sentido filosófico?

Tanto quanto eu tenho entendido do sentido filosófi-co, o transcendental possui, à primeira vista, um sentido

diferente do que o termo indica na linguagem comum.Nesta, o transcendental é algo de uma superioridade fo-ra de uso, de uma natureza, uma clave, um grau que nãotem relação com as superioridades comuns.

Por exemplo, eu não poderia dizer que determinado jogador tinha um talento transcendental para o futebol.Por mais que ele se tenha coberto das glórias futebolísti-cas, a palavra transcendental não se aplica a elas.

Mas eu poderia dizer de um pintor que ele tem um ta-lento transcendental, ou de uma pintura que é, ela mes-ma, de um valor transcendental, caso o artista pintasse

um quadro do qual eu quisesse afirmar: “Não é uma obracomum dos pintores muito bons, mas eleva-se a uma ca-tegoria que os pintores comuns muito bons não atingem.É um quadro de museu, e de grande museu.”

...e no sentido filosófico

No sentido filosófico da palavra, “transcendental”é uma afirmação de alteridade. No sentido corrente,entretanto, é uma afirmação de um tipo de superiori-dade, sem querer dizer propriamente sacral. O gêne-ro é a transcendentalidade; a sacralidade é uma espé-

cie tão requintada, que transcende a própria transcen-dentalidade.No conceito tomista de alteridade está envolvido o se-

guinte: Não é possível existir alteridade entre duas coi-sas a não ser havendo uma desigualdade. A alteridadese marca por uma diferença que, necessariamente, gerauma hierarquia.

Portanto, é por meio da transcendentalidade que umacoisa, ao mesmo tempo, se liga e se diferencia de outra.Liga-se porque, se tal coisa transcende outra, elas sãosusceptíveis de uma comparação. E se são susceptíveis

Um porto ao pôr-do-sol (por Claude Lorrain)Museu Hermitage, São Petersburgo, Rússia

Baseando-se na desigualdade e hierarquia dos seres,

Dr. Plinio discorre sobre as relações existentes entre

os diversos graus desta escala hierárquica.

Page 21: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 21/36

  21

de uma comparação, fazem parte de um todo. “Tal coisatranscende à outra”, quer dizer, também, que ela se dis-tingue da outra por uma desigualdade. Porque do con-trário não transcenderia.

Sempre que há alteridade existe uma desigualdade.Entretanto, esta é necessariamente hierárquica?

São Tomás deixa claro que sempre que uma coisa é di-ferente da outra, em algo ora uma é mais, ora menos quea outra. É um jogo muito bonito de superioridades e deinferioridades cruzadas. Nisso São Tomás é muito positi- vo e, examinando bem, é claro: desigualdade correspon-de necessariamente a hierarquia.

Transcendentalidade

Como o transcendental é uma desigualdade de umaespécie muito mais marcada do que o comum das desi-

gualdades, na linguagem corrente talvez se pudesse defi-nir assim: É uma desigualdade pela qual um ser da mes-ma espécie que outro se afirma tão superior, que chega aparticipar do gênero que está acima.

Então, a transcendentalidade afirmaria a alteridadena sua forma mais enérgica, na sua forma por excelên-cia. É uma coisa muito característica da linguagem co-mum tomar algo que é “por excelência”, e aplicar a elea palavra que convém ao todo. Por exemplo, eu com-preenderia — não tenho nenhuma prova de que isso te-nha sido assim — que na Alemanha de durante e de-pois da Primeira Guerra Mundial, quando se falasse

de Hindenburg, se dissesse: “o Marechal”, porque erao marechal por excelência; o Ludendorff era marechale provavelmente existiam outros. Havia também outrosmarechais: Foch, Joffre, na França; Haig, na Inglater-ra. Mas o marechal por excelência se chamava simples-mente “o Marechal”.

São Tomás quando fala de um ou outro grande pensa-dor, diz: “disse o sábio”. A Aristóteles, ele sempre cha-mava “o Filósofo”. Goteja da afirmação de que houvemuitos outros filósofos, mas “o Filósofo” era um.

Então, certa forma de alteridade constitui o que nós cha-mamos na linguagem comum transcendentalidade, que é otipo mais marcado da transcendentalidade por excelência.

É muito bonito e, ao menos na minha mente, desema-ranhar este assunto esclarece muito as ideias.

Eu passei talvez uns 40 anos comendo, bebendo e dor-mindo ao lado dessa charada. Mas quando consegui, como favor de Nossa Senhora, dar o último polimento e pustudo em ordem, fiquei alegre.

Vamos agora instalar nesse conjunto, com cuidado, oconceito de sacralidade.

Troar os canhões e repicar os sinos

Sacralidade é uma transcendentalidade que indica umasuperioridade tal, que não é a superioridade entre criaturae criatura, por maior que seja, mas é a superioridade entreCriador e criatura. E, de algum modo, por uma espécie deextensão, que não é uma mera analogia, também daquiloque é muito penetrado pelo Criador e, enquanto tal, parti-cipa em algo da superioridade do próprio Criador.

Por exemplo, se em todas as comemorações oficiaisque coubesse — não apenas as religiosas, mas mesmo asde ordem civil — houvesse uma Missa; e que o auge dacomemoração fosse o momento da Consagração. Mas,

pouco antes da fórmula da Consagração ser pronuncia-da, começassem a troar os canhões e repicar os sinos deuma região inteira. E no momento em que a Consagra-ção se operasse, houvesse um silêncio o mais completoe brusco, em que até os besouros tivessem medo de vo-ar e fazer barulho com seu zumbido, porque existem cer-

Da esquerda para a direita: Hindenburg, Ludendorff, Foch, Joffre e Haig

   R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o

   R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o

   F  r  a  n  ç  o   i  s   A  n  s  a  r   t   (   C   C   3 .   0   )

   M  a   k   t   h  o  r  p  e   (   C   C   3 .   0   )

Page 22: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 22/36

22

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO

tas coisas que transcendem ao som; há certos momen-tos em que o silêncio fala mais do que tudo quanto ohomem possa dizer. Isto indicaria a hora da sacralida-de na sua mais alta expressão. Depois, só se ouvisse,na hora da elevação, o tilintar daquela sineta e o repi-car de alguns sinos transcendentais que estivessem nocampo auditivo. Terminada a elevação, o troar dos ca-nhões, os grandes bimbalhares de sinos, etc., ainda so-assem juntos durante algum tempo.

 Alguém poderia objetar:— Aqui vejo bem quem é o senhor! Falta-lhe o senti-

do do sublime na sua mais alta expressão. O senhor de- veria imaginar que, antes de começar a Missa, se fizes-se um silêncio completo e que durante a mesma reinasseum silêncio recolhido, numa dramaticidade admirável esilenciosa; e até a Missa acabar não se ouvissem os sinosnem nada disso, para que esse culto pelo silêncio fosse a

sacralidade na sua mais alta expressão...Deus respeita a fragilidade da criatura

Eu responderia a este meu objetante:— Nisso eu reconheço você! Porque o que você não

quer é uma coisa adequada à natureza humana comoDeus a criou. Você deseja imaginar criaturas como elasnão são e, para elas, uma possibilidade de transparên-cia do transcendente que não existe hoje. A naturezahumana não é capaz — salvo uma graça muito espe-cial, mas que é muito excepcional, raríssima — de man-

ter, no silêncio, toda a sacralidade necessária por mui-to tempo. É preciso, para mantê-la nessa sacralidade, oconcurso dos sons.

Então, a natureza humana voa, levada pelos sons até cer-to ponto. Ali ela se fixa no silêncio. Depois os sons a colheme a fazem ainda voar pelo éter de uma alta transcendência, ea deixam amorosamente no chão do cotidiano.

Isso é o modo católico de fazer as coisas, sumamen-te respeitoso da natureza humana como ela é, inclusivedas suas debilidades. E o respeito à debilidade é um dossinais mais evidentes da superioridade do que é confor-me a Igreja.

Por exemplo, numa atmosfera católica, o Sansãonão seria apenas uma espécie de Tarzan, mas sim umhomem que em certas ocasiões praticasse atos requin-tados de ternura e de brandura para com as criatu-ras mais insignificantes; e, nisto, fechando um ciclo deharmonia.

Então, devemos ver esse respeito de Deus pela fragi-lidade da criatura, por onde as coisas se ordenam de ma-neira que a criatura fica bem tratada, contente, agradeci-da; e quando afinal ela sai, por assim dizer, dos braços deDeus, vai penetrada do amor de seu Benfeitor.

 A água de Lourdes e a água benta A sacralidade é, pois, toda forma de transcendência a

qual sobe tão alto, que se conhece de algum modo queali há uma participação com o sobrenatural e, no sobre-natural, com algo de divino.

Por exemplo, se Santa Bernadette Soubirous tivesse

na cabeceira dela, para se benzer toda manhã, um pou-quinho de água de Lourdes, poderíamos imaginar váriosaspectos.

 A água de Lourdes não é uma água benta. Nasceu deuma fonte subterrânea, cuja existência Nossa Senhoraindicou à Santa Bernadette, e mandou-lhe abrir com osdedos; ela perfurou o solo e jorrou aquela água.

Mas o fato de ser uma água que jorra do chão depoisde Maria Santíssima ter revelado, indica uma fonte queEla ou obteve que Deus naquele momento fizesse jor-rar, sem causa natural geológica nenhuma, ou havia uma

 Aparição de Nossa Senhora em LourdesIgreja Saint-Sulpice, Fougères, França

   S  e  r  g   i  o   H  o   l   l  m  a  n  n

Page 23: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 23/36

  23

causa geológica, mas Nossa Senhora revelou essa causa,e nisto houve algo de sobrenatural.

Então há, na mera água de Lourdes, uma participaçãono sobrenatural.

 Além disso, nós poderíamos imaginar que Santa Ber-nadette desse essa água sempre para um padre benzer,e se tornasse água benta. Então a água de Lourdes teriaum predicado a mais, que é de ficar benta e, por este tí-tulo, mais do que a água de Lourdes simples. Embora aágua de Lourdes fosse mais, por algum título — é o talcruzamento —, do que a água benta simples.

Depois havia uma terceira coisa. É que aquela águaservia a Santa Bernadette Soubirous. Digamos que ela, várias vezes, de manhã virasse o gargalo da garrafa paramolhar a ponta do dedo, se persignasse e levantasse. En-tão, a água tocou numa pessoa santa.

 A sacralidade supremaHá títulos de sacralidade diversos ali, que até podem

coincidir na mesma água. Esses títulos nos fazem ver for-mas e graus de sacralidade — portanto de transcenden-talidade —, enquanto participantes com Deus a esse ouaquele título, desse ou daquele modo, e que dão um va-lor especial, transcendente, porque transcende comple-tamente a ordem do natural, a tal ponto que qualquernatural comparado com aquilo fica vil.

Um banqueiro talvez não compreendesse, mas essa água valeria muito mais do que um punhado de ouro. Sendo que

o ouro é uma matéria boa, criada por Deus, dotada de exce-lências muito próprias na ordem do natural, que enquantometal nobre, precioso, transcende os outros metais, mas emoutra escala, de outro modo. Não tem sacralidade.

Entretanto, a Igreja exige que o lado interior dos cáli-ces destinados à Consagração na Missaseja revestido de ouro. Assim, para to-car no que é transcendental e sobrenatu-ral, a Igreja quer que se empregue o quehá de melhor na ordem da matéria. Is-to é muito bonito, muito bem arranjado.

Por que razão tudo isso se aplica à

transubstanciação de um modo mais ex-celente? Porque não há nada que sejamais alto do que o fato de, nas espéciesde alguma coisa material, Nosso SenhorJesus Cristo se tornar presente por es-ta forma, renovando de modo incruen-to seu sacrifício, o qual, por sua vez, éo fato da História que tem a sacralida-de suprema, perto do qual os aconteci-mentos históricos mais extraordináriosnão são nada.

 A coroação de Carlos Magno na Basílica de Latrão comoImperador, pelo Papa São Leão III, é uma cena muito boni-ta. Quando estive nessa Basílica, osculei a pedra — que atu-almente se encontra na Basílica de São Pedro — sobre a qualCarlos Magno estava ajoelhado. Mas comparem isso com arenovação incruenta do Sacrifício do Calvário... Não é nada!

Retirar o chapéu ao entrar numaigreja, atitude que preparava a alma

  para um respeito todo especial!Entrei inúmeras vezes em igrejas onde havia o povi-

nho comum rezando, mas com uma forma de respeitodiante da sacralidade de Deus ou de Nossa Senhora, queenvolvia todo o edifício material da igreja.

Nas paróquias, constituíam-se grandes grupos decrianças para fazer a Primeira Comunhão. E antiga-

mente todos os meninos usavam alguma forma de que-pe ou de chapéu. Reuniam-se muitas vezes na praçaem frente da igreja, ou então na sacristia, e saíam pe-la calçada, cantando, para fazer uma entrada solene pe-la porta principal do templo. Primeiro entravam as me-ninas e depois os meninos. Na porta, ficava parada umadas senhoras responsáveis pela cerimônia, dizendo demodo ameno, mas autoritário, para os meninos quepassavam: “Tirem os chapéus!”

No modo pelo qual ela dizia “tirem os chapéus” entra- va um tom como quem acrescentasse: “…porque aqui ésolo sagrado!”, o que fazia do mero tirar o chapéu uma

atitude que preparava a alma para um respeito todo es-pecial, presente às vezes no timbre de voz da mulher.Nós teríamos, então, uma conceituação geral a respei-

to do sacral, do hierárquico, do desigual e do modo peloqual se deve desenvolver a sacralidade.

Procissão de crianças para a Primeira Comunhão

   L  a  c   h  m  a  n  n ,   H  a  n  s   /   C   C  -   B   Y  -   S   A   (   C   C   3 .   0   )

Page 24: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 24/36

24

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO

 A Cristandade tinha algo de sacral Uma coisa muito bonita é a seguinte. O poder tempo-

ral soberano tem alguma forma de sacralidade? No quê? A sociedade temporal não é suprema. A Igreja tem

uma sacralidade que o Estado não possui. Mas enquantoconsiderado Estado de cristãos, em que os seus membrossão todos católicos, portanto membros do Corpo Místicode Cristo, aquele Estado é constituído por pessoas que vivem, normalmente, da vida da graça. E todo o mecanis-mo da sociedade humana e do Estado vive, portanto, da

 vida da graça. Esse Estado, comparado com o Estado pa-gão, está numa relação que se poderia comparar com ada água benta com a água não benta.

E como tal paira uma espécie de bênção na Cristan-dade, ou seja, na ordem temporal concebida enquantoconstituída de católicos e vivendo catolicamente. Toca noCorpo Místico de Cristo em algo, mas não de fora pa-ra dentro — como posso tocar no couro desta poltronaem que estou sentado —; é um penetrar do Corpo Místi-co de Cristo naquela sociedade, naquele Estado, que fazcom que o conjunto das nações chamado Cristandade te-nha, de si, qualquer coisa de sacral.

Donde o fato de haver uma bênção para o monarcana Cristandade. Mais para o Imperador do Sacro Impé-rio do que qualquer outro, porque ele é a cabeça daqueleconjunto, e o unum vale mais do que as partes. Mas tam-bém para os reis e demais titulares de autoridade, entre

os quais eu não hesitaria em colocar o Doge de Veneza,ou os chefes das repúblicas burguesas, como as “CidadesLivres”, desde que tivessem um poder verdadeiramentesupremo e não vivessem sob uma espécie de suserania deoutros poderes.

O Rei de França era realmente objeto de uma sagra-ção que vinha dar plenitude de sacralidade a alguma coi-sa que, a outros títulos, já possuía essa sacralidade, que éo “Rei do Reino Cristianíssimo dos Francos”.

O senhor feudal de um castelo, ainda que fosse umsimples conde, teria qualquer coisa de sacral em relaçãoaos camponeses que habitassem em suas terras. Daí pa-

ra a frente, inclusive o patrão em relação ao empregado. Alguns argentinos contaram-me que antigamente, tal- vez no tempo colonial, quando o empregado encontravao patrão dizia uma frase mais ou menos assim: “Pido su

 bendición, padrecito.”  Ao que o patrão respondia: “Que

 Dios te bendiga, mi hijito.” 

 Acho isso profundamente encantador, perfumado,bonito, ordenado, porque coloca em realce o conteúdoreligioso que essa relação patrão-empregado toma, pelofato de ambos serem católicos.

O núcleo da Contra-Revolução

Deduzimos daqui uma série de diferenças entre sacra-lidade e transcendência, ainda que seja uma transcen-dência sublime. Se estivéssemos aparelhados a fazer ha-bitualmente essa discriminação no contato com as coi-sas, creio que teríamos lucrado enormemente no espíritocontrarrevolucionário, pois entraríamos pelo píncaro detudo a partir da noção da sacralidade.

Esse é o núcleo da Contra-Revolução, e dá a essên-cia do espírito hierárquico e, portanto, o oposto do igua-litarismo.

O Imperador Carlos Magno - Museu NacionalGermânico, Nuremberg, Alemanha

   J   d  s   t  e  a   k   l  e  y   (   C   C   3 .   0   )

Page 25: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 25/36

  25

Quem tem o espírito formado assim, ama todas as hie-rarquias, independentemente do problema de saber ondeé que o “euzinho” fica colocado nessa escala hierárquica.

Em toda essa multivariedade de sacralidades, e de-pois nas simples transcendências, vejo melhor a Deus. Éum conjunto onde o Criador se faz ver melhor do que nopróprio firmamento, estrelas, etc., que apenas repetemisso a seu modo. Exclui, portanto, uma porção de formaspagãs de superioridade, que não são transcendentais.

Poderíamos, ainda, relacionar a grandeza com a trans-cendência e a sacralidade.

Toda transcendência é uma grandeza que se afirma diantede outra grandeza menor, e uma grandeza menor que reve-rencia uma grandeza maior. Mas não cabe nada que não sejagrandeza dentro disso. Porque, nessa perspectiva, o indivíduomais insignificante é grande; e a sociedade católica é uma so-ciedade de grandes. É uma coisa lindíssima, de uma elevação

extraordinária, diferente do conceito pagão de plebe. A grandeza não é senão um dos aspectos da sacralidade, vista enquanto dotada do esplendor e do poder próprio aproduzir enlevo e fazer-se respeitar pelo temor. Assim comoem Deus há aquilo que impõe temor reverencial, é admirável ver a majestade ou a grandeza capaz de impor medo.

Preparando o Grand Retour 

Cabe aqui uma consideração sobre o papel dos protó-tipos e arquétipos nesta temática.

“Proto” é primeiro; protótipo é o “tipo primeiro”,

portanto, o tipo mais alto. Mas é o tipo mais alto de al-go que não toca no gênero superior e não está ilumina-do por ele. O protótipo não transcendeu, enquanto que oarquétipo transcende.

Vejam o efeito curioso do fato de estarmos num mun-do feito para ser uma terra de exílio, em comparaçãocom o Paraíso Terrestre.

Segundo essa teoria, deveria haver também entre osanimais aqueles que constituíssem arquétipos do própriogênero, tendo algo pelo qual fossem superiores. Nesseponto, o imitar a voz humana e falar, ainda que sem en-tender, seria uma das características mais “arquetipizan-

tes” do gênero animal.O leão rugindo não emprega nenhuma palavra huma-na, mas tem algo parecido com a cólera do homem. Demaneira que quando se quer dizer que um homem teveuma manifestação de cólera magnífica, poder-se-ia afir-mar: “Rugiu como um leão!”

Então, o leão é mais bonito na sua cólera do que o ho-mem, a ponto de se poder dizer que o homem rugiu comoleão. Mas, na realidade e absolutamente falando, a cólera dohomem é mais bela do que a do leão, porque é uma cólera in-telectiva, racional, volitiva; a do leão é apenas instintiva.

Como as cóleras de Nosso Senhor teriam sido incom-paravelmente mais bonitas do que o rugido de um leão!Ou então a indignação dos profetas. Elias, eu acho queera um leão!

O Criador deu ao canário a possibilidade de cantar,mas a de falar concedeu ao papagaio. Porém o papagaioé caricato. Suponho que isso seja assim para o homemcair em certas realidades neste vale de lágrimas. Porexemplo, quando se quer dizer que uma pessoa falou demodo ininteligível ou quando alguém repete o que outrodisse, sem entender, diz-se que “papagaiou”.

Cada arara é um escrínio de pedras preciosas! Fala

também, mas só para dizer idiotices… O rosto da ara-ra é feio: uma carnatura com aquela espécie de círculopreto, uma coisa medonha! Mas o resto é de uma bele-za da qual não se sabe o que dizer. A considerar apenasa penugem, hesito um pouco entre o pavão e a arara, porcausa do esplendor das cores da arara.

Enfim, vai alta a Lua no solar da sacralidade… Creioque se pudéssemos dar passos significativos no estudo des-ses assuntos, estaríamos preparando o Grand Retour 1. v

 

(Extraído de conferência de 26/4/1989)

1) Do francês: Grande retorno. No início da década de 1940,houve na França extraordinário incremento do espírito reli-gioso, quando das peregrinações de quatro imagens de Nos-sa Senhora de Boulogne. Tal movimento espiritual foi deno-minado de “grand retour”  para indicar o imenso retorno da-quele país a seu antigo e autêntico fervor, então esmaecido. Ao tomar conhecimento desses fatos, Dr. Plinio começou aempregar a expressão no sentido não só de “grande retor-no”, mas de uma torrente avassaladora de graças que, atra- vés da Virgem Santíssima, Deus concederá ao mundo para aimplantação do Reino de Maria.

   L  e  o   b  o  u   d  v   (   C   C   3 .   0   )

Page 26: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 26/36

C ALENDÁRIO DOS S ANTOS  ––––

26

Santa Marta

Santa Verônica Giuliani, abadessa(†1727). Aos 17 anos, ingressou como re-ligiosa capuchinha no mosteiro de Cittàdi Castello, Itália. Recebeu os estigmasda Paixão do Senhor.

10. Santo Agostinho Zhao Rong, pres-bítero, e companheiros, mártires (†1648-1930).

São Canuto IV, mártir (†1086). Reida Dinamarca, que difundiu o culto di- vino, promoveu o estado clerical e favo-receu a construção de numerosos mos-teiros e igrejas. Morreu assassinado por

súditos revoltosos.11. São Bento, abade (†547).São Quetilo, presbítero (†c. 1150).

Religioso agostiniano, promoveu aevangelização e empenhou-se em paci-ficar os ânimos, nas disputas dinásticasem Viborg, Dinamarca.

12. XV Domingo do Tempo Comum.

São João Gualberto, abade (†1073).Por amor a Cristo, perdoou o assassi-

no de seu irmão. Fundou a Ordem deVallombrosa, nas cercanias de Fieso-le, Itália.

13. Santo Henrique, Imperador (†1024).Beato Mariano de Jesús Euse Hoyos,

presbítero (†1926). Sacerdote diocesano falecido em An-gostura, Colômbia, dedicou-se totalmente à oração, ao es-tudo e à educação cristã das crianças.

14. São Camilo de Lélis, presbítero (†1614).Beato Ghebre Miguel, presbítero e mártir (†1855).

Monge monofisista da Etiópia, converteu-se e ingressouna Congregação da Missão. Foi por isso submetido a su-plícios durante treze meses, ao fim dos quais morreu de fo-me e sede.

15. São Boaventura, bispo e Doutor da Igreja (†1274).São Pedro Nguyen Ba Tuan, presbítero e mártir

(†1838). Preso por sua fidelidade a Cristo no tempo doimperador Minh Mang, morreu de fome no cárcere deNam Dinh, Vietnã.

1. São Domiciano, abade (†séc. V).Primeiro eremita de Arles, França. Fun-dou em Lyon, junto com Santo Euqué-rio, o mosteiro de Brevon, de vida con-templativa.

2. São Bernardino Realino, presbítero(†1616). Sacerdote jesuíta italiano, dire-tor espiritual de presos e enfermos, con-fessor e exímio pregador.

3. São Tomé, Apóstolo.

Beata Maria Ana Mogas Fontcuberta,

 virgem (†1886). Fundadora da Congrega-

ção das Irmãs Franciscanas Missionáriasda Mãe do Divino Pastor, em Fuencarral,Espanha.

4. Santa Isabel de Portugal, rainha(†1336).

Beata Maria Crucificada Curcio,  vir-gem (†1957). Desejosa de unir à espiritu-alidade carmelitana um aspecto missio-nário, fundou em Santa Marinella, Itália,a Congregação das Carmelitas Missioná-rias de Santa Teresa do Menino Jesus.

5. XIV Domingo do Tempo Comum.

Santo Antônio Maria Zaccaria, presbí-tero (†1539).

6. Santa Maria Goretti, virgem e már-tir (†1902).

São Paládio, bispo (†432). Enviado à Irlanda pelo Pa-pa Celestino I para pregar aos gentios e combater a here-sia de Pelágio.

7. Beata Maria Romero Meneses,  virgem (†1977). Re-

ligiosa salesiana nicaraguense enviada à Costa Rica onde,durante quarenta e seis anos, dedicou-se à formação das jovens.

8. Beato Eugênio III, Papa (†1153). Monge cisterciensee discípulo de São Bernardo, após ter governado o Mostei-ro dos Santos Vicente e Anastásio, foi eleito Papa.

9. Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus,  vir-gem (†1942).

   P   é  r  e   I  g  o  r   (   C   C   3 .   0   )

Page 27: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 27/36

–––––––––––––––––– * JULHO *  ––––

  27

Santa Maria Madalena

   S  e  r  g   i  o   H  o   l   l  m  a  n  n

16. Nossa Senhora do Carmo.

Beata Amada de Jesus de Gor-

don,  virgem, e companheiras,mártires (†1794). Tendo-se recu-sado a abandonar a vida religiosa,foram condenadas e guilhotina-das em Orange durante a Revolu-ção Francesa.

17. Bem-aventurado Inácio de

 Azevedo, presbítero, e companhei-ros, mártires (†1570).

São Leão IV, Papa (†855). Paraproteger o Vaticano contra os ata-

ques dos sarracenos, mandou cons-truir muralhas. Defensor da justiçae apologista do primado de Pedro.

18. São Bruno, bispo (†1123).Trabalhou e sofreu muito pela re-novação da Igreja, sendo por issoperseguido e obrigado a abandonara Diocese de Segni, refugiando-seem Monte Cassino.

19. XVI Domingo do Tempo Co-

mum.São Bernoldo, bispo (†1054).

Construiu muitas igrejas em Utre-cht, Holanda, e introduziu nosmosteiros a disciplina cluniacense.

20. Santo Apolinário, bispo e mártir (†c. séc. II).São Vulmaro, presbítero (†c. 700). Após viver como

eremita, fundou perto de Boulogne-sur-Mer, França, doismosteiros: um masculino e outro feminino.

21. São Lourenço de Bríndisi, presbítero e Doutor da

Igreja (†1619).Beato Gabriel Pergaud, presbítero e mártir (†1794).Cônego regular da Abadia de Beaulieu, em Saint-Brieuc,ficou preso durante a Revolução Francesa numa galera emRochefort e ali morreu.

22. Santa Maria Madalena.

Santo Anastásio, monge (†662). Discípulo de São Máxi-mo, Confessor, com o qual suportou o cárcere e as tortu-ras. Morreu nos montes do Cáucaso, atual Geórgia.

23. Santa Brígida, religiosa(†1373 Roma). Ver página 28.

24. São Charbel Makhluf, pres-bítero (†1898).

São Balduíno, abade (†1140).Discípulo de São Bernardo no mos-teiro de Claraval, fundou em Rieti,Itália, o convento de São Mateus.

25. São Tiago Maior,  Apóstolo.Ver página 2.

26. XVII Domingo do Tempo Co-

mum.São Joaquim e Sant’Ana, pais deMaria Santíssima.

27. São Pantaleão da Bitínia,

mártir (†c. 305). Exerceu a medi-cina em Nicomédia, atual Turquia,sem receber recompensa algumapor seu trabalho. No Real Mostei-ro da Encarnação, Madri, conserva--se uma relíquia de seu sangue, quese liquefaz na véspera de sua festa.

28. São Sansão, abade e bispo(†c. 565). Difundiu o Evangelho e adisciplina monástica na Bretanha,França. Fundou a abadia de Dol.

29. Santa Marta, irmã de Lázaro e Maria.Beato Luis Martin, pai de família (†1894). Pai de Santa

Teresinha do Menino Jesus. Levou uma vida matrimonialexemplar com sua esposa Zélia Martin.

30. São Pedro Crisólogo, bispo e Doutor da Igreja (†c. 450).

São Leopoldo Mandic, presbítero (†1942). Religioso ca-puchinho que dedicou a maior parte de sua vida a minis-trar o Sacramento da Confissão, em Pádua, Itália.

31. Santo Inácio de Loyola, presbítero (†1556).Beata Sidônia Schelingová,  virgem e mártir (†1955).

Religiosa da Congregação das Irmãs da Caridade de San-ta Cruz. Propiciou a fuga de um sacerdote, em Trnava, Es-lováquia, pelo que foi presa e morreu em consequência desofrimentos na prisão.

Page 28: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 28/36

 S

Contrassenso:uma provade amor 

28

HAGIOGRAFIA

Uma das piores provações pelasquais podemos passar é nos

encontramos diante de um

contrassenso inexplicável. Mas,

confiando em Nossa Senhora,

 veremos que tudo tem solução.

anta Brígida foi casada com um homem de um gê-nio muito difícil e que provou muito o tempera-mento dela. Ela era uma pessoa muito irritadiça

e, naquele contato com o marido, teve que se dominar eacabou, afinal de contas, vencendo o gênio muito desa-gradável, muito duro que ela também tinha.

 Ao final da vida, teve que retomar a batalha

Depois disso, ela fez uma peregrinação para o Orien-

te, santificou-se e voltou para Roma, tendo renunciadoà condição régia que possuía e vivendo como uma espé-cie de freira.

Quando a Santa chegou ao fim da vida, em que a gran-de luta tinha sido contra o seu temperamento impulsivo,o mau gênio, aparece uma coisa que para ela foi uma ca-tástrofe: todo aquele mau gênio renasceu, e aquela lu-ta parecia perdida. Ela tinha conseguido dominar seutemperamento, reduzir aqueles ímpetos, e via aquilo tu-do ressurgir desabotoadamente; teve que retomar a luta, venceu e então morreu em paz.

Santa Brígida - Igreja de SantaMaria, Massachussets, EUA   G

  u  s   t  a  v  o   K  r  a   l   j

Page 29: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 29/36

 S  Nota biográfica

  29

anta Brígida nasceu na Suécia por volta de 1303,em Finsta, região pertencente à província de

Uppland. De nobre família, casou-se ainda muito jovem com o governador de Ostugtland, Ulf Gud-marson, com quem teve oito filhos.

Extremamente piedosa, Brígida nunca negligen-ciou a educação cristã de seus filhos, instruindo-osna Fé, na devoção a Jesus Crucificado e à VirgemMaria. Bons frutos renderam-lhe seu zelo materno,especialmente em sua segunda filha, Catarina, queconquistou, como a mãe, a honra dos altares.

 A reputação e piedade de Santa Brígida levaram orei a solicitá-la como dama da corte de sua esposa, aRainha Branca de Namur, a fim de que a instruísse nobom caminho. Porém, a vida de corte não era o que Brí-gida almejava, e retirou-se dali pouco tempo depois.

Junto com o esposo, Brígida ingressou na OrdemTerceira de São Francisco e empreendeu muitasobras de caridade, bem como peregrinações a diver-sos santuários da Europa, entre os quais, Santiagode Compostela.

Numa dessas viagens, Ulf caiu gravemente en-fermo, mas pelas preces da esposa pôde se recupe-

rar. Algum tempo depois, Ulf resolveu ingressar nomosteiro cisterciense de Alvastre, onde morreu em1344. Após a morte do marido, Santa Brígida divi-diu os bens entre os filhos e os pobres da região, econsagrou-se inteiramente à penitência e à contem-plação da Paixão de Jesus.

Em 1349, desejando participar das festividadesdo jubileu de 1350, deslocou-se até Roma onde per-maneceu a fim de conseguir do Papa a aprovaçãodas regras da Ordem Religiosa do Santíssimo Salva-dor, a qual desejava fundar.

Em toda a sua vida, principalmente nesse perío-do, foi agraciada com diversas revelações místicas,sobretudo referentes à Paixão de Jesus e à vida daSantíssima Virgem, além do dom de profecia. Mui-to sofreu da parte dos que não compreendiam sua vida mística.

Em 1371 empreendeu uma peregrinação a Jeru-salém. Voltando a Roma, já bastante debilitada, en-tregou sua alma a Deus no dia 23 de julho de 1373.Duas décadas mais tarde, em 1391, foi canonizada

pelo Papa Bonifácio IX e, em 1999, proclamada Co-patrona da Europa, por João Paulo II.

    M    P   o

   r   c    i   u

   s     C   a    t   o     (      C

    C     3 .    0     ) 

   R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o

Livro das visões de Santa Brígida - Museu Nacional, Helsinki, Finlândia

Page 30: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 30/36

30

HAGIOGRAFIA

É uma forma de ato de humildadecompreender que devemos nos colocar

diante de Maria Santíssima comoescravos, feitos para obedecer sem

discutir. Ela é quem manda, quem dispõee, portanto, tem o direito de nos fazerpassar pelas evoluções que entenderpara, afinal de contas, chegarmos aosresultados que Ela quiser. Porque isto

é obediência, confiança e amor.

Comentam os hagiógrafos que isso não significavaque Santa Brígida tivesse dado algum consentimento aomau gênio, nem era um fenômeno de decadência espi-ritual dela. Mas Nossa Senhora, que tinha sopitado essemau gênio por uma graça especial, permitiu-lhe uma úl-tima prova, fazendo-a passar por uma situação com ca-racterísticas de coisa absurda, sem sentido.

Porque é mais ou menos sem sentido uma vida durante a qual a pessoa constróiuma obra espiritual e, de repente, es-ta parece desabar. Deve-se ter con-fiança na Providência e, mesmona velhice, retomar aquele tra-balho espiritual.

 Situações que parecem sem sentido

Ela não tinha nenhuma cul-pa pelo que estava sucedendoe, com uma grande sujeição econfiança na Santíssima Vir-gem, refez todo o trabalho paraapresentar a sua alma ao Criador.

Parecia, portanto, uma espé-cie de cúmulo o vencer o mau gê-

nio. Mas a última coisa, depois do mau gênio completa-mente vencido, era aceitar a provação enviada por Deus.

Exatamente aqui está um requinte da vida espiritual,a respeito do qual nunca será suficiente insistir. A Provi-dência Divina nos pede, em muitas ocasiões da vida, queenfrentemos situações que parecem sem sentido, que ca-

minhemos de encontro a muralhas que não têmportas, a mares que não têm fundo, a obs-

táculos que não têm solução, e depois,quando nos aprofundamos, aquilo

se abre, se move, e continuamos aavançar.

Isso é frequentíssimo na vi-da espiritual, bem como na vi-da de apostolado e na vidaprivada. Nossa Senhora fazessas coisas para as almas a

quem Ela chama às mais al-tas finalidades e ama maisespecialmente. Essa espé-cie de contrassenso é exata-mente uma prova de amor.

Preparar o espírito  para a provaçãoO que pede uma prova de

amor? Uma fé cega, depois da qual vem sempre uma grande graça.

Santa Brígida recebe o hábito religioso - Oratório deVila Suardi, Itália. Acima, Santa Brígida - retábulo

da Igreja de Salem, Södermanland, Suécia

    B   e   a   o     (      C    C

     3 .    0     ) 

   R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o

Page 31: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 31/36

  31

Digo isto para alguém que esteja nessas condi-ções, mas também para os que não estão, porqueé preciso preparar o espírito para provas dessas.

 A pessoa não compreende por que a prova vem, e passa a provação toda protestando. Entre-tanto, se não protestasse, tornaria a prova maisbreve e, no fim, compreenderia o sentido queaquilo tem.

É mesmo uma constante de muitas vocaçõesexcelentes. De maneira que é necessário prepararo espírito para essa ideia e enfrentar a prova, por-que Nossa Senhora é assim bem servida. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, encontramoshomens de Deus, especialissimamente amadospor Ele, que são provados por essa forma. Deve-mos ir preparando reservas de energia de alma,de disposição, para quando isso acontecer.

Uma das piores provas que podemos atraves-sar durante a vida é a impressão de que estamosdiante de coisas sem sentido, e não há mais solu-ção nem caminho para nada; e, depois, vemos quehá solução e caminho, e tudo no final se esclarece.

Uma tentação que se apresentouao jovem Plinio

Desculpem-me exemplificar com uma reminiscênciaparticular, mas a vida inteira me causou verdadeiro hor-ror a ideia de briga entre católicos. A única tentação que

tive em minha vida de deixar o movimento católico foilogo no comecinho das minhas atividades, quando umsenhor tentou provocar uma cisãozinha contra mim, naminúscula Ação Universitária Católica1 daquele tempo.

Fiquei fortemente tentado de desânimo. Lembro-meainda de mim, andando de bonde pelo Viaduto do Chápara ir a uma reunião deles, numa noite chuvosa e ruim,e eu tomando todos os ventos no bonde aberto, de per-nas trançadas e lutando contra aquela tentação de deixartudo. A minha ideia era esta: “Sou feito para lutar con-tra os inimigos da Igreja, e não para lutar contra os fi-lhos dela.”

Tempos depois, eu li uma biografia de Santa Teresa deJesus, que me agradou muito. Quando terminei a leitu-ra, fechei o livro e pensei: “Está bem, graças a Deus issoé para ela, mas eu fui suscitado para lutar contra a Revo-lução; não para combater dentro da Igreja.”

Se eu tivesse podido prever tudo o que veio depois,talvez desmaiasse. Ora, tive que aceitar uma realidadeque durante muito tempo me pareceu um completo con-trassenso.

Quantos outros absurdos dentro de minha vida eu po-deria apontar. Pilhas de disparates, de situações que não

têm sentido, simplesmente, mas que se vai enfrentando,se adaptando, fazendo-se pequeno, obedecendo à vonta-de de Nossa Senhora que fala pela voz dos acontecimen-tos e, depois, vai-se compreendendo que devia ser, e quefoi bom que tivesse sido assim.

Calma, segurança e certezaEu recomendaria muito àqueles que tenham de trilhar

 veredas semelhantes àquelas trilhadas por mim que, me-ditando a respeito disto, se preparassem para enfrentaresses contrassensos. É uma forma de ato de humildadecompreender que devemos nos colocar diante de MariaSantíssima como escravos, feitos para obedecer sem dis-cutir. Ela é quem manda, quem dispõe e, portanto, tem odireito de nos fazer passar pelas evoluções que entenderpara, afinal de contas, chegarmos aos resultados que Elaquiser. Porque isto é obediência, confiança e amor.

Peçamos a Santa Brígida para vincar bem esta ideiaem nosso espírito: calma, segurança e certeza de que tu-do se resolve e tudo se explica, mesmo nos momentos emque tudo parece insolúvel e inexplicável. v

 

(Extraído de conferência de 8/10/1964)

1) Grupo fundado por Dr. Plinio em 12 de setembro de 1929,constituído de congregados marianos universitários. Ver Revis-ta Dr. Plinio n. 18, p. 4; n. 59, p. 28-30; n. 152, p. 29; n. 175, p. 5.

Relicário de Santa BrígidaConvento de Vadstena, Suécia

   M

   i   k  a  e   l   L   i  n   d  m  a  r   k   (   C   C

   3 .   0   )

Page 32: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 32/36

 Roma sparita

N  

32

LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ

 Ambientes que favorecem o desenvolvimento das características

individuais radicadas na índole de cada povo, onde as pessoas

não constituem multidões de anônimos, mas aprimoram sua

personalidade vivendo tranquilas nos braços da Fé que triunfou

sobre o paganismo: eis a Europa feérica amada por Dr. Plinio.

os templos romanos e, aliás, nos gregos tam-bém, distinguimos duaspartes: uma espécie de

cilindro, às vezes um quadrilátero,sem janelas, com as portas constan-temente abertas — em cima havia janelinhas muitas vezes — de ma-neira que a ventilação se fazia con-tinuamente; e em torno, talvez paraabrigar as pessoas que iam oferecerseus sacrifícios idolátricos, um te-

lhado que ia além do templo e queera sustentado por colunas em for-ma de círculo, formando, portanto,dois corpos de edifício, um internoe outro externo.

Na Roma pagã havia umtemplo em louvor da pureza

Há qualquer coisa de imponderá- vel no edifício, que dá a ideia de que

 F o t o s : Reprodução

os telhados, que provavelmente não datam do tempo dosromanos, já estão tão velhos que astelhas quase se encolheram e estãotrêmulas de velhice, se bem que aspedras não enruguem nem sequem.Pode-se dizer que as pedras des-sa coluna estariam para o que eramquando foram construídas, comouma uva-passa está para uma uvafresca. Elas estão todas ressequidasde tanto tempo que passou em cima

delas, vento que bateu, chuvas, to-da espécie de coisas, e elas ficaramressequidas. Nem se nota muito oretilíneo delas, porque o eixo é re-to, mas a circunferência está tão tra-balhada que nem se tem a ideia doscomo que cilindros majestosos quehouve aqui antigamente. Tudo issodá ideia de um povoado que não ésó velho, mas mumificado, que nãodá mais nada, um passado reduzido

Page 33: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 33/36

  33

a esqueleto; isso é muito mais o esqueleto de umprédio do que um prédio propriamente dito.

Ora, é bonito notar que essa foto mostra o úni-co templo erguido na antiga Roma em louvor dapureza. Segundo a mitologia, Vesta era uma deu-sa virgem, que só poderia ser cultuada por virgensas quais deveriam manter o tempo inteiro um fo-go aceso diante dela, como homenagem. As vestais— era o nome delas — eram mulheres que deve-riam ser elas mesmas virgens. Se alguma delas fos-se apanhada em pecado contra a castidade, era en-terrada viva. E também era enterrada viva a vestalque, designada para guardar o fogo durante a noi-te, deixasse que este se apagasse. Era uma respon-sabilidade grande ficar a noite toda, no silêncio deRoma daquele tempo, vigiando para que ofogo não se extinguisse. Eram estas as úni-

cas obrigações exigidas delas: serem virgense não permitir que a chama se apagasse. Ali se instalou depois uma igreja católi-

ca, e é uma paróquia na qual as beatas vãorezar o terço, fazer Via Sacra, onde havia,até há pouco, bênção do Santíssimo Sacra-mento, muito tempo depois do culto a es-sa deusa ter ali cessado. Então, no local deculto usado por seus perseguidores, a Igre- ja Católica harmoniosamente instalou umtemplo da Religião verdadeira, em nome daqual o sangue dos mártires foi derramado.

 Altaneira, sempre com vitalidade, a tor-re medieval que se eleva aqui mostra a vitó-ria, na Idade Média, sobre o mundo pagãoromano: a vitória da Igreja sobre a gentili-dade e todos os seus adversários.

Ninguém é inteiramenteanônimo para o outro

 Ao lado desses dois monumentos tão expres-sivos e tão notáveis pelo seu contraste, está o po- vinho tranquilo que vive nos braços da História

e nos braços da Fé, com a naturalidade de quem vive a existência de todos os dias. Perto disso, omagnífico Rio Tibre, o qual nesse contexto pare-ce representar o curso da História que vai passan-do, lembra ao povinho como as coisas mudam aolongo do tempo. Mas “ stat Crux dum volvitur orbis — a Cruz está de pé, enquanto o mundo inteirose vira e revira”; onde a Igreja deitou a sua mãosagrada, ali ela continua.

 A senhora dessa outra pintura é uma espé-cie de governanta, e não a dona da casa. As do-

Page 34: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 34/36

34

LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ

nas de casa não usavam esse avental. É

uma criada muito graduada que foi fa-zer compras com o menino da casa. Omenino, vestido à século XIX: chapéude marinheiro, com uma borlazinha, umpompom em cima, e uma golazinha.

Nota-se nessa cena que algumas daspessoas se conhecem, outras até estãoconversando. Mas não há nenhum indíciode que todas se conheçam. Então, em quesentido se pode dizer que não são desco-nhecidas, como por exemplo, a multidãoque passa pelo Viaduto do Chá1, onde as

pessoas ignoram umas as outras?Embora os personagens estampadosnessas figuras sejam desconhecidos, acidade é tal que cada pessoa que passasabe mais ou menos que categoria tem aoutra, qual sua profissão, quais seus há-bitos, qual seu estilo de vida. Por exem-plo, essa mulher, por sua atitude, dá a entender que seconsidera muito superior àqueles outros e leva uma vi-da mais ordenada e mais limpa do que eles. E estes, in-diretamente, respondem para ela que, sem negar que elaseja mais, eles têm um vidão livre, solto e à vontade que

acham bem gostoso. Porque estão todos bem satisfeitos.Esses homens podem não saber o nome da senhora,mas sabem como ela é, como ela vive. É uma cidade pe-quena, com categorias e estilos de vida definidos, ondeninguém é inteiramente anônimo para outro. É diferenteda avalanche de anônimos do Viaduto do Chá.

Nessa cena do gueto, há algo de italiano na desordemcom uma forma de pitoresco que o italiano sabe pôr eque outros não sabem. É um predicado italiano. Essamulher cozinhando tem um pitoresco italiano no espa-lhafato. Normalmente, uma pessoa que faz isso, esconde

para ninguém ver. Ela coloca à vista de todo mundo. Deoutro lado, ela está aqui, eu quase diria como um pro-fessor numa cátedra, um juiz num tribunal ou, amesqui-nhando muito, uma rainha num trono. Há qualquer coi-sa de pitoresco teatral italiano dentro disso. Está presen-te aí um verniz italiano. Nota-se alma dentro disso a maisnão poder; vivacidade!

O latino e o germânico

Sem dúvida, há uma grande diferença entre esta de-sordem e a ordem do povo alemão, por uma razão muitosimples: isso toca na índole do povo.

O italiano é exuberante, sente, pensa e tem vontadede dizer tanta coisa, que nãoencontra tempo para arrumarmuito as coisas.

Mais ainda, isso tem muitarelação com o modo de ser dobrasileiro, não pela grande imi-gração italiana em São Paulo,porque o Brasil todo é assim,até no Nordeste, zona muitopouco italianizada; e o nordesti-no é mais ainda do que o brasi-leiro do Sul, nesse sentido.

Nós, latinos, pensamos mui-tas vezes falando, e, se não te-mos ocasião de falar, não che-

gamos a completar o nosso pen-samento. A extroversão é ummodo de ser nosso para con-cluir o nosso pensamento. Nos-sos caros espanhóis falam mui-to e também completam muitoo pensamento quando falam.

O alemão é o contrário: para completar o pensamento,ele precisa recolher-se. E daí resulta que o latino tanto fa-la que não tem muito tempo para se arranjar. E o alemãotanto se recolhe que pensa enquanto arranja as coisas.

Então, ele está pondo em ordem um papel, arranjan-

do uma cortina, regando o gerânio, etc., e enquanto fazisso está filosofando, em todos os graus possíveis da Filo-sofia: desde a mais alta até a mais popular.

O latino está sempre elucubrando uma coisa para oconhecimento do mundo. O alemão está elucubrandopara si, depois para seus próximos, posteriormente pa-ra um clã que ele forma e com o qual ele vai pressionaroutros, e depois com a nação com a qual ele pressiona omundo. Mas a propagação da influência, para os latinos,se faz à maneira do azeite; e para os alemães, à maneirado gládio. São formas diferentes.

Page 35: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 35/36

  35

Eu sou um grande admirador da Alemanha. Sou umgrande admirador da Europa, mais do que de cada pa-ís europeu, mesmo da França. A Europa vale muito maisdo que a França, porque o bonito da Europa é o conglo-merado desses povos esplêndidos e diferentes que for-mam um todo mais bonito do que cada elemento.

É bonito, na Europa, ver o alemão levando aquela vi-da nas aldeiazinhas de marzipã, esplendidamente arran- jadas, e o italiano cantando a plenos pulmões na baía deNápoles, ou à beira do Arno, ou guiando uma gôndolaem Veneza. A Espanha com suas castanholas e suas tou-radas, e daí para fora… O fado português, a Torre de Be-lém, a Abadia de Westminster… É a Europa feérica. Édela que nós gostamos. v

(Extraído de conferência de 29/1/1977)

1) Situado na região central da cidade de São Paulo.

Page 36: Revista Doctor Plinio 208_201507

7/21/2019 Revista Doctor Plinio 208_201507

http://slidepdf.com/reader/full/revista-doctor-plinio-208201507 36/36

O celeste rosto de Maria

Mãe da DivinaProvidência - Igrejade Santa Maria

de Caravaggio,Nápoles, Itália

 uantas vezes o reflexo de um castelo naságuas de um lago é mais belo que o pró-

  prio edifício! Ao caminhar sobre o Mar de Tiberíades,

 Jesus refletiu-Se nas águas. Entretanto, Ele

era mais belo do que o reflexo.Sem dúvida, isto seria verdade em quaisquer

águas do mundo: do Danúbio, do Sena, do Tejo,do Guadalquivir, do Reno, da Baía da Guana-bara, e de tantos lugares magníficos da Terra. Mas o que seria verdade em todos os ma-

nos extenso: Maria. Porque quando Nosso Se-nhor olhava para sua Mãe Santíssima, coisasque só Ela compreendia n’Ele se refletiam no

 semblante d’Ela. E quem olhasse para o celes-te rosto de Maria teria como que uma porta

de acesso de ouro, para compreender os misté-rios da Sagrada Face de Jesus! Em Maria, só em Maria, mas plenamente

em Maria, alguém olhando veria algo que Jesus só manifestava a Ela e àqueles que sabem

  procurá-Lo n’Ela.

   F

  r  a  n  c   i  s  c  o   L  e  c  a  r  o  s