Revista Época - O Que Revela o Mito Do Herói Steve Jobs - Notícias Em Opinião

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09/10/12 17:08 Revista Época - O que revela o mito do herói Steve Jobs - notícias em Opinião Page 1 of 5 http://revistaepoca.globo.com/opiniao/noticia/2011/11/o-que-revela-o-mito-do-heroi-steve-jobs.html Época ROBERTO DAMATTA - 04/11/2011 21h43 - Atualizado em 11/11/2011 16h10 tamanho do texto A - | A + O que revela o mito do herói Steve Jobs ROBERTO DAMATTA Tweetar Tweetar 11 Curtir 96 | | ROBERTO DAMATTA é antropólogo, autor de Carnavais, malandros e heróis (1979) e Pé em Deus e fé na tábua (2010) (Foto: Guillermo Giansanti/ÉPOCA) Todo herói cultural – como o Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado – morre muitas vezes. Steve Jobs, tal como Jefferson, Washington, Lincoln, Roosevelt, os Kennedys, Frank Capra e o Pato Donald, tem a mesma sorte. Hoje, portanto, vou enterrar Jobs mais uma vez. De perto, sabemos, nem os deuses escapam da contradição e, sobretudo, do narcisismo. Mas o bom e o mau enterro daqueles em quem a sociedade se projeta – positiva ou negativamente – revelam como uma sociedade lida com ela própria. No caso de Steve Jobs e tantos outros, a América revela uma surpreendente e invejável fé em si mesma e, assim, estampa com gosto as palmas e seu afeto. Entre nós, brasileiros, ocorre justo o oposto. Nesta terra dos compadrios e companheiros e dos que “já nascem feitos”, o sucesso é – como dizia Tom Jobim – como uma ofensa pessoal. É algo fora do sistema que já determina quem vai perder ou ganhar e, Share Share 2 Seu nome Seu e-mail Enviar para Comentário 140 caracteres notícias esportes entretenimento vídeos todos os sites e-mail

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ROBERTO DAMATTA - 04/11/2011 21h43 - Atualizado em 11/11/2011 16h10

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ROBERTO DAMATTAé antropólogo, autor de Carnavais, malandros e heróis (1979) e Pé em Deus e fé na tábua (2010) (Foto: GuillermoGiansanti/ÉPOCA)

Todo herói cultural – como o Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado – morre muitas vezes. Steve Jobs, tal comoJefferson, Washington, Lincoln, Roosevelt, os Kennedys, Frank Capra e o Pato Donald, tem a mesma sorte. Hoje,portanto, vou enterrar Jobs mais uma vez. De perto, sabemos, nem os deuses escapam da contradição e, sobretudo, donarcisismo. Mas o bom e o mau enterro daqueles em quem a sociedade se projeta – positiva ou negativamente –revelam como uma sociedade lida com ela própria. No caso de Steve Jobs e tantos outros, a América revela umasurpreendente e invejável fé em si mesma e, assim, estampa com gosto as palmas e seu afeto. Entre nós, brasileiros,ocorre justo o oposto. Nesta terra dos compadrios e companheiros e dos que “já nascem feitos”, o sucesso é – comodizia Tom Jobim – como uma ofensa pessoal. É algo fora do sistema que já determina quem vai perder ou ganhar e,

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por isso, odeia o mérito e a igualdade competitiva.

A biografia de Jobs – contraditória, aventureira e bilionária – exprime o modelo do êxito vigente na culturaamericana. Eis a vida daquele que, marcado pela rejeição, retornou ao sistema como um de seus maiores e mais bem-sucedidos criadores. A consciência da marginalidade e da morte, rara numa cultura que cultiva o otimismo, o ladosolar da vida e o final feliz, revelou-se dramaticamente quando, em 2005, Jobs pronunciou seu discurso-testamentocomo paraninfo da Universidade Stanford. No púlpito, solenemente confessou suas contradições, falou abertamentenos desafetos e, trágico como um Schopenhauer, afirmou que “a melhor invenção da vida é a morte”. Para arrematar,com a sabedoria que resulta dessa consciência da vida com a morte, Steve ensinou que o mais importante de tudo éamar o que se faz. O sucesso, como a magia, transformou sua vida em exemplo.

A biografia de Jobs exprime o modelo do êxito da cultura americana. Aqui, o sucesso é uma ofensa

No nome de sua empresa, a Apple, inverteu o emblema bíblico: em vez de a maçã mordida promover a expulsão doJardim do Éden, com os iMacs e iPods, a maçã maldita tornou-se o símbolo de um encontro não previsto entreindivíduos e computadores. Engenhos que, até o advento da Apple, eram vistos como aparelhos demoníacos a serviçodas grandes corporações. Máquinas que um dia venceriam perversamente a humanidade, como no filme 2001 – Umaodisseia no espaço, de Stanley Kubrick. Até que Jobs, o rejeitado e o egocêntrico obrigado a conviver com o anúnciode sua própria morte, revelou, como um profeta Jeremias, que tudo aquilo que é humano pode voltar a ser humano.Que a máquina pode mesmo estar a nosso serviço.

Êxito significa saída. É uma porta que permite conjugar aquilo que nosso mundo tornou tão difícil. Fama e fortuna.Presente e futuro. Rotina e festa. Egoísmo e altruísmo. Sexo e amor. O dever como obrigação e como gosto. A parte,revelada no indivíduo cidadão com direito à felicidade, e o todo, concretizado na casa, na família e no país queimpõem deveres.

Numa sociedade em que a igualdade é um ideal e princípio ordenador, como a americana, o sucesso é a saída damediocridade. É um modo de escapar do reinado do “homem comum”, cinzento como um personagem de Kafka, que,acomodado e dócil, vive medianamente e existe em meio a uma normalidade imposta pelo estilo de vida que resultada soma de individualismo com a igualdade competitiva, conforme percebeu pioneiramente Alexis de Tocqueville nomagistral Democracia na América.

O sucesso é, talvez, o principal contraponto entre o comum (a maioria) e o extraordinário, material de que é feito aminoria. É a exceção em que poucos, conhecidos como VIPs – very important people –, celebrizam-se, como “badguys” (bandidos) ou “good guys” (heróis). No caso de Steve Jobs, trata-se de uma transgressão positiva. Umaultrapassagem exemplificada por ousadia, risco, determinação, confiança e originalidade. E, obviamente, muitonarcisismo, ganância e onipotência. Tais são os ingredientes básicos do empreendedorismo e da meritocracia. Nocaso de Jobs, os próprios produtos vinham estampados com o “i”, a primeira pessoa do singular, mas escrita comminúscula, não com a maiúscula que reza a gramática do inglês. Esses “eus” que Jobs genialmente acoplou nosiMacs, iPods, iPads, iTouchs, iCloud. Não foi certamente por acaso que essa consciência aguda (e certamente sofrida)de um “eu” fosse a fonte de máquinas que fizeram mais uma revolução dentro do individualismo ocidental,permitindo uma interação em que é o dono que controla e possui um aparelho que segue seus desejos e intuições.

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O INDIVÍDUOJobs no dia 1º de abril de 1989, 13 anos depois de fundar a Apple. Ele foi um transgressor com ousadia, determinaçãoe originalidade(Foto: Ed Kashi/Corbis)

Quando uma sociedade adota o sucesso como valor, o passado irreparável das sociedades aristocráticas, governadaspor reis e papas garantidos por Deus e sangue azul, é substituído pela competição do presente. Nas democracias,como disse o próprio Jobs em seu famoso discurso, tudo é construído. O segredo é ligar os pontos soltos, como fazemos bons calígrafos. Pois o próprio sistema é feito de pontos (indivíduos) que se ordenam livremente num mercado.Todos os dias ele tem de ser reafirmado ou refeito. Toda democracia precisa de ajustes diários e vive em permanentemetamorfose. Senão, como fazer com que um sistema fundado em “eus” possa virar um “nós”, um conjunto capaz deconter, sem coação indesejável ou injusta, os planos de todos?

Abrimos a porta do sucesso quando trocamos o passado pelo futuro, como fez Jobs. Mas não se trata de um êxitogrupal ou familiar, mas individual. Aqui – e esse ponto é muito importante para nós, brasileiros –, o sucesso não é daApple, mas de quem a inventou. Assim como o “fordismo”, sinônimo de produção em massa e de acesso de todos aum carro, traduzia-se em Henry Ford. No Brasil, por contraste, o êxito ainda tem muito a ver com “estar por cima”,“se dar bem” e “se arrumar”. Ele implica subir ou descer. É a “escada”, o “pistolão” ou o “compadre” – e não ariqueza ou a inovação – que tornam possível a ascensão para o poder e para o dinheiro. A subida vem por meio da“mão amiga” – e a queda, quando ocorre, decorre de ausência – usemos a palavra da moda – de “blindagem”. Atéhoje, oscilamos entre individualidades e relações reveladoras de grupos e partidos. Nosso centro não está nos “I” deJobs, mas em algum “nós” que permite driblar a responsabilidade e assumir a existência como algo arriscado e, acimade tudo, dependente de nossa finitude.

O “I” de Steve Jobs dissipou-se pela morte. Seus “i” vão ficar conosco por muito tempo.

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