Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

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FEDERAÇÃO INTERESTADUAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS ano 4, n. 7, 26 de setembro de 2013 REFORMA POLÍTICA | CONTEXTO CIENTÍFICO DA ENGENHARIA | SANEAMENTO | COMUNICAÇÃO F I L I A D A À : UMA HISTÓRIA DE LUTA E TRANSFORMAÇÕES layout.indd 1 19/09/13 11:18

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Confira a revista especial 20 anos Fisenge "Uma história de luta e transformações", lançada em 26 de setembro de 2013. A publicação traz uma série de entrevistas com diretores, ex-presidentes e companheiros(as) históricos(as) nessa construção.

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F E D E R A Ç Ã O I N T E R E S T A D U A L D E S I N D I C A T O S D E E N G E N H E I R O S

ano 4, n. 7, 26 de setembro de 2013

REFORMA POLÍTICA | CONTEXTO CIENTÍFICO DA ENGENHARIA | SANEAMENTO | COMUNICAÇÃO

F I L I A D A À :

UMA HISTÓRIA DE LUTAE TRANSFORMAÇÕES

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SINDICATO DOSENGENHEIROSDA BAHIATel: (71) 3335-0510Telefax: (71) [email protected] http://www.sengeba.org.br SINDICATO DOSENGENHEIROS NOESTADO DO ESPÍRITO SANTOTelefax: (27) [email protected] http:\\www.senge-es.org.br SINDICATO DEENGENHEIROSNO ESTADO DEMINAS GERAISTel: (31) 3271-7355Fax: (31) [email protected]:\\www.sengemg.com.br SINDICATO DOSENGENHEIROSNO ESTADO DO PARANÁTel: (41)[email protected]:\\www.senge-pr.org.br SINDICATO DOSENGENHEIROSNO ESTADO DA PARAÍBATelefax: (83) [email protected]://www.sengepb.com.br/

SINDICATO DOSENGENHEIROS NO ESTADODE PERNAMBUCOTelefax: (81) [email protected]://www.sengepe.org.br/ SINDICATO DOSENGENHEIROSNO ESTADO DORIO DE JANEIROTel: (21) [email protected]://www.sengerj.org.br SINDICATO DOSENGENHEIROSNO ESTADO DE RONDÔNIATelefax: (69) 3224-7407 [email protected]://www.sengero.org/ SINDICATO DOSENGENHEIROSDE SERGIPETelefax: (79) 3259-30133259-2867 / [email protected]@sengese.org.brwww.sengese.org.br SINDICATO DOSENGENHEIROS DEVOLTA REDONDA (RJ)Tel: (24) 3343-1606Telefax: (24)[email protected]://www.senge-vr.org.br/

SINDICATOS FILIADOS À FISENGESEAGRO-SCSINDICATO DOSENGENHEIROS AGRÔNOMOSDE SANTA CATARINATel: (48) [email protected]://www.seagro-sc.org.br/

FisengeFederação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros

Avenida Rio Branco, 277, 17º andar, Cinelândia, Rio de Janeiro

(21) 2533-0836

[email protected]: www.facebook.com/fisengeTwitter: https://twitter.com/fisenge

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editorial

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Avanços e

O final dos anos 1980 e o início da década de 1990 marcaram um período histórico no Brasil.

De um lado, a instauração do projeto neoliberal e, por outro, a ascensão do movimento sin-

dical. A Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) surge neste contexto,

com o objetivo de construir uma estrutura sindical horizontal, de combate, de classe e de luta. Vá-

rios são os elementos que compõem esta história. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) surge

em 1983, durante o 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), no contraponto do

sindicalismo corporativo, burocrático e cartorial. Mais de cinco mil homens e mulheres, vindos de

todas as regiões do país, lotaram o galpão da extinta companhia cinematográfica Vera Cruz.

Em meados dos anos 1980, os sindicatos de engenheiros filiados à CUT se organizaram em um fó-

rum denominado EngeCUT. Este movimento ao lado de sindicatos de engenheiros independentes

segue no entendimento de superar determinadas práticas sindicais e avançar na luta dos trabalha-

dores. E é exatamente em 1991 que a ruptura se dá com a Federação Nacional dos Engenheiros

(FNE) e é iniciada a construção da Coordenação Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge),

que, em 1993, se consolida como Fisenge.

Os anos 1990 foram marcados pelo forte processo de desindustrialização, com a abertura comer-

cial e financeira promovida pelo governo Collor. E este processo foi fatal tanto para a engenharia

como para a sociedade. Demissões em massa, privatizações e desregulamentação do trabalho.

Estava posta uma nova ordem no mundo do trabalho, guiada pelo capital internacional. A luta

não era por melhores condições de trabalho e salários, mas sim pela manutenção do emprego.

Greves históricas foram realizadas como a dos petroleiros, em maio de 1995 por 32 dias; e a do

setor elétrico, em agosto de 1990 por 30 dias. Estas foram mobilizações pela defesa do patrimônio

nacional e contra a política entreguista do projeto neoliberal, que contaram com a contribuição do

movimento de engenheiros organizado na Fisenge.

A resistência ao projeto neoliberal seguiu firme na agenda política da Federação, ao lado de mo-

vimentos sociais e populares. E esta é a linha que norteia a fundação da Fisenge em sua origem:

somar as lutas da engenharia à luta dos trabalhadores. Apoiamos incondicionalmente a luta pela

reforma agrária, pela reforma urbana, pela reforma do sistema político, pela democratização dos

meios de comunicação, contra o desemprego, contra as privatizações, entre outras bandeiras.

Hoje, o país vive um importante momento de mobilização popular pela radicalização da demo-

cracia e é nosso compromisso fortalecer a participação da classe trabalhadora na organização da

sociedade brasileira. Avançamos e podemos avançar mais na construção de uma sociedade justa,

fraterna e igualitária.

Carlos R. BittencourtP R E S I D E N T E

transformações sociais

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EM MOVIMENTOé uma publicação da Fisenge - Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros.

Av. Rio Branco, 277, 17º andar Centro, Rio de JaneiroCEP: 20040-009

Tel/Fax: (21) 2533-08362532-2775

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CONSELHO EDITORIALCarlos Roberto Bittencourt, Clovis Nascimento, Raul Otávio, Silvana Palmeira e Simone Baía JORNALISTA RESPONSÁVELCamila Marins MTB: 47.474/SP

ESTAGIÁRIABeatriz Libonati

REVISÃONúcleo Piratininga de Comunicação (NPC)

PROGRAMAÇÃO VISUALE PROJETO GRÁFICOEvlen Lauer

COLABORAÇÃOGilcimara Valle, João Antonio Dias Borges, Rejane Vizeu e Gabriel Zogaib

IMPRESSÃOWalprint Gráfica e EditoraTiragem: 10.000

É permitida e estimulada a reprodução, desde que citada a fonte.

Presidente

CARLOS ROBERTO BITTENCOURT (PR)

Vice-presidente

RAUL OTÁVIO DA SILVA PEREIRA (MG)

Diretor Financeiro

EDUARDO MEDEIROS PIAZERA (SC)

Diretor Financeiro Adjunto

ROBERTO LUIZ DE CARVALHOFREIRE (PE)

Secretário Geral

CLOVIS FRANCISCO NASCIMENTO FILHO (RJ)

Diretor de Relações Sindicais

FERNANDO ELIAS VIEIRA JOGAIB (VOLTA REDONDA/RJ)

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SIMONE BAÍA PEREIRA (ES)

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GIUCELIA ARAÚJO DE FIGUEIREDO (PB)

Diretor Executivo

JOSÉ EZEQUIEL RAMOS (RO)

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SILVANA MARÍLIA VENTURAPALMEIRA (BA)

DIRETORIA EXECUTIVA SUPLENTE

Diretor Executivo Suplente

AGAMENON RODRIGUES EUFRÁSIO DE OLIVEIRA (RJ)

Diretora Executiva Suplente

ANILDES LOPES EVANGELISTA (MG)

Diretor Executivo Suplente

AUGUSTO DUARTE MOREIRA (SE)

Diretor Executivo Suplente

CLAYTON FERRAZ DE PAIVA (PE)

Diretor Executivo Suplente

GERALDO SENA NETO (RO)

Diretor Executivo Suplente

JORGE DOTTI CESA (SC)

Diretor Executivo Suplente

NILTON SAMPAIO FREIREDE MELLO (BA)

Diretor Executivo Suplente

VALTER FANINI (PR)

CONSELHO FISCALDiretor do Conselho Fiscal

ADELAR CASTIGLIONI CAZAROTO (ES)

Diretor do Conselho Fiscal

ROLF GUSTAVO MEYER (SC)

Diretor do Conselho Fiscal

TIGERNAQUE PERGENTINO DE SANT’ANA (SE)

CONSELHO FISCAL SUPLENTE

Diretor Suplente do Conselho Fiscal

FRANCISCO DE ASSIS ARAÚJO NETO (PB)

Diretor Suplente do Conselho Fiscal

NELSON BENEDITO FRANCO (MG)

Diretor do Conselho Fiscal

ROGÉRIO DO NASCIMENTO RAMOS (ES)

DIRETORIA EXECUTIVA(2011 / 2014)

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sumário

20 ANOS FISENGE: UMA HISTÓRIA DE LUTA E TRANSFORMAÇÕES

1993 > 2013: 20 anos de luta e história

Presidentes de sindicatos saúdam 20 anos da Fisenge

Fisenge e suas origens: entrevistas e relatosLuiz Carlos Soares

Carlos Roberto Aguiar

Paulo Bubach

Maria Cristina Sá

Manoel Barretto

Maria José Salles

Olímpio Santos

Carlos Roberto Bittencourt

Charges

Jornais

Congressos nacionais de sindicatos de engenheiros

Rio de Janeiro sediará 10º Congresso Nacionalde Sindicatos de Engenheiros

Sindicatos promovem estratégias para renovação sindical

Articulação internacional fortalece negociação coletiva

Mulheres são sujeitos, e não objetos da história

Histórias de Eugênia: mulher, mãe e engenheira

Assédio moral é violência

ESPECIAL REFORMA POLÍTICA

Entrevista com o deputado federal Henrique Fontana

Brasil ocupa 118º lugar no ranking de 198 países sobre a participação

política das mulheres

Reforma política: para quê?

REFORMA AGRÁRIA

Reforma agrária já!

Uma história de luta: Trabalhadora rural sem terra ameaçada no Pará

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ARTIGOS:

O contexto científico na origem

da Engenharia brasileira

Telecomunicações: balanço

crítico de 15 anos

Água é um direito do cidadão e

dever do Estado brasileiro

A Crise Internacional e a

América Latina

Democratização da

Comunicação

Água e energia com soberania,

distribuição da riqueza e

controle popular

Espionagem dos EUA na

Petrobras e no Governo

Brasileiro

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artigo

O CONTEXTO CIENTÍFICONA ORIGEM DA

ENGENHARIA BRASILEIRAAGAMENON R. E. OLIVEIRA

Engenheiro mecânico, mestre e doutor em ciências mecânicas e, atualmente, historiador da

ciência, com doutorado nesta área, trabalhando no campo do estudo da história das ciências da

engenharia ao longo do século XIX. Diretor do Senge-RJ e suplente da diretoria da Fisenge. Tem

cerca de 70 trabalhos científicos publicados no Brasil e no exterior. Em novembro de 2013, irá

publicar pela Editora Springer o livro: A History of the Work Concept: from phisics to economics,

que é uma história do conceito físico de trabalho e de sua incorporação à economia.

arti

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Em face da história da enge-

nharia brasileira, existem duas

correntes de opinião. Uma,

que considera sua origem na Real

Academia de Artilharia, Fortificação

e Desenho, fundada no Rio de Janei-

ro, no ano de 1792. A segunda, que

situa no ano de 1810 sua origem,

quando a Academia Real Militar foi

fundada também no Rio de janeiro,

por um ato do príncipe regente, fu-

turo D. João VI, em substituição à

primeira instituição.

Naquela, além dos cursos de in-

fantaria e cavalaria, começava um

curso de engenharia com duração

de seis anos, quando no último ano

já se ensinava disciplinas tais como

materiais de construção, estradas,

pontes, canais, diques e comportas.

Como sabemos, disciplinas típicas

dos cursos de engenharia civis atu-

ais. Ambas as instituições funcio-

naram no local conhecido como

casa do trem de artilharia, onde

hoje é o Museu Histórico Nacional.

Em 1812, a Academia Real Militar

transferiu-se para o Largo de São

Francisco de Paula onde hoje é o

IFCS (Instituto de Filosofia e Ciên-

cias Sociais).

Com relação à Academia Real Mi-

litar, destinava-se ao ensino das

ciências exatas e da engenharia,

formando não somente oficiais de

engenharia e artilharia, como tam-

bém engenheiros geógrafos e to-

pógrafos. Seu curso completo era

de sete anos, para os quais havia

11 professores titulares, denomi-

nados lentes, e cinco professores

substitutos. O primeiro ano era

uma espécie de preparatório, para

suprir as deficiências do ensino se-

cundário. No 2º, 3º e 4º anos eram

ensinadas as disciplinas básicas

e, nos três últimos, as disciplinas

aplicadas militares e de engenha-

ria. Estava ainda previsto um oita-

vo ano, para o estudo da história

militar, que efetivamente nunca se

concretizou.

Neste período, ou mais precisamen-

te no final do século XVIII, uma cul-

tura científica começa a se formar

no Brasil, como uma consequência

e um reflexo de processo semelhan-

te que ocorria em Portugal. Como

marcos fundamentais, podemos

considerar as várias reformas edu-

cacionais, em especial a partir de

1772 com a reforma da Universi-

dade de Coimbra. No Brasil, neste

estágio inicial, essa cultura que aos

poucos ia se formando, caracteri-

zava-se pelo seu aspecto utilitário,

como ocorria na metrópole, na

medida em que os conhecimentos

adquiridos serviam como instru-

mentos para o desenvolvimento da

agricultura, das artes mecânicas e

do comércio.

INFLUÊNCIAS FRANCESAS

A influência científica mais direta

neste período de formação e criação

dos cursos de engenharia no Brasil

vem da Escola Politécnica de Paris,

fundada nos anos que se seguiram

à Revolução Francesa. Nesses anos

posteriores a 1789, o ambiente na

França era de confusão e desorga-

nização do quadro institucional. Al-

guns problemas careciam de uma

solução urgente. O ensino superior

francês deixou de funcionar durante

certo tempo, mas quando começou

a funcionar precisava ser profunda-

mente reformado.

A situação dos transportes era ca-

ótica. Não somente com relação às

estradas, mas as tecnologias para re-

cuperar canais, portos e transporte

marítimo estavam superadas.

Com uma proposta de um ensino

de novo tipo foi criada em Paris,

em dezembro de 1794 a Escola

Central de Trabalhos Públicos e

que no ano seguinte passaria a se

chamar Escola Politécnica inician-

do seus trabalhos com 400 alunos.

Sua fundação se devia à iniciativa

de um grupo de cientistas e enge-

nheiros sob a liderança de Gaspar

Monge (1746-1818). Desde sua

fase inicial contou com um reno-

mado quadro de professores como

Lagrange (1736-1813), seu primei-

ro professor de análise matemá-

tica, o famoso matemático Pierre

Simon de Laplace (1749-1827),

além de Bertholet (1748-1822) e o

próprio Monge, o criador da geo-

metria descritiva.

O sucesso da Escola Politécnica foi

enorme. Por ela passaram sucessivas

gerações dos mais famosos vultos

da ciência mundial além de ter sido,

durante muito tempo, um grande

centro de produção e difusão de

conhecimento. Em pouco tempo o

modelo politécnico de ensino pas-

sou a ser imitado e influenciar outras

escolas que iam sendo criadas como

foi o caso da brasileira. Na Academia

Real Militar tanto os cursos, os livros

utilizados e até alguns professores

eram franceses.

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artigo

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Em 1816, após a derrota de Napoleão,

o intercâmbio entre Brasil e França se

restabeleceu. A convite da corte por-

tuguesa, uma missão artística france-

sa veio ao Brasil, liderada por Joaquim

Lebreton (1760-1819), sendo com-

posta por um grupo de artistas plásti-

cos realizando trabalhos que até hoje

são admirados. Entre eles os pintores

Jean Baptiste Debret (1768-1848) e

Nicolas Antoine Taunay (1755-1830),

os escultores Marc (1788-1850) e

ZéphirinFerrez (1797-1851).

A CIÊNCIA DO SÉCULO XIX

A ciência saída da Revolução Cien-

tífica do século XVII, produzida por

Galileu (1564-1642), Newton (1642-

1727), Descartes (1596-1650), Lei-

bniz (1646-1716) e outros, não foi

aplicada diretamente na solução dos

problemas de engenharia. Todas elas

passaram por um longo processo de

elaboração teórico, experimental e

até empírico.

Mesmo o cálculo diferencial e inte-

gral criados de forma independente

por Newton e Leibniz precisava ad-

quirir uma forma algorítmica que fa-

cilitasse sua manipulação simbólica

e lógica além de ter que se despojar

de uma série de incongruências di-

tas metafísicas, o que somente foi

resolvido paulatinamente e direta-

mente associado a suas aplicações

aos problemas de engenharia. Tam-

bém pela Escola Politécnica de Paris

uma parte importante desta elabo-

ração foi sendo realizada.

Nas três primeiras décadas do século

XIX uma série importante de novas

disciplinas científicas da engenharia

foi sendo criada e outras desenvol-

vidas tendo como base o legado

científico dos fundadores da ciência

moderna, principalmente o cálculo

infinitesimal. Dessa forma podemos

citar o surgimento da termodinâ-

mica, obra de Sadi Carnot (1796-

1832), engenheiro politécnico, fi-

lho de Lazare Carnot (1756-1823),

matemático e politico famoso per-

tencente ao grupo que influenciou

a criação da Escola Politécnica. Seu

único livro “Reflexões sobre a potên-

cia motriz do fogo”, publicado após

1824 é a obra fundadora da termo-

dinâmica.

A ELETRODINÂMICA DE ANDRÉ

Marie Ampère (1775-1836), a

transferência de calor de Jean Bap-

tiste Fourier (1772-1837), a mecâ-

nica aplicada de Jean Victor Ponce-

let (1788-1867) e a resistência dos

materiais de Henri Navier (1785-

1836) e Barré de Saint Venant

(1797-1886). Esses últimos todos

engenheiros politécnicos ou profes-

sores dessa escola.

O PANORAMA CIENTÍFICONO BRASIL

Com a vinda da corte portuguesa

para o Brasil em 1808, foi se for-

mando uma sociedade sob um regi-

me colonial, de tipo patriarcal, base-

ado em um regime agroexportador

e escravista. As classes dominantes

eram formadas por elites senhoriais

que viviam nas províncias e pela no-

breza sustentada pela coroa e que

impunha sobre os outros grupos

sociais diversificados entre agriculto-

res, artesãos, comerciantes e outros

que viviam de pequenos ofícios, pe-

sadas obrigações tributárias.

Uns poucos intelectuais que aqui

viviam e não pertenciam à elite se-

nhorial, eram geralmente formados

pela Universidade de Coimbra ou

em outras universidades europeias.

Trabalhavam como professores nas

casas das famílias mais abastadas

oferecendo instrução.

Nas duas primeiras décadas poste-

riores a 1808, foram criadas as se-

guintes instituições: Arquivo Militar,

Casa da Moeda, Impressão Régia,

Biblioteca Real, Museu Real, Jardim

Botânico, Academia de Belas Artes,

Academia Real Militar, Academia

Real de Guardas-Marinhas, Escola

de Medicina e de Direito, além de

diversos cursos profissionalizantes.

Uma série de liberações foram fei-

tas, sendo as mais importantes a

abertura dos portos brasileiros ao

mercado internacional, tendo eles

se tornado mais importantes para

o comércio com a Inglaterra que os

portos portugueses. Foi decretada a

liberdade de instalação de fábricas e

as invenções foram incentivadas.

É importante observar que o desen-

volvimento de uma cultura científica

no Brasil dessa época ainda era pro-

fundamente dificultado pela censu-

ra que se fazia sobre a publicação

de livros. Tanto em Portugal quanto

no Brasil Colônia, os livros eram sub-

metidos a três censuras: a episco-

pal, a da Inquisição e a Régia. Até a

proclamação da independência em

1822, os livros entravam clandesti-

namente e quem os possuísse incor-

ria em crime. Este era o panorama

no qual uma cultura científica dava

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os primeiros passos, em um ambien-

te onde não havia educação para o

povo, não havia livrarias, apesar de

a primeira tipografia ter sido criada

em 1808. Datam dessa época os pri-

meiros periódicos.

CONCLUSÕES

Quando se instala no Rio de Janei-

ro o primeiro curso de engenharia,

quer consideremos sua origem 1792

ou 1810, o país iniciava uma trajetó-

ria no sentido de se constituir como

nação construindo um estado, um

território e uma cultura própria. A

vinda da família Real em 1808 foi

um marco fundamental nesta cons-

trução pelos aspectos liberalizantes

que promoveu e pelo conjunto de

instituições que aqui foram criadas.

O ensino de engenharia nesta época

se espelhava diretamente no mode-

lo politécnico criado com a Escola

Politécnica de Paris e que se inseria

em uma conjuntura completamente

diversa da brasileira.

Outras escolas de engenharia no

Brasil somente vão surgir mais para

o final do século XIX impulsionadas

por uma incipiente industrialização

que vai ganhar força a partir da dé-

cada de 30 do século seguinte. A

segunda escola de engenharia bra-

sileira é a Escola de Minas de Ouro

Preto, fundada em 12 de outubro de

1876, dirigida pelo francês Claude

Henri Gorceix, e a segunda é a Es-

cola Politécnica de S. Paulo, fundada

em 1893.

REFERÊNCIAS

GOULART, S. M., Da Cultura Cien-

tífica no Brasil (1821-1831): entre

dois ideais, A Ciência Moderna e a

Nação Brasileira. Tese de Doutorado

apresentada a UFRJ, 2013.

SCHWARTZMAN, S., Formação da

Comunidade Científica no Brasil, S.

Paulo, Editora Nacional, 1979.

OLIVEIRA, J. C., D. João VI e a Cul-

tura Científica, Rio de Janeiro, 2008.

Planta do Arsenal do Trem, do engenheiro Jacques Funck, 1770

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MÁRCIO PATUSCOEngenheiro de telecomunicações,

que trabalhou, na Nec do Brasil,

onde se aperfeiçoou em comuta-

ção na Nec Tokyo, e na Embratel

no período estatal e privado,

responsável pela introdução de

novas tecnologias. Representante

brasileiro em diversas reuniões

da UIT e autor do livro “RDSI: A

Infraestrutura para a Sociedade da

Informação”. Atualmente é Diretor

Técnico do Clube de Engenharia.

Antes da privatização ocorrida

em 1998, a prestação dos

serviços de telecomunicações

no Brasil era realizada por empre-

sas públicas estaduais e a Embratel

como integradora nacional, reuni-

das em uma holding, a Telebrás.

Muito embora o resultado econô-

mico do conjunto dessas empresas

fosse superavitário, frequentemen-

te haviam limitações de investi-

mento impostas pela área econô-

mica do governo federal, o que

dificultava um bom atendimento

das demandas existentes em nossa

sociedade.

Com a sanha privatista Reagan-

-Tatcher que se sucedeu em todo o

mundo, mediante formas diversas,

as telecomunicações foram objeto

de mudanças radicais, tanto no as-

pecto dos serviços quanto da pro-

dução. No Brasil, houve uma prepa-

ração para esta nova ordem, com

um aumento significativo de tarifas

e a elaboração da Lei Geral de Tele-

comunicações – LGT – que passaria

TELECOMUNICAÇÕES:BALANÇO CRÍTICO DE 15 ANOS

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a reger a nova forma de prestação

dos serviços. Foi criada a Anatel

para regular e fiscalizar a atuação

das empresas privadas e realizados

leilões vinculados a outorgas com

regras de cobertura de todo o terri-

tório nacional.

Nessa nova formulação, o serviço de

telefonia fixa – STFC – foi o único

concebido para ser prestado sob o re-

gime público, significando que have-

ria metas de universalização, controle

de tarifas e bens reversíveis ao final

do contrato de concessão. Os demais

serviços – telefonia móvel, internet,

tv por assinatura, etc. –, seriam pres-

tados sobre regime privado, dando

maior liberdade às novas operadoras

na sua maneira de colocar os recur-

sos e facilidades à disposição dos

usuários.

Contrariamente à maioria dos países

que também empreenderam privati-

zações, não houve preocupação em

manter uma empresa nacional que

pudesse cuidar de comunicações

estratégicas como segurança, da-

dos críticos do setor governamental,

comunicações das forças armadas,

manutenção e expansão da infra-

estrutura básica de comunicações

e atendimento público de forma

geral em áreas menos favorecidas

socialmente. Todas as operadoras

resultantes, depois de varias fusões

e aquisições, são multinacionais lo-

gicamente muito mais orientadas

aos seus interesses comerciais, e sem

dúvida, em remessa de lucros para

suas sedes.

Apesar do crescimento das deman-

das em todas as áreas de serviços,

as encomendas no parque fabril

nacional diminuíram, resultando no

fechamento de indústrias e na trans-

formação de centros de pesquisa e

desenvolvimento em meras consul-

torias. Nossa balança comercial de

produtos eletroeletrônicos registra

déficits anuais crescentes estando

atualmente na casa dos 30 bilhões

de dólares. Segundo números da UIT

– União Internacional de Telecomu-

nicações -, órgão das Nações Uni-

das para telecomunicações, o Brasil

ocupava em 2012 a 92ª posição em

uma cesta de tarifas de serviços, ou

seja, existem 91 países com tarifas

menores que as nossas. No mesmo

relatório estamos em 60º lugar em

implementações de recursos de TICs

(Tecnologia da Informação e Comu-

nicação), atrás de praticamente to-

dos os nossos vizinhos sul-america-

nos. No entanto, o alentador é que,

mais recentemente, nossas posições

melhoraram nesses indicadores, a

ponto da UIT destacar o Brasil como

a evolução mais promissora entre to-

dos os países, com um pujante mer-

cado de receitas pelas operadoras

de cerca de 100 bilhões de dólares

anuais, que nos coloca atrás ape-

nas de EUA, Japão e China. Além

disso, observa-se uma tendência de

queda de preços da banda larga e

também acertos nas licitações de

espectro para o serviço celular 3G

e 4G, na colocação pela Anatel de

compromissos de atendimento pelas

operadoras nas regiões com menor

atrativo comercial.

Nossa regulamentação de serviços,

por sua orientação a plataformas

tecnológicas, vem se constituindo

também em um complicador para

um cenário de transparência e com-

petição mais justa. Acrescente-se a

isso que as leis para os serviços de

radiodifusão, regulados pelo Código

Brasileiro de Telecomunicações de

1962, encontram-se bastante desa-

tualizadas. A própria UIT vem reco-

mendando aos países, e muitos já

implementaram, que em virtude da

convergência tecnológica, migrem

suas regulamentações para uma se-

paração por tipo de capacitações de

rede, sempre separando infraestru-

tura de conteúdo.

Em 2009, para se empreender a co-

leta das propostas para uma reforma

das leis no setor, o governo realizou

a I Conferênia Nacional de Comuni-

cações (I Confecom) com participa-

ção da sociedade civil, empresários

e entidades governamentais. Surgi-

ram propostas para as diversas áreas

das comunicações nacionais, que

poderiam vir a se constituir em um

Marco Regulatório das Comunica-

ções, de forma a alavancar o país

para o desenvolvimento pleno nes-

se setor. No entanto, até agora não

houve disposição política de enfren-

tar o desafio dessa reforma.

Em alguns casos, como no Plano Na-

cional de Banda Larga – PNBL – não

se tem conseguido o resultado ini-

cialmente previsto. Dos 28 milhões

de acessos a serem comercializados

até 2014, apenas cerca de 2 milhões

foram efetivados até o momento.

Apesar de desonerações fiscais, in-

centivos à produção, o plano vem

patinando sem alcançar o sucesso

que o governo esperava. A Telebrás,

recriada acertadamente como su-

porte ao desenvolvimento desse pla-

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Page 12: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

12

artigo

Mar

cello

Cas

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r/A

Br

no, com a perspectiva ambiciosa de

ser uma operadora genuinamente

nacional para o nosso mercado, vem

sofrendo cortes em seus investimen-

tos, indicando que uma mudança

em sua prioridade inicial pode estar

em curso.

A atuação da Anatel vem sendo

bastante criticada pela sociedade

por não estar do lado da defesa dos

interesses dos usuários, transpa-

recendo uma cooptação por parte

dos prestadores de serviço. Juntan-

do-se a isso, os recursos do Fundo

de Fiscalização das Telecomunica-

ções – Fistel -, criado exatamen-

te para a finalidade de fazer com

que a Anatel pudesse realizar suas

tarefas, vem sendo seguidamente

contingenciado para realização de

superávits primários do governo.

O mesmo ocorre com o Fundo de

Universalização dos Serviços de Te-

lecomunicações – Fust -, que deve-

ria estar sendo empregado na uni-

versalização da telefonia fixa, e que

pelo alto custo da tarifa básica, cer-

ca de R$ 45,00, não encontra mais

aceitação pela sociedade, apesar de

sua pequena penetração, compara-

da a outros países.

Como se pode observar, os últimos

15 anos do setor de telecomunica-

ções no Brasil foram de erros e acer-

tos. O que se espera para o futuro

é uma ação coordenada do governo

no sentido da discussão de uma re-

gulamentação que possa vir a ala-

vancar o país para um caminho de

desenvolvimento sustentável com

responsabilidade social, aproveitan-

do os ensinamentos desse passado

recente.

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Page 13: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

saneamento básico

1313

Acesso universal aos serviços de

água potável, esgotamento

sanitário e de resíduos sólidos.

Estes são alguns dos elementos que

compõem o setor de saneamento

básico. Este ano, o Brasil está pres-

tes a sancionar o Plano Nacional de

Saneamento Básico (Plansab), fruto

de anos de luta dos movimentos

sociais e organizações. Mesmo com

avanços, o setor sofre com tentati-

vas de desmonte, especificamente

com o avanço das Parcerias Públi-

co-Privadas (PPPs). Com o objetivo

de relatar um panorama do setor,

apontando desafios e gargalos, en-

trevistamos o secretário-geral da

Fisenge, Clovis Nascimento, que

já foi diretor nacional de Água e

Esgotos da Secretaria Nacional de

Saneamento Ambiental no Minis-

tério das Cidades (MinCidades) e,

atualmente, representa a federação

na Frente Nacional pelo Saneamen-

to Ambiental (FNSA) e no Conselho

das Cidades (ConCidades).

FISENGE: Nos anos 1990, o sane-amento brasileiro viveu um lon-go período de abandono e des-monte. Como você avalia o setor desde então?

CLOVIS: As décadas de 1980 e 1990

foram consideradas décadas perdi-

das para o saneamento brasileiro.Até

2003, o saneamento viveu um perío-

do muito complicado, nos governos

de Fernando Henrique Cardoso, até

mesmo nos governos anteriores, de

Itamar Franco, de Collor. Uma das

lógicas daquele período era a asfixia

das empresas públicas para que elas

ficassem cada vez mais sucateadas,

como forma de viabilizar a privatiza-

ção do setor do saneamento brasi-

leiro. Uma das grandes barreiras foi,

justamente, a titularidade municipal.

As empresas estaduais, na verdade,

são concessionárias estaduais a ser-

viço dos municípios. Nem a ditadura

militar derrubou a titularidade mu-

nicipal, durante a criação do Plano

Nacional de Saneamento (Planasa).

Foram criadas as empresas estaduais

de saneamento e, naquela ocasião,

o artifício era a negação de recursos

aos municípios, que não se convenias-

sem com as empresas estaduais. Mas

eles fizeram com que os municípios se

conveniassem às empresas estaduais,

ou seja, mesmo a ditadura militar res-

peitou a titularidade municipal. Essa

titularidade municipal foi referendada

na Constituição de 1988. Pairava uma

dúvida quanto às regiões metropo-

litanas, devido à titularidade. Nesse

momento, começou uma queda de

braço que foi parar no Supremo Tri-

bunal Federal (STF). Sabiamente, o STF

definiu que a titularidade é municipal

nos locais estanques e nos municípios

das regiões metropolitanas a titulari-

dade é compartilhada entre o estado

e os municípios componentes daquela

região. Até 2003, o setor estava fada-

do a um processo de desmonte. Com

a assunção do presidente Lula, a partir

de 2003, foram contratados 3 bilhões

para o setor público de saneamento.

No ano de 2004, foram contratados 6

bilhões, o dobro. Já no ano de 2005,

mais três bilhões. O saneamento, nes-

se período, fazia parte ainda do supe-

rávit primário. Naquela ocasião, nós

empreendemos uma luta para que os

recursos do saneamento saíssem do

cálculo do superávit primário. Com

tudo isso, os recursos financiados so-

mados aos recursos do Orçamento

Geral da União (OGU) eram bastan-

te representativos, em face da asfixia

dos dez anos anteriores. A asfixia dos

dez anos anteriores fez com que as

empresas acabassem desmontando

os setores de planejamento técnico

e projetos. Quando os investimentos

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ENTREVISTA | Clovis Nascimento

Água é um direito do cidadão e dever do Estado brasileiro”

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Page 14: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

14

saneamento básico

são retomados, há a contratação de

3 bilhões e 780 milhões, o que foi

realmente desembolsado foi 1 bilhão

e 260 milhões apenas. No segundo

ano, dos 6 bilhões contratados foi de-

sembolsado 1 bilhão e 600 milhões.

FISENGE: Acompanhamos obras ina -cabadas, muitas vezes, por con ta da falta de diálogo entre os go-vernos municipais e esta duais. Como esta situação vem sendo gestionada?CLOVIS: Um ponto muito importan-

te nessa história foi a alteração dos

manuais de contratação, pelo Go-

verno Federal. Isto significa que,

quando você contrata uma obra de

saneamento, é preciso definir para o

Governo Federal quem irá operar e

manter o sistema a ser implantado,

seja empresa estadual ou municipal,

ou até mesmo a empresa privada.

Esta é uma prática importante, pois,

no passado, muitos recursos foram

obtidos, a obra ficava pronta e não

tinha quem operasse. E esse vazio

se dava por conta de questões polí-

ticas, quando estado e município não

dialogavam. Desta forma, quando

o estado for o tomador do recur-

so para fazer obra no governo A, B

ou C, é preciso anuência do prefeito

para aquela obra. Esta prática só foi

adotada em 2003. A lógica anterior

levava a obra inacabada, sem funcio-

nalidade, e o prejuízo era de quem?

Do cidadão. Um grande problema

das empresas estaduais de sanea-

mento é a gestão. Lembro-me de

que tinha empresa no Nordeste que

só funcionava na parte da tarde. Ou-

tra, na mesma região, teve, em um

ano, três presidentes. Uma dessas

empresas não existe mais. Há que se

ter um choque de gestão nas empre-

sas, com compromisso político. Após

a materialização dos investimentos

em obras, cabe às empresas operar e

manter os sistemas implantados.

FISENGE: Como estão os índices de cobertura de saneamento no Brasil?CLOVIS: Hoje, o Brasil, tem indica-

dores de cobertura bem razoáveis.

O último levantamento do Sistema

Nacional de Informações sobre Sa-

neamento (SNIS) apontou que o

país, nas regiões urbanas, tem perto

de 94% de cobertura de água. Por

outro lado, se considerarmos as áre-

as urbanas, rurais e periféricas, esse

número cai. Posso dizer com convic-

ção que, hoje, no Brasil falta água

para a população mais pobre, aquela

que vive nos bolsões de pobreza, nas

áreas periféricas, nas favelas, nas zo-

nas periurbanas. De um modo geral,

esse problema de abastecimento de

água está bem equacionado. 6% de

200 milhões de habitantes sem água

potável representa um número mui-

to grande, correspondente a quatro

países do tamanho do Uruguai sem

acesso a água potável. Do ponto de

vista sanitário, é muito grave esse

dado. Defendemos que o acesso a

água tem que ser universal. Todos

os cidadãos e as cidadãs desse país

têm que ter acesso à água potável.

Ainda convivemos com um número

muito complicado na área de morta-

lidade infantil por doenças de veicu-

lação hídrica. A universalização deve

ser uma obstinização dos governos.

O quadro na área de esgotamen-

to sanitário é muito ruim. Na área

urbana, temos apenas 50% da po-

pulação atendida, ou seja, metade

da população não tem acesso aos

serviços de esgotamento sanitário.

Dos 50% que são atendidos, 30%

apenas têm esses esgotos tratados e

o destino final adequado. O quadro

na área de esgotamento sanitário

ainda é muito complicado. A área de

resíduos sólidos, especificamente de

coleta de lixo, apresenta indicadores

muito bons. Nosso problema está lo-

calizado no destino final desse lixo.

Normalmente, o lixo acaba nos lixões

onde proliferam os ratos, as baratas,

e acaba produzindo o chorume, que

polui os aquíferos subterrâneos.

FISENGE: A solução seria, então, mais aterros sanitários?CLOVIS: Na realidade, a solução é ater-

ro sanitário com vigilância e acom-

panhamento permanentes. Aterro

sanitário sem manutenção vira lixão

em pouco tempo. Outro aspecto

que vejo que é muito grave no sane-

amento é a questão do manejo das

águas pluviais. Ainda convivemos, no

Brasil, com as inundações devido às

chuvas intensas. Assistimos todos os

anos as ruas inundadas, enchentes e

acidentes trágicos, muitas vezes, por

falta de política pública. Os governos

agora têm implementado medidas

para minimizar esses aspectos como,

por exemplo, os piscinões, muito

embora ainda não saibamos concre-

tamente a eficiência desta medida.

Fundamental é o investimento em

drenagem urbana.

FISENGE: Temos assistido a uma o -fen siva das Parcerias Público-Priva-das (PPPs) no setor de saneamento. Como você avalia essa prática? CLOVIS: Somos contra as PPPs no sa-

neamento, porque são privatizações

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Page 15: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

15

A RETOMADAS DOS INVESTIMENTOS PÚBLICOS - GOVERNO FEDERALRecursos Totais (OGU + FIN)

travestidas em parcerias. As PPPs

têm retornado à agenda com um

vigor muito grande e não podemos

permitir que o saneamento brasileiro

seja privatizado, como objeto de lu-

cro. Na verdade, o saneamento é um

monopólio natural e água é vida. A

água está diretamente ligada à vida

dos seres humanos, que necessitam,

para sua existência, da energia reti-

rada do alimento, do oxigênio que

nós respiramos e da água. Se faltar

um dos três o ser humano morre.

Então, não dá para admitir que a

água seja objeto de mercado. Água

é um direito do cidadão e dever do

Estado brasileiro.

FISENGE: O saneamento é um setor estratégico para o país?CLOVIS: Sem dúvida alguma, o sane-

amento gera recursos, ou seja, ele

é um indutor do desenvolvimento,

influencia na cadeia produtiva, no

segmento de serviços e na indústria

de materiais e tubulações, além de

contribuir para geração de empre-

go e renda. Infelizmente, as doen-

ças de veiculação hídricas ainda são

responsáveis por um número enor-

me de óbitos no Brasil, e também

acabam interferindo no dia a dia do

cidadão e até na economia do país.

O setor de saneamento é estratégi-

co, porque é um gênero de primeira

necessidade do cidadão e da cidadã.

FISENGE: Como foi o processo de cons trução do Plansab?CLOVIS: O Brasil passou muitos anos

sem ter um arcabouço legal que

pudesse dar um norte e definir as

macros diretrizes para o saneamen-

to brasileiro. A partir de 2007, com

a promulgação da Lei 11.445 que

foi resultado de uma luta intensa

do setor de saneamento, iniciou-se

um trabalho de formulação do Pla-

no Nacional de Saneamento Básico

(Plansab) que está consignado na

lei. Este dispositivo estabelece prazos

para que estados e municípios apre-

sentem o seu plano municipal e esta-

dual de saneamento. À época, foram

contratadas três universidades: UFRJ,

UFMG e UFBA para contribuírem

com o Plansab. Estas universidades

fizeram um belíssimo trabalho ava-

liando três possíveis cenários econô-

micos, e partiram para a definição da

universalização dos serviços num pra-

zo de 20 anos. Esse trabalho precisa

ser conhecido por todos, porque es-

tabelece um conjunto de regras que

contemplam a participação popular e

o controle social, fazendo com que o

cidadão e a cidadã sejam sujeitos des-

sa política, e nunca mais objeto dela.

O protagonismo da população está

consignado nas linhas do Plansab,

que foi aprovado no Comitê Técnico

de Saneamento do Conselho Nacio-

nal das Cidades, depois aprovado

pelo próprio Conselho das Cidades,

e será submetido ao Conselho Na-

cional de Meio Ambiente (Conama).

Após esta aprovação, o plano irá para

a sanção da Presidência da República.

O Plansab é uma vitória e participa-

mos ativamente de sua construção,

desde o seu início.

FISENGE: É possível universalizar esses serviços?CLOVIS: Para universalizar esses ser-

viços, é preciso haver investimentos

e o governo está empenhado em

fazê-los. Mas precisamos modernizar

e mexer com a gestão das empresas,

além de buscar compromissos políti-

cos com estados e municípios. Des-

ta forma, poderemos, no intervalo

de 20 anos, atingir a tão almejada

universalização. No Brasil, temos 27

empresas estaduais de saneamento e

cerca de 1.500 empresas municipais

públicas que prestam um serviço de

qualidade, e algumas empresas pri-

vadas. É importante enfatizar que

não podemos permitir que o setor

público de saneamento brasileiro seja

privatizado. Temos que lutar muito.

Lutar não só para impedir a privatiza-

ção do saneamento, como também

lutar para que as empresas públicas

prestem um serviço público eficiente,

eficaz e de qualidade. Para que a po-

pulação se orgulhe cada vez mais do

serviço público brasileiro.

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Page 16: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

16

artigo

Quando a crise econômica inter-

nacional irrompeu mais forte-

mente no último trimestre de

2008, os países latino-americanos

estavam vivendo uma situação ímpar

de crescimento generalizado que não

havia sido vivenciada nas três déca-

das precedentes. Iniciado em 2004,

esse período de crescimento médio

superior a 5% ao ano (excluído da

estatística o México, que desde os

acordos do Tratado de Livre Comér-

cio da América do Norte, conhecido

pela sigla em inglês NAFTA, se vincu-

la mais diretamente à economias dos

EUA) era o primeiro desde a redemo-

cratização da região, de coexistência

entre institucionalidade democrática

e crescimento econômico.

As explicações para esse movimento

consistente têm talvez duas verten-

tes. A primeira, relacionada com a

superação de restrições estruturais

de balanço de pagamentos experi-

mentadas por quase todas as econo-

mias da região. Tendo vivido crises

financeiras desde a segunda meta-

de da década de 1990, a adminis-

tração macroeconômica dos países

da região se mantinha preocupada

com as restrições representadas pelo

encurtamento do acesso a moedas

fortes, especialmente em um ce-

nário de liberalização comercial e

financeira, e os novos governos da

região que buscavam caminhos al-

ternativos de desenvolvimento eram

particularmente sensíveis a esse pro-

A CRISE INTERNACIONALE A AMÉRICA LATINA

arti

go

ADHEMAR S. MINEIROEconomista, Técnico do Departa-

mento Intersindical de Estatística e

Estudos Socioeconômicos (DIEESE)

e assessor da Rede Brasileira pela

Integração dos Povos (REBRIP)

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Page 17: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

17

blema. A superação dessa situação

parece ter sido possível pelo enorme

crescimento do preço das commodi-

ties, já que os países da região são

grandes exportadores de commodi-

ties agrícolas, minerais e energéticas,

relacionada em parte ao incremento

da demanda asiática, particularmen-

te da China, e em parte pela espe-

culação financeira com o preço de

commodities. Essa situação também

levou à acumulação de reservas que

ajudaram a manter calmos os mer-

cados financeiros da região.

A situação dos preços das commo-

dities ajudou a evitar problemas de

balanço de pagamentos, o que re-

presentava espaço para o crescimen-

to econômico, mas não era em si o

crescimento econômico. Assim, o

crescimento econômico desde 2004

na região deve ser entendido a par-

tir das políticas nacionais em vários

dos países da região, especialmente

a partir de programas de transfe-

rência de renda e políticas de cresci-

mento dos salários, em particular o

salário mínimo. O que significa que

o crescimento na região deve ser as-

sociado de perto com a expansão do

consumo nos mercados nacionais,

e um tipo de ciclo virtuoso derivado

dessa expansão, conduzindo à ex-

pansão dos investimentos privados,

mas também ao crescimento da ar-

recadação de impostos que permitia

mais espaço para o crescimento dos

gastos públicos, sejam esses gas-

tos em aumento dos programas de

transferência de renda, seja através

de incremento do investimento pú-

blico. Em alguns países, o aumento

das rendas do setor público também

era explicado pelo crescimento de

alguns bens importados importantes

do qual o Estado se apropria da ren-

da de alguma forma (cobre, no caso

do Chile, petróleo, no caso da Vene-

zuela, ou soja, no caso da Argentina,

são alguns dos exemplos). Esse tipo

de política econômica ajudou a fazer

crescer a renda dos trabalhadores, re-

duzir o desemprego e formalizar ocu-

pações na região, alterando de forma

lenta, porém progressiva, a qualidade

dos mercados de trabalho na maioria

dos países da região.

Os efeitos imediatos da crise de 2008

na região foram, de certa forma, di-

ferenciados. Eles foram mais sentidos

por países mais integrados e depen-

dentes da economia estadunidense

(o México e muitos países da América

Central, por exemplo, assim como os

diretamente dependentes dos preços

do petróleo no mercado internacio-

nal, como a Venezuela, já que esses

preços estavam entre os que mais ca-

íram), embora a queda generalizada

dos preços de commodities em ge-

ral, pelos impactos possíveis sobre o

balanço de pagamentos dos países

da região, colocavam dúvidas sobre

as possibilidades de seguir crescen-

do. Entretanto, a maior parte em es-

pecial dos países da América do Sul

resolveu confrontar a agenda em-

presarial para a crise que apareceu

no primeiro momento (composta

pelo conjunto de medidas tradicio-

nais defendidos pelo setor empresa-

rial e formuladores conservadores,

e ado tada por exemplo, na União

Europeia, onde a crise se arrasta –

ajuste fiscal e política monetária res-

tritiva, e um novo ciclo de reformas

libera lizantes, incluindo mais liberali-

zação e flexibilização do mercado de

trabalho), e optar pela continuidade

do crescimento, através de políticas

que buscavam manter a expansão

da renda e do emprego, expansão

do crédito, desonerações, apoio fi-

nanceiro ao setor privado a partir do

setor público, crescimento do gasto

e do investimento públicos e tenta-

tiva de aumentar o nível de reservas.

Essa estratégia funcionou bem para

a recuperação da crise, e os países

latino-americanos que optaram por

esse caminho tiveram rápida recupe-

ração em 2009 e 2010. Entretanto, a

manutenção da dependência desses

países em relação aos mercados fi-

nanceiros e comerciais globalizados,

e a dependência em relação à expor-

tação de commodities os têm man-

tidos prisioneiros de um mercado

global que patina com a crise, não

oferecendo dinamismo. Pior agora,

pois mesmo as economias asiáticas,

e em especial a economia chinesa,

começam a reduzir o seu ritmo de

crescimento, o que tem impactado

negativamente as economias latino

-americanas.

Assim, fica mais evidente que, para

seguir na direção do crescimento

pela qual esses países pareciam ter

apostado em resposta à crise interna-

cional, é mais do que necessário bus-

car escapar mais uma vez, como se

tentou no passado, da dependência

externa, criando caminhos próprios

de desenvolvimento e, quem sabe,

buscando apostar mais fortemente

no processo de integração da própria

região. A integração regional aparece

assim como uma alternativa possível

para uma nova estratégia alternativa

de desenvolvimento.

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Page 18: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

18

especial 20 anos

20 ANOSFISENGEUMA HISTÓRIA DE LUTAE TRANSFORMAÇÕES

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Page 19: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

19

1991 foi o início da

F e d e r a ç ã o

In terestadu-

al de Sindicatos de Engenheiros

(Fisenge). Neste ano, engenheiros

organizados em seus sindicatos

demonstravam insatisfação com a

política da Federação Nacional de

Engenheiros (FNE). Ele mento central

nessa ruptura foi o entendimento de

que a engenharia é parte da luta dos

trabalhadores como um todo, para

além do corporativismo.

Era o fim dos anos 1980 e o início

dos anos 1990, décadas considera-

das perdidas pela sociedade, uma

vez que a política neoliberal se

consolidava cada vez mais no país.

Privatizações e demissões em mas-

sa foram situações que tomaram

conta do cenário brasileiro à época

e o enfrentamento se tornou mais

do que necessário. Nesse momen-

to, um grupo de sindicatos filiados

à Central Única dos Trabalhadores

(CUT) se organizaram no EngeCUT

e, ao lado de sindicatos de enge-

nheiros independentes, polariza-

vam com o grupo hegemônico da

FNE,, criaram a Entidade de Enge-

nheiros da CUT (EngeCUT). O en-

genheiro e deputado federal Jorge

Bittar (PT-RJ) participou da Comis-

são Nacional Pró-CUT e foi respon-

sável pelo desenho do logotipo da

CUT. "Foi o momento da ruptura

do sindicalismo pelego com o novo

sindicalismo, com a aglutinação

das lutas por melhores salários e

condições de trabalho à luta pela

construção da democracia e justiça

social", afirmou. De acordo com o

historiador Helder Molina, a partici-

pação dos trabalhadores do serviço

público federal, lado a lado com os

bancários, metalúrgicos, professo-

res, e dezenas de outras categorias

de trabalhadores, contra o sindica-

lismo pelego e atrelado ao Estado e

aos patrões, foi decisiva para fazer

nascer a CUT. "Significou a con-

solidação de um polo combativo,

anticapitalista, e de esquerda, com

conteúdo socialista e democrático.

A Fisenge é produto de um contex-

to histórico extremamente impor-

tante para a classe trabalhadora",

explicou.

A CUT surgiu há exatos 30 anos,

em um período de democratiza-

ção do país, pós-ditadura militar,

quando surge o chamado "novo

sindicalismo", para romper com o

sindicalismo oficial corporativo e

cartorial. Alinhados a essa política e

à divergência sistemática de princí-

pio em relação à condução da FNE,

os sindicatos começaram a se orga-

nizar e no V Encontro Nacional de

Sindicatos de Engenheiros (Ense),

que precedeu a eleição da gestão

1988/1991, essa polarização ficou

ainda mais nítida.

E no VI Ense foi deflagrada a ruptura

oficial e realizado o I Congresso Na-

cional de Sindicatos de Engenheiros

(Consenge), em 1991, Belo Horizon-

te (MG). Estas foram as considera-

das décadas perdidas (1980/1990),

devido às ofensivas do projeto neo-

liberal para o desmonte do Estado,

retirada de direitos dos trabalhado-

res, demissões e privatizações. "Nes-

se con texto de resistência e enfren-

tamento às políticas neoliberais, a

Fisenge, fazendo parte do sindica-

lismo combativo, liderou passeatas,

paralisações, marchas, greves seto-

riais e greves gerais, mobilizando

os trabalhadores como protagonis-

tas e sujeitos políticos da luta pela

implementação de seus direitos",

contou Molina.

"Para os trabalhadores, trata-se antes de construir uma democracia que ultrapasse as portas das empresas, e um desenvolvimento que chegue às casas dos trabalhadores"

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Page 20: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

20

especial 20 anos

Bittar lembrou que o fundamental

sempre foi manter a luta da enge-

nharia dentro da luta dos trabalha-

dores. "Sempre atuamos, na CUT e

no Senge-RJ, articulados com asso-

ciações de moradores, movimentos

populares e comitê nas empresas.

O trabalho de base repercutia nos-

sas ações. A Fisenge foi um marco,

porque representou justamente a

construção de um sindicalismo com-

bativo e comprometido com um

projeto de nação justo e solidário",

pontuou. Antes de se tornar Fisen-

ge, outros nomes foram aventados

como Fisen, ainda como Federação

de Sindicatos de Engenheiros. Entre

os princípios da Fisenge, estava a

democratização da estrutura sindi-

cal e a coordenação, articulação e o

apoio a todos os sindicatos filiados.

Dos anos 1990 para cá, a Fisenge

firmou resistência ao projeto neo-

liberal e lutou firmemente contra

as privatizações. Diversas foram as

mobilizações históricas desses pe-

ríodos, como a greve dos petrolei-

ros, em 1995; e a greve do setor

elétrico em 1990. Milhares de tra-

balhadores pressionaram, por meio

de greve e mobilização popular, as

empresas por melhores condições

de trabalho e por um modelo pú-

blico e estatal dos setores. "Nestes

20 anos de lutas sociais e políti-

cas da classe trabalhadora, tenho

acompanhado de perto o combate

e resistência da Fisenge, com rumo,

estrutura, raízes e história constru-

ídos na independência de classe,

com autonomia plena em relação

aos partidos políticos, patrões e Es-

tado", destacou Molina.

Com a ascensão do então presiden-

te Lula, em 2002, muitos avan ços

foram conquistados, principalmen-

te no sentido de diminuir os preju-

ízos do projeto privatista anterior.

E a primeira mulher presidenta da

república do Brasil, Dilma Rousseff,

dá continuidade a um governo com-

prometido com as causas populares.

Políticas pa ra agricultura familiar,

criação do Con selho das Cidades,

realização de Conferências Nacio-

nais, diminuição da pobreza e ins-

trumentos de distribuição de renda

foram alguns dos avanços.

É claro que a Fisenge acompa nhou

e acompanha estas transformações

sociais, pressionando pela radicaliza-

ção destas ações por uma sociedade

justa e solidária. "A participação po-

lítica consciente é fundamental para

fortalecer os laços entre os trabalha-

dores na difícil luta contra a explo-

ração econômica e social dos traba-

lhadores pelo capital, e na busca de

uma outra sociedade, sem opressão

de qualquer forma e conteúdo, e

sem dominação e exploração capi-

talista. Uma sociedade de homens

e mulheres livres e emancipados",

concluiu Molina.

Confira a seguir trechos de uma tese

apresentada no I Consenge. Intitula-

do "Ação sindical e plano de luta",

o documento é de autoria de Ronal-

do Barbosa Macedo; Paulo Roberto

de Souza Melo; Everton de Almeida

Carvalho; Luis Carlos Cardoso; Aga-

menon Oliveira e Artur Obino Neto

(tese Senge-RJ).

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Page 21: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

21

A Nosso Desafio A superação da origem “corpora-

tiva” de nossos sindicatos tem se

revelado mais difícil que parecia

alguns anos atrás, em grande

parte pelo modo como vemos

e como somos vistos pela classe

trabalhadora. Ainda que objeti-

vamente tenhamos nos proleta-

rizado, ainda mantemos como

engenheiros um posição privile-

giada no interior das empresas.

Em grande parte por sermos

detentores de um “saber” e de

uma “posição” destacada na

organização do trabalho. Superar

essa situação é nosso desafio.

B Nossa dívidaO processo de cooptação ide-

ológica dos profissionais espe-

cializados é o primeiro grande

obstáculo que enfrentamos.

Precisamos entender (e fazer en-

tender) melhor as relações entre

a tecnologia e organização do

trabalho subjacentes à “moder-

nização pós-industrial”, para me-

lhor enfrentar a marginalização

e o empobrecimento crescente.

Assim, a “questão tecnológica”

torna-se uma questão política,

e somos, dentro do movimento

sindical, aqueles que estão mais

aparelhados para enfrentá-la.

Essa, nossa dívida para com os

trabalhadores.

C Nossa responsabilidadeAs condições de trabalho, de em-

prego e de salário têm se deterio-

rado significativamente nos últimos

anos. A defesa dos interesses

econômicos da categoria é a razão

primeira de nossas entidades e é

através dessa luta que ganhamos

representatividade. Nessa direção

já ocupamos muitos espaços mas

temos muitos outros a ocupar. A

experiência da integração do mo-

vimento sindical dos engenheiros

no movimento sindical de todos os

trabalhadores foi vitoriosa e tem

que ser incrementada. Ampliá-la é

a nossa responsabilidade para com

os engenheiros.

D Nosso compromissoMas não podemos restringir nossa

atuação às negociações coletivas.

A formulação de políticas públicas

que se contraponham às propostas

pela classe dominante bem como a

disputa pela formação da opinião

pública é também uma tarefa sin-

dical. Assim fazendo superaremos

velhas posturas “corporativistas”

e contribuiremos para o avanço da

democracia em nosso país. Para que

essa tarefa ultrapasse a necessária

(mas não suficiente) teorização de-

vemos incrementar nossos contatos

com os movimentos populares. A

experiência de apoio e participação

nas associações de moradores tem

se mostrado excelente ponto de

partida. O diálogo com estes movi-

mentos e não a mera “assistência

é imprescindível para a superação

dos vícios tecnocráticos propiciados

por nossa formação e inserção na

sociedade. É nosso compromisso

colocar nossas capacidades e

disponibilidades a serviço dessas

entidades.

E Nossa organizaçãoA operacionalização dessas pro-

postas impõe mudanças em nos-

sa organização. Torna-se urgente

a formação em nossas entidades

de uma consciência coletiva de

que é im pres cindível:

- travar o debate ideológico

- enfrentar a “questão

tecnológica”

- profissionalizar as negociações

- assessorar os movimentos

populares

F Nossa lutaFala-se em reconstrução. Para os

trabalhadores, trata-se antes de

construir uma democracia que ul-

trapasse as portas das empresas,

e um desenvolvimento que che-

gue às casas dos trabalhadores.

Precisamos alcançar, e rápido,

relações capital-trabalho civiliza-

das. Sem a intromissão do Estado

(Ministério do Trabalho/Justiça do

Trabalho). Com o fortalecimento

de nossas entidades. Devemos

intervir criativamente no deba-

te que se trava no Congresso,

atualmente. O atendimento das

reivindicações históricas dos

trabalhadores só se dará pelo

fortalecimento do movimento

sindical. Essa é nossa luta.

AÇÃO SINDICAL E PLANO DE LUTAS

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Page 22: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

22

1993 > 2013

2009Democratizar

a comunicação

para democratizar

a sociedade. É

realizada a 1ª

Conferência Nacional

de Comunicação

(Confecom).

2006Em fevereiro, cerca de 2 mil

mulheres da Via Campesina

ocuparam o horto florestal da

Aracruz Celulose, em Barra

do Ribeiro, Rio Grande do Sul,

com o objetivo de denunciar

as consequências sociais e am-

bientais dos desertos verdes.

2011Em janeiro de 2011, com

as chuvas de verão, cidades

brasileiras ficaram destruídas,

milhares de pessoas

desabrigadas, centenas de

feridos e mortos. As tragédias

revelaram a histórica falta de

planejamento das cidades.

2010O Brasil é condenado pela Corte Intera-

mericana de Direitos Humanos pelos

crimes cometidos durante a Guerrilha do

Araguaia, onde dezenas de militantes

políticos desapareceram e sem que sequer

fossem publicadas informações a respeito.

No mesmo ano é eleita a primeira mulher

presidenta do Brasil, Dilma Rousseff.

1999Em 1999, foi criado o

Comitê Coordenador

do Planejamento da

Expansão do Sistema

Elétrico (CCPE). Boa

parte das empresas do

setor elétrico nacional é

privatizada.

2000Em 2000, acontece, em Brasília, a 1ª Marcha

das Margaridas. Mais de 20 mil trabalhadoras

rurais de todo o país marcharam contra a

fome, a pobreza e a violência contra a mulher.

No mesmo ano, acontece o Plebiscito

Nacional da Dívida Externa. Mais de seis

milhões de pessoas participaram do plebiscito.

1993

Em 21 de abril

de 1993, é rea-

lizado, no Brasil,

o plebiscito

sobre sistema de

governo. Ganhou

a República

Presidencialista.

1998Em julho, acontece uma das

maiores privatizações do país.

Por meio de leilão, a Telebrás

é entre gue ao capital privado.

Na Venezuela, Hugo Chávez

é eleito presidente, rompendo

com os 40 anos de vigência do

Pacto de Punto Fijo.

2004No mês de abril, o Movimento dos

Sem Terra (MST) dá início a uma onda

de ocupações em todo o país, que fica

conhecida como “abril vermelho”. É criada

a Aliança Bolivariana para os Povos da

Nossa América (ALBA) com o objetivo de

integração social, política e econômica entre

os países da América Latina e do Caribe.

2005Na noite de 30 de março, 30

pessoas foram assassinadas a tiros

em 11 locais das cidades de Nova

Iguaçu e Queimados, municípios

da Baixada Fluminense, no Rio

de Janeiro. O episódio ficou

conhecido como a Chacina da

Baixada Fluminense.

1994Em junho, tem início o Plano Real,

criado para diminuir e controlar a

inflação no Brasil.

Acontece o 2º processo eleitoral ab-

erto e com votação direta, depois do

fim da ditadura civil-militar no Brasil.

Fernando Henrique Cardoso é eleito

presidente do Brasil.

1995

Em 1995, começa a greve nacional dos

petroleiros, coordenada pela Central Única

dos Trabalhadores (CUT). O governo FHC faz

uma represália aos trabalhadores. O Exér-

cito ocupa quatro refinarias da Petrobrás. No

mesmo ano, é criado o Conselho Nacional

de Desestatização, pela Lei nº 9.491, e

sancionada a Lei da Concessões.

20 ANOS DE LUTA E HISTÓRIA

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Page 23: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

23

especial 20 anos

2008O Brasil descobre uma nova reserva de petróleo:

o pré-sal. Com a perspectiva de 90 bilhões de barris,

movimentos populares lutam contra a privatização

do petróleo e do gás. O movimento, que teve início

na década de 1940, durante o governo de Getúlio

Vargas, ressurge com força total com a campanha

“O Petróleo Tem que Ser Nosso”. No mesmo ano é

provada a Lei Ficha Limpa.

2007Mais de 3,5 milhões de pessoas dizem não

ao Plebiscito Popular da Vale. Consulta ouviu

3.729.538 pessoas em 3.157 cidades brasileiras.

94,5% disseram “Não” ao leilão que privatizou

a Vale do Rio Doce. No mesmo ano, o então

presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,

sanciona a Lei 11.445, mais conhecida como a Lei

do Saneamento Básico.

2003O Senado aprova em 1º turno a Proposta de

Emenda Constitucional (PEC) da Reforma da

Previdência. O então presidente dos Estados

Unidos, George W.Bush, inicia a guerra no

Iraque.

Também acontece a 1ª Conferência Nacional das

Cidades, que estabeleceu parâmetros para uma

Política de Desenvolvimento Urbano.

1996No município de Eldorado dos Carajás,

no sul do Pará, 19 trabalhadores

sem-terra são assassinados pela

polícia militar. No mesmo ano, a

Light, principal empresa de geração e

distribuição de energia elétrica no Rio

de Janeiro, é privatizada, por meio do

programa fe deral de desestatização.

2002Em 2002, mais de 10

milhões de pessoas

disseram não à Área

de Livre Comércio

das Américas (Alca).

Também é eleito

presidente Luiz Inácio

Lula da Silva.

2013Milhares de pessoas foram às ruas

durante todo o mês de junho.

Inicialmente, saíram para contestar os

aumentos nas tarifas de transporte

público, apontando para mudanças

estruturais na sociedade, como a

reforma política e a democratização

dos meios de comunicação.

2012Entidades e

organizações

reforçam campanha

por renovação das

concessões do setor

elétrico nacional.

2001Em 2001, é realizado o

primeiro Fórum Social

Mundial na cidade de

Porto Alegre, Rio Grande

do Sul, Brasil. No mesmo

ano, acontece a crise do

apagão energético.

1997Em 6 de maio de 1997 é leiloada, a preço irrisório, a maior empresa

de minério do Brasil, a Vale do Rio Doce. No mesmo ano, acontece

a Marcha dos 100 mil do Movimento dos Sem Terra (MST).

também em 1997, FHC promulga a lei 9.478, também conhecida

como Lei do Petróleo, um marco da quebra do monopólio estatal

na exploração de petróleo. Além disso, é criada a Agência Nacional

do Petróleo (ANP), órgão regulador do setor privado na pesquisa,

exploração, refino, exportação e importação de petróleo.

20 ANOS DE LUTA E HISTÓRIA

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Page 24: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

24

Saudamos a Fisenge pelos 20

anos, sobretudo como expressão

de seu reconhecimento e importân-

cia na conexão do sindicato com

questões nacionais, além de ser uma

representação nas demandas do

capital e trabalho, que envolvem as

negociações nacionais. Destacamos

também a atuação persistente no

arranjo social de nosso país naquilo

que depende do olhar e do conheci-

mento qualificado da engenharia.

JOSÉ EZEQUIEL RAMOS, presidente do Sindicato dos Engenheiros do Estado de Rondônia (Senge-RO)

“Com a atuação da Fisenge, os

engenheiros puderam exercer

melhor a engenharia. Sua criação

foi fundamental para a unificação

de ações que beneficiaram não só

a categoria, como também toda

sociedade. Pela contribuição do

trabalho que foi realizado, parece

que foram mais de 20 anos.

ORLANDO ZARDO, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Espírito Santo (Senge-ES)

“A Fisenge foi fundamental na

construção do Conselho

das Cidades e na organização e

articulação política da I Conferência

Nacional das Cidades. Na época, fiz

a proposta de criação do Plenário

e das Câmaras Técnicas, hoje

adotadas nos âmbitos federal,

estadual e municipal, baseado no

funcionamento do plenário dos

Creas. Nossa participação, por meio

da Fisenge, foi essencial para a

elaboração das Políticas Nacionais

de Saneamento, Habitação e

Mobilidade Urbana.

UBIRATAN FÉLIX, presidente do Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge-BA)

“AFisenge, nos últimos 20 anos, tem cumprido o papel fundamental de

aglutinar as reivindicações, as deman-das e as necessidades apresentadas pelos sindicatos de engenheiros filiados. Acredito que a Federação, no período de sua existência, tem conseguido cumprir o papel de agregar e transformar em universal aquilo que é demanda de suas bases. A Fisenge tem uma importância significativa no cenário da Engenharia nacional.

RAUL OTÁVIO DA SILVA PEREIRA, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Minas Gerais (Senge-MG)

PRESIDENTESDE SINDICATOS saúdam20 anos da Fisenge

Tivemos a coragem de romper com a estrutura sindical brasileira,

protagonizada pela FNE naquele momento, em plena ofensiva neoliberal

do governo Collor apoiada pela mídia comercial. Nesse contexto e com

nossas convicções de mudança e combatividade, fundamos a Federação

Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge). Nesse caminhar,

encontramos eixos que definiram e definem a nossa agenda - a construção

de um outro projeto de nação: justa, solidária e igualitária.

OLÍMPIO SANTOS, presidente do Sindicato

dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ)

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Page 25: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

25

especial 20 anos

AFisenge cumpre o importante

papel de ampliar o debate

sobre lutas estaduais dos sindicatos

da categoria, levando os pleitos

regionais à vitrine nacional. Nesses

20 anos de história, a atuação

da Fisenge vai para além das

questões corporativas, no trabalho

de articulação e na promoção da

discussão com outras entidades de

classe de temas relevantes para a

sociedade brasileira.

ULISSES KANIAK, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR)

O papel político-sindical que

a Fisenge representa para

os sindicatos de engenheiros

em todo o Brasil é de extrema

importância. A Federação traz

mais peso e credibilidade às

nossas ações e projetos e nos

orienta de diversas formas,

além de ser uma entidade com

reconhecimento mundial. Eu, e

toda a diretoria do Senge-VR,

parabenizamos a Fisenge pelos

seus 20 anos de trabalho sério

e respeito ao profissional de

engenharia.

JOÃO THOMAZ, presidente do Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda

Ahistória de 20 anos da Fisenge

orgulha o movimento sindical e

a engenharia nacional. Poucas fe-

derações no Brasil têm uma história

tão rica, que antecede até mesmo

a sua fundação. Além das questões

mais específicas dos profissionais

da engenharia, a luta permanente

na defesa da sociedade em grandes

temas nacionais tem sido uma das

marcas da Fisenge e, por isso, para

nós engenheiros agrônomos do Sea-

gro-SC é motivo de orgulho sermos

um dos seus sindicatos filiados.

VLADEMIR GAZONI, presidente do Sindicato dos Engenheiros Agrônomos de Santa Catarina

Com 20 Anos de História, a

Fisenge garantiu importantes

conquistas e avanços para os

engenheiros participando e

zelando pelos nossos direitos,

pela democracia e pela liberdade.

Parabéns à Fisenge pelos 20 anos

de luta.

ARMANDO DUARTE MARINHO, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado da Paraíba (Senge-PB)

Nestes anos de participação, posso

afirmar que, os diretores e con-

selheiros fiscais e deliberativos têm

cuidado com muito zelo da imagem

da Federação e têm contribuído para

o desenvolvimento da engenharia,

principalmente nas políticas públicas

para a habitação, transporte, sanea-

mento, agricultura e energia, bem

como na valorização profissional.

ROSIVALDO RIBEIRO, presidente do Sindicato dos Engenheiros de Sergipe (Senge-SE)

“A Fisenge foi a melhor

novidade que aconteceu

no movimento das entidades

de engenharia do Brasil,

nos últimos 20 anos. Foi a

entidade que ocupou o espaço

político progressista e que

propiciou os avanços ao lado

dos movimentos sociais que

transformaram o Brasil.

FERNANDO FREITAS, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Pernambuco (Senge-PE)

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Page 26: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

26

Entendo que é pertinente fa zer

uma breve resenha histórica a

respeito das origens da Fisen-

ge, porque, atualmente, não devem

exis tir muitos participantes ainda

remanescentes da época da criação

da entidade e conhecedores da sua

bela história.

A partir dos avanços ocorridos na

ação e organização sindical da dé-

cada de 1970, os trabalhadores

brasileiros foram incentivados a se

organizarem de modo mais forte e

consistente na busca por melhores

salários, oportunidades e condições

de trabalho.

Assim, o movimento sindical dos

engenheiros também foi influencia-

do, até porque passou a ocorrer um

significativo crescimento no número

de engenheiros que passaram à ca-

tegoria de assalariados.

A Federação Nacional de Engenhei-

ros (FNE) congregava os sindicatos de

engenheiros e realizava o Encontro

Nacional de Sindicatos de Engenhei-

ros (ENSE) a cada dois anos. Era uma

entidade, na qual predominava o Sin-

dicato dos Engenheiros no Estado de

São Paulo (SEESP), sigla vigorante até

Div

ulga

ção/

Cre

a/PR

FISENGEE SUAS ORIGENS ENGENHEIRO LUIZ CARLOS SOARES, que foi coordenador da Coordenação Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge)

hoje, de modo diferenciado dos de-

mais, os Senges.

Nos anos 1980, muitas direções sin-

dicais de engenheiros - até então

mais voltadas para questões empre-

sariais e para profissionais autôno-

mos - passaram a ser substituídas por

direções mais voltadas para a defesa

dos seus representados, no que se re-

fere às relações de trabalho.

Suas estratégias mais fortes passaram

a ser desenvolvidas nas negociações

de salários e de condições de traba-

lho, diretamente com as direções das

empresas e/ou dos sindicatos patro-

nais. Ou seja, investiu-se na busca de

Acordos e Convenções Coletivas de

Trabalho (ACTs e CCTs), em vez de

burocráticos processos de Dissídios

Coletivos, nas instâncias dos Tribu-

nais Regionais e Superior do Traba-

lho. Isso constituiu um grande divisor

de águas na ação sindical entre gru-

pos distintos de sindicatos de enge-

nheiros, então filiados à FNE. Alguns

sindicatos organizaram uma articula-

ção informal, o Engecut, e se filiaram

à CUT, que foi criada em 1983.

No ENSE de 1988, em Belém-PA, as

divergências quanto às perspectivas

de destino se cristalizaram e condu-

ziram a uma disputa pela presidên-

cia da FNE.

No ENSE de 1990, em Brasília,

após muitos e acalorados deba-

tes, um grupo de Senges decidiu

pela desfiliação à FNE e formação

de uma nova entidade. De início,

pensou-se em uma entidade de

coordenação do grupo, com fun-

ções federativas, porém sem se

chamar federação. Essa entidade

foi formalizada em abril de 1991,

em Belo Horizonte, no 1º Congres-

so Nacional de Sindicatos de Enge-

nheiros (Consenge), sigla que per-

manece até hoje. A entidade foi

denominada Coordenação Nacio-

nal de Sindicatos de Engenheiros

(Consenge), da qual eu me tornei

o Coordenador Geral, com prerro-

gativas de presidente.

No 2º Consenge, em 1993, no Rio

de Janeiro, a entidade passou, en-

tão, a se denominar Federação Inte-

restadual de Sindicatos de Engenhei-

ros (Fisenge), tal como é conhecida

e reconhecida até hoje, tanto nacio-

nal como até internacionalmente.

A partir daí, sua história fala por si

mesma!

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Page 27: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

27

especial 20 anos

De Coordenação à Federação

Interestadual de Sindicatos de

Engenheiros (Fisenge). Quem

conta esta história é o primeiro pre-

sidente da federação, Carlos Roberto

Aguiar (Carlão), eleito em 1993, no II

Congresso Nacional de Sindicatos de

Engenheiros (Consenge), no Rio de

Janeiro. Durante o congresso, Carlão

apresentou uma tese apontando a

continuidade do Consenge e a mu-

dança de coordenação para federa-

ção. Após ampla discussão, a tese

foi aceita. Nasce, assim, a Federação

Interestadual de Sindicatos de Enge-

nheiros (Fisenge), constituída pelos

Senges identificados com a renova-

ção sindical no Brasil. Inicialmente, a

primeira diretoria da Fisenge teve um

mandato de apenas dois anos. Nesta

primeira composição (1993/1995),

Carlão foi eleito presidente e nos

dois congressos seguintes reeleito

por mais dois mandatos (1995/1997

e 1997/1999). Foi diretor de rela-

ções sindicais no mandato de 1999

a 2002 e foi diretor suplente na atual

diretoria (2005/2008).

Você assumiu a primeira presi-dência da Fisenge. Como foi o momento de transição de coorde-nação para federação? Essa decisão de transformar a Con-

Arq

uivo

/Fis

enge

“O movimento de engenheiros sempre

esteve presente na luta pela construção de uma

sociedade fraterna e igualitária”,

CARLOS ROBERTO AGUIAR

senge em Fisenge aconteceu no Con-

gresso realizado no Rio de Janeiro,

onde eu também fui eleito o primeiro

presidente. No início, foram muitas as

dificuldades tanto no campo político

como no financeiro. A FNE dificultava

ao máximo a nossa legalização junto

ao Ministério do Trabalho e, sem a

legalização, não poderíamos receber

o imposto sindical. Com muita luta e

apoio de companheiros e sindicatos,

reunimos os sindicatos do mesmo

campo político e conseguimos en-

trar no Confea para conquistarmos

assento no Colégio de Entidades Na-

cionais (Cden).

A década de 1990 foi um período marcado pelo avanço do Estado mínimo e do neoliberalismo. Po-deria contar um pouco sobre esse momento histórico e a interven-ção do movimento de engenhei-ros? A década de 1990 foi marcada pela

greve nacional dos trabalhadores do

setor elétrico, da qual eu participei.

Como presidente do Senge-PE, fui

demitido da Chesf. O governo de

Fernando Collor foi um momento

de privatizações não somente do

setor elétrico, como também de te-

lecomunicações; tivemos um grande

número de demissões e a extinção

do planejamento a longo prazo das

empresas. Nessa época, sobrava vaga

nos cursos de engenharia, até porque

não havia vaga no mercado de tra-

balho. Lutamos bravamente contra

a privatização do setor elétrico; das

telecomunicações, da CSN; da Vale.

Considero que 1990 foi uma década

perdida para o país.

20 anos depois, o que mudou e o que precisa avançar? Hoje, avançamos muito, mas ain-

da enfrentamos as consequências

nefastas da década de 1990, como

a alienação de grande parte da ju-

ventude; e ainda enfrentamos uma

inversão de valores muito cruel. Ao

invés de solidariedade, vemos o in-

dividualismo predominando nas

relações. Precisamos romper com

esta mentalidade mercantil e o mo-

vimento de engenheiros sempre

esteve e está presente na luta pela

construção de uma sociedade frater-

na e igualitária.

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Page 28: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

28

Div

ulga

ção/

Seng

e-ES Foi no final da década de

1990, exatamente em 1999,

que o engenheiro civil Paulo

Bubach assumiu a presidência da

Federação Interestadual de Sindi-

catos de Engenheiros (Fisenge).

A eleição aconteceu durante o 5º

Congresso Nacional de Sindica-

tos de Engenheiros (Consenge),

em Recife. Bubach foi reeleito no

6º Consenge, em Aracaju, e exer-

ceu o mandato até abril de 2004,

quando assumiu a chefia de gabi-

nete no Conselho Federal de Enge-

nharia e Agronomia (Confea).

Qual era a conjuntura brasileira

quando assumiu a presidência da

Fisenge?

O final da década de 1990 foi um

período terrível para os brasileiros

e para a engenharia. Isso porque

predominava com muita força a

concepção neoliberal de governo.

Dentro dessa avaliação, havia o en-

tendimento de que o remédio para

combater crises externas era a reces-

são. Quando o país não cresce, a pri-

meira categoria a sentir os impactos

é a engenharia, que trabalha direta-

mente no setor produtivo. Seguindo

uma política de Estado mínimo, ou

seja, um estado praticamente sem

intervenção, as empresas estatais

foram depreciadas e muitas privati-

zadas. E não havia investimento em

infraestrutura. Nessa época, as lutas

maiores eram contra o arrocho sala-

rial e contra as privatizações.

Quais foram as principais lutas

das quais a Fisenge participou

nessa época?

Conseguimos barrar algumas priva-

tizações e, numa luta política mais

ampla, lutamos firmemente contra

a Área de Livre Comércio das Amé-

ricas (Alca), que queria transformar

o Brasil em mercado dos EUA. Tam-

bém estivemos presentes nas lutas

contra a intervenção do Fundo Mo-

netário Internacional (FMI) no país.

20 anos depois, o que mudou?

Hoje, vivemos uma conjuntura radi-

calmente diferente da década de

1990. O país começou a valorizar o

mercado interno, investir em infra-

estrutura (saneamento, habitação,

transportes) e há uma demanda

maior por engenheiros. O Brasil ain-

da carece de ações mais ousadas nas

políticas públicas, pois muito ainda

tem que ser feito. Tenho acompa-

nhado a luta da Fisenge pela refor-

ma política e a considero central e

estratégica para o avanço do país.

Existem setores que não querem a

reforma do sistema político, que es-

tão vinculados a interesses de mer-

cado. Precisamos lutar para que o

Brasil não retroceda.

“A reforma políticaé central na lutados trabalhadores”,

PAULO BUBACH

“O PAÍS COMEÇOU A VALORIZAR O MERCADO INTERNO,

INVESTIR EM INFRAESTRUTURA (SANEAMENTO, HABITAÇÃO,

TRANSPORTES) E HÁ UMA DEMANDA MAIOR POR

ENGENHEIROS.”

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Page 29: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

29

especial 20 anos

A engenheira contribuiu imen-

sa mente para a construção

da Federação Interestadual de

Sindicatos de Engenheiros (Fisenge).

“Os engenheiros não podem estar

ausentes das grandes questões na-

cionais. As elites brasileiras têm se

servido com voracidade do poder,

utilizando-o para seus interesses.

Transvestem-se das mais variadas

formas. A última foi a capa da mo-

dernidade e a promessa de levar o

país ao Primeiro Mundo. Sabemos

aonde esse ‘pesadelo neoliberal’ nos

tem levado”. Trecho do discurso de

Maria Cristina Sá, primeira mulher a

assumir a presidência do Sindicato

de Engenheiros no Estado de Minas

Gerais (Senge-MG), entre os anos

de 1990 a 1995, por dois mandatos,

período que contribuiu fortemente

para a construção da Federação In-

terestadual de Sindicatos de Enge-

nheiros.

Você assumiu a presidência do Senge-MG num momento pós redemocratização do Brasil. Que fatos políticos marcaram este pe-ríodo?Participamos da Constituinte de

1988, acompanhamos o fim do go-

verno Sarney, o início do governo

Collor e seu impeachment. Era uma

época de efervescência política. No

entanto, havia uma forte tentativa

de implantação de um novo mode-

lo no país, com a abertura total e

a destruição do patrimônio público

com o sucateamento e as privatiza-

ções. A recessão atingiu duramen-

te os engenheiros e cerca de 30%

dos profissionais estavam desem-

pregados ou fora do exercício pro-

fissional, além do desrespeito aos

salários e o desmantelamento de

equipes técnicas.

Como se deu a construção da Fi sen ge?Havia uma disputa interna muito grande sobre a filiação à Central Úni-ca dos Trabalhadores (CUT), quan-do ainda estávamos na Federação Nacional dos Engenheiros (FNE). O Senge-MG tinha acabado de se fi-liar à CUT e nos colocamos ao lado do grupo que fundou a Fisenge. Em abril de 1991, aconteceu o I Congres-so Nacional de Sindicatos de Enge-nheiros, que culminou na criação da Coordenação Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge), que, em 1993, consolidou a Federação Inte-restadual de Sindicatos de Engenhei-ros (Fisenge). Desde então, dirigimos, pela Fisenge, campanhas salariais

importantes em todo o Brasil, além

de lutarmos contra as privatizações

das principais estatais. Um caso foi a

entrega da Vale do Rio Doce. Os anos

1990 foram trágicos e a maior parte

do patrimônio público foi dizimado.

Hoje, há um enorme processo de despolitização na socieda-de. De que forma o movimento sindical pode contribuir para a reversão deste quadro?Estamos passando por um momen-

to muito difícil, porque setores mais

à esquerda estão muito perdidos.

Houve avanço com o governo Lula,

mas há uma certa acomodação. Não

temos mais a política que tanto mo-

bilizou na Constituinte de 1988, até

porque, hoje, a sociedade está mui-

to centrada numa perspectiva indi-

vidualista. Precisamos seguir na luta

pela construção de uma sociedade

mais justa e fraterna.

MARIA CRISTINA SÁ foi uma das primeiras mulheres a participar da direção da Fisenge

Arq

uivo

Sen

ge-M

G

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Page 30: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

30

Valeu a pena". Assim define o

ex-diretor da Federação In-

te restadual de Sindicatos de

En genheiros (Fisenge), Manoel Bar-

retto, sobre a criação da federação.

Barretto foi vice-presidente de 1993

a 1995, diretor executivo nas ges-

tões de 1995 a 1997 e de 1997 a

1999. Hoje, Manoel Barretto é presi-

dente da Companhia de Pesquisa de

Recursos Minerais (CPRM) e destaca

a articulação dos sindicatos cutistas

na Engecut (Entidade de Engenhei-

ros da CUT), que atuava de forma

organizada dentro da Federação Na-

cional dos Engenheiros (FNE), antes

da ruptura para a construção da Fi-

senge.

Como foi o momento político de construção da Fisenge?Naquele momento, ainda lutávamos

para assegurar as liberdades demo-

cráticas, haja vista o recente pro-

cesso de redemocratização do país,

e sempre empenhados na construção

de um projeto de nação solidário e

justo. Estava na nossa agenda po-

lítica o fortalecimento da Central

Única dos Trabalhadores (CUT) e do

movimento sindical como um todo.

Esta, inclusive, foi uma das causas

de ruptura com a FNE. Sempre de-

fendemos a autonomia, a indepen-

dência e a va lorização de entidades

sindicais voltadas aos interesses dos

trabalhadores. A consolidação da

Fi senge, durante o Congresso Na-

cional em Belo Horizonte, foi um

fato histórico no movimento sindi-

cal e uma vitória muito grande.

Foi exatamente nos anos 1990 que aconteceu a implantação e o fortalecimento do projeto ne-oliberal. Como foi a atuação do movimento?Nessa época, nos anos 1990, foi

dado início ao processo de priva-

tização do serviço público, especial-

mente o setor elétrico. A Fisenge,

por meio de seus sindicatos filiados,

esteve à frente desta luta contra a

privatização do setor elétrico com

manifestações e denúncias. Até ho-

je, a sociedade ainda sofre com as

consequências das privatizações.

Qual a diferença entre os movi-mentos sindicais à época?Viemos com uma outra prática: a de

um trabalho junto aos sindicatos de

base e aos movimentos populares,

em parceria com os sindicatos majo-

ritários, construindo e fortalecendo

um outro movimento sindical. Foi

um avanço nas lutas sindicais. Vários

sindicatos de base surgiram a partir

disso, contrapondo a visão cartorial

de muitas entidades à época.

MANOEL BARRETTOfala sobre aprática domovimento sindical

"

“SEMPRE DEFENDEMOS A AUTONOMIA, A INDEPENDÊNCIA

E A VA LORIZAÇÃO DE ENTIDADES SINDICAIS

VOLTADAS AOS INTERESSES DOS TRABALHADORES. A

CONSOLIDAÇÃO DA FI SENGE, DURANTE O CONGRESSO

NACIONAL EM BELO HORIZONTE, FOI UM FATO HISTÓRICO NO

MOVIMENTO SINDICAL E UMA VITÓRIA MUITO GRANDE.”

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Page 31: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

31

especial 20 anos

Desde a primeira mesa e a pri-

meira cadeira da federação,

Maria José Salles, a Zezé, parti-

cipou não apenas da organização da

estrutura da Fisenge, como também

e, principalmente, do fortalecimen-

to do movimento de engenheiros

na luta por mais direitos e por outra

sociedade, justa e igualitária. Zezé

foi diretora financeira da Fisenge de

1993 até 2002.

Como foi a construção da Fi senge?Rompemos com a FNE, porque nos

aproximávamos mais da CUT do

que de outra central. E rompemos

no trabalho, porque tínhamos uma

visão diferente de como levar a luta

dos engenheiros, que devia ser den-

tro da luta dos trabalhadores, não

apenas a luta corporativa.

A gente entrava em choque em

todas as arenas. Aí, chegou o mo-

mento que não deu mais e a gente

rompeu. Decidimos que a sede ia ser

no Rio de Janeiro. Na época, a gen-

te não tinha dinheiro, foi uma briga

com a FNE.

A fundação se deu justamente durante a década perdida. Como foi vivenciar esse momento?Os sindicatos de engenheiros tive-

ram uma atuação muito grande na

luta contra a privatização.

E a Fisenge nasceu com essa essên-

cia: somando e chamando pela luta

dos trabalhadores. A luta contra a

privatização promoveu uma série

de debates importantes. Deu uma

densidade à discussão dos traba-

lhadores, de um modo geral. Não

é ser contra apenas por ser contra,

significava um projeto claro de dis-

puta da sociedade. Desta forma,

politizamos o debate apontando os

prejuízos da entrega do patrimônio.

Fugimos daquela luta puramente e

exclusivamente reivindicatória e cor-

porativa. O meu setor, por exemplo,

o saneamento, foi muito discutido

e, obviamente, não foi só a luta dos

trabalhadores que levou à não priva-

tização do setor naquele momento.

Foi a luta dos trabalhadores dentro

do setor do saneamento que pôs

obstáculo à privatização da área.

Que momento você destacaria nessa trajetória?O “Fora Collor” veio trazer uma in-

jeção de ânimo, porque, de repente,

apareceram os caras pintadas. Um

dia, eu fui para as ruas, como de

costume, e comecei a gargalhar no

meio das pessoas. Não eram mais os

mesmos rostos conhecidos, era gen-

te jovem reunida. O “Fora Collor”

foi um momento incrível.

Você acha que agora a gente con-segue avançar mais nas transfor-mações sociais do país?Eu acho que consegue sim. As re-

centes mobilizações populares me-

xeram com todo o Brasil.

Eu não sei dizer para onde vai, mas

mexeu com alguma coisa que não

volta mais para o mesmo lugar.

Adr

iana

Med

eiro

s

“A Fisenge nasceu com essa essência: dentro da luta dos trabalhadores”, ZEZÉ SALLES

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Page 32: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

32

O presidente do Sindicato dos

Engenheiros no Estado do Rio

de Janeiro (Senge-RJ), Olím-

pio Alves, relembra o momento de

fundação da Central Única dos Tra-

balhadores (CUT) e seus reflexos no

movimento dos engenheiros dos

anos 1980 e 1990, período da insta-

lação do projeto neoliberal do país.

Olímpio assumiu a presidência da Fi-

senge em 2004, após o licenciamen-

to de Paulo Bubach, e permaneceu

até 2008. Hoje, Olímpio também

está à frente da construção da Con-

federação dos Técnicos e Trabalha-

dores Universitários (Confetu), que

tem o objetivo de avançar nas lutas

nacionais e apoiar os sindicatos das

federações, fortalecer a CUT e am-

pliar a atuação nos espaços de ne-

gociação coletiva. A Confetu agrega

a Federação Interestadual de Sindi-

catos de Engenheiros (Fisenge) e a

Federação Nacional dos Arquitetos e

Urbanistas (FNA).

O movimento de engenheiros teve participação essencial na fundação da CUT. Como se deu esse processo?O Senge-RJ participou da funda-

ção da CUT, ainda no encontro da

1º Conferência Nacional da Classe

Trabalhadora (Conclat). Vários com-

panheiros do sindicato estiveram

presentes, como o ex-presidente do

Senge-RJ e atual deputado federal,

Jorge Bittar (PT-RJ). Na Conclat, já

surgiam diferenças entre as correntes

sindicais, principalmente com o sur-

gimento do chamado “novo sindica-

lismo”, com a perspectiva da criação

de uma Central Única dos Trabalha-

dores, hoje CUT. Nesse momento foi

criado o movimento pró-CUT. Inclusi-

ve, quem dirigiu a última assembleia

foi o Bittar. Veio à tona a divisão do

movimento sindical: o novo sindica-

lismo x o sindicalismo pelego buro-

crata. A disputa ficou latente e na

Conclat foi deliberado que faríamos

congresso para fundação da CUT.

Que reflexos essa divergência de concepção do sindicalismo trou-xe para a organização dos enge-nheiros?Antes do congresso de fundação

da CUT, a divisão no sindicalismo já

trazia reflexos para o Encontro Na-

cional de Sindicatos de Engenheiros

(Ense). Formávamos um grupo mais

aguerrido e combativo. Éramos um

grupo de sindicalistas alinhados

ao combate à ditadura militar, que

impunha limites ao sindicalismo.

Também combatíamos eleições no

colégio eleitoral, o arrocho salarial

e, principalmente, o modelo de

sindicalismo brasileiro (unicidade,

imposto sindical e a mediação da

Justiça do Trabalho). Todos esses

questionamentos foram deixados

pelo governo de Getúlio Vargas. A

legalização das centrais sindicais,

por exemplo, só se deu durante o

governo Lula. A CUT, que completa

30 anos este ano, só foi legalizada

há poucos anos. E o novo sindica-

lismo surge nesse contexto: o de

promover a ruptura dos limites im-

postos. Quando criamos a CUT, a

capacidade de ampliação se refletiu

nos sindicatos de engenheiros e foi

criado o movimento de engenhei-

ros organizado no EngeCUT com os

sindicatos filiados à CUT, entre eles

o do Rio de Janeiro. A cada Ense, a

divergência do modelo de sindicalis-

mo praticada se acentuava. No en-

contro, em Brasília, nos retiramos e

tivemos a coragem de romper com a

estrutura sindical brasileira em ple-

na ofensiva neoliberal do governo

Collor apoiada pela mídia comercial.

Vimos a fragilidade da Coordenação

Nacional de Sindicatos de Engenhei-

ros (Consenge) e fundamos a Fede-

ração Interestadual de Sindicatos de

Engenheiros (Fisenge). Tivemos um

grande salto político no 3º Consen-

ge, em 1995, com a tese de Cesar

Benjamim e Tânia Bacelar de Araú-

jo “Brasil: reinventar o futuro”, que

apontava a necessidade do Brasil se

voltar para o mercado interno. Fize-

mos ali um contraponto ao projeto

neoliberal que se instalava no país.

Avançamos nos debates nacionais,

mas descuidamos da reforma do sin-

dicalismo brasileiro. Nesse caminhar,

encontramos eixos que definiram e

definem a construção de um outro

projeto de nação: justa, solidária e

igualitária. Enquanto avançávamos

no debate político com a ofensiva

“O novo sindicalismo surge nesse contexto: o de promover a ruptura

dos limites impostos”,OLÍMPIO SANTOS

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Page 33: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

33

especial 20 anos

neoliberal, a Federação Nacional de

Engenheiros (FNE) sumiu no cenário

político, pelas incertezas. Amplia-

mos nossa participação e ocupamos

espaços importantes no Sistema

Confea-Creas e na sociedade.

E o sindicalismo hoje? Que desa-fios enfrenta?Nosso sindicalismo não pode conti-

nuar dessa maneira, porque hoje, da

forma como está, é um impeditivo

para o avanço da democracia. Preci-

samos de um movimento social com

capacidade de se autofinanciar, com

liberdade e autonomia dos trabalha-

dores. É preciso reformar o nosso

sindicalismo.

E a Confetu? Como surgiu?A Confetu surge num momento de

concertação entre os sindicatos de

categorias com formação técnica

na base cutista e fazer contraposi-

ção à Confederação Nacional dos

Profissionais Liberais (CNPL), uma

confederação sem atuação política

e sindical. Não queremos repetir as

confederações oficias desse país e

muito menos ser um aparelho sindi-

cal, e sim para influir politicamente

nas negociações coletivas e debates

nacionais. Precisamos abrir espaço

nesse país, democratizar os meios de

comunicação e ultrapassar a demo-

cracia parlamentar para a efetivação

da democracia direta e participativa,

de acordo com os interesses dos tra-

balhadores.

"Soberania popular é essencial para definiçãodo Estado que queremos",

CARLOS ROBERTO BITTENCOURT

Engenharia e Desenvolvimento

com Inclusão Social" foi o tema

do 8º Congresso Nacional de

Sindicatos de Engenheiros (Consen-

ge), realizado em Florianópolis (SC),

em 2008. Foi nesse ano que o en-

genheiro agrônomo Carlos Roberto

Bitten court foi eleito o atual presi-

dente da Federação Interestadual de

Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) .

Ele já foi presidente do Sindicato dos

Engenheiros no Estado do Paraná

(Senge-PR) por dois mandatos. Nes-

ta entrevista, Bittencourt destaca os

principais elementos da conjuntura

nacional, da engenharia e da Fisen-

ge nesse período.

"

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Page 34: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

34

11.888, que assegura às famílias

de baixa renda assistência técnica

pública e gratuita para o projeto

e a construção de habitação de

interesse social. Em 2010, outro

avanço importante para o protago-

nismo social da engenharia foi a lei

12.188, que institui a Política Na-

cional de Assistência Técnica e Ex-

tensão Rural para a Agricultura Fa-

miliar e Reforma Agrária (PNATER) e

o Programa Nacional de Assistência

Técnica e Extensão Rural na Agricul-

tura Familiar e na Reforma Agrária

(Pronater).

A ação da Fisenge é norteada pela

forte intervenção nas discussões

nacionais para formulação e im-

plementação de políticas públicas,

como a participação no Conselho

das Cidades, no Fórum Nacional

de Reforma Urbana, no Movimen-

to de Combate à Corrupção Elei-

toral (MCCE), Fórum Nacional de

Reforma Agrária, Plataforma Ope-

rária e Camponesa pela Energia.

Além, é claro, da participação nas

negociações coletivas nacionais,

como a Eletrobras e a Companhia

de Pesquisa de Recursos Minerais

(CPRM).

Na luta contra a entrega do patri-

mônio público, destaco também

a defesa das estatais e de setores

estratégicos para o país, como o

energético e o de saneamento,

que vêm sofrendo ataques incisi-

vos do projeto privatista. No setor

energético temos atuado com for-

ça para o fim dos leilões das usi-

nas elétricas e de petróleo e pela

renovação das concessões do setor

elétrico. Tivemos uma grande vi-

tória nessa luta com a renovação

da maioria das concessões, com

exceção dos estados do Paraná, de

São Paulo, Minas Gerais e Santa

Catarina. Continuamos na mobi-

lização para o controle estatal e

público do setor energético como

um todo (energia elétrica, petróleo

e gás). Outra denúncia que faze-

mos é sobre a terceirização e seus

prejuízos para os trabalhadores e

para a prestação de serviços para

a sociedade.

FISENGE: E a atuação da Fisenge na defesa do Salário Mínimo Pro-fissional?BITTENCOURT: A Fisenge foi uma das

primeiras entidades, em nível na-

cional, a entrar com um processo

de Amicus Curiae, ou seja, Amigos

da Corte, apresentando uma outra

visão para os ministros do Superior

Tribunal Federal (STF) em defesa do

SMP. Em maio, a ministra Rosa We-

ber reconheceu a nossa legitimidade

em participar do processo, qualifi-

cando a entidade perante o Supre-

mo, para contribuir com sugestões

em relação à ação impetrada pelo

Governo do Maranhão, que alega a

inconstitucionalidade do Salário Mí-

nimo Profissional. Esta notícia mos-

tra a vitória do processo e a atuação

da Fisenge na garantia do salário mí-

nimo a todos engenheiros.

Também estamos mobilizados pe-

la aprovação do projeto de lei

nº13/2013, que inclui as atividades

de engenheiros, arquitetos e enge-

nheiros agrônomos , quando realiza-

das por servidores públicos efetivos

FISENGE: De 2008 até hoje acom-panhamos mudanças impor-tantes no país. Qual o papel da engenharia na formulação e con-solidação de políticas públicas?BITTENCOURT: A história da Fisenge

é permeada pela luta constante e

permanente contra o projeto neo-

liberal no país. A Fisenge como en-

tidade classista combativa traçou

uma trajetória de luta muito boni-

ta. A Federação, que comemora 20

anos este ano, tem 11 sindicatos

filiados em dez Estados do Brasil.

Da mesma forma, tem um papel

bastante significativo no debate de

assuntos relacionados à engenha-

ria e sua vertente junto às políti-

cas públicas, em setores como de

energia, saneamento, geociências

e agronomia. Neste último, com

foco bem direcionado à questão

da agricultura familiar. Historica-

mente, a Fisenge sempre esteve

à frente das principais lutas deste

país. Assumi a presidência da Fe-

deração, em 2008, durante o 8º

Consenge. Neste fórum, reafirma-

mos nossas diretrizes políticas e

apontamos caminhos para desen-

volvimento com inclusão social.

Lutamos pelo fim do fator previ-

denciário, pela redução da jornada

de trabalho, pelo monopólio esta-

tal do petróleo e a defesa da Pe-

trobras e o papel da engenharia na

construção de um país justo, soli-

dário e fraterno pela consolidação

de políticas públicas pela universa-

lização dos direitos sociais.

FISENGE: Que pontos destacaria?BITTENCOURT: Foi justamente em

2008 que foi sancionada a lei

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Page 35: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

35

especial 20 anos

federais, estaduais e municipais, nas

carreiras consideradas essenciais e

exclusivas de Estado.

FISENGE: Foi divulgado o cresci-mento de 1,5% do Produto Inter-no Bruto (PIB) no Brasil, superan-do as expectativas. Dentro desse quadro econômico, falar sobre escassez de engenheiros é alar-mismo ou realidade?BITTENCOURT: É preciso uma recons-

trução histórica nesse ponto. O Bra-

sil, nos anos 1990, viveu um forte

período de desindustrialização, ar-

ticulado com a implementação do

projeto neoliberal. Foram inúmeras

as demissões e as privatizações.

Muitos engenheiros desistiram da

profissão para atuarem em outras

áreas. A partir de 2003, o cená-

rio muda com o fortalecimento

do mercado interno e o aumento

de investimentos. Cito alguns pro-

gramas importantes: Minha Casa,

Minha Vida, Luz para Todos, o Pro-

grama Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Familiar (Pronaf) e

as obras promovidas pelo Progra-

ma de Aceleração do Crescimento

(PAC), mesmo com alguns gargalos.

Outros fatos que merecem desta-

que são: a descoberta do pré-sal e

a realização de megaeventos como

a Copa e os Jogos Olímpicos.

Com esta conjuntura, muitas opor-

tunidades foram abertas e o tema

"possível escassez de engenheiros"

tem pautado a sociedade. Impor-

tante destacar que os 19,6 mil con-

cluintes em 2002 transformaram-se

em 42 mil em 2011, de acordo com

os últimos dados do Ministério da

Educação (MEC). Reconhecemos

que pode haver falta de engenhei-

ros em determinadas áreas como

petróleo e gás, engenharia naval,

por exemplo. Trata-se de uma ques-

tão pontual.

FISENGE: Recentemente, a presi-denta Dilma Rousseff anunciou a possibilidade de um programa "Mais Engenheiros", nos moldes do "Mais Médicos". Qual a sua avaliação?BITTENCOURT: Nesta questão, é

fundamental pontuar que os mu-

nicípios do interior do Brasil têm

oferecido salários irrisórios aos

profissionais da engenharia. Algu-

mas prefeituras anunciam editais

com salários de R$1.500, descum-

prindo a lei que estabelece o Sa-

lário Mínimo Profissional (SMP) da

categoria. Com esta remuneração

abaixo da legislação, muitos pro-

fissionais buscam outras alternati-

vas de trabalho, dentro ou fora da

engenharia. Se a remuneração for

conforme o programa "Mais Médi-

cos", tranquilamente não faltarão

engenheiros. Muitos destes profis-

sionais poderão retornar à profis-

são. Se há remuneração digna, não

faltam profissionais.

FISENGE: Esse possível déficit de engenheiros também pode de-correr de um problema de fundo que se inicia na formação?BITTENCOURT: Certamente. Há uma

alta evasão nos cursos de engenha-

ria, que ocorre, na maioria dos ca-

sos, no primeiro ano da universida-

de. Isso porque muitos alunos não

possuem boa base para física, quí-

mica e matemática, por exemplo. A

questão é estrutural e perpassa pelo

investimento em educação de base.

FISENGE: Hoje, o país vive um mo-mento de intensa mobilização e discussão sobre a reforma polí-tica. Quais elementos são cen-trais?BITTENCOURT: A reforma política

não pode ser apenas no campo

eleitoral. É preciso uma reforma

do sistema político, ou seja, o for-

talecimento de instrumentos de

democracia direta e participativa;

a democratização dos meios de

comunicação e do Judiciário. No

Brasil, esta luta é antiga e histórica

dos movimentos sociais e organi-

zações. Com as mobilizações po-

pulares em junho, a reforma políti-

ca ganhou visibilidade e a pressão

popular tem pautado o tema fre-

quentemente na sociedade.

Infelizmente, hoje, vivemos no país

um quadro de mercantilização da

política. Muito pelo financiamento

privado de campanha, no qual as

empresas doam altas quantias às

campanhas de determinados par-

lamentares e, em troca, recebem

favorecimentos políticos. Defen-

demos o financiamento público

de campanha para dar fim a esse

balcão de negócios que muitos

mandatos representam. Urge o

aprofundamento dos alicerces da

democracia brasileira com exercí-

cio pleno da cidadania pela trans-

formação da sociedade. Soberania

popular é essencial para a defini-

ção do Estado que queremos: pú-

blico e democratizado.

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Page 36: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

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especial 20 anos | Charges

CONFIRA AS CHARGES QUE FORAM CAPA DOS JORNAIS DA FISENGE

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Page 38: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

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especial 20 anos | Manchetes

JORNAIS 1993 - 2013

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40

especial 20 anos | consenges

CONGRESSOSNACIONAIS

"É importante aferir os interesses

da sociedade e nós, engenheiros,

através de uma estrutura menos

corporativista, decodificá-los,

discuti-los e viabilizá-los em

consonância com

estruturas formais ou não"

"Trata-se antes de construir

uma democracia que ultrapasse

as portas das empresas, e um

desenvolvimento que chegue às

casas dos trabalhadores"

“Considerar de fundamental

importância a viabilização das

reformas agrária e urbana e

apoiar os movimentos que lutam

por elas. Solidarizar-se com as

lutas dos trabalhadores sem terra,

em especial com as famílias e

companheiros, que têm sido

vítimas das chacinas”

de sindicatos de engenheiros

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Page 41: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

41

"A construção de um país solidário,

pois, é uma responsabilidade que,

em grande parte, está depositada

nos ombros dos engenheiros

brasileiros. Seja através da

formulação e implantação de

políticas que organizem os grandes

núcleos urbanos formados nas

últimas 5 décadas, seja através

da colaboração para a efetiva

realização da reforma agrária."

“Em nosso país pretendemos atuar

na construção e formulação de

uma proposta de desenvolvimento

democrática e generosa, que

contemple o atendimento às

necessidades básicas da população,

que busque a inclusão e

não a exclusão dos setores

marginalizados da população”

“Com a convicção de que a

implantação de uma sociedade

justa e solidária é viável,

manifestamos a disposição de

participar desta caminhada, à luz

de valores humanitários,

para com o povo brasileiro”

“Lutar pela universalização

da prestação dos serviços de

saneamento a cada cidadão.

Qualquer tentativa de privatização

desse setor poderá ampliar o difícil

quadro sanitário do país, pois a

iniciativa privada busca o lucro

como seu principal objetivo e a

população de baixa renda jamais

poderá arcar com uma tarifa

majorada em função do lucro”.

“Em defesa do povo brasileiro

é necessária a mudança

urgente no marco regulatório,

com o fim em definitivo das

concessões, e com a adoção

do modelo de partilha ou

serviços, com a propriedade

e o controle total das nossas

reservas de petróleo

e gás pela União”

“Assumimos o compromisso

de combater as privatizações

do setor elétrico que nos obrigam

a pagar uma das mais caras tarifas

de energia elétrica do mundo ou

qualquer outro processo

de privatização que venha a

ameaçar a soberania nacional”

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Page 42: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

42

especial 20 anos | consenges

O Rio de Janeiro será sede do 10º

Congresso Nacional de Sindica-

tos de Engenheiros (Consenge),

entre os dias 27 e 30 de agosto de

2014. O Congresso, organizado pela

Federação Interestadual de Sindicato

de Engenheiros (Fisenge), em parceria

com o Sindicato dos Engenheiros no

Estado do Rio de Janeiro (Senge/RJ),

é o mais importante fórum de deba-

te da categoria, com repercussão em

todos os estados. Com o tema "Um

projeto de nação para o Brasil", o 10º

Consenge debaterá dois temas cen-

trais: "O papel do Estado brasileiro

no desenvolvimento nacional" e "O

papel do movimento sindical frente às

modificações do mundo do trabalho.”

Esta é a segunda edição realizada no

Rio de Janeiro. A primeira aconteceu

Rio de Janeiro sediará10º Congresso Nacionalde Sindicatos de Engenheiros

na consolidação da Fisenge durante o

2º Consenge, em 1993.

O presidente do Senge-RJ, Olímpio

Alves, destacou que o Congresso

promove a discussão entre os en-

genheiros com o objetivo de definir,

para o próximo triênio, as ações da

Fisenge e dos Senges filiados não

apenas no campo sindical das pro-

fissões, como também no campo

nacional. "Precisamos dar um salto

político e estamos fazendo um es-

forço para que as deliberações do

Consenge se desdobrem no plane-

jamento dos sindicatos e da Fisenge

e, por isso, convidamos o Departa-

mento Intersindical de Estatística e

Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Precisamos abrir espaço nesse país,

democratizar os meios de comuni-

cação e ultrapassar a democracia

parlamentar para a efetivação da

democracia direta e participativa, de

acordo com os interesses dos traba-

lhadores", afirmou. A expectativa é

de que cerca de 300 engenheiros

participem como delegados, repre-

sentando mais de 30 mil profissio-

nais de sindicatos de todo o país.

"Iremos debater o papel do Estado

Brasileiro no desenvolvimento na-

cional e entendemos o Estado como

elemento estruturante e indutor de

desenvolvimento. Também é preciso

atentar para os setores agrícola e

agrário, considerando a enorme de-

sigualdade e concentração fundiária

no Brasil", afirmou o presidente da

Fisenge, Carlos Roberto Bittencourt.

SOBRE O CONSENGE

OCongresso debate e traça metas de atuação em defesa

da engenharia nacional e de uma nova matriz de

desenvolvimento econômico para o Brasil, pautada pela

distribuição de renda e justiça social. Realizado de três

em três anos, o Consenge é o mais importante fórum de

debate da categoria, com repercussão em todos os esta-

dos e, também, nos fóruns regionais e internacionais dos

quais a Fisenge participa, orientando o papel da federação

nos temas sociais de interesse nacional.

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Page 43: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

43

especial 20 anos | renovação sindical

Sindicatos promovemestratégias para

RENOVAÇÃO SINDICALIniciativa promovida pelos Sindicatos dos

Engenheiros de Minas Gerais, do Paranáe da Bahia visa integrar o estudantede engenharia à entidade de classe

Div

ulga

ção/

Sen

ge-M

G

Minas Gerais foi o primeiro estado a implantar o Senge Jovem e já apresenta resultados na eleição da nova diretoria

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Page 44: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

44

especial 20 anos | renovação sindical

Como gerar debates e ações pela

valorização profissional e parti-

cipação sindical na construção

de uma sociedade mais justa junto

com os jovens estudantes e futuros

profissionais? A renovação de qua-

dros tem sido o principal desafio en-

frentado pelas entidades de classe,

de um modo geral no Brasil. Sob esta

perspectiva, os sindicatos dos enge-

nheiros de Minas Gerais, do Paraná

e da Bahia lançaram iniciativas para

aproximar os jovens de suas entida-

des de classe. Formada por estudan-

tes de engenharia, a ação se propõe

a ser um espaço de debate sobre

questões relacionadas à profissão, à

função social do engenheiro e de di-

vulgação dos direitos e dos deveres

dos futuros profissionais.

Dessa forma, o Senge Estudante

ou Senge Jovem incentiva a partici-

pação dos estudantes como sócios

aspirantes do sindicato. A propos-

ta é oferecer acesso às atividades e

ações sobre as novas tendências do

mercado de trabalho, as políticas

públicas que demandam da enge-

nharia, sustentabilidade e inovação

tecnológica, ética profissional, os

direitos e garantias da categoria e

a função social da engenharia. O

sócio-aspirante não paga anuidade

e para se inscrever basta procurar

o Senge.

E a tarefa de agregar os estudan-

tes não tem sido fácil. As manifes-

tações populares do mês de junho

que tomaram o país mostraram

que o jovem continua empenhado

na busca de uma transformação na

sociedade. Por outro lado, pode-se

perceber a indignação da juventu-

de, como de boa parte da popula-

ção, em relação ao sistema político

brasileiro.

Para o coordenador do Senge Jo-

vem Paraná e engenheiro civil, Cíce-

ro Mar tins Júnior, as manifestações

aler taram as próprias entidades sin-

dicais de que é preciso rever essa in-

satisfação que existe na sociedade.

“As bandeiras das manifestações

são muito plurais, vão de A a Z. O

sentimento é que precisamos avan-

çar. A população tem uma dificul-

dade de enxergar que o sindicato

vai lhe dar voz. É lógico que a mí-

dia contribui para isso, mas a gen-

te tem também a acomodação das

entidades diante desse processo

que vivemos de um governo mais

democrático e mais progressista.

O sindicato precisa se abrir a essa

expectativa do jovem, olhando-o

como protagonista, e não apenas

como objeto”, pontuou.

A estudante de engenharia civil, Tai-

ná Andreoli Bittencourt, que, recen-

temente, representou a Federação

Interestadual de Sindicatos de En-

genheiros (Fisenge) na Conferência

Mundial de Engenheiros, em Oslo,

destacou, durante a palestra, a orga-

nização dos estudantes de engenha-

ria e a importância de trazê-los para

a luta coletiva. “Os jovens possuem

pautas próprias e estão dispostos

a lutar por elas. É fundamental ga-

rantir que eles tenham espaço nos

processos decisórios como um todo,

e que não ocupem apenas os seus

próprios coletivos e grupos de repre-

sentação. É preciso que eles sejam

parte efetiva dos sindicatos, mem-

bros legítimos da direção e que suas

pautas sejam também as da organi-

zação. De que adianta inseri-los nos

espaços de luta se não são ouvidos

ou a discussão fica fechada nesse

grupo auto-organizado?”, destacou

Tainá.

Além da resistência de enxergar a

sindicalização como uma forma de

representação, outro entrave é a

visão dos jovens profissionais que

acaba ficando bastante restrita aos

assuntos próprios da engenharia.

“A formação é muito voltada para

o seu próprio umbigo, de como

vai se desenvolver a sua carreira, é

pouco voltada à idéia de que você

está dentro do mercado de trabalho

e deve ter um compromisso ético.

Div

ulga

ção/

Sen

ge-P

R

“O sindicato precisa se abrir a essa expectativa do jovem, olhando-o como protagonista, e não apenas como objeto”, pontuou Cícero, do Senge-PR.

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Page 45: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

45

Isso é muito pouco discutido na

universidade. Muita gente que eu

converso quando visito essas ins-

tituições nem sabe que existem os

Senges”, apontou Cícero.

As atividades estão focadas em for-

mação, por meio da realização de

palestras, seminários e colóquios

nas universidades. Para o coorde-

nador do Senge Jovem na Bahia e

estudante de engenharia civil, Mar-

cos Botelho, a proposta está conse-

guindo aproximar os jovens para o

debate. “Temos desenvolvido diver-

sas ações com o objetivo de qua-

lificar profissionalmente os futuros

engenheiros e engenheiras, dar ci-

ência dos direitos e das garantias

trabalhistas aos estudantes, bem

como a importância da ação sindi-

cal e incentivar a formação crítica e

inovadora”, explicou.

Além disso, outro objetivo do Sen-

ge Jovem é a renovação sindical.

No Senge-MG, a participação dos

jovens é garantida por, pelo menos,

10% na nova diretoria. A coordena-

dora Karla Gonçalves disse que foi

difícil chamar a atenção dos jovens

para participar do processo eleitoral

do sindicato. “A intenção é que eles

sejam multiplicadores e que deem

continuidade ao projeto. Aqueles

que estão há mais tempo na direto-

ria podem repassar as experiências

para os jovens juntando o útil ao

agradável. Confesso que foi muito

difícil trazer esses jovens, mas, feliz-

mente, conseguimos alcançar nossa

meta”, comentou.

E os resultados já começaram a a pa-

recer. A iniciativa, que surgiu no Sen-

ge Minas Gerais em 2011, apesar de

ser recente, já reúne mais de quatro

mil sócios aspirantes nas bases onde

estão instalados. “Para aproximar os

jovens do sindicato, basta conscien-

tizá-los da importância dessas ações

para a construção de uma vida mais

digna, mostrar interesse e respeito

por suas ideias. Sendo assim, acho

que a forma mais eficiente de apro-

ximação é participação dos sindica-

tos de forma ativa na vida acadêmi-

ca, fazendo parte da ementa e por

meio de eventos na universidade”,

afirmou Malaine Magalhães, estu-

dante de engenharia de alimentos e

sócia aspirante do Senge Jovem BA.

A troca de experiências entre as

gerações diferentes só tem a acres-

centar aos sindicatos e somar forças

na luta profissional e na constru-

ção de uma sociedade mais justa e

igualitária. “Nós, jovens, seremos os

profissionais do futuro. Se não nos

inserirmos nos sindicatos ainda na

faculdade e desenvolvermos noções

mais humanas e éticas de igualdade

e respeito, daqui a poucos anos, não

haverá mais base para as organiza-

ções sindicais e estas continuarão a

ter aquela estrutura arcaica e enges-

sada como muitas têm hoje”, aler-

tou Tainá Bittencourt. A engenharia

do futuro se constrói com as ações

do presente.

Div

ulga

ção/

Sen

ge-B

A

“Para aproximar os jovens do sindicato, basta conscientizá-los da importância dessas ações para a construção de uma vida mais digna”, afirmou Malaine Magalhães, do Senge Jovem BA.

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Page 46: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

46

especial 20 anos | relações internacionais

ARTICULAÇÃOINTERNACIONAL fortalecenegociação coletiva

Com

unic

ação

Fis

enge

Seminário Internacional sobre os Desafios do

Movimento Sindical no Século XXI, realizado

em Belo Horizonte, Minas Gerais

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Page 47: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

47

Como agem ou pretendem agir

as empresas transnacionais,

que mercados serão destruí-

dos, quais os planos do FMI em re-

lação a uma área do terceiro mun-

do, obriga-nos a enfrentar de forma

única e internacional aqueles desa-

fios. (...) A primeira consequência

desta filiação será o fortalecimento

de nossa federação, enquanto per-

tinente a uma entidade maior de

caráter internacional como a Fiet. A

segunda é a correta inserção den-

tro de nossa Central (CUT), onde

ocupamos o ramo 14 (técnicos,

profissionais liberais, trabalhadores

em administração e tecnologia), im-

plementando as diretrizes vindas da

Secretaria de Relações Internacio-

nais”. Trecho de tese apresentada

durante o II Congresso Nacional de

Sindicatos de Engenheiros (Consen-

ge), em 1993, no Rio de Janeiro. De

autoria do engenheiro Haroldo Pe-

reira (Senge-RJ), a tese apresentou

pontos de defesa pela filiação da

Fisenge à Federação Internacional

de Empregados, Técnicos e Profis-

sionais (Fiet).

Partindo da compreensão da orga-

nização internacional para fortalecer

a luta dos trabalhadores, a Fisenge

filiou-se à Fiet em 1995. A partir

desse período, a Fisenge intensificou

seus contatos, principalmente com

o movimento sindical francês, tanto

a Confederação Geral dos Trabalha-

dores (CGT), quanto a Confe deração

Francesa Democrática do Trabalho

(CFDT), as duas centrais mais im-

portantes do sindicalis mo francês.

“Comparecemos a Congres sos des-

sas entidades e também vie ram ao

Brasil em várias oportunidades para

os congressos da Fisenge”, contou

o diretor da Fisenge, Agamenon Oli-

veira, que já foi diretor de relações

internacionais da federação.

A Fiet foi uma federação europeia,

cuja fusão com outras federações e

confederações do movimento sin-

dical internacional, em 1999, na

Austrália, deu origem a UNI, orga-

nização à qual a Fisenge é filiada

até hoje. "Por conta do intercâmbio

com a UNI, a Fisenge, na presidên-

cia de Carlão, promoveu na Escola

da CUT, em Florianópolis, um se-

minário com as entidades sindicais

dos países do Mercosul. Além dis-

so, a Fisenge passou a comparecer,

anualmente, em Genebra, em um

fórum de profissionais e quadros

promovido pela UNI", destacou

Agamenon.

Atualmente, a Fisenge - represen-

tada pelo seu vice-presidente, Raul

Otávio - participa de congressos e

seminários internacionais que acon-

tecem uma vez por ano, além das

reuniões em sindicatos latino-ameri-

canos. "Essas reuniões representam

um momento de troca de experiên-

cias e de definição de estratégias

em nível macro para o avanço do

movimento sindical nos países e

na denúncia de práticas antissindi-

cais. Em outros países, por exem-

plo, acontecem ameaças de morte

para os dirigentes sindicais. Aqui já

aconteceu no passado, mas, hoje

em dia, acontece muito pouco ou

não acontece. Em países como Peru

e Colômbia, ser sindicalista ou não

é a diferença entre a vida e a mor-

te", declarou Raul. De acordo com

Aga menon, estes encontros tam-

bém proporcionam uma importante

o por tunidade para as entidades de

classes compararem condições de

trabalho entre as empresas. “Além

da troca de experiências, este tam-

bém é um espaço de denúncia, com

respaldo internacional. Geralmente,

isto acontece em casos de priva-

tização com demissões em massa”,

esclareceu.

ACORDOS GLOBAIS

Um dos elementos importantes

desta articulação internacional é a

negociação global, pois pode pro-

mover avanços internacionais no

cumprimento e na extensão dos di-

reitos dos trabalhadores, inclusive,

pelo respeito às determinações da

Organização Internacional do Tra-

balho (OIT) . Isso porque os Acordos

Marcos Globais têm como objetivo,

em um primeiro momento, disci-

plinar minimamente as relações de

trabalho, fazendo com que as sub-

sidiárias dispensem, no mínimo, o

mesmo tratamento a seus funcio-

nários, de acordo com as prá ticas

da matriz que, normalmente, apre-

sentam condições e benefícios mais

ampliados. A globalização, neste

caso, facilita a negociação, já que se

trata da divulgação de situações ina-

dequadas de trabalho. “A visão do

mundo do trabalho não pode estar

incorporada apenas nas relações co-

merciais entre países ou interesses

de cada região. É necessário levar

em conta, na política econômica,

a gera ção de melhores empregos

com maior proteção social, mais

direitos para nós, trabalhadores, e

também um desenvolvimento sus-

tentável com justiça social para o

país”, afirmou Raul.

"

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Page 48: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

48

Anos 1970. Ditadura militar no

Brasil e o movimento feminista

se destacando internacional-

mente, em um período pós-pílula

anticoncepcional. E foi nesse período

que Alméria Carniato ingressou na

Escola de Agronomia do Nordeste,

na cidade de Areia, Paraíba. “Eu era a

única mulher da turma e os professo-

res me mandavam para o laboratório

de plantas, enquanto eu queria ver

os bois. Durante o curso, sofri discri-

minação e assédio”, contou Alméria,

que foi a primeira presidenta mulher

do Senge-PB. Hoje, a cidade de Areia

tem pouco mais de 26 mil habitan-

SÃO SUJEITOS,

Div

ulga

ção/

Seng

e-PB

Alméria Carniato àfrente da manifestação

"Fora FHC", naParaíba, em 1999

tes. “Sempre fui vista como uma mu-

lher aberta, praticava esportes, toca-

va violão e fui mulher divorciada. A

cidade de Areia não era diferente em

relação ao preconceito. Infelizmente,

este é o preço que temos que pagar

para construir a nossa cidadania de

igual para igual”, destacou.

Alméria foi uma das mulheres que

lutou intensamente no movimento

de engenheiros pela transversalidade

de gênero nas instâncias e políticas.

“Começamos a pautar a mulher nos

sindicatos e na federação, por meio

de inclusão de cláusulas específicas

nos acordos coletivos de trabalho,

debates e seminários”, lembrou. Foi

em 2005, no 7º Congresso Nacional

de Sindicatos de Engenheiros (Con-

senge), realizado em Salvador, Bahia,

que as engenheiras, organizadas em

seus sindicatos, deram um impor-

tante passo com o indicativo para a

criação da Diretoria da Mulher. Em

2008, durante o 8º Consenge, em

Florianópolis, Santa Catarina, ainda

sem a criação da Diretoria da Mulher,

as mulheres profissionais organiza-

das avançaram em suas reivindica-

ções com a criação, por deliberação

de assembleia geral, do Coletivo de

e não objetos da história

MULHERES

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Page 49: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

49

mulheres | especial 20 anos

Mulheres, coordenado pela enge-

nheira Márcia Nori, do Senge-BA. Já

em 2011, no 9º Consenge, em Porto

Velho, Rondônia, a Diretoria da Mu-

lher foi formalizada e efetivada no es-

tatuto da Fisenge. Foram eleitas três

mulheres na composição da diretoria

executiva 2011/2014.

Composto por engenheiras, organi-

zadas em seus sindicatos, o Coletivo

tem como objetivo definir políticas

para as questões de gênero na Fi-

senge/Senges. “Mulheres e homoa-

fetivos têm importante contribuição

para os sindicatos, por trazerem a

diversidade de reivindicações, a ex-

pressão das discriminações que so-

frem e a atuação concreta para su-

perá-las, seja defendendo políticas

públicas, seja ajuizando ações judi-

ciais, seja negociando normas cole-

tivas”, apontou a assessora jurídica

da Fisenge, Daniele Gabrich.

“Nós, mulheres, construímos história

dia a dia e desconstruímos, muitas

vezes solitariamente, a cultura ma-

chista, tanto no campo afetivo, como

no profissional, para a construção de

uma sociedade justa e igualitária, li-

vre de machismo, racismo e homofo-

bia”, destacou Alméria.

O COLETIVO DE MULHERES

Após a consolidação formal do Co-

letivo de Mulheres, sob a coordena-

ção de Márcia Nori, do Senge-BA, as

principais ações foram: o seminário

“Mulher, Mercado de Trabalho e

Participação Sindical” e o lançamen-

to da cartilha “Principais Direitos

das Mulheres Trabalhadoras”, que

hoje está em sua edição ampliada.

“Conseguimos sensibilizar sobre a

importância de ações voltadas para

a inclusão da mulher nas bases do

movimento sindical em seus estados

e, principalmente, em suas direto-

ria”, comentou Márcia. A cartilha,

que está disponível para download

gratuito no site da federação, resga-

ta e aborda de maneira didática os

principais direitos das mulheres tra-

balhadoras e reivindicações de acor-

dos coletivos com recorte de gênero;

além de alertar sobre as principais

práticas de discriminações sofridas

no mercado de trabalho. “Muitas

vezes, as mulheres trabalhadoras

não têm acesso a seus acordos co-

letivos ou, simplesmente, desconhe-

cem seus direitos. E esta é a finalida-

de da cartilha: informar, de maneira

didática, os direitos específicos de

gênero”, apontou a diretora da mu-

lher da Federação Interestadual de

Sindicatos de Engenheiros (Fisenge),

Simone Baía, uma das autoras ao

lado de Márcia Nori.

O Coletivo de Mulheres tem amplia-

do a participação das mulheres nas

instâncias de decisão, como tam-

bém contribuído e participado das

lutas das questões de gênero. Atual-

mente, o Coletivo conta com a parti-

cipação de 13 mulheres em diversos

estados e envia mensalmente um

boletim eletrônico com as principais

notícias.. “Nossas ações têm dialo-

gado não apenas com a engenharia,

como também com amplos setores

da sociedade. E este é o nosso ob-

jetivo: fortalecer a luta de todas as

mulheres trabalhadoras por direitos

iguais”, explicou Simone.

A diretora da mulher no Senge-SE e

engenheira agrônoma, Marina Be-

zerra, de 24 anos, é a mais jovem

das integrantes. Ela acredita que o

movimento sindical vive, hoje, um

momento de reavaliação de pos-

turas. “Os sindicatos se encontram

arrebatados na crise de representa-

tividade, que perpassa os brasileiros.

A renovação se impõe não só como

uma importância cíclica, como tam-

bém uma necessidade vital”, con-

tou Marina, que já foi secretária de

Meio-Ambiente, Agricultura, Abas-

tecimento e Pesca do município de

Barra dos Coqueiros, em Sergipe.

ASSÉDIO MORAL

Para o ano de 2013, o Coletivo de

Mulheres tem pautado ações sobre o

assédio moral e é cada vez maior a

participação da mulher nas instâncias

sindicais. Em fevereiro deste ano, o

Coletivo realizou, em Salvador (BA),

o seminário “A mulher e o mercado

de trabalho”, com a participação da

coordenadora de planejamento e

gestão da Secretaria de Políticas para

Mulheres do governo da Bahia, Po-

liana Rodrigues; e da supervisora téc-

nica do Departamento Intersindical

de Estatística e Estudos Socioeconô-

micos da Bahia (Dieese-BA), Ana Ge-

orgina. Outro seminário realizado em

setembro, no Rio de Janeiro, tratou

do tema “Assédio moral: vida, sobre-

vida e diversidade”. Foram aborda-

das questões jurídicas; a relação com

o Legislativo e outras esferas; além de

conceitos, aspectos e consequências.

Foram palestrantes: o deputado fe-

deral Jean Wyllys (PSOL); a advogada

e assessora jurídica da Fisenge, Da-

niele Gabrich; e a coordenadora ge-

ral do Sindicato dos Profissionais de

Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ),

Gesa Corrêa.

SÃO SUJEITOS,

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Page 50: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

50

artigo

Isso é que dá contratar mulher!

Se deixasse de se preocupar com

filhos, manicure e cabeleireiro o

projeto já tava pronto”. “Xiii, tinha

que ser mulher pra fazer drama”. As

frases foram retiradas de uma das

histórias em quadrinhos da Enge-

nheira Eugênia, lançadas neste ano

pelo Coletivo de Mulheres da Fede-

HISTÓRIAS DE EUGÊNIA:mulher, mãe e engenheiraDe forma didática e bem-humorada, a históriaem quadrinhos conscientiza mulheresa lutarem pelos seus direitos

ração Interestadual de Sindicatos de

Engenheiros (Fisenge). Esta e outras

situações semelhantes, infelizmente,

acontecem nos locais de trabalho.

Na maioria das vezes, essa prática

acontece por meio de comentários

depreciativos relacionados à con-

dição de gênero e com forte teor

machista. Classificado como assédio

moral, esse tipo de violência é, geral-

mente, naturalizado culturalmente.

Atento a esta prática, o Coletivo

de Mulheres da Fisenge, durante

reunião de planejamento, definiu

o assédio moral como agenda po-

lítica de 2013. “Temos percebido

inúmeros relatos de trabalhadores

e trabalhadoras, que vêm sofren-

do assédio moral. Nosso objetivo

é denunciar esta prática como for-

ma de violência e alertar para os

direitos, criando uma consciência,

de forma pedagógica”, afirmou a

diretora da mulher da Fisenge, Si-

mone Baía.

A partir disso, foram pensadas

ações e estratégias para conscien-

tizar as mulheres sobre essa práti-

ca e fortalecer a discussão sobre a

garantia de direitos às mulheres.

Com uma abordagem didática,

leve e simples, surgiu a série tiri-

nha “Histórias de Eugênia: mulher,

mãe e engenheira”, com ilustração

de Pater. O nome da personagem

não foi uma escolha ao acaso, e

sim um resgate às origens da pa-

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Page 51: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

51

artigo

lavra “engenharia”. A palavra en-

genharia se referia a alguém que

operava um engenho. Por sua vez,

a palavra engenho vem do latim

“ingenium”, que significa gênio,

é o que conta a diretora do Sen-

ge-RJ, Virgínia Brandão. “Na hora,

me veio o nome: Eu+gênia, porque

somos engenheiras. Gênia advém

de engenharia. Um super trocadi-

lho”, contou. A publicação, que já

está na sua sexta edição, foi lança-

da no 8 de março, Dia Internacio-

nal da Mulher, em Sergipe.

Os assuntos vivenciados pela Eugê-

nia são diversos, desde o cotidiano

de uma engenheira até as dificul-

dades de conciliar os múltiplos pa-

péis de mãe, mulher e trabalhadora.

“Abordamos situações do cotidiano

de milhares de mulheres trabalhado-

ras, como a dupla e tripla jornadas

de trabalho, a divisão das tarefas

domésticas e responsabilidades fa-

miliares, o preconceito racial, a dife-

rença salarial entre homens e mulhe-

res exercendo as mesmas funções e

direitos trabalhistas fundamentais",

explicou Simone. Eugênia é uma

engenheira de 40 anos com 15 de

trabalho, é recém-divorciada e tem

dois filhos: uma pré-adolescente e

um menino de 9 anos.

Na primeira tirinha, Eugênia sofre

discriminação do patrão por dizer

que vai à reunião de pais no colé-

gio de seus filhos, o que é garantido

pela cláusula das responsabilidades

familiares de determinados acordos

coletivos de diversas categorias. Um

assunto, por muitas vezes, desco-

nhecido pelas mulheres trabalhado-

ras. Mas, além disso, Eugênia tam-

bém está engajada nas lutas e nos

movimentos populares por uma so-

ciedade mais justa e igualitária.

Os quadrinhos têm periodicidade

mensal, lançados todo dia 15 no

boletim do Coletivo de Mulheres da

Fisenge. Contribua você também e

FIQUE POR DENTRO DAS CLÁUSULAS DE GÊNERO

Para avançar na ampliação de direitos e benefícios para as mulheres

trabalhadoras, a negociação coletiva é um importante instrumento

de luta. A partir de acordos de trabalho, é possível conquistar e garan-

tir a isonomia salarial, garantir a estabilidade e ampliação do período

de licenças maternidade e paternidade, entre outras ações.

Segundo o estudo “Negociação Coletiva de Trabalho e Equidade de

Gênero e Raça no Brasil”, elaborado pelo Departamento Intersindi-

cal de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), entre 2001

e 2006, no qual foram analisadas 220 unidades de negociação em

18 estados brasileiros, para cada contrato coletivo de trabalho há seis

cláusulas referentes ao trabalho da mulher. Em estudo realizado em

1993 e 1995, a média era de quatro cláusulas, o que mostra um avan-

ço nas questões de gênero.

Entre as garantias asseguradas, cerca da metade está relacionada à

maternidade e paternidade. A principal proteção (78%) é a garantia

ao emprego durante o período de gestação e pós-parto, o que é ratifi-

cado por lei, de acordo com as Disposições Transitórias da Constituição

Federal, art.10, que estabelece a permanência da trabalhadora desde

a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Também se

verificou, em alguns acordos de trabalho, a garantia ao pai em relação

ao salário e ao emprego pelo prazo de 10 meses contados a partir da

data de nascimento do filho, o que não é regulamentado pela legis-

lação. As demais garantias abordam as responsabilidades familiares

(15%), as condições de trabalho (9%), a saúde da mulher (5%) e o

exercício do trabalho (1%). Já em relação às clausulas que abordam a

equidade racial, apenas 10% das 220 unidades de negociação apre-

sentaram questões relativas ao tema.

ajude a divulgar! As contribuições

poderão ser enviadas diretamente

para o e-mail da engenheira Eugê-

nia: [email protected]

ou para [email protected].

br. Será mantido total sigilo de fonte

de todos os depoimentos e de todas

as histórias enviadas.

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Page 52: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

a indenização. “Eu só consegui levar

adiante por estar em situação priv-

ilegiada: ser branca e ter apoio da

família”, destacou a vítima. Depois

disso, o chefe passou a não contra-

tar mais mulheres. A situação pela

qual V. passou é violência. É assédio

moral.

A história de V. é uma das milhares

de histórias sobre assédio moral,

muitas vezes silenciadas. “Lugar de

mulher é na cozinha, em casa, cui-

dando do marido, não trabalhando

aqui”, ou "Burra. Incompetente. Ti-

nha que ser mulher", são algumas

das expressões ainda comuns no

mercado de trabalho, que configu-

ram claro assédio moral. No en-

tanto, todos podem ser vítimas de

violência moral no ambiente de

trabalho. Segundo a professora ad-

junta de Psicologia do Trabalho na

Universidade Federal Fluminense

(UFF), Terezinha Martins, o assédio

moral no trabalho se caracteriza por

ser um conjunto de condutas prati-

cadas por um chefe hierárquico ou

pessoa detentora de poder. “Tais

pessoas praticam deliberadamente

a humilhação contra o trabalhador

ou grupo de trabalhadores, com

medidas que o isola de seus pares,

fragiliza-o emocionalmente, atacan-

do-o na sua integridade psíquica e

minando as bases da sua competên-

cia”, contou Terezinha, que também

é uma das fundadoras do site www.

assediomoral.org.br

"O assédio moral pode começar si-

lencioso com pequenas atitudes até

ofensas mais graves e, muitas vezes,

tem cunho machista", afirmou a di-

retora da mulher da Fisenge, Simone

Baía. Como consequência de uma

ASSÉDIO MORAL É VIOLÊNCIAA prática - que tende a ridicularizar e humilhar a vítima - é, por muitas vezes, encarada de forma naturalizada no mercado de trabalho

No início de 1998, ocupava um

cargo de confiança numa em-

presa, trabalhava como gerente

de criação. Na época, já tinha um filho

de 17 anos e acabei ficando grávida

do meu segundo filho. Contei para o

meu chefe que, na hora, me deixou

falando sozinha. No dia seguinte, sua

esposa me procurou e me ofereceu di-

nheiro para abortar. Neguei e fui para

casa. No mesmo dia fiquei sabendo

que ia ser demitida”. O relato é de V.,

que sofreu assédio moral no ambiente

de trabalho e prefere não se identifi-

car. V. começou a ter contrações, mes-

mo no início da gravidez, por conta de

estresse e tensão emocional. Por con-

ta disso, conseguiu uma licença-mé-

dica. No entanto, foi demitida e logo

entrou na Justiça. A espera foi longa

para o caso ter uma solução. Somente

nove anos depois, V. ganhou em to-

das as instâncias e conseguiu receber

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especial 20 anos | mulheres

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mulheres | especial 20 anos

sociedade patriarcal, as mulheres

também são as que mais sofrem com

o assédio moral. “A maioria das viti-

mas são mulheres, segundo estudos

do Ministério do Trabalho e Empre-

go (MTE). São as maiores vítimas de

discriminação, sobretudo se forem

negras, de assédio moral e também

sexual”, avaliou a advogada e asses-

sora jurídica da Federação Interesta-

dual de Sindicatos de Engenheiros

(Fisenge), Daniele Gabrich.

Essa prática expõe o trabalhador a

situações constrangedoras de forma

repetitiva e prolongada. “O assédio

moral no ambiente de trabalho ocor-

re de diferentes maneiras: implicân-

cias constantes, apelidos pejorativos,

brincadeiras ofensivas, observações

constrangedoras, discriminação por

diversos motivos relacionados à cor,

religião, orientação sexual, opções

políticas, gravidez, doenças, entre

outros”, explicou a advogada.

Longe de ser encarado como uma

forma de discriminação, o assédio

moral tende a ser naturalizado e, por

isso, pode passar despercebido nos

locais de trabalho. Graças a inúme-

ros estudos, pesquisas e denúncias,

o tema tem ganhado visibilidade. No

entanto, o assédio moral, geralmen-

te, por ser praticado no ambiente de

trabalho e por uma figura de poder

acaba sendo percebido, em alguns

casos, com uma forma de cumprir

metas com eficiência. E, afinal de

contas, quem nunca teve um chefe

com “temperamento difícil”?

Segundo a sindicalista da Confede-

ração Nacional dos Trabalhadores

do Ramo Financeiro (Contraf/CUT)

e mestre em Políticas Trabalhistas

e Globalização pela Global Labour

University (GLU), Jô Portilho, o assé-

dio moral é o resultado das recentes

formas de gestão do capital na bus-

ca do lucro. “Com a imposição de

metas cada vez menos realizáveis, a

empresa pressiona verticalmente seu

corpo funcional que reage transfe-

rindo para seus colegas a carga de

pressão psicológica (e até física) que

recebem. É, portanto, um assédio

institucional, embora as empresas

neguem que orientam seus líde-

res neste sentido. Mais lamentável

ainda é que a cultura institucional

termina fazendo com que o traba-

lhador acredite que ser assediado é

normal e que ele merece sofrer tudo

aquilo por não ter cumprido metas,

por exemplo”, destacou.

E o fenômeno não é algo exclusivo do

nosso país. No entanto, para Jô, há al-

guns fatores que favorecem a prática

do assédio moral no Brasil. “As seque-

las culturais de nosso passado escra-

vocrata, nossa economia dependente

e a falta de regulamentação e fisca-

lização laboral, assim também como

a não ratificação de importantes con-

venções da Organização Internacional

do Trabalho (OIT); um exemplo clás-

sico é a de número 158 que coíbe a

demissão imotivada em instituições

lucrativas”, apontou.

O trabalhador vítima pode contar

com o respaldo da Constituição Fe-

deral, que nos artigos 1º, 3º, 5º, 7º

e 170º dispõem sobre discriminação

e igualdade social; a Convenção 111

da Organização Internacional do

Trabalho (OIT) trata sobre a discrimi-

nação no emprego e profissão; além

do artigo 483 da CLT que garante

indenização ao trabalhador vítima

de violência moral. No entanto, atu-

almente, no âmbito federal não há

uma lei que institucionalize e tipifi-

que a prática como crime. Apenas

em instâncias municipais e estadu-

ais, e somente em alguns estados,

é possível encontrar leis específicas

que abordem o assédio moral.

EFEITOS PARA A SAÚDEDO TRABALHADOR

E essa prática para a saúde do tra-

balhador pode ter consequências

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mulheres | especial 20 anos

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devastadoras. “Os reflexos sobre a

saúde de quem sofre assédio mo-

ral são extremamente significativos,

abrangem a totalidade da pessoa,

o físico e o psíquico. Surgem ou

se agravam problemas de saúde já

existentes”, comentou a professora

Terezinha. Apesar do assunto ainda

carecer de pesquisas e estatísticas

que permitem mapear a dimen-

são do problema na sociedade, as

queixas daqueles que sofrem com

esse tipo de violência giram em tor-

no palpitações, distúrbios do sono,

hipertensão, dores generalizadas,

pensamentos negativos, que po-

dem levar à depressão ou a quadros

de estresse laboral, entre outras

mazelas.

MULHERES, NEGR@S, HOMOSSEXUAIS:AS PRINCIPAIS VÍTIMAS

Segundo Terezinha, quem sofre mais

com o assédio moral são também os

grupos que possuem histórico de

discriminação na nossa sociedade.

“Como uma das táticas do assédio

moral, na sociedade capitalista, é a

humilhação do trabalhador, todos

aqueles que estão em situações so-

cialmente consideradas menos valo-

rizadas sofrem mais intensamente o

assédio moral (mulheres mais que

homens, negros mais que brancos,

homossexuais mais que heterosse-

xuais etc). Isso porque é mais fácil

‘naturalizar’ a ofensa dirigida contra

aquele que o meio considera ‘menos

valorizado’”, explicou.

No caso específico da mulher, as

agressões morais, geralmente, estão

relacionadas à gravidez ou à mater-

nidade. Em muitos casos, as práticas

se configuram no controle do tempo

usado no banheiro, a culpabilização

por ser mãe e, portanto, ter de dedi-

car muito tempo ao filho, impedi-la

de acompanhar a criança a consul-

tas médicas, etc. Neste caso, há dis-

positivos legais, como determinadas

cláusulas de acordos coletivos ou

acordos de trabalho coletivo, que

contemplam tais questões. Como

também a Lei 9.029/95, que proíbe

“qualquer prática discriminatória

e limitativa para efeito de acesso a

relação de emprego, ou sua manu-

tenção, por motivo de sexo, origem,

raça, cor, estado civil, situação fami-

liar ou idade”. A lei também institui

como crime a exigência de atestados

de gravidez e esterilização para ad-

missão de funcionário.

Em relação ao assédio moral com

recorte racial, a psicóloga da UFRJ

e pesquisadora sobre a questão do

trabalho e mulheres negras, Luciene

Lacerda, explicou que as mulheres,

principalmente as negras, são trata-

das, em muitas vezes, como se não

devessem estar trabalhando em tal

cargo. “De um modo geral, a popu-

lação negra já é vista com olhar infe-

rior. E as mulheres negras são vistas

como se estivessem prestando um

favor. Se a gente olhar no mercado

de trabalho são as que ganham os

salários mais baixos”, concluiu.

Os homossexuais também sofrem

com a discriminação no ambiente de

trabalho, o que pode atrapalhar até

a ascensão profissional do indivíduo.

Para o deputado federal Jean Wyllys,

o assédio moral com cunho homo-

fóbico atinge, principalmente, os

ambientes corporativos. “Nas mul-

tinacionais e nas grandes empresas,

os gays têm dificuldade de ocupar

determinados cargos. Quase sempre

a mobilidade deles nessa hierarquia

tem um limite. Quer dizer, se ele não

for assumido, ele tem mais chance.

Agora, à medida que ele se assume

e fala abertamente da homossexu-

alidade dele, as dificuldades apa-

recem como, por exemplo, no mo-

mento da promoção de um colega

heterossexual, mesmo que o gay

seja mais competente”, alertou.

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especial reforma política

Uma pesquisa Ibope, em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), revela que 85% dos entrevistados são favoráveis à reforma política, e que 92% dos entrevis-tados são a favor de projeto de lei por iniciativa popular. Está em debate o projeto de

iniciativa popular por Eleições Limpas. O relator de projeto anterior na Câmara, o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), explica a importância da aprovação deste projeto ainda este ano e destaca o fortalecimento de instrumentos de democracia direta na sociedade. Henrique Fontana é vice-líder do Governo Dilma na Câmara Federal e relator da Comissão Especial da Reforma Política.

"A reforma política é central",afirmou o deputado federal Henrique Fontana

Valte

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ncia

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um grupo privilegiado, que tem,

além do seu voto, milhões de reais

para decidir o processo eleitoral.

Não é difícil perceber que, no essen-

cial, este dinheiro entra para dentro

do processo eleitoral, com o objeti-

vo de realizar negócios futuros com

mais facilidade, de ter um grau de

influência maior sobre os governos e

os parlamentos.

Aqui vale uma observação: 90%

das eleições no Brasil são financia-

das por empresas e só uma pessoa

muito ingênua pode acreditar que

esse volume enorme de dinheiro

viria para a campanha eleitoral por

um amor à democracia. Pelo con-

trário, vem atrás de um conjunto

de relações privilegiadas. Não quer

dizer que todo privilégio seja ilegal.

Esse privilégio pode começar de um

privilégio de relação, de poder fa-

lar com mais frequência, com mais

facilidade com os governantes até

o extremo máximo do privilégio.

Aquele que devemos criticar com

mais força: o ato de corrupção ex-

plícita, ou seja, contratos superfatu-

rados, licitações dirigidas. Mesmo

o que está dentro da legalidade, do

ponto de vista de fortalecimento da

democracia, deve ser questionado

e combatido. Quanto mais inde-

pendentes forem os representantes

que nós elegemos, melhor para a

sociedade. Tem uma frase que eu

ouvi de uma pessoa outro dia que

eu achei muito interessante: “A de-

mocracia brasileira está se voltando

para eleger cada vez mais as pes-

soas de bens, aquelas que possuem

muitos bens, e cada vez menos as

pessoas de bem”. Uma outra ma-

neira de dizer essa frase mais explí-

cita é: se torna cada vez mais difícil

uma pessoa pobre ou um represen-

tante de setores populares, que tem

dificuldade de acesso aos grandes

financiadores, conquistar sucesso

eleitoral. Este até pode concorrer,

mas a chance de sucesso é muito

baixa e tem números que compro-

vam isto de uma maneira muito

contundente. Um estudo que eu

pedi durante esses dois anos e meio

que fui relator da reforma política

para a consultoria da Câmara mos-

tra que, das 513 campanhas de de-

putado federal mais caras do Brasil,

380 delas tiveram sucesso. Isto é

uma demonstração evidente de que

a relação entre arrecadar e sucesso

eleitoral é cada vez mais direta.

FISENGE: Existem duas defesas de financiamento alternativo ao mo-de lo atual, que é o financiamento de mocrático e o exclusivamente pú blico. Qual desses seria o ideal?FONTANA: Os dois são muito bons. Eu

sou um defensor do financiamento

público exclusivo. Aliás, hoje, o elei-

tor já paga pelas eleições. Isso porque

quando o banco X coloca 100 mi-

lhões de reais para financiar campa-

nhas eleitorais, não é o diretor-presi-

dente daquele banco que vende seu

patrimônio pessoal, vende, por exem-

plo, três fazendas, 10 apartamen-

tos e amealha 100 milhões de reais

para colocar na campanha política.

Não, ele retira do caixa da empresa

e, portanto, quem está pagando essa

campanha eleitoral é o cidadão, que

consome o serviço daquele banco.

Então, o cliente daquele banco, sem

saber, está pagando, embutido nas

taxas bancárias que paga como con-

sumidor, a campanha. . Eu uso uma

Valte

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nato

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ncia

Bra

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FISENGE: Deputado, o sistema elei-toral brasileiro apresenta mui-tas distorções. Podemos afirmar que o financiamento privado é a maior delas? Quais os prejuízos políticos deste financiamento?

DEPUTADO HENRIQUE FONTANA: Eu

não tenho nenhuma dúvida de que

o abuso do poder econômico, que

vem do financiamento privado, é

sim o maior problema da democra-

cia brasileira hoje. Nós temos uma

democracia, que é cada vez mais a

democracia do dinheiro e cada vez

menos a democracia das ideias, dos

projetos, das histórias de vida dos

candidatos, que é o que deveria

orientar 100% dos votos do eleitor

brasileiro. Este poder econômico

não só compra votos diretamente,

como também decide eleições por

meio de aparelhos ultrassofistica-

dos, uma vez que transformaram

as eleições no nosso país. Então, as

técnicas de marketing são extrema-

mente elaboradas e geram um fator

competitivo, no qual os candidatos

que têm baixa arrecadação não têm

nenhuma condição de acompanhar

o processo de disputa eleitoral. E

uma democracia pautada pela força

do dinheiro é uma democracia que

dá muito poder aos financiadores.

Então, hoje, nós temos uma quebra

de uma regra fundamental de qual-

quer sistema democrático, que é a

ideia de que um cidadão deve valer

um voto.

Atualmente, nós temos a maioria da

população que, de fato, tem o seu

voto para decidir o futuro presiden-

te da república, governador, prefeito

ou mesmo seu deputado, e existe

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especial reforma política

frase sintética: campanha política é

parecida com imposto - quem paga

sempre é o cidadão, não é o empre-

sário. Quando um industrial paga um

imposto sobre um produto consumi-

do pela gente, nós é que acabamos

pagando. E com a campanha ocorre

a mesma coisa, só que ocorre de uma

forma muito mais grave, porque nós

estamos decidindo o futuro demo-

crático do país. E com o seu dinheiro,

leitor, esses grandes conglomerados

decidem quais os candidatos que eles

querem apoiar e, muitas vezes, são

candidatos que têm ideias totalmen-

te diferentes das suas ideias. Então,

você acaba pagando a campanha de

quem não quer eleger. E para com-

pletar o quadro negativo do finan-

ciamento privado, o dinheiro que

pagamos por meio do financiamento

privado está incentivando uma políti-

ca que tem o espaço cada vez maior

para corrupção.

Todos os estudiosos dessa matéria

dizem que a variável mais importan-

te para ser alterada na estrutura de-

mocrática de um país para combater

a corrupção é a adoção do finan-

ciamento público de campanha ou

a retirada do poder econômico, do

direito que tem o poder econômico

de decidir processos eleitorais. O fi-

nanciamento democrático que está

sendo proposto pelo Movimento de

Combate à Corrupção Eleitoral é um

projeto de iniciativa popular pelo

qual eu tenho uma enorme simpatia.

É apoiado pela OAB, pela CNBB, por

diversos movimentos sociais, e pro-

põe duas coisas: primeiro ele proíbe

o financiamento de empresas, e isto

é excelente, importantíssimo. Esta é

a mudança fundamental. O projeto

admite uma contribuição de pessoas

físicas e aí coloca um limite de R$

700,00 para cada pessoa. E o mais

importante que me faz apoiar com

muita convicção o financiamento

democrático também proposto por

esse projeto de iniciativa popular é

o teto de gastos. Esta é outra gran-

de distorção da democracia brasi-

leira: três candidatos concorrem a

prefeito na mesma cidade e, hoje,

o nosso sistema político aceita que

um candidato possa gastar 20 vezes

mais dinheiro do que o outro. Isso

desemparelha a eleição e decide o

resultado.

Este projeto Eleições Limpas pro-

põe um teto de gastos, que aliás é

a mesma coisa que estava proposto

no projeto. O relatório que eu apre-

sentei, a Câmara Federal preferiu

manter na gaveta pela maioria dos

líderes e não votou. Por isso, hoje eu

aposto muito na pressão da socie-

dade sobre o parlamento e acredito

que a reforma política precisa ocor-

rer já para o ano de 2014. Nós não

podemos esperar até 2016 e, para

isto, deve haver uma pressão muito

grande da sociedade para que no

mês de setembro o congresso se de-

bruce sobre a reforma política.

FISENGE: Qual a importância da reali zação de um plebiscito? Es-sa medida pode impulsionar o fortaleci mento da democracia direta?FONTANA: O Brasil tem um déficit mui-

to grande em termos de democracia

direta. Em outros países do mundo,

Uruguai, EUA, Venezuela e muitos

outros países europeus, o plebiscito

é algo corriqueiro. Temas que geram

muita polêmica, sobre os quais o

congresso não se sente confortável,

não consegue criar um ambiente de

votação, são levados à consulta po-

pular. E nada melhor do que ouvir

o cidadão de onde emana o poder.

Isso é um fundamento da democra-

cia, ouvir o cidadão precedido de

uma campanha esclarecedora sobre

os diferentes temas para tirar diretri-

zes que depois o congresso tem que

transformar em lei. Quando a presi-

denta Dilma propõe o plebiscito, que

eu apoio de forma integral, ela pro-

põe de forma muito adequada, por-

que nós todos acompanhamos que o

congresso está há 15 anos debaten-

do a reforma política e não a coloca

em votação. Pelo menos não coloca

em votação temas fundamentais que

possam mudar a política brasileira es-

truturalmente.

Eu não estou falando de reformas

cosméticas, como essa que recen-

temente foi pautada na Câmara,

uma minirreforma cujo relator é o

deputado Cândido Vacareza que é,

na verdade, mais uma antirreforma

do que uma minirreforma, porque

ela ou mantém as coisas como es-

tão mudando questões cosméticas,

ou em algumas, piora. O correto se-

ria realizar um plebiscito. Tanto que

eu hoje, como deputado federal,

trabalho em duas frentes: primeiro

para ampliar a pressão da sociedade

apoiando este projeto de iniciativa

popular para que ele seja votado

em setembro deste ano. E, ao mes-

mo tempo trabalho para coletar as

assinaturas dentro da Câmara Fe-

deral para que haja um plebiscito

junto com as próximas eleições, ou

mesmo em outro período. Eu vou

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me posicionar contra a contribui-

ção de empresas para as eleições,

mas haverá deputados e outros lí-

deres que vão defender. Aliás, sem-

pre estranho esse silêncio do meio

empresarial sobre este assunto. O

próprio meio empresarial deveria

abrir o debate sobre o significado do

financiamento vindo de empresas

para as eleições. Os sindicatos têm

que debater isso, a sociedade tem

que fazer esse debate. O plebiscito

é fundamental porque consulta a

população e define diretrizes que,

obrigatoriamente, o congresso vai

ter que votar. E talvez seja a única

maneira ou uma das maneiras mais

eficazes de sair de um impasse em

que nós nos encontramos. Eu, par-

ticularmente, estou apostando em

duas formas, o plebiscito e o projeto

de iniciativa popular.

Eu acredito pouco no trabalho deste

grupo de trabalho que foi montado

muito mais para retardar a reforma

política, porque se o presidente da

Câmara, Henrique Alves, quisesse

de fato votar a reforma política, ele

poderia pegar o meu relatório ou

outros relatórios prontos e pautar

no plenário da Câmara. Aqueles que

são favoráveis votam a favor, quem

é contra vota contra, aquele que

quer corrigir alguma coisa faz uma

emenda. Eles só precisam votar, por-

que todos sabem exatamente o que

significa cada tipo de voto. O projeto

de lei que está protocolado permite

que a sociedade possa, por meio da

internet, participar com assinatura

digital apoiando a tramitação de

projetos de leis, de emendas cons-

titucionais, projetos de leis inclusive

de leis ordinárias e leis complemen-

tares. Isso é uma necessidade do

Brasil e de qualquer país do mundo,

porque nós não podemos continuar

com uma visão de democracia re-

presentativa totalmente analógica.

Enquanto a sociedade está cada vez

mais usando as redes sociais, usan-

do a internet, e, portanto, quer par-

ticipar da política através desse canal

também. E as próprias mobilizações

que ocorreram durante o mês de ju-

nho são uma prova disso.

FISENGE: E para além da reforma das regras eleitorais, deputado, que reformas estruturais funda-mentais precisam ser feitas no Brasil?FONTANA: O Brasil precisa, por exem-

plo, de uma reforma importante

na sua estrutura tributária, que é

conservadora. Eu prefiro fazer um

debate sobre a distribuição da car-

ga tributária, porque os tributos

existem exatamente para transferir

renda dentro de um sistema demo-

crático. E no Brasil de hoje, propor-

cionalmente ao salário e à renda de

cada um, os mais pobres pagam

mais impostos do que os mais ricos.

Eu digo isso proporcionalmente, e

não em valor absoluto. E essa cur-

va tem que ser corrigida. Uma das

maneiras para corrigir essa curva?

Adotar o imposto sobre grandes for-

tunas, que é um projeto de lei que

foi, inclusive à época, protocolado

pelo então senador Fernando Hen-

rique Cardoso. E vejam a força do

conservadorismo tributário no país

das elites que conseguem preservar

a sua renda.

FISENGE: Qual é a importância do fortaleci mento dos partidos polí-

ticos ainda mais diante dessa con-juntura de negação dos partidos pelas manifestações?FONTANA: Não há nenhuma experiên-

cia na história da humanidade em

processos e regimes democráticos

em que tenha se avançado em mu-

danças e qualificação das relações

sociais sem partidos políticos para

organizar a luta, a disputa política

e a democracia. Alguns têm uma

visão, me perdoem usar a palavra,

mas é uma palavra que define, não

é um adjetivo pejorativo, mas alguns

têm uma visão ingênua de que se

nós lançássemos milhares de candi-

daturas avulsas pelo Brasil concor-

rendo a deputado federal poderia

ser melhor para resolver nosso desa-

fio democrático.

Eu posso assegurar para essas pes-

soas que pensam assim que isto não

resolveria em nada a democracia,

pois dentro de um parlamento não

dá para se trabalhar sozinho. Todos

os debates são feitos levando em

conta a organização das bancadas,

as bancadas de frentes parlamen-

tares. Então o partido político é um

espaço onde, inclusive, se preparam

os programas, os projetos. Eviden-

temente o que a democracia moder-

na exige é que em todos os espaços

se possa fazer política, que a inter-

locução entre partidos, governos e

parlamento seja cada vez maior com

a sociedade, com as suas diferentes

representações. Agora, combater

partidos políticos, negar partidos

políticos, é abrir a porta para um

regime totalitário. Não há nenhum

exemplo na história da humanidade,

como eu disse, em que isso tenha

dado em boa coisa.

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especial reforma política

Apesar de ser garantida pela

Constituição de 1988, a par-

ticipação social e política, ain-

da, não atende a todos, ou melhor,

a todas. As mulheres na política

no Brasil representam um número

muito pequeno diante da imensa

maioria formada por homens. Se-

gundo o Relatório Global Data Base

of Quotas for Women, o país ocupa

a 118ª posição no ranking de 198

países sobre participação política

das mulheres.

Para a ministra Eleonora Menicuc-

ci, da Secretaria de Políticas para as

Mulheres da Presidência da Repúbli-

ca (SPM-PR), a desvantagem que as

mulheres enfrentam para participar

do sistema político é influenciada

por regras patriarcais. “A dinâmica

social favorece a dedicação dos ho-

mens aos cargos de poder e decisão,

pois deles não é exigida a concen-

tração excessiva de tempo à vida.

Enquanto eles têm tempo para mais

essa atividade da vida pública, as

mulheres cumprem a carga de res-

ponsabilidades dos homens”, disse

a ministra.

Ainda que tenhamos como chefe do

executivo uma mulher, a presiden-

ta Dilma Rousseff, a quantidade de

mulheres na política está longe de

alcançar uma igualdade de gênero.

Atualmente, apenas 44 mulheres

ocupam espaços na Câmara Fede-

ral, num total de 513 parlamentares.

Nos ministérios, dos 37 existentes,

somente 10 mulheres estão à fren-

te. No Senado Federal, a situação

de desvantagem também se repete.

Entre as 81 vagas, apenas 13 são

ocupadas por mulheres.

No entanto, para aquelas que conse-

guiram se eleger, uma grande vitória,

ao chegarem ao parlamento enfren-

tam novas dificuldades: ser mulher

e estar em um ambiente majorita-

riamente masculino. Para a deputa-

da federal Jô Moraes (PCdoB/MG),

coordenadora da Bancada Feminina

da Câmara dos Deputados, a desi-

gualdade de gênero na política ainda

se faz presente na rotina das parla-

Brasil ocupa 118º lugarno ranking de198 países sobre aPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERESProposta de Reforma Política pretende criaralternância de sexo nas listas partidárias

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mentares. “Não só ouvi quanto ouço

quase que diariamente comentários

machistas, como todas as mulheres.

Mas, além do que ouvimos todos os

dias, tem os gestos, os olhares, o não

ouvir que é também muito agressivo

e nos machuca, porque discrimina

pela simples questão de sermos mu-

lheres”, conta Jô.

LEI DE COTAS

Para garantir a maior inserção das

mulheres na esfera política, diver-

sas articulações vêm sendo feitas

por movimentos sociais e entida-

des do poder público. Um dos pri-

meiros avanços na ampliação da

participação feminina nos partidos

foi em 1997, com a aprovação da

Lei nº 9504, Lei de Cotas Eleitorais,

que estabelecia aos partidos e co-

ligações a reserva de no mínimo

de 30% e no máximo 70% do nú-

mero de vagas para cada sexo. No

entanto, a medida não necessaria-

mente propunha o preenchimento

dessas vagas.

Em 2011, o TSE instituiu a Resolução

23.373, dispondo sobre a escolha e

o registro de candidatos nas eleições

de 2012, trazendo a obrigatorieda-

de do preenchimento das vagas, de

acordo com reforma eleitoral propos-

ta pela Lei 12.034/09. E os resultados

já se fizeram sentir nas eleições do

ano passado. Pela primeira vez os

partidos políticos e coligações atingi-

ram o percentual de 30% na candi-

datura para vereadores, com 31,8%

de candidatas. No entanto, somente

13,32% foram eleitas. Já para as pre-

feituras, apenas 13,3% concorreram

e 11,84% foram eleitas.

REFORMA POLÍTICA

Segundo a pesquisa “Mais Mulheres

na Política", realizada pelo IBGE e

pelo Instituto Patrícia Galvão, a opi-

nião pública é favorável à igualdade

de gênero na política. Mais de 70%

dos entrevistados consideram que só

há democracia de fato com a pre-

sença de mais mulheres nos espaços

de poder e de tomada de decisão. E

80% dos brasileiros consideram que

deveria ser obrigatória a composição

dos legislativos municipais, estaduais

e nacionais por metade de mulheres.

Para a coordenadora nacional da

Articulação de Mulheres Brasileiras

(AMB), Rogéria Peixinho, para que

isso aconteça de forma satisfatória,

faltam políticas que deem condições

para que as mulheres participem e

sejam eleitas. “Há vários empecilhos

como falta de creche e outras con-

dições que permitam que a mulher

possa trabalhar e atuar, no sindicato,

na associação e etc. Para mudar esse

quadro de desigualdade de gênero,

é importantíssimo que aconteça

uma reforma política que garanta a

alternância de sexo, financiamento

público de campanha, entre outras

garantias. Só assim vamos conseguir

uma justiça social”, disse.

Organizações e movimentos já discu-

tem e propõem eixos para a reforma

do sistema político há anos. Dessa

articulação, surgiu a Plataforma dos

Movimentos Sociais pela reforma do

Sistema Político e também o Movi-

mento de Combate à Corrupção

Eleitoral (MCCE), do qual a Fisenge

faz parte. Entre as propostas, tam-

bém está a representação de grupos

historicamente excluídos dos espa-

ços de poder, como mulheres, popu-

lação negra, indígena, homoafetiva,

e outros, para que possam disputar

em igualdade com os demais. Den-

tro disso, estabelecem a alternância

de sexo nas listas partidárias.

EXEMPLO: CUBA

De acordo com a pesquisa “Mulheres

na Política: 2012”, da ONU Mulhe-

res, entre os países com maior per-

centual de mulheres no parlamento

está Cuba, ocupando o terceiro lu-

gar, com 45.2%, o que representa

265 mulheres num universo de 586

vagas. Além das mulheres ocuparem

bastantes espaços na política, 40%

dos parlamentares são negros ou

pardos. Diferentemente do Brasil, em

Cuba não há lei de cotas eleitorais.

Segundo a presidente da Associa-

ção Cultural José Martí de Solida-

riedade a Cuba, Zuleide Faria de

Melo, a equiparidade alcançada en-

tre os sexos no parlamento do país

é fruto de uma política movida pela

construção de um país melhor. “Em

Cuba, em todas as instâncias par-

lamentares o deputado não recebe

um centavo pelo exercício. É um

trabalho voluntário, considerado de

serviço comunitário”, disse Zuleide.

Além disso, a presidente destaca

que há políticas que incentivam a

participação de mulheres na esfera

política. “Lá, as mulheres têm opor-

tunidades para que se dediquem

mais à política, como, por exemplo,

creches nos locais de trabalho e um

sistema de educação em regime

integral para as crianças”, comple-

menta Zuleide.

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Page 62: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

62

especial reforma política

A reforma política está presente

na agenda nacional há vários

anos. No “mundo político”,

sempre lembrada em momentos

de crise ou início de mandato. Para

a plataforma dos movimentos so-

ciais, a reforma do sistema político é

questão central, desde sua origem

em 2004. Após as manifestações de

junho, que colocaram em cheque

todo o nosso sistema de representa-

ção o tema tomou “musculatura” e

um novo ingrediente, que diz res-

peito ao “processo”, foi acrescenta-

do. Isto é, qual o caminho para se

fazer a reforma política. Assembleia

Nacional Constituinte? Plebiscito?

Referendo? Iniciativa Popular? Con-

gresso faz sozinho e do jeito dele?

Além do processo precisamos dis-

cutir sobre o conteúdo da reforma

política: para que queremos a refor-

ma política, o que queremos enfren-

tar, que sistema político queremos

construir? Que sujeitos políticos

queremos reforçar? Os dois debates

- processo e conteúdo - são fun-

damentais para a construção de um

novo modelo democrático no país e

devem andar de forma conjunta.

Na reforma política não podemos

separar o conteúdo da forma, pois

um determina o outro.

O Congresso Nacional, há 18 anos,

“tenta” votar a reforma política.

Todas as tentativas na direção de

uma reforma eleitoral, e não polí-

tica. A resposta do Congresso foi

“queremos manter o sistema como

está”. O que se fez foram pequenos

ajustes no processo eleitoral, com

exceção do Ficha Limpa, nem sem-

pre na direção da democratização

do poder, e sim para atender aos

interesses de quem está no poder

ou está próximo dele. O que faria o

Congresso mudar de postura? Ma-

nifestações de rua? Descrédito da

instituição parlamento?

Só se rompe este “imobilismo” do

Congresso com um movimento que

articule forças políticas de fora com

quem está “dentro” e quer mudan-

ças. Sem este movimento, o Con-

gresso continuará neste descom-

passo total com a sociedade.

Diante deste quadro político, várias

organizações e movimentos da so-

ciedade civil coletam, desde final de

2011, assinaturas para a Iniciativa

Popular da Reforma do Sistema Po-

lítico. Esta iniciativa não fica restrita

à reforma do sistema eleitoral. Vai

na direção do fortalecimento da so-

berania popular, por meio de várias

propostas, entre elas que determina-

dos temas só possam ser definidos

por plebiscitos e referendos, dando

poder ao povo de convocação des-

tes instrumentos da democracia di-

reta, e não somente ao Congresso

como é hoje.

Com as manifestações de rua, onde

ficou evidente o total esgotamento

do nosso atual modelo democráti-

co, todo ele centrado no poder da

representação e na força do capital

privado financiando este poder, ga-

nha força na sociedade a busca de

outras estratégias políticas para a re-

alização da reforma política. É neste

contexto que surgem as propostas

de convocação de uma assembleia

constituinte exclusiva, soberana e

específica para o tema e da reali-

zação de plebiscito e/ou referendo.

Sobre a assembleia constituinte:

pre cisa ser exclusiva, soberana e

espe cífica para a reforma política.

Exclusiva quer dizer eleita especifi-

REFORMA POLÍTICA:para quê?JOSE ANTONIO MORONI

Colegiado de Gestão do INESC

Plataforma dos Movimentos Sociais

pela Reforma do Sistema Político

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Page 63: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

63

camente para fazer a reforma, não

delegando ao Congresso esta tarefa.

Soberana: sem influência do poder

econômico, tanto no processo de

escolha dos/as constituintes como

nas definições, com possibilidades

de candidaturas avulsas, não neces-

sariamente via partidos, e que seja

representativa de todos os segmen-

tos da população. Uma assembleia

constituinte não pode ser o espelho

da representação que temos hoje no

parlamento, que é uma representa-

ção branca, masculina e proprietá-

ria. Tem que ser uma constituinte

que tenha a representação, em pé

de igualdade, de todos os grupos

subrepresentados na nossa socie-

dade, mulheres, população negra

e indígena, jovens, homoafetiva,

do campo e das periferias, pessoas

com deficiência. Específica: tem

que ficar restrita ao tema da reforma

política (não apenas eleitoral) não

podendo decidir sobre outras ques-

tões que não sejam relacionadas a

isso. Não podemos correr o risco de

perder conquistas, que tivemos com

a Constituinte de 1988, principal-

mente, as relacionadas aos direitos

sociais, individuais e coletivos.

Se o caminho for o plebiscito, o que

devemos garantir: a definição das

perguntas por mecanismos de con-

sulta popular, e não apenas pelo

Congresso Nacional. Que a campa-

nha gratuita, nos moldes das cam-

panhas eleitorais, tenha a participa-

ção das organizações da sociedade,

e não apenas das frentes parlamen-

tares como define a lei hoje. E, por

último, mas não menos importante,

que o plebiscito tenha caráter vin-

culante, isto é, o Congresso não

pode decidir o contrário. O ide-

al seria fechar este processo com

o referendo, o povo dizendo se o

Congresso interpretou bem ou não

a vontade popular. Aqui vale uma

ressalva. Sobre o plebiscito, juristas

de plantão, aqueles que a grande

mídia escuta, vieram com a pérola

de que o plebiscito era apenas uma

consulta e o Congresso podia aca-

tar ou não. Sugiro para estes juristas

de plantão algumas aulas extras de

soberania popular. Eles perderam ou

dormiram nestas aulas.

Esta discussão “da forma” é funda-

mental, pois define a concepção que

temos de reforma política e também

os sujeitos políticos desta reforma.

No formato o “congresso faz”, es-

tamos delegando a representação e

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Page 64: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

especial reforma política

64

como a representação só consegue

pensar em processo eleitoral a refor-

ma política será igual à reforma elei-

toral. Que é importante, necessária,

mas não suficiente.

O alicerce da reforma política é a

soberania popular. Portanto, os su-

jeitos políticos desta reforma são o

próprio povo e o conteúdo diz res-

peito ao exercício desta soberania,

portanto, a todas as formas de po-

der, e não apenas à representação.

Neste caso, reforma política é a re-

forma do próprio processo de deci-

são: a reforma do poder e da forma

de exercê-lo. Quem exerce o poder,

em nome de quem se exerce o po-

der e quais os mecanismos de con-

trole do poder. Enfim, quem tem o

poder de exercê-lo numa sociedade

tão desigual como a nossa. Por isso,

deve estar alicerçada nos princípios

da igualdade, da diversidade, da

justiça, da liberdade, da participa-

ção, da transparência e do controle

social, e não pode ser apenas refor-

ma eleitoral. Estamos falando da

reforma do sistema político.

Se todo poder emana do povo, pen-

sar a reforma do sistema político

é pensar como este poder deve ser

devolvido ao povo que tem o direito

de exercê-lo de forma direta, e não

apenas por delegação (delegar para

quem elegemos). Democracia é mui-

to mais que “eleições limpas”.

Não tem como pensar numa refor-

ma do sistema político sem enfren-

tar as desigualdades de sexo, de

raça, étnica e de renda nas formas

de exercer o poder. Falar em reforma

do sistema político é falar de racis-

mo, de machismo, de homofobia,

de desigualdade econômica e de

preconceitos presentes em nossa

sociedade e nas estruturas de poder.

A Reforma precisa radicalizar a de-

mocracia, enfrentando todas as for-

mas de desigualdades e de precon-

ceitos, promovendo a igualdade, a

diversidade e a participação política.

Isto significa uma reforma que am-

plie as possibilidades e oportunida-

des de participação, capaz de incluir

e processar os projetos de transfor-

mação que sujeitos políticos histori-

camente excluídos dos espaços de

poder, como as mulheres, afrodes-

cendentes, homossexuais, indíge-

nas, jovens, pessoas com deficiência,

idosos e todos os despossuídos de

direitos trazem para o cenário polí-

tico. Foi esta a principal lição que as

manifestações de junho nos coloca-

ram. Precisamos construir um ou tro

desenho democrático, isso é, um mo-

saico democrático onde todos/as se

sintam não apenas representados,

como também participantes e com

mecanismos de exercício do poder

de forma direta.

Precisa também repensar a atual

arquitetura da participação (demo-

cracia participativa). A multiplicação

de espaços participativos (conselhos

e conferências) não significa auto-

maticamente a partilha de poder.

Precisamos caminhar na direção da

construção de um sistema integrado

de participação, que inclua a política

econômica e de desenvolvimento, e

não apenas as políticas sociais. Aqui

vale uma pergunta: por que as de-

mandas das manifestações de junho

por serviços públicos de qualidade

não desembocaram neste sistema

de participação institucionalizada?

Se desembocaram por que não fo-

ram respondidas?

Precisamos aperfeiçoar a democra-

cia representativa. Para isso são

necessários partidos políticos demo-

crá ticos, fortes, programáticos, com

densidade na sociedade, com vida o

ano todo e não apenas em momen-

tos eleitorais. Precisamos realmente

ter partidos políticos, como instru-

mentos de representação política

de parte da sociedade e não de in-

teresses pessoais ou de grupos. A

fidelidade partidária, o financiamen-

to público exclusivo de campanha,

votação em listas escolhidas de for-

ma democrática, com alternância de

sexo e respeito a critérios raciais, ge-

racionais e homoafetivos e a possi-

bilidade de revogação de mandatos

pela população devem ser priorida-

des. É necessário pensar uma outra

forma de escolha da repre sentação

indígena e quilombola. Antes de

tudo, é necessário criar a equidade

nas disputas políticas que se fazem

via mecanismos da democracia re-

presentativa.

Não existe reforma do sistema políti-

co sem enfrentar o poder dos meios

de comunicação privados, assim

como o isolamento do poder judici-

ário em relação às demandas popu-

lares e a sua elitização.

Em resumo, pensar Reforma do sis-

tema político é pensar como de-

mocratizar as relações de poder em

todas as esferas e em todos os espa-

ços, e isso só a soberania popular é

capaz de fazer.

Din

o Sa

ntos

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Page 65: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

65

artigoDin

o Sa

ntos

DEMOCRATIZAÇÃO DACOMUNICAÇÃO

Sem marco público, mídia privada no controle

ROSANE BERTOTTICoordenadora Geral do Fórum

Nacional pela Democratização da

Comunicação (FNDC) e

secretária de comunicação

da CUT nacional.

Não é de hoje que os grandes

conglomerados de comuni-

cação exercem um poder

des proporcional e completamente

anti-democrático sobre a socieda-

de. “Influência” que se dá a partir

de instrumentos com os quais in-

terpretam a realidade para repas-

sar – ou não - como “notícia” ao

grande público.

Desta forma a população é “pauta-

da” por concepções políticas e ideo-

lógicas que atendem unicamente aos

interesses mercadológicos do “negó-

cio”, com a palavra reduzida à mer-

cadoria, para o uso e abuso dos que

pagam pela sua circulação.

A esta “interpretação” nada ob-

jetiva nem plural se dá o nome de

arti

go

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Page 66: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

66

artigo

“linha editorial”, forma com a qual

a velha mídia mascara o vento que

a move acima de qualquer compro-

misso com a verdade dos fatos.

Tudo estava muito bem obrigado

durante a longa treva neoliberal,

em que os interesses das transna-

cionais, do sistema financeiro e de

grandes empresas nacionais - mus-

culosos anunciantes das redes de

rádio e televisão, jornalões, revis-

tas e portais de internet – eram

sintonizados, contemplados e

xerocopiados pelos governos de

plantão. Quando presidentes de-

mocráticos e populares como Lula,

Chávez, Evo Morales, Rafael Cor-

rea e Kirchner colocaram em xe-

que a continuidade da política de

favorecimento aos patrocinadores

da mídia, o caldo começou a en-

tornar.

Frente ao desgaste dos partidos ne-

oliberais e privatistas, surge então

revigorado o poder midiático como

a principal alternativa de oposição

às políticas inclusivas, desenvolvi-

mentistas, soberanas e favoráveis

à integração latino-americana. Daí

o tom monocórdico adotado pelos

grandes proprietários, reunidos na

SIP (Sociedade Interamericana de

Imprensa) – no Brasil representados

pelo Instituto Millenium –, contra o

estabelecimento de novos marcos

regulatórios que efetivamente ga-

rantam às nossas sociedades condi-

ções de acesso plural a “concessões

públicas”, que ao fim e ao cabo lhe

pertencem. Ou de iniciativas que

desconcentrem e invistam na plura-

lidade, como a distribuição de anún-

cios publicitários.

A necessidade do regramento é

cada vez mais uma percepção, que

passa a ser uma reivindicação que

extrapola os setores tradicionalmen-

te organizados na luta pela demo-

cratização da palavra, como bem

aponta recente pesquisa da Funda-

ção Perseu Abramo. Realizada entre

20 de abril e 6 de maio, a pesquisa

ouviu 2.400 pessoas acima dos 16

anos, de áreas urbanas e rurais de

120 municípios das cinco regiões

do país. Destas, 82% assistem dia-

riamente a TV aberta, mas quase

a metade, 43%, afirma não se re-

conhecer na programação e 25%

se veem retratados negativamente,

contra 32% positivamente. Embora

haja um desconhecimento de que

essas emissoras são concessões pú-

blicas, com 60% dos entrevistados

respondendo que “são empresas de

propriedade privada, como qualquer

outro negócio”, ainda assim, 71%

são favoráveis a que haja mais re-

gras para definir a programação.

Sobre o regramento na TV, 46% de-

clarou que prefere o controle social

de um “órgão ou conselho que re-

presente a sociedade” contra 31%

favoráveis à autorregulamentação,

como a atual, e 19% declararam ser

favoráveis a controle governamen-

tal. A respeito do caráter de classe

dessa mídia, 61% dos entrevistados

avalia que a TV costuma dar mais

espaço para os empresários do que

para os trabalhadores. A inexistência

da diversidade regional também é

uma constatação: 44% consideram

que o noticiário veiculado é quase

só de São Paulo e Rio de Janeiro. Da

mesma forma, a pesquisa captou

uma percepção de afronta aos in-

teresses de crianças e adolescentes:

39% acreditam que a TV oferece

uma programação negativa para

sua formação, contra 27% que a

consideram positiva. Nada menos

do que 65% relativizaram a con-

fiança na “parcialidade e neutrali-

dade” das informações divulgadas

e somente 21,9% acreditam que a

mídia exponha os fatos sem privile-

giar um lado.

Conforme a pesquisa, a maioria dos

entrevistados avalia que a TV retrata

as mulheres às vezes, 47%, ou qua-

se sempre, 17%, com desrespeito,

da mesma forma como desrespeita

os nordestinos às vezes, 44%, ou

quase sempre, 19%, e ainda a po-

pulação negra, 49% e 17%, res-

pectivamente, sendo que para 52%

esta população é menos retratada

do que deveria.

Embora os números estejam aí, os

que buscam democratizar a palavra

são identificados pela mídia como

agressores, adeptos da “censura” e

de outras barbaridades, projetando

sobre os movimentos pela demo-

cratização da comunicação as suas

próprias práticas coercitivas.

Diante de opções tão antagônicas,

qual deve ser o papel de um gover-

no comprometido com a construção

de uma nova sociedade, mais plural

e democrática? Ceder espaço aos

abusos praticados ou regulamentar

regras que os inibam? Perpetuar o

balcão de negócios, mascarado por

uma suposta “objetividade”, ou in-

cidir, enquanto poder público, para

o surgimento de novos atores, que

atuem de forma complementar e

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67

Repr

oduç

ão

paritária, fomentando o público, o

comunitário e o privado?

Para as dezenas de entidades e mo-

vimentos sociais que se somaram à

mobilização do Fórum Nacional pela

Democratização da Comunicação

(FNDC) por um novo marco regula-

tório não há dúvida de que é preci-

so romper com a via de mão única

imposta pela meia dúzia de famílias

que comandam a mídia em nosso

país. E garantir que floresçam as rá-

dios e televisões públicas e comuni-

tárias com recursos do Orçamento,

com a democratização das verbas

publicitárias, a fim de que possam

mostrar as pautas das grandes maio-

rias invisibilizadas pelos que se cre-

em donos da verdade.

Há uma compreensão comum de

que é inconcebível para o presente e

o para o futuro dos nossos sistemas

democráticos a manutenção do ana-

crônico sistema – inconstitucional - de

oligopólios e monopólios privados.

Justificativas como a do Ministério

das Comunicações de que não ha-

veria tempo suficiente para amadu-

recer o debate sobre o tema em ano

pré-eleitoral, mais do que descabi-

da, é uma afronta às deliberações

democraticamente aprovadas pela

Conferência Nacional de Comuni-

cação (Confecom), organizada pelo

próprio governo federal e realizada

em Brasília em 2009.

Para lembrar aos que tentam obscu-

recer a relevância da Confecom, vale

lembrar algumas das suas decisões

como a reforma do marco regulató-

rio das comunicações, mudanças no

regime de concessões de rádio e TV,

adequação da produção e difusão

de conteúdos às normas da Consti-

tuição, bem como o fim da crimina-

lização às rádios comunitárias.

Da mesma forma, com a adoção de

uma política de isenções bilionárias

às empresas de telecomunicações, o

Ministério dá um tiro no coração da

Telebrás ao inviabilizar o Plano Na-

cional de Banda Larga (PNBL) como

foi concebido pelo governo do pre-

sidente Lula.

Temos a convicção de que o país não

será mudado cedendo à chantagem

e às pressões da velha mídia, nave-

gando nas ondas do conservadoris-

mo com a manutenção de uma prá-

tica comunicativa nada plural, nada

diversa e nada democrática.

Infelizmente, o problema não está

na pilha do controle remoto, mas

da falta de opções e na mesmice

alienante. Sem o estabelecimen-

to de um novo marco regulatório,

capaz de romper com o cerco dos

grandes monopólios privados de

comunicação, sem diversidade, sem

repartição de frequências, sem in-

vestimento público na Telebrás,

sem diálogo com a sociedade, o

governo continuará refém da sua

insegurança.

De nossa parte, seguiremos lutan-

do. A sociedade brasileira reforça

sua mobilização e sua unidade para

construir um Projeto de Lei de Ini-

ciativa Popular para um novo marco

regulatório das comunicações. Sem

marco público, a mídia privada con-

tinuará no controle.

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reforma agrária

Ainda que o assunto esteja

mais presente do que nunca

nos noticiários e na pauta de

mobilizações nas ruas, a luta pela

reforma agrária é histórica e com

profundas raízes no período colo-

nial brasileiro, que trouxe aos dias

de hoje o modelo de latifúndio e

suas implicações na questão fundi-

ária do nosso país. O modelo do la-

tifúndio já se estabelecia correlacio-

nado ao aparecimento dos atuais

problemas enfrentados no campo:

baixo nível de exploração do uso

da terra e mão de obra empregada

em condições precárias. Apesar da

promulgação do Estatuto da Terra,

em 1964, e da Constituição Fede-

ral garantir a função social da ter-

ra, ainda avançamos – muito pou-

co - para garantir o acesso à terra

a todos. Estas questões refletem

na conjuntura atual com o avanço

do agronegócio, do monocultivo e

do latifúndio. O problema históri-

co do campo exige uma mudança

estrutural na sociedade: a reforma

agrária.

Segundo dados do Instituto Nacio-

nal de Colonização e Reforma Agrá-

ria (Incra), desde a implantação de

políticas públicas voltadas para a

reforma agrária, 1.258.205 famílias

já foram assentadas. No entanto,

milhares de camponeses ainda lu-

tam e esperam por um pedaço de

terra, é o que contou o integrante

da coordenação nacional do Movi-

mento dos Trabalhadores Sem Terra

(MST), João Pedro Stédile. “Temos

atualmente mais de 100 mil famílias

acampadas, em condições precarís-

simas, na beira das estradas ou em

áreas ocupadas. E temos mais 4 mi-

lhões de famílias de camponeses po-

bres, sem terra, que seriam o público

potencial de um amplo programa de

reforma agrária no país”, apontou.

A assessoria de imprensa do Incra

informou que o Instituto vem se

REFORMAAGRÁRIA

Número de assentamentos diminui nos últimos anos e famílias sofrem com a falta de assistência técnica

JÁ!

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Page 69: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

69

dedicando a dialogar com o Poder

Judiciário para retomar julgamen-

tos de processos que tinham algum

impedimento judicial. Em um ano,

121 processos foram retomados e

50 novas áreas liberadas para assen-

tamento da reforma agrária. Con-

tudo, apesar da existência de orga-

nismos e entidades, além de forte

pressão por políticas públicas, o nú-

mero de assentamentos vem dimi-

nuindo nos últimos anos. Em 2012,

apenas 23.075 famílias foram as-

sentadas. Já em 2006, esse número

chegava a 136.358 famílias. O líder

do MST destacou que essa letargia

é fruto das relações políticas. “O

problema é político, de correlação

de forças e, com isso, a reforma

agrária e as desapropriações estão

paralisadas. O governo Dilma vai

perder em resultados estatísticos,

não do FHC, vai perder do governo

Figueiredo, já no final da ditadura,

que estávamos conquistando mais

áreas. Mas a turma de burocratas

que estão incrustados no governo

impede uma visão mais social e re-

alista das necessidades dos pobres

do campo”, contou Stédile.

Para aqueles que conseguiram ser

incluídos nas políticas de assenta-

mento para fins de reforma agrá-

ria, a luta não acabou. No assenta-

mento Roseli Nunes, no município

Mirassol D’Oeste, no Mato Grosso,

há 12 anos, 331 famílias conquis-

taram o direito à terra. A luta pela

fazenda, que antes tinha apenas um

dono, não foi fácil e envolveu mais

de seis anos de pressão do MST. O

assentamento é referência no esta-

do em produção orgânica e fornece,

por meio do Programa de Aquisição

de Alimentos (PAA), alimentos para

mais de 750 famílias cadastradas no

Bolsa Família do município, além de

atender sete escolas municipais e

nove escolas estaduais que, juntas,

somam cerca de sete mil alunos.

Apesar de ser referência no estado

em produção orgânica de hortaliças,

frutas e legumes, o assentamento

ainda necessita de um amplo espec-

tro de políticas públicas. A engenhei-

Crianças comem biscoitos de pequi, alimento tradicional e nutritivo. O alimento é vendido para a escola via Programa de Aquisição de Alimentos e produzido pelo assentamento Roseli Nunes.

Lívi

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uart

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Page 70: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

70

ra agrônoma e técnica da Federação

de Órgãos para Assistência Social

e Educacional (Fase), Fran Paula de

Castro, que há cinco anos trabalha

no assentamento, diz que a princi-

pal dificuldade é o acesso a políticas

de assistência técnica agroecológica

e a regularização da posse. “O as-

sentamento ainda não possui título

da terra, o que dificulta ter acesso a

coisas simples, como um crédito no

banco, por exemplo. Cerca de 80%

dos assentamentos no Mato Grosso

estão pendentes de regularização.

Além disso, a problemática é o aces-

so a políticas de assistência técnica

que, aqui no estado, é muito defi-

ciente”, destacou.

A agricultura familiar é a maior

responsável pelo fornecimento de

alimentos, produzindo 70% dos

alimentos consumidos no país, se-

gundo dados do Ministério do De-

senvolvimento Agrário (MDA). No

entanto, assentamentos como o

Roseli Nunes sofrem com a falta de

incentivos à produção e à comer-

cialização dos produtos. De acordo

com o Secretário da Agricultura

Familiar do MDA, Valter Bianchini,

a presidente Dilma deve lançar um

Plano Nacional de Apoio à Agroe-

cologia e à Agricultura Orgânica.

“O Plano terá uma série de instru-

mentos, como crédito, incentivo à

pesquisa, garantia de preços, entre

outros, para apoiar essa modalida-

de de agricultura. O objetivo é que

estimule a preservação do meio am-

biente, bem como a qualidade de

vida dos produtores e consumido-

res. Vamos ter um apoio muito for-

te para a agroecologia e agricultura

orgânica”, destacou.

Para Stélide, somente com a refor-

ma agrária, seria possível dar um

salto na produção de alimentos para

todo o país e na renda das famílias,

para que saiam definitivamente da

pobreza. “No futuro, como alter-

nativa ao agronegócio, que apenas

produz, commodities e lucro, com

muito veneno, temos o potencial de

cinco milhões de camponeses, que

são os únicos, que empregam 85%

de toda mão de obra no meio rural,

e podem produzir alimentos sem ve-

nenos, sem agredir o meio ambien-

te”, finalizou Stédile.

VIOLÊNCIA NO CAMPO

Nos últimos dez anos, o número de

conflitos no campo aumentou no

país. Segundo dados da Comissão

Pastoral da Terra (CPT), em 2012, a

região da Amazônia Legal, mais a

parte do Maranhão e Mato Grosso

concentraram 58,3% dos assassi-

O BRASIL É CAMPEÃO MUNDIALNO USO DE AGROTÓXICOS

Por ano, são consumidos cerca de um bilhão de litros, o que repre-

senta 5,2 litros de agrotóxicos por brasileiro. O país já é campeão

mundial no uso abusivo do veneno no cultivo de alimentos. De

olho nisso, foi lançada em 2011 a Campanha Permanente contra os

Agrotóxicos, que tem como objetivo denunciar o uso abusivo desses

produtos químicos. Segundo o dossiê “Um alerta sobre os impactos

dos agrotóxicos na saúde”, realizado pela Associação Brasileira de

Saúde Coletiva (Abrasco), o uso de agrotóxico, além de prejudicar

o meio ambiente, traz sérios danos à saúde. O estudo aponta que

mesmo que alguns ingredientes sejam classificados como pouco tóxi-

cos, não se pode perder de vista os efeitos crônicas que podem surgir

meses, anos ou até décadas depois da exposição ocasionando desde o

aparecimento de cânceres, malformação entre outros distúrbios endó-

crinos, neurológicos e mentais.

natos, 84,4% das tentativas de as-

sassinato e 77,4% dos ameaçados

de morte. A coordenadora nacio-

nal da CPT, Isolete Wichinieski, des-

tacou que os conflitos também es-

tão mudando de perfil. “Enquanto

nos anos 1980 e 1990, os principais

atores desses conflitos eram sem-

terra, posseiros e pequenos agricul-

tores, nos últimos anos esse cenário

mudou. O capital avança, agora,

sobre as terras de povos e comu-

nidades tradicionais, com destaque

para as indígenas e as quilombo-

las”, apontou. As mulheres tam-

bém têm sido vítimas da violência.

Isolete disse que a questão cultural

do machismo ainda é muito forte

no campo. “As mulheres por terem

culturalmente uma imagem de mais

frágeis, acabam sendo mais pres-

sionadas que os homens, sofrendo

muito mais com a pressão psicoló-

gica”, destacou.

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71

reforma agrária

UMA HISTÓRIA DE LUTA:Trabalhadora rural sem terra ameaçada no Pará

“Lutar é a única saída dos trabalhadores”, Maria Raimunda de Souza

Edin

aldo

Sou

za

Dados da Comissão Pastoral

da Terra (CPT) revelam que

no ano de 2012, por região

geoeconômica, na Amazônia Legal,

formada pelos estados da região

Norte, mais parte do Maranhão

e Mato Grosso, se concentram

58,3% dos assassinatos (21 de 36);

84,4% das tentativas de assassina-

to (65 de 77); 77,4% dos ameaça-

dos de morte (229 de 296); 62,6%

dos presos (62 de 99) e 63,6% dos

agredidos (56 de 88). O número de

conflitos no campo tem aumentado

nos últimos dez anos e se deve ao

processo histórico de concentração

fundiária no Brasil. Os movimentos

sociais travam há anos a luta por

um modelo de desenvolvimento de

distribuição de renda e terra. Mas

no meio do caminho: violência,

capital, agronegócio e latifúndio.

Estes elementos acirram a dispu-

ta pela terra. A reforma agrária é

central na solução desta questão

estrutural. No Pará, o número de

lideranças ameaçadas é alto. Uma

delas é a integrante do Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

do Pará (MST-PA), Maria Raimun-

da de Souza. Mesmo vivendo sob

constante ameaça, ela se mantém

firme na luta.

Como começou sua militância e seu contato com o MST?Comecei no movimento de igreja e

grupo de jovens, no Pará. No MST,

tive meu primeiro contato em 1994,

quando estava na universidade de

letras e integrava o Diretório Cen-

tral do Estudantes. Nós, estudantes,

participávamos das mobilizações e

reuniões e apoiávamos as ações do

movimento.

Você cresceu e vive na região do Araguaia, local onde tivemos um dos maiores massacres da história brasileira. Quais as lembranças dessa época?Minha família é do interior da re-

gião do Araguaia e vive no Pará

desde 1958. Nasci em Marabá, mas

vivi em Brejo Grande do Araguaia.

Vivenciamos o período da Guerri-

lha. Foi um período muito difícil.

Muitos camponeses não sabiam o

que estava acontecendo e era uma

pressão cotidiana do Exército Bra-

sileiro. Eu nasci em 1974, no final

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Page 72: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

72

reforma agrária

da Guerrilha e, mesmo assim, lem-

bro de ter ido, ainda criança, às ca-

ravanas do Major Curió. Passamos

a viver sob ameaça permanente do

Exército nos postos de saúde, nas

escolas e casas. Quem mandava

era o Exército. Toda a cidade era

vigiada. Eu fui crescendo nesse

ambiente. O major Curió passou

a ser figura de controle da região.

Lembro que ele era tido como se

fosse o presidente da república,

um herói do povo. O povo o carre-

gava no colo e ocorriam caravanas

imensas para recepcioná-lo. Me

lembro de ter ido a uma dessas ca-

ravanas ainda muito pequena com

minha família. Quem não fosse já

era enquadrado como subversivo

e era perseguido. Naquela época

construíram no imaginário popu-

lar a figura de que guerrilheiro era

terrorista, quando, na verdade, os

guerrilheiros mantinham uma rela-

ção de solidariedade com os cam-

poneses, principalmente com mo-

mentos de intercâmbio em práticas

de educação e saúde.

Como é militar na região Norte, uma das mais conflituosas na dis-puta pela terra?A região Norte é um território de

disputa permanente, seja pela ter-

ra, biodiversidade ou recursos mi-

nerais. Aqui, ou se luta ou se luta.

Lutar é a única saída dos trabalha-

dores. Muitos dizem que morrem

se lutam. Mas a exploração do tra-

balho antecipa a morte e vai ma-

tando aos poucos pela exploração.

Esta é uma estratégia do capital e,

por isso, lutar é uma condição de

vida. A disputa pela riqueza é diá-

ria por aqui.

Já recebeu muitas ameaças de morte?Eu e outros dirigentes de movimen-

tos sociais recebemos ameaças das

mais diversas formas, desde a ten-

tativa de cooptação até a ameaça

concreta de morte. Aqui nós temos

ocupações de mais de dez anos e

quando intensificamos o processo

de resistência as ameaças aumen-

tam. Em alguns casos, promovem

a execução imediata e em outros a

violência ocorre pela pressão psico-

lógica, a mais comum no Pará, como

perseguição de carros, telefonemas.

Dar visibilidade a esta violência é

fundamental. Quando entramos

no confronto direto, os pedidos de

prisão são intensificados para as li-

deranças do movimento. A Confe-

deração da Agricultura e Pecuária

do Brasil (CNA) alega que o governo

federal não está executando as limi-

nares de despejo das ocupações e

que os fazendeiros têm que resolver

por eles mesmos. Fica claro que são

ações arquitetadas para reforçar a

violência. E sabemos o tamanho da

impunidade da violência no campo.

Basta lembrar do massacre de Eldo-

rado dos Carajás ou o assassinato de

irmã Dorothy.

Para além da violência física, que outras violências são praticadas?A violência se instaura em outros

campos, inclusive nas ações institu-

cionais, isto é, a pessoa ameaçada

fica refém da própria vida. Muitas li-

deranças, hoje, andam com dois se-

guranças, que são policiais, ou pre-

cisam sair da região. Se o ameaçado

ou a ameaçada forem assentados e

tiverem que sair do estado, correm o

risco de perderem o lote. O proces-

so de reforma agrária no Pará está

parado. Temos áreas ocupadas de

oito a dez anos e sem solução. Essa

morosidade amplia as formas de vio-

lência, uma vez que configura uma

estratégia de "matar" pelo cansaço.

Concomitante a esta morosidade,

fazendeiros e agentes do Estado

ainda arquitetam o processo de cri-

minalização dos movimentos sociais.

Costumamos chamar essa violência

de "sangria", pois vai sangrando e

matando aos poucos. Aqui no Pará,

temos dois grupos (o Santa Bárbara

e o grupo Opportunity) que além de

violentar com milícia armada, nego-

ciam diretamente com o gabinete

da presidência.

As políticas públicas chegam aos assentamentos?As políticas específicas da refor-

ma agrária não chegam aos nos-

sos assentamentos. Mesmo com a

presidenta Dilma dizendo que iria

priorizar melhores condições dos as-

sentados, as políticas não chegaram.

Não temos estradas, escolas e nem

postos de saúde no campo. Na rea-

lidade, nem na cidade. As crianças,

por exemplo, estudam numa tape-

ra (espécie de barraca). Esses dias,

fizemos dois dias de mobilização

ocupando a prefeitura em Eldorado,

para pressionar pela construção de

um poço na escola.

De onde vem a sua força para lu-tar?A força vem da própria luta, da von-

tade de mulheres, homens, crianças

e jovens de mudar essa sociedade.

Esse envolvimento com o povo pela

construção de uma outra sociedade

é o que me anima.

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Page 73: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

73

ÁGUA E ENERGIAcom soberania, distribuição

da riqueza e controle popularGILBERTO CERVINSKI

Coordenação nacional do MAB

arti

go

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Page 74: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

74

artigo

OMovimento dos Atingidos por

Barragens (MAB) realizou seu

Encontro Nacional em São

Paulo, de 2 a 5 de setembro, com

a presença de 2.500 pessoas, repre-

sentando atingidos por barragens

de 17 estados, 60 organizações bra-

sileiras e delegações de 20 países. O

encontro foi um processo de conso-

lidação de um grande esforço e uma

longa caminhada que o MAB tem

procurado desenvolver nestes últi-

mos anos, a partir de um plano que

busca atingir seus objetivos. Esco-

lhemos o lema “Água e energia com

soberania, distribuição da riqueza e

controle popular” para representar

o que o Movimento pensa e defen-

de quando o tema é energia.

Mesmo que as populações atingidas

tenham sido vítimas de constantes

violações, como o próprio Conselho

de Defesa dos Direitos da Pessoa Hu-

mana comprovou em 2010, toma-

mos a decisão de pautar prioritaria-

mente a política energética nacional.

Nossa decisão não desconsidera que

a situação dos atingidos é gravíssima,

ao contrário, estamos muito atentos

e preocupados com o cenário futuro,

cuja perspectiva é de maior agrava-

mento dessa condição. Isto porque

o atual modelo possui uma vasta

regulamentação sobre a política

energética que garante o “equilíbrio

econômico financeiro” das empresas

que controlam o setor elétrico nacio-

nal. No entanto, não existe nenhuma

regulamentação que dê garantia de

direitos aos atingidos. A única lei que

trata das indenizações é de 1941.

O Estado e o governo se ausentam

totalmente e as estatais do setor

elétrico se subordinam aos mandos

das transnacionais que controlam as

“Sociedades de Propósitos Específi-

cos”, nas chamadas “Parcerias Pú-

blico-Privadas”. No plano decenal,

cuja prioridade é a construção das

hidrelétricas, até 2021 está prevista

a construção de cerca de 35 usinas

e o Ministério de Minas e Energia

(MME) alega que apenas 62 mil pes-

soas serão atingidas, porém, pelos

levantamentos feitos, esse número

pode chegar a 250 mil pessoas.

Essa desconsideração do número

real dos atingidos, em grande me-

dida, ocorre porque quem define

quem são os atingidos e quais são

seus direitos são as próprias empre-

sas construtoras de usinas hidrelé-

tricas. E como o controle e a lógica

têm sido privados, os direitos são

ignorados para reduzir custos nas

obras. Basta ver o caso de Belo Mon-

te, cujo orçamento inicial era de R$

19 bilhões e já ultrapassou R$ 28,9

bilhões. Mesmo com o aumento de

quase 50% no custo da usina, a pro-

posta para as sete mil famílias desa-

lojadas é a construção de casas de

placa, da má qualidade e tamanho

insuficiente. Vale lembrar que do to-

tal do custo da obra, R$ 22,5 bilhões

provêm do BNDES.

O governo nos disse que nas usi-

nas do rio Madeira, em Rondônia,

o tratamento às famílias atingidas

seria diferente, e não foi. Depois

nos prometeram que em Belo Mon-

te seria um marco, não está sen-

do. Agora já falam então que nas

usinas do Tapajós será diferente.

Certamente também não o será! E

assim o rastro de violações dos di-

reitos humanos segue, de obra em

obra, Brasil afora.

NOSSA CRÍTICA AO MODELO ENERGÉTICO BRASILEIRO

Por tudo que temos estudado e

debatido sobre política energética,

estamos convencidos de que o pro-

blema central na energia elétrica é

o modelo, ou seja, a atual forma de

organização da produção e distri-

buição da energia e das riquezas ali

geradas, que não atendem aos in-

teresses do povo brasileiro. O atual

modelo energético está organizado

para priorizar e atender a uma es-

tratégia de desenvolvimento do ca-

pital internacional especulativo e de

cadeias industriais eletrointensivas

exportadoras de matéria prima.

Atualmente quem controla a energia

são transnacionais que controlam o

setor elétrico nacional e se apropriam

dos resultados. Corporações mun-

diais como a Suez Tractebel, AES,

Odebrecht, Queiroz Galvão, Iber-

drola, Vale, Alcoa, Billiton, Alstom,

Siemens, etc. Este controle veio a

partir das privatizações dos anos 90

e segue nos dias atuais. As estatais

também estão privatizadas, 60% das

ações da Eletrobrás; 80% da Cemig;

65% da Cesp, por exemplo, já estão

nas mãos da iniciativa privada.

Por isso, defendemos a soberania

energética. Para ter soberania, é ne-

cessário enfrentar inimigos de caráter

internacional. E lutar por ela requer

que retomemos o controle estatal

público sobre a energia, com contro-

le popular. No entanto, o capital vai

querer o controle total da cadeia e da

indústria de eletricidade e, para isso,

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Page 75: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

75

vai aumentar a pressão para que os

governos privatizem e entreguem o

resto das estatais e as melhores reser-

vas estratégicas de energia.

Os rios são o território mais deseja-

do e disputado pelas transnacionais

que controlam a indústria de eletri-

cidade. Como a energia hídrica é a

tecnologia mais produtiva compara-

da com as demais fontes, certamen-

te vai aumentar a disputa mundial

para controlar os melhores locais e

extrair os excedentes. E o Brasil está

no centro, pois possui as maiores

e melhores reservas de rios e água

para geração de eletricidade: dos

260 mil MW de potência, só 30%

foram utilizados até agora.

Na outra ponta da mesma cadeia

de exploração, a principal susten-

tação do atual modelo energético

se dá através do sistema tarifário.

As tarifas de energia viraram mer-

cadoria e foram transformadas no

principal instrumento para garantir

os extraordinários lucros dos empre-

sários que dominam o setor elétrico

nacional. Neste segmento, foi im-

plementado um sistema de tarifas

que simula uma falsa concorrência.

Elas foram internacionalizadas e os

preços da eletricidade brasileira pas-

saram a ser vinculados ao custo da

energia térmica. Atualmente, paga-

mos 25% mais cara que na França,

onde 76% é nuclear.

A venda da energia elétrica, por-

tanto, se transformou no principal

negócio deste setor, porque agora

o lucro dos empresários que contro-

lam a energia não vem só da explo-

ração dos eletricitários, mas de 60

milhões de residenciais, que pagam

a conta. Se não bastasse, o cenário

nos aponta que teremos que pagar

ainda mais e haverá mais exploração

dos trabalhadores do setor.

Isso porque foi aprovada a “nova

estrutura tarifária”, com cobranças

diferenciadas por cores e horários

de consumo controlados através de

medidores eletrônicos. Quanto aos

trabalhadores do setor, as empresas

privadas e estatais estão buscando

rebaixar seus ganhos e está ocorren-

do um intenso processo de reestru-

turação do trabalho para aumentar

a produtividade, por meio de demis-

sões, terceirizações, precarizações e

aumento de jornada.

Por outro lado, os grandes consumi-

dores (livres) recebem energia barata

para produzir eletrointensivos e ex-

portar, sem pagar imposto nenhum

porque são isentos pela lei Kandir.

Os grandes consumidores de alta

tensão, chamados A1, por exem-

plo, pagam R$ 110,00 pelo MWh,

enquanto que, em Minas Gerais, os

consumidores residenciais pagam R$

350,00 pela mesma quantidade de

energia consumida, ou seja, o traba-

lhador paga 200% mais caro que o

grande industrial.

Portanto, os lucros são extraordiná-

rios e quase tudo é enviado aos do-

nos das empresas pelas remessas de

dividendos. Para termos uma ideia,

nos últimos sete anos apenas cinco

empresas do setor (AES Eletropaulo,

AES Tietê, Suez Tractebel, Cemig e

CPFL) tiveram lucro total de R$ 45,7

bilhões e remeteram R$ 40,7 bilhões

aos acionistas, 90% do lucro.

Além disso, as estruturas de Esta-

do estão capturadas pelas empre-

sas privadas. A Aneel, ONS, CCEE,

MME e a EPE, entre outras, estão a

serviço dos empresários. A Aneel,

por exemplo, cumpre papel central

para legalizar e regular o atual mo-

delo. E o BNDES é o principal finan-

ciador das usinas, usando o dinheiro

público e repassando para as trans-

nacionais, enquanto que as estatais

são proibidas de terem a maioria das

ações nas usinas.

Entendemos que o problema cen-

tral na energia é a política energé-

tica, ou seja, o modelo energético.

Não queremos discutir somente a

matriz. A classe trabalhadora preci-

sa discutir e decidir sobre a política

energética, sobre como está orga-

nizado o planejamento, a produção

e a distribuição da energia e da ri-

queza ali gerada.

Assim como está, não serve à clas-

se trabalhadora. Nesse sentido, o

lema do Encontro Nacional do MAB,

“Água e energia com soberania,

distribuição da riqueza e controle

popular”, representa a síntese do

nosso projeto e o que defendemos

na energia e para o conjunto dos

trabalhadores em nosso país.

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ESPIONAGEM DOS EUANA PETROBRAS E

NO GOVERNO BRASILEIROSíndrome de Estocolmo Landmark

FERNANDO SIQUEIRAVice-presidente da Associação de

Engenheiros da Petrobrás (Aepet)

arti

go

Não chegou a constituir sur-

presa, mas aumentou muito

a nossa indignação a notícia

da violação da intimidade do nosso

Governo e particularmente da Petro-

brás. Achamos que o embaixador da

Rússia enquadrou bem o problema:

“estas ações se comparam a um ato

de terrorismo internacional”, disse

ele. E estava certo. Pois esse “ra-

ckerismo”oficial feito pela Agência

Nacional de Segurança do Governo

americano, sob justificativa falaciosa

de que está vigiando possíveis atos

terroristas não tem qualquer fun-

damento. A Petrobrás, nos seus 60

anos de existência, jamais cogitou

fazer qualquer ato deste tipo.

Portanto, fica muito claro que essa

espionagem visa colher dados estra-

tégicos de poços e campos do pré-

sal. Por exemplo, o acesso compro-

vado aos computadores da Petrobrás

dá ao Governo americano, e, portan-

to, às suas principais empresas petro-

líferas, o acesso em tempo real das

análises geológicas por poço perfura-

do: características físicas, químicas e

de comercialidade dos reservatórios;

a análise dos geólogos da Petrobrás

sobre as áreas mais promissoras da

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Page 77: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

77

província do pré-sal ou da margem

equatorial. Ou seja, informações de

alto nível estratégico são obtidas em

tempo real através de meios total-

mente ilegais.

Tudo isto coloca o nosso País numa

situação de colônia de segunda clas-

se vigiada pelo colonizador, que des-

respeita totalmente a nossa sobera-

nia. São fatos que merecem uma

reação à altura do Governo brasilei-

ro. Iniciando pelo cancelamento dos

leilões, começando pelo do campo

de Libra, que está em andamento.

Aliás, a pressão americana sobre

nosso Governo levou à reabertura

dos leilões numa capitulação lamen-

tável dos nossos dirigentes. Tivemos

o Congresso Mundial de Petróleo no

Riocentro, em fevereiro deste ano, o

qual terminou com a ida do ministro

Lobão a declarar reabertos os leilões

no ato de encerramento, no qual

declarou a efetivação do 11º leilão,

já concluído. E também a vinda do

vice americano Joe Biden para falar

diretamente com as presidentes Dil-

ma e Graça Foster da Petrobras.

Em seguida, se deflagrou o leilão

do campo de Libra, o maior campo

do mundo atual, já descoberto, tes-

tado e comprovado, portanto, com

risco zero. Mas o mais grave ainda

está para ser esclarecido: o campo

de Libra foi adquirido pela Petro-

brás para aumentar o seu capital

por participação da União através

da cessão onerosa de sete blocos

para ela por conta da Lei 12.276/10.

Nestes blocos deveriam existir cin-

co bilhões de barris. A Petrobrás

pagou à União por estes blocos.

Quando perfurou o primeiro campo

- o de Franco - encontrou reserva

de nove bilhões de barris; quando

perfurou o segundo, Libra, achou

reserva da ordem de 15 bilhões de

barris, o que ultrapassou os cinco

bilhões de barris contratados. Junto

com o campo de Franco, que lhe é

interligado, revelaram reservas de

cerca de 24 bilhões de barris.

Esta, sem dúvida, é uma área de

energia do mais alto interesse es-

tratégico para o País, e pela Lei

12.351/10, em seu artigo 12º, a

ANP deveria negociar um contrato

de partilha com a Petrobrás dos 19

bilhões excedentes aos cinco bilhões

cedidos, mantendo essa riqueza no

País para o bem do povo brasileiro.

Ao invés disto, a Agencia Nacional

do Petróleo, gás e biocombustiveis,

tomou o campo da Petrobrás e o

está leiloando. É algo inédito no

mundo. Nem país militarmente ocu-

pado leiloa petróleo já descoberto.

A Petrobrás não foi ressarcida das

perfurações de Libra e Franco e nem

é isso o que se busca, mas tal fato

corrobora a afirmativa de vários di-

retores de que Libra fez parte da ces-

são onerosa. Assim, a Petrobrás terá

que desembolsar de imediato R$

4,5 bilhões para ficar com 30% do

campo, ou R$15 bilhões para ficar

com 100% de um campo que já lhe

pertencia. Para se ter uma ideia, R$

15 bilhões é o valor de três sistemas

de produção FPSO com capacidade

para 200 mil barris por dia e que a

empresa poderia estar comprando

para produzir Libra, que era seu.

Ou seja, o Governo brasileiro está

acometido da “síndrome de Estocol-

mo” – que é a atitude semelhante

à de uma mulher sueca que foi se-

questrada e se apaixonou pelo seu

sequestrador. A posição do nosso

Governo, após toda essa agressão

do Governo americano - que se-

questra informações estratégicas da

presidenta e da Petrobrás - de man-

ter o leilão do campo de Libra, que

irá beneficiar as empresas e o Gover-

no americano caracteriza a síndro-

me de Estocolmo do nosso Governo.

No começo deste artigo eu disse

que não chegou a causar surpresa

o detalhamento pela grande mídia

das ações do Governo americano e

do cartel de petróleo espionar a Pe-

trobrás. É que isto já vinha aconte-

cendo há muito tempo e se intensi-

ficou após a descoberta do pré-sal.

Nos anos de 2007, 2008 e 2009,

tivemos notícias de uma série de

roubos de computadores portáteis

da Petrobrás e/ou dos seus técnicos

envolvidos com o pré-sal. Vejamos

alguns deles:

A grande mídia denunciou o sumi-

ço de dois laptops no container da

Halliburton. Esta empresa - uma das

maiores do ramo do petróleo per-

tencente ao ex-vice-presidente ame-

ricano Dick Cheney - foi a mentora

da guerra do Iraque, onde realizou

serviços de recuperação orçados

em US$ 300 bilhões, após o fim da

guerra, e sem concorrência. Pois

bem, por volta de 2009, os geólogos

da Petrobrás aproveitaram o navio

que levava os containers dessa em-

presa, para o Rio e guardaram dois

laptops no seu interior, ficando uma

chave do cadeado da porta com o

geólogo da Petrobrás e outra com o

responsável da Halliburton. Durante

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Page 78: Revista Especial 20 anos Fisenge nº7

78

o trajeto, o geólogo precisou aces-

sar algumas informações e foi pegar

o laptop no container e teve dupla

surpresa: o cadeado havia sido tro-

cado e quando arrombaram o novo

cadeado os laptops haviam sumido.

A versão mais provável do caso é que

o encarregado da Halliburton pegou

os laptops para copiar e trocou o ca-

deado. Só que não teve tempo de

copiar e devolver, já que o técnico

da Petrobrás precisou ver um dado

e chegou antes. Após muito tempo

e constrangimento conseguiram um

bode expiatório: o faxineiro.

Num seminário ocorrido no Ho-

tel Glória, em que o assunto era o

pré-sal, o pessoal da Petrobrás saiu

para o almoço e fechou o auditório

deixando os laptops, que continham

arquivos do pré-sal, dentro da sala.

Quando voltaram do almoço cons-

taram que os computadores haviam

sido roubados. Na região de produ-

ção de Campos, cuja sede é a cida-

de de Macaé, também houve vários

assaltos a carros e casas de geólo-

gos ou engenheiros de reservatório

da Petrobrás que trabalhavam no

pré-sal. Esses roubos eram sempre

laptops com informações sobre a

pré-sal.

Outro caso lamentável: há três

anos recebemos denúncias de al-

guns funcionários da ANP de que

a Landmark, subsidiária da Halli-

burton, era a responsável, há mais

de 10 anos, pelo BDP – Banco de

Dados de Produção da ANP, onde

as informações de todos os campos

das petroleiras eram armazenadas.

Essas informações são as mais es-

tratégicas e eram guardadas pela

Halliburton. Fomos ainda informa-

dos de que o Tribunal de Contas

da União (TCU) havia exigido, três

anos antes, concorrência para essa

gerência dos dados, mas a ANP não

cumpria essa exigência.

Portanto, essa espionagem já vem

ocorrendo há muito tempo e foi

evoluindo tecnologicamente. Hoje,

se dispõe de acesso a qualquer tipo

de comunicação, inclusive de tele-

fones com recursos de criptografia.

É possível decifrar e acessar infor-

mações de e-mails, telefones, tudo

por meio de Google, Twitter, Face-

bbook, que além de nos espionar,

levam todo o lucro de acessos para

o exterior. Esta é uma das facetas

negativas oriundas da privatização

das telecomunicações.

Em artigo recente afirmamos: “Os

jornais estamparam nas suas primei-

ras páginas as informações, dadas

pelo ex-agente da CIA, de que a

Agência Nacional de Segurança dos

EUA vem espionando o Brasil. Foi

a comprovação das nossas sus-

peitas. Cerca de dois bilhões de

telefonemas e mensagens de bra-

sileiros foram violados. Um crime

grave de violação das liberdades

individuais e de soberania com ob-

jetivos claros, mas inconfessáveis,

de obter informações estratégicas

para tirar vantagens sobre o nosso

País. Uma delas é a missão do De-

partamento de Defesa americano de

manter o Brasil, o maior celeiro de

matéria-prima para os EUA, na con-

dição de colônia e subdesenvolvido.

Dizem os jornais: “Companhias de

telecomunicações no Brasil têm essa

parceria que dá acesso à empresa

americana”. O que não ficou claro é

qual a empresa americana que tem

sido usada pela NSA como “ponte”.

Há alguns anos, o Projeto Sivam, de

informações sobre a Amazônia, foi

entregue sob pressão a empresas

americanas.

O Brasil começou a perder o con-

trole das informações para o nosso

dominador. Que se consumou na

privataria das teles. Um dos usos

da espionagem foi para o preparo

da pressão sobre o Governo bra-

sileiro para a entrega do pré-sal.

Sabendo das informações estraté-

gicas obtidas de mensagens, e te-

lefonemas interceptados, armaram

todo um esquema de pressões e

constrangimento sobre nosso Go-

verno – Executivo, Legislativo e

Judiciário. Passando pelo congres-

so no Riocentro, onde a tônica foi

reabertura dos leilões e culminan-

do com a vinda do vice-presidente

Joe Biden, a fim de pressionar a

presidente Dilma para começar en-

tregando Libra e abrindo as portas

para levar todo o pré-sal. Houve

ainda a conversa com a Graça Fos-

ter, talvez para amarelar no leilão

de Libra como fez no 11º com par-

ticipação pífia. O povo brasileiro,

dono da riqueza, que se dane.

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Mas por que o Governo está capi-

tulando tanto às pressões externas

para obter as nossas riquezas mais

estratégicas? Alem destas temos ou-

tras internas:

1) O Governo precisa de R$ 15 bi l-

hões para fechar o superávit pri-

mário e garantir o pagamento dos

juros extorsivos aos bancos. Gas-

ta-se 48% do orçamento anual

para pagar esses juros, em detri-

mento da saúde, da educação,

da mobilidade urbana e da se-

gurança do povo brasileiro. Tudo

isto devido ao modelo econômico

suicida que vem sendo adotado.

Se o Governo não cumprir a meta

do superávit primário se desmo-

raliza e perde a reeleição. Logo, é

um motivo eleitoreiro.

2) A desnacionalização de empre-

sas brasileiras, estatais e privadas

- 3.700 no governo e 1.700 nos

governos petistas, causam um

déficit brutal nas transações cor-

rentes internacionais devido às

remessas de lucros, hoje em US$

50 bilhões e projetado em US$

80 no fim do ano. Assim o go-

verno incentiva a vinda de dóla-

res para compensar o déficit. Só

que esses dólares retornam com

lucro, levando nosso patrimônio

para fora do País. Criou-se um

círculo vicioso perverso. Inter-

romper esse sangramento exige

uma política industrial que via-

bilize o retorno de empresas ge-

nuinamente nacionais e se volte

a produzir pela Petrobrás, que

mantém o lucro no país, desen-

volve tecnologia e gera emprego

de alto nível aos brasileiros.

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