Revista incluir 10 negócios & economia

5
30 revista incluir • março/abril 2011 negócios e economia FAMILIARES DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA BUSCAM IGUALDADE NA ISENÇÃO DE IMPOSTOS DURANTE A COMPRA DE VEÍCULOS Por: Hevlyn Celso Fotos: Ibrahim Cruz e Reinaldo Borges Equiparação de direitos para não condutores Q uem convive com uma pessoa com de- ficiência sabe da importância de ter um carro para facilitar o transporte. De acordo com a Lei Federal 8.989/95, o motorista com deficiência tem direito à isenção de IOF, ICMS, IPI e IPVA na compra de um automóvel zero quilômetro. A mesma lei também ampara aqueles que não po- dem dirigir, como pessoas com deficiência visual, in- telectual e autismo, que podem nomear até três con- dutores autorizados e adquirir um carro nacional ou originário de países do Mercosul, sem limite de valor, desde que não seja utilitário. Porém os não conduto- res conseguem somente a isenção do IPI e a liberação do rodízio (em São Paulo). Para entender melhor essa questão, a Revista Incluir foi em busca de respostas que esclareçam as razões dessa diferença e saber o motivo da demora no processo. A isenção do Imposto sobre Produtos Industriali- zados (IPI) representa um bom desconto no valor de compra, embora seja um processo lento, que chega a demorar de 45 dias a três meses. Apesar disso, a maioria das concessionárias costuma oferecer a documentação como cortesia aos clientes. Entre as exigências estão a comprovação de renda do comprador com deficiência AUTOMÓVEIS: ou de seu representante legal, laudo médico expedido por médico do Sistema Único de Saúde (SUS) e pelo Detran e certidão nega- tiva de débitos junto ao INSS, por exemplo. Após a aprovação pela Receita Federal, o re- querente recebe uma carta de compra com validade de 180 dias, período em que deve- -se definir a escolha do modelo. Na concessionária Honda Hville, em Ba- rueri (SP), há três opções de modelos com isenção, o New Fit, o New Civic e o Honda City. Segundo a responsável pelo progra- ma Honda Conduz, de vendas especiais da Hville, Mara Sônia Massa, os mode- los mais procurados são o Fit EX, que de R$ 65.720,00 sai por R$ 58.724,41 e o City EX, cujo valor cai de R$ 66.855,00 para R$ 59.738,61. Todos os modelos possuem air bag, vidro automático, ar-condicionado, trava e retrovi- sores elétricos. Os seminovos não estão inclu- sos na isenção. “Só vale para o zero quilôme- tro. No seminovo, o imposto já é imputado na fábrica e não tem como tirar”, diz Mara.

Transcript of Revista incluir 10 negócios & economia

Page 1: Revista incluir 10   negócios & economia

30 revista incluir • março/abril 2011

negócios e economia

Familiares de pessoas com deFiciência buscam igualdade na isenção de

impostos durante a compra de veículos

Por: Hevlyn CelsoFotos: Ibrahim Cruz e Reinaldo Borges

Equiparação de direitos para não condutores

Quem convive com uma pessoa com de-ficiência sabe da importância de ter um carro para facilitar o transporte.

De acordo com a Lei Federal 8.989/95, o motorista com deficiência tem direito à isenção de IOF, ICMS, IPI e IPVA na compra de um automóvel zero quilômetro.

A mesma lei também ampara aqueles que não po-dem dirigir, como pessoas com deficiência visual, in-telectual e autismo, que podem nomear até três con-dutores autorizados e adquirir um carro nacional ou originário de países do Mercosul, sem limite de valor, desde que não seja utilitário. Porém os não conduto-res conseguem somente a isenção do IPI e a liberação do rodízio (em São Paulo). Para entender melhor essa questão, a Revista Incluir foi em busca de respostas que esclareçam as razões dessa diferença e saber o motivo da demora no processo.

A isenção do Imposto sobre Produtos Industriali-zados (IPI) representa um bom desconto no valor de compra, embora seja um processo lento, que chega a demorar de 45 dias a três meses. Apesar disso, a maioria das concessionárias costuma oferecer a documentação como cortesia aos clientes. Entre as exigências estão a comprovação de renda do comprador com deficiência

AutomóvEis:

ou de seu representante legal, laudo médico expedido por médico do Sistema Único de Saúde (SUS) e pelo Detran e certidão nega-tiva de débitos junto ao INSS, por exemplo. Após a aprovação pela Receita Federal, o re-querente recebe uma carta de compra com validade de 180 dias, período em que deve--se definir a escolha do modelo.

Na concessionária Honda Hville, em Ba-rueri (SP), há três opções de modelos com isenção, o New Fit, o New Civic e o Honda City. Segundo a responsável pelo progra-ma Honda Conduz, de vendas especiais da Hville, Mara Sônia Massa, os mode-los mais procurados são o Fit EX, que de R$ 65.720,00 sai por R$ 58.724,41 e o City EX, cujo valor cai de R$ 66.855,00 para R$ 59.738,61.

Todos os modelos possuem air bag, vidro automático, ar-condicionado, trava e retrovi-sores elétricos. Os seminovos não estão inclu-sos na isenção. “Só vale para o zero quilôme-tro. No seminovo, o imposto já é imputado na fábrica e não tem como tirar”, diz Mara.

Page 2: Revista incluir 10   negócios & economia

31revista incluir • março/abril 2011

Para o vendedor da Toyota New Collection, Gilmar Firmino Alves, apesar da burocracia, as vendas para pessoas com deficiência só tendem a crescer. “É um seg-mento que todo mundo vê hoje com outros olhos, um ni-cho de mercado a ser trabalhado”, enfatiza ele, que des-taca na linha Corolla a versão XLI 1.8 flex como a melhor opção no que se refere a custo/benefício, já que o preço do veículo cai de R$ 63.040,00 para R$ 53.792,00, na transmissão manual, incluso pintura metálica.

Já o modelo SW4, de origem argentina, que sai de fábrica com air bag duplo e freios ABS de última ge-ração, também é passível de isenção e o preço público passa de R$ 163.900,00 para R$ 124.125,00, sem o IPI. Os carros das marcas e modelos citados têm a alí-quota de 13% para carros a gasolina e 11% para carros flex; já no caso do SW4, é de 25%.

Vale lembrar que o financiamento é fei-to normalmente, mas o leasing não é per-mitido. Todos os valores citados referem-se ao mês de janeiro de 2011 e estão sujeitos a alterações.

Em busca do carro próprioMorador da capital paulista, o pensionis-

ta do Ministério da Fazenda Rodolfo Emcke, 48 anos, teve descolamento de retina, que o fez perder a visão aos 17 anos. Fez duas cirur-gias no Brasil e quatro nos Estados Unidos, até descobrir que a cegueira era irreversível. Quando decidiu comprar um Honda New Civic, em 2007, teve problemas com os lau-dos médicos, que não foram aceitos. >

O vendedor Gilmar Alves, da Toyota New Collection

“Apesar da burocracia, as vendas tendem a crescer”, Gilmar

É um seGmeNTO que TOdO

muNdO vê hOje COm OuTrOs

OlhOs, um NiChO de merCAdO

A ser TrAbAlhAdO

– GilmAr Alves

Page 3: Revista incluir 10   negócios & economia

32 revista incluir • março/abril 2011

negócios e economia

Para a publicitária paulista Audrey Torres

de Oliveira Garcia, 38 anos, e seu marido, o

engenheiro mecatrônico Marcelo Guidetti de

Amorim Garcia, 40 anos, a maior dificuldade

na compra do Corolla foi conseguir o financia-

mento junto aos bancos, em virtude da idade

do filho, Mateus, de 11 anos, que tem autismo.

Segundo ela, os gastos com uma crian-

ça com deficiência intelectual são iguais ou

maiores do que com aquelas com proble-

mas físicos e que, por esta razão, a isenção

deveria ser igual. “O Mateus é muito desen-

volvido, mas sempre vai depender de mim.

Me dói saber que pessoas com deficiência

intelectual não têm os mesmos direitos,

porque nunca serão condutores.” Já Marcelo reclama da falta de divul-

gação da isenção, que soube por meio de conversas com outros pais de crianças com autismo. “O desconhecimento é total. Além de não ser divulgado, o médico do SUS tam-bém não sabia, achou que a gente queria se aproveitar da situação”, conta. Apesar dos contratempos, o engenheiro elogia o siste-ma de isenção de rodízio, concedido em São

“Fui ao melhor oftalmologista da América Latina, e mesmo assim tive que passar pelo médico do SUS, o que atrasou o processo em dois meses”, conta ele, que acha que a lei deveria ser menos burocrática.

A mãe e condutora de Rodolfo, Sílvia Diniz Simões, que dirige há 40 anos, só soube do benefício pela con-cessionária. Ela se queixa do descaso com as políticas públicas. “Essas leis, que são realmente necessárias, são esquecidas pelos deputados, que devem atuar

para facilitar a vida de quem precisa”, afirma ela. mateus com o pai, marcelo Guidetti

Conduzido pela mãe, rodolfo teve problemas com laudos

Fui AO melhOr OFTAlmOlOGisTA

dA AmÉriCA lATiNA, e mesmO

Assim Tive que pAssAr pelO

mÉdiCO dO sus, O que ATrAsOu

O prOCessO em dOis meses

– rOdOlFO emCke

Page 4: Revista incluir 10   negócios & economia

33revista incluir • março/abril 2011

Paulo. “Você vai até o Detran, eles registram a placa, depois de um mês você liga de volta para saber se está habilitado e pronto, não precisa fazer mais nada.”

Foi em um feirão de automóveis que a contadora Márcia Machado de Souza Muchak, 43 anos, e o mo-torista Edison José Muchak, 36 anos, souberam do di-reito ao desconto na compra do carro. Pais de Vanessa, 9 anos, que tem paralisia cerebral, eles foram informa-dos por um vendedor sobre o benefício.

Moradores de São José dos Pinhais, cidade da Grande Curitiba (PR), eles iniciaram a peregrinação pelos bancos em busca de financiamento, sem suces-so. “Desde fevereiro do ano passado estamos corren-do atrás disso, eu trabalho na área financeira, liguei para gerentes que conheço e nenhum banco financia para menor de idade. Eles disseram que sem renda

não tem como cobrar”, diz Márcia. Sem ter condições financeiras para comprar à vista, o casal optou por fazer o consórcio de um Ford Fiesta 2011, mas ainda não recebeu o veículo. “Não há uma linha na lei permitin-do que o carro seja financiado independen-te da idade da criança. A meu ver isso é uma falha para a pessoa que tem direito a isen-ção. Mesmo assim foi um processo muito longo e, enquanto o carro não sai, usamos o do meu sogro para transportá-la, mas é complicado”, diz Márcia.

O que diz a leiAlgumas das questões burocráticas rela-

cionadas à isenção estão diretamente liga-das à segurança da pessoa com deficiência. Uma delas é a obrigatoriedade do benefício ser concedido somente a cada dois anos. Mara Massa explica que se não fosse assim, poderia haver golpes quando o comprador quisesse vender o veículo. “O carro fica intransferível. Se a pessoa quiser vender, tem que recolher esses impostos que foram isentos, senão viraria um comércio. Alguém poderia tirar o carro com isenção e vender amanhã com o preço de mercado.” >

mara massa, responsável pelo honda Conduz na hville

Concessionária honda oferece test-drive especial

Page 5: Revista incluir 10   negócios & economia

34 revista incluir • março/abril 2011

Éder luiz, auxiliar de inspeção

Gilmar Firmino conta que há alguns anos partici-pou de uma comissão que discutiu o aumento de exi-gências na compra, já que era comum pessoas de má fé oferecerem dinheiro para pessoas com deficiência, sem condições financeiras, comprarem o carro com as isenções, sem pensar que em caso de acidente ou qualquer fatalidade, quem iria responder não era o condutor, mas o beneficiário. “A ideia da isenção é esta: fazer com que a pessoa seja incluída na socieda-de, não para que outros tirem proveito.”

De acordo com o artigo primeiro da Lei 8.989, além dos diversos tipos de paraplegia, má formação e amputações, são consideradas deficiências físicas determinadas sequelas de artrite reumatoide, artrose, Acidente Vascular Encefálico (AVE); esclerose múlti-pla, mastectomia, nanismo; Lesão por Esforço Repe-titivo (LER), poliomielite, tendinite crônica, câncer e mal de Parkinson.

Para conseguir a isenção, no entanto, a pessoa de-verá passar por um médico credenciado do sistema público ou SUS, e após analisar cada caso, este dirá se ela terá ou não direito, dependendo do grau de com-prometimento da mobilidade.

A advogada Luciana da Fontoura Rodrigues, especia-lista em Direito das Pessoas com Deficiência Física, Di-reito Constitucional e do Trabalho, afirma que a inclusão

social deve ser pensada como uma questão le-gislativa e de aplicação das políticas públicas e diz que os princípios da igualdade e da in-tegração social devem ser respeitados. “Neste caso específico, é de extrema urgência que a União e os Estados Membros da Federação reconheçam a isenção do IOF e do ICMS para os não condutores, a fim de efetivar o princí-pio constitucional da isonomia.”

Ainda segundo ela, os gastos que uma família tem com o não condutor são altís-simos, o que muitas vezes os obriga a con-tratar um motorista particular para que a pessoa tenha acessibilidade. Luciana reco-nhece a falta de uma campanha de cons-cientização, e por isso frisa a importância do treinamento de qualidade para consul-tores de vendas nas concessionárias.

“Nos casos mais difíceis, recomenda-se que o comprador entre na justiça para que seus direitos sejam respeitados. Tendo em vista que não há no momento projeto de lei que busque a equiparação entre condutores e não condutores, indica-se que ele procure o Poder Judiciário em busca da igualdade e da integração social”, conclui.

A advogada luciana Fontoura rodrigues

Serviços:Honda Hville:(11) 4196-4444 / www.hville.com.br

Toyota New Collection: Tel.: (11) 3283-1000www.collectionmotors.com.brwww.toyotainclui.com.br

Luciana da Fontoura Rodrigues: Tel.: (41) [email protected]