Revista Morador de Rua

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Trabalho de conclusão de curso Jornalismo - 2009 UNISANTA Aluno Willian Belarrmino Orientação Helder Marques

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EditorialEditorial

Explorar e principalmenteinformar à sociedade o pro-blema que é a vida de ummorador de rua, são um dosobjetivos desta publicaçãoda Revista Morador de Ruaedição especial. O conteú-do base para a realizaçãodas matérias não poderia seroutro: histórias de pessoasque vivem à margem de umasoc i edade que desp rezaseus direitos de cidadania.Instituições, ONGs e pesso-as envolvidas em ações so-ciais, que contribuem parauma sociedade mais digna esem preconceitos.

Nesta edição especial sãoapresentadas aos leitores di-versas opiniões de profissi-onais relacionados a Servi-ços Sociais da cidade deSantos como: coordenadoresde Instituições e ONGs, psi-cólogos, assistentes sociais,pedagogas, conselheiras tu-telar e voluntários. É de ex-trema importância destacarque a opinião dos morado-res em situação de rua, sãoabordadas e discutidas nasentrevistas. Com base nosprincípios do Jornalismo, aedição e a linha editorialdesta revista, mantiveram apreocupação em abordar osdois lados da moeda: a vi-são daquele que defende ou

é contra moradores de rua eos próprios moradores.

O tema população de ruafoi escolhido devido o au-men to nos ú l t imos anosdesses indivíduos na cida-de, que obteve abrangêncianacional, sendo assuntos deprogramas e documentáriosde TV. Além, de ser umaquestão de interesse que en-volve a sociedade como umtodo.

A solidariedade e respon-sabilidade daqueles que al-mejam um futuro melhorpara es ta população sãomarcas desta revista, quetambém mostra como vocêleitor pode se tornar um vo-luntário.

Editor de texto e gráfico: Willian BELARMINOCoordenação geral: Orientador Helder MARQUES

Reportagem: Willian BELARMINOEdição de arte: Willian BELARMINO

Fotografia: Willian BELARMINO e Deborah PENIGRENETTI

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AAs pesquisas foram realizadasatravés da Secretária Municipalde Assistência Social com a co-ordenação da Chefe do Depar-tamento de Atendimento à Pes-soas em Situação de Rua,Mirian Aparecida Della Casa,além dos funcionários da Secre-tária, a ação teve a colaboraçãode profissionais de outras áre-as como da Saúde e Segurança,professores e alunos dos cursosde Fisioterapia, Fonoaudióloga,Psicologia, Serviço Social e Te-rapia Ocupacional, da Univer-sidade Federal de São Paulo(Unifesp), também auxiliaram

ESQUECIDAUma populaçãoUma populaçãoESQUECIDA

O censo sobre a população em situação derua mostrou um crescimento de mais de13% comparado ao último levantamentorealizado no ano de 2006. Naquele ano onúmero de pessoas que moravam nas viaspúblicas da cidade era de 342, neste anoos números aumentaram para 388 WILLIAN BELARMINO

Panorama e PerspectivasPanorama e Perspectivas

do decorrer do levantamento.Este ano as pesquisas ocor-

rem na primeira quinzena domês de maio, diferente do últi-mo censo que ocorreu no finaldo mês de agosto.

O censo foi dividido em trêsetapas, a primeira foi com a de-finição dos lo-cais, análisedos questi-

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Foto: Willian Belarmino

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onários e a capacitação dospesquisadores. “Para obterum resultado preciso e eficaz,oferecemos para nosso grupoum estudo detalhado dandoinformações sobre aquela po-pulação”, disse Mirian . Nasegunda etapa começaram aspesquisas de campo, foram nototal 20 equipes, cada umacom três componentes todasacompanhadas por guardasmunicipais, os grupos foramdivididos nas quatros áreas dacidade: Zona Noroeste, Inter-mediária, Orla e Central. Aterceira e última etapa foi res-ponsável pela tabulação efinalização dos dadoscoletados. Para Mirian, o re-sultado deste censo foi o maisreal possível, o número deequipes dobrou e a quantida-

de de horas nas pesquisas au-mentaram de 5 para 6 horas.

O levantamento mostrounovamente que é na Área Cen-tral da cidade que se concen-tra o maior número dessa po-pulação (48,3%), logo em se-guida a Área da Orla com31,6% e em terceiro lugar ficaÁrea da Zona Intermediáriacom 18,2%.

Segundo o censo deste ano,89,5% dos entrevistados sãodo sexo masculino, com ida-des entre 30 a 49 anos(54,9%), entre 50 a 59 anos(17,8%), com idades entre 22a 29 anos (14%). Mais da me-tade dos entrevistados nasce-ram na cidade de São Paulo(64,3%), cerca de 80% nãosão de Santos, porém, hojevivem na cidade santista e

48,3%

1,7%

31,6%

18,2%

Área da Zona Noroeste(Chico de Paula, Alemoa,Rádio Clube, Piratininga,Bom Retiro, Santa Maria,São Jorge , Areia Branca eCaneleira)

Área Central (Vila Mathias, Vila Nova,Centro, Paquetá, Valongo e Saboó)

Área Intermediária (Marapé, Vila Belmiro,Estuário, Macuco, Campo Grande e Encruzilhada)

Área Orla (José menino, Pompeia,Aparecida, Ponta da Praia, Embaré,Boqueirão e Gonzaga)

DADOS DA PESQUISA

Por região

Sexo

10,5%

Homens89,5%

Mulheres

Fonte: Censo da População em situação de rua - 2009, da Secretária Municipal de Assistência Social

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Panorama e Perspectivas

mais de 65 anos

Idade4,3%

4,8%

17,8%

4,1%

14%54,9%

entre 18 e 21 anos

entre 60 e 64 anos

entre 30 e 49 anosentre 22 e 29 anos

entre 50 e 59 anos

Motivos que o levaram para a rua

1,4%ameaça/ violência

17,7%desemprego

16,4%problemas familiares

16%alcoolismo ou drogas

12,6%separação ou decepção amorosa

12,4%perda de moradia

5,4%trabalho

3,4%opção própria

1,8%tratamento de saúde

apenas 17,9% são nascidos nacidade. Mais de 30% morado-res estão na cidade há mais de5 anos, 27% sempre viveramnesta cidade e 19,1% estão nacidade há menos de 6 meses.

Os resultados do censoclassificaram os principaismotivos que fizeram dos mo-radores em situação de rua, vi-verem em condições desuma-nas. Para 17,7% dos entrevis-tados o desemprego foi a ra-zão de irem morar nas ruas,para 16,4% problemas comparentes e familiares, 16% porenvolvimento com o mundodo alcoolismo ou drogas e12,6% por separação ou de-cepção amorosa. Para a psicó-loga que estuda o comporta-mento dessa população, ElisaBelarmino dos Santos, de 42

anos, a maioria das pessoasque estão passando por expe-riências iguais a essas, podemser influenciadas de formabastante negativa. “Muitasnão estão preparados para taltransformação que vai além,de um teto para se morar.Fatores relacionados à cida-dania e igualdade social en-tre outros assuntos tambémsão alterados”.

“A crise mundial afetou edesestruturou a vidas de muitos.Infelizmente, é cada vez mais co-mum assistir no noticiário umamatéria sobre conflitos envol-vendo pais e filhos. A violên-cia muitas vezes está dentro decasa. Por isso muitos, decidemsair de suas residências e co-meçar uma nova vida, nasruas”, disse a psicóloga.

8 MORADORES DE RUA / 2009

Panorama e Perspectivas

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Tempo que está em Santos

32,5%mais de 5 anos

19,1%

de 6 meses a 2 anos

menos de 6 meses27%sempre viveunesta cidade 9,8%

de 2 a 5 anos

9,3%

Por que veio para Santos

tratamento de saúde

47%procurar emprego

12,2%desavenças familiares

5,7%acompanhar familiar

2%

Cidade de origem

20,5%Santos

8,9%São Paulo

3,2%São Vicente

3%Guarujá

1,4%Campinas

Local que tomam banho

25,5% Albergue Noturno e Plantão Social

21,1% Banheiro público

16,7% Bhuveiro / chafariz de praça

7,7% Rua

Raça /cor declarada

47,5% Parda

35,6% Branca

16,6% Preta

5% Indígena

2% Amarela

Doenças

61,3% não têm doença

11,5% HIV

6,7% Tuberculose

4,9% Pneumonia

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De que maneiras esses in-divíduos sobrevivem tambémfoi assunto para a pesquisa.Para a aluna do Curso de As-sistência Social, da Universi-dade Federal de São Paulo(Unifesp), Juliane de Alencarque participou das entrevistascom os moradores em situaçãode rua, essa era uma das ques-tões mais importantes do ques-tionário. “Descobrir como eaonde eles se alimentam, comofazem para tomar banho, ecomo fazer para ganhar di-nheiro nas ruas. Essas sãoquestões que todos envolvidosnessa problemática social,

precisam ter conhecimento”.Cerca de 80% dos entrevis-

tados não se alimentam todosos dias, eles conseguem seusalimentos através de progra-mas assistenciais, pedindopara outros moradores de ruaou para estabelecimentos co-merciais. Para 28,6% dos en-trevistados o dinheiro que elesconquistam ao decorrer do diaé através do trabalho comocatador de material reciclado,13,3% cuidam de carros, po-pularmente conhecido comoflanelinha e 11,2% trabalhamcomo pedreiros em constru-ções civis.

Foto: Deborah Pellegrinetti

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Foto 1. Senhora moradora de rua, no Bairro do Gozangua.Foto 2. À procura de alimento, morador de rua mexe no lixo,

Orla da Praia. Foto 3. A noite morador de rua dormi nochão,na Avenida Conselheiro Nébias.

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Panorama e PerspectivasPanorama e Perspectivas

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O local onde eles costu-mam tomar banho tambémfoi perguntado aos morado-res, a entidade SociedadeAmiga dos Pobres - AlbergueNoturno e o Plantão Socialsão as primeiras opções deescolha para os moradorescom 25,5%, em seguida vembanheiros públ icos com21,1%, chuveiros e chafarizde praças vem em seguidacom 16,7% e para 7% dos

moradores a própria rua é olocal para o banho.

Além disso, o levantamen-to apontou que menos da me-tade dos cidadãos estão emorganizações não-governa-mentais (ONGs), 83 delas es-tão em abrigos públicos (63no Plantão Social e 20 noAbrigo Provisório) e 36 emorganizações não governa-mentais (24 no Albergue No-turno e 12 na Missão Belém).

O que faz para ganhar dinheiro na rua?28,6% Catador de material reciclável

13,3% Cuida de carros/ flanelinha

11,2% Construção civil/ pedreiro

7% Pede dinheiro

6,5% Carregador/ estivador

4% Limpeza

1,9% Aposentado

NÚMEROS DA PESQUISA

Completou os estudos até que série?

67,5% Ensino Fundamental

19,2% Ensino Médio

5,5% Nunca estudou

3,8% Ensino Superior

Documentos

55,6% Possuem algum tipo de documento e

desses, 85% possuem RG, 20% possuem

CPF, 63,5% possuem título de eleitor e

19% carteira de trabalho

Como consegue seus alimentos?27,3% Programas assistenciais

23,8% Compram com seu próprio dinheiro

19,5% Pedem para pessoas nas ruas

18,4% Pedem em estabelecimentos comerciais

11,5% Pedem em residências

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Ação SocialAção Social

Há quem diga, que anjos da guarda, nãoexistam que isso tudo não passa de umailusão da nossa mente. Para os religiosos,eles são os responsáveis a nos conduzirao caminho certo e seguro, eles podemser chamados de espírito protetor,guias ou anjos da guarda. Mas, narealidade o que é ser um anjo da guarda?Ou, o que é ter um anjo da guarda aoseu lado?

Há quem diga, que anjos da guarda, nãoexistam que isso tudo não passa de umailusão da nossa mente. Para os religiosos,eles são os responsáveis a nos conduzirao caminho certo e seguro, eles podemser chamados de espírito protetor,guias ou anjos da guarda. Mas, narealidade o que é ser um anjo da guarda?Ou, o que é ter um anjo da guarda aoseu lado?

OS ANJOS DA

GUARDA

OS ANJOS DA

GUARDA

WILLIAN BELARMINO WILLIAN BELARMINO

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SSantos é a cidade da BaixadaSantista que dispõe do maiornúmero de casas e abrigosvoltados para a população derua. Fornecendo alimentação,higienização, atendimentomédico e local para dormir.Entre as entidades não gover-namentais estão o AlbergueNoturno e Missão Belém, enos abrigos públicos como oPlantão Social e o Abrigo Pro-visório que auxiliam essa po-pulação carente.

Ações Sociais – Em San-tos a idéia de criar um espaçovoltado para os moradores derua surgiu a após a I GuerraMundial, quando centenas depessoas foram mortas duran-te as batalhas. Quem sobrevi-via procurava um lugar parareconstruir suas vidas. Para oseuropeus, a solução era mi-

grar para a América, em es-pecial para o Brasil, que naépoca recebia muitos imi-grantes trabalhadores.

O Porto de Santos foi umdos locais responsáveis pelodesembarque desses imigran-tes vindos de vários países domundo. A generosidade dopovo santista em relação à po-pulação de rua fez com que secriasse uma instituição queatendesse esses imigrantes ne-cessitados. Fundada em 7 deabril de 1.916, a SociedadeAmiga dos Pobres – AlbergueNoturno, já acolheu mais de3 mil moradores de rua, da ci-dade e região e até estrangei-ros desde sua inauguração.Com o final da Guerra, em 11novembro de 1918, o Alber-gue Noturno passou a ser umlocal para abrigar somente

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Ação Social

brasileiros que viviam nas ruasda cidade.

Após 90 anos de existên-cia, a entidade continua seutrabalho de acompanhar osmoradores em situação de ruacom profissionais das áreas dasaúde e educação, fornecendodiariamente três refeições,higienização, vestes e localpara dormir. Para a assistentesocial Rosalice Rosário, seutrabalho é como uma terapiaespiritual. “Nossa alegria éver que ex-moradores de ruaconseguiram um emprego e fi-nalmente, vão sair desse mun-do. É uma satisfação imensasaber que pude ajudar essaspessoas a reencontrarem umanova vida”.

Hoje o quadro de funcio-nários do Albergue é compos-to por 13 integrantes, que sedividem nas funções de assis-tente social, secretária, cozi-nheira, guarda, atendente evoluntários. Rosalice diz quea equipe ainda é pequena, po-rém, a união e o trabalho detodos são de tamanhosimagináveis. “Temos carinho

e respeito pela vida de cadamorador de rua. Nosso obje-tivo é dar acolhimento paraessa população, estimularque eles retornem para suascidades locais, encaminharpara policlínicas e hospitais,se for necessário, e dar umlar provisório até que elesconsigam retomar suas vidasnormalmente”.

O Albergue atualmente tema capacidade de atender 60moradores em situação de rua,entre eles 40 do sexo masculi-no e 20 feminino. Diariamen-te são fornecidas três refeiçõesao albergados, que já tiveram

Acolher e estimularos moradores emsituação de rua àretornarem para

suas cidadeslocais. Oferecendoum lar provisóriocom alimentação ehigienização são os

objetivos doAlbergue Noturno

Rosalice Rosário

Assistente social

Entidade que há mais de 90 anos atende moradores em situação de rua

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Ação Social

Foto: Willian Belarmino

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seus nomes na lista da entida-de. Eles podem permanecer nolocal usufruindo das ativida-des empregadas durante cincodias corridos contando a par-tir da noite que ele chega. Ago-ra se nesse período ele conse-guir um emprego de carteiraassinada e a empresa forneceruma declaração que o próprioesta trabalhando em horáriocomercial e irá receber seu sa-lário, nos abrimos uma exce-ção e deixamos ele permane-cer até o dia do seu pagamen-to, afirma a assistente.

Para alguns moradores derua a entidade é comparada aoregime militar, onde é obriga-do a respeitar as regras e oshorários das atividades, caso omesmo não respeite, ele é con-vidado a se retirar do abrigo.E os horários são: às 19 horaschegada dos moradores e o pe-ríodo de todos tomarem banho,19h20 é servido à janta, 20hhorário para dormir, 6h horá-rio para acordar e tomar banho,7h servido o café da manhã, 8hhorário para todos saírem doAlbergue para procurar empre-go, só é permitido a permanên-cia de mulheres grávidas ou

aquelas que estão amamentan-do ficar no abrigo durante esseperíodo, 11h chegada dos al-bergados para o almoço, 11h15servido o almoço, 11h45 elessaem novamente a procura deemprego e a noite é aberto no-vamente para receber os mo-radores de rua para janta.

Para o ex-faxineiro e atualmorador de rua, Paulo CésarNicolau, 37 anos, as pessoas quetrabalham nesses abrigos sãocomo verdadeiros anjos da guar-da. “Eu perdi tudo! É no abrigoque eu me alimento, tomo ba-nho e consigo dormir”. Paulonão completou os estudos, pa-rou na 3ª série do Ensino Fun-damental. Encontra dificuldadena leitura e sabe escrever ape-

Não posso ficar noalbergue por muitotempo. Mas, estou

procurando trabalho,mas é difícil, as

pessoas não gostamdos moradores de

rua. Me olham comolhar de leão

Paulo César Nicolau,37 anos (morador de rua)

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Com sua carroça Paulo segue sua vida com a ajuda das entidades

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nas o nome. É morador de ruahá 13 anos e separado da mu-lher há 10. Tem duas filhas:uma de 15 anos e outra de 7.

Nascido em Santos, foi cri-ado pela mãe e pelo padrasto.Com apenas 6 anos, foi força-do a trabalhar como flanelinha.Apanhava com freqüência. De-pois que a mãe morreu, o pa-drasto o expulsou de casa. Pau-lo começou a pedir dinheiro ecomida nas ruas. Jáperambulou por Praia Grande,São Vicente e Cubatão. Atual-mente, fica em Santos e traba-lha como catador de materialreciclável.

Mesmo sem endereço fixo,sua alimentação e higiene têmhora e data marcada. É a se-gunda vez que Paulo é alber-gado na entidade SociedadeAmiga dos Pobres – AlbergueNoturno de Santos. “No mês demarço, fiquei aqui quatro diasaté conseguir emprego comofaxineiro no Centro. No come-ço, estranhei, porque aqui temhorário para tudo: comer, to-mar banho, acordar, dormir...

Mas, com o tempo, me acostu-mei. Sei que não posso ficar noalbergue por muito tempo. Mas,estou procurando trabalho, masé difícil, as pessoas não gostamdos moradores de rua. Meolham com olhar de leão”.

Outra entidade que atendeessa população é o Centro Es-pírita “Ismênia de Jesus”. Aentidade distribui há mais de70 anos, almoço e orientaçãoreligiosa com base no espiri-tismo com o ajuda de doaçõesafirmou o Coordenador Geraldo Prato de Sopa, José CarlosFerreira. “Antes, não tínhamosmuita ajuda, a quantidade depessoas que nós podíamosatender era pouca, em médiade 60 a 70 pessoas. Hoje, re-cebemos o apoio da Prefeitu-ra e de alguns supermercadosda cidade, que fornecem ma-teriais higiênicos como pastae escova de dente, absorven-te, barbeador, xampu e sabo-netes. Três vezes por semanarecebemos doações de açou-gues e padarias, e com essaajuda hoje atendemos mais de160 moradores em situaçãode rua diariamente”.

E não foi somente o comér-cio que começou ajudar, como passar dos anos a comunida-

Atrás, com colete azul claroestá o Coordenador Geral do Pratode Sopa, José Carlos Ferreiraao seu lado a equipe de voluntáriosdo Ismênia de Jesus

Ação Social

Alguns de nossosvoluntários doamde 30 minutos à 2horas de seu dia,

para ajuda pessoasdesconhecidas.

Além, de doar seutempo, eles doamamor e carinho

José Carlos Ferreira

Coordenador Prato de Sopa

16 MORADORES DE RUA / 2009

Foto: Willian Belarmino

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de local, se comoveu com apopulação de rua, e decidiu co-laborar com mais intensidade.Hoje, o Centro Espírita, têm144 funcionários, entre coor-denadores, secretários, cozi-nheiros, faxineiros e voluntá-rios. “Cerca de 80% de nos-sos funcionários, começaramcomo voluntários na entidade.Alguns doavam 30 minutos,outros 1 ou até 2 horas de seudia, para ajudar pessoas des-conhecidas, e hoje eles doammuito mais do que horas doseu tempo, eles doam amor ecarinho”, disse o José.

Para aposentada, SilviaMoreira Ferreira, de 57 anos,poder ajudar pessoas que ne-cessitam faz com que ela sin-ta-se mais útil em sua vida.“Trabalho na área de serviçosocial há 15 anos, antes eu sen-tia um enorme vazio no peito,agora eu sinto uma alegria quenão tem como explicar”.

Silvia já trabalhou durante2 anos em penitenciarias daBaixada Santista, ela fazia oacompanhamento espiritualdos presos. Para Silvia, essaexperiência fez com que suavida tivesse um novo sentido.“Quando eu era pequena eujamais imaginava trabalharcom presos ou com moradoresde rua, mas quando descobrique meu filho mais velho de27 anos, tinha se envolvidocom drogas, minha vida mu-dou. Quando meu marido mefalou que nosso filho tinhasido preso minha vida setransformou por completo”.

O filho da aposentada estána cadeia há 6 anos, foi nessaépoca que ela começou a tra-balhar com presidiários e mo-

radores de rua. Ainda faltam2 anos para o filho de Silviapegar liberdade, enquanto issoela trabalha como voluntariano Ismênia de Jesus. “Quemtrabalha com essas pessoasaprendem o verdadeiro valorda vida”.

Com alegria no rosto aaposentada Silvia trabalha

como voluntária na entidade

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MORADORES DE RUA / 2009 17

HISTÓRIA

Para o estudioso francêsHippolyte Léon DenizardRivail, mais conhecido comoAllan Kardec, idealizador dadoutrina espírita, todos nóstemos bons espíritos vinculadosàs nossas vidas, desde onascimento até a morte, com oobjetivo de nos proteger.

Aqui no Brasil, a expressão“anjo da guarda”, é popularmenteconhecida quando pessoasenfrentam o perigo de perto, eencontram uma mão disposta aajudar. Seja no acidente de carro,um assalto ou quando perdemtudo o que têm, casa, comida,família, e a única solução queencontram são os obscuroscaminhos das ruas.

Quem trabalhacom essas pessoas

aprendem overdadeiro valor

da vida

“ “

Silvia Moreira Ferreira

57 anos, Voluntária

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Foto: Willian Belarmino

Foto: Willian Belarmino

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QUATRO PESSOAS COM HISTÓRIAS DE VIDA DIFERENTES,MAS TODAS COM O MESMO IDEAL

SAIR DO MUNDO DAS RUAS WILLIAN BELARMINO

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Não tínhamosnenhum parenteaqui no litoral,nossos pais já

estavam mortos.O jeito foi pedir

dinheiro nas ruas

José Mendes de Carvalho32 anos (ex- mecânico)

Capa - MORADOR DE RUA

20 MORADORES DE RUA / 2009

Quando as luzes do comercio seapagam, é a hora de ir em buscade um lugar protegido para anoite. Se não puder na marquiseda loja ou do prédio, os bancosdas praças, embaixo dos viadu-tos ou mesmo no chão geladodas calçadas. Pode fazer sol ouchuva, em qualquer época doano, os bairros do centro da ci-dade são disputados por muitosmoradores em situação de rua.Muitas vezes eles dividem oespaço com ratos e baratas, alémde enfrentar o mau cheiro e osriscos da violência urbana.

Para eles a vaidade não temlugar no cotidiano de quem vivenas ruas. Roupas rasgadas e su-jas, muitas delas são doações deentidades que auxiliam essa po-pulação, outras são doações dospróprios companheiros da rua.Escovar os dentes ou pentear oscabelos são atitudes de poucos,

que não estão preocupados comaparência. Para alguns a águavinda do céu, é água responsá-vel pelo banho e pela lavagemdas roupas.

A vida de um ex-mecânico,um jogador de futebol que apo-sentou as chuteiras, um profes-sor de inglês que não dá maisaulas e uma jovem órfã, sãotraçadas por um destino. Vivernas ruas de Santos.

“Não tínhamos nenhum

parente aqui no litoral, nossos

pais já estavam mortos. O jeito

foi pedir dinheiro nas ruas”.

Após ser mandado emborada empresa onde trabalhavacomo mecânico na cidade deCosmópolis, interior de SãoPaulo. Jose decidiu procurarum novo lugar para morar jun-to com seu irmão Pedro

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MORADORES DE RUA / 2009 21

“Não éramos ricos,mas também não

éramos pobres

Vitor de Almeida 52 anos (ex-jogador de futebol)

Henrique de Carvalho, de 39anos. A cidade escolhida dosirmãos para encontrar umaoportunidade de emprego foiSantos.

Nos primeiros meses nanova cidade, pernoitavam emum hotel no Centro. Duranteum mês, trabalharam como gar-çons em um restaurante na orlada praia. Com o passar do tem-po o dinheiro acabou.

Mesmo juntando o meu sa-lário com o do meu irmão nãodava para permanecer naque-le local. Tivermos que sair.Achamos outro hotel mais ba-rato, com a diária de R$35,00.Ficamos lá, por duas semanas.Não tínhamos nada de luxo,era apenas uma cama, um ar-mário, uma geladeira quebra-da e água fria. Ficamos semdinheiro e acabamos sendo ex-pulsos. Daí em diante, minhavida tornou-se um inferno.

Não tínhamos nenhum pa-rente aqui no litoral, e nossospais já estavam mortos. O jei-to foi pedir dinheiro nas ruas.

Com a esperança de recons-truir suas vidas os irmãos, ti-veram que se adaptar com anova situação. Pela manhã, elespediam dinheiro nos semáforosna Avenida Ana Costa, e a noi-te, catavam papelão no Centro.

Jamais imaginei que iriapassar por isso. Saí da minhacidade pensando que ia con-seguir um emprego no Por-to de Santos. Mas não con-segui.

O mais difícil não é terum lugar para morar oupara passar a noite. O pioré sentir fome e não ter nadapara comer. Nunca tinhapassado fome na minha

vida. Não ter o que comer medeu uma sensação de desespe-ro, mas com o tempo nosso cor-po se acostuma a comer pou-cas coisas durante o dia.

Apesar de desempregados,José e seu irmão não pensamem voltar para o interior. So-nham em concluir o EnsinoMédio e, com isso, procurar umnovo emprego.

Morar nas ruas não é fácil.Meu irmão já pensou em até sematar. Sei ler e escrever, sou umcara esperto. Logo que conse-guir um bico, saio das ruas.

“Não éramos ricos, mas

também não éramos pobres”.

O fim de um relacionamen-to de 25 anos fez com que Vitormudasse sua vida por comple-to. Ele é pai de duas moças,Rita de Cássia, de 22 anos, eJanaína de Almeida. de 19anos. O ex-jogador de fu-tebol e atual morador derua sofre ao lembrar que játeve uma família de verda-de. Como catador de ma-terial reciclável, ganhacerca de 8 reais por dia.

Morávamos no bair-ro da Encruzilhada,nossa família era lin-da. Não éramos ri-cos, mas também

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Page 22: Revista Morador de Rua

não éramos pobres. Minhas fi-lhas são estudadas. Eu que nãocompletei a escola.

Vitor se casou com a dona decasa Maria do Socorro, de 48anos. Desde o tempo de namo-ro, Maria brigava com ele porcausa da bebida. Já na adoles-cência, Vitor sofria com o alco-olismo. Após o fim do casamen-to, as coisas começaram a pio-rar.

Gosto de beber e ela não gos-tava, aí nos brigávamos. Certavez, ela me viu jogado na portade um bar. Depois daquele dia,ela me proibiu de voltar paracasa. Comecei a xingá-la e apolícia apareceu. Fiquei presopor dois dias. Quando volteipara casa, ela estava vazia.Minha esposa foi morar comminhas filhas na casa da irmãdela, em Praia Grande.

Fiquei um tempo na casa deum amigo. Mas os filhos dele

não gostavam de mime tive que ir embora.Já tentei conversarcom minha mulher,mas ela não quermais falar comigo.Minhas filhas tam-bém não gostam

mais de mim. Sem outra alter-nativa, fui viver minha vida so-zinho.

Os companheiros da ruaafirmam que Vitor batia namulher e nas filhas quandoestava bêbado. Vitor nega es-sas informações.

“Meu pai me bateu com

cabo de ferro”.

Caçula de quatro irmãos,Paulo sentiu na pele a dor de serrejeitado pelo pai ainda na ado-lescência. Fernando Martins,então caseiro de uma igreja noCentro, educava os filhos so-zinho. Sua esposa morrera emum acidente de carro, doisanos depois que Paulo nasceu.Os estudos sempre foram pri-oridades na criação dos filhos.Todos estudavam em colégioparticular e faziam cursos deinglês e espanhol.

Quando Paulo completou17 anos, seu pai o expulsou decasa. Ele descobriu que o fi-lho era homossexual.

Meu pai já desconfiava,mas nunca ‘dei bandeira’. Umdia, ele me viu com um rapazno Centro. Com um cabo deferro, ele foi me batendo naspernas e nas costas até emchegarmos em casa.

Paulo resolveu morar comsua avó em Guarujá, onde per-maneceu por dois anos, até suaavó falecer. O jovem ainda ten-tou convencer seu pai e seus ir-mãos a deixá-lo voltar para casa,mas o pai recusava-se a falar comele. Sem a ajuda e a compreen-são da família, que também eracontra a sua posição sexual, ojovem ficou desesperado.

Não sabia para onde ir, até

“Meu pai mebateu com umcabo de ferro

“Paulo Santana Martins Júnior

33 anos (ex-professor de inglês)

Capa - MORADOR DE RUACapa - MORADOR DE RUA

Page 23: Revista Morador de Rua

MORADORES DE RUA / 2009 23

pensei em me matar. Felizmen-te, alguns amigos me incentiva-ram a procurar emprego comoprofessor de inglês.

Paulo começou a entregarseu currículo em escolas deSantos, São Vicente e PraiaGrande. Algumas semanasdepois, foi chamado para fa-zer uma entrevista e conse-guiu o emprego numa escolade idiomas em Santos. Ele ti-nha doze alunos por semestree seu salário mensal era deR$750,00. Com o passar dotempo, Paulo conseguiu alu-gar um apartamento no canal2 em Santos.

Quando o contrato de lo-cação do imóvel expirou, eleprecisou sair do imóvel. Pau-lo conseguiu outro empregocomo garçom em um restau-rante em Santos, onde haviatrabalhado alguns anos atrás.Foi nessa época que ele se en-volveu com as drogas e pou-co a pouco, seu mundo foi setransformando.

Eu cheguei a pegar todomeu salário e gastar em ma-conha.

No final de 1999, ele teveuma briga com um cliente queo chamou de gay e os dois co-meçaram a brigar. A políciaapareceu e levaram os doispara delegacia. Depois desseconflito, Paulo foi mandadoembora pelo gerente do res-taurante.

Eu entregava meu currícu-lo para vários lugares, masnão era chamado nem parafazer a entrevista. Não bas-tasse perder o emprego, per-di tudo em dois meses. Tiveque sair do apartamento evender minhas coisas TV,

sofá, geladeira, fogão...Fiquei morando numa ca-

sinha na Encruzilhada, du-rante 1 ano. Mas, meu dinhei-ro tava acabando e não tinhaoutra solução, sem emprego,sem família sem nada. Tiveque ir para as ruas.

O primeiro dia que dormina rua foi horrível, o maucheiro e o frio era muito for-te. Fiquei com muito medo dealgo acontecer.

Já, são quase 7 anos moran-do nas ruas da cidade, se ali-mentando em entidades e as-sociações dormindo nas calça-das das praças e trabalhandocomo catador. Mesmo comtoda essa dificuldade, Paulocontinua a sonhar em deixaresse mundo e voltar ter o res-peito e a dignidade que ele ti-nha.

O que mais quero é que aspessoas me respeitem peloque eu sou e não pelo que eutenho. Preciso muito de umemprego, eu tenho experiên-cia, mas falta oportunidade.

“Minha família não me

quer nunca mais”.

A o s 3 a n o s d e i d a d e ,Mariana foi abandonada pe-los pais biológicos, que adeixaram num abrigo paracrianças. Sua infância foimarcada pela solidão e a fal-ta de um carinho familiar.Quando completou 5 anos,foi adotada por um casal deSuzano, São Paulo, infeliz-mente, o casal se arrepen-deu e devolveu Mariana aoa b r i g o . D o i s a n o s m a i starde, a menina foi nova-mente adotada por uma

Page 24: Revista Morador de Rua

famíl ia . Dessa vez , fo iMariana que não gostou danova mãe, que a surravaquase todas as noites. De-cidiu voltar para o abrigo.Foi escolhida por uma

nova família, quando ti-nha 10 anos. Era um

casal portugueses,com 20 anos de

casados, quemoravam emJundiaí. Eles játinham três fi-lhos, duas me-ninas, uma de15 e outra com12 e um meni-no com 7anos.

L e m b r odaquele d iacomo se fosseho je . Fo inuma manhã

de sexta-feira, 10de março de 2.000. Quandoeles olharam para mim, dis-seram: ‘Nós queremos ela’.Comecei a chorar de felici-dade.

Quando complete i 16anos, pedi para meus paisuma viagem para o litoral deSão Paulo. Tinha muito de-sejo de conhecer a praia.Mas, eles não deixaram. Osmeus irmãos já tinham idoviajar com amigos ou com aescola, eu era a única quenão tinha visto o mar ainda.

O desejo de conhecer apraia foi diminuindo com otempo, mas Mariana não dei-xava de economizar, guar-dando parte de sua mesadapara viajar a Santos quandocompletasse a maioridade.

No começo des te ano,

Mariana preparou suas malas,se despediu de seus pais e ir-mãos e desceu a serra, a bus-ca de uma nova experiência.

No primeiro dia, fiqueiquase o dia inteiro sentadana areia da praia olhando omar. Fiquei hospedada numhotel de frente para praia.Tudo era maravilhoso, o lu-gar, o sol as pessoas...

Os p lanos da Mar ianaeram de ficar 20 dias emSantos e vol tar para suacasa. Mas, seus planos mu-daram, quando ela foi assal-tada na segunda semana desua viagem, por dois ho-mens na orla da praia.

Eu perdi tudo, meus do-cumentos e dinheiro. Minhaprimeira reação foi l igarpara minha família. Mas,quando liguei minha mãedisse que não queria sabermais de mim. Como não ti-nha mais dinheiro tive quesair do hotel no mesmo dia,fiquei num abrigo durante anoite e de manhã fui procu-rar um outro lugar para fi-car.

Mariana chegou a ligarmais vezes para sua famíliaem Jundiaí, mas não obteveresposta. Então, ela foi for-çada a seguir seu rumo semajuda de sua família.

Durantes esses meses elajá ficou em vários abrigoscomo: Plantão Social e Al-bergue Noturno. Hoje ela tra-balha como flanelinha nosbairros do Centro de Santos,no final do dia ela consegueem média R$6,00. Para ela oque mais faz falta não é umacama ou algo para comer esim o amor de uma família.

24 MORADORES DE RUA / 2009

Capa - MORADOR DE RUACapa - MORADOR DE RUA

Mariana Ferreira Galvão19 anos moradora de rua

Minha família nãome quer nunca mais“ “

Page 25: Revista Morador de Rua

M

EntrevistaEntrevista - Bel Calil

Maria Izabel Calil Stmato,mais conhecida como BelCalil, tem doutorado em Psi-cologia Social pela PontifíciaUniversidade Católica de SãoPaulo (2008). Mestrado emPsicologia Socia l pelaPontifícia Universidade Ca-tólica de São Paulo (2001) egraduação em Psicologia pelaUniversidade de Mogi dasCruzes (1975). Hoje lecionapara alunos dos cursos dePsicologia, Serviço Social ePedagogia na UniversidadeCatólica de Santos, além deser supervisora do Núcleode Extensão Comunitária deSantos.

Com 34 anos de carreirasendo 30 voltados para cri-anças e adolescentes que vi-vem em condições precári-as. A psicóloga foi casadacom o psiquiatra DomingosStamato, militante do PT deSantos e ex-candidato a ve-reador. Stamato, faleceu aos58 anos (2005), o casal foiconhecido na região pelosserviços prestados a socie-dade, envolvendo os direi-tos das crianças e dos ado-lescentes. Ambos foram osresponsáveis na criação doprojeto “Meninos e meninasde Rua” que foi desenvolvi-do em duas cidades da Bai-xada Santista, Santos e SãoVicente. Em entrevista para

É necessário haver uma mudança cultural

WILLIAN BELARMINO

“ “

A psicóloga social Bel Calil afirma quea sociedade precisa ter mais compaixãocom seu próximo

a Revista Morador de Rua,Bel Calil conta o que apren-deu e quais foram suas mai-ores dificuldades ao decor-rer de 30 anos trabalhandocom a população de rua.

Foto: Willian Belarmino

MORADORES DE RUA / 2009 25

Page 26: Revista Morador de Rua

Quando e como surgiuseu interesse emdesenvolver um trabalhovoltado para a populaçãomais carente do Brasil? Du-rante o período de faculdade,em Mogi das Cruzes, meu in-teresse na área de psicologiainstitucional foi aumentandoaos poucos. Após, cumprir ashoras de estágio em hospitaispúblicos tive a confirmaçãoda área que eu futuramenteiria desenvolver e utilizartodo meu conhecimento ad-quirido na faculdade. Traba-lhei no Hospital GuilhermeÁlvaro, onde tenho um setorde psicologia até os dias dehoje. Foi neste local, meu pri-meiro contato com a popula-ção mais carente. Esse fase naminha vida foi inesquecível eprazerosa. Paralelo ao traba-lho no hospital, também co-mecei a dar aulas para crian-ças pobres , no BairroGuaianazes (Zona Leste deSão Paulo), que até hoje des-de aquela época o Bairro éconsiderado um dos mais vi-olentos da grande São Paulo.Aos poucos pude compreen-der que se eu tinha a possibi-lidade e principalmente a li-berdade de trabalhar comesse tema, porque não iria de-senvolver este trabalho (ri-sos). Via que essa seria maisuma missão na minha vida.

Como foi criado o projeto“Meninos e meninas de

Rua”? O projeto “Meninos emeninas de Rua”, foi uma ex-periência muito intensa na mi-nha vida. Tive que pensarcomo poderia utilizar os estu-dos da Psicologia, voltados

para a realidade das pessoasmais necessitadas. Eu e meumarido na época tínhamos oobjetivo principal de tentarresolver o problema da crian-ça e o adolescente nas ruas.Em 1983, surgiu a oportuni-dade de desenvolver este pro-jeto para meninos e meninasem situação de rua na cidadede São Vicente, onde tiveparticipação ativamente du-rante os dois anos que o pro-jeto vigorou.

Que tipo de ajuda erafornecida para aquelascrianças e quantas pessoasestavam envolvidas nesteprojeto? Com o crescimentodo projeto, víamos a necessi-dade de se criar um espaçopara atender essas crianças.Então, eu e meu marido cria-mos um centro de convivên-cia que funcionava como clí-nica para atender casos volta-dos para psicologia e psiqui-atria, escola para oferer cur-sos para profissionais recémformados e cooperativa de tra-balho social. Além, do meumarido como psiquiatra nóstínhamos também: uma assis-tente social e quatro educado-res responsáveis em desenvol-ver as oficinas recreativas eeducacionais. O projeto tevea parceria da Secretaria do Es-tado da Promoção Social.

Quais foram às principaisdificuldades de implantaro projeto na cidade de Mogidas Cruzes, cidade onde asenhora se formou? E comofoi seu retorno para Santos?Quando decidimos implantareste projeto em Mogi das Cru-

Pensar comopoderia utilizar

os estudosda Psicologia,

voltados para arealidade daspessoas maisnecessitadas

26 MORADORES DE RUA / 2009

Entrevista - Bel CalilEntrevista - Bel Calil

Page 27: Revista Morador de Rua

zes, encontramos em nossocaminho alguns obstáculos,como a falta de investimentopara questões sociais e difi-culdade de encontrar parceri-as que ajudassem a realizaçãodo projeto na cidade que na-quela época não desenvolvianenhum projeto semelhante.Apesar, das inúmeras dificul-dades conseguimos implantardurante um ano o projeto vol-tado para crianças que traba-lhavam como engraxates e ou-tros trabalhos de rua. Meu re-torno para cidade de Santosocorreu no ano de 1989, aconvite da Telma de Souza,prefeita da cidade naquelaépoca que me fez a propostade implantar no município oprojeto que já tinha sido rea-lizado em São Vicente.

Com base na experiênciacom trabalhos voltados acrianças e adolescentesmoradores de rua, épossível nos dias de hoje ummenino vive nas ruasdeixar este mundo? É qua-se uma missão impossível.Porém, essa missão se tornapossível , quando há umaunião de Políticas Públicas eforças de vontade de inseriressas crianças e adolescentesnas escolas. Embora, se falemal do Ensino desenvolvidopelas escolas do Brasil, as es-colas são políticas presentesem toda sociedade. Vocêpode ir num bairro da perife-ria e talvez, não encontraruma padaria, mercado ou umCentro de Saúde, mas, tenhocerteza que um colégio vocêvai encontrar. A maior difi-culdade de quem vive nas

ruas, seja ela criança ou adul-to é que a rua tem o poder deenlaçar as crianças e adultos,elas podem até sair das ruas,mas nunca a rua sairá delas.Este cenário em nossa regiãoé como uma guerra que infe-lizmente, ainda está longe determinar.

Como a escola pode ajudaressas crianças e adolescentesque estão a um passo demorar nas ruas. Para que nofuturo não se tornemmoradores em situação derua? As escolas precisam de-senvolver um trabalho maisinclusivo, não somente incluiros portadores de deficiência,mas de incluir esses meninosque muitas vezes são criançasque já trabalham comoflanelinha ou vendem docesnos semáforos e que a escolamuitas vezes trata como sefosse um nada. Infelizmente,muitos professores não estãopreparados e nem tem subsí-dios dos colégios para reali-zar um trabalho para essas cri-anças e adolescentes. Existehoje no congresso nacionalum projeto de lei para todasas escolas manterem uma as-sistente social e um psicólo-go, se este projeto for aprova-do os professores receberamum grande respaldo para edu-car os alunos.

É possível encontrar quemsão os verdadeiros culpadospara o problema dosmoradores em situação derua? Encontrar quem são osculpados é uma tarefa bastan-te difícil, quando a sociedadeprefere fechar os olhos do que

A rua tem o poderde enlaçar as

crianças e adultos,elas podem atésair das ruas,

mas nunca a rua sairá delas

MORADORES DE RUA / 2009 27

Page 28: Revista Morador de Rua

resolver este problema. No úl-timo censo realizado sobremoradores em situação de ruaem Santos, foi confirmadoque conflitos familiares sãoum dos principais motivospara eles saírem de suas ca-sas e irem morar nas ruas. Po-rém, não podemos generali-zar e dizer que a culpa e a res-ponsabilidade é da família,temos que olhar o que acon-teceu de fato com aquela fa-mília. Acredito que por trásde uma criança abandonada,existe uma família tambémabandonada pelas PolíticasPúblicas e pelo Governo. Arealidade é que vivemos numpaís corrupto e muitos aca-bam tirando vantagens dosmais necessitados.

Porque muitos delesescolhem a cidade de Santospara morar? A opinião dasenhora sobre as entidades,instituições e ONGs queatendem essa população?Muitos vêm para cidade embusca de melhores oportuni-dades de vida. Não podemosesquecer que Santos é a cida-de com o maior Porto da Ame-ricana Latina, e quando elesnão conseguem essa oportuni-dade muitos se desvinculam eacabam indo para as ruas.Santos é um ótimo lugar paraos moradores em situação derua, hoje a cidade desenvolveinúmeras ações sociais de en-tidades, instituições e ONGs.Mas, e necessário questionarque tipo de trabalho está sen-do realizado. O que adianta tervárias entidades oferecendoauxilio para esses indivíduose o número de moradores de

rua só aumentar na cidade? Asociedade precisa saber, atéque ponto o trabalho que estásendo feito por todas essasentidades não é um serviçoassistencialista que está sevoltando basicamente a man-ter uma fragilidade e depen-dência do morador de rua emSantos.

O que falta para sociedadecomeçar a entender erespeitar essa população? Énecessário haver uma mu-dança cultural. Nossa socie-dade é muito discriminativa,temos que começar a olhar eentender que atrás daquelehomem imundo, existe umahistória. A sociedade preci-sa ter mais compaixão nosentido de entender que seele esta na rua é porque temum motivo e ele precisa deajuda. E cada um tem seujeito de ajudar, dar uma rou-pa ou alimento, às vezes, nãoé a melhor ajuda e sim umaconversa um bate papo. To-dos precisam entender quefazemos parte da mesma so-ciedade que infelizmente, édesigual. Fazer essa pergun-ta para si mesmo: ‘Se eu te-nho muita coisa . Talvez,pelo fato de eu ter tanto dealguma forma pode havercom o fato da pessoa ao ladonão ter nada. Isso é ter umavisão mais igualitária, saberrespeitar a igualdade e as di-ferenças entre as pessoas éextremamente importante.Por fim, entender essas di-ferenças não como valorespositivos ou negativos, mascomo características subjeti-vas de cada ser humano.

Por de trás de umacriança abandonada,

existe umafamília também

abandonada pelasPolíticas Públicas e

pelo Governo

”28 MORADORES DE RUA / 2009

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DesempregoDesemprego

PROFISSÃO DA RUA

30 MORADORES DE RUA / 2009

Reprodução

PROFISSÃO DA RUA

Page 31: Revista Morador de Rua

U

Conseguir um emprego ou um bom saláriopara sobreviver no país, tem se tornadocada vez mais, uma tarefa para poucos. Porisso, muitas pessoas decidem viver atravésda mendicância, utilizando de artifíciosconhecidos pela sociedade e as ruas sãoos locais de trabalho para esses indivíduosWILLIAN BELARMINO

MORADORES DE RUA / 2009 31

“Uma ajudinha pelo amor deDeus” ou “Por favor, uma mo-eda para eu poder comer”. Fra-ses como essas são repetidasinúmeras vezes por aquelesque decidem sobreviver pe-dindo esmolas. Para obter al-gumas moedas, vale de tudo:abusar da infantilidade e dainocência de uma criança parapedir ajuda nas ruas da cida-de, andar durante horas entreos carros, enquanto o semáfo-ro está fechado para vendersaquinhos de balas e chocola-tes ou até mesmo pintar o ros-to, vestir uma roupa diferentee fingir ser uma estátua para ar-recadar dinheiro no final do dia.

Na Grande São Paulo, amendicância é algo presenteem diversos bairros do centroda cidade. Segundo a Prefei-tura, quatro em cada dezpaulistanos já doaram ou doa-riam esmolas para os mendi-gos se os mesmos pedissem,segundo levantamento realiza-do em 2005. Na BaixadaSantista, apesar de não existirnenhuma pesquisa semelhante,as opiniões de alguns morado-res de Santos demonstram quea realidade é similar.

“Dá um aperto no coração,

que não consigo dizer não.Sempre que posso, dou algu-mas moedas”, disse a enfer-meira Gabriella Tavares, de 31anos. Para o aposentado LuizCarlos Fonseca, de 58 anos, aesmola que ele costuma dar di-ariamente aos mendigos, servecomo uma pequena ajuda paraeles sobreviverem. “Não sei odia de amanhã. E se eu ficarpobre de um dia para o outro?Sem ter onde dormir e o quecomer? Por isso, sempre queposso eu dou alguma esmola”.

Entretanto, há quem digaque essa “ajuda” só leva ao co-modismo. Para a universitáriaJuliana Cristiana de Pinto, de24 anos, a maioria deles abusada boa vontade das pessoas.“Todos os dias eu vou para fa-culdade e vejo um mendigo pe-dindo esmola dentro do ôni-bus. Seu discurso é sempre omesmo, já estou até decoran-do (risos). Segundo o homem,ele adquiriu o vírus do HIV,por causa de um relaciona-mento com sua ex-namorada.Depois disso não conseguiumais emprego. Aparentemente,ele está normal. É impossívelque ele não tenha conseguidoum emprego até hoje. Isso é

Page 32: Revista Morador de Rua

Desemprego

32MORADORES DE RUA / 2009

Desemprego

uma enganação”, diz a jovem.Para o guarda municipalFernando Ferraz Vasconcelos,de 35 anos, as pessoas não de-veriam confiar nos mendigos.“Uma vez, tirei da minha car-teira cinco reais para dar parauma moça que aparentava teruns 30 anos. Ela carregava emseus braços um bebê, que nãoparava de chorar. Suas roupasestavam rasgadas e sujas. Veraquela cena de uma criançarecém-nascida mexeu com meucoração. Decidi dar o dinhei-ro para aquela moça. Minutosdepois eu vi a mesma mulherque tinha me pedido dinheiropara comer, sentada num barbebendo. Senti raiva da moçae pena daquela criança”.

Na opinião da psicólogaElisa Belarmino dos Santos, opedinte pode se acostumar apedir esmolas e, com o tempo,a vontade de querer sair dasruas ou de procurar um empre-go irá diminuir. “Pelos anosque acompanho e estudo osmoradores de rua, já consigoentender como eles pensam.Infelizmente, a grande maiorianão pensa em sair das ruas.Eles se questionam: ‘Por que

vou parar de pedir esmola nasruas? Ou por que vou pararde viver nas ruas, se aqui euconsigo dinheiro para sobre-viver?’. Para a psicóloga, a po-pulação deveria refletir antesde doar qualquer quantia emdinheiro. “Se eles pedem di-nheiro para comer, o melhorseria pagar em lanche. Casoescolha dar em dinheiro, sepossível o doador deveacompanhá-lo até o local paragarantir que aquele dinheiroserá gasto com alimento e nãocom drogas ou bebidas”.

O ato de pedir esmola noBrasil deixou de ser contraven-ção penal. Em 17 de julho de2009 foi publicada, no DiárioOficial da União, a lei que re-voga o artigo 60 da Lei de Con-travenções Penais, de 1941. Adefesa do direito de mendigarfoi defendida pelo ex-deputa-do Orlando Fantazinni (PT-SP),que em 2001 apresentou o pro-jeto. Antes, quem fosse pegomendigando, por ociosidade oucobiça, estaria sujeito a pena de15 dias a três meses na prisão.“Eu não dou, mas não faziasentido punir alguém por serpobre”, disse o ex-parlamentar.

Foto: Deborah Pellegrinetti

Não sei o dia deamanhã. E se eu ficarpobre de um dia parao outro? Sem teronde dormir e o quecomer? Por isso,sempre que posso eudou alguma esmola

Luiz Carlos Fonseca,

58 anos (aposentado)

Sentado ou em pé eles pedemdinheiro para quem passa na rua

Page 33: Revista Morador de Rua

MORADORES DE RUA / 2009 33

Para tentar diminuir a mendicân-cia no estado, a Secretária de As-sistência Social da Prefeitura doEstado de São Paulo, criou a cam-panha “Não dê esmola, dê futuro”,que foi realizada na capital e na Bai-xada Santista. Para a coordenadorada entidade Centro Espírita de Pes-soas Carentes (CEC), Luci Freitas,essa campanha veio para alertar asociedade em relação aos morado-res em situação de rua. “As pesso-as precisam aprender que a melhoropção não é dar dinheiro e sim ten-tar compreender como é a vida des-ses indivíduos. Temos que abrirnossos olhos e tentar resolver esseproblema social”.

Arte nas ruas

Flávio Rafael, de 32 anos, traba-lha como manequim vivo há mais dedois anos nas ruas da cidade. Quan-do criança, fazia parte do grupo deteatro da escola. A paixão pela arte ea falta de oportunidade no mercado

de trabalho justifi-cam sua atividade.Flavio já trabalhoucomo vendedor ecomo cobrador de

lotação, masgarante queconsegue me-

lhor remuneraçãofingindo-se de está-tua.

Antes de ficarparalisado emcima de um peque-no banquinho queele mesmo con-feccionou, Flávioprecisa se

maquiar. Após15 minutos, eleestá preparadopara um longo

dia de trabalho.A temperatura do dia ajuda.

Não estava fazendo muito ca-lor e olhando para o céu nãoparecia que ia chover. “Quan-do faz muito calor, é horrível.Minha maquiagem começa aderreter e sou obrigado a pa-rar e refazer tudo”, diz Flávio.

A aceitação por parte dascrianças é imediata. Em ape-nas 10 minutos, Flávio conse-gue mais de cinco reais, sendoque, das oito doações, seis de-las vieram das crianças admi-radas com o homem-estátua.

No final de sete horas detrabalho, com alguns interva-los para tomar um lanche edescansar o corpo, Flávio ga-rante que consegue em médiade 20 a 50 reais por dia.

Com a ajuda das crianças

Maria , comoquer ser chamada,chega à AvenidaAna Costa , comseus quatro filhosainda pela manhã.São 8 horas, quan-do ela arruma suascoisas (sacolas etrouxas de roupas) e sentaem frente ao Banco Itaú.

Sentada ela aguarda e ob-serva seus filhos vendendodoces e água nos semáforo.

Segundo pesquisa reali-zada em 2007 pela Funda-ção Instituto de PesquisasEconômicas (FIPE), cercade 1040 crianças e adoles-centes t rabalham em 538pontos estratégicos das ruasda capital paulista. Dessas,36,9% são explorados poradultos.

Foto

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Page 34: Revista Morador de Rua

Trabalho InfantilTrabalho Infantil

Foto: Willian Belarmino

Foto: Deborah Pellegrinetti

Page 35: Revista Morador de Rua

B

MORADORES DE RUA / 2009 35

É a única coisa queeu e ele sabemos fazerpara ganhar dinheiro.

Não vou pedir parameu filho vender

droga, porque graçasa Deus ele não é disso

Foto: Willian Belarmino

Brincar de carrinho, jogarbola, pular amarelinha ouempinar pipa, são brinca-deiras comuns do dia a diadas crianças. Mas, o queacontece quando essas brin-cadeiras são deixadas delado e trocadas pelo traba-lho? Acordar às 5h30 todosos dias e ir em busca de unstrocados, faça sol ou chuva,é o cotidiano de muitas cri-anças que já tem a respon-sabilidade de gente grande.

A rotina de J.V. ,de 7anos, é levantar ainda demadrugada e acordar seusdois i rmãos mais novos ,F.V. de 4 anos, e S.V. de 2anos. Em seguida, ele ajudaa mãe a preparar o café sim-ples da família, às vezes,acompanhado do leite e ou-tras somente com o saboramargo do café. É raro verbiscoitos de água e sal namesa da catadora de pape-l ão Nanc i Vi to r ino deAlmeida, de 29 anos. Grá-vida de três meses, Nancieduca seus filhos sozinha.Seu companheiro foi embo-ra logo que soube que elaestava grávida. Seu grandecompanheiro é Deus, diz aca t ado ra , emoc ionada .“Sem meu Deus, eu não se-ria nada, sei que Ele cuidade mim e dos meus filhos,todos os dias. Já passamospor muitos momentos difí-ceis, mas Ele não vira osolhos para mim”.

Depois de tomar o caféem família, J.V. segue sozi-nho para a Escola Munici-pal Padre Leonardo Nunes.Ele está na primeira série doens ino fundamen ta l . De

casa até a escola são apro-ximadamente 30 minutosandando. Enquanto ele es-tuda, sua mãe trabalha comovendedora de doces nos se-máforos da cidade. Às 13horas, J.V. volta do colégioe encontra sua mãe e seusirmãos no Restaurante Po-pular, na Vila Nova, próxi-mo ao Mercado Municipal,onde é fornecido diariamen-te almoço para pessoas ca-ren tes pe lo preço de R$1,00.

À tarde, o menino se di-rige à orla da praia. Lá, comtrês limões e um sorriso norosto, faz malabarismos epede dinheiro para os moto-ristas que param seus auto-móveis no semáforo. En-quanto isso, sua mãe deixaseus irmãos na casa da vi-zinha e pega sua carroça,feita com uma geladeira ve-lha sem porta, e vai catarpapelão pela cidade. “É aúnica coisa que eu e ele sa-bemos fazer para ganhar di-nheiro. Não vou pedir parameu f i lho vender droga ,porque graças a Deus elenão é disso”. Após um diade trabalho, retornam juntospara casa, já por volta das21 horas.

Nanci Vitorino de Almeida

29 anos

Page 36: Revista Morador de Rua

FiqFiqFiqFiqFiqueueueueue pppppor dentror dentror dentror dentror dentrooooo

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação,visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo parao exercício da cidadania e qualificação para o trabalho,assegurando-se-lhes:

I - igualdade de condições para o acessoe permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo

recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em

entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima

de sua residência. Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze

anos de idade, salvo na condição de aprendiz.

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

36 MORADORES DE RUA / 2009

Trabalho InfantilTrabalho Infantil

PONTO DE VISTA

Segundo a Chefe do Depar-tamento de Programa de Aten-dimento à Pessoas em Situaçãode rua de Santos, MirianAparecida Della Casa, ainda épossível ver algumas criançasabandonadas nas ruas da cida-de. Porém, a quantidade de cri-anças nas ruas de Santos é me-nor comparado os últimosanos. “Durante os últimos cin-co anos o número de criançasnas ruas diminuíram. Antes, ví-amos em quase todas as ruascrianças e adolescentes aban-donados pelos pais, vendendodoces nos semáforos da cida-de ou trabalhando comoflanelinha”.

O Governo vem investindo

em novos projetos com o au-xílio da Secretária da Educa-ção e de Esportes, com o obje-tivo de tirar essas crianças eadolescentes do mundo dasruas e colocá-las nas escolas.Exemplo deste trabalho é oprojeto Jornada Ampliada,que tem a finalidade de explo-rar o lado criativo e esportivode cada criança, com ativida-des após o período escolar.Muitas escolas municipais e es-taduais, da Baixada Santista jáimplantaram esse projeto, afir-ma Mirian. “Nossa meta é ofe-recer mais educação e oportu-nidades para essas crianças,para que no futuro elas tornem-se grandes homens e mulheres”.

Mesmo com as dificuldadesque J.V. e sua mãe enfrentamdiariamente, ele conseguemanter a esperança de dias me-lhores. “Meu sonho é de se tor-nar um grande médico. E seique minha mãe vai arrumar um

emprego e vamos conseguirmorar em outro lugar, muitomelhor que esse”, diz, confi-ante. Apesar da pouca idade, omenino já compreende quepara isso acontecer é precisode muito esforço.

Page 37: Revista Morador de Rua

MORADORES DE RUA / 2009 37

Locais e contatos para

atendimentos voltados paracrianças e adolescentes em

situação de rua

O local recebe denúncias sobrecrianças e adolescentes emsituação de rua, abandono, maustratos ou outras formas de violência

DISQUE

URGÊNCIA SOCIAL

Atende crianças e adolescentes,de ambos os sexos, em situaçãode abandono, vivência de rua,vítima de violência doméstica ouexplorado sexualmente. Abrigatemporariamente até 20 criançase adolescentes. Localizado naRua Júlio de Mesquita, 74 – VilaMathias. Tel.: 3223-6246

CENTRAL DE ATENDIMENTO

À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Atendimento com grupos nasruas e o acompanhamento decrianças e adolescentes queestão nas ruas. Localizado naRua Júlio de Mesquita, 78 – VilaMathias. Tels.: 3232-4086

EDUCADORES DE RUA

Fornece moradia eacompanhamento psicológicopara até 10 adolescentes dosexo masculino com idadesentre 12 a 18 anos incompletos.Unidade I, localizada naAvenida Pinheiro Machado,125 – Vila Mathias. Unidade II,localizada na Rua Paraná, 316– Campo Grande. Tels.: 3221-8710 e 3221-8712

ABRIGOS I E II(24 HORAS)

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QUEM AJUDA

0800-177766 (24 HORAS)

Para a ps icóloga El isaBelarmino dos Santos, de 42anos, esses casos são comunsna nossa sociedade, onde cri-anças fazem opapel de adul-tos, tendo quetrabalhar paraajudar nas des-pesas da casa.”Muitos nãovão à escola ouabandonam oses tudos porobrigação dos

pais que mandam seus filhoscomeçarem a trabalhar. Sa-ber quem são os verdadeirosculpados nessa história, se

torna cada vezmais di f ící l . Ocenário de umafamília no Brasilestá alterado, osva lores foramperdidos. Vemoshoje é uma trocade papeis entrecrianças e adul-tos.”

Na opinião da conselheiratutelar, Dulcinea Aragão, 52anos, as crianças estãodeixando de brincar paratrabalhar como gente grande.“Muitas delas trabalham comos pais ou até mesmo sozinhaspara ajudar nas despesas dacasa. Em nosso país, sãovários os casos de pais ouresponsáveis que abandonamseus filhos. As famíliasprecisam compreender cadavez mais seus filhos”.

Para a professora CamilaMiranda Reis, de 25 anos, ascrianças carentes que enfrentama miséria de perto são maismaduras que muitos jovens eadultos. “Pelo fato de convivercom tantas dificuldadesfinanceiras e sociais, aodecorrer dos anos elas acabamesquecendo de sonhar. Nasminhas aulas eu sempre exploroo lado lúdico de cada criança,pois acredito que através deestórias de faz de conta, ascrianças e os adultos podemcontinuar a sonhar com ummundo melhor”.

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Foto: Willian Belarmino

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As marcas de uma adolescência sofridapermanecem até hoje. O sofrimento

moral e psicológico jamais serãoapagados da vida de Hugo de Souza

Barbosa, 36 anos, ex-morador de rua.Em entrevista, ele conta como foi viver

nas ruas durante 20 anos. O preconceitoque enfrentou, as dificuldades do dia adia e a nova vida que tem como taxista

Hugo tinha apenas 10 anosquando seus pais se separam,era o caçula de uma família detrês irmãos, Fernando com 12e Pedro Henrique de 14 anos.Após, o juiz conceder a guar-da dos meninos para mãe, seupai foi morar no Rio de Janei-ro com outra mulher. Hugolembra que nunca mais viuseu pai novamente. “Não sei,e na realidade nem quero sa-ber se ele está vivo ou mor-to. Ele esqueceu da nossa fa-mília, e isso não é ser pai.Se eu encontrasse com elehoje, acho que minha reação

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seria de chorar de raiva. Seresquecido pelo próprio painão é fácil”.

Hugo e seus irmãos mora-vam com a mãe que trabalhavacomo cozinheira em um colé-gio de Santos. Ele conta que suainfância foi simples e sem lu-xos, o salário que sua mãe ga-nhava era muito pouco. Hugo eseus irmãos usavam roupas usa-das e a maioria de seus brinque-dos estavam quebrados, mas,isso não era problema para omenino que sonhava em cres-cer e tornar-se um caminhonei-ro e viajar por todo o Brasil.

Com a saída do pai, as coi-sas começaram a mudar narotina daquela família. Afi-nal, ele era o único que colo-cava dinheiro dentre de casa.“Minha mãe mandou Pedrocomeçar a trabalhar comofeirante, Fernando não podiatrabalhar porque ele tinhanascido com um problemanas pernas, que mal o deixa-va andar, quando nossa mãeia trabalhar eu cuidavadele”, diz Hugo.

O salário de sua mãe erapouco e o dinheiro que seu ir-mão conseguia ainda não era

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O mundo dá

voltas

O mundo dá

voltas

SuperaçãoSuperação

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o suficiente para alimentarquatro pessoas, lembra o ex-morador de rua. Para tentar re-solver os problemas financei-ros, a mãe dos meninos con-seguiu um novo empregocomo doméstica onde ganha-va mais. Porém, ela teria queabrir mão de permanecer comseus filhos durante o períododa tarde. Ela saia às 6 da ma-nhã e só voltava às 11 da noi-te. Nesse tempo o irmão maisvelho de Hugo, decidiu sair daescola e começou a se envol-ver com no mundo do crime.“Eu via meu irmão às vezes,

rodeado com uns caras estra-nhos, mas não sabia exatamen-te o que ele estava fazendo”.

Sua adolescência foimarcada pela fome. “Passa-mos vários dias sem ter o quecomer e beber. Eu e meu ir-mão tínhamos a sorte de po-der comer na merenda da es-cola, mas, meu outro irmãonão”. Ele lembra que sua mãeàs vezes só conseguia prepa-rar um pouco de arroz com al-gumas batatas para todos co-merem e outros dias que nema batata tinha, era apenas oarroz e nada mais.

Porém, a dor da fome nãoseria maior do que a dor daperda da mãe e de um irmãode uma única vez. Um anoapós, a separação de seus pais,Hugo e seu irmão voltavam docolégio, quando vêem a casarodeada de vizinhos, policiaise ambulância. “Fernando co-meçou a chorar sem saber oque tava acontecendo. Já, eusaí correndo em direção acasa, quando uma vizinha meabraçou e me disse: ‘-Vocêprecisa ser forte’. Na hora eunão entendi o porque ela ti-nha me falado aquilo”.

A mãe e o irmão mais ve-lho estavam jogados no chão,ambos com dois tiros no cor-po. No mesmo dia, Hugo e seuirmão Fernando foram levadospara delegacia de menores.

A mãe dos meninos era fi-lha única, seus pais já eram fa-lecidos, o que levou os meni-nos irem para um abrigo. Doisdias após0 a morte, os dois fo-ram levados para a Casa da VóBenedita, na época localizadana Rua Bitencourt, centro deSantos. O motivo da morte do

irmão, segundo testemunhas,foi envolvido que ele tinhacom o mundo das drogas,Pedro estava devendo dinhei-ro para uma gangue há maisde dois meses e para defenderseu filho, a doméstica Inês deSouza, começou a discutircom os rapazes que atiramnela e no menino.

Agora órfãos de mãe eabandonados pelo pai, os doisforam obrigados a permanecerna entidade. Porém, paraHugo o local não o agradava.”Eu não me sentia bem lá,meu irmão adorava aquelelocal, quase toda semana vi-nha uma família de São Pau-lo e levava para passear noshopping ou ir brincar no par-que, mas eu nunca fui levadocom eles”. Hugo tinha 9 anosquando, decidiu fugir da enti-dade, mesmo sabendo que aliele recebia alimentação, edu-cação, o carinho e o cuidadodos voluntários e a possibili-dade de uma adoção. As duasprimeiras tentativas não de-ram certo, mas, o menino nãodesistiu de pensar em fugir equando conseguiu correu omáximo possível para não serencontrado. “Fiquei à tardeem frente o Mercado Munici-pal. Depois de algumas horascontei para uma senhora quetambém estava na rua que ti-nha fugido de um abrigo e queagora eu queria morar nasruas”. Ao ouvir a história amoradora de rua se comoveu edividiu a metade de sua laran-ja com o menino e aconselhouele encontrar outro lugar parapassar a noite, porque segun-do ela aquele local era muitoperigoso quando anoitecia

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Superação

Depois de algumas horasandando sozinho pelas ruas dacidade, ele encontrou um lu-gar onde havia um grupo jo-vens e crianças que dormiamnas rua, e ali decidiu passara noite. “Todos já estavamdormindo então fiquei alimesmo, quando amanheceuum homem veio me pergun-tar o que eu estava fazendoali, fiquei com medo que eleme batesse ou coisa assim esaí correndo”.

Iniciava uma nova batalhana vida de Hugo, apesar dasdificuldades que só estavamcomeçando ele não pensavaem voltar para o abrigo, e co-meçou a pedir comida nasruas, mas as respostas namaioria das vezes eram ne-gativas, alguns viravam orosto outros tinham medo

que ele pudesse ser um la-drão e atravessavam a calça-da para não ter contato como menino.

Uma vez se envolveunuma briga na saída de umrestaurante, um adolescentetambém morador de rua co-meçou a discutir com ele por-que aquele bairro era dele enão era permitido outro mo-rador de rua receber alimen-tos ou qualquer ajuda se nãofosse parte da gangue. O ado-lescente jogou uma garrafade vidro na cabeça de Hugoe ele desmaiou. “Eu lembroque tentei desviar da garra-fa, mas, não consegui”.

Da cidade de Santos elechegou a ir para São Vicentee Praia Grande andando, àprocura de um lugar seguropara morar, voltou a ter con-

Não sei, e narealidade nem quero

saber se ele estávivo ou morto.

Ele esqueceu danossa família, e isso

não é ser pai

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Com o carro da empresa, Hugo trabalha 8horas por dia, tem uma folga por semana

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tato com o irmão dois anosdepois na entidade onde fi-cou por mais 1 ano e fugiunovamente. “Voltei para aCasa da Vó Benedita quatrovezes, porque a policia meencontrava. Mas, quandoconseguia uma oportunida-de para fugir eu não pensa-va duas vezes”.

Hugo deixou de ser cri-ança e se tornou um adultotendo que aprender as difi-culdades de viver nas ruassozinho. Sem a companhiade um amigo ele buscavaalimentos e vestes nas en-tidades que auxiliam estapopulação. Não tinha casaou lugar fixo para dormir,o lugar certo era aquele quepudesse proteger da chuvae do frio.

Depois de alguns anos nasruas, ele conseguiu um em-prego como ajudante numquiosque da praia de Santos,ele montava e desmontava abarraca, ajudava a servir osclientes e em troca o dono doquiosque dava o almoço eR$5,00 por dia. O bom com-portamento do jovem fezcom que aumentasse a con-fiança do proprietário doquiosque que com o passardo tempo começou a ajudarcom um salário melhor. “Natemporada eu trabalha das8h até 24h com uma hora dealmoço e trinta minutos dedescanso. Recebia R$250,00por mês além, das gorjetas.Já recebi R$50,00 de umamericano uma vez”.

Uma vez, Hugo decidiucontar sua história para odono do quiosque e ele sedecidiu ajudar o jovem e for-

neceu o própriolocal de traba-lho para e lepassar a noite.Como no in-verno o flu-xo de clien-tes é menoro dono doq u i o s q u eteve que de-mitir Hugo,mas no mes-mo d ia e leconseguiu umnovo empregopara o jovem,como cobradorde lotação. Emseu novo empregoo salário era maior, e comisso ele começou a guardardinheiro para alugar um apar-tamento. Em quatro ele con-seguiu alugar um pequenoapartamento no centro da ci-dade e com a ajuda do moto-rista que trabalhava com ele,aprendeu a dirigir.

Foram dois anos até eleconseguir juntar o dinheiro etirar a carta de habilitação,como já estava acostumado adirigir a Kombi a prova foifácil. “Com tudo que já vivieu não imaginava que iriaconseguir um emprego e teruma casa”. Quando criançaHugo sonhava em se tornarum caminhoneiro e viajarpela estradas do país, seu so-nho ainda não se tornou re-alidade, mas, há dois anosele trabalha como taxista.“Sei que ainda posso chegaraté lá. Nas ruas aprendi quetemos que agradecer o quetemos se Deus assim quetem que ser”.

Com tudo que já vivi eu nãoimaginava queiria conseguirum emprego eter uma casa

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Crônica

Não conhecemos profunda-mente as histórias de vida des-ses homens, mulheres, idosos eaté crianças que vivem nas ruas.O que podemos afirmar, é que amaioria deles se tivessem aoportunidade de voltar ao pas-sado, eles não pensariam duasvezes, sobreviver por mais umdia se torna uma missão do pre-sente. Porém, o mais triste des-sas histórias da vida real, é sa-ber que para muitos o futuro nãoexiste mais. Essa é a hora ondeeles se deparam com a dura rea-lidade de viver nas ruas.

Quando falamos de morado-res de rua, estamos deixando delado nossa vaidade e privacida-de humana. Como podemos fa-lar de vaidade paraum morador de rua,se eles mal possu-em banheiro parafazer suas necessi-dades? Pentear ocabelo, escovar osdentes ou tomar ba-nho, são tarefaspara poucos que vi-vem na miséria ur-bana. Privacidade,onde está na vidadesses indivíduos?

A falta de higiene pessoal e oconsumo exagerado de bebidasalcoólicas são característicasimportantes dessa população.Com aparência de pessoas maisvelhas, suas idades muitas ve-zes não condizem com a reali-dade. Eles misturam acriatividade com a necessidade,e reinventam materiais para so-breviver nas ruas. Uma folha dejornal se torna em um cobertor,um saco plástico se transforma

QUEM SÃO ELES?

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em um chapéu para enfrentar achuva, e um simples pedaço depapelão num “quarto”.

No país como o Brasil, ondea desigualdade social tem pro-porções gigantescas, a definiçãode morador de rua, se baseia nãoapenas aqueles que residem emalbergues comunitários ou ins-tituições não governamentaisque realizam serviços de acolhi-mento, oferecendo alimentação,vestes, higienização e lugar paradormir, mas também os mora-dores de favelas e cortiços.

Esta população é cada vezmais comum em nosso país.Nos dias de hoje é praticamen-te impossível não visualizarprincipalmente nos grandes

centros das ci-dades, morado-res de rua dor-mindo nos ban-cos das praçasou pedidos es-mola nos semá-foros. A exclu-são desta popu-lação é tão gran-de que a socie-dade em geralquando se depa-ra com um mo-

rador de rua, tem na maioria dasvezes o comportamento de des-viar seu olhar ou até mesmoatravessar a rua para não man-ter nenhum contato com aqueleindivíduo.

Infelizmente, eles fazem par-te de uma população esquecidapela sociedade. Encontrar umapessoa perambulando pelas ruasdas cidades com um simplessorriso no rosto, muitas vezespode ser um sacrifício.

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