Revista ponto de vista

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1 Revista de Cidadania Responsável – Paulo Marques Nº 6 Maio 2012 A Escola Básica 2,3/ S Pedro Ferreiro, integrante do Agrupamento de Escolas de Ferreira do Zêzere, fez um caminho de crescimento e de desenvolvimento acelerado e dinâmico ao longo dos anos 90, em virtude do empenho, compe- tência e criatividade de todos os seus profissionais, que equiparam uma escola antes incipiente, em infraestruturas, equipamentos, organização administrativa e dinâmica pedagógica, desempe- nhando um papel de vanguarda no concelho, pelos saberes que soube mobilizar. Hoje, responsá- veis e professores, pensam que o caminho realizado preparou bom terreno para um futuro que se avizinha, exigindo, todavia, uma mudança. A avaliar pelas palavras de um painel de entrevistados, responsáveis e professores, a escola parece encontrar-se, ago- ra, na abertura dessa mudança. EB 2,3/ S PEDRO FERREIRO UMA ESCOLA EM MUDANÇA Alunos entrevistam idosos Histórias e memórias de ferreira do Zêzere Histórias de vida na primeira Pessoa Neste número traçamos o perfil dos nossos seis entrevistados, cujas histórias de vida têm um destino comum: a escola de Ferreira do Zêzere. Reportagem fotográfica Grupo de Animação Sociocultural descobre pontos fortes e fracos da escola p. 6 –8 p. 14 –21, 25 e 28 p. 4 –5 p. 8 –13 PAINEL DE ENTREVISTAS

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A Escola 2,3 /S Pedro Ferreiro publicou recentemente uma revista dedicada a dois temas: a própria escola e sobre a antiga geração de ferreira do zêzere.

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Revista de CidadaniaResponsável – Paulo Marques

Nº 6Maio 2012

A Escola Básica 2,3/S Pedro Ferreiro, integrantedo Agrupamento de Escolasde Ferreira do Zêzere, fez umcaminho de crescimento e dedesenvolvimento acelerado edinâmico ao longo dos anos 90,em virtude do empenho, compe-tência e criatividade de todos osseus profissionais, que equiparamuma escola antes incipiente, eminfraestruturas, equipamentos,organização administrativa edinâmica pedagógica, desempe-nhando um papel de vanguardano concelho, pelos saberes quesoube mobilizar. Hoje, responsá-veis e professores, pensam que ocaminho realizado preparou bomterreno para um futuro que seavizinha, exigindo, todavia, umamudança. A avaliar pelas palavrasde um painel de entrevistados,responsáveis e professores, aescola parece encontrar-se, ago-ra, na abertura dessa mudança.

EB 2,3/ S PEDRO FERREIRO

UMA ESCOLA EM MUDANÇAAlunos entrevistam idososHistórias e memóriasde ferreira do Zêzere

Históriasde vidana primeiraPessoaNeste número traçamos o perfildos nossos seis entrevistados,cujas histórias de vida têmum destino comum: a escola deFerreira do Zêzere.

Reportagem fotográficaGrupo de Animação Sociocultural

descobre pontos fortes e fracos da escola

p. 6 –8

p. 14 –21,25 e 28

p. 4 –5

p. 8 –13

PAINEL DE ENTREVISTAS

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Índice

Capa – Uma escola em mudança

3 - Fátima Graça pegas

4 - 5 - O que temos de bom e de mau na escola

6—8 Tema de Capa—escola prepara mudança

8—13 Os trabalhos e as paixões de seis profissionais dacasa

14—21, 25 e 28 Histórias e memórias de ferreira doZêzere

22 – 24 inquérito sobre o uso de álcool, drogas e tabaco

26 – 27 Educação especial e Gabinete de Psicologia eOrientação

28 Editorial

Ponto de Vista—Revista de CidadaniaEB 2,3/S Pedro Ferreiro, Ferreira do Zêzere. Responsável: Paulo Marques. Redac-ção: Alunos do 12º ano—Turma A / Alunas do 2º ano do curso profissional de Ani-mação Sociocultural. Nº 6—Maio 2012

Fichatécnica

Escola 2,3/S Pedro Ferreiro, Ferreira do Zêzere

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Aconteceu a Fátima Pegas aquilo que apenas parece acon-tecer em novelas. A aluna que casa com o professor. A“Dona Fátima” é uma das auxiliares mais antigas da esco-la. A sua mãe já o era. Costumava dizer-lhe «mãezinha,um dia que saia da escola, eu vou para lá». Assim foi.Ingressou na escola de Ferreira do Zêzere em 1986, apósuma experiência de vida em Almeirim, Valpaços e Lame-go, acompanhando o marido, que era professor, e comuma filha. Foi em Valpaços que, por concurso público,conseguiu começar a trabalhar como Auxiliar, numaescola preparatória. Casou em 1980, foi para Almeirim edepois para Valpaços, quando a filha já tinha dois anos,tendo hoje 30 e é enfermeira em Santarém. Quase estevepara construir uma vida no norte, mas não foi possível.Adorou viver em Valpaços. As pessoas eram muito boas,mas o lugar era muito pobre e isolado. Nem havia pedia-tra, caso a filha precisasse.

O marido teve oportunidade de regressar a Ferreira doZêzere e assim aconteceu. A pequena família voltou àbase. Hoje, viúva, Fátima Pegas vive e trabalha pratica-mente na escola, pois do seu quarto vê o seu local detrabalho. Conta que no ano em que começou o namorocom António Pegas, professor de Biologia, tambémoutras duas alunas começaram a namorar com professo-res e ambas, como ela, viriam a casar. Conta ainda umepisódio cómico. Um dia, já trabalhando como auxiliarna escola, foi vista por uma professora em Tomar de mãodada com António Pegas, e, claro, a professora em causa,não sabendo da união entre ambos, ficou chocada e nãodescansou enquanto não contou na sala de professoresque tinha visto o colega António com a D. Fátima… oresultado foi uma risota geral, pois quase toda a gentesabia, menos a pessoa que quis contar a novidade!

Fátima Graça PegasAuxiliar de Acção Educativa

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O que temos de bom e de mauReportagem fotográfica na escola

Ana MarisaSalteiro

Rita Antunes VanessaAlcobia

Um grupo de alunas do cursoTécnico de AnimaçãoSociocultural teve a ideia desair da sala de aula para fazerum trabalho que consiste numverdadeiro exercício de cida-dania. A Ana Marisa Saltei-ro, a Rita Antunes e aVanessa Alcobia pegaramnuma máquina fotográfica eforam à procura das coisasboas que a escola tem, mastambém das coisas menosboas. Chamaram-nas “pontosbrancos” e “pontos negros”.Descobriram que a maioriadas coisas más é da responsa-bilidade, ou da irresponsabili-dade, dos alunos, que nãorespeitam as normas básicasde higiene e de ambiente eco-lógico, mas também se explicapor alguma deterioração doedifício. Felizmente, os aspe-tos bons também são muitos.

Pontos negros

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levantado, e há falhas e imen-sas fissuras no teto.No exterior existe lixo nochão, mais do que parece e doque deveria haver, o que con-tribui, mais tarde ou maiscedo, para a degradação doambiente; existe uma vez maismaterial danificado, desta vezno espaço exterior. Embora aescola disponibilize materiaispara entretenimento, algunsalunos têm tendência paraestragar o material, comporta-mento este que deveria sermodificado.Mas também encontramoscoisas boas na escola, como,por exemplo, informaçãoexposta ao alcance dos alunos,uma biblioteca com excelen-tes condições, uma boa deco-ração interior e exterior ealguma infraestrutura paraentretenimento na parte exte-rior. A nível do meio ambien-te, há uma boa paisagem quemostra bom aspeto e é agradá-vel à vista.

Pontos brancos

Na escola existem coisas más ecoisas boas. Dentro das coisasmás existe material danificadonas salas, nas casas de banho,no interior e exterior do edifí-cio e humidade.Em geral, os materiais dassalas de aula estão estragados edegradados, como por exem-plo as mesas, cadeiras, estorese pintura dos aquecedores,por exemplo, escritos, que-brados, sujos, etc. Nas casasde banho algumas paredes eportas encontram-se, porvezes, riscadas pelos alunos;por vezes sem papel para ahigiene pessoal, e muitas vezesos alunos atulham as sanitascom papel, o que provocadesperdício de água nos auto-clismos; muitas vezes os alu-nos não cuidam do estado delimpeza dos espelhos.No interior do edifício,encontra-se também algumasparedes riscadas, algum lixono chão, cacifos bastantedegradados; em certos pon-tos, o mosaico do chão está

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Após quase 20 anos de desenvolvimento

ESCOLA PREPARA MUDANÇA

Desde a sua inauguração, em finais dos anos70, até aos dias de hoje, há um traço que teimosamen-te define a EB 2,3/S Pedro Ferreiro, de Ferreirado Zêzere, realizando aquela boa verdade de que asinstituições são criadas, afinal, para servir as pessoasque nelas diariamente laboram – o traço quetem definido a escola é o bomambiente na sala de professores.Desde sempre. É o seu ponto forte. Todo o cresci-mento e desenvolvimento que a escola tem tido, prin-cipalmente desde meados dos anos 90, e o papel quetem desempenhado na educação e formação de crian-ças, jovens e adultos de Ferreira do Zêzere, assu-mindo-se como «a vanguarda do Concelho» (PauloMendes, professor de História), tem a sua origeme segredo nos profissionais que nela trabalham, profes-sores, funcionários administrativos e auxiliares, e abase desse trabalho tem sido, precisamente, o«excelente relacionamento entre o pessoal docen-te» (Isabel Saúde, Directora). De facto, comosublinha Anabela Maria, professora de História,«o bom ambiente na escola é o que a caracterizamelhor». Etelinda Vieira, professora de

Português, talvez a única docente que esteve coloca-da na escola em finais dos anos 70, conhecendo-a, porisso, quase desde a inauguração do edifício principal,conta-nos que já desde essa altura se notava esse traçodominante - «a escola era agradável, estava-se bem. Oambiente na sala de professores era fantástico, haviaum corpo docente jovem, pequeno, que passava otempo na escola. Dávamo-nos todos bem. Era umgrupo coeso, unido, partilhávamos boleia, refeições esaídas. A escola cheirava a nova.»

Seis pontos de vista sobre a evolução da escola nos últimos 20 anos

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Depois o tempo passou e ao longodos anos 80 a escola deteriorou-se. Os mais antigos professores atualmente em fun-ções chegaram à escola entre finais dos 80 e início dos90. Contam que quando chegaram, nessa altura,encontraram uma «escola fantasma» (AnabelaMaria), «tipicamente de província» (Paulo Men-des), «pobre, a mostrar muita degrada-ção» (António Pedro, Coordenador do Depar-tamento de Ciências Humanas e professor deHistória). Chovia nas salas, não havia jardim, o espa-ço exterior não estava arranjado como hoje está, todaa logística era insuficiente, com más condições. Era

tudo em madeira, refletindo um pouco a comunidadeem redor, o concelho, pobre, isolado, de mentalidadefechada. Contam os professores entrevistados quenessa altura o órgão de gestão era autoritário, hierár-quico, rígido, nada dinâmico, conservador, conforma-do, monótono - adjetivos que redundavam em «umvazio em termos de gestão. A escola não era uma orga-nização» (Isabel Saúde). Paulo Mendes lembraque «era uma escola parada notempo, a apodrecer». Não havia bibliote-ca, nem associação de estudantes. O corpo docente erainstável, visto que 80% era constituído por professorescom colocação anual. Os alunos, que eram poucos,manifestavam graves problemas familiares, económico-sociais, com muitas dificuldades escolares, e mesmocom problemas de alcoolismo em casa, com os pais(Maria Manuela Canas, professora Bibliotecá-ria).

Depois, ainda na primeira metade dos anos90, um grupo de três jovens professores, Isabel Saú-de, Manuela Canas e Paulo Mendes, decidiumudar as coisas. Constituíram uma lista, candidataram-se à eleição para o órgão de gestão da escola e, sur-preendentemente, ganharam! Paulo Mendes, umdos eleitos em 1993/94, dava uma aula quando lheforam comunicar, freneticamente, o resultado inespe-rado. O imobilismo terminaria nesse ano. Abrir-se-iauma época de revolução. Tudo mudaria da noite parao dia. «Éramos jovens revolucioná-rios que iam mudar o mundo» (M.Canas)

«Quando não existe nada, é fácil criar», dizIsabel Saúde, «nos primeiros anos conseguimosmudar rapidamente». Foi uma época de euforia e decrescimento acelerado. O que mudou foram as instala-ções, os equipamentos, a organização administrativa ea dinâmica pedagógica. O novo órgão de gestão mobi-lizou mundos e fundos para transformar o espaço esco-lar. Surge uma associação de estudantes, uma bibliote-ca é criada. Começou a participação em projetos peda-gógicos nacionais e europeus. «A escola começou aganhar vida [Paulo Mendes], agitando toda a comu-nidade. Foi uma época em que tudoera novidade. Tudo o que se fazia,nunca tinha sido feito. As mudançasforam muito repentinas. O poder tornou-se maisdemocrático, participativo e partilhado.» A mudançadurou anos e a escola tornou-se melhor. Muitomelhor.

Da esq. para a dta.: António Pedro, Etelinda Vieira, Anabela Maria, Maria Manuela Canas, Isabel Saúde, Paulo Mendes.

Continua napág. seguinte

Seis pontos de vista sobre a evolução da escola nos últimos 20 anos

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Atualmente, a escola tem uma máquina dire-tiva e administrativa bem constituída e organizada,possui bons equipamentos e instalações razoáveis,possuindo meios logísticos e tecnológicos suficientes, eum espaço exterior maravilhoso, um corpo docenteestável e continua a participar em muitos projetos decarácter pedagógico, nacionais e europeus. Os alu-nos gostam de estar na escola, e aescola preparou-se bem, estesanos todos, para os receber e terna escola a tempo inteiro.

E no entanto, há sinais de um certo desen-canto, um certo desalento. Não tanto pelo traço quedefine a escola, pois «é uma escola em que as pessoasse relacionam bem, há um bom ambiente entre profes-sores, funcionários e alunos (Anabela Maria) - «éuma escola simpática» (António Pedro), mas…

Mas «não mudámos», confessa ManuelaCanas num forte desabafo quase como que a contradi-zer todo o projeto de mudança que ajudou a desenvol-ver desde os anos 90 - «uma das coisasque mais me entristece no meupercurso profissional é andar hávinte e tal anos nisto e não conse-guir mudar as mentalidades».Manuela Canas chegou a ser professora de pais dealunos seus de hoje, portanto professora de duas gera-ções, «e esperava que a nova geração estivesse diferen-te em termos culturais e mentais e [diz] acho que nãoaconteceu nada. O que me entristece é que tudo conti-nue na mesma.» Paulo Mendes considera que seriaimpossível manter uma dinâmica continuada ao ritmode antes e Isabel Saúde explica também que a rapi-dez de mudança dos primeiros tempos seria difícil demanter porque «depois de montada, a máquina, cadamudança torna-se mais lenta e pesada.» Paulo Men-des considera ainda que hoje o poder na escola émenos partilhado do que já foi e que as decisões doórgão de gestão são mais impostas, ao mesmo tempoque lembra que a sua antiga colega de gestão, IsabelSaúde, se encontra na direção da escola desde 1993.Todavia, a atual Diretora da escola confessa que elaprópria, provavelmente, está «a precisar de mudar devida». Manuela Canas, por seu lado, confessa queaté a Biblioteca está a precisar de uma mudança. Aprofessora que chegou a conhecer a escola quase nainauguração do seu edifício principal, Etelinda Viei-ra, conclui a sua entrevista com estas palavras: «Aescola está velha. É precisomudar as coisas.»

Os trabalhose as paixões

de seisprofissionais

da “casa”

Continuação da pág. anterior

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Se por “político” entendermos a pessoaque faz uso público da palavra para discu-tir racionalmente os assuntos da comuni-dade no sentido de contribuir para atomada de decisões e para a solução con-junta e dialogada de problemas comuns atodos, então Paulo Mendes é um homemprofundamente político. É não apenasuma questão de atitude profissional, mastambém uma questão de personalidade.Profundamente interessado nos assuntos edestinos da escola (pertenceu durantedois mandatos ao órgão de gestão), assu-me uma postura quase permanente dequestionamento das decisões e ações emcurso, sempre no sentido de procurarcalibrar, de acertar agulhas e pontariarelativamente ao alvo que considera estarverdadeiramente em causa. Nota-se queser interventivo, ativo e amplamentesociável, interessado na resolução dequestões sociais, amigo dos amigos, sãoqualidades que fazem parte da sua nature-za. Hoje é um homem que procura, como uso crítico da palavra, o esclarecimen-to, a justificação. Quase à maneira deinquérito judicial (chegou a estudar Direi-to e o pai destinava-lhe advocacia). Pare-ce uma espécie de contrapoder. Faz usoabundante da

Paulo Mendes, pela sua capacidade natu-ral de argumentar e de fazer uso críticoda palavra, daria um bom advogado, masnão seria esse o seu projecto. QueriaHistória. O pai aceitou, a contragosto,mas mandou-o para Coimbra. Fez o cursoe tornou-se professor. Depois, ao mesmotempo, desmultiplicou-se em actividades,desde a fotografia à política partidária,passando pela música. Ser professor eraapenas uma parte da sua vida. Fez foto-grafia no grupo O Grafo, de Tomar, umafotografia artística e interventiva, foi Disc-Jockey, tornou-se membro do PSR, hojeintegrado no Bloco de Esquerda e esteveno órgão de gestão da escola onde hojetrabalha. As crescentes exigências buro-cráticas da profissão escolar obrigaram-noa abandonar muitas daquelas actividades.Gosta de ser professor e de ensinar, masse tivesse de começar de novo nas atuaiscondições, não quereria. Gosta de contara história do seu primeiro dia de trabalhona escola. Foi proibido de entrar na salade professores pelo auxiliar de então, oSenhor Albertino, que o confundiu comum aluno. «Não pode entrar aí, é só paraprofessores!», proferiu Albertino, «calhabem, porque sou professor!», respondeuo irreverente Paulo Mendes. O tamanhodo cabelo contribuiu para a confusão.

Percursos de vida que têm na escola um destino comum

ironia, essa qualidade que tanto faz rir,como faz azedar. O riso e o azedume quesempre desinstalou o poder de águasparadas. A sua sociabilidade é marca deuma profunda e primitiva necessidade. Ohomem é um animal político, mas algunssão mais políticos do que outros (e outrossão mais animais do que outros, mas issonão vem agora ao caso). Paulo Mendes foie é filho único e ao contrário do que écomum pensar-se ou suceder, essa situa-ção forçou-o a não se tornar egoísta, poispara compensar a ausência de irmãos,aprendeu a convencer os outros a seremseus amigos. E percebeu que era parti-lhando que conseguiria ter amigos. Eisaqui a origem do lugar que sempre procu-rou na comunidade. A procura dosoutros. Ter amigos. Já a mania do contra-poder foi uma arma que usou contra opai, militar de profissão. O pai queria queo filho se tornasse advogado, formado emLisboa. O filho, a contragosto, obedeceu,mas a verdade acabou por vir à tona. Ojovem gostou muito de Lisboa. Frequen-tou bares, círculos de amigos, ia a concer-tos e ouvia muita música. Tudo menosestudar. «Em Lisboa andava a passear»,conta. E o sonho do pai foi ao fundo.

Paulo Mendes, professor de História

«Percebi que era partilhandoque teria amigos» Entrevista com colaboração de

João Marmelo e Júlio Magalhães

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Esteve colocada em Ferreira do Zêzere em 1979, sendo, talvez, a únicaou das muito poucas professoras que tem memória do que era a escolapouco depois da inauguração do edifício principal. Ensinou a disciplinade Português nesse ano e no entanto apenas viria a licenciar-se quasevinte anos depois, em Coimbra. É que a vida de Etelinda Vieira não foitraçada a régua e esquadro. Teceu-se, antes, num emaranhado de avan-ços e recuos, de voltas e contravoltas. Um arabesco. Houve mesmouma fase em que coincidiram a doença, o divórcio, o desemprego, oatraso na formação e três filhos para cuidar. A volta foi dada por cima esublinha que se não fossem os próprios filhos, não teria conseguido.Passamos a contar. Natural de Torres Novas, aos dez anos ingressou nocolégio interno de Santa Maria e lá ficou até completar o 9º ano deescolaridade. Depois, foi hospedada num quarto em Tomar, cidadeonde viviam os seus irmãos e onde fez o ensino secundário, tendo dei-xado Filosofia por fazer. Em seguida, foi para Lisboa, onde iniciou ocurso de Secretariado e Administração no ISLA, ao mesmo tempo quecompletava Filosofia. Corria o ano de 1974, ano da revolução democrá-tica. Nesse ano ingressou na Faculdade de Letras, em Lisboa, em Româ-nicas. No ano do Verão Quente de 1975 a faculdade fechou as portas eEtelinda Vieira regressou a Tomar. Em 1976 começou a dar aulas como curso realizado no ISLA e como era titular do 2º ano do curso com-plementar, de nível secundário, e como tinha feito Latim, tinha habili-tações para trabalhar no ensino público. Assim, em 1976, ensinou Por-tuguês em Torres Novas, no mesmo ano que casou e teve o seu primei-ro filho. Três anos depois, em 1979, faz o propedêutico pela televisão,que era um equivalente a um terceiro ano do ensino secundário. Nesseano trabalha em Ferreira do Zêzere. Em 1980 regressa ao curso deRomânicas, mas desta vez na Universidade Nova de Lisboa, vivendo emTomar. Desistiu logo, porque não aguentou. Nasce o seu segundo filho.Manteve-se sempre a trabalhar como professora não licenciada. Em1985 pede o reingresso na UNL, com transferência para a Universidadede lisboa. Fez quatro disciplinas. Trabalhava e vivia em Tomar. Nasceuo terceiro filho em 1987. Vida cansativa, exigente. Ficou muito fragili-zada. Em 1988 surge um grave problema de saúde. Em 1991 divorcia-se, ano em que é hospitalizada. Recomeçou depois a trabalhar emAbrantes e a seguir em Tomar. Já em 1992. Nesse ano pede o reingres-so na UL, para recomeçar Românicas, e acaba por recomeçar desta vezde vez, mas a partir do zero e em Coimbra. A odisseia do curso termi-nará em 1998, licenciando-se em Línguas e Literaturas Modernas,Variante de Estudos Portugueses e Franceses. Durante o tempo deestudo, viveu sempre em Tomar. Tinha três filhos, os mesmos que lhederam a força de que precisou. E trabalhava. Trabalhou em Tomar,Figueiró dos Vinhos, Santarém, Ferreira do Zêzere (já licenciada), Avis,Portalegre (estágio), Samora Correia, Salvaterra de Magos, Tomar epor fim de novo, e pela terceira vez, Ferreira do Zêzere, no ano2002/03, onde ainda se encontra a ensinar português.

Etelinda Vieira, professora de Português

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Maria Manuela Canas, professora bibliotecária

Professora Bibliotecária, licenciada em História pela Universidade Novade Lisboa, natural de Santarém, ainda que tenha vivido grande parte davida em Torres Novas, residente agora em Ferreira do Zêzere. EstudarHistória em Lisboa foi o ponto de chegada de fantasias da primeirajuventude e o ponto de partida para a realidade da vida. Quem não selembra de Os Cinco, de Enid Blyton e das suas aventuras, que povoavamas fantasias de muitos de nós, quando éramos pequenos? Pois, foramessas histórias que ao longo do tempo conduziram Manuela Canas àHistória. Por causa das aventuras de descoberta daquele grupo dejovens da ficção inglesa, explica. Foram Os Cinco e também uma profes-sora de História do 7º ano, conta, que não se limitava a “dar a matéria”,mas incutia nos alunos o fascínio, também, da descoberta. Para ManuelaCanas, a História é o prazer da descoberta. Em Lisboa, a sua formaçãoderivou principalmente de um novo modo de vida que foi conhecernuma grande cidade. Aconselha os seus alunos a fazerem o que ela fez –que escolham um curso por gosto e vocação e não por utilidade, pois,«escolher um curso só pela saída profissional, esvazia-nos». Foi umdrama ir para Lisboa e sair de Lisboa. Primeiro porque foi sozinha edeixou a família e depois porque deixou a cidade e os amigos. Após ocurso, começou a trabalhar no Instituto Vaz Serra, em Cernache doBonjardim, como professora de Francês (valeu-lhe uma formação naAlliance Française, em Lisboa). No primeiro dia de trabalho pergunta-ram-lhe se «a menina era aluna de dia ou de noite». Seria aí professorade Francês e de História nos três anos seguintes e depois, concorrendoao ensino público, ficou colocada em Ferreira do Zêzere, em 1987/88.Seis anos depois integraria o órgão de gestão, eleita com Isabel Saúde ePaulo Mendes. Ficaria depois responsável pela biblioteca da escola,porque gosta de livros, como objecto e como texto para ler. Tudocomeçou numa pequena “salinha” onde havia uns armários e umas mesase poucos livros, depois foi sempre a crescer, num trabalho em equipa,até se levantar a biblioteca que a escola hoje tem.

Entrevista com participação deJoão Marmelo e Júlio Magalhães

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Isabel Saúde, diretora do Agrupamento de Escolas de Ferreira do Zêzere

Diretora da EB 2,3/S Pedro Fer-reiro, Ferreira do Zêzere. Naturalde Tomar. Faculdade de letras daUniversidade de Coimbra (1983).Começou a carreira profissional,no ensino, em Mira d´Aire,depois passou por Caldas daRainha, Açores, Tomar e por fimFerreira do Zêzere. Foi professo-ra de História, Português e Estu-dos Sociais. Chegou a Ferreira doZêzere em 1988/89 e cinco anosdepois integraria o órgão de ges-tão, como presidente, onde aindase mantém como diretora. Quan-do chegou a Ferreira do Zêzere(assim o quis, para ficar próximade Tomar), gostou da escola,passou a sentir-se bem nela, aoponto de a desejar gerir. Oambiente entre os jovens profes-sores era muito bom. Candidatou-se à presidência da escola em1993/94 por considerar que haviacondições para que a escola fun-cionasse de outra forma. Quis,com colegas, mudar a escola. Dizque muito foi mudado. Hoje con-fessa um certo cansaço. Pensa queprovavelmente está a «precisar demudar de vida». Acha que a esco-la tem «pernas para andar». Temum corpo docente estável, orga-nização administrativa e infraes-truturas que lhe garantem estabi-lidade e possibilidades para quemlhe possa dar continuidade. Con-quistou-se um «saber-fazer» quenão se vai perder.

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Natural do Porto, professor de História, licenciado pela Univer-sidade de Lisboa, Coordenador do Departamento de CiênciasHumanas. Desde pequeno que quis ser advogado e ainda esteveum ano a estudar Direito, mas abandonou o curso. «Não gostei»Viveu no Porto até aos cinco anos e depois foi para Lisboa. Estu-dou na escola D. Pedro V e na Passos Manuel. Após o curso deHistória, a sua experiência profissional foi construída em Silves,Vila de Rei, Cernache do Bonjardim (Instituto Vaz Serra), TorresNovas e finalmente Ferreira do Zêzere. Enquanto Coordenadordo Departamento de Ciências Humanas apresenta um estilo pes-soal muito marcado: organizado, aprumado, racional, quasemecânico – aliás, o seu discurso transparece o mesmo: um dis-curso, no tom, na forma e no conteúdo, com uma mecânica delei, muito jurista, uma engenharia de frases – e no entanto, quan-do solicitado a definir o que é ser professor, responde com umabase emocional - «ser professor é alegrias e tristezas». Pertenceuao órgão de gestão entre 1988 e 1992. Atualmente faz parte doConselho Pedagógico e coordena o Departamento de CiênciasHumanas. Considera que o problema maior da educação está nadiferença entre as culturas informais das famílias de onde provêmos alunos, onde o baixo grau de escolaridade dos pais é um agra-vo, e a cultura formal da escola, o que provoca muitas dificulda-des de integração dos jovens no mundo escolar.

António Pedro, coordenador do Departamento de Ciências Humanas

Natural de Alcobaça, reside em Torres Novas. Professora deHistória e licenciada pela Faculdade de Letras da Universidadede Lisboa. É uma especialista no ensino, educação e formaçãode adultos, mas hoje trabalha com adolescentes do 3º ciclo.Gostava de ter uma escola de qualidade, em que os alunosaprendessem efetivamente. Gosta que os seus alunos aprendama descobrir e a construir os seus saberes, para adquirir autono-mia. Mas isso é o mundo cor-de-rosa. O mundo pintado a coresreais não é bem assim. Anabela Maria, que já pertenceu aoórgão de gestão da escola, durante quase uma década, tendoficado com a pasta da educação e formação de adultos, gostavade ter uma escola de qualidade, mas acha que, palavras suas eno plural, «nunca o conseguimos e não sei porquê».

Por exemplo, os alunos do 3º ciclo, ao qual gostou de voltar eao qual conseguiu adaptar-se, «querem as coisas já feitas», o quechoca com o seu estilo de ensino, voltado para o ensino daconstrução dos próprios conhecimentos. É diretora de umaturma de percursos alternativos, que tem um currículo específi-co. Diz que são alunos muito desafiantes. A sua evolução é invi-sível, mas o resultado é interessante. Anabela Maria fez o 12ºano na Escola Secundária Cidade Universitária (Lisboa), traba-lhou no Tramagal, Mação, Benavente e Alcanena, antes de che-gar a Ferreira do Zêzere. «Ai onde vim parar!», foi a primeiracoisa que sentiu, quando viu a escola pela primeira vez. Diz quea escola mudou muito, para melhor.

Anabela Maria, professora de História

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Grande Reportagem

Histórias e memóriasde ferreira do Zêzere

Alunas da escola realizaram uma reportagem sobre o viver de antigamente em Ferreira do Zêzere,procurando compreender um pouco da história da região, as suas memórias, principalmente através deentrevistas realizadas a avós, tias e outras pessoas já de idade, contando igualmente com o apoio daBiblioteca Municipal de Ferreira do Zêzere, que as orientou na pequena investigação e lhes dispo-nibilizou bibliografia e fotografias antigas. Ao mesmo tempo, fizeram um pequeno retrato da nova gera-ção, falando com jovens da escola e do concelho, descobrindo o seu perfil e aspirações.

O concelho é limitado pelo importante cursode água - Rio Zêzere, que deu nome à vila.

As águas sobem. Vidas submersas.Em 1895, foi inaugurada a primeira ponte de

Vale da Ursa por Fontes Pereira de Melo. A segundaviria a ser construída em 1950 e 1951 com o intuito desubstituir a antiga, que ficaria submersa devido à cons-trução da Barragem de Castelo de Bode e enchimentoda albufeira (em 1951). A construção da barragem e onascimento da respetiva albufeira teve um grandeimpacto socioeconómico na região. Terrenos agríco-las, as tradicionais rodas, os lameiros e várias povoa-ções ficaram submersas. Foi um processo dolorosopara os habitantes (do Rio Fundeiro e Dornes). Oantigo Rio Fundeiro, por exemplo, era um lugar movi-mentado (havia bailes todos os fins-de-semana) commais de 40 habitações. Estes, na grande maioria,reconstruíram a sua vida noutras povoações dentro doconcelho.

Ferreira do Zêzere:Antigamente, as casas eram simples. As paredes eramconstruídas de xisto (a pedra dominante na região),habitualmente não caiadas, com divisões de madeira eo chão térreo, ou seja, sem soalho. Em regra as casastinham apenas rés-do-chão ou também rés-do-chão eprimeiro andar, para onde dava uma escada exterior,que por vezes terminava numa pequena varanda. Aolado ou no rés-do-chão das habitações viviam os ani-mais domésticos. A população abastecia-se de águasem más condições de captação, água de poços, fontesde mergulho, e bicas, dado que não existia água canali-zada. Para além disso, poucas eram as casas com luzelétrica, a maioria das pessoas utilizavam um candeeiroa petróleo. A base da alimentação era o pão de milhoou centeio e hortaliça (principalmente nabos e couvesgalegas). Os produtos produzidos e passíveis de vendanão eram consumidos: leite, ovos, galinhas, porcos,coelhos, queijo. E até mesmo a fruta (sobretudo amei-xa, cereja e medronho), era utilizada para fazer

Catarina Peixoto

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Alunos em busca da identidade da região

aguardente. Era vendido tudo o que fosse possível. Amulher, que era maioritariamente doméstica, contri-buía para o sustento da casa através destas vendas. Aalimentação deficiente era visível e o abuso de álcoolcomum. A pobreza e atraso estavam patentes no modode vida da população. As tabernas abundavam e pelomenos ao domingo e dias santos depois da missa rece-biam farta freguesia. Neste tipo de locais era comumjogar-se o jogo da medalha, jogo do fito, cartas, chin-quilho e matraquilhos. Existia o hábito de embriagar ascrianças de peito para poderem ficar em casa sozinhas adormir. Superstições e outros costumes influenciavamos atos das pessoas, por exemplo, na utilização dapequena cruz ou das figas para evitar o mau-olhado.Geralmente em todas as freguesias existia uma igreja, areligião tinha uma certa importância e era a figuramaterna que se encarregava de manter vivos os hábitosde oração, tais como rezar o terço. As tradicionaisfestas religiosas que perduram até aos dias de hoje

acabavam ao pôr-do-sol depois de uma missa, procis-são, taberna aberta e sorteios. A população nascia emorria quase sem assistência médica. Na vila existiaum centro de saúde com um só médico. Na Frazoeira,existia uma clínica privada onde o Dr. Real (como éconhecido ainda hoje) dava consultas. As pessoas sóvisitavam o médico no caso de sofrerem de um proble-ma de saúde, não existia o hábito de fazer consultas derotina. As crianças brincavam como podiam e cons-truíam os seus próprios brinquedos, tais como carros emotas de madeira e bonecas de trapos. Nas escolas,um só professor encarregava-se de ensinar dezenas dealunos. Normalmente estudavam até à quarta classe(trabalhavam nas férias) e depois iam trabalhar no cam-po, na cerâmica, no tijolo, na madeira. O dinheiro querecebessem era dado aos pais. Com o passar dos anos aescolaridade expandiu-se até à sexta classe. Muitascoisas mudaram e evoluíram, contudo as memóriascontinuam vivas. E deste modo, Ferreira do antiga-mente foi a base do que esta vila e todo o concelho éatualmente.

Apontamento de viagem ao passado

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Grandes entrevistas

Presente e passadojuntos numa só históriaA aluna do curso profissional de Animação Sociocultural, Ana Rita Alcobia, realizou uma entrevista àsua avó, que trouxe à memória passagens da sua vida que dão testemunho do que era e significava viverem Ferreira do Zêzere antigamente.

Como foi a sua infância?Foi de muito trabalho e sacrifício.Que experiências teve na escola?A escola foi mais ou menos, sempre descalça com um lápis depau, uma caneta que se tinha de molhar na tinta e tive até ao 3ºano três cadernos, um de duas linhas que era para aprender aescrever, outro de linhas que era quando já sabíamos escrevere um de desenho. Não gostava muito da minha professora daprimária por que me dava reguadas e levava muitas vezes comuma cana na cabeça, mas às vezes batia com razão porque nãofazíamos os trabalhos de casa (risos).Como eram os pais?Eram muito bons pais, honestos e sinceros, deram-me tudo oque podiam, pois deram-me educação, deixaram-me estudaraté ao 3º ano e ensinaram-me muitos valores …. Ensinaram-me de tudo um pouco para a vida, prepararam-me para sermulher, esposa e mãe.”O que fez na vida a seguir à escola?Fui para o campo trabalhar! Com sete anos ia pastar as ovelhase as cabras tratava dos porcos e dos outros animais, das gali-nhas, das vacas, … com quinze anos fazia o pão no forno delenha, lavava a roupa à mão, a casa, fazia de tudo um poucosempre que havia trabalho eu tinha que fazer.”Como conheceu o seu marido?Tinha 19 anos e foi num baile, ele pediu me para dançar, e aofim de muitos bailes a dançar, de muito convivo e conheci-mento, escreveu-me uma carta a falar em namoro e só passadoseis meses é que eu respondi, porque ele veio a minha casasaber a resposta e eu disse que sim, mas também só o via detrês em três meses, foi muito complicado, mas ao fim de doisanos de namoro pensou em fazer uma casa para nós, depois omeu pai é que deu o terreno, fez a casa e quando ela estavaconcluída, passados dois anos, pediu me em casamento e casá-mos.Como foi o casamento?O meu casamento foi feliz e triste! Foi triste porque casámosna altura da guerra e nesse tempo tinha se de pedir umas fatu-ras aos grémios para nos dar alimento; arroz, massa, açúcar…mas as batatas, as couves tínhamos em casa, porque vinham daterra - isto já foi há 65 anos.”Como foi ter o primeiro filho? O que sentiu?Foi maravilhoso quando soube que estava grávida, eu queria

muito ser mãe, queria ter muitos filhos por isso é que tivesete filhos (risos), no dia do parto estive muitos dias antescheia de dores; ao todo estive oito dias antes cheia de dores,durante esse tempo nunca fui à cama; ele quando nasceu vinhaquase morto (ar muito triste), nessa altura os médicos erammuito caros e nós não tínhamos dinheiro para tal, era quaseum luxo ir ao médico, mas por fim tudo correu bem, graças adeus! Todos os meus filhos nasceram sem problemas e passa-dos três meses engravidei do segundo.O que gostava de ter feito e que não fez?Gostava de ter aprendido a tocar concertina, aprender a andarde bicicleta e ter sido cantora - a minha mãe gostava muito deme ouvir cantar.Sentiu-se feliz com a vida que levou?Sim senti e sinto, por que não havia de sentir? Sempre fuisaudável, sempre tive saúde, pelo menos nunca apareceu atéhoje nada de grave, e para fazer tudo o resto, basta ter saúde.Voltava atrás para mudar alguma coisa?Não me arrependo de nada! Nunca roubei, sempre fui hones-ta e sincera como os meus pais me ensinaram.O que a mais fez feliz?Ter os meus filhos, porque são a parte de mim, uma parteque fica quando eu for e por me darem a alegria de ter netos ebisnetos.Nunca viajou?Viajei o que me deixaram, mas viajei bastante - fui a França,Espanha e dentro de Portugal fui a Lisboa, Porto, Almada eCorroios.Que sabedoria ou que lição tirou da sua história devida?A sabedoria tira-se das lições e as lições tiram-se da vida etodos temos as nossas lições de vida, e eu com a vida que leveitirei as minhas próprias lições.Sabe fazer mais alguma coisa do que andar no cam-po?Aprendi a ser enfermeira com a doença do meu marido, eleprecisava de injeções eu via como as enfermeiras faziam e eudava-lhas, aprendi a fazer pensos e também fazia muitos com,pois, com sete filhos não é fácil, tem que se fazer muitos pen-sos e também com os anos fui aperfeiçoando. Tudo o que sejade costura, renda, foi tudo aprendido a observar. Gosto mui-to de aprender a fazer coisas novas.

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O testemunho de gentes de ferreira do Zêzere

«Os meus pais prepararam-me paraser mulher, esposa e mãe»

Palmira Alexandre, 86 anos

Ana Rita AlcobiaEntrevistadora

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Aluna em conversa com tia de 80 anos

Entrevista à“Tia Gloria “Passado uma hora de encontro, entrevista começa…Deitada na cama por estar doente, começámos porver algumas das suas fotos que recordam momentosda sua vida… Segundo a minha tia, falar sobre histó-ria de vida requer muitos anos de experiência vivi-dos, que já tenha vivido muito e passado por muitasfases da sua vida, praticamente toda a sua vida …falarda sua vida é algo comum que costuma fazer diaria-mente, pois recorda muitos momentos e experiên-cias vividas. Maria da Gloria Conceição Galinha, seunome, é tratada pelos médicos por ”mulher dasdoenças”… Nasceu na Congeitaria, propriamente emFerreira do Zêzere.Como descreve a sua infância?A minha infância …praticamente não tive infância…comecei a trabalhar desde muito cedo, mas cheguei air para a escola primária aos 7 anos, na escola deÁguas Belas, onde andei até aos 12, depois os meuspais tiraram-me da escola e, aí, comecei ajudá-los…ajudar a minha mãe na casa e a guardar gado. Depoisdos comecei a trabalhar no campo com uma cacholanas mãos e vários objetos. Entretanto aos 23, farta deestar em casa dos meus pais, sem me sentir realizada,fui para Lisboa fazer trabalho doméstico.O que queria ser na sua vida …era isso quequeria fazer no futuro?

Não, eu queria estudar mais, mas os meuspais não deixaram porque não tinham dinheiro. Maseu não era saudável para trabalhar no campo, entãoresolvi fugir da casa dos meus pais para Lisboa, sozi-nha, à procura de emprego. Trabalhei toda a minhavida a fazer trabalho doméstico. Passado um ano,

Rita RosaEntrevistadora

meu pai foi-me buscar para casa e eu vim contraria-da, pois minha mãe queria-me em casa, passava osdias a chorar para eu voltar. Mais tarde eu não meconformei em cá estar, não me sentia feliz cá e fuinovamente para Lisboa trabalhar no trabalho domés-tico contra a vontade dos meus pais.Como era a sua relação com as suas patroascom quem passou quase toda a sua vida atrabalhar e a viver nas suas casas?Razoavelmente, sempre me dei bem e estimaram-mesempre, mas sofri lá muito por causas das minhasdoenças que não me permitiam fazer grandes esfor-ços, pois deixavam-me muito desgastada …só de melembrar correm-me as lágrimas pela cara abaixo …mas tinha de trabalhar para ganhar dinheiro para aminha sobrevivência.Conte-me algumas histórias da sua vida,algumas das experiências que tenha vivido.Tenho muitas histórias sempre para contar, já passeipor muitas experiências o longo da vida. Vou-tecontar que cheguei a trabalhar numa casa em quevivia lá, um “gajo” como vocês dizem, que era gay,ele de dia não estava, só chegava à noite a casa - erauma pessoa muito respeitadora, só que quando ele sesentia um bocado mais excitado também não era lámuito meigo comigo… tinha lá em casa o seu namo-rado, então queria que eu me fosse embora da casados seus pais para poder estar à vontade, para não serchateado. Ele teve em casa dos seus pais lá a mora-rem muitos namorados, andava sempre a mudar derapaz. Mas atenção, eu só ia trabalhar de dia paraaquela casa, não pensem que eu vivia naqueleambiente…

«Trabalhei toda aminha vidaa fazer trabalhodoméstico»

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E a sua vida amorosa, teve muitos namora-dos? Dado que nunca se casou…Tive alguns namorados na minha vida , mas nãolevei nenhum a serio …não eram o meu ideal ,namorava mais na brincadeira …quando terminavacom eles, eles ficavam a chorar .Sempre gostei deser independente, nunca tive um homem queamasse, que fosse o meu ideal e por isso nunca mecasei.Mas não teve nenhuma relação amorosaque a tivesse marcado mais?Sim, o meu primeiro namorado que eu tive, eleestava muito apaixonado por mim, estava na tropa,mandava-me sempre muitas cartas de amor…maseu não gostava dele e acabei por me fartar e acabeicom ele, eu no fundo não o amava, não era o meuideal …fi-lo sofrer muito. Quando terminei comele, ele ficou muito mal, a chorar muito…até medisse que um dia poderia fazer algum disparate porcausa de mim …pensou até em se matar, mas nãoo fez.A sua vida é marcada por momentos quepassou e que ainda hoje os recorda, prati-camente a sua vida foi em Lisboa, ondeandou a trabalhar como empregada domés-tica de casa em casa, mas decerto que devede ter alguns momentos que marcarammais que outros…quais foram para si, osmomentos mais marcantes da sua vida atéao momento?Para mim, foi quando saí de casa dos meus pais,comecei a sofrer desde muito nova, por vezes,estava desempregada e não tinha dinheiro …trabalhei até muito velhaComo tudo, na vida existem momentosmaus e bons, sei que passou por ambos…como toda a gente passa, pois a vida não ésempre como nós queremos… qual omelhor momento da sua vida? E o pior, quelhe tenha custado mais ultrapassar ou serultrapassado?

O melhor momento para mim, foi quando tinha 23nos, foi o momento mais divertido que tive porqueera jovem, divertia-me muito, ia aos bailes e àsfestas, levava a vida numa diversão, entretanto aífui para Lisboa… A fase que me custou muito naminha vida a ultrapassar e que desde ai ainda nãoultrapassei, foi quando fui operada a um pulmão.E porquê? Por que não conseguiu ultrapas-sar essa sua fase até aos dias de hoje?

Porque sofri muito, não fiquei aliviada com estaoperação …desde aí teve muitas doenças e ainda astenho, que não me deixam dormir, nem alimentarcomo deve ser.Para finalizar, responda-me só a uma últimapergunta: que sentido tem para si a vida?Gosto de viver no mundo, mas vivo com grandesofrimento. O mundo tem coisas maravilhosas, gos-to muito, mas sofremos muito cá… admiro muito omundo e a natureza que é linda, admiro muito aeducação e a moral. Eu vivo um pouco mais na soli-dão, agora que vim para cá para a minha terra, masDeus é bom. Tenho muito amor a Deus, acreditomuito em Deus e na Nossa Senhora, leio o terço efaço as minhas rezas e as minhas orações e ofereço aDeus. Gosto muito das minhas sobrinhas, vêm cáajudar-me nas tarefas domésticas, sempre que vou aosupermercado ajudam-me a fazer as compras, o queme dá um pouco de felicidade e fazem-me sentirmenos sozinha e acreditar que a vida vale a pena.Penso muito na minha vida, o que por vezes me fazficar triste, não tenho medo da morte, temos quenos conformar, nascemos e morremos …Deus deu oexemplo, nós não somos de cá, mas acredito que avida é eterna.

Maria da Gloria Conceição Galinha, hoje com80 anos, na companhia das suas sobrinhas.

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Antiga e nova geraçãode Ferreira do Zêzere

Trabalho de Vânia Sousa, Ana Catarina Soeiro e Filipa Santana

A novageração fer-reirensetem objecti-vos, sabe oque quer etem a certe-za de quequer sair deFerreira doZêzerequando ter-minar aescolarida-de secundá-ria e partirpara cida-des comoLisboa.

Painel de entrevistas a três jovens ferreirenses

«Quero sair daqui eir para Lisboa»Mara, 12 anos, 5º ano, Carril – Ferreira do ZêzereAnaisa, 10 anos, 5º ano, Ferreira do ZêzereMaria, 16 anos, 10º ano, Igreja Nova – Ferreira do Zêzere

Quais são os teus objetivos para o futuro?Mara—Os meus objectivos são passar sempre de ano, arranjarmuitos colegas, ter boas notas e ainda queria arranjar um namora-do.Anaisa- Os meus objectivos passam por estudar, tirar boas notas,passar sempre de ano e arranjar ainda mais amigos do que já tenho.Maria- Apenas ter uma boa média.

O que gostavas de fazer no futuro?Mara—Gostava de vir a ser educadora de infância, porque gostomuito de conviver com crianças, cuidar delas, principalmente debebés e ainda gosto bastante de quando elas começam a fazer asbirras, seja pelo que for. Dantes eu gostava de ser professora, mascomecei a aperceber-me de que era preciso tirar boas notas e entãocomecei a ver que não conseguiria e então mudei de opinião.Anaisa- Gostava muito de ser médica pediatra, porque a minhairmã está a tirar o curso de enfermagem e sempre me influencioupara isso. Penso que, com a minha mana enfermeira e eu médicapediatra, sempre que no futuro existisse alguém próximo de nósque necessitasse de ajuda, estaríamos nós para ajudar. Já quis serprofessora, enfermeira e advogada, porque ao ver a mana a tirar ocurso dela, comecei a aperceber-me do que realmente ela fazia eainda com as conversas que ela tinha comigo mudei de ideias edecidi optar por querer vir a ser médica pediatra.Maria- Queria seguir psicologia, porque gosto muito de aconselharos outros para que não se sintam mal quando têm problemas, masapenas tomei esta decisão a partir do 7º ano, porque antes desteano não pensava sobre isso.

Queres continuar a morar no conce-lho de Ferreira do Zêzere?Mara- Eu gosto de morar cá, é um conce-lho fixe, mas quero sair daqui e ir morarpara Lisboa, porque primeiro é o sitioonde quero ir estudar, e segundo porqueme fascina e já pensei mesmo muito nisso equero fazer lá a minha vida.Anaisa- Já vivi na Carril, sitio que tam-bém faz parte do concelho de Ferreira, sóque como o meu pai teve um acidente,então começámos a observar que a outracasa era pequena demais e tivemos de com-prar outra casa com mais espaço mesmodentro do concelho de Ferreira do Zêzerepara o meu pai se movimentar melhor.Sinceramente, gosto mais ou menos demorar cá. Quando morava no Carril podiafazer mais barulho e convivia e brincavamuito mais com as minhas primas quemoravam perto de mim. Para o futuro nãoquero continuar cá, quero ir para Lisboatirar o meu curso e posteriormente gostavade ir para França ou Dinamarca exercer aprofissão.Maria- Gosto de viver cá em Ferreira,mas no futuro gostava de ir morar paraCoimbra, porque nasci lá e sempre tiveesse sonho, para mim é uma cidade fasci-nante.

Ainda és muito nova, mas conhecesFerreira de antigamente?Mara- Conheço mal, apenas por fotogra-fias que os meus pais me mostraram enotei muitas diferenças. Ferreira está mui-to diferente do que era.Anaisa- Não conheci Ferreira de antiga-mente, nem me lembrava bem de fotogra-fias que já vi, mas com a Feira de São Brásdeu para ter uma ideia de como isto seria,não só na feira, mas também nas fotografiasque estão junto à biblioteca da escola.Maria- Não conheci Ferreira de antiga-mente, mas já vi imensas fotos e sei quepor exemplo onde é a câmara municipalatual era dantes umas bombas de gasolina.Por aquilo que vi das fotos e ao olhar parao atual vejo que existem muitas diferenças.

Que gostavas que existisse em Fer-reira e que não há?Mara- Gostava que tivesse cinema, umteatro, discotecas e ainda um Mcdonalds.Anaisa- Acho que em Ferreira falta maislojas, porque sempre que queremos algotemos de nos deslocar para sítios muitolonge, como por exemplo Tomar, e tam-bém que existisse zonas históricas parapercebermos mais da história de Ferreira.Maria- Gostava que existisse umas pisci-nas cobertas, cinema, Mcdonalds, lojas degomas, mais lojas de roupa e uma pizzaria.

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«Sempre fui doprincípio ao fim

doméstica etrabalhadora

do campo»

Os homens tinham prioridade sobre asmulheres. As três raparigas que nasceram primeiro nãoforam à escola, depois nasceu um rapaz e esse foi, entretantonasce outras três raparigas e não foram novamente, nasce outrorapaz e esse também não foi e entretanto nasci eu e aí já fuiporque já estava perto da escola e porque fui puxada pela pro-fessora. Era a mais nova a minha mãe chateou-se de andar areceber recados da professora e então um dia decidiu e foi falarcom ela e mandou-me para a escola, porque se não fosse issotambém eu não teria ido. Já passado algum tempo éque me comecei a arrepender de não terescolhido outra vida. As raparigas da minha terra cos-tumavam ir servir para Tomar, mas os meus pais não me deixa-ram, diziam que precisavam de mim em casa para trabalhar. Asque iam servir eram as que se safavam melhor. Os meus paistinham grandes propriedades e não me deixavam sair, porquearranjavam para viver, para comer, pois também elesnão conheceram outra vida, nunca saíram dacepa-torta. O meu avô ficou viúvo muito cedo, com doisfilhos, o meu pai e a minha tia, mas como era ainda muitonovo, mais tarde voltou a casar com uma senhora que tambémjá tinha dois filhos. Como sempre se ouviu falar, os enteados ea madrasta não se davam bem, eram mal tratados, essa senhorapuxava apenas para os seus filhos e então o meu pai e a minhatia nem muitas vezes dinheiro para comer tinham. Essa minhatia era muito habilidosa, tenho muito jeito para a costura, paraos bordados, mas não tinha dinheiro e como a madrasta a trata-va mal e não a ajudava, ela saiu de casa e foi para Lisboa ondecomeçou lá uma vida nova, e também onde conheceu lá o seumarido, logo depois foram para Aveiro onde fizeram a vidadeles lá, mas depois a família nem a chegou a conhecer, euprópria não a conheci. As minha outras duas “tias” tambémforam para Lisboa, onde se governaram lá. As raparigasque saíram para servir tiveram melhorescondições de vida.

Nasci no concelho de Figueiró dos Vinhos, numa povoaçãorural. Sempre trabalhei no campo desde os 13 anos, e aminha vida baseava-se em casa-campo,campo-casa. Na terra onde nasci, no início não haviaescola perto. Casei com 25 anos e tive três filhos. Quandocasei, mudei-me para Ferreira do Zêzere. Tanto eu, como omeu marido, eramos de Figueiró dos Vinhos, mas nós optámospor vir para cá, porque havia muito mais trabalho para as pes-soas, se me mantivesse lá não teria as condições de vida que tivecá, o trabalho lá era mais duro e menos remunerado. Só vim aFerreira três vezes, antes de vir para aqui morar. Quando vipara cá não tinha ninguém, o meu marido é que tinha uns tios edecidimos vir para cá. Quando nos mudámos, ficámos perto dorio. A minha professora da 3º classe pergun-tou-me se eu gostava de ser professora, e eurespondi-lhe logo que sim, que gostava muito, masnão tinha possibilidades económicas, mas tinha muitas capacida-des de aprender. Depois de me casar, tive várias possibilidadesde me empregar em serrações e em cerâmicas, mas depois vie-ram os filhos e era difícil de conciliar a casa, comos animais, os filhos e ainda esse emprego, eentão optei por não aceitar. Em casa fazia de tudo ao mesmotempo, mas sempre fui do princípio ao fimdoméstica e trabalhadora do campo. Comeceimuito mal, só começou a melhorar a partir dos anos 80. Quan-do vim para aqui morar, ia muitas vezes ao centro da vila, paracomprar e vender o que tínhamos. O mercado das frutas e doscereais era onde é agora o jardim e mais no centro era os toldosda roupa, a praça onde se vendia os animais era onde é agora arodoviária. Tudo mudou desde que foi feito a praça, a praça dopeixe era onde é o Amaro e finalmente as hortaliças é onde éatualmente a praça dos táxis. Ferreira era muito pobre. Gos-tava muito de ter viajado, conhecer outrasgentes, culturas, outras maneiras de agir e de pensar.Gostava muito também de ter sido professora, porque tinha acapacidade de fixar muito bem as coisas, mas na altura não davavalor a isso e mesmo assim eu fui a única rapariga dos meusirmãos que foi à escola.

Guilhermina Gomes, 69 anos, 3º Classe,Besteiras – Ferreira do Zêzere

Um retrato da antiga geração na primeira pessoa

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Inquérito na escola sobre o uso detabaco, álcool e drogas

A saúdeé a quemaissofreEste trabalho foi realizado no âmbitoda disciplina de Sociologia e trata-se deuma iniciação às técnicas de investiga-ção dessa ciência social. O objetivo foitentar compreender as consequênciasdo uso abusivo do álcool, tabaco edrogas por jovens menores de 16 anosa frequentar a nossa escola. Inquiri-mos, como amostra, uma turma do 9ºano e outra do 12º ano de escolarida-de. Os estudos oficiais apontam paraum crescimento do uso daquelas subs-tâncias nocivas entre os jovens. A téc-nica aplicada foi o inquérito por ques-tionário. Foram utilizadas ainda entre-vistas realizadas a alunos já em outroestudo, realizado no 1º período, eainda textos de apoio especializados namatéria.

A turma de 9º ano tinha 10 alunos, 5do sexo masculino e 5 do sexo femini-no. Todos já experimentaram álcool eapenas um não experimentou droga.O tabaco tem assim o menor número,com apenas 6 pessoas que experimen-taram. A primeira vez que cada alunoexperimentou uma das substâncias foisempre antes dos 15 anos e a maioriaentre os 12 e os 13. A maioria dosinquiridos consome uma das substân-cias ou frequentemente ou às vezes,sendo que apenas uma inquirida con-some frequentemente. Consomemporque «gostam». Só uma inquirida dosexo feminino afirma apenas sabermais ou menos as consequências douso. Os restantes, afirmaram sabê-lastodas. Apenas um indivíduo de cadasexo afirma que a marijuana podetrazer benefícios à saúde.

Na turma do 12º ano existem maisindivíduos do sexo feminino do quemasculino. São 10 de sexo feminino e5 de sexo masculino. A substânciamais consumida é o álcool. Apenasum indivíduo do sexo masculino afir-ma nunca ter experimentado álcool.A substância menos consumida é adroga. A maioria dos inquiridos expe-rimentou pela primeira vez com 14anos de idade. Os rapazes têm umconsumo mais precoce que as rapari-gas. A maioria dos inquiridos conso-me às vezes, sendo que apenas doisdos inquiridos do sexo masculinoafirmam consumir frequentemente.Houve também um inquirido do sexofeminino que não respondeu. A maio-ria dos inquiridos afirma consumirporque gosta. Só um inquirido dosexo feminino afirma apenas sabermais ou menos as consequências doconsumo. Os restantes afirmam sabê-las todas. Apenas a dependência doconsumo foi afirmada como conse-quência por todos. A maioria afirmoutambém como consequência os pro-blemas familiares. Apenas um indiví-duo do sexo masculino afirmou que oálcool traz benefícios à saúde. Apenas3 rapazes afirmam que a marijuanapode trazer benefícios à saúde. Amaioria da amostra não conhecenenhum caso de consumo exagerado.

Comparando os dois anos podemosperceber alguns dados como: O con-sumo do álcool no 9º Ano é de 100%e da droga não o é por apenas umapessoa. No 12º ano a droga é a

substância que menos já foi experi-mentada e mesmo o álcool não foiconsumido por todos os inquiridos.No 9º ano o consumo começou muitomais cedo, enquanto todos até aos 14anos já tinham experimentado algumadas substâncias, no 12º Ano a maioriadas raparigas experimentou pela pri-meira vez apenas a partir dos 13 anos.Em ambos os anos a maioria consome“às vezes” e as razões que apontamsão principalmente o “gosto”. Ambasas turmas responderam que sabiam asconsequências, menos uma raparigade cada ano. Apenas no 12º ano exis-te um aluno que reconhece todas asconsequências. Como curiosidade,apercebemo-nos de que o consumofeminino começa mais cedo que háalguns anos atrás, segundo dados detextos de apoio consultados. Chegapor vezes a passar o masculino.

Através da análise e interpretação dosdados chegámos a algumas conclusõespossíveis acerca das consequências doconsumo de álcool, tabaco e drogasem menores de 16 anos. Essas conse-quências variam consoante cada caso.Contudo, as consequências que maisobservámos foram as consequênciasao nível da saúde, depois consequên-cias na relação com a família e adependência física e psicológica.Todos os entrevistados falam sobre adificuldade em falar com os maisvelhos sobre o consumo, pois sabemque os pais não o aceitariam. Um dostextos de apoio fala do fato de oálcool criar uma tensão no jovem que

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Uma investigação de Jessica Couchinhoe Sílvia Ribeiro

Consequências do consumo de álcool, tabaco e drogaspor jovens menores de 16 anos

irá aumentar as discussões em casa.Finalmente um dos inquiridos fala-nosdo seu caso pessoal em que o tabacocriou bastantes problemas familiares.A nível da dependência, alguns dosinquiridos, afirmaram a dependênciacomo uma frequente consequência doconsumo (apesar de no seu caso talnão ter acontecido). Concluindo exis-tem inúmeras consequências que pro-vêm deste consumo tão prematuro,tanto ao nível da saúde, como ao nívelsocial. Contudo o que pensamos tersido o mais visível na nossa pesquisasão as consequências ao nível da saú-de.

Entrevista sobre o uso desubstâncias nocivas

Nome: Babalu (nome falso)Idade: 17Sexo: feminino- Já experimentaste alguma vez drogas, álcoolou tabaco?“Sim, sim, sim. Sim às três.”- Com que idade?

«Quantomais cedo,

pior»

“Ora bem… O álcool experimentar (não beber) foicom 13 anos, estava no 7ºano, drogas com 16 ou 17,com uma amiga. E o tabaco com 14 anos. Não gosteinada. Atualmente só bebo álcool, só comecei a beberálcool com “frequência” (normalmente) aos 17 anos,quando vou a festas. Consumir considero algo recor-rente, alguém que vai a um café e bebe uma cerveja ouvai à rua e fuma uma cigarro ou uma «passa», e eu nãofaço isso. Não é todos os dias.”- Por que razão experimentaste?“O álcool, a droga e o tabaco foi por curiosidade deexperimentar. O tabaco foi também um pouco porinfluência de amigos. A droga podia evitar, aliás podiater evitado todas (risos). Mas o álcool não acho que

Continua na pág. seguinte

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Continuação da pág. anterior

seja mau”- Escondestes aos teus pais?“O tabaco e as drogas escondi, o álcool não (pois elesestavam presentes). Não contei porque não era supos-to fazer, não se faz, mas “a curiosidade matou ogato” (risos), e fiz.” “Não sei qual seria a reação dosmeus pais se descobrissem, mas claro que não iriamgostar. Mas como não continuei…”- Achas que o consumo em menores de 16 estaa aumentar? Porquê?“Sim, sem dúvida. Porque vem tudo uma bocado damentalidade de hoje em dia. É tudo mais fácil, apesarde terem informação acabam por ser levados a fazerporque são mais influenciáveis. Antigamente podia serporque não sabia, agora é porque “é fixe”.”- Mas achas que os jovens têm conhecimentodas consequências?“Acho que eles esquecem. Eles sabem mas queremesquecer-se das consequências, pois são influenciadoscada vez mais. Acho que os miúdos hoje em dia preci-sam de mais atenção (talvez para compensar a falta dospais, não sei) e para ter essa atenção acabam por fazeresse tipo de coisa.”- Quais serão as outras principais razões?“Acho que principalmente são as influências, queremmais atenção e arranjar popularidade.”- Achas que este consumo prematuro é positi-vo?“Não! todas as substâncias fazem mal, quanto maiscedo pior, há tempo para tudo. Há tempo para experi-mentar e às vezes o melhor é nem fazê-lo.”- O que poderia ser feito para melhorar?“Acho que principalmente basta querer. Mostrar asconsequências, na minha opinião não vai levar a ladonenhum, é mesmo uma questão de mentalidade.Todos sabemos das consequências. Prender aquelesque vendem, tornava mais difícil. O preço já estácaríssimo, já não se pode fumar dentro de espaços, jánão há nada a fazer, é mesmo uma questão de mentali-dade. Para mudar tinham de mudar tudo”- Então, se um filho teu tivesse estes vícios oque farias?Acho que hoje em dia o melhor é começar a instrui-loslogo das consequências, embora as pessoas saibam.Mas não prender demasiado. Os meus pais nunca dis-seram “não bebas isso!”, não me davam um copo dewhisky para beber mas deixam-me a provar, entendes?Não fiquei com aquela coisa do querer muito experi-mentar, mesmo não podendo. Acho que os pais têmde por os filhos à vontade para não ficarem com aquelacoisa do serem “rebeldes”. Os pais pressionam demais“não faças isso!!”. Devem dar a experimentar, masobviamente têm de ser com contenção, não é darliberdade total. Para ser sincera os meus pais deram-me a experimentar e não é por isso que sou viciada.Todos os pais devem mostrar que têm confiança.- Por fim, pensamos que o fácil acesso as bebi-das alcoólicas, tabaco, e droga aos menores de16 anos pode ser uma das origem deste grandeconsumo. Concordas?Sim. Hoje em dia toda a gente tem, é muito fácil,

especialmente nos meios onde vivemos, basta pergun-tar a alguém e essa pessoa arranja, e não tens vergonhade o fazer. Acho que os comerciantes vendem a meno-res ilegalmente, e esquecem as regras. Acho que é paraganhar vida, estão-se a «lixar», é por egoísmo ouganância. A disponibilidade leva um maior consumoporque é fácil, se não te desses e deixassem nãobebias”.

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Um retrato da antiga geração de Ferreira do Zêzere

Maria Virgínia«O meu sonho era sercostureira»Maria Virgínia, 73 anos, 3ª classe, Besteiras – Ferreira do ZêzereNasci nas Besteiras e morei junto aos meus pais durante algum tempo. Fui para aescola, onde fiz a 3º classe e nos tempos livres trabalhava a cultivar a terra paraajudar os meus pais. E basicamente durante este tempo a minha vida foi pratica-mente sempre isto. Com 18 anos decidi ir para Lisboa trabalhar, pois na alturafalava-se muito dessa oportunidade e era uma forma de conseguir uma vida melhor.Fui trabalhar também para o campo de pessoas que me contrataram e trabalhar desol a sol. Era um trabalho muito duro, pesado, mas tinha de ser. Nesse tempoem que estive em Lisboa, que durou apenas dois anos conheci o meu marido e como passar do tempo pensámos e optámos por vir aqui para a terra novamente, poisera mais calmo. Depois fomos construindo uma vida, tivemos filhos. Eu ainda fuitrabalhando, como por exemplo, na serração, mas o meu marido teve alguns pro-blemas de saúde e então deixei de trabalhar para cuidar dele e para posteriormentetomar conta dos meus filhos. Enquanto ia cuidando deles e da casa ia fazendo emcasa os trabalhos no quintal para sustento de casa, pois assim dava para sustentopróprio e para vender para ir ganhando algum dinheiro. Eu tive alguns sonhos navida, nomeadamente o de querer ser costureira e trabalhar com esses utensílios,mas a vida nunca proporcionou isso e as hipóteses de o vir a concretizar tambémnão, o tempo passava e nada. Ia apenas fazendo as coisitas cá para casa e para osmeus filhos apenas. Os tempos de antigamente eram muito complicados, existiauma qualidade de vida muito diferente do que é atualmente, as dificuldades sentiam-se em grande proporção e nunca dava para fazer grandes luxos e com tantas coisasque iam surgindo a nível de problemas de saúde e assim nunca arriscámos muito emfazer boa, pensávamos sempre no futuro e no que podia ainda surgir. A vila de Fer-reira do Zêzere está tão mudada de há uns tempos para cá, agora está muito melhore mais bonita. As diferenças são muitas, exemplo disso é a praça, esta era feita ondeneste momento é o jardim. As coisas eram expostas no chão e era assim que as pes-soas escolhiam e compravam o que queriam e precisavam.

O desejo de António Nunes para osseus próximos«Queria que tivessem saú-de e sorte na vida»António Nunes, 84 anos, 4ª classe, Cardal – Ferreira do ZêzereNasci a 30 de Maio de 1927, por isso tenho 84 anos, aqui no Cardal.Fiz a 4ª classe, pois na altura não nos deixavam continuar até onderealmente queríamos. A minha vida sempre foi a trabalhar em traba-lhos muito duros. Desde novo comecei a trabalhar no campo paraajudar os meus pais a dar de alimento a mim e aos meus irmãos.Mais tarde fui trabalhar para patrões ali na minha zona, onde tinhaoutros tipos de obrigações. No seguimento disto, surge a oportuni-dade de ir trabalhar para Lisboa em quintas e eu fui, pois, mesmosendo longe de onde eu vivia, era uma forma de experimentar e teroutros pontos de vista, pois praticamente todas as pessoas iam paraLisboa trabalhar e também porque tive influência do meu pai, entãofui realmente. Lá trabalhava de sol-a-sol, era mesmo um trabalhocansativo e mesmo gostando muito de trabalhar no campo era muitodesgastante e saturante. Enquanto estava lá foram surgindo novospostos de trabalho aos quais me convidaram para ir executar; eramtrabalhos menos pesados mas que se ganhava menos, mas o

meu pai não me deixou abdicar do trabalho do campo onde seganhava mais, para ir trabalhar para nesses empregos mais leves.Numa das visitas que fazia à terra conheci a minha mulher queainda é nos dias de hoje. Casámos, construímos a nossa casa e,posteriormente, tivemos sete filhos. Mesmo tendo mulher efilhos na terra, continuei a trabalhar em Lisboa, pois como exis-tia mais pessoas para sustentar não quis que faltasse nada a eles.Custava-me mesmo muito estar longe da minha família e nãoconseguir acompanhar o desenvolvimento e crescimento dosmeus filhos, mas a vida sempre foi muito cruel e tinha de serassim, não existia outra hipótese. Mais tarde optei por levar trêsdos meus filhos mais velhos para Lisboa para trabalharem comigona quinta. Os meus sonhos sempre se basearam em que todosaqueles de que eu gosto muito tivessem muita sorte e saúde navida. De resto acho que tudo vinha por acréscimo. Acho queFerreira está muito diferente do que era antigamente. Ferreiraagora está muito bonita. A praça do peixe era onde é nestemomento o Amaro. Às segundas-feiras eu e a minha mulhercomprávamos o peixe e íamos para uma casinha que estava aolado, assar o peixe para almoçarmos e convivermos, pois acamionete era muito tarde e longe da nossa casa, ou seja, apa-nhávamos a camionete para ir para o lago azul e só depois apa-nhávamos o barco para ir para o cardal e andávamos um bocadoa pé até chegarmos a casa, carregados com as compras para asemana inteira.

Entrevistas de Vânia Sousa, Ana Catarina Soeiroe Filipa Santana

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Educaçãoespecial

Cristina Stoffel coordenanecessidades educativas de

meia centena de alunos

São cerca de meia centena os alunos do Agrupamento deEscolas de Ferreira do Zêzere que estão a atualmentebeneficiar diretamente dos serviços do núcleo de Educa-ção Especial estabelecido na escola sede, que conta com otrabalho especializado de quatro professores, incluindo acoordenadora Cristina Stoffel. Trata-se de alunos queapresentam alguma «deficiência ou disfunção que não lhespermite, só por si, aceder ao currículo», explica CristinaStoffel. A maioria das situações prende-se com problemascognitivos («é a maioria») e problemas de linguagem.Estes alunos, com necessidades especiais, têm tambémacesso a terapias com técnicos especializados, no quadrode protocolos que a escola mantém com o Centro deRecuperação Infantil da Ferreira do Zêzere, mas o habi-tual é esses alunos mais necessitados estarem integradosna escola, com os seus colegas, num espírito de inclusão eacompanhados pelos quatro professores especializados emeducação especial, coordenados por Cristina Stoffel, quese formou no Magistério Primário (Torres Novas) e selicenciou em Direito, na Universidade Independente, emLisboa, tendo-se especializado em Educação Especial em1998 na Escola Superior de Educação de Torres Novas.Encontra-se a realizar o mestrado em Supervisão Pedagó-gica na Escola Superior de Educação de Santarém.

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Filipa Reinas, Gabinete de Psicologiae Orientação Escolar

«Está aqui uma pessoaque os pode ajudar»

Filipa Reinas é a psicóloga de serviço da escola. É claro que oGabinete de Psicologia e Orientação Escolar não é um consultó-rio clínico, mas isso não impede os alunos e alunas, muitas vezes,de procurarem Filipa Reinas (FR) em situação de emergênciaamorosa! «Há casos em que me procuram por problemas amoro-sos, mas eu nunca digo que não», conta-nos FR. Os alunos jásabem que não é essa a função do gabinete, mas a boa relação queconstroem com Filipa Reinas ao longo do ano (e ao longo dosanos, pois alguns alunos frequentam a escola desde que a jovempsicóloga trabalha na escola, desde 2008), uma relação baseada naconfiança - «Eles sabem que não posso contar a ninguém o queme contam aqui», explica FR -, faz com que os jovens façamconfidências e desabafem problemas de ordem emocional. «Házangas com namorados», diz FR, «e depois querem que eu lhesdê a minha opinião, mas, claro, eu respondo que não lhes possodar opinião!». Além desses casos, a função propriamente dita deFR é a de fazer orientação escolar aos alunos do 9º ano de escola-ridade e do 12º ano, e de avaliar e acompanhar casos de dificulda-des de aprendizagem. FR explica que a maioria destes últimoscasos prende-se com falta de hábitos de estudo, pelo que tentapromover o envolvimento dos encarregados de educação na orga-nização do estudo semanal dos alunos. FR, de Tomar, formou-seem Psicologia em Coimbra, na Faculdade de Psicologia e Ciênciasda Educação. Sempre gostou de Ciências da Nutrição e de pro-blemas relacionados com a alimentação, mas uma boa experiênciacom a disciplina de Psicologia no seu 12º ano decidiu-a optar pelocurso superior de Psicologia. Chegou a Coimbra em 2001 e ter-minou o curso em 2006. Tendo feito a especialização em Psicolo-gia do Desenvolvimento, estagiou durante o 5º ano num centrode saúde e numa escola de Coimbra. Em 2006 voltou a Tomar,onde trabalhou na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens(CPCJ) e num ATL, depois ingressou num estágio profissional,também num ATL, o “Polegar Digital”, ajudando no estudo e nasatividades lúdicas das crianças, tendo continuado, como voluntá-ria, a fazer avaliação e acompanhamento junto da CPJC e emescolas. Em 2008 ingressou na EB 2,3/S Pedro Ferreiro, emFerreira do Zêzere, inesperadamente, através de resposta a anún-cio colocado num jornal. A entrevista correu bem e passou atrabalhar na escola até hoje. FR considera que trabalha numaescola «que se preocupa muito com o bem-estar dos alunos,especialmente com o bem-estar dos alunos mais desfavorecidos,por exemplo, saber se estão bem alimentados ou não» - «há umarelação de proximidade e de envolvimento com os alunos muitogrande, em contrapartida ao fraco envolvimento dos pais.»Entretanto, durante o seu trabalho na escola, FR ainda conseguiurealizar uma pós-graduação em Avaliação e Intervenção Psicoló-gica em Contexto Educacional, na Faculdade de Psicologia daUniversidade de Lisboa, que se transformou em mestrado emPsicologia da Educação e Orientação, com uma tese sobre a ava-liação de um programa de promoção de competências pessoais esociais chamado “Devagar se vai ao longe”.

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Este número da revistaponto de Vista é dedicado à busca dadefinição de uma escola a partir daperspetiva de profissionais a ela per-tencentes desde há muitos anos, hojecom funções de direção, coordenaçãoe ensino. O que se encontrou foi umaescola a iniciar um ponto de viragem,a respirar um ar de desejo de mudan-ça, após duas décadas de sucessivodesenvolvimento. Esta escola estevesempre ligada à sua comunidade emredor, sendo dela espelho, mas tam-bém pretendendo conquistar umlugar de vanguarda no concelho deFerreira do Zêzere. Por causa daíntima relação entre a escola e a vila,grupos de alunos que colaboraram naconstrução deste número, desenvol-veram reportagens e entrevistas nosentido de procurar uma compreen-são da identidade da região através dacompreensão da vida das suas gentes,principalmente das mais idosas. Porisso ouviram e registaram as usashistórias que aqui publicamos. Doisexcelentes trabalhos sobre a escola,realizados por grupos de alunas, umsobre os pontos fortes e fracos desteestabelecimento e outro sobre o con-sumo de substâncias nocivas, comple-tam os temas desta revista, além depequenas histórias de vida de seteprofissionais da escola.

Paulo Marquesprofessor de Filosofia, Sociologia ePsicologia

Escola 2,3/S Pedro Ferreiro, Ferreira do Zêzere

Editorial

Tio João, figura pública«Sinto-me realizado»João Roberto (“Tio” João), 84 anos, Carvalhal – Ferreira do ZêzereNasci um português pobre e hoje encontro-me na mesma situação. Nasci em Lama-ceiros, Igreja Nova. Estudei até à 3ª Classe e continuei a estudar na 4ª classe para con-seguir tirar a carta de automóveis. Trabalhei com o meu pai na construção civil e com18 anos fui para Lisboa porque era tendência. Lá cumpri serviço militar e fui fazendouns trabalhitos. Em 1964 iniciei a venda de castanhas, tremoços e gelados em Lisboa,porque um indivíduo amigo me incentivou e deu-me uma luzes e eu com o tempo fuiaperfeiçoando até ter a popularidade que tenho hoje em dia. Mas isto apenas era umpart-time, pois a minha profissão verdadeira lá era ser pedreiro. O meu pai já executa-va a profissão de pedreiro e eu fui continuando, pois nunca tive sonhos em especial.Levei a escrever este livro, porque depois dos 50 anos comecei a ouvir quadras quedava na rádio de Cernache do Bonjardim e fui escrevendo também até que aproveita-ram o que escrevi. Quem me ajudou foi uma senhora que não é de cá, mas trabalhacá. Voltou a dizer-me para publicar outro, mas os dias têm estado muito frios e o arcondicionado do meu escritório onde faço as minhas escritas está avariado. Tanto ogabinete, como a casa são muito frios, por isso não vale a pena. Os gelados, sou euque os faço ainda e espero fazer mais uns dias. Já fui algumas vezes a televisão, à RTPe à SIC e ainda quando a RTP veio fazer um programa cá a terra eu apareci novamen-te. Tenho dois filhos, mas a família nunca foi grande influída no negócio e por isso nãoposso obrigar a continuar com aquilo que construí. Nunca tive grande tendência paramudar, pois sinto-me satisfeito e realizado. Dizem-me várias vezes que me viram natelevisão e é um prazer, o tio João já é como uma relíquia. Todos vinham a correrquando ouviam a campainha do homem dos gelados. Trocavam pequenas moedas,tostões ou cêntimos, pela fresca guloseima. Levavam gelados, deixavam sorrisos.Com clientes dos zero aos cem todos contribuem para o meu bem. Está na bondadedas pessoas como me vão lembrar, já ouço tantos elogios e palavras doces que todosos dias fazem com que me sinta feliz. Para mim torna-se triste é a minha família maistarde não continuar com o negócio. Neste momento de quando não se vende casta-nhas nem gelados vou saindo e vou estando com os meus clientes com os quais tenhoconseguido alguns valores. A ideia da mota era para simplesmente não andar a pé epor isso trouxe-a de Lisboa, pois era onde havia muitas iguais, e única cá, ainda hoje,mas também todo o resto do material veio de Lisboa. Para todos é o Tio João dascastanhas e dos gelados, já sou conhecido mundialmente. Tive um primo que no inícioainda me ajudou, mas depois emigrou para a França. O segredo dos gelados está nofundo do rio, não dou a receita a ninguém. Se quiserem, combinem comigo e vêmaqui ver como os faço. Nunca aumentei os preços, pois as pessoas quando começam ater muito dinheiro começam a subir à cabeça e depois perdem tudo de vez. Mas tam-bém não costumo vender a toda gente, só vendo a quem compra...

Entrevista de Vânia Sousa, Ana Catarina Soeiroe Filipa Santana