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Registro Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba FUNDAÇÃO PRÓ-MEMÓRIA DE INDAIATUBA Estado de São Paulo - Brasil 2005

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Registro Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba

FUNDAÇÃO PRÓ-MEMÓRIA DE INDAIATUBA

Estado de São Paulo - Brasil

2005

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REGISTRO Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba FUNDAÇÃO PRÓ-MEMÓRIA DE INDAIATUBA Sede/Arquivo Permanente: Avenida Jácomo Nazário, 1046 Bairro Cidade Nova – CEP 13.334-047 - Indaiatuba – SP Fone: (0--19) 3834 6633 /3894 5654 - Fax (0--19) 3825 1933 Arquivo Intermediário: Rua Sargento Max Wolf Filho, 245 Bairro Cidade Nova – CEP 13334-130 - Indaiatuba - SP Fone: (0--19) 3834 8984 / E-mail: [email protected] http://www.promemoriadeindaiatuba.hpg.com.br Museu Municipal: Rua Pedro Gonçalves, 477 Jardim Pau Preto – CEP 13330-000 – Indaiatuba-SP Fone: (0--19) 3875 8383

Conselho Editorial Deize Clotildes Barnabé de Morais José Luiz Sigrist Lauro Ratti Jr. Rubens de Campos Penteado Sônia Maria Fonseca

Créditos da publicação Preparação dos originais: Sônia Maria Fonseca Concepção da capa: Raquel Cristina Mariotto, Sônia Maria Fonseca Projeto gráfico da capa: Paula Salazar, Rodrigo Alexandre Mariotto Tradutores: Pedro Condoleo de Queiroz (inglês); Maria Cristina Portella (francês) Revisão final: Sônia Maria Fonseca Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

REGISTRO: Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba/Fundação Pró-Memória de Indaiatuba. V.4, Nº 4, Julho 2005 – Indaiatuba (SP): Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, 2005. ????p.; 27,94 cm. Publicação anual ISSN 1678-9784 ___ 1. Arquivologia – Periódicos. 2. Arquivo Público Municipal – Indaiatuba - São Paulo (Estado). I. Título.

Tiragem: 500 exemplares

Esta revista tem o apoio da Associação de Arquivistas de São Paulo – ARQ-SP.

Impressão:

Gráfica e Editora Ottoni Ltda. (11) 4022 5309/ 4022 5312

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SUMÁRIO

Apresentação...........................................................................................................................5 Prática e Teoria Arquivística e Informática: algumas considerações.....................................7 Charles Dollar Tradução: Pedro Condolleo de Queiroz Avaliação ou Documentação: podemos avaliar arquivos através da seleção de conteúdos...............................................................................................................................18 Angelika Menne-Haritz Tradução: Pedro Condolleo de Queiroz Os Arquivos Municipais Brasileiros: estratégias para a modernização da gestão pública...................................................................................................................................35 Daise Apparecida Oliveira Arquivos e Movimentos Sociais...........................................................................................45 Janice Gonçalves Utilização de Recursos Informáticos nos Arquivos: algumas diretrizes..............................56 André Porto Ancona Lopez Organização do Fundo Caio Prado Júnior, do Instituto de Estudos Brasileiros – USP.......................................................................................................................................65 Paulo Iumatti O Arquivo em foco ...............................................................................................................................................76 Linha editorial e normas para publicação ...............................................................................................................................................80

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APRESENTAÇÃO Registro chega a seu quarto número, trazendo aos leitores mais duas traduções de textos do inglês, de teóricos renomados da Arquivística como Charles Dollar e Angelika Menne-Haritz, tornando esse autores mais acessíveis à comunidade arquivística de língua portuguesa. O texto de Dollar e o de André Porto Ancona Lopez abordam a questão da informática e arquivos. Daise Apparecida Oliveira traz a sua experiência de implantação do GSDIM- Gestão Sistêmica e Informação Municipal em municípios brasileiros. Temos a contribuição de Janice Gonçalves com o artigo sobre arquivos e movimentos sociais. Paulo Iumatti relata a experiência de organização do Fundo Caio Prado Junior, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Neste ano temos a realização do VI Congresso de Arquivística do Mercosul (CAM), de 17 a 20/10 em Campos do Jordão (SP), oportunidade de congregar a comunidade arquivística da América Latina, Portugal e Espanha. O eixo temático do evento está centrado em três grandes linhas: A Natureza do Conhecimento Arquivístico; Ensino e Aprendizagem, e Políticas e Práticas Arquivísticas. Nos últimos dez anos temos observado um grande avanço teórico-metodológico na área de Arquivos, mesmo que isto não tenha sido traduzido em um maior número deles nos milhares de municípios brasileiros, por exemplo; observa-se um esforço dos profissionais no aperfeiçoamento das práticas arquivísticas em consonância com as necessidades modernas impostas pelo avanço de novas tecnologias. Costuma-se atribuir o desenrolar dos fatos à mudança de paradigmas. A arquivística, de um ponto de vista epistemológico, se ressente ainda de uma não-padronização de categorias e conceitos em âmbito mundial, o que em parte deve-se, é claro, à multiplicidade de línguas e à diversidade cultural; por outro lado, convém lembrar que o nascimento da arquivística enquanto campo do conhecimento, tem pouco mais de cem anos, tendo como marco o Manual dos Arquivistas Holandeses, escrito por S. Muller, J. A. Feith e R. Fruin e publicado em 1898. Por fim, reiteramos que está franqueado o espaço de Registro para os profissionais de arquivo do Brasil e do exterior para quaisquer manifestação tais como abordagem teórica, relato de experiências e estado da arte da arquivística como disciplina. O Conselho Editorial

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PRÁTICA E TEORIA ARQUIVÍSTICA E INFORMÁTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES*

Charles M. Dollar Tradução: Pedro Condolleo de Queiroz

Introdução1 Antes de prosseguir, eu gostaria de compartilhar com vocês cinco perspectivas que eu trago para este estudo. Primeiro, há ampla evidência de uma mudança emergente na comunicação global, da comunicação impressa para a comunicação eletrônica. Segundo, à luz dessa mudança emergente, o estudo se concentra nos arquivos eletrônicos produzidos hoje ou nos que deverão ser produzidos durante a próxima década. Conseqüentemente, os problemas de lidar com os arquivos eletrônicos produzidos nas décadas de 1970 e 1980 não são mencionados. Terceiro, embora eu tenha tentado levar em conta algumas das diferenças entre a perspectiva européia e a norte-americana sobre os arquivos, as idéias e argumentos neste trabalho têm raízes na literatura técnica e na experiência dos arquivistas que trabalham na América do Norte2. Quarto, eu acredito que nenhuma tradição cultural ou nacional ficará imune ao poder de penetração de tecnologias da informação durante o próximo século. Portanto, uma vez que os arquivistas, como os outros profissionais, são virtualmente impotentes para alterar substancialmente as tecnologias da informação, nós devemos adaptar a teoria arquivística e transformar a prática arquivística para acomodar a realidade das tecnologias3 da informação.

* As idéias e opiniões expressas neste estudo são do autor e não refletem necessariamente a política oficial do National Archives and Records Archives. 1 Agradeço à Università degli Studi de Macerata e ao Ministerio per i beni culturali e ambientali (Itália) por me convidar à Conferência Internacional sobre “A Ciência Arquivística no Limiar do Ano 2000: Balanço e Perspectiva”. O texto deste estudo é essencialmente e mesmo da conferência. 2 Estou especialmente em débito com Paul Conway, Beverly Hacker, Bill Holmes, Avra Michelsonm e Ted Weir, meus colegas na Equipe de Pesquisa e Avaliação Arquivística, por seus comentários e sugestões sobre as idéias expressas neste estudo. Ademais, eu me beneficiei grandemente da participação neste trabalho da Junta Técnica sobre Gestão de Documentos Eletrônicos das Nações Unidas. 3 Por cerca de uma década, vários arquivistas vêm abordando essa tema por escrito. Os arquivistas que sugerem modificações nos documentos eletrônicos na teoria e na prática são: C. M. DOLLAR, Appraising Machine-Readable Records , in “The American Archivist”, 41 (1978), pp. 423-430; F. G. HAM, Archival Strategies for the posr-Custodial Era, in “The American Archivist”, 44( 1981), pp. 207-216; R. KESSNER, Automated Information Management: Is there A Role for the Archivist in the Office of the Future?, in “Archivaria”, 19 (Winter 1984-85), pp. 162-172; A. MENE-HARITZ, The Impact of Convergence on the Life Cycle of Records, in Management of Recorded Information: Converging Disciplines, New York 1990, pp. 121-130 e D. BEARMAN, in Managemnet of Eletronic Records. Issues and Guidelines, New York, United Nations, 1990, pp. 103-105. Os arquivistas que geralmente argumentam que a teoria arquivística atende às necessidades dos documentos eletrônicos são T. HUSKAMP PETERSON, Archival Principles and the Records of the New Tecnology, in “The American Archivist”, 47 (1984), pp. 382-193; T. COOK, From Information to Knowledge: an Intellectual Paradigm for Archives, in “Archivaria”, 19 (Winter 1984-1985), pp. 28-49; C. BAILEY, Archival Theory and Eletronic Records in “Archivaria”, 29 (Winter 1989-90), pp.180-196. Conciliando essas

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Quinto e último, embora seja útil levar em conta as diferenças entre a tradição e a prática arquivística isso não altera o que eu acredito que seja uma condição básica da vida moderna: o poder das tecnologias, e particularmente das tecnologias da informação, para romper diferenças sociais, culturais e nacionais na comunicação - uma das atividades humanas mais fundamentais. Conseqüentemente, nenhuma tradição cultural ou nacional ficará imune ao penetrante poder das tecnologias da informação durante o próximo século. Não obstante, as tradições sociais, culturais e nacionais relativas aos arquivos são importantes na medida em que nos dão alguns indícios sobre a natureza das mudanças que ocorrem à nossa volta.

Na seqüência, eu tentarei examinar a utilidade de certos conceitos e práticas arquivísticas básicas, para fornecer orientação no tratamento dos arquivos eletrônicos. Esse exame se concentrará em três conceitos arquivísticos básicos – arquivo original e ordem original, proveniência, e o arquivo como depósito central – e em quatro práticas arquivísticas básicas – avaliação, classificação e descrição, referência e preservação.

CONCEITOS ARQUIVÍSTICOS BÁSICOS

Arquivo Original e Ordem Original

O conceito tradicional de arquivo original denota a informação registrada num suporte físico e cujos atributos ajudam a fornecer prova autêntica e contemporânea de uma transação. Esse conceito é produto de uma era na qual os documentos escritos ganhavam importância na comprovação de que certos eventos e atividades tinham ocorrido4. O ato de documentar lhes conferia status legal ou oficial. Porque a autenticidade como prova contemporânea era um atributo primário dos documentos escritos originais, testes como de assinatura ou outras marcas identificáveis tornaram-se importantes atributos físicos que distinguem uma cópia de um original5. É claro que o suporte da informação registrada era também uma entidade física – um pedaço de papel - e era impossível na prática, separar os atributos físicos dos atributos de conteúdo. Um documento público original, portanto, era uma entidade física produzida ou recebida por um funcionário público na condução de um negócio. O fato de ter sido produzido ou recebido lhe dava status legal ou oficial enquanto seus atributos físicos atestavam sua autenticidade.

Esse conceito de um documento original é impraticável para documentos eletrônicos criados na década de 1990. Suas limitações são mais evidentes em bases de dados relacionais em sistemas de informação geográfica e na hipermídia, onde informações totais ou parciais podem ser selecionadas a partir de um amplo banco de dados e incorporados num documento

duas posições estão os artigos perspicazes, desafiantes e elegantemente escritos de Hugh Taylor que vem aparecendo em “ Archivaria” nos últimos seis anos. 4 H. TAYLOR, Information Ecology and the Archives of the 1980s, in “Archivaria”, 18 (Summer 1984), p. 26. 5 Para uma discussão da diplomática sob o ponto de vista arquivístico, ver L. DURANTI, Diplomatics: New Uses for an Old Science, in “ Archivaria”, 28 (Summer 1989).

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eletrônico a ser enviado a alguém. Esse documento eletrônico representa apenas uma visão parcial da base de dados. De fato, ele pode existir apenas como um conjunto de instruções geradas por um computador como resposta a uma pessoa preparando um documento.

O que é crucial do ponto de vista arquivístico é definir em primeiro lugar o que constitui documento eletrônico oficial e, em segundo lugar, como verificar sua autenticidade. Uma proposta de definição para os documentos eletrônicos transfere a ênfase do conteúdo ou aspecto físico para a transação6. Por essa definição, qualquer atividade eletrônica que documente uma transação oficial é um documento e é do domínio da política de gestão definir o que é uma transação oficial para os documentos eletrônicos.

Resolver a questão da autenticidade dos documentos eletrônicos torna-se muito menos difícil por causa do impressionante potencial das tecnologias da informação para verificar automaticamente a autenticidade dos documentos eletrônicos. Senhas, direitos de uso e sistemas de rastreamento entre outros, podem atestar a autenticidade dos documentos eletrônicos mostrando quando um documento foi produzido, quem teve permissão para leitura apenas ou para leitura e transcrição, e quando o documento foi acessado. Semelhantes ferramentas de informação tecnológica também podem confirmar que o documento recebido foi realmente o documento pretendido (i.e., não ocorreram mudanças não-autorizadas). O fator crítico aqui é que a autenticidade não é um atributo físico nem de conteúdo. É, sim, um sistema de informações que existe independentemente dos sinais que compreendem os documentos eletrônicos. Esse sistema de informações é chamado de metadados ou dados sobre dados porque ele define as características dos documentos e seu uso, entre outras coisas.

Embora a ordem original seja o corolário dos documentos originais, ela é um conceito firmemente enraizado na idéia de que a organização é “um todo orgânico, um organismo vivo”7. Geralmente, a ordenação física ou a ordem original dos documentos encerra informações importantes sobre a estrutura organizacional num determinado momento 8. Preservar a ordem original assegura que as relações entre os documentos sejam mantidas e facilita seu resgate.

O aspecto central da ordem original, sem dúvida, é que a localização física de um arquivo em relação a outro arquivo encerra conteúdo intelectual. Porque os documentos eletrônicos não

6 Para uma discussão de grande utilidade sobre a idéia de transação de documentos ver Management of Eletronic Records: Issues and Guidelines, cit. pp. 35-36 and pp. 103-107. 7 S. MULLER, J. FEITH, and R. FRUIN, Manual for the Arrangement and Decsription of Archives, New York, 1940, p. 19. Michel Duchein acrescenta que “os arquivos são por natureza o conjunto de documentos de qualquer natureza que todo corpo administrativo, todo corpo físico ou organizado coleta automática e organicamente em razão de sua função ou atividade”: Theoretical Principles and Practical Problems of Respect des fonds in Archival Science, in “ Archivaria”, 16 ( Summer 1983), p. 67. 8 A ordem original neste contexto tem pouca importância para os documentos num sistema de protocolo.

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existem como entidades físicas distintas e porque a armazenagem dos sinais eletrônicos que compreendem o arquivo raramente possuem qualquer relação com um arquivo que seja mostrada num monitor ou impressa, a localização física das partes dos documentos eletrônicos nem requer nem encerra conteúdo intelectual.

Embora manter a ordem original dos documentos eletrônicos não tenha conseqüência, documentar relações lógicas é absolutamente crucial. Felizmente, no ambiente eletrônico, relações físicas e lógicas são separáveis. Tradicionalmente, as relações lógicas dos documentos eletrônicos são definidas segundo o que se considera documentação, que geralmente era baseada em papel9. A tendência para o desenvolvimento de sistemas léxicos10 de recursos informacionais interativas sublinha a importância de se capturar as relações lógicas nos sistemas de documentos eletrônicos. Ao lidar com documentos eletrônicos, os arquivistas podem abandonar o conceito de ordem original, mas as relações lógicas subjacentes à informação devem ser mantidas.

PROVENIÊNCIA

O alicerce sobre o qual se assenta a moderna “ciência arquivística” é o conceito ou princípio de proveniência. Aderir ao princípio da proveniência significa assegurar-se de que o contexto dos documentos arquivísticos seja mantido. Esse contexto inclui saber onde um documento “foi produzido, no decorrer de que processo, para que fim, por quem, quando e onde foi recebido pelos destinatários, e como ele chegou às nossas mãos”11. Conhecer o contexto no qual a informação foi produzida e usada também é importante para os usuários numa sociedade rica em informações.

Proteger a proveniência de documentos de papel geralmente requer “a não-separação de documentos vindos de um dado órgão e a não mistura de documentos vindos de diferentes órgãos,...”12 . Porque documentos em papel geralmente encerram informações relacionadas à proveniência, a adesão a esse princípio tem sido relativamente comum para a maioria dos documentos arquivísticos. Isso não é verdade para os documentos eletrônicos. De fato, é virtualmente impossível defender a proveniência para os documentos eletrônicos recorrendo a abordagens tradicionais. Uma razão para isso é que os documentos existem como sinais eletrônicos cuja localização relativa geralmente encerra conteúdo intelectual. Isso é verdade 9 Nos últimos anos, a documentação tem sido convertida à forma eletrônica e armazenada em fitas de computador próximas aos documentos propriamente ditos. A documentação está sendo substituída por sistemas léxicos de recursos informativos contendo todas as relações lógicas (metadados) que funcionam em um ambiente interativo. Um grande benefício dos emergentes sistemas léxicos de recursos informativos é que eles têm probabilidade de serem transparentes e fáceis de usar. 10 Ver The Impact of Information Technologies on Archival Principles and Practices: Some Considerations para uma discussão sobre o trabalho de desenvolvimento no padrão internacional para Sistemas Léxicos de Recursos Informativos (em Inglês IRDS). 11 M. Duchein, op. cit., p.67. 12 Ibid. p. 75.

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mesmo quando os processos de arquivamento ou as convenções adotadas para a denominação de documentos são complexos13. Certamente rótulos colocados nos disquetes ou alguma outra forma de identificação podem dar alguma indicação da proveniência, mas isto seria vago na melhor das hipóteses.

Manter a proveniência é muito mais difícil quando há uma base de dados em rede ou corporativa, onde o sistema de gestão da base de dados determina onde e como a informação é armazenada. Um usuário pode obter informações de uma base de dados corporativa ou de uma base distribuída14 sem saber onde a informação está armazenada, qual unidade a produziu, se a informação está atualizada ou quem a usa, porque a informação de uma base de dados não é auto-referente. Um típico dicionário registrado de uma base de dados pode propiciar um pouco dessa informação contextual que a proveniência fornece. A informação contextual se torna ainda mais diluída quando informações são continuamente inseridas ou atualizadas. Finalmente, a proveniência é virtualmente inexistente em complexas redes interorganizacionais de informação ligadas por sistema de telecomunicação. Na prática, ligações de computador para computador, dissolvem as fronteiras tradicionais entre organizações, unidades sub-operacionais e órgãos que no passado forneciam muitas das informações baseadas na proveniência15.

DEPÓSITO CENTRAL

Os arquivistas usam a palavra “Arquivo” para designar uma instalação ou edifício, onde especialistas treinados em procedimentos arquivísticos podem assegurar que documentos inativos, produzidos por uma organização, sejam armazenados e protegidos contra negligência e danos e consultados para estudo. Três considerações, vindas do mundo dos documentos de papel, têm favorecido o crescimento dos arquivos centralizados modernos, que têm custódia legal e física de documentos inativos. Primeiro, um arquivo centralizado que tem controle legal e físico dos documentos pode assegurar a integridade dos arquivos porque os arquivistas estão comprometidos com a idéia de preservar as informações tais como foram usadas pela organização produtora. Segundo, é geralmente mais econômico armazenar documentos inativos em uma instalação central de baixo custo que manter esses arquivos em um ambiente de escritórios. Terceiro, é muito mais fácil e menos dispendioso para os usuários consultar um arquivo centralizado para documentos inativos que consultar várias organizações à procura de documentos inativos que podem estar misturados com documentos ativos.

Em um ambiente emergente de informação eletrônica, os fatores que têm promovido instalações arquivísticas centralizadas para documentos em papel não são muito animadores. Consideremos, por exemplo, a relação custo-benefício. Apesar do custo de modo geral

13 Tipicamente, uma tabela de localização de fichas, que poderia designar nomes de fichas produzidas por humanos (no sistema DOS o limite são oito caracteres), controla o acesso a documentos individuais. 14 Isso supõe, claro, que o usuário autorizou o acesso à informação. 15 Tipicamente esse limites são definidos em termos do órgão.

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declinante da tecnologia da informação eletrônica, o custo da migração de arquivos eletrônicos de sistemas antigos de computador para sistemas mais novos a fim de minimizar a dependência de “hardware” e “software” deve continuar sendo substancial. É certo que o custo de manter informação eletrônica em sistemas de computador para propósitos especiais será substancial. A maioria das instalações de arquivos centralizados não tem os recursos para arcar com os custos crescentes de migração de tecnologias para um volume cada vez maior de documentos eletrônicos. É muito mais viável que organizações que já possuem o equipamento mantenham e providenciem o acesso aos sistemas de documentos eletrônicos e também que tenham os recursos para migrá-los através de tecnologias e novos sistemas de computador e prover o acesso a documentos “arquivísticos”16.

Se os fatores da relação custo-benefício continuarem a ditar onde os documentos arquivísticos são armazenados, os arquivistas devem redefinir o papel e as responsabilidades dos arquivos centralizados pelos arquivos eletrônicos. Esta redefinição poderia incluir a concentração no desenvolvimento de programas, ferramentas, diretrizes e regulamentos que facilitem acesso por diferentes bases de dados e sistemas de informação17. Isso pode significar, por exemplo, ajudar a desenvolver e promover a adoção de instrumentos e padrões de interface que facilitem o acesso.

Outra possibilidade seria definir uma instalação de arquivo centralizado como um arquivo de último recurso. Na prática, a responsabilidade que teria uma instalação de arquivo centralizado de assumir a custódia física de documentos eletrônicos somente ocorreria quando uma organização não estivesse mais disposta a continuar sua manutenção e migração através de tecnologias. Isso por sua vez poderia levar a um programa de instalação de arquivo centralizado que permitisse a leitura de documentos eletrônicos sem o concomitante custo da migração para novo software18. Finalmente, porque a maioria dos documentos eletrônicos somente seria transferida para um “arquivo de último recurso” muitos anos depois de sua criação, essa passagem de tempo daria aos arquivistas uma melhor perspectiva sobre o valor permanente dos documentos19.

PRÁTICAS ARQUIVÍSTICAS BÁSICAS 16 Um exemplo disso pode ser visto em E. GIANNANTONIO, The Eletronic System For Juridical Documentation at the Italian Supreme Court, Roma, Corte Suprema di cassazione, 1986. Eu estou em grande débito com o professor Renato Borruso por sua explicação e demonstração desse sistema. 17 De fato, os Archivos de la Nacion de Mexico já adotaram essa política de custódia arquivística descentralizada e controle de documentos legíveis por máquinas. Ver C. DOLLAR, Final Report on a Pilot Project to Develop a System of Administration of Computer Tapes for the Federal Government of Mexico, International Council on Archives, Paris, 1988. 18 Kenneth Thibodeau, diretor do Center for Eletronic Records of the Nacional Archives and Records Administration, propôs essa abordagem, que, na prática, transfere para algum tempo no futuro o custo de tornar a informação eletrônica inteligível ou utilizável. Essa abordagem também transfere para futuros usuários a decisão de quando as conversões para software ocorrerão. 19 Essa idéia de reavaliação periódica do valor de longo prazo é discutida em mais detalhes na seção sobre preservação mais adiante neste estudo.

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Avaliação

A fim de lidar com o crescente aumento de documentos contemporâneos em papel nas décadas de 1940 e 1950, os arquivistas da América do Norte desenvolveram diretrizes para a seleção de documentos de valor permanente. Chamados critérios de avaliação essas diretrizes faziam distinção entre o valor probatório e informativo dos documentos e identificavam onde em uma hierarquia administrativa, documentos de valor permanente provavelmente podem ser encontrados20.

Os arquivistas que avaliavam documentos em papel acharam que o foco mais eficaz seria nas séries documentais. Contudo, ao aplicar esses critérios a documentos legíveis por máquinas nos anos 70, o foco mais eficaz era uma arquivo21. Porque a maioria dos sistemas de computador nos anos 70 e 80 empregava um ciclo de entrada, processamento, e produção, arquivos eletrônicos era uma tarefa relativamente direta de rever o sistema de computador que produziu os arquivos eletrônicos.

Quando os arquivistas aplicaram os testes de valor informativo e probatório à avaliação de arquivos eletrônicos matriciais, eles concluíram que precisavam acrescentar a manipulabilidade e o potencial de conexão do computador à idéia de valor informativo22. Além disso, eles acrescentaram considerações técnicas relativas à legibilidade e portabilidade da documentação eletrônica ao critério de avaliação23.

À medida que os arquivistas ganhavam experiência no trabalho com documentação eletrônica, duas outras considerações relativas à avaliação emergiam. Primeiro, as limitações inerentes à documentação eletrônica (necessidades da documentação e exigências das máquinas) levaram os arquivistas a defender a avaliação da documentação eletrônica o mais breve possível depois de sua produção. Segundo, os arquivistas propuseram a introdução de critérios de avaliação no projeto dos sistemas aplicativos dos computadores a fim de

20 Para mais informações sobre estas diretrizes, ver J. MARKS YOUNG, Annotated Bibliography on Appraisal, in “The American Archivist”, 48 (Spring 1985), pp.190-216. 21 Se tanto uma série de documentos em papel quanto uma ficha legível por máquina forem vistas como um sistema de documentos, esta distinção pode ser de pouca conseqüência. No Arquivo Nacional dos Estados Unidos, essa distinção se desenvolveu por causa da política de que a função e não o formato define uma série de documentos. De acordo com essa visão, os documentos produzidos pelo mesmo órgão e que cobriam a mesma atividade funcional geral compreendia uma série, não importando seu formato. Isso dignificava, na maioria das vezes, que documentos não-textuais – fotografias, mapas e fitas de computador – foram incorporadas em séries existentes de documentos em papel. 22 Manipulabilidade por computador denotava o fato de que os documentos podiam ser processados por um computador. O potencial de conexão significava que dois arquivos separados podiam ser conectados por alguma característica comum. Embora manipulabilidade e conexão sejam possíveis com documentos em papel, na prática o tempo necessário para fazê-las manualmente torna isso possível. 23 Portabilidade denota se um arquivo legível por máquina pode ser usada num computador com sistema operacional e software diferentes dos daquele em que ele foi rodado originalmente.

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assegurar que os documentos e toda documentação relevante fossem apropriadamente mantidas24.

Apesar da introdução de considerações sobre avaliação no projeto dos sistemas aplicativos, de modo geral a avaliação da documentação eletrônica ainda emprega conceitos e ferramentas que terão valor cada vez mais limitado no manejo dos documentos eletrônicos produzidos a partir da década de 1990. Quando os documentos eletrônicos não têm correspondente em papel, como no caso dos documentos multimídia, dos sistemas de informação geográfica, das bases de dados relacionais integradas, e das bases de dados complexas que cruzam as fronteiras organizacionais, uma avaliação focada em arquivos históricos e matriciais não é útil. Além disso, a natureza integrada e a ligação entre essas bases de dados e sistemas complexos, que podem ser usadas para produzir “perspectiva de base de dados” quase ilimitadas, abala a idéia de unicidade da processabilidade e conexões do computador.

A avaliação arquivística no nível de sistemas de informação será pouco atraente ou estimulante para projetistas e usuários de sistemas de informação se o foco for no valor informativo para fins de pesquisa histórica. O que é necessário é uma abordagem arquivística do projeto de sistemas de informação que claramente mantenha uma missão organizacional ou uma necessidade comercial. Porque a missão básica ou a necessidade comercial na maioria das organizações é a documentação de como as missões ou as necessidades são executadas, a ênfase arquivística no projeto de sistemas de informação deve, portanto, dedicar-se a assegurar que a informação eletrônica seja identificada e retida e fique acessível para fins de prestação de contas (ou probatório) sobre o programa (25).

Incorporar esse conceito de gestão do ciclo vital da informação eletrônica arquivada26 ao projeto de sistemas de informação pode servir tanto para as necessidades de uma missão de organização ou de negócios quanto para interesses arquivísticas. Embora os arquivistas que trabalham com documentos contemporâneos (tanto de papel quanto eletrônicos) defendam fortemente o conceito de ciclo vital, na verdade poucos arquivistas analisaram cuidadosamente o que isso significa em termos de necessidades funcionais27.

24 Ver por exemplo, A. KOWOLWITZ, Archival Appraisal of On Line Information Systems, in “ Archival Informatics Technical Reports”, 3, No. 3 ( Fall 1988); J. McDONALD, A Commentary, Ibid.; and M. HEDSTROM, New Appraisal Techniques: The Effect of Theory on Pratice, estudo apresentado na Conferência Regional de Arquivos do Atlântico Central, Albany, New York ( Maio de 1989). 25 Essa discussão se baseia no confiável argumento de David Bearman, entre outros, a esse respeito. 26 Os estágios de gestão do ciclo vital das informações gravadas eletronicamente são produção, avaliação, uso e destinação. 27 O Arquivo Nacional dos Estados Unidos recentemente estabeleceu um grupo de trabalho para identificar as necessidades funcionais da gestão do ciclo vital das informações gravadas eletronicamente para o governo Federal. Um projeto semelhante para as Nações Unidas está sendo conduzido pelo Conselho Consultivo para a Coordenação de Sistemas de Informação (em inglês, ACCIS).

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A área critica onde as necessidades funcionais da gestão do ciclo vital das informações eletrônicas pode ser executada com maior eficiência é nos sistemas de metadados, ou informações sobre sistemas de informações. Alternadamente chamados de dicionários de dados, diretórios de recursos de informação, ou sistemas de metadados tipicamente descrevem a informação que os sistemas encerram, as visões e os relatórios gerados (rastreamento das alterações do sistema) ou passíveis de ser gerados, as funções que eles mantém e os usuários que eles servem. Os arquivistas devem trabalhar para assegurar que as necessidades funcionais da gestão do ciclo vital de documentos eletrônicos sejam incorporadas aos sistemas de diretórios de recursos de informação, como geralmente são chamados agora, assim assegurando que informações de valor arquivístico sejam identificadas, retidas e disponibilizadas. Um fator-chave para assegurar a acessibilidade ao longo do tempo é o desenvolvimento de um padrão internacional para os Sistemas Diretórios de Recursos para Gestão de Informações.

Se o envolvimento dos arquivistas com os sistemas de informação seguirem as linhas sugeridas acima, pode-se prever vários resultados. Em primeiro lugar, os arquivistas concentrarão cada vez mais sua energia e esforços no desenvolvimento de metadados – ou instrumentos de pesquisas, em termos arquivísticos tradicionais – para sistemas de informação em vez de seu conteúdo informativo. Porque os metadados para sistemas complexos de informação serão capturados em sistemas léxicos de recursos, os arquivistas também participarão da padronização desses léxicos. Em segundo lugar, à medida que os arquivistas cada vez mais reconhecerem a importância da responsabilidade dos programas de documentação (documenting program accountability), o valor informativo (ou uso secundário) dos sistemas de informação será eclipsado pelo valor probatório dos sistemas de informação. Por fim, os arquivistas terão participação total na comunidade emergente de gestores de informações e ganharão novas habilidades e papéis.

Classificação e Descrição

A classificação e a descrição arquivísticas tradicionais servem ao propósito de manter a proveniência dos arquivos e facilitar o acesso a eles. O arranjo físico tipicamente proporciona uma seqüência de grupos de documentos que se reflete num registro de localizações em estantes. O arranjo intelectual – a apresentação de relações e conexões lógicas entre grupos de arquivos – é muito mais significativa. Na América do Norte, os inventários de documentos em papel geralmente descrevem uma estrutura organizacional (e portanto proveniência), começando com um grupo de documentos e decrescendo em ordem hierárquica até uma série.

Embora os inventários arquivísticos geralmente sigam a estrutura organizacional, a maioria dos arquivistas acha que os consulentes de documentos arquivísticos estão mais interessados em documentos relacionados a áreas amplas28. Assim, as descrições de documentos

28 Os resultados preliminares de um estudo entre usuários do Arquivo Nacional sugerem que os pesquisadores não se aproximam de documentos arquivísticos com temas amplos em mente, e sim com as múltiplas facetas de um tema, incluindo datas, locais geográficos, nomes próprios, eventos históricos específicos. Eles estão de fato interessados em informações específicas como datas, locais e eventos históricos.

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arquivísticos pretendem fornecer informação que sugira o tema dos documentos. Por exemplo, bons títulos de séries geralmente identificam um período de tempo e implicam o conteúdo temático. Esforços para enriquecer o tema dos instrumentos de pesquisa geralmente envolvem uma narrativa ou descrição detalhada que segue políticas e práticas padronizadas, incluindo o uso de vocabulários controlados. Um usuário, portanto, pode passar os olhos pelos instrumentos de pesquisa encontrados em um arquivo permanente ( textuais ou informatizados) e identificar material que pareça relevante ao interesse de sua pesquisa.

As práticas e técnicas tradicionais de classificação e descrição arquivísticas funcionam bem com a maioria dos arquivos eletrônicos criados nas décadas de 1970 e 198029, mas devem ser transformadas para poderem tratar dos arquivos eletrônicos criados a partir da década de 1990. Essa transformação envolve tratar a ordenação e a descrição como uma atividade e transferir a ênfase dos produtos específicos, tais como os instrumentos de pesquisa, para uma visão mais ampla que englobe sistemas e processos de informação30. Nesse contexto, a descrição ocorreria no tempo de um projeto de sistemas de informação e se refletiria em um Sistema Léxico de Recursos de Informação. Esse SLRI identificaria todos os elementos informativos, definiria suas relações, explicaria o contexto de sua criação e uso, estabeleceria o rastreamento das alterações do sistema de uso e especificaria a responsabilidade organizacional por sua manutenção. Nessa transformação, um SLRI serve como um inventário de sistema de informação e também como instrumento de pesquisa.

Outra área de transformação na descrição arquivística envolve a substituição da busca de textos totais por vocabulários controlados e títulos de séries, que tradicionalmente têm sido usados para sugerir o conteúdo temático. Ligar o enorme poder do tratamento paralelo a um software que comporte a aplicabilidade da retroalimentação31 torna possível ao usuário passar os olhos por milhões de caracteres de informação escrita em apenas alguns minutos e localizar a informação específica que ele procura sem ter que confiar em conteúdo temático implícito. O apoio informatizado rápido e poderoso da a aplicabilidade da retroalimentação torna desnecessário que os arquivistas escrevam ricas descrições de séries incluindo termos de acesso temático para documentos textuais.

Referência

Uma função primordial de um programa de arquivo é disponibilizar os arquivos aos pesquisadores através do que é geralmente chamado serviço de referência. O serviço de

29 Veja T. HUSKAMP PETERSON, Archival Principles and Records of the New Tecnology, in “ The American Archivist”, 47, No. 4, (Fall 1984), p. 390. 30 Diretrizes existentes para fichas de dados legíveis por máquinas tais como a MARC AMC e Dodd’s Cataloguing Machine Readable Data Files. An Interpretative Manual, Chicago, American Library Association, 1982, são lamentavelmente inadequados nesta perspectiva. 31 Veja The Impact Of Information Technologies on Archival Principles and Practices para uma discussão sobre a aplicabilidade da retroalimentação.

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referência dos arquivos tal como é geralmente praticado hoje, procura suprir o pesquisador com acesso à informação que ele estaria procurando no arquivo. Esse tipo de serviço de referência exige que os pesquisadores vasculhem inventários e instrumentos de pesquisa, identifiquem caixas de documentos que eles esperam que atendam às suas necessidades, confiram os documentos e passem os olhos por caixas de documento em suporte de papel até encontrarem o que estão procurando ou concluírem que esses documentos não contêm a informação desejada. A suposição por trás do serviço de referência voltado para o suprimento é que os pesquisadores vão ao arquivo porque estão interessados nos documentos e estão dispostos a gastar o tempo que for necessário para encontrar a documentação desejada, uma suposição nunca testada, para dizer o mínimo.

Uma vez que a mudança de impressão para materiais eletrônicos se torna mais pronunciada na década de 1990, os pesquisadores passam a esperar serviços eletrônicos personalizados para informações específicas. Nesse ambiente, uma questão crítica para o serviço de referência de arquivos é como passar para um serviço de referência por demanda que acomode as expectativas dos pesquisadores e a necessidade de informações, não os documentos “per se”. Os arquivistas devem lançar um olhar original ao serviço de referência e começar a se concentrar em desenvolver uma estratégia de serviço de referência para informação eletrônica. Os arquivistas devem começar a fazer perguntas como: Quais são as características comuns aos grupos de pesquisadores? Quais elementos do serviço de referência são de maior importância para eles? Uma vez que essas perguntas tenham sido respondidas, os arquivistas poderão começar a re-orientar o serviço de referência para que ele seja por demanda e supra serviços que atendam as necessidades dos pesquisadores.

A perspectiva de um armazenamento de longo prazo de documentos eletrônicos, descentralizada ou distribuída, desalojando as instalações centralizadas de armazenamento de arquivos também exigirá uma redefinição do serviço de referência arquivística e habilidades arquivísticas em pelo menos três áreas. Primeiro, o serviço de referência arquivística deve se concentrar em facilitar o acesso à informação em vez de entregar documentos. Os arquivistas de referência terão que dominar complexos sistemas de informação de modo a poder ajudar os usuários a definir claramente suas necessidades de informação e auxiliá-los a ganhar acesso aos sistemas. De modo geral, isso significa que os arquivistas de referência terão que dominar complexos sistemas de informação de modo a poder ajudar os usuários a definir claramente suas necessidades de informação e auxiliá-los a ganhar acesso aos sistemas. De modo geral, isso significa que os arquivistas de referência funcionarão essencialmente como “porteiros” cujo conhecimento especializado de sistemas de informação será inestimável aos pesquisadores.

Segundo, os arquivistas terão que se envolver na formatação de padrões de tecnologia de informação a fim de assegurar que interesses arquivísticos importantes sejam atendidos. Redefinir o serviço de referência envolve a promoção do acesso através da adoção de ferramentas de interface de software e padrões de troca de informações. A ferramenta básica de software aqui será provavelmente um sistema diretor padronizado de recursos de informação, que conterá informações cruciais sobre um sistema de informações (metadados e

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documentos) através de tecnologias, o que ajuda a atenuar os problemas de obsolescência tecnológica.

Terceiro, os arquivistas terão que desenvolver uma sensibilidade ainda maior à necessidade de proteger a privacidade pessoal e prevenir o uso inadequado de informação arquivística. Facilitar o acesso à informação arquivística que é mantida num sistema atual de informações, deve ser acompanhado por um forte senso de responsabilidade para assegurar que informações delicadas não sejam inadvertidamente comprometidas ou disponibilizadas de maneira que prejudique os indivíduos. Assegurar que a privacidade de cidadãos individuais não seja violada seja uma tarefa cada vez mais necessária para os arquivistas executarem na mudança de informação impressa para eletrônica.

Preservação

A última categoria ampla de conceitos e práticas arquivísticas onde o impacto das tecnologias de informação reavaliação e modificação é a retenção arquivística permanente. A idéia de permanência, pelo menos nos Estados Unidos, não de maneira alguma absoluta32, no sentido de que através do tempo o significado de permanência tem variado da permanência da informação nos documentos à permanência dos próprios objetos físicos. Do século XVIII a meados do século XIX nos Estados Unidos a impressão de múltiplas cópias era vista como um modo de perpetuar a informação. Contudo, a partir do início do século 20, os desenvolvimentos tecnológicos levantaram a esperança de que a vida útil dos documentos poderia ser prolongada indefinidamente. Daí, afinal a retenção permanente veio a significar a extensão física da vida útil dos originais por um período de tempo ilimitado.

A obsolescência tecnológica inerente dos meios eletrônicos e os altos custos da preservação da vida útil dos documentos arquivísticos minam a idéia de retenção permanente. A reprodução periódica de documentos eletrônicos para assegurar o deslocamento das velhas para as novas tecnologias certamente atenua os efeitos da obsolescência tecnológica. é improvável, contudo, que qualquer arquivo nacional possa prover os recursos financeiros necessários para a reprodução periódica contínua de todos os “documentos eletrônicos permanentes” num futuro possível.

A fim de lidar com essa realidade, os arquivistas devem trazer uma nova perspectiva apontada para a “permanência” e para a “retenção permanente”. O conceito de “valor permanente”33 que implica que os arquivos podem perder valor com o tempo, dever ser ligado a um esforço sistemático para reavaliar o custo e os benefícios da retenção de documentos eletrônicos, incluindo tanto os custos da migração de documentos eletrônicos de um sistema velho para um novo quanto os benefícios da retenção de arquivos para fins de 32 J. M. O’ TOOLE, On the Idea on Pernanence, in “The American Archivist”, 52, No. 1 (Winter 1989), pp. 10-25. Muitas das minhas discussões sobre permanência forma extraídas deste artigo. 33 A expressão “permanent value” não é usada na jurisdição legal do Arquivo Nacional dos Estados Unidos; como substitutas são usadas as palavras “continuing value”.

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pesquisa. Essa reavaliação realista, como o norte-americano David Bearman observou, deve identificar os riscos envolvidos em concluir que os custos da retenção de documentos eletrônicos excedem os seus benefícios34.

Tradicionalmente a preservação, ao menos como definida pela maioria dos arquivistas, se concentra em tomar as medidas apropriadas para restaurar e manter a qualidade original do suporte da informação por tanto tempo quanto possível. A preservação dos arquivos eletrônicos exige mudar a ênfase, da preservação dos arquivos ou do meio físico de armazenagem para o acesso à informação capturada, armazenada e acessada eletronicamente. Colocar a ênfase nos aspectos intelectuais da informação, retirando-a do suporte da informação, é uma reorientação fundamental para a preservação dos arquivos eletrônicos.

O acesso aos documentos eletrônicos, portanto, se torna uma questão de legibilidade e inteligibilidade. A legibilidade dos documentos eletrônicos significa que eles podem ser processados num sistema de computador ou outro dispositivo que não aquele inicialmente criado para ele ou no qual ele está armazenado atualmente. Em contraste com isso, a legibilidade significa que a informação é compreensível para um ser humano. A inteligibilidade funciona em dois níveis. O primeiro nível acontece quando a visão do documento eletrônico não exige nada além do reconhecimento humano para ser inteligível, por exemplo, o código formatado de caracteres ASCII. O segundo nível ocorre quando um documento eletrônico não carrega suficiente inteligência (isto é, não é auto-referente) para um humano compreender seu conteúdo. Tipicamente, esse problema é associado com informações tanto codificadas quanto numéricas e a inteligibilidade desses documentos é possibilitada pelo uso da documentação que defina os valores representados pelos números e códigos. Obter inteligibilidade de documentos eletrônicos é extremamente difícil e caro quando a documentação é eletrônica e está embutida em um sistema dependente de software.

Uma nova definição de preservação significa assegurar a legibilidade e a inteligibilidade dos documentos eletrônicos para facilitar a troca de informações através do tempo. Padrões de troca de informação que sustentam caminhos ascendentes de migração que ligam gerações de computadores, têm o potencial de prolongar o tempo entre recopiagens por, digamos, dez a vinte anos. Da mesma forma, padrões para documentação eletrônica interativa, tais como o Sistema Léxico de Recursos de Informação, deverão prover uma ponte entre sistemas de software35 de outro modo incompatíveis, desse modo estendendo a inteligibilidade dos arquivos eletrônicos. Vários governos (os Estados Unidos, o Canadá e o Reino Unido) e as Nações Unidas caminham nessa direção ao adotar padrões para ambientes de “sistemas abertos”.

34 Management of Eletronic Records, p. 45. Deve-se observar que Harold Naugler aperfeiçoou (avançou) a idéia de reavaliação de documentos adquiridos em seu artigo, The Archival Appraisal of Machine-Readable Records: a Ramp Study with Guidelines, Paris, Unesco, 1984, pp. 93-95. Leonard Rapport primeiro suscitou a questão geral da re-avaliação dos documentos em seu artigo No Grandfather Clause: Reappraisal of acessioned records, in “The American Archivist”, 44, No. 2 (Spring 1981), pp. 143-150. 35 Sistemas de softwares incompatíveis inclui software que se tornou obsoleto.

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CONCLUSÃO

A idéia geral deste texto é que os arquivistas devem reexaminar crenças e práticas acalentadas quando redefinem seu papel e sua responsabilidade na emergente revolução da informação eletrônica. Nessa revolução, as tecnologias estão alterando dramaticamente o quadro das informações que tratam da comunidade à medida que as distinções entre o passado e o presente desaparecem os limites tradicionais entre as disciplinas enfraquecem. Essa paisagem em transformação oferece a nós arquivistas a oportunidade de redefinirmos nosso papel para não sermos mais vistos como curadores passivos do passado, preocupados apenas com registros históricos. Essa redefinição exige que os arquivistas se juntem corrente principal forjando novas relações com a comunidade bibliotecária e outros especialistas em informação e ajudem a criar uma agenda comum.

No mínimo, essa agenda deveria incluir componentes de gestão de arquivos e documentos para padrões de tecnologia da informação e assegurar o acesso através do tempo a documentos eletrônicos de valor permanente. Provavelmente a contribuição mais importante que os arquivistas podem dar para ajudar na criação dessa agenda é defender a incorporação ao projeto de sistemas complexos de informação e execução de uma funcionalidade em favor da proveniência.

Eu insisto para que os arquivistas italianos se juntem aos arquivistas com o mesmo pensamento nos outros países de todo o mundo que acreditam que os arquivos no século XXI não permanecerão inalterados. Eu insisto para que os arquivistas italianos se juntem a esses colegas na redefinição e adaptação dos princípios práticas arquivísticas básicas a fim de que sejam utilizáveis no trato com sistemas complexos de informação do presente e do futuro. Os arquivistas que decidirem aceitar essa nova terão desempenhado um papel maior na garantia do acesso de longo prazo a documentos de valor permanente em meio à contínua mudança tecnológica.

TITLE

Archival Theory and Practices and Informatics: Some Considerations

TITRE

Pratique et théorie archivistique et informatique: quelques considerátions.

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AVALIAÇÃO OU DOCUMENTAÇÃO: PODEMOS AVALIAR ARQUIVOS

ATRAVÉS DA SELEÇÃO DE CONTEÚDOS?

Angelika Menne-Haritz∗

Tradução: Pedro Condolleo de Queiroz A questão de se os arquivistas devem avaliar arquivos ou documentar a sociedade é outro modo de perguntar se os arquivistas devem adotar uma abordagem ligada ao conteúdo ou uma mais formal para construir e moldar fundos arquivísticos. É a velha questão de seleção de acordo com valor atribuído ou avaliação baseada no princípio da proveniência. No sentido mais amplo, avaliação é um julgamento de valores inerentes – o valor de propriedade, bens ou outros objetos em termos de preços ou outros critérios por uma pessoa que está autorizada a fazer tal julgamento. A seleção é feita com um propósito específico e itens individuais são selecionados por adaptar-se a uma exigência pré-determinada. O valor é atribuído de fora e sua validade provém da utilidade do item para necessidades específicas36. Muitas tradições arquivísticas atuais têm raízes na era medieval, quando itens eram selecionados para serem preservados em arquivos porque tinham importância legal, política, ou - nos séculos XVII e XVIII - histórica. Mas, ainda é essa a função dos arquivos de hoje? Há uma alternativa? E quanto às abordagens que tentam basear a avaliação no princípio da proveniência? E quanto à classificação dos produtores de documentos, às análises funcionais e os valores evidenciais schellenberguianos? Avaliação, no sentido original, significa analisar e estimar um valor, que não pode ser atribuído arbitrariamente a alguma coisa. O preço de um item fabricado, por exemplo, não é necessariamente tão alto quanto seu vendedor gostaria. Esse preço oscila entre dois limites: a compensação requerida pelo fabricante para justificar seu investimento e o preço permitido pelo mercado. Em casos muito complexos, tais como a compra de terras e casas, uma estimativa do valor inerente do item deve ser feita por um especialista qualificado para esse tipo de avaliação. Em tais casos, o preço não depende do valor atribuído de fora, mas de uma análise das qualidades inerentes ao item. A avaliação arquivística pode ser comparada à estimativa de valores inerentes como esses? Se pode, por qual metodologia os arquivistas incorporam essa habilidade como parte de seu “Know-how” profissional?

∗ Angelika Menne-Haritz é diretora da Escola Arquivística de Marburg, Alemanha, onde ensina ciências arquivísticas. Com várias publicações e encontros sobre avaliação em sua bagagem, ela participa de um vivo debate sobre a profissionalização dentro da comunidade arquivística. Embora a autora seja membro da Comissão de Gerenciamento de Programas do Conselho Internacional de Arquivos - CIA, responsável pela coordenação de pesquisa arquivística profissional, este artigo apresenta suas visões, não a daquela entidade. A comunidade internacional de arquivistas se empenha cada vez mais em discutir problemas que afetam a maioria dos países independentemente de diferentes tradições nacionais em gestão de documentos ou orientação histórica. Ao cruzar fronteiras geográficas com este debate profissional, parece útil que os arquivistas considerem uns aos outros não como representantes das tradições nacionais, mas como colegas com experiências e idéias para compartilhar. 36 Por exemplo, ver a definição de avaliação e seleção no Webster´s International Dictionary.

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Por que nós avaliamos? Se colegas em diferentes países, em vários tipos de arquivos, têm que responder por que avaliam, eles geralmente dão a mesma resposta: “Não podemos conservar tudo – não há espaço suficiente disponível e os arquivos têm equipe muito pequena para descrever tudo”. Mas, um melhor exame da rotina dos arquivos indica que essas razões não são suficientes para explicar porque os arquivistas avaliam. Os arquivistas, na maioria dos países, começaram a pensar em avaliação quando se encontraram sob forte pressão para assumir grandes quantidades de documentos de várias repartições públicas37. Essa tendência foi especialmente perceptível na Alemanha depois da Primeira e Segunda Guerras Mundiais. As primeiras políticas formais de avaliação para os arquivos prussianos foram formuladas em 1924 e aplicadas aos documentos dos ministérios militares e das agências governamentais que tinham proliferado um tanto caoticamente. Reflexões teóricas elaboradas em artigos de periódicos arquivísticos daquele tempo demonstram de forma impressionante como arquivos inundados sentiram o assalto de massas descomunais de papel38. Depois da Segunda Guerra Mundial, portanto, foi proposto usar a importância da função como o critério de seleção de repartições públicas para preservação de documentos. Decidir a importância dos produtores de arquivos a partir de um ponto de vista histórico e reduzir a massa de documentos descartando-se de todos os aqueles vindos das repartições menos importantes pareceu um trabalho mais fácil que tentar desenvolver teorias novas e consistentes que oferecessem diretrizes para selecionar itens a serem preservados vindos de todas as repartições. Os sistemas eletrônicos de escritório de hoje nos permitem ver mais claramente. O arquivista não é mais subjugado pelo medo de ser inundado por grandes massas de documentos; esse medo agora foi substituído pela consciência de que nada será submetido à avaliação se não formularmos princípios fundamentais que levem a uma teoria da avaliação que guie nossas decisões diárias. Percebemos que é necessário entender os arquivos tradicionais com mais precisão antes de podermos aplicar apropriadamente seus princípios aos documentos eletrônicos39. As experiências com documentos eletrônicos aguçam nossa percepção. Vemos muito claramente que não é simplesmente a quantidade, nem o espaço ou o custo, que cria a urgência da avaliação40. É a necessidade de diminuir as redundâncias. Pela diminuição das

37 Ole Kolsrud, “The evolution of Basic Appraisal Principles – Some Comparative Observations”, American Archivist, 55 (Winter 1992): 26-37. 38 Ernst Müsebeck, “Der Einfluss des Weltkriegs auf die archivalische Methode”, Archivalische Zeitschrift 38 (1929): 135-50. As aquisições do Arquivo Real depois da Primeira Guerra Mundial foram 350.000 processos (10 km) do Escritório Imperial para Indenizações; 120.000 processos (3,5 km) de “Territórios Ocidentais Ocupados”; mas também 7.228 processos do Ministério Imperial do Interior e 4.500 processos do Ministério das Finanças. O autor descreveu os problemas que ocorreriam se os critérios da demanda histórica fossem aplicados na avaliação desse montante e escreveu que “a avaliação até desses documentos contemporâneos causam inquietação”. 39 Trudy Huskam Peterson, “Archival Principles and the Records of the New Technology”, American Archivist 47 (1984): 383-93. 40 Johannes Papritz, “Das Massenproblem der Archive”, Der Archivar 17 (1964): 213-20.

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redundâncias, podemos tornar acessíveis e interpretáveis, para fins de arquivo e pesquisa, os instrumentos intelectuais das organizações. Isso significa que o objetivo da avaliação arquivística, tanto para o material tradicional quanto para documentos eletrônicos, deveria ser tornar os arquivos eloqüentes e facilitar a pesquisa. Esses objetivos são às vezes obscurecidos pelo impacto da tradição41. Raízes históricas dos arquivos Arquivos têm fortes raízes que continuam a ter um importante impacto na prática e teoria arquivística contemporâneas. Fonte de tradição eram as antigas tesourarias - depósitos medievais de escrituras públicas - que foram recebendo arquivos. Elas foram criadas e mantidas por entidades como as igrejas e cidades da Europa Medieval, cuja existência continuada dependia dos direitos concedidos pelos documentos custodiados nos arquivos. Mais tarde, esses arquivos seguiram um de dois caminhos. Alguns que mantinham grande importância política atraíram outros materiais vindos das chancelarias emergentes. Outros se tornaram tesourarias isoladas e, à medida que os direitos que protegiam perdiam valor jurídico ou político, transformaram-se em museus de antigos pergaminhos. Em muitos casos, quando as escrituras medievais adquiriam o poder de atrair cartas e escritos de valor, provenientes de registros de modos de vida, elas exerciam impacto sobre a estrutura dos arquivos em desenvolvimento no sentido de orientá-los a uma seleção de documentos importantes, mas separados. Algumas vezes, no entanto, as escrituras atraíam séries ou arquivos inteiros de importância específica, e através disso lançaram as fundações de uma estrutura baseada em proveniência. A história arquivística pode demonstrar muito claramente como a influência dos antigos depósitos de escrituras criou uma tendência à seleção de itens importantes inerente à autoconsciência arquivística moderna. Esses objetivos jurídicos iniciais dos arquivos ainda exercem sua influência quando os arquivos modernos se vêem como secretos e elitistas. Mas as tradições arquivísticas mais antigas também originaram uma tendência oposta: a tradição democrática de arquivos abertos criando uma transparência de política – um fórum aberto para decisões políticas, uma tradição renascida com o declínio do antigo regime. A república clássica de Atenas tinha criado um arquivo, mantido no Metroon, o templo da mãe dos deuses, que se tornou a protetora dos arquivos do Estado42. Esse arquivo foi planejado como o lugar onde cada cidadão pudesse ter uma visão de todas as coisas de importância para a comunidade toda, tais como leis, atas e decisões do governo, e também o lugar onde aquisições particulares tornavam-se legítimas através de sua divulgação43. Uma diferença decisiva em relação aos últimos arquivos da Europa Medieval, estes arquivos abertos lançaram as fundações do segundo objetivo importante do trabalho arquivístico

41 Para os complexos problemas ligados à avaliação de documentos eletrônicos, ver David Bearman, ed., Archival Management of Electronic Records, (Pittsburgh: Archives and Museums Informatics Technical Report N.º 13, 1991) 42 Ernst Posner, Archives in the Ancient World, Cambridge: Harvard University Press, 1972, p. 104. 43 Adolf Brenneke, Archivkunde: Ein Beitrag zur Theorie und Geschichte des Europäischen Archivwesens, bearb. v. Wolfgang Leesch (Leipzig: 1953), p. 109.

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contemporâneo. Os arquivos seletivos medievais, como descritos acima, estavam recebendo depósitos de privilégios e outros materiais destinados à conservação secreta para assegurar direitos concedidos. Os arquivos de Atenas também eram seletivos, mas em contraste com os depósitos medievais secretos, eram abertos e não recebiam fundos. Eles preservaram material do corpo emissor, dos produtores de arquivos, e mantinham o material para fins de divulgação. Os itens selecionados para preservação eram úteis para o público e para a compreensão da política. Porque a transparência da política é um pré-requisito dos Estados democraticamente organizados, os arquivos assumiram o papel de garantir uma visão dos processos de tomada de decisão. A mesma intenção de divulgar decisões políticas orientava o primeiro Arquivo Nacional da França em seus primeiros anos e também os arquivos do parlamento revolucionário alemão em 1848. Esses arquivos, destinados ao uso do público, tinham que garantir uma visão clara dos processos decisórios políticos. Instrumentos do governo, eles garantiam a inspeção pública da política e o necessário complemento ao exercício representativo do poder confiado a alguns cidadãos pelas eleições. O Império Romano não deu continuidade às tradições republicanas da Grécia. O Arquivo Nacional Francês posteriormente recebeu a determinação de colecionar antigos tratados e escrituras com direitos certificados para o caso de aplicações de restituição. O arquivo da Paulskirche nunca foi criado. Em vez disso, a instalação de um Arquivo Real da Alemanha, depois da primeira Guerra Mundial, foi fortemente influenciada por necessidade histórica; ele produziu um instituto de pesquisa pura com um arquivo como um de seus quatro departamentos. Não obstante, estes progressos históricos demonstram as raízes da outra parte da autoconsciência arquivística, que é a base das funções públicas do arquivo. Elas demonstram uma alternativa à seleção de itens de acordo com sua importância jurídica, política ou histórica e à sua manutenção em segredo por medo de perder privilégios. Eles mostram o potencial que o trabalho arquivístico, especialmente a avaliação, tem para a execução de políticas e gestão públicas e para garantir o direito do cidadão de controlar representantes eleitos. Os arquivos estatais modernos nas sociedades democráticas são comparáveis aqueles arquivos clássicos, os quais eram partes do corpo emissor e aberto a inspeções públicas. Eles têm um papel duplo: tornam evidentes os processos decisórios que afetam a vida pública e ajudam a garantir os direitos, não para o corpo mantenedor dos arquivos, mas para o público. É por isso que nós consideramos tão evidente o direito de acesso ser concedido por lei a todos os cidadãos. Ambas as tendências afetam o debate contemporâneo sobre avaliação44. Uma defende a seleção do que é importante; a outra, o dever de tornar o processo decisório transparente. A primeira pretende documentar a imagem da sociedade; a segunda pretende acumular evidências sobre contextos e processos, sem atribuir aos arquivos um julgamento externo de seus interesses ou valores “próprios”.

AVALIAÇÃO BASEADA PRINCÍPIO DE PROVENIÊNCIA

44 Luciana Duranti, “ACA 1991 Conference Overview”, ACA Bulletin. 15 (July 1991): 23.

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As primeiras idéias de avaliação por proveniência foram ouvidas na Prússia entre as duas Guerras Mundiais. Assim chamadas regras grupais foram formuladas na década de 30 com base em relatórios de motivação nos quais arquivistas tinham expressado suas decisões sobre avaliação e suas razões para chegarem a essas decisões. Derivado da necessidade de regras práticas para a manipulação de documentos de origem recente que não se encaixassem nos arranjos mais antigos, o princípio de proveniência tradicionalmente tinha um triplo significado:

1) Um princípio de classificação, através do qual arquivos são ordenados e fundos são separados de acordo com sua ordem original.

2) Um princípio organizacional, pelo qual esferas de responsabilidade e aquisição de fundos são definidos de acordo com estruturas administrativas.

3) Um princípio de pesquisa, pelo qual se formavam partes de métodos de trabalho histórico, indicando onde fontes apropriadas para certas pesquisas presumivelmente seriam encontradas.

A esses três significados, Adolf Brenneke, arquivista e professor no antigo Prusssian Institut Für Archivwissenschaft (IFA) na década de 30, propôs um quarto: o “livre princípio de proveniência”, que declarava que documentos poderiam ser organizados de modo a mostrar seu crescimento orgânico sem jamais terem estado nessa ordem45. Esse princípio pode ser resumido como uma similaridade de propósitos – o que é mais que a relação entre os materiais – com base numa origem comum. Brenneke propôs substituir o mais biológico entendimento do desenvolvimento orgânico, como expresso num manual holandês da época, por um significado mais histórico que mostrasse o impacto de influências históricas específicas sobre a forma dos fundos. Desse ponto de vista, a última e talvez acidental forma dos fundos poderia não ser a mais representativa da estrutura orgânica. Cada fundo deve, portanto, ser analisado e classificado conforme seus próprios critérios inerentes. Assim, Brennek formulou o propósito e função do trabalho arquivístico, que é analisar e demonstrar o crescimento orgânico dos arquivos. Instrumentos de pesquisa devem prover acesso aos indicadores não-verbais que tornam óbvias e compreensíveis as razões da existência dos documentos.

Essa teoria arquivística surgiu da estrutura administrativa altamente desenvolvida encontrada na Prússia no fim do século XIX e experimentada por Max Weber46. Essa estrutura, caracterizada tanto pela impessoalidade das tarefas quanto pela responsabilidade individual pelas decisões, se baseou em qualificações profissionais especializadas47. Ela se desenvolveu num país que adquiriu poder e importância política um tanto tarde e como resultado foi 45 Brennek, Archivkunde, 1953, p. 22. 46 Michael A. Lutzker, “Max Weber and the Analysis of Modern Bureaucratic Organizations: Notes Toward a Theory of Appraisal”, American Archivist 45 (Summer 1982): 119-30. Lutzker afirma: “Os documentos fornecem um mecanismo para monitorar o desempenho de um indivíduo e estabelecer precedentes para ações futuras” (p. 124). 47 David Bearman, “Diplomatics, Weberian Bureaucracy, and the Management of Eletronic Records in Europe and America”, American Archivist 55 (Winter 1992): 168-81.

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menos influenciado por tradições administrativas mais antigas que outros territórios alemães ou outros países europeus. Geográfica e administrativamente separadas dos poderes centrais do Sagrado Império Romano, as estruturas administrativas comparativamente jovens foram relativamente pouco influenciadas pela lei romana e retiveram traços de sua herança da lei germânica. Um elemento característico da tradição legal alemã é a função menos importante desempenhada por papéis ou pergaminhos. No caso de compras ou contratos particulares, o autenticum, a prova legal, era a memória dos participantes. A autenticidade estava com as pessoas, não com os documentos. A certificação autenticada, tão essencial na tradição romana, não era considerada necessária na tradição alemã. Em vez do lema latino Quod non est in actis no est in mundo, a lei germânica teria dito “o que eu não lembro não está no mundo”. Nas palavras de Hugh Taylor, é talvez correto caracterizar esse tipo de testemunho escrito – que é apenas apoio, não autenticum – como oralidade conceitual48. Nesta tradição alemã, os documentos tinham que apoiar, não provar, a comunicação orientada ao propósito comum. Administrações não apenas documentavam a sociedade, elas mudavam onde as mudanças eram consideradas necessárias e viáveis. Conseqüentemente, seus documentos não documentavam uma imagem da sociedade. Em vez disso, eles continham apenas aquelas informações sobre os fatos ou fenômenos externos que fossem necessárias aos propósitos comuns. Mas, ao mostrar como os processos tinham acontecido, os documentos forneciam a necessária visão de contexto, assim permitindo que a informação factual fosse compreendida. A teoria arquivística pré-Segunda Guerra Mundial – baseada nas estruturas administrativas e nos documentos que elas produziam, e formulada nas aulas de Brenneke, Meisner e outros no IFA na década de 30 – não teve qualquer influência nos últimos 50 anos de debate sobre avaliação na Alemanha. Rejeitando abordagens de avaliação (e em alguns casos até de descrição) baseadas no princípio de proveniência e categorizando-as como pertencentes ao século XIX, a Alemanha do pós-guerra não soube reconhecer os progressos arquivísticos que tinham ocorrido no estrangeiro. É realmente espantoso que as idéias de Schellenberg, por exemplo, não tenham ecoado na Alemanha, onde elas parecem ter se originado49. Nenhuma alusão às suas idéias apareceu na literatura arquivística alemã até o fim da década de 80, embora sua publicação sobre a “Avaliação dos Arquivos Públicos Modernos” estivesse disponível em tradução alemã. Bodo Uhl explica esse fenômeno ressaltando que os arquivistas alemães eram antes de tudo historiadores e assim estavam concentrados demais no conteúdo das fontes para perceber a aplicabilidade do conceito de Schellenberg50. Os tabus políticos da Alemanha do pós-guerra em relação à Prússia provavelmente contribuíram para impedir que os arquivistas alemães se conectassem com as idéias da década de 30. As condições da Guerra Fria reforçaram avaliações por conteúdo em ambos os lados da Cortina 48 Hugh A. Taylor, “Transformation in the Archives: Technology Adjustment or Paradigm Shift?” Archivaria 25 (Winter 1987-88): 12-27. 49 Kolsrud, “Evolution”, pp. 26-37. 50 Bodo Uhl, “Grundfragen der Bewertung von Verwaltungsschriftgut. Anstelle einer Besprechung von T. R. Schellenberg”, Mitteilungen für die Archivpflege in Bayern. Sonderheft 9 (Munich: Bewahren und Umgestalten. Walter Jaroschka zum 60. Geburtstag, 1992), pp. 275-86. Uhl deu uma descrição completa da história da teoria arquivística alemã durante uma conferência em 1989. Seu estudo está publicado com o título “Der Wandel in der archivischen Bewertungsdiskussion”, Der Archivar 43, Heft 4 (1990): 529-38.

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de Ferro. A “Entspannungspolitik” (política da détente) tinha, desde fins da década de 60, impedido comentários públicos críticos sobre os Estados Socialistas e a discussão profissional livre entre o Oriente e o Ocidente, os quais - no que diz respeito aos arquivos – sempre tiveram implicações políticas. Somente depois de 1989 pareceu possível um debate profissional aberto sem uma demarcação implícita ou explícita entre inimigos e amigos políticos. DOCUMENTANDO A SOCIEDADE

A Alemanha do pós-guerra formulou várias abordagens à seleção por conteúdo. Em 1957, Wilhelm Rohr observou que, na década de 20, a atitude até então passiva e confiante mudou e uma abordagem sistemática foi desenvolvida para lidar com desafios práticos: “Uma sistematização da avaliação começou e levantou a necessidade de um princípio consciente pelo qual as instituições arquivísticas têm que receber arquivos e documentos de todas as agências administrativas, não importando a forma que tenham ou onde estejam situadas na hierarquia”51. Em contraste com essa situação, Rohr afirmava, agências modernas em seu tempo forneciam uma simples massa de documentos que não tinham qualquer valor depois de sua produção. Georg Wilhelm Sante seguiu na mesma direção quando afirmou, a respeito da aquisição e avaliação de arquivos modernos: “Vemos essa servidão como a inevitável ruína do arquivista acadêmico”. Alguns progressos na profissão dos bibliotecários, que correm o perigo de perder sua condição de acadêmicos para simplesmente servir a seus livros, deveriam nos alertar para não seguir a mesma direção e nos afogarmos na massa de documentos52. Fritz Zimmermann afirmou que o valor arquivístico dependia do conteúdo e que a idéia de proveniência precisa ser relegada a segundo plano. Em 1970, Hans Booms se juntou a essa corrente com um estudo que apresentou à conferência arquivística anual da Alemanha; esse estudo foi impresso em versão ampliada no ano de 1972 e subseqüentemente foi publicado em Archivaria53. O documento de Booms foi escrito quando aquisições constantes e regulares de grandes administrações tinham começado e, pela primeira vez na história da arquivística (ou ao menos na história dos arquivos na Alemanha Ocidental), não havia diretrizes para aquisição e avaliação continuada

51 Wilhelm Rohr, “Zur Problematik des modernen Aktenwesens”, Archivalische Zeitschrift 54 (1958): 74-89. 52 Georg Wilhelm Sante, “Archive und Verwaltung – historische Provenienz und Probleme der Gegenwart”, Der Archivar 10, Heft 1 (1957): 7-16. Neste estudo para a conferência anual de Keblenz de 1957, ele escreveu que os arquivos devem ter em estoque uma documentação da sociedade tão ampla quanto possível para pesquisa histórica. 53 Hans Booms, “Society and the Formation of a Documentary Heritage: Issues in the Appraisal of Archival Sources”, Archivaria 24 (Summer 1987): 69-107. Ele confirmou seu conceito de um plano de documentação contemporânea novamente na Conferência da ACA de 1991, e o defendeu contra os críticos alemães, argumentando que a aplicação prática de um plano de documentação na Alemanha Oriental provou a aplicabilidade de sua teoria sem considerar as diferenças entre as sociedades socialistas e democráticas. Seu estudo foi publicado como Hans Booms, “Überlieferungsbildung: Keeping Archives as a Social and Political Activity”, Archivaria 33 (1992) 25-33. Ver também Siegfried Büttner, “Ressortprinzip und Überlieferungsbildung”, in Aus der Arbeit der Archive. Beiträge zum Archivwesen, zur Quellenkunde und zur Geschichte. Festschrift für Hans Booms, editado por Friedrich P. Kahlenberg, (Boppard: Schriften des Bundesarchivs 36, 1989) pp. 153-61.

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de forma pacífica e rotineira. Esse ensaio, com sua afirmação de que o princípio de proveniência não é um meio apropriado de avaliação e que sua adequação até mesmo como princípio de arranjo deveria ser reconsiderada, expressou sentimentos totalmente opostos aos da verdadeira prática dos Arquivos Federais, dos quais Booms estava prestes a assumir a diretoria. Seu ensaio só pode ser perfeitamente entendido se visto no contexto da situação política da Alemanha na época. Como Sante, Rohr e outros antes dele, Booms defendeu uma completa documentação da sociedade num dado tempo e postulou essa tarefa como uma obrigação profissional dos arquivistas. Baseado na demanda por pesquisa histórica como guia para avaliação, Booms ofereceu um modelo adequado, o plano de documentação que foi realizado dez anos depois na Alemanha Oriental (RDA)54. Dadas as diferenças políticas entre a Alemanha Ocidental e Oriental de 1945 a 1989, é um tanto espantoso que idéias pronunciadas e formuladas no Ocidente tenham sido postas em prática no Oriente. A história arquivística da RDA (República Democrática da Alemanha) pode de fato ser considerada uma realização experimental da avaliação por conteúdo, em oposição à intenção de que os arquivos tornassem evidentes os processos decisórios. Os arquivistas alemães se defrontam com uma tarefa desafiadora e um trabalho extremamente útil ao realizar uma análise detalhada das políticas e procedimentos da administração arquivística da RDA. Sem antecipar os resultados dessas investigações, eu descreverei a seguir alguns dos elementos decisivos da teoria e prática de avaliação na Alemanha Oriental e tentarei mostrar como e porque essa série de eventos demonstra a fraqueza e os perigos de uma avaliação arquivística por conteúdo. A experiência dos arquivos da Alemanha Oriental tornou claros os perigos inerentes à seleção de itens importantes para preservação. A seleção por conteúdo abriu o trabalho arquivístico à instrumentalização política. A seleção exigia confirmação externa e os arquivos não podiam decidir por eles mesmos as premissas para a seleção. Presumindo que “o valor dos arquivos é determinado pela importância social dos eventos, atividades e assuntos a que se referem”55, um Perfil de Documentação para Enquadramento foi elaborado no início dos anos 80, listando cerca de 500 eventos que deveriam ser documentados. Essa lista tinha sido aprovada por historiadores da Universidade Humboldt56 e legitimada pelo 54 Angelika Menne-Haritz, “Methodische Richtlinien für die Bewertung von dienstlichem Schriftgut”, Der Archivar 45, Heft 2 (1992): 126-30. 55 Gerhard Enders, “Zur Problematik der Archivwurdigkeit”, Archivmitteilungen 17 (1957): 89-92, 90. 56 Lieselott Enders, “Stand und Probleme der Ausarbeitung des Rahmendokumentationsprofils der Staatlichen Archivverwaltung der DDR”, Archivmitteilungen 32, Heft 5 (1982): 173-75. Ela explica os propósitos: “o RDP (Rahmendokumentationsprofil – o qual é traduzido aqui como ‘Perfil de Documentação para Enquadramento’) permite uma reflexão objetiva do múltiplo conhecimento histórico em certo nível de abstração e baseado no nível de percepção realmente ao alcance das ciências históricas.” Para aplicação regional, ver Hans-Sigismund Gold e Günter Müller, “Dokumentationsprofil und Rahmen-Nomenklatur als Grundlagen der Bestandsergänzung der Kreis – und Stadtarchive”, Archivmitteilungen 32, Heft 5 (1982): 166-72. Baseado nas crônicas locais, “o perfil da documentação refletirá as particularidades políticas, socioeconômicas e culturais de uma região, as quais têm que ser documentadas de acordo com as necessidades sociais pelos arquivos”. Lá foi publicada somente uma voz crítica, de Ulrich Hess (“Methodische Fragen bei der Ausarbeitung von Archivgutverzeichnissen”, Archivmitteilungen 27, Heft 4 (1977): 132-34), que fez a observação extremamente importante de que o problema precisa ser solucionado e que, “por um lado, processos, contextos e fatos históricos têm que ser documentados, enquanto, por outro lado, a informação arquivística é transmitida somente nos contextos em que os documentos foram originalmente produzidos. Os

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Ministério do Interior. Entre esses eventos estavam, por exemplo, os preparativos de alto padrão de eventos culturais nacionais e regionais; aumento de livros de leitura e estudo como um hábito constante de vida; e o impacto do mercado mundial capitalista e da política imperialista de boicote sobre a produção das firmas e associações. Avaliação arquivística de arquivos administrativos procurando ilustrar declarações como essas que tinham sido pré-aprovadas por autoridades do Estado, encaixam os documentos numa imagem politicamente desejável da história. O que torna esses planos de documentação arriscados é o fato de que eles confiam num suposto conhecimento da história. Planos de documentação por conteúdo apropriam-se dos métodos de trabalho arquivístico porque os resultados da pesquisa devem não só ser antecipados, mas também estimados antes que os arquivos sejam avaliados e classificados57. Tanto o conteúdo dos planos de documentação quanto os métodos de trabalho que ele subentende criam contradições insuperáveis. Os arquivistas devem possuir qualificações secundárias, geralmente como historiadores, e isso parece ser inalienável e até mais importante que treinamento arquivístico profissional para a tarefa central de tomar decisões para avaliar. Por causa dos métodos de trabalho que ele exige, o Perfil da Documentação para Enquadramento, que Hans Booms considerou em 1990 como a realização de suas idéias de 1970, foi instrumento decisivo para a instrumentalização política dos arquivos a serviço do Estado Socialista. O exemplo da RDA parece ser o único caso no qual um plano de documentação foi implementado. Dificuldades surgiram quando a implementação foi tentada no trabalho arquivístico diário58. Não obstante, as intenções do plano são óbvias e elas indicam aonde tais estratégias podem levar os arquivistas. Como decisões importantes são relegadas a autoridades fora da profissão, os arquivistas são reduzidos a meramente executar diretrizes que não podemos investigar, mesmo se elas nos fazem agir como instrumentos de propósitos políticos que não apoiaríamos enquanto indivíduos. VALORES ARQUIVÍSTICOS COMO CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Theodore R. Schellenberg – influenciado pela teoria e prática prussianas que tinham sido transmitidas aos Estados Unidos pelo imigrante alemão Ernst Posner, o antigo diretor adjunto dos Arquivos Estatais Prussianos sob a direção de Brennek – desenvolveu uma teoria que é até hoje a única que aplica mais conseqüentemente as premissas de um livre princípio de

arquivos se cristalizaram como uma fonte de eventos muito concretos e não refletem os processos sociais e os contextos, mas entregam meros fatos isolados, a partir dos quais tal conhecimento dos contextos pode ser inferido pela comparação de testemunhos de diferentes épocas e por outros métodos de pesquisa histórica. 57 Wilfried Schöntag, “Der Auswertungsauftrag an die Archive. Fragen aus staatlicher Sicht.” Estudo apresentado no 64º Encontro Arquivístico Alemão Anual, em 1993, em Augsburg; publicado em Der Archivar 47, Heft 1(1994): 31-40. 58 Hess, “Metodische Frage”, p. 134.

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proveniência à avaliação59. Uma vez que suas idéias estão entre as reflexões arquivísticas incompreendidas, eu tentarei caracterizar seus conceitos60.

Schellenberg observou que “documentos públicos são conservados em uma instituição arquivística porque eles têm valores que existirão muito depois de deixarem de ser de uso corrente, e porque seu valor será para uso diverso do corrente”61. Seguindo esta observação, ele formula a base de sua abordagem teórica, que é a discriminação entre valores primários e secundários. Os valores primários são baseados na utilidade de arquivos para as atividades administrativas em função das quais eles foram produzidos. Os valores secundários são baseados na utilidade dos documentos para investigação e pesquisa. Nem os arquivistas nem as ciências da administração têm ainda um conceito de valores primários62. Schellenberg oferece no lugar um conceito de valores secundários, que pode orientar decisões de avaliação para fins de custódia arquivística. Aqui ele faz sua bem conhecida, mas freqüentemente mal compreendida distinção entre valores probatórios e informativos. O conceito de valor informativo é bem claro. VALOR INFORMATIVO

Mesmo para a avaliação de mero conteúdo informativo dos documentos, Schellenberg oferece uma série de etapas para uma análise formal. O teste de valor informativo é conferir as informações factuais sobre os objetos das atividades administrativas, tais como pessoas, coisas ou fenômenos. Para esse fim, ele oferece três critérios:

1) Singularidade, tanto da informação quanto do documento. 2) A forma da informação nos documentos e a forma dos documentos propriamente

ditos. Isso significa o grau no qual a informação é concentrada. “Alguns fatos sobre algumas pessoas, coisas ou fenômenos, muitos fatos sobre algumas pessoas, coisas e

59 Theodore R. Schellenberg, The Appraisal of Modern Public Record. Bulletin of the National Archives 8 (Washington, D. C.: National Archives, 1956). A publicação do texto em Maygene F. Daniels and Timothy Walch, A Modern Archives Reader: Basic Readings on Archival Theory and Practice (Washington, D.C.: National Archives, 1984), pula parte decisivas do texto original. Por exemplo, a definição de documentos no começo e nove páginas com exemplos de valores probatórios são omitidas, onde Schellenberg afirma, por exemplo: “Os documentos que evidenciam questões genuinamente significativas relacionadas ou à direção ou à execução têm valor permanente... Geralmente, a evidência sobre o programa de um órgão é adequada quando vem em forma de (1) resumos (estatísticos ou narrativos) de operações de um tipo específico, (2) uma seleção de documentos sobre operações particularmente significativas, e (3) uma seleção de documentos sobre operações que sejam representativas de todas ou da maioria das operações de um tipo específico” (p. 252). Reduzido de 40 páginas a menos da metade do original, o texto perde muito do poder persuasivo inerente justamente aos exemplos de aplicações práticas dos testes em valores probatórios ou informativos. 60 Ver, por exemplo, .Gerald Ham, Selecting and Appraising Archives and Manuscripts, SAA Archival Fundamental Series (Chicago: SAA, 1993), p. 8 e também p. 53, onde o autor fala sobre o modelo de avaliação “ponta do iceberg” de Schellenberg. 61 Schellenberg, “Appraisal”, p. 238. 62 Para o aspecto da avaliação para propósitos primários em sistemas eletrônicos de escritórios, ver Charles M. Dollar, “New Development and the Implication on Information Handling”, in Information Handling in Offices and Archives, editado por Angelika Menne-Haritz (Munich: K. G. Sauer, 1993) pp. 56-65.

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fenômenos, ou muitos fatos sobre diversos assuntos – pessoas, coisas, fenômenos.” Mas a condição física também é importante sob o aspecto da forma, assim como a forma e o arranjo nos quais a informação é apresentada.

3) A importância da informação e outros aspectos, incluindo o valor intrínseco. Este terceiro critério é o lugar do conselho vindo de fora, das necessidades históricas ou de outros especialistas, da avaliação dos fatos com vistas a futuras necessidades.

Essas três etapas, contudo, não são suficientes para permitir a apreciação do valor informativo de um documento no início. Primeiro, o valor probatório do documento deve ser estabelecido.

VALOR PROBATÓRIO

Evidência é entendida como as respostas a perguntas como as seguintes: “Que séries de documentos são essenciais para mostrar como cada função substantiva foi desempenhada em cada nível organizacional tanto no trabalho fundamental quanto nos setoriais?” “Quais são as sucessivas operações em sua execução?” “Quais documentos devem ser preservados de forma exemplar para mostrar os processos de trabalho no nível organizacional mais baixo?”63 Isso significa que evidência é algo mostrado, que precisa ser lido nas entrelinhas, e que não se encontra necessariamente nos textos em si. Evidência significa padrões de processos, objetivos e mandatos, procedimentos e resultados, tanto quanto podem ser examinados. Ela consiste em signos, sinais, não primordialmente palavras. Pode estar em símbolos como um xis ou um sublinhado, mostrando que uma pessoa que tem que assumir a responsabilidade por certa tarefa, de acordo com um tipo de trabalho, realmente viu o documento, leu-o e está ciente das decisões por trás dele. Pode ser a localização de um fragmento de texto no canto esquerdo superior de um documento, dando-lhe a função de endereço. Pode até ser a seqüência dos documentos num arquivo, indicando uma espécie de ordenação do trabalho. Ou pode ser uma determinada capa de uma pasta ou alguma anotação à mão especificando a origem da pasta. Todos esse são signos não verbais que devem ser interpretados no contexto para que seu significado seja revelado. Para quem os entende, esses signos dirão como os processos funcionaram e quem foi responsável por qual decisão. O atual mal-entendido sobre a diferenciação feita por Schellenberg entre valor probatório e informativo sugere que a evidência é encontrada em documentos relativos a procedimentos e diretrizes64. Não é isso que ele quer dizer, mas esse mal-entendido pode ser explicado por sua escolha de palavras. Por exemplo: “Os documentos contendo tais fatos são indispensáveis para o governo propriamente dito e os estudiosos de governos.” Essa formulação nos diz para procurar palavras e textos que incluam a evidência procurada em seu conteúdo. Então, naturalmente, voltar-nos-emos para os documentos dos escalões mais altos, onde as decisões sobre procedimentos e políticas são formuladas. Procuraremos textos onde os processos são 63 Schellenberg, “Appraisal”, p. 244. 64 Timothy L. Ericson, “At the ‘Rim of Criative Dissatisfaction: Archivists and Acquisition Development”, Archivaria 33 (Winter 1991-92): 66-77; Ericson afirma: “O fato de Schellenberg e outros terem escolhido a palavra ‘valor’ é infeliz, porque eles estavam realmente falando sobre conteúdo probatório e informativo” (p.67).

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descritos e não os encontraremos por si só. Estes não são também valores informativos? Não são esses processos, procedimentos, objetivos e políticas decididas no departamento ou nos escalões mais altos da hierarquia responsáveis pela organização, também fenômenos, que são tratados administrativamente? Assim, entre as idéias e as palavras de Schellenberg há certa contradição que nos leva na direção errada. Mas sua distinção entre valores primários e secundários deixa claro que a evidência é necessária como base para uma compreensão precisa do que aconteceu. Esse é o fundamento da análise da informação interpretativa como um suplemento necessário à informação factual. A diferença entre propósitos primários e secundários indica o objetivo do trabalho arquivístico, que é tornar os arquivos compreensíveis e interpretáveis. Arquivos avaliados e descritos de acordo com este fim refletirão a similaridade de propósitos primários – não só nas relações entre os temas – com base na origem funcional comum65. Assim, a teoria da distinção entre valores primários e secundários dos documentos, definindo valores secundários como evidência dos valores primários, pode ser visto como a aplicação do Livre Princípio de Proveniência para Avaliação. Tendências atuais: documentação da sociedade baseada no Princípio de Proveniência Algumas tendências publicadas da teoria contemporânea de avaliação são articulações de correntes amplas dentro da nossa profissão. São melhores formuladas e descritas em publicações dos Estados Unidos e Canadá, mas até certo ponto também têm relação com as idéias alemãs, que são menos rígidas que as formuladas no artigo de Hans Booms. Entre essas tendências mais novas estão os conceitos de estratégias de documentação e de aquisição. Ambos os conceitos se assentam num pressuposto comum: que o objetivo de trabalho arquivístico tem que ser a representação de uma imagem tão precisa quanto possível da sociedade. Para atingir esse objetivo, supõe-se que os arquivistas devam primeiro analisar o que precisa ser documentado antes de procurar a documentação pertinente. Ambos os conceitos tentam realizar essa ambição de diferentes modos, e em contraste com as idéias de Hans Booms, por exemplo,eles não negam a utilidade do princípio de proveniência. Eles o aceitam em graus diferentes para fins de pesquisa e arranjo, mas não para avaliações finais. Quanto à estratégia de documentação, os arquivos têm que documentar certas funções ou fenômenos sociais que são importantes para a imagem da sociedade. Se a documentação não pode ser encontrada, o arquivista deve produzi-la. Informações de outras fontes, tais como relatórios ou jornais científicos, formam a base em que o material arquivístico é selecionado para complementar a documentação publicada.

65 Wolfgang Leesch, “Gliederung und Bedeutung der Archivwissenschaft”, in Archivar und Historiker. Festschrift für Heinrich Otto Meisner, (Leipzig: 1953) pp. 13-37, onde ele afirma: “Jeder Archivkörper trägt das Mass der zulässigen und notwendigen Kassation in sich.” (Todos os arquivos trazem em si mesmos as medidas para as disposições admissíveis e necessárias.)

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Em contraste, a estratégia de aquisição se concentra nas funções administrativas, sugerindo que a vida social é suficientemente espelhada nos registros públicos para transmitir uma imagem fiel da sociedade. Quer adotemos ou rejeitemos as estimulantes excursões filosóficas de Richard Brown remetendo o leitor a Foucault e à narrativa dos textos e contextos, temos que admitir que sua hermenêutica arquivística marca diferenças decisivas para os planos ou estratégias de documentação, com a tentativa de formular critérios menos subjetivos para avaliação se concentrando nas atividades de tratamento documental do ambiente da produção de documentos. Em seu muito citado artigo “Mind Over Matter: Towards a New Theory of Archival Appraisal” (A Mente Sobre A Matéria: Em Direção a uma Nova Teoria de Avaliação Arquivística), Terry Cook oferece um fundamento teórico para a estratégia de aquisição com seu conceito de primazia do processo, que ele compara – num movimento paralelo comparado com a física contemporânea – à abordagem atômica do passado66. Os perigos iminentes das estratégias que definem o valor pelo conteúdo são, de acordo com Cook, os de descontextualizar o documento da relação interna, orgânica de sua criação e impor em seu lugar um padrão externo de julgamento de valor. Mas a estratégia de aquisição não apresenta diretrizes para avaliação. Uma conseqüência dessa falta de diretrizes é a substituição da avaliação arquivística por um processo de avaliação e classificação dos produtores de arquivos de acordo com seu impacto sobre as mudanças da sociedade, sugerindo dessa forma que seus respectivos documentos refletem a importância histórica e social de suas atividades. Tanto a estratégia de documentação quanto a de aquisição têm como objetivo documentar a sociedade. Mas enquanto a estratégia de documentação é baseada em conteúdo, a estratégia de aquisição é baseada em função. Apesar dessas diferenças, ambas as abordagens tentam harmonizar suas premissas com o princípio da proveniência.

Em Cartas da Universidade: Documentando Colégios e Universidades Modernas67, Helen Samuels explica que seu livro pode ser usado como diretriz, adaptando a descrição funcional genérica à documentação da instituição em questão: “O processo de adaptação começa pelo estudo de cada função e pela avaliação de sua importância para a instituição através de investigações históricas. O resultado desse estudo é uma compreensão clara do que deve ser documentado e que documentação é procurada.”68 Samuels harmoniza as premissas desse conceito com o princípio de proveniência do seguinte modo: “Fundamental a esta atividade, então, é a compreensão do princípio de proveniência que se apóia no conhecimento da instituição que produziu os documentos como meio de localizá-los, arranjá-los e descrevê-

66 Terry Cook, “Mind over Matter: Towards a New Theory for Archival Appraisal”, in The Archival Imagination: Essays in Honor of Hugh A. Taylor, editado por Barbara L. Craig (Ottawa: Association of Canadian Archivists, 1992), pp. 38-70: “Os arquivistas procuravam entender porque os documentos eram produzidos em vez de o que eles contêm; como eles eram produzidos e utilizados pelos usuários originais em vez de como poderiam ser usados no futuro e quais funções formais e determinações do produtor eles atendiam.” 67 Helen Samuels, Varsity Letters: Documenting Modern Colleges and Universities, (Metuchen, N.J.: Scarecrow Press, 1992). 68 Helen W. Samuels, “Improving our Disposition: Documentation Strategy”. Archivaria 33 (Winter 1991-92): 138.

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los...A análise funcional proporciona a compreensão de porque específica documentação é procurada. Os princípios arquivísticos determinam como esses documentos são localizados, classificados e descritos”.

É aceito o significado tradicional do princípio de proveniência em seus três aspectos. Ele pode servir como instrumento metodológico para o arranjo e descrição dos documentos. Serve como princípio de organização para a definição do universo que deve ser documentado, e fornece as diretrizes para a localização das fontes apropriadas quando usado como princípio informativo. Mas ele não é aceito como base para avaliação. Documentos como outras fontes, são considerados portadores de informação factual. Como não há distinção entre propósitos primários e secundários, a capacidade explanatória da evidência como suplemento interpretativo ao conteúdo informativo dos documentos desaparece e os eles parecem, como livros, ter sido criados para a informação para a posteridade. Assim, o significado tradicional do princípio de proveniência pode bem ser harmonizado com uma abordagem baseada em conteúdo. Não há conseqüências para os métodos de avaliação.

A estratégia de aquisição também entende que a proveniência não é um princípio norteador para avaliação. Como anteriormente, ele serve como princípio de pesquisa. A evidência nos documentos é vista pela estratégia de aquisição como fonte para a história administrativa. Os arquivistas são encorajados a se empenharem profundamente na pesquisa do processo de produção de documentos e, mais importante, das funções operacionais que animam esse processo. Pesquisando o processo e as funções dos produtores de documentos, o arquivista deverá determinar onde mais provavelmente encontrar-se-á a melhor evidência documental dessa realidade. Para atingir esse objetivo, os documentos devem ser relidos como fontes de evidência. A evidência é uma ferramenta para os arquivistas. A abordagem é semelhante à da estratégia de documentação ainda que se reconheça a diferença entre propósitos primários e secundários e aceite a evidência como característica específica de arquivos produzidos em processo cooperativos de decisão.

Tanto na estratégia de documentação como na aquisição, a pesquisa precede a descrição. Mas pesquisas sobre história administrativa não podem acontecer sem o acesso a fundos arquivísticos eficientemente descritos, classificados, formatados em fundos arquivísticos. A história administrativa não pode nortear a avaliação, a qual deve preparar-lhe as fontes.

Os três aspectos do significado tradicional do princípio de proveniência também são aceitos na estratégia de aquisição. Funciona como um princípio de classificação, de organização e de informação. A estratégia de aquisição vai ainda mais longe analisando a proveniência como implicitamente enraizada no ato conceitual de produção e não no artefato físico do documento resultante. A função substitui o órgão de origem. Esse é um importante passo além do mero significado descritivo da proveniência, um passo na direção de uma compreensão funcional porque ele admite propósitos primários distintos.

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Ambas as abordagens demonstram que o significado tradicional do princípio de proveniência pode ser bem harmonizado com uma avaliação baseada em conteúdo, que é a seleção do que é importante. É um mero instrumento pragmático e descritivo. Em contraste, o “Livre Princípio de Proveniência”, como Brenneke o chamou, formula objetivos para a avaliação arquivística, dizendo que o resultado da classificação junto com a descrição e a avaliação é um fundo que reflete o crescimento orgânico e as verdadeiras atividades do produtor de documentos. Essa intenção é o oposto do objetivo de documentar uma imagem da sociedade.

Conclusões: a avaliação arquivística procura tornar os processos de decisões evidentes, não documentar a sociedade

Os objetivos da avaliação dependem de como os objetivos do trabalho arquivístico como um todo são percebidos. Nós examinamos várias abordagens baseadas em conteúdo para questões de avaliação. As premissas subjacentes a todas elas é que os arquivos pretendem formar um retrato tão fiel quanto possível da sociedade. Mas a matéria-prima com que temos que trabalhar não se ajusta a essas ambições.

Documentos não são verdade pura. Eles sempre tem um propósito, mesmo que não o declarem literalmente. Nenhuma lei pode ser bastante forte para obrigar as pessoas a fazerem algo que não tenha significado para suas atividades. Elas produzem documentos porque precisam deles, não porque alguém ordenou sua criação. Nada na sociedade humana acontece acidentalmente. A força de trabalho não é usada para propósitos sem benefício, seja direto ou indireto. O benefício pode ser para a comunidade ou para a sociedade e pode ser legitimado politicamente. A prestação de contas é um desses benefícios sociais que é geralmente aceito em sociedades democráticas. Mas, o direcionamento e controle dos processos cooperativos de decisão é um benefício muito direto. É a razão para a criação dos documentos, porque com sua ajuda todos os esforços individuais podem ser efetivamente orientados para um objetivo ou propósito comum. Essa é a razão mesma do aparecimento histórico dos documentos, desenvolvidos a partir dos arquivos preparatórios para os registros ou escrituras medievais e adquirindo com o tempo um papel mais importante, até finalmente substituir escrituras e registros pelo crescimento de governos e o maior grau de divisão de trabalho.

Documentos não são feitos para a posteridade. Documentos são produzidos porque são necessários para aquele que os produziram, não como coleção de informações, mas como ferramentas de trabalho intelectual para o direcionamento e controle dos processos de decisão cooperativa. E, portanto, são confiáveis. Quanto melhor eles tiverem servido os propósitos primários iniciando e controlando trabalho intelectual com objetivo, mais eles são autênticos e fidedignos em tornar claros esses processos para os propósitos secundários, sejam ele evidenciais ou informativos. Mesmo assim, a evidência não é acessível sem processamento especial dos documentos. Ela tem que ser elaborada e tornada óbvia por especialistas profissionais, os arquivistas que são treinados para esse propósito. Entulho e redundância devem ser descartados para tornar os arquivos remanescentes eloqüentes e lúcidos.

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O conteúdo informativo dos arquivos nunca é objetivo. Ele não pode ser. Mas ele sempre tem propósito. Assim, o papel da evidência pode ser descrito como a compreensão dos propósitos primários como suplementos necessários aos valores informativos, sem a qual estes não têm significado ou podem ser interpretados de forma errada ou serem simplesmente triviais. É por isso que as redundâncias precisam ser eliminadas. É por isso que a evidência é um objetivo, não uma ferramenta da avaliação arquivística. Os arquivistas são os únicos especialistas que possuem as ferramentas teóricas e metodológicas para tornar a evidência acessível e assim revelar o contexto explanatório da informação. Os arquivistas são responsáveis pela preservação do contexto assim como da informação.

Os arquivistas podem ser descritos como os únicos especialistas nos propósitos secundários dos registros administrativos, em prestações de contas políticas, jurídicas e econômicas, no sentido de que eles permitem que a evidência seja aberta e dão a todos os usuários a chance de interpretar as evidências à sua própria maneira, dando a outros a chance de desenvolver seus próprios argumentos ou interpretar as fontes de outra forma. A transparência ou a clareza dos processos de decisão na administração é uma base das democracias representativas modernas. Os arquivos podem garantir conhecimento direto depois de determinados períodos de tempo politicamente definidos, enquanto sua publicação e acessibilidade depende da necessária proteção dos governos contra influências externas diretas.

Se o trabalho arquivístico objetiva tornar as evidências acessíveis, então a classificação baseada em conteúdo pode suplementar a avaliação. Mas a seleção da documentação nunca poderá substituí-la.

TITLE

Appraisal or Documentation: Can We Appraise Archives by Selecting Content?

TITRE

Évaluation ou Documentation: Est-ce qu’on peut évaluer des Archives par la sélection des contenus?

RESUMO

A autora esboça as várias raízes da teoria contemporânea de avaliação e traça sua influência sobre os temas debatidos hoje. Ela descreve a influência que a burocracia weberiana do início do século XX teve sobre os princípios arquivísticos e sugere conexões com teorias que precedem a Segunda Guerra Mundial que foram a base para o boletim de Schellemberg. Ela mostra como as teorias e o debate arquivísticos foram revestidos do impacto político da Guerra Fria antes da queda do muro de Berlim e da Cortina de Ferro, notando que desde aquele tempo os arquivos têm sido capazes de assumir seus papéis de janelas para o governo.

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Agora os arquivos devem clarificar suas ferramentas e métodos para assegurar que os traços dos processos de decisão sejam visíveis e transparentes. Diferentes métodos, tais como estratégia de documentação e estratégia de aquisição, são discutidos no contexto de seu impacto sobre o trabalho diário nos arquivos.

ABSTRACT

The author outlines the various roots of today’s appraisal theory and traces their influence on issues debated today. She describes the influence that early twentieth-century Weberian bureaucracy had on archival principles, and she suggests linkages with theories that precede the Second World War and were the basis for the Schellenberg bulletin. She shows how archival theories and debate were overlaid by the political impact of the Cold War confrontation before the fall of the Berlin Wall and the Iron Curtain, noting that since that time, archives have been able to assume their role as windows on government. Now archives must clarify their tools and methods to ensure that traces of decision-making processes are visible and transparent. Different methods, such as documentation strategy and acquisition strategy are discussed in the context of their impact on daily work in archives.

RÉSUMÉ

L’auteur esquisse plusieurs racines de la théorie contemporaine de l’évaluation et trace son influence sur les thèmes debatus aujourd’hui. Elle décrit l’influence que la burocratie weberienne du début du XX siècle a eu sur les principes archivistiques et elle suggère des connections avec les théories qui précèdent la Deuxième Guerre Mondiale qui ont été la base pour le bulletin de Schellemberg. Elle montre comment les théories et le débat archivistique ont été recouverts de l´impact politique de la Guerre Froide avant la chutte du Mur de Berlim et du Rideau de Fer, observant que depuis ce temps-là les archives sont capables d’assumer leurs rôles de fenêtres pour le gouvernement. Maintenant les archives doivent éclaircir ses outils et ses méthodes pour assurer que les traces des processus de décision soient visibles et transparents. Différentes méthodes, bien comme stratégie de documentation et stratégie d´aquisition sont discutées dans le contexte de son impact sur le travail journalier dans les archives.

PALAVRAS-CHAVE

Arquivos; documentação; avaliação; princípios arquivísticos.

KEY WORDS

Archives; documentation; appraisal, archival principles.

MOTS-CLÉS Archives; documentation; évaluation; principes archivistiques.

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OS ARQUIVOS MUNICIPAIS BRASILEIROS: ESTRATÉGIAS PARA A MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA

Daise Apparecida Oliveira*

I – Introdução O Conselho Internacional de Arquivos – CIA - vem realizando grandes esforços para transformar a Arquivologia em ciência de ponta e dotar as instituições arquivísticas de instrumentos adequados para vencer desafios, neste momento de grandes transformações e de impacto das novas tecnologias sobre a produção, acumulação de documentos e acesso às informações. Contando com a decisiva colaboração do Conselho da Europa e da Comunidade Econômica Européia (Conseil d´Europe, 1997) o CIA aprovou o projeto de regulamentação do acesso, sigilo, proteção de dados pessoais e intimidade das pessoas, o que significou um avanço. Promoveu o mais amplo debate até a

* Presidente do Fórum Nacional de Dirigentes de Arquivos Municipais.

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aprovação da ISAD-G, ISAR-G, alcançou o consenso da comunidade arquivística em torno de temas importantes, como Administração de Documentos Eletrônicos, Construção de Edifícios de Arquivos, entre tantos outros. Há um esforço internacional para a revisão de princípios teóricos e de reafirmação da Arquivologia como ciência. Busca-se transformar os arquivos em instituições eficientes para desempenhar novas funções sociais, capazes de atender as necessidades da população, a demanda da sociedade do conhecimento, em equilíbrio com o seu tradicional papel de preservar o patrimônio documental, a memória individual e coletiva e legar valores, heranças e tradições às gerações futuras. Para realizar esse mister, nada mais urgente, que priorizar um tema considerado pedra angular do trabalho arquivístico: Avaliaçâo de Documentos, revendo conceitos, princípios, estratégias até alcançar o consenso internacional como aconteceu com a ISAD-G e ISAR-G. Com tais propósitos, o CIA constituiu o Comitê de Avaliação de Documentos, presidido por Rosine Cleyet Michaud, com a incumbência de elaborar um Manual Internacional e preparar uma bibliografia crítica que estará acessível no Site do CIA, em futuro próximo. Esta bibliografia significará uma grande contribuição, pois apesar do tema suscitar o interesse do mundo inteiro, faltam trabalhos teóricos, “Um dos maiores problemas reside justamente na dificuldade que há de articular, organizar o que se escreveu ou disse até agora sobre a avaliação”(Carol Couture.Quebec, 1999, p.109). Não é propósito desta comunicação apontar problemas, discutir ambigüidades terminológicas, paradoxos, modelos teóricos, entre outras questões relativas à Avaliação, tratadas recentemente de maneira objetiva por Vincent Doom (abril de 2.004)69, mas apresentar os resultados de pesquisa e de sua aplicação prática em municípios brasileiros, além de práticas de parceria entre instituições arquivísticas, na implantação de Gestão Sistêmica de Documentos e Informações Municipais, como etapa de desenvolvimento do projeto de Cooperação entre os Arquivos Municipais da Ibero-América, projeto prioritário da Seção de Arquivos Municipais – CIA/SAM, para a América Latina, (2.000- 2.004). Assim, desejamos agradecer ao Comitê de Avaliação do CIA e ao Comitê Diretor do CIA/SAM, pela oportunidade de participar deste Seminário70, esperando contribuir para as discussões acerca de uma abordagem nova e dinâmica da função arquivística. II - O PRINCÍPIO DA FUNCIONALIDADE O contexto da produção documental é um elemento essencial para a avaliação científica, em torno do qual se definem as estratégias para seu desenvolvimento. Com o princípio de respeito ao contexto da produção, a avaliação retoma o princípio fundamental da ciência arquivística: princípio de respeito ao fundo - compreendendo o respeito à proveniência, integridade, ordem original, mas como um princípio renovado, que se poderia qualificar como novo princípio de funcionalidade, que transcende os órgãos produtores, em benefício das funções que refletem as necessidades da

69 Vincent Doom, « L´ Evaluation Scientifique dês Archives: Principe et Strategies »,2004. 15p. 70Seminário L’evaluation Scientifique des Archives. Realizado em Viena, 2.004.

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sociedade e permitem (Vincent Doom, abril de 2004) “testemunhar mais a governabilidade que o governante” (Terry Cook, 2002, p.21)71. Os documentos resultam do exercício de funções, atribuídas legalmente a um organismo público ou privado estruturado ou a uma pessoa. O contexto da produção documental – função e estrutura - é o elemento que preside todos os critérios da avaliação científica, refletindo valores e tendências da sociedade contemporânea. Esta abordagem é, definitivamente, um modelo fundamentado na proveniência, onde o contexto da produção e o uso contemporâneo estabelecem o valor dos documentos (Terry Cook, março de 1998).72 É o contexto da produção o elemento determinante da autenticidade, integridade e originalidade do documento, inclusive de documentos eletrônicos. No Brasil, a partir do final dos anos 80, com o processo de redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de (1988), reconhecidamente avançada no que tange aos direitos e garantias fundamentais, a questão dos arquivos ganhou nova abordagem. Os arquivos, que estavam até então associados à cultura e quando muito à administração passaram também a ser associados à conquista de direitos civis e ao exercício pleno da cidadania. Ou seja, a ênfase deixou de recair exclusivamente sobre a responsabilidade dos órgãos públicos pela guarda e conservação para incidir sobre o direito do cidadão de acesso aos documentos públicos. O direito à informação, como direito constitucional outorga uma nova dimensão social aos arquivos, muito além da tradicional função de depositários da memória histórica. III - GESTÃO SISTÊMICA DE DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES MUNICIPAIS E A AVALIAÇÃO DE DOCUMENTOS 73

Considerando o contexto da produção documental e de seu conteúdo (teor do documento) como elementos essenciais para a avaliação científica, bem como, para várias atividades relacionadas à função arquivística, depreende-se que elas precisam desenvolver-se de maneira integrada à Gestão Sistêmica de Documentos e Informações Municipais. A Gestão Sistêmica de Documentos e Informações Municipais - GSDIM é um novo conceito de gestão de arquivos públicos para administrações locais. É uma ferramenta moderna desenvolvida para garantir plena integração entre os agentes da administração pública, criando uma ampla rede de informações administrativas suportada por solução tecnológica integrada para a:

• Gestão de Expedientes – normas compartilhadas para as ações de autuação e tramitação realizadas pelo Protocolo e ações do Arquivo Municipal. • Gestão de Documentos de Arquivo;

71 Terry Cook, “ Archival science and postmodernism” Archival science, vol.1, nº1, 2.002, p.21 in :Vincent Doom, abril de 2004, p.7 72 Terry Cook, 1998. p.??? 73 Definimos por uma política de Gestão Sistêmica de Documentos e Informações Municipais, inclusive documentos eletrônicos - GSDIM - um conjunto articulado de ações de planejamento e gerenciamento suportados por uma Tecnologia de Informação, que contempla o ciclo integral de documentos e informações desde o contexto da produção documental, avaliação, tramitação, organização, acesso e destinação final de documentos arquivísticos municipais.

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• Gestão de Informações Municipais – banco de dados; • Suporte às Decisões de Governo e acesso à comunidade ; • Proteção, Conservação e Divulgação do Patrimônio Documental.

Os municípios brasileiros passam por um processo de modernização e de aperfeiçoamento dos serviços públicos, com um aumento da produção documental e de uma crescente necessidade de acesso à informação, que precisa ser processada e estar disponível no rítmo equivalente às necessidades de atendimento da população. Paradoxalmente, porém, os arquivos municipais inexistem legalmente ou ocupam uma posição hierárquica inferior na administração municipal, sem pessoal e infra-estrutura para atender com qualidade os serviços arquivísticos. No Estado de São Paulo, por exemplo, dos 645 municípios existentes, apenas 38 possuem arquivos municipais legalmente constituídos e em seu lugar encontram-se depósitos desorganizados, repletos de documentos, sem controle e identificação. Por outro lado, percebe-se um acentuado interesse por parte da administração pública municipal em participar e acompanhar o desenvolvimento tecnológico, para imprimir um caráter de modernidade aos municípios, fazendo grandes investimentos em software, quanto em hardware. Diante do diagnóstico da situação dos documentos públicos municipais entendeu-se que a melhor maneira de contribuir para que os municípios possam criar, organizar seus arquivos e recorrer a tecnologias da informação, pelo menos em patamar mais confortável e criterioso, seria adotar estratégias para conduzir os arquivos à uma posição de liderança na implantação de política de gestão de documentos e informações municipais – GSDIM - integrando solução tecnológica aos princípios arquivísticos padronizados. Para alcançar tal propósito recorreu-se às seguintes metodologias e estratégias:

1. Considerar o contexto da produção documental - princípio da funcionalidade - considerando que os municípios brasileiros: a. mantiveram-se no mesmo arcabouço jurídico, através dos séculos; b. conservaram as mesmas funções públicas, fundamentais à comunidade; c. produzem os mesmos documentos e acumulam as mesmas séries

documentais. 2. Desenvolver os trabalhos de Classificação Funcional simultaneamente aos trabalhos de

Avaliação; 3. Elaborar o Quadro de Classificação Funcional, a partir de macro-funções, funções,

atividades, séries documentais correspondentes, como elemento fundamental para a elaboração das tabelas de temporalidade e demais instrumentos arquivísticos padronizados (descrição, destinação, acesso e rastreabilidade);

4. Participar da pesquisa para a criação da solução tecnológica adequada; 5. Escolha de um município para servir como projeto piloto, na primeira fase de

desenvolvimento da pesquisa teórica da GSDIM. O município escolhido foi São José dos Campos, no Estado de São Paulo;

6. Escolha de municípios localizados em regiões distantes do país, com diferente evolução e características sócio - econômicas e culturais, mas que apresentam o mesmo diagnóstico em relação aos arquivos e a gestão documental. Nesses municípios está sendo desenvolvida a pesquisa prática de aplicação do Quadro Funcional, Tabelas de Temporalidade e demais instrumentos padronizados de controle da destinação final e da solução tecnológica.

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7. Formalização de parcerias e de acordos de cooperação técnica entre as cidades brasileiras e alguns países da Ibero-América. (Foram firmados acordos entre o Fórum Nacional de Dirigentes de Arquivos Municipais, com a ONG Archiveros Sin Fronteras, AsF, com sede em Barcelona, e várias cidades brasileiras.

8. Realização de cursos, oficinas, encontros, seminários e congressos com o objetivo de capacitar os profissionais envolvidos, discutir e divulgar o mais amplamente possível fundamentos teóricos, metodologia de trabalho, bem como as possibilidades de aplicação dos instrumentos arquivísticos e de procedimentos automatizados. A estratégia política de capacitação e atualização de funcionários municipais incluiu o uso de informática como ferramenta de acesso e controle, mas também de inclusão digital e valorização do profissional de arquivo e dos agentes públicos.

9. Realização de audiências públicas, convocadas pelos Prefeitos Municipais. Essas audiências atraíram o interesse e apoio do Governo Municipal (Poderes Executivo e Legislativo), da imprensa e dos segmentos mais representativos da comunidade local.

10. Propagação da metodologia e estratégia aos demais municípios brasileiros e latino-americanos;

O Comitê Diretor do CIA/SAM apóia o propósito de buscar a cooperação internacional para desenvolver um plano de ação a curto e médio prazos. Aprova as ações voltadas à busca de parcerias e colaboração entre instituições arquivísticas, pessoal de informática, admininistração, com os profissionais das áreas que desempenham funções na prestação de serviços públicos municipais, portanto, os produtores de documentos, responsáveis pelo fluxo documental e gestores de processos municipais. Considera que essa aproximação será benéfica aos Municípios Latino-Americanos, como vem ocorrendo com os Arquivos Municipais escolhidos como pilotos da GSDIM, que assumiram a liderança e coordenação dos trabalhos de classificação e avaliação, como o demonstram as comissões de avaliação e eliminação, e naturalmente, ao que se refere aos documentos e seu tratamento técnico. Parcerias, cooperação e interdisciplinaridade são os caminhos que permitirão realizar a avaliação nos municípios latino-americanos no contexto da produção documental, no mesmo momento da criação dos sistemas e banco de dados, na perspectiva de uma sociedade dominada pela tecnologia da informação e de explosão de fluxos documentais. As Tabelas de Temporalidade estão sendo aplicadas também às massas documentais acumuladas, o que vem permitindo eliminar com critério, toneladas de documentos e recolher ao Arquivo Municipal os documentos destinados à conservação definitiva, realizando-se a avaliação preventiva e curativa, de acordo com a classificação de Antonia Heredia (Antonia Heredia, outubro de 2.002).

IV – OS COMPONENTES METODOLÓGICOS DA AVALIAÇÃO

A metodologia adotada para a Classificação Funcional de Fundos e Avaliação de Documentos talvez seja a maior contribuição para viabilizar e acelerar a implantação de Gestão de Documentos e Informações Municipais – GSDIM, com a criação de Comissões Setoriais Especializadas, como estratégia para conseguir a participação de funcionários públicos altamente qualificados, e como alternativa para suprir a falta de profissionais de arquivo, cargos inexistentes no quadro de pessoal (salvo em poucos municípios). Foram constituídos Grupos Especializados, de acordo com o número de funções arroladas no Quadro de

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Classificação Funcional (resultado de longa pesquisa arquivística), por área de atuação municipal. Esses são os profissionais responsáveis pelo exercício dessas funções e conseqüentemente pela produção, acompanhamento da tramitação de documentos e respectivas séries documentais. Esses profissionais conhecem os documentos que produzem, a legislação pertinente, uso, importância, alcance temporal, além das implicações de tais documentos nas relações da sociedade entre si e com o poder público. Tal envolvimento significou uma grande contribuição, porque também implicou na participação de assessores jurídicos e de informática de suas respectivas áreas. Os Arquivos Municipais puderam assim, assumir a coordenação da Avaliação de Documentos, colhendo a seqüência de benefícios ao controle, organização e acesso aos documentos e informações municipais. A compreensão de fundamentos teóricos, a representação estruturada de macro-funções, funções, séries documentais, no Quadro de Classificação Funcional, a identificação e o entendimento da origem funcional e orgânica dos documentos foram decisivos para o desenvolvimento dos trabalhos de Avaliação de Documentos. Insistimos na convicção de que Classificação Funcional e Avaliação de Documentos precisam caminhar juntas para a padronização internacional. Além das Comissões Setoriais Especializadas foram constituídos os seguintes grupos: Grupos de Trabalho

• Coordenação da Gestão de Documentos; • Comissão Permanente de Avaliação; • Comissões Setoriais Especializadas - CSEs, como alternativa para suprir a falta de

profissionais de arquivo, cargos inexistentes no quadro de pessoal (salvo em poucos municípios).

No Município de Barueri/SP, por exemplo, foram oficializados pelo Decreto nº 5.674, de 28 de abril de 2005 as seguintes comissões para participar do processo de implantação da GSDIM, a partir da classificação funcional e avaliação de documentos:

• COORDENAÇÃO DE GESTÃO DE DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES MUNICIPAIS – CGIM - vinculada ao Gabinete da Secretaria de Administração - SADM

• COMISSÃO PERMANENTE DE AVALIAÇÃO DE DOCUMENTOS – CPAD - subordinada ao Gabinete da Secretaria de Administração -SADM

• COMISSÕES SETORIAIS ESPECIALIZADAS CSEs - subordinadas aos gabinetes de Secretários responsáveis pelo exercício das seguintes funções:

1.0 GOVERNO 2.0 ADMINISTRAÇÃO: • RECURSOS HUMANOS • COMPRAS E LICITAÇÕES PÚBLICAS • COMUNICAÇÕES E INFORMAÇÕES ADMINISTRATIVAS

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3.0 FINANÇAS 4.0 SERVIÇOS JURÍDICOS 5.0 SERVIÇOS PÚBLICOS : 5.1 GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL 5.2 SAÚDE 5.3 EDUCAÇÃO 5.4 CULTURA 5.5 ESPORTE, LAZER E TURISMO 5.6 ASSISTÊNCIA SOCIAL 5.7 ABASTECIMENTO V - ETAPAS DE DESENVOLVIMENTO DOS TRABALHOS DE CLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL E AVALIAÇÃO DE DOCUMENTOS As etapas de desenvolvimento dos trabalhos de classificação e avaliação no Município de Barueri foram dispostas em forma de esquema proposto pelo Comitê de Avaliação do Conselho Internacional de Arquivos - CIA74, como modelo internacional:

74 Esquema proposto pelo Comitê de Avaliação do Conselho Internacional de Arquivos reunido em Douai, em outubro de 2.002.

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1- Identificação:

Conceitos e princípios teóricos da Gestão de Documentos e Informações Municipais Levantamento de dados da situação do sistema de arquivos e da gestão de documentos Funções e procedimentos administrativos Valores e funções dos documentos Dificuldades e precauções 2-Análise: Elaboração das Tabelas de Temporalidade Contexto da produção (funções e estrutura) Responsabilidade compartilhada (grupos interdisciplinares: arquivistas, gestores públicos, produtores de documentos, especialistas,

usuário). Primeiras recomendações: utilidade para o produtor do documento, valor primário (vigência), correspondendo ao DUA: durée d´

utilité administrative, para os franceses, destinação final de documentos: Eliminação ou Guarda Permanente (Total ou por Amostragem) 3 – Controle e validação: Os critérios e regras da avaliação foram oficializados pelo Decreto Municipal nº. 5.675, de 28 de abril de 2005. Os grupos de trabalho

foram constituídos e nomeados oficialmente - Decreto nº 5.674, de 28 de abril de 2005: 4 – Publicidade: Antes da oficialização, as Tabelas de Temporalidade serão amplamente discutidas por todos os órgãos da Administração Municipal.

Serão depois publicadas no Boletim Oficial para acolher sugestões e crítica, durante 30 dias. 5 –Acompanhamento e atualização:

O processo de classificação e avaliação é dinâmico, acompanhando as alterações da legislação municipal, a criação de novasfunções e demandas de usuários. As comissões de avaliação são permanentemente responsáveis pela atualização das Tabelas de Temporalidade e dos demais instrumentos de controle e destinação de documentos.

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VI - RESULTADOS QUE SE ESPERA ALCANÇAR COM A GSDIM

a. Os instrumentos de trabalho arquivísticos são oficializados por Decreto Municipal, consequentemente, passam a integrar a política municipal para a Gestão de Documentos de Documentos e Informações Municipais, sob a coordenação do Arquivo Municipal. b. São oficializados: • Quadro de Classificação Funcional - 1719 séries documentais (aplicável em qualquer município brasileiro, flexível para a realidade local, a partir dos documentos atualmente produzidos); • Tabelas de Temporalidade, fundamentadas no princípio da funcionalidade com base na legislação em vigor; • Instrumentos padronizados de eliminação e destinação de documentos municipais (de acordo com as Resoluções do Conselho Nacional de Arquivos - CONARQ; • Exigência de elaboração de relatórios mensais sobre propositura de ações judiciais, em que a Prefeitura Municipal seja autora ou ré e sobre julgamento definitivo de tais ações, para conhecimento dos Arquivos Municipais e implicações práticas quanto aos prazos de prescrição, explicitados nas Tabelas de Temporalidade, além de outras providências para o controle e gerenciamento de documentos eletrônicos; c. Estudos de viabilidade da aplicação de instrumentos arquivísticos integrados à soluções tecnológicas avançadas, para o GED, Workflow e banco de dados; d. Microfilmagem e digitalização de documentos conforme Tabelas de Temporalidade e alguns periódicos e almanaques que estarão acessíveis, via Internet.

VII - BENEFÍCIOS DA APLICAÇÃO DE INSTRUMENTOS ARQUIVISTICOS NORMALIZADOS PARA A MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA O desenvolvimento de atividades voltadas à normalização e à produção de instrumentos arquivísticos como o Quadro de Classificação de Fundos Funcional; Tabelas de Temporalidade com identificação das séries documentais, prazos de vigência, de prescrição e de arquivamento; Fichas e Planilhas de Controle de Eliminação, Transferência e Recolhimento de Documentos podem ser considerados avanços significativos para o aperfeiçoamento de políticas públicas, como fundamentos básicos para a modernização da Gestão Pública Municipal, ao integrar-se à implantação de tecnologias avançadas. Tais instrumentos, quando convenientemente utilizados, são muito úteis ao Governo Municipal, à Administração Pública e ao cidadão porque permitem conhecer o (os)/a (as):

• Planejamento estratégico, prioridades, planos, programas, projetos, ações e atividades desenvolvidos no Município, controle orçamentário, demandas reprimidas e/ou aperfeiçoamento dos serviços públicos;

• Organização e aperfeiçoamento dos serviços dos Arquivos Municipais voltados à eficiência, eficácia, transparência, economia e rentabilidade da ação administrativa e à disponibilização do patrimônio documental, fomento à pesquisa e às manifestações culturais, ações educativas e de lazer;

• Possibilidades de cooperação entre as áreas de atuação municipal e outras esferas de poder nacionais e internacionais, universidades, associações, agências de fomento e de financiamento;

• Mecanismos de acesso ao documento e à informação como direito básico de cidadania e de democratização da informação;

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• Implantação de Sistemas de Informação; • Responsabilidade e dever da preservação do Patrimônio Documental (Constituição

Federal e Lei 8.159 de janeiro de 1991) • Preparação da busca e certificação da ISO 9.001; • Aumento do conteúdo probatório para fins judiciais; • Aumento das possibilidades de investimentos no Município; • Possibilidade de economia e rentabilidade.

Os instrumentos arquivísticos produzidos nos municípios paulistas de São José dos Campos, Campinas e Barueri foram objeto de análise e discussão em Encontros Regionais de Municípios, promovidos pelos Arquivos Estaduais da Bahia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo; em Cursos de Arquivística mantidos por Universidades, Oficinas, Seminários, Congressos Latino-Americanos, entre outros eventos, sem que qualquer profissional contestasse as macro-funções, funções, sub-funções, séries documentais arroladas ou dados das Tabelas de Temporalidade. Mais de mil municípios participaram de tais eventos, o que autorizou a pesquisa de sua aplicação prática em outros municípios. A estratégia adotada com a constituição de Comissões Setoriais Especializadas mostrou-se mais eficaz em outros municípios, a partir da análise do Quadro Funcional e das Tabelas de Temporalidade pelos profissionais da área. Em Campinas, por exemplo, foram cotejados os dados das Tabelas de Temporalidade à luz da legislação daquele município. Foi identificada uma diferença de 2 (dois anos) para 3 (três anos) para o prazo de vigência do projeto de edificações particulares, isto é, o prazo é diferente no código de obras dos dois municípios. Todos os membros das comissões são unânimes na identificação dos documentos destinados à conservação definitiva. VIII – CONSIDERAÇÕES FINAIS Para Armando Malheiro B. Silva, da Universidade do Minho, Portugal, (Silva,1999), além do estudo do contexto da produção e do fluxo informacional, precisam ser considerados como critérios de avaliação, os níveis de pregnância (importância), pertinência (interesse temático), densidade (riqueza de dados) e abrangência (alcance temporal). Esses elementos foram analisados pelos profissionais ligados às áreas produtoras de documentos, profissionais interessados em gestão, sistemas de informação, avaliação e áreas afins. Não foi difícil perceber que os níveis propostos por Armando Malheiro, para os documentos providos de valor informacional e probatório coincidem com as séries documentais produzidas no exercício de grandes funções – princípio da funcionalidade. Os graus de menor valor coincidem com atividades rotineiras, repetitivas, portanto, correspondendo aos documentos destinados à eliminação. A Avaliação de Documentos constitui sem dúvida, a grande contribuição do arquivista aos demais profissionais das Ciências da Informação. Há, porém, muitos outros espaços que precisam ser ocupados pelos Arquivos. O Gerenciamento Eletrônico de Documentos é um desses espaços, assim como a Gestão de Processos (Workflow) atividade interdisciplinar que identifica, analisa e redesenha procedimentos e documentos. Nos municípios ou em outras organizações não há um âmbito que se ocupe dela com exclusividade. Entretanto, como decisão estratégica, a Gestão de Processos (Workflow) é uma função da hierarquia superior, cuja delegação não é fácil, por não existir uma área especializada, porém é uma função estreitamente relacionada à área arquivística. Gestão de Processos( Workflow) é a base de projeções para o e-governo eletrônico com que os Municípios estão apostando muito. A Arquivística possui conhecimento, experiência e um espaço próprio nesse entorno, assim sua prática dependerá fundamentalmente da capacidade de interlocução e do planejamento de cada serviço de arquivo. (Ramon Cruz Mundet, 2.003). As experiências bem sucedidas em nível internacional, na Espanha, por exemplo, bem como a constatação de que a metodologia preconizada pelo Dirks (Designing and implementing recordkeeping systems), na

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Austrália corresponde à metodologia que elaboramos há mais de uma década, ora em pleno desenvolvimento, são indícios de que o aperfeiçoamento em políticas públicas será realidade em futuro próximo nos municípios brasileiros. A constatação de que pesquisadores diferentes, em países tão distantes, de culturas tão diversas possam chegar a resultados tão próximos mostra que o estudo de princípios da Arquivologia deve fundamentar tanto a avaliação científica, quanto a busca de soluções tecnológicas perfeitamente aplicáveis.

TITLE The Municipal Archives from Brazil: Strategies to modernize the public administration.

TITRE Les Archives Municipales Brésiliens: Stratégies pour la Modernisation de la Gestion Publique.

RESUMO Os arquivos municipais brasileiros buscam atender a demanda de informação, resultado do fortalecimento do processo democrático. Porém, ocupam uma posição hierárquica inferior, sem infra-estrutura, recursos materiais e humanos. O CIA/SAM apóia a implantação de Gestão Sistêmica de Documentos e Informações Municipais – GSDIM, para integrar procedimentos arquivísticos padronizados, com soluções tecnológicas. como paradigma para a modernização da gestão pública. Acordos de cooperação técnica firmados entre as cidades do Porto (Portugal), Barcelona e Alcobendas (Espanha) com Campinas, Viamão e Barueri (brasil) visam transformar seus arquivos em centros irradiadores da GSDIM.

ABSTRACT

The Municipal Archives of Brazil seek to meet the demand for information that results from the strengthering of the democratic process. However, they occupy an inferior hierarchic position, lacking infra structure and material and human resources. ICA/SMA supports the implementation of the Systemic Management of Municipal Records and Information-GSDIM, to integrate standardizes archival procedures, applying technological solutions as a paradigm for the modernization of public management. Technical cooperation agreements set between the cities of Porto (portugal), Barcelona and Alcobendas (Spain), and Campinas, Viamão and Barueri (Brazil), aim the turning their archives into spreading centers of GSDIM.

RESUMÉ Les Archives Municipales brésilens cherchent répondre à la demande d’information, résultat de du raffermissement du procès démocratique. Néanmoins, ils occupent une position hiérarchique inférieure sans les infrastructures, ni ressources matérielles ou humaines. Les accords de coopération techniques entre les villes de Porto-Portugal, Barcelone et Alcobendas (Espagne), avec Campinas, Viamão, Recife (Brésil), envisagent transformer leurs archives en centres de diffusion de la GSDIM. Le CIA/SAM soutient l’implantation de la Gestion Systémique de Documents et Informations Municipales GSDIM, visant intégrer les procédures archivistiques standard, avec des solutions technologiques, comme paradigme de la modernisation de la Gestion Publique.

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PALAVRAS-CHAVE Princípio da funcionalidade; Gestão Sistêmica de Documentos e Informações Municipais; patrimônio documental.

KEYWORDS Principle of functionality; Systemic Management of Municipal Records and Information; documental heritage.

MOTS-CLÉS

Princiope de fonctionnalité; Gestion Systémique de Documents et Informations Municipales (GSDIM); patrimoine documental.

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ARQUIVOS E MOVIMENTOS SOCIAIS 75

Janice Gonçalves*

Aqueles que estão acostumados a lidar com arquivos costumam ter clareza do que eles são e como se constituem - um arquivo é sempre um conjunto de documentos, gerado por uma determinada entidade ou organismo, em decorrência de suas finalidades globais e atividades cotidianas. A "entidade" ou "organismo" pode ser uma pessoa física ou jurídica, e, no último caso, uma entidade pública ou privada. Disso resulta um número expressivo de arquivos, bem como sua grande variedade: basicamente, existem tantos arquivos quanto entidades (ao menos, nas sociedades ditas "complexas", ou sociedades divididas, marcadas pela existência do Estado).76

Em que medida os movimentos sociais colocam questões específicas para os arquivos a eles relacionados?

Quando estudamos e tentamos compreender os movimentos sociais, uma característica que sobressai é sua grande variedade tipológica: são movimentos que têm em vista, por exemplo, questões de classe, ou étnicas, ou de gênero, ou ambientais, apenas para citar algumas das dimensões que podem articulá-los. Sua própria designação ("movimentos") indica outra característica importante: o dinamismo que lhes é inerente. Além disso, percebe-se a multiplicidade e freqüente heterogeneidade de seus agentes.

Um movimento social costuma congregar simultaneamente diversas entidades, em torno de determinadas demandas, insatisfações e desejos por elas compartilhados. Assim, se

75 Versão modificada do trabalho "História e Memória dos Movimentos Sociais: em torno da preservação dos

seus registros", apresentado no II Seminário Internacional Educação Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais - Identidade, Diferença e Mediações, promovido pela Universidade Federal de Santa Catarina, Fundação Universidade Regional de Blumenau e Universidade do Porto, em Florianópolis, SC, entre 8 e 11 de abril de 2003. * Mestre e Doutoranda em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; professora do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina. 76 As aproximações entre arquivos e Estado, ou entre arquivos e poder instituído, estão presentes não só na trajetória dessas instituições como na própria etimologia da palavra "arquivo". "Arkhê, lembremos, designa ao mesmo tempo o começo e o comando. (...) Como o archivum ou o archium latino (...), o sentido de 'arquivo', seu único sentido, vem para ele do arkheîon grego: inicialmente uma casa, um domicílio, um endereço, a residência dos magistrados superiores, os arcontes, aqueles que comandavam. Aos cidadãos que detinham e assim denotavam o poder político reconhecia-se o direito de fazer ou de representar a lei. Levada em conta sua autoridade publicamente reconhecida, era em seu lar, nesse lugar que era a casa deles (casa particular, casa de família ou casa funcional) que se depositavam os documentos oficiais. Os arcontes foram seus primeiros guardiões." In: DERRIDA, J. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. p.11-12.

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estudamos movimentos operários, sabemos que neles estarão articuladas várias entidades formalmente constituídas: partidos, sindicatos, associações e clubes, jornais operários (sem falar nos militantes...). Se pensarmos nos movimentos ecológicos ou ambientalistas, igualmente encontraremos múltiplas entidades, com abrangência e linhas de atuação diferenciadas: algumas estarão mais voltadas para o local, outras terão atuação regional, nacional ou mesmo internacional; certas entidades privilegiarão ações de caráter educativo junto a pequenos grupos, enquanto outras procurarão influenciar políticas públicas ou terão preferência por ações de grande impacto midiático; algumas entidades farão a opção privilegiada por determinados segmentos da fauna, outras por determinados hábitats - enfim, os recortes possíveis, mediados por diferentes interesses e preocupações, são inúmeros. Várias dessas entidades poderão ser articuladas, de forma representativa, em organismos como comissões ou comitês. Além disso, vale lembrar as instituições que, tendo algumas de suas finalidades próximas a de determinados movimentos sociais, acabam a eles se articulando (temporária ou cotidianamente), ao menos como apoiadoras.77

No entanto, um movimento social não se reduz ao somatório das entidades que o compõem, nem mesmo tais entidades guardam completa identidade com o movimento ou entre si: tecem interações e redes de comunicação, apoio e ação, mas continuam a existir, em princípio, de forma autônoma. Exibem, freqüentemente, posturas e propostas distintas, sendo também característica, nos movimentos sociais, a existência de diferentes correntes de pensamento e, obviamente, de propostas de ação. Tendo isso em mente, como pode ser pensada a produção de documentos de arquivo de um determinado movimento social?

Pelo exposto, observa-se que não há como existir um único arquivo de um mesmo movimento social, mas vários arquivos das distintas entidades nele envolvidas. Os documentos de arquivo de um movimento social são, portanto, os documentos de arquivo dos vários agentes nele envolvidos, sejam ou não formalizados, sejam ou não estruturados. Para os que estarão incumbidos de organizar tais documentos, esse é um dado importante a considerar - ou seja, a inserção da própria entidade produtora dos documentos de arquivo em um quadro histórico e social mais amplo.

É claro que, em grande medida, essa última observação também é válida para todo e qualquer arquivo, pois as entidades forjam-se historicamente e não existem isoladas; e, quanto ao último ponto, na medida em que se relacionam, umas e outras acabam por ser visibilizadas, de alguma forma, nas suas atividades e em seus documentos. No entanto, convém frisar a circunstância dessa interação ser particularmente marcante nos movimentos sociais, o que, por sua vez, já indica o interesse em esforços de atuação conjunta que também venham a incorporar preocupações comuns quanto à produção, organização, conservação e disponibilização dos documentos registrando suas diretrizes, ações e atividades. Uma vez que os acervos das diferentes entidades, a seu modo, apresentam graus de complementaridade, quanto maior for o número de seus arquivos preservados e tornados

77 Veja-se, por exemplo, a ação da Igreja Católica, no Brasil, apoiando movimentos de trabalhadores pela terra, por meio da Comissão Pastoral da Terra, ou os direitos dos grupos indígenas, por meio do Conselho Indigenista Missionário. Ambos os organismos foram criados na década de 1970, vinculados à CNBB.

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acessíveis ao público, mais assegurada estará a possibilidade de estudar e compreender os movimentos sociais em sua complexidade.

Mas a menção a estudos e pesquisas sobre os movimentos sociais merece mais reflexão - afinal, seria a preservação dos arquivos vinculados aos movimentos sociais de interesse apenas para pesquisadores?

No dia-a-dia das entidades, a produção de documentos é conseqüência direta do exercício de suas atividades e freqüentemente busca cumprir objetivos bastante imediatos. Faz-se a reunião e elabora-se a ata, com o intuito de registrar o que foi discutido e decidido, bem como de dar fundamento às atividades que concretizarão as decisões (gerando, provavelmente, outros tantos documentos: cartas, comunicados, circulares, resoluções etc.). Elabora-se um manifesto e recolhem-se assinaturas para um abaixo-assinado: procura-se com isso intervir em situações concretas do tempo presente, embora isso não impeça que haja, no momento mesmo em que a ação se faz, uma perspectiva histórica mais ampla e uma "vontade de memória", uma intenção de perpetuação da iniciativa. E se os documentos assim produzidos são guardados (arquivados), certamente o são, antes de tudo, por necessidades da entidade, ligadas tanto ao cumprimento de suas diretrizes (documentos ligados às chamadas "atividades-fim") quanto a questões outras, aparentemente menores, apenas indiretamente vinculadas aos fins primordiais da entidade, mas decisivas para a consecução de seus objetivos (documentos identificados às chamadas "atividades-meio", geralmente vinculados a finanças, pessoal, materiais de consumo, bens patrimoniais etc.).

Portanto, como primeira resposta àquela indagação - "seria a preservação dos arquivos vinculados aos movimentos sociais de interesse apenas para pesquisadores?" -, caberia uma negativa: pois, se a existência desses arquivos decorre da própria história das entidades ligadas aos movimentos sociais, sua adequada produção, organização e disponibilização (no limite, sua preservação) têm interesse, antes de tudo, para as mesmas entidades, de modo que possam realizar suas ações com maior eficiência.

Examine-se mais detidamente, no entanto, essa resposta: ela está afinada com grande parte da literatura arquivística, que frisa a importância administrativa dos arquivos.78 No cenário arquivístico brasileiro, essa ênfase está igualmente articulada, sobretudo no que se refere aos arquivos públicos, a uma tentativa de valorizá-los junto aos órgãos decisórios. Mas destacar o papel administrativo dos arquivos de nenhuma forma implica em excluir sua relevância política e cultural.

78 Assim, Marilena Leite Paes afirma, em manual brasileiro já clássico: "a principal finalidade dos arquivos é servir à administração, constituindo-se, conseqüentemente, em base do conhecimento da História". In: PAES, M. L. Arquivo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1986. p.4. Para Heloísa Liberalli Bellotto, "os documentos de arquivo são os produzidos por uma entidade pública ou privada ou por uma família ou pessoa no transcurso das funções que justificam sua existência como tal, guardando esses documentos relações orgânicas entre si. Surgem, pois, por razões funcionais administrativas e legais". In: BELLOTTO, H. L. Arquivos permanentes: tratamento documental. São Paulo: T.A.Queiroz, 1991. p.15.

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Desde fins do século XVIII, nos países em que se procurou suplantar regimes políticos pouco permeáveis ou pouco favoráveis à participação da sociedade civil, os arquivos - sobretudo os públicos - vêm sendo entendidos como elementos de destaque nas relações entre os aparelhos de Estado e os cidadãos, e são hoje especialmente valorizados como mecanismos de garantia de transparência administrativa.79

A "transparência administrativa" não é, contudo, algo pertinente exclusivamente aos arquivos públicos, e pode-se afirmar que toda organização que se pretenda democrática deveria preocupar-se com o destino de seus documentos (aí incluída a sua acessibilidade aos interessados em sua consulta). Todo aquele que se entende participante de uma organização deveria ter direito de acesso aos documentos dela, para melhor acompanhar sua atuação, detectando problemas e ajudando a apontar soluções. E isso é válido, sem dúvida, para os movimentos sociais.

Por outro lado, os arquivos são parte importante da existência das entidades: afinal, são constituídos ao longo de sua trajetória, integrando-as. São, ao mesmo tempo, parte significativa da própria memória das entidades, uma vez que concentram (ou deveriam concentrar, se fossem preservados) informações substanciais sobre o processo pelo qual elas foram constituídas, desenvolveram-se, transformaram-se ou, mesmo, deixaram de existir. E, além disso, os arquivos são componentes primordiais para a elaboração da sua história, enquanto narrativa longamente tecida, de forma coletiva, pelas próprias entidades e por agentes externos a elas, acerca dos seus significados. Como parte da existência das entidades e como elementos para pensar essa existência, os arquivos são, portanto, chaves de sua memória e de sua história.80

Mas não podemos esquecer que os movimentos sociais nascem como expressão de conflitos e tensões, sendo instrumentos de fortalecimento de determinados grupos da

79 A garantia de acesso aos documentos de caráter público pelos cidadãos em geral será significativamente afirmada, em vários países, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, uma vez que o reconhecimento do direito à informação como direito fundamental foi consagrado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Entre os países que asseguraram o "direito à informação governamental", podem ser mencionados: a Finlândia, em 1951; os Estados Unidos, em 1966; a Dinamarca e a Noruega, em 1970; a França, a Holanda e a Espanha, em 1978; a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá, em 1982; a Colômbia, em 1985; a Hungria, em 1993). A Suécia, no bojo de preocupações com a liberdade de imprensa, teria garantido, em 1766, livre acesso aos documentos oficiais a todo cidadão sueco. Cf.: DUCHEIN, M. Les obstacles à l'accès, à l'utilisation et au transfert de l'information contenue dans les archives: une étude RAMP. Paris: UNESCO, 1983. p.11; JARDIM, J. M. Transparência e opacidade do Estado no Brasil: usos e desusos da informação governamental. Niterói (RJ): Editora da UFF, 1999. p. 70-71. 80 De nenhuma forma se quer aqui afirmar que a construção da memória e da história desses movimentos sociais se faz exclusivamente por meio dos arquivos das entidades a eles articuladas: eles sempre traduzirão certas práticas de alguns dos agentes envolvidos nesses mesmos movimentos. Os comentários de Martha Ackelsberg sobre os arquivos ligados aos movimentos de trabalhadores valem também para outros movimentos sociais: há que pensar nos limites do que "é definido, registrado e conservado como relativo ao ativismo" (destaca, em especial, a prevalência da visão - masculina - das lideranças). Cf.: ACKELSBERG, M. Arquivos, História Social e História das Mulheres. Cadernos AEL, Campinas (SP), n.5-6, 1996-1997, p.42-46. Comentários na mesma linha estão presentes também em: SCHWARTZ, J. M., COOK, T. Arquivos, documentos e poder: a construção da memória moderna. Registro, Indaiatuba (SP) ano III, n.3, jul. 2004, esp. p.29-30.

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sociedade em disputa com outros. E, numa perspectiva histórica, a construção social da memória é uma das faces das lutas sociais.81 Buscando, de variadas formas, assinalar suas identidades (e portanto sua distinção em relação aos demais) e afirmar suas próprias interpretações acerca dos acontecimentos, os grupos sociais lançam mão da publicação de livros, da edição de jornais, da edificação de monumentos, da criação de museus, centros de documentação e arquivos. Neste sentido, para os próprios movimentos sociais, o exercício cotidiano de construção de sua memória, através das várias entidades que os compõem, deveria ser entendido como vital: não só porque pode alimentar a reflexão de seus agentes sobre as ações realizadas (de modo a reiterá-las, reestruturá-las ou renová-las) como também porque pode contribuir para dar visibilidade às suas posições.82

Assim, se é compreensível que, nos movimentos sociais, costume predominar a preocupação com a ação, mais do que propriamente com o registro da ação (e talvez menos ainda com a guarda e organização dos registros efetuados), verifica-se, porém, ser indevido dissociar a ação (e as táticas de luta) da construção e circulação social da memória do movimento. E, nessa tarefa construtiva, os arquivos das entidades ligadas aos movimentos sociais não deveriam ser deixados à margem.

Sabemos, porém, que outras características dos movimentos sociais dificultam a preservação dos arquivos a eles relacionados. Historicamente situados, os movimentos sociais tanto apresentam momentos de fortalecimento, com expressiva capacidade de intervenção política, quanto de refluxo. Também variam suas relações com a ordem estabelecida - especialmente no que tange ao ordenamento jurídico-legal e ao aparato policial.

Por conseqüência, os diversos movimentos sociais costumam assinalar, em suas respectivas histórias, momentos particularmente difíceis para sua organização e sustentação: prisões e até mesmo assassinato de militantes, empastelamento de jornais, repressão a passeatas e manifestações públicas em geral, clandestinidade. Sobretudo os movimentos sociais ligados a grupos populares ou minoritários costumam enfrentar ainda problemas de sustentação financeira. Freqüentemente, esse conjunto de dificuldades acaba por refletir-se no destino dos arquivos vinculados aos movimentos. Alguns exemplos podem ser, a este respeito, esclarecedores.

81 A bibliografia a este respeito é bastante extensa. Destaco: PORTELLI, A. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana. 29 de junho de 1944): mito e política, luto e senso comum. In: FERREIRA, M.de M., AMADO, J. (orgs.) Usos & abusos da História Oral. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1998. p.103-130; VESENTINI, C. A. A teia do fato: uma proposta de estudos sobre a Memória Histórica. São Paulo: Hucitec, Programa de História Social-USP, 1997. 82 Inúmeros foram os militantes que tiveram essa percepção e que dedicaram-se especialmente a preservar os arquivos dos movimentos aos quais estavam integrados, mesmo que em condições adversas. A argentina Susana Fiorito foi uma dessas pessoas. Para ela, "a possibilidade de recuperar a memória dos trabalhadores [...], preservá-la e a custodiar estabelece uma trincheira contra o esquecimento, encurta o caminho para a aprendizagem das novas gerações, dá-nos uma arma para combater a despolitização e a impunidade." Cf.: FIORITO, S. Mobilização política e lutas populares: o Arquivo do SITRAC. Cadernos AEL, Campinas (SP), n.5-6, 1996-1997. p.63.

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Na década de 1980, pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo desenvolveram projeto articulando movimentos sociais e Igreja Católica, no período de 1920 a 1980. Privilegiando a Ação Católica Brasileira, acabaram por reunir milhares de documentos. Segundo Yara Aun Khoury, "esse material, de várias procedências, foi sendo preservado por militantes e instituições, contra a ação deterioradora do tempo e, sobretudo, contra a ação repressiva do Estado na segunda metade da década de 1960."83 Ainda de acordo com a historiadora, os documentos encontravam-se em São Paulo - na própria PUC-SP, na Sede Nacional da Juventude Operária Católica e na Paróquia São João Batista, em Rio Claro (SP), bem como em arquivos pessoais de ex-dirigentes e militantes -, em Pernambuco, na Bahia, no Rio de Janeiro e no Distrito Federal (mais precisamente, no Instituto Nacional de Pastoral - INP). A documentação do INP referente à Ação Católica Brasileira foi provisoriamente reunida ao restante da documentação coletada na Central de Documentação e Informação Científica Prof. Casemiro dos Reis Filho (CEDIC), da PUC-SP, para organização e microfilmagem. A reunião foi fundamental para que se conseguisse realizar o tratamento técnico adequado dos documentos.84

Se pensarmos nos arquivos de interesse para o movimento operário, há que destacar, no Brasil, o caso do Arquivo Edgard Leuenroth - AEL, importante centro de documentação mantido pela Universidade Estadual de Campinas (SP). O acervo desse centro teve início com o arquivo do militante anarquista Edgard Leuenroth, adquirido em 1974, em pleno regime militar, o que o obrigou a ter, por certo tempo, uma existência "semiclandestina" (nem sequer constava do organograma da universidade). Nos anos seguintes, o acervo foi ampliado a partir de contatos com militantes ou seus familiares, entidades sindicais, instituições de pesquisa e órgãos governamentais. Muitos documentos foram integrados ao AEL na forma de microfilmes e outros tipos de reprodução, a partir do contato com o Internationaal Instituut voor Sociale Geschiedenis, em Amsterdã, o Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano - ASMOB, em Milão, o Ministèro Degli Affari Esteri, em Roma, e os National Archives, em Washington.85

Embora o AEL, a partir da década de 1980, tenha deixado de ser um centro de documentação exclusivamente voltado para o movimento operário, mantém-se como

83 KHOURY, Y.A. Introdução. In: KHOURY, Y.A.(coord.). Inventário Fundo Juventude Operária Católica - acervo do Instituto Nacional de Pastoral, CNBB. São Paulo: PUC, CEDIC, Com-Arte, 1991. p.20. 84 "A união dos acervos da CEDIC e do INP proporcionou à equipe [da CEDIC] a compreensão e recuperação de dados referentes às estruturas e às funções realizadas pelos movimentos da ACB e reveladas mediante aplicação adequada do método de arranjo e descrição." FERNANDES, S.S. Arquivos permanentes de movimentos sociais: novos procedimentos de arranjo e descrição. In: SILVA, Z. L. da (org.). Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Ed. da UNESP, FAPESP, 1999. p.132. Cabe salientar a complexidade técnica da organização desses materiais. Uma ressalva: o nome atual do CEDIC é "Centro de Documentação e Informação Científica Prof. Casemiro dos Reis Filho". 85 ARAÚJO, A. M. C., BATALHA, C. H. M. Preservação da memória e pesquisa: a experiência do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL). In: SILVA, Z. L. da (org.). op. cit., p.66-67. O Arquivo Edgard Leuenroth foi institucionalizado apenas em 1986.

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referência fundamental para os pesquisadores da história do trabalho e dos trabalhadores.86 Há também, na capital de São Paulo, o Centro de Documentação e Memória - CEDEM, da UNESP, que abriga a documentação de arquivo antes pertencente ao ASMOB e ao Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa - CEMAP, além de documentos da década de 1980 do Partido Comunista Brasileiro.87

Ainda quanto à questão dos arquivos do mundo do trabalho, e principalmente dos relacionados ao movimento operário, vale ressaltar o caso do arquivo do Sindicato de Trabalhadores Concord (SITRAC), na Argentina. Esse arquivo, por força do cancelamento do registro da entidade e da ocupação de sua sede pelas forças de segurança, em fins de 1971, foi "distribuído" entre os colaboradores do Sindicato. Como afirma Susana Fiorito, "os colaboradores levaram as caixas às suas casas e continuaram a tarefa que haviam escolhido, prosseguindo - talvez por uma espécie de inércia - na formação do arquivo."88 Com a intensificação da repressão, nos anos 1974-1975, a guarda dos materiais de arquivo tornou-se cada vez mais difícil e perigosa: "Cada colaborador escondeu como pôde o que tinha, e continuou, como pôde, aumentando o subarquivo de que era responsável", fundamentalmente recortando e guardando "tantos papéis quanto os que tivessem algo a ver com os restos do movimento sindical combativo e com a situação política e econômica [...]. Já em 1975, a maior parte das 'caixas' estava em casas de tias solteiras e idosas ou de operários aposentados que não haviam tido militância sindical".89 Só nos inícios dos anos 1980 os documentos de arquivo do SITRAC começaram a ser reintegrados e reorganizados.90

A atuação do Internationaal Instituut voor Sociale Geschiedenis - IISG, instituição criada em 1935, é particularmente significativa na preservação de documentos de arquivo de interesse para o movimento operário e para os movimentos socialistas e libertários. O IISG conseguiu retirar da Alemanha o arquivo do anarquista Gustav Landauer, em 1937 (portanto, durante o regime nazista), levando-o para sua sede em Amsterdã. Também da Áustria ocupada pelos alemães foram retirados, em 1938, para ter o mesmo destino do arquivo de Landauer, materiais de arquivo de Bakunin e de Max Nettlau, além da biblioteca do social-democrata R. Danneberg. Por sua vez, os documentos de arquivo mais antigos

86 Quanto à ampliação dos eixos de pesquisa e acervo do AEL: "Durante os anos 80, o AEL deixou de ser um Arquivo dedicado unicamente à documentação operária e das organizações de esquerda para abrigar documentos relativos aos novos movimentos sociais, à história da cultura, às pesquisas de opinião pública, à questão da violência e dos direitos humanos." ARAÚJO, A. M. C., BATALHA, C. H. M. op.cit., p.72. 87 CORRÊA, A. M. M. Os centros de documentação e memória da UNESP - o Centro de Documentação e Memória (CEDEM). In: SILVA, Z. L. da (org.). op. cit., p.83. 88 FIORITO, S. op.cit. p.69. 89 Idem, p.69-70. Note-se que, de acordo com o relato de Susana Fiorito, os responsáveis pela custódia do arquivo do SITRAC, na sua fase de clandestinidade, acabaram por colecionar e incorporar ao conjunto documental do Sindicato outros documentos, não mais ligados às atividades do Sindicato propriamente ditas (dada a impossibilidade jurídica de o Sindicato atuar), mas a uma questão mais geral, ou seja, a resistência à ditadura militar. Esses desdobramentos obviamente devem ser considerados no processamento técnico dos documentos. 90 Idem, p.70. Esses esforços foram favorecidos com a criação da Fundação Pedro Milesi, em 1988 (p.66-67).

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ligados ao Partido Social-Democrata Alemão passaram ao IISG em 1938.91 No entanto, como a própria Holanda seria, em 1940, invadida pelos alemães, o Instituto foi fechado pelos invasores e, também por iniciativa destes, sua documentação foi transferida para a Alemanha.92 Pouco depois da Segunda Guerra Mundial, o IISG tentará recompor seu acervo: parte do material deslocado para a Alemanha foi encontrada naquele país, em 1946, em navios, bem como em um trem na Áustria; outra parte recuperada foi concentrada em Londres antes de retornar a Amsterdã. Em 1956, uma parcela do material seria ainda encontrada na Polônia, com conseqüente devolução ao Instituto.93

Os documentos de arquivo de entidades relacionadas a movimentos sociais e políticos espanhóis, sobretudo aqueles produzidos ao longo da Guerra Civil Espanhola - mais precisamente, os documentos gerados por indivíduos, grupos e organizações derrotados no conflito - igualmente conheceram diversos deslocamentos e seguidas reapropriações. A documentação arquivística do Partido Socialista Espanhol e de outras organizações políticas foi enviada para a França ao término do conflito e abrigada temporariamente na seção francesa do Internationaal Instituut voor Sociale Geschiedenis. No entanto, tendo a ocupação alemã da França resultado no desmantelamento do acervo do IISG francês, tais documentos desapareceram. Somente na década de 1980 ficou esclarecido que, localizados pelos russos, na Alemanha, ao final da Segunda Guerra, haviam sido então enviados para Moscou. Após cumprir o percurso Espanha-França-Alemanha-União Soviética, a documentação do Partido Socialista Espanhol retornou ao país de origem, durante o governo de Gorbachev.94 Já a documentação dos anarco-sindicalistas espanhóis, que também ficara sob custódia do IISG francês em 1939, foi, após a morte de Franco, intensamente disputada e reivindicada pelos grupos internos a essa vertente de organização política, sendo que a custódia dos documentos teve de ser resolvida judicialmente.95

Não exclusivamente ligados a movimentos sociais, os arquivos ricos em informação sobre a Guerra Civil Espanhola e seus desdobramentos, qualquer que seja a facção integrante daquele conflito à qual possam ser associados, são claramente identificáveis como "arquivos sensíveis", cuja acessibilidade gera intensas demandas tanto favoráveis como desfavoráveis. Por conta disso, também apresentam trajetórias similares aos arquivos de movimentos sociais anteriormente assinalados, ao menos quanto à sua mobilidade. Veja-se que o governo republicano espanhol, derrotado na guerra civil, exilou-se em Paris, levando 91 JONG, R. de. Arquivos e História Social. Cadernos AEL, Campinas (SP), n.5-6, 1996-1997, p. 10, 12, 17. Entre esses documentos relacionados ao Partido Social-Democrata Alemão estavam incluídos, por exemplo, os arquivos pessoais de militantes expressivos como Karl Marx, Friedrich Engels, August Bebel, Eduard Bernstein e Moses Hess. Note-se que, antes de serem enviados a Amsterdã, esses materiais haviam sido deslocados da Alemanha para Praga, logo após a ascensão dos nazistas ao poder. 92 JONG, R. de. op.cit, p.21-22. 93 Idem, p. 22. 94 Ibidem. Em virtude da própria participação soviética no conflito espanhol, outros arquivos significativos encontravam-se em solo russo (no Centro Espanhol de Moscou), como arquivos de militantes e dirigentes comunistas espanhóis e os relativos às "crianças da guerra" (enviadas para a União Soviética). A este respeito, ver: ALBERCH FUGUERAS, R., CRUZ MUNDET, J. R. Archívese! - los documentos del poder, el poder de los documentos. Madrid: Alianza Editorial, 1999. p.160. 95 De acordo com Rudolf de Jong, "uma decisão da Corte Constitucional da Espanha tornou possível assinar - em 1994! - um contrato." JONG, R. de. op.cit, p.16.

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consigo seu arquivo. Este somente retornaria à Espanha em fins da década de 1970, quando o início da redemocratização fez com que os últimos presidentes da República no exílio entendessem ter perdido "a legitimidade institucional que até o momento haviam detido"; mas, "fiéis a sua ideologia republicana, não quiseram entregar os arquivos a um Estado que havia adotado a monarquia como forma de governo, e fizeram cessão dos mesmos [arquivos] no ano de 1978 à Fundação Universitária espanhola."96 Na própria Espanha, vários documentos de arquivo foram apropriados pelas forças franquistas com o intuito explícito de facilitar o trabalho sistemático de repressão às forças adversárias, mesmo quando já derrotadas. Entre eles, documentos do governo da Catalunha, transferidos inicialmente para o convento de San Ambrosio, em Salamanca, e em 1979 integrados ao Arquivo Histórico Nacional de Salamanca, que naquele mesmo ano criou uma "Seção Guerra Civil". Em 1995, foi particularmente intensa a disputa em torno desses documentos - o governo catalão exigindo seu retorno à Catalunha, e o Arquivo de Salamanca, apoiado por expressivo número de munícipes, insistindo em sua permanência.97

Ao menos dois aspectos chamam a atenção, nos exemplos dados: de um lado, a dispersão geográfica e institucional da documentação; de outro, a sua posterior reintegração (que pode ser realizada tanto de forma física quanto referencial, através de instrumentos de pesquisa).

No que se refere à dispersão, ela é às vezes devida à própria abrangência geográfica dos movimentos e ao grande número de entidades a eles vinculadas. Outras vezes está relacionada, como já foi referido, à repressão aos movimentos sociais (quer em situações de suposta "normalidade" política, quer em situações de ruptura da ordem institucional, estas últimas marcadas por crises políticas, emergência de regimes ditatoriais, conflitos armados etc). Às ações de repressão muitas vezes se procurou responder com tentativas de garantir a preservação dos documentos através de seu deslocamento físico (até mesmo para outro país) ou de sua fragmentação, com correspondente compartilhamento de custódia.

Quanto à reintegração posterior, há que considerar a própria dinâmica histórica que muitas vezes faz com que movimentos outrora perseguidos, fragilizados ou dissolvidos, bem como instituições a eles ligadas, tenham sua documentação recuperada em tempos posteriores menos obscuros ou menos desfavoráveis à mobilização. Há ainda que lembrar, por fim, da íntima relação entre os movimentos sociais em questão e o interesse acadêmico por eles, resultando na criação de centros de documentação para abrigar os documentos (ou suas reproduções) e servir como referência a seu respeito.

A existência de centros de documentação que custodiem arquivos relacionados a movimentos sociais, ou que produzam instrumentos de pesquisa sobre eles, ajuda a sanar,

96 ALBERCH FUGUERAS, R., CRUZ MUNDET, J. R. op.cit., p.160. 97 Idem, p.152-153.

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ao menos em parte, o problema de sua acessibilidade, com o qual se defrontam regularmente os pesquisadores.98

No Brasil, tais centros de documentação são freqüentemente ligados a universidades. Talvez fosse mais significativo, contudo, se os próprios movimentos sociais, reconhecendo a relevância de seus arquivos para os objetivos que buscam alcançar, estimulassem maior cooperação entre suas entidades, no sentido de organizá-los e disponibilizá-los. Projetos conjuntos de divulgação dos acervos poderiam ser realizados, dando origem a sistemas de referência informatizados (bancos de dados) e instrumentos de pesquisa (guias, inventários, catálogos). E, lembrando que os movimentos sociais constituem-se através de uma rede de entidades, tais projetos poderiam englobar a utilização do ciberespaço, inclusive com a criação de portais eletrônicos que divulgassem os movimentos, as entidades neles envolvidas e seus respectivos arquivos. Seriam ações importantes para os movimentos sociais e para a preservação de seu patrimônio arquivístico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental. São Paulo: T.A.Queiroz, 1991.

CORRÊA, Anna Maria Martínez. Os centros de documentação e memória da UNESP - o Centro de Documentação e Memória (CEDEM). In: SILVA, Zélia Lopes da (org.). Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Ed. da UNESP, FAPESP, 1999. p.79-84.

98 A existência de centros de documentação abertos à recepção dos documentos de movimentos sociais, especialmente em momentos de desaceleração da mobilização ou extinção de determinadas organizações a eles ligadas, pode facilitar a sua preservação. Veja-se, por exemplo, que a integração de documentos de arquivo de ex-militantes de grupos homossexuais ao acervo do Arquivo Edgard Leuenroth, a partir de meados dos anos 1980, pode ser compreendida no contexto da desarticulação do movimento homossexual no Brasil, na primeira metade daquela década, e do interesse do AEL em recolher os acervos a ele referentes. Cf.: ZANATTA, Elaine Marques. Documento e identidade: o movimento homossexual no Brasil na década de 80. Cadernos AEL, Campinas (SP), n.5-6, 1996-1997, p.193-220., esp. p.193, 208, 210, 212-215.

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DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. (Conexões)

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ZANATTA, Elaine Marques. Documento e identidade: o movimento homossexual no Brasil na década de 80. Cadernos AEL, Campinas (SP), n.5-6, 1996-1997, p.193-220.

TITLE

Archives and Social Movements

TITRE

Archives et mouvements sociaux

RESUMO

A variedade tipológica, o dinamismo das formas de organização, a multiplicidade e freqüente heterogeneidade de agentes e a preocupação preponderante com a ação (mais do que propriamente com o registro da ação) são características dos movimentos sociais que influem decisivamente não só na produção de registros de sua história como na organização e acessibilidade dos documentos daí resultantes (seus arquivos). O presente trabalho discute a importância dos arquivos para os movimentos sociais e a relevância de sua preservação.

ABSTRACT

Some characteristics of social movements (variety of goals, dynamism, multiplicity and diversity of agents, priority on action rather than recording of action) are very important to the production of records about their history and the organization of and access to the resulting records (their archives). This paper discusses the role of archives in social movements and the importance of their preservation.

RÉSUMÉ

La variété typologique, le dynamisme des formes d'organisation, la multiplicité et l'hétérogénéité des agents et la preoccupation prépoderante avec l'action (plus que avec le registre de l'action) sont des caracteristiques des mouvements sociaux qui influencient de manière catégorique pas seulement dans la production des registres de son histoire comme dans l'organisation et l'accessibilité des documents resultants (ses archives). Ce travail-ci discute l’ importance des archives pour les mouvements sociaux et l'importance de sa préservation.

PALAVRAS-CHAVE

Movimentos sociais; arquivos, preservação.

KEYWORDS

Social movements; archives; preservation.

MOTS-CLÉS

Mouvements sociaux; archives; préservation.

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UTILIZAÇÃO DE RECURSOS INFORMÁTICOS NOS ARQUIVOS:

ALGUMAS DIRETRIZES*

André Porto Ancona Lopez**

A primeira etapa de qualquer projeto de informatização é, ao lado do conhecimento profundo da instituição e do acervo, a adoção de uma política geral que estabeleça e sistematize as prioridades99. Antes de optar por qualquer processo de informatização há que se saber o que será informatizado e quais resultados espera-se obter. Via de regra, os projetos podem assumir dois caminhos: o controle informático de documentos convencionais já existentes e o controle informático na geração de novos documentos (eletrônicos ou convencionais).

As interferências no arquivo corrente, no caso de atuarem sobre os documentos convencionais já constituídos, geralmente estarão limitadas à listagens de controle de trâmite e localização/circulação de documentos. Tais instrumentos de controle podem ter um papel muito importante quando do estabelecimento de tabelas de temporalidade, permitindo um conhecimento mais sistemático do tempo de utilização de cada documento. Nas atividades de transferência e recolhimento tais listagens devem continuar a fazer parte do processo de gestão arquivística, tanto para impedir a formação de uma massa documental acumulada, como para que os documentos do arquivo permanente possam ser arquivisticamente contextualizados em função de sua geração administrativa e não em função dos dados informacionais100.

O segundo caso indicado acima, a informatização de novos documentos desde a sua criação no arquivo corrente, implica sobretudo em um processo de análise da função, da durabilidade, do valor legal de tais documentos, da política de avaliação e, principalmente, da certificação dos metadados101. O gerenciamento de tais documentos não mais se dará por meio de listagens, porém por bancos de dados e metadados que deverão ser produzidos e atualizados automaticamente, conforme a criação e o andamento dos documentos. A extensão deste controle automatizado para as fases seguintes do ciclo vital dos documentos estabelecerá rotinas eficientes e racionais para a avaliação e o descarte, além de garantir o recolhimento de documentos já classificados ao arquivo permanente.

* Apresentado no Sesquicentenário do Arquivo Público do Paraná em 2005. ** Especialista em arquivos (IEB-ECA/USP) e doutor em História Social (FFLCH/USP). Professor de arquivolgia do CID-UNB; professor convidado do curso de especialização em arquivos do IEB-ECA/USP. [email protected] 99 Uma discussão conceitual mais aprofundada sobre os documentos eletrônicos e a arquivologia pode ser vista em LOPEZ, A. Princípios arquivísticos e documentos digitais. 100 O tópico da contextualização arquivística em função das atividades administrativas está melhor exemplificados em LOPEZ, A. Arquivos pessoais e as fronteiras da arquivologia. 101 Para uma discussão conceitual mais precisa sobre os metadados ver: RONDINELLI, R. Fidedignidade e autenticidade do documento eletrônico....

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A eficiência da automação deverá certamente ser estendida para as atividades de descrição dos conjuntos permanentes102. Isto significa que um projeto de informatização de novos documentos deve ter uma amplitude global, não se restringindo às ações administrativas imediatas, mas abarcando todo o ciclo de vida do documento. Um bom planejamento resultará na automatização, pelo próprio sistema, de todas as atividades posteriores ao trâmite.

Para os documentos permanentes convencionais já existentes no arquivo a informatização também pode se dar na forma de controle dos documentos através de listagens ou instrumentos de pesquisa como guias, inventários, catálogos etc.103. A intervenção informática nos arquivos permanentes ainda teria função de, por meio de cópias digitas, restringir a consulta aos documentos originais, contribuindo para sua preservação física. É necessário alertar que a legislação ainda não reconhece valor legal em cópias digitais não certificadas. Deste modo, se o problema for a redução de espaço sem perda de valor jurídico, a microfilmagem é a opção mais adequada.

Já no caso de arquivos correntes ou intermediários a digitalização nem sempre é uma boa solução dado o enorme volume de documentos que serão descartados após o cumprimento dos prazos determinados pela tabela de temporalidade, desperdiçando recursos de tempo e de pessoal. Não obstante, o fato de ainda não terem sido descartados, implica, na maioria das vezes, na existência de um valor jurídico de prova, que seria esfacelado na digitalização dos documentos. A solução mais adotada nestes termos, para finalidade de economia de espaço, tem sido a microfilmagem maciça, sobretudo daqueles documentos que se tornarão permanentes.

As vantagens e desvantagens da microfilmagem e da digitalização não permitem uma decisão conclusiva em prol de nenhuma das duas técnicas, sendo que o ideal é a adoção de ambas. Existem hoje sistemas híbridos que permitem, na mesma operação técnica, a saída simultânea de uma cópia digital —a ser armazenada em CD-ROM, por exemplo, com menor perda de informações—, e de uma cópia em microfilme, sem perda de valor jurídico.

A tabela seguinte procura traçar uma comparação sumária entre a microfilmagem e a digitalização ótica de documentos.

102 Para uma discussão mais detalhada sobre as possibilidades de automação da descrição arquivística ver: LOPEZ, A. Alcance da descrição arquivística e o processo de automação. 103 Uma explanação mais detalhada sobre a descrição documental e seus respectivos instrumentos pode ser vista em LOPEZ, A. Instrumentos de pesquisa. Para uma discussão sobre a aplicação de tais instrumentos em consonância com a Norma Internacional de Descrição Arquivística ver: —. International Standard Archival Description...

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MICROFILMAGEM DIGITALIZAÇÃO

� instauração de uma política de reprodução de documentos;

� preservação física do acervo, reduzindo o manuseio de documentos danificados ou mais delicados;

� duplicação de determinados conjuntos documentais com a finalidade de divulgação;

� migração de parte do acervo para outros suportes com a finalidade de racionalizar o armazenamento, eliminando documentos originais;

Objetivos

� preservação de grande volumes de documentos por tempo indeterminado.

� localização imediata e disponibilização on-line de cópias dos documentos através da integração com banco de dados.

� necessidade prévia de uma política geral do arquivo para a reprodução;

� definição de prioridades;

� somente reproduzir documentos que estejam minimamente organizados, isto é, classificados e, no caso dos arquivos permanentes, descritos em guia e inventário. Pré-requisitos

� documentos textuais, com poucos elementos visuais, ou com informação iconográfica irrelevante

� capacidade financeira para atualização constante do sistema de modo a evitar a perda total das informações por obsolescência tecnológica.

Vantagens

� valor jurídico é reconhecido, sob determinadas circunstâncias;

� durabilidade e estabilidade longas, desde que respeitadas as condições de preservação;

� tecnologia estável, já consolidada, com baixo risco de obsolescência tecnológica;

� alternativa economicamente viável para grandes quantidades de documentos correntes a serem descartados

� baixos custos de equipamento e armazenagem;

� cópias muito baratas e com boa qualidade de imagem;

� facilidade para fazer cópias de segurança;

� permite divulgação eletrônica do acervo;

� pode-se navegar pelos documentos digitais sem ter que consultar um a um;

� equipamento necessário para o acesso é bem disseminado

� facilita uma integração plena a um sistema de arquivos.

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Desvantagens

� alto custo de equipamentos de produção e armazenagem

� cópias com má qualidade e dispendiosas;

� má qualidade da imagem;

� fragilidade do suporte;

� somente possibilita a consulta fotograma por fotograma.

� acesso depende de equipamentos caros, pouco disseminados pela sociedade

� valor jurídico indefinido;

� durabilidade é influenciada pelas mudanças tecnológicas, daí a necessidade de atualização constante de equipamentos e softwares;

� informação facilmente adulterável; necessita de cópias de segurança.

CUIDADOS NA IMPLANTAÇÃO DE PROJETOS DE INFORMATIZAÇÃO Para a implantação de projetos de informatização no arquivos é mister contar com a ampla ajuda dos profissionais especializados, para todas as etapas, devendo o arquivista tomar o devido cuidado para que tanto o estabelecimento das diretrizes gerais como a decisão dos mínimos detalhes jamais saiam de seu controle. A primeira tarefa é elaborar um planejamento preciso, bem dimensionado, com metas claras e viáveis, do que se pretende atingir. Um projeto de informatização deve ter como ponto de partida as necessidades da instituição com relação à gestão e à guarda dos documentos e não ser fruto de um modismo tecnologizante.104 A informática é deve se limitar oferecer soluções às demandas dos arquivos. O planejamento, se bem dimensionado, deve considerar, pelo menos os seguintes tópicos:

a) etapas progressivas de informatização que evitem abarcar todo o sistema de uma só vez e, ao mesmo tempo, não se limitem a propostas pontuais sem possibilidade posterior de integração a um complexo mais amplo; intervenções específicas e limitadas são bem-vindas desde que apresentem possibilidade de expansão e integração com o restante do sistema.

b) custos realistas que englobem não apenas os gastos imediatos da implantação do sistema, mas também os gastos de manutenção, atualização, migração de dados, elaboração de cópias de segurança consultorias (informáticas, jurídicas, arquivísticas etc.), treinamentos periódicos da equipe etc.

c) ampla pesquisa à legislação a fim de evitar a nulidade jurídica dos arquivos, ou de parte deles, com relação à capacidade de prova legal;

d) salvaguardas que garantam os documentos em caso de falha irrecuperável do sistema como a confecção e/ou guarda de cópias em papel (ou microfilme certificado) dos documentos de valor permanente e/ou imprescindíveis perante à Lei;

e) sistema de proteção contra falhas de energia que, além de impedir a perda de informações, também seja capaz de manter o sistema operativo por períodos prolongados;

104 As diferenças entre gestão eletrônica de documentos e gestão eletrônica de informações estão desenvolvidas em LOPEZ, A. Princípios arquivísticos e documentos digitais.

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f) detalhamento das atividades que serão executadas, tendo em vista o estabelecimento de uma padronização uniforme para todo o sistema, levando em consideração a diversidade e a transitoriedade da equipe de trabalho; o estabelecimento de normas, adoção de manuais, a divisão de tarefas e a centralização da finalização são aspectos que contribuem para uma padronização efetiva.

A centralização das atividades de finalização exige do arquivista responsável uma dedicação especial aos seguintes itens:

a) controlar a recepção, informatização e revisão dos originais;

b) padronizar a visualização de todos os dados: parágrafos, bibliografia, imagens, tabelas, fontes, formatações etc.;

c) revisar e acompanhar de perto o processo de inserção dos textos no programa de navegação;

d) rever a uniformização do programa de navegação; e, por fim,

e) checar todos os links, textos, tabelas etc., não importando a competência do programador.

Outro ponto que deve ser cuidadosamente planejado em qualquer projeto de informatização é a atualização tecnológica, de suporte, equipamentos e programas. A obsolescência é um risco potencial muito grande, capaz de comprometer, inclusive em curto prazo, não só o projeto de informatização como a própria existência dos documentos enquanto provas reconhecidas de atos administrativos. Nesse sentido, no caso de digitalização ótica, a não eliminação de documentos permanentes convencionais (ou, no mínimo, a manutenção concomitante de cópias em microfilme) é uma medida de segurança altamente recomendável. Quando se tratar de novos documentos, totalmente eletrônicos, é mister pensar no acesso e funcionamento do sistema pelos próximos anos. Esse tempo é variável em função do plano de avaliação da instituição e dos prazos legais, conforme o tipo de documento. Não obstante, algumas precauções podem ser previstas, como:

a) confecção de cópias em papel, devidamente autenticadas, para guarda futura;

b) preservação de sistemas completos (máquina, software, dados e mídia), para garantir o pleno acesso e funcionamento dos documentos eletrônicos tal como foram gerados;

c) planificação de atualizações periódicas dos sistemas, sempre tendo cautela com a certificação legal, e, conseqüentemente, com o valor jurídico/probatório dos documentos transpostos para as novas mídias/softwares.

Por maior que seja a complexidade do sistema elaborado ele sempre deverá contar com uma interface amigável, acessível à maioria das pessoas que deverão ter acesso ao documento, de tal forma que o sistema funcione satisfatoriamente, mesmo na ausência do profissional de informática. Faz-se necessário ainda a elaboração de um manual detalhado, que dê conta das tarefas rotineiras e seja capaz de subsidiar o encaminhamento de soluções para problemas mais específicos. O corpo técnico que irá lidar com o sistema deverá ter treinamento específico, capacitando-o para a criação de documentos, trâmite,

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acompanhamento, destinação, produção de cópias certificadas, enfim a realização de todas as tarefas cotidianas do sistema. Deve-se ainda, devido ao caráter transitório do corpo técnico —evidenciado por substituições e/ou ampliações na equipe, licenças médicas, férias, desistências etc.—, planejar atualizações periódicas do treinamento.

ESCOLHA DE PROGRAMADOR/SOFTWARE/HARDWARE A tarefa do arquivista de escolher um bom profissional programador deve ser criteriosa. Por mais informática que um arquivista domine, ele não possui o conhecimento técnico, a atualização e a experiência de um profissional da área. A gestão documental representa, por si só, uma árdua tarefa. O acúmulo das funções de arquivista e programador tende ao fracasso. A nítida definição dos papéis tem peso fundamental. Quanto maior for o conhecimento técnico do arquivista, melhor. Mais poderá influir nas opções exigidas quando da elaboração da programação.

Nem os técnicos da computação e nem os próprios programas estão plenamente adaptados às demandas dos arquivos. Cabe ao arquivista realizar esse controle e exigir do programador soluções que atendam a essas necessidades. Um bom profissional conseguirá —com algum trabalho, pois, em geral, essas particularidades são novidade para ele— chegar a uma solução satisfatória. O mau programador alegará impossibilidade de resolver o problema ou tentará dissuadir o arquivista.

Os arquivos possuem particularidades desconhecidas dos programadores. Assim, uma conversa longa e detalhada com o programador, antes de começar o trabalho, é imprescindível. Deve-se decidir qual será a estrutura de navegação. Isto é, qual a tela principal, quais os links, como esses links abrirão, como voltar para as telas etc. Nessa parte, a experiência e a opinião do programador são de suma importância. É preciso também definir previamente o sentido exato do que se quer atingir com a informatização. Os arquivos carregam algumas especificidades que merecem destaque especial e devem ser contempladas na elaboração do programa de navegação. A informática, como ferramenta, vê-se obrigada a se adaptar a essas características e não o inverso. Nesse sentido, o melhor programa será aquele que apresentar melhores resultados em face dos objetivos iniciais e em face da competência e familiaridade do programador com o software em questão, sempre destacando a importância dos seguintes aspectos:

a) há a necessidade de um software amigável, capaz de ser facilmente manuseado por todas as pessoas que deverão acessar o sistema;

b) a divulgação de dados e troca eletrônica de documentos terá sua amplitude limitada em função da maior ou menor popularidade dos formatos de arquivo utilizados; assim: i) sistemas que requeiram formatos de arquivo e programas menos difundidos terão possibilidades de divulgação e troca eletrônica de dados mais restritas; ii) a adoção de interfaces de importação e exportação de/para os formatos de arquivos mais comuns ameniza os problemas de intercâmbio de dados com outros sistemas/usuários; iii) a confecção de pacotes operacionais de softwares mais

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específicos que possam ser facilmente adquiridos e instalados pode ser uma boa solução para os problemas de divulgação apontados;

c) o sistema adotado deve possibilitar ampliações e modificações, sem perda dos dados e fidedignidade já existentes;

d) contra a inexorável desatualização e obsolescência dos softwares é vital garantir a possibilidade de migração/atualização do sistema para outras plataformas, sem perda dos dados e fidedignidade já existentes;

e) a interface de consulta para o público deve ter esquema de segurança que impossibilite a adulteração de dados dentro do sistema.

MANTENDO O VALOR PROBATÓRIO DO DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO Considerando que a principal finalidade da preservação dos documentos de arquivo está relacionada com a prova da execução de atividades, o valor probatório dos documentos (eletrônicos ou convencionais) que são alvos de projetos de informatização não pode ser ignorado105. A definição do que deve ser preservado e por quanto tempo, está intimamente ligada às atividades de avaliação e, por extensão à legislação.

A legislação brasileira quanto a essa questão, apesar de dar bastante atenção aos documentos e arquivos públicos106, também interfere nos arquivos privados. Nesse sentido, por força da Lei, a implementação de sistemas de informatização não pode produzir uma descontextualização maciça dos documentos e nem instaurar procedimentos indiscriminados de descarte. A desobediência às regulamentações oficiais gera automaticamente documentos e arquivos nulos do ponto de vista probatório. Dentre os numerosos aspectos abordados pela legislação arquivística, os seguintes devem ser conhecidos a fundo antes da implementação de sistemas de informatização:

a) documentos públicos de valor permanente não podem ser descartados, por serem imprescritíveis e inalienáveis e devido ao valor histórico, probatório e informativo107;

b) documentos públicos só podem ser descartados se forem submetidos à uma tabela de temporalidade, criada por uma comissão de avaliação, devendo a eliminação ser feita por meio de fragmentação manual108;

105 Em trabalho anterior indicamos como a ampliação do campo conceitual dos documentos contemporâneos

impõe aos arquivos tarefas para evitar a perda da contextualização administrativa e, por conseguinte, manter o valor de prova dos documentos. Ver; LOPEZ, A. Tipologia documental de partidos e associações políticas brasileiras; especialmente p.33 e ss.

106 A regulamentação da Lei 8.159, pelo Decreto 4.073, de 3 de janeiro de 2002 define, em seu artigo 15º, que os arquivos públicos são os “conjuntos de documentos I - produzidos e recebidos por órgãos e entidades públicas federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais, em decorrência de suas funções administrativas, legislativas e judiciárias; II - produzidos e recebidos por agentes do Poder Público, no exercício de seu cargo ou função ou deles decorrente; III - produzidos e recebidos pelas empresas públicas e pelas sociedades de economia mista; IV - produzidos e recebidos pelas Organizações Sociais, definidas como tal pela Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, e pelo Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, instituído pela Lei nº 8.246, de 22 de outubro de 1991”.

107 Lei 8.159, de 08 de janeiro de 1991. 108 Resolução nº 7 do CONARQ, de 20 de maio de 1997; Lei 8.159, de 08 de janeiro de 1991.

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c) somente os microfilmes certificados têm valor legal e a confecção de um filme cópia a partir do filme original é obrigatória por Lei, devendo os rolos serem armazenados em locais diferentes por questões de segurança109;

d) os originais dos documentos públicos microfilmados, de acordo com a legislação, não podem ser eliminados se o descarte não estiver previsto na tabela de temporalidade do órgão responsável pelos documentos110;

e) os arquivos privados, quando considerados como conjuntos de fontes relevantes para a história, cultura e desenvolvimento nacional poderão ser declarados de interesse público e social por decreto do Presidente da República; nesta situação, não poderão ser fracionados com perda da unidade documental e nem transferidos para o exterior111;

f) até o presente momento não há nada na legislação que reconheça o valor legal de cópias digitalizadas.

Cabe ainda ratificar que a manutenção do valor probatório dos documentos de arquivo passa também inviolabilidade da acumulação destes por seus produtores, de acordo com as atividades que os geraram, garantido, assim, sua contextualização, e, por extensão, sua fidedignidade e autenticidade. O documento de arquivo deve ser considerado dentro de seu contexto de produção —enquanto resultado de uma ação administrativa— marcado por esta atividade e preservado como prova desta. O contexto de produção liga-se às condições institucionais sob as quais o documento foi produzido; para tanto, é preciso indicar: quem o criou, onde e quando isso se deu, por que foi produzido (em resposta a quais demandas) e, por fim, como ocorreu esse processo (quais foram as etapas e trâmites necessários). Somente a compreensão deste contexto possibilita a percepção dos motivos responsáveis pelo arquivamento; isto é, o que o documento pretende provar; fora desse contexto o valor probatório esvazia-se completamente.

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—. Decreto nº 1799, de 30 de janeiro de 1996: regulamenta a Lei n° 5433, de 8 de maio de 1968, que regula a microfilmagem de documentos oficiais, e dá outras providências.

—. Lei nº 5.433, de 08 de maio de 1968: regula a microfilmagem de documentos oficiais e dá outras providências.

—. Lei nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991: dispõe sobre a política Nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências.

—. Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ). Resolução nº 7, de 20 de maio de 1997: dispõe sobre os procedimentos para a eliminação de documentos no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do Poder Público.

109 Lei 5.433, de 08 de maio de 1968; Decreto 1.799, de 30 de janeiro de 1996. 110 Decreto 1.799, de 30 de janeiro de 1996. 111 Lei 8.159, de 08 de janeiro de 1991; Decreto 4.073, de 3 de janeiro de 2002.

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LOPEZ, André Porto Ancona. Alcance da descrição arquivística e o processo de automação. Registro: revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba, Indaiatuba, n. n. 2, p. 27-39, 2003.

—. Arquivos pessoais e as fronteiras da arquivologia. Gragoatá: revista do Instituto de Letras da UFF, Niteroi, v. n. 15, p. 69-82, 2003.

—. Como descrever documentos de arquivo: elaboração de instrumentos de pesquisa. São Paulo: Arquivo do Estado de São Paulo / IMESP, 2002. (Como Fazer, 6).

—. International Standard Archival Description: observações sobre a ISAD (G). Revista Histórica: Arquivo do Estado de São Paulo, São Paulo (SP), v. 7, p. 38-46, 2002.

—. Princípios arquivísticos e documentos digitais. Arquivo Rio Claro, Rio Claro, v. 2, p. 70-85, 2004.

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RONDINELLI, Rosely Curi. Fidedignidade e autenticidade do documento eletrônico: uma abordagem arquivística. In: INTEGRAR, Congresso Internacional de Arquivos, Bibliotecas, Centros de Documentação e Museus, 1º. Textos. São Paulo: Imprensa Oficial SP, 2002; p.471-483.

TITLE Use of computer resources in Archives: some guidelines.

TITRE Utilisation de Ressources Informatiques dans les Archives: quelques diretrices.

RESUMO

O artigo procura sistematizar alguns princípios básicos da arquivologia como a principal salvaguarda para garantir que a crescente utilização de recursos informáticos nos arquivos não comprometa o valor probatório dos documentos, garantido-lhes a manutenção de sua organicidade. Ainda são feitas algumas recomendações técnicas para preservar a essência dos documentos de arquivo em programas de informatização, com destaque a alguns aspectos legais.

ABSTRACT The article intends to systematize some basic principles of the archival science as the main guarantee against the risk of loosing the evidential value of the records, created by the increasing use of informatics resources on archives. Those principles are responsible for the maintenance of the archival documents cohesiveness. Some technical recommendations are still made in order to preserve the essence of the archival records in informatics programs, highlighting some legal aspects.

RÉSUMÉ L’article cherche systématiser quelques principes basiques de l’archirvage comme la principale sauvegarde pour assurer que la croissante utilisation de ressources informatiques dans les archives ne compromette pas la valeur véritable des documents, en les assurant la

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manutention de son organisation. Il y a encore quelques récomendations téchiniques qui sont faites pour préserver l’essence des documents de l’archive dans les programmes d’informatique, avec évidence à certains aspects legaux.

PALAVRAS-CHAVE

Informática; legislação arquivística; princípios arquivísticos.

KEYWORDS Informatics; archival legislation; archival principles.

MOTS-CLÉS Informatique; legislation archivistique; principes archivistiques.

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ORGANIZAÇÃO DO FUNDO CAIO PRADO JÚNIOR, DO INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS – USP 112

Paulo Iumatti*

I) Introdução O objetivo desta comunicação é expor os critérios, métodos e procedimentos que vêm sendo adotados na organização dos documentos do Fundo Caio Prado Júnior – arquivo pessoal que se encontra sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros da USP desde 2002 –, com a esperança de aperfeiçoá-los. Como historiador especialista na vida e na obra de Caio Prado Júnior, acompanhei, ao lado de técnicos como as arquivistas Maria Cecília Cardoso e Maria Helena Pinoti, e a restauradora Lúcia Elena Thomé, o trabalho em quase todas as suas etapas, desde a chegada do Acervo ao IEB. Além disso, e embora não tenha formação em Arquivística – área que possui sofisticado aparato conceitual113 - , tenho desenvolvido, desde agosto de 2002, um projeto de pesquisa que abrange a organização do Fundo114; pretendo, aqui, partilhar a experiência de busca que tem caracterizado tal trabalho. Busca que, pode-se talvez afirmar, participa da própria essência do conjunto de atividades, saberes e técnicas que envolve a organização de um arquivo pessoal.

O Fundo Caio Prado Júnior conta cerca de 30 mil documentos, entre correspondência, manuscritos, recortes de jornais e revistas, fotografias, etc. Esses documentos, frutos, naturais ou não, da atividade acumuladora de Caio Prado Júnior e de algumas gerações de sua família, abarcam, grosso modo, o período que se estende da segunda metade do século XIX a finais dos anos 1970. O arquivo possui ainda, por motivos não inteiramente claros, documentação de terceiros, tais como a do intelectual Maurício Goulart – que foi amigo de Caio Prado Júnior – e a da Associação dos Geógrafos Brasileiros, de que Caio Prado foi fundador e um dos principais animadores entre 1934 e 1935. Uma vez adquirido o Acervo, todo o processo de transporte dos documentos para o IEB, acompanhamento da abertura das caixas em que os documentos se encontravam acondicionados, higienização, descrição inicial, etc., foi supervisionado por especialistas 112 Comunicação apresentada na mesa-redonda “Arquivos Privados”, coordenada pela Profa. Ana Maria Camargo e realizada, a 11 de maio de 2004, no âmbito do XVIII Curso de Especialização em Organização de Arquivos, promovido pelo Instituto de Estudos Brasileiros e pela Escola de Comunicação e Artes da USP. O presente texto incorpora reflexões realizadas a partir das discussões feitas, na ocasião, com a coordenadora e os demais participantes da mesa: Profa. Silvana Goulart e Profa. Flávia Toni. * Professor da Área de História do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Doutor em História Social pela USP (2001). Pós-doutorado no IEB-USP entre 2002 e 2003 (bolsa: FAPESP). Autor de Diários políticos de Caio Prado Júnior: 1945 (São Paulo: Brasiliense, 1998), e de artigos publicados em revistas acadêmicas. É um dos curadores da exposição itinerante “Caio Prado Júnior e a Associação dos Geógrafos Brasileiros” (financiamento: FAPESP), e autor de uma pequena biografia de Caio Prado Júnior (Caio Prado Júnior – uma trajetória intelectual no século XX. São Paulo: Brasiliense, no prelo). 113 BELLOTTO, Heloísa Liberalli; CAMARGO, Ana Maria de Almeida (coords.). Dicionário de terminologia arquivística. São Paulo: Associação dos Arquivistas de São Paulo, 1996. 114 O projeto teve, de agosto de 2002 a julho de 2003, bolsa de pós-doutoramento da FAPESP e supervisão do prof. Murillo de Azevedo Marx.

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em arquivística, conservação e restauro. Chamado a participar do trabalho, meu papel foi acompanhá-lo e fornecer informações relativas ao conteúdo dos documentos, contribuindo para a sua compreensão e classificação prévia. Como procedimento padrão, foram documentadas todas as etapas desse trabalho inicial, cuidadosamente conduzido pela equipe de técnicos que teve em seu horizonte pesquisas recentes em organização, conservação e restauro de documentos de arquivo. Contando com a preciosa experiência de outros Acervos organizados no âmbito do próprio IEB – o que se traduziu em referências adquiridas no convívio com pesquisadores e no aproveitamento de fichas de identificação e descrição realizadas por técnicos e pesquisadores no âmbito de outros projetos –, recorremos, desde o início, às instruções propostas em material publicado pela Associação dos Arquivistas de São Paulo, servindo-nos, por exemplo, do manual de Priscila Moraes Varella Fraiz e Célia Maria Leite da Costa, “Como Organizar Arquivos Pessoais”;115 bem como dos debates e artigos publicados a partir de meados dos anos 80 na revista Arquivo: boletim histórico e informativo, os quais discutiram, dentre outros assuntos, a implantação da chamada classificação funcional.116 Partindo desse universo, dois princípios básicos nortearam nosso trabalho: - o princípio da proveniência, que implica não misturar documentos de origem diversa - a busca pelo contexto de produção dos documentos. Ao longo desta comunicação, espero deixar claros os sentidos em que temos interpretado tais princípios. Por ora, gostaria de assinalar que todos os passos na organização do Fundo Caio Prado Júnior vêm sendo dados com o cuidado de não apagar o contexto em que os documentos chegaram ao IEB, para que, dentre outros fatores, elementos decorrentes de sua própria disposição sejam utilizados como pistas na tarefa de contextualização. Na prática, isso implicou proceder à numeração e identificação sumária de todos os documentos – trabalho que se encontra ainda em andamento. Uma outra preocupação tem sido manter o difícil equilíbrio entre a classificação dos documentos, cujo princípio norteador vem sendo a identificação das atividades que os geraram,117 e sua descrição. Foi também um princípio adotado a não exclusão de nenhuma sorte de documentos do escopo da organização - seguindo as recomendações da profa. Ana Maria Camargo. Caio Prado guardava todo tipo de documentos, inclusive e particularmente os pessoais. Nos álbuns de fotografias ele reuniu bilhetes de entrada para jogos de futebol; em envelopes, guardou mechas de cabelo, flores, cascas de noz, etc. Embora esses e outros objetos tenham à primeira vista pouca importância ou sentido que oscila entre o aparentemente óbvio e o inefável, optamos por não os descartar, visto não sabermos como poderão ser interpretados no futuro, ou de que servirão para a tarefa de datação, explicação e contextualização dos documentos do Acervo em seu conjunto – o que poderá ter, talvez, desdobramentos para os ajustes no quadro de arranjo.

115 FRAIZ, Priscila Moraes Varella; COSTA, Célia Maria Leite. Como organizar arquivos pessoais. São Paulo: Arquivo do Estado/Associação de Arquivistas de São Paulo, 2001. Projeto Como Fazer, Oficinas 2001. 116 TESSITORE, Viviane. Arranjo: estrutura ou função? Arquivo: boletim histórico e informativo, São Paulo, v.10, n.1, p.19-28, jan./jun. 1989. 117 CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Contribuição para uma Abordagem Diplomática dos Arquivos Pessoais. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 21, p. 169-173, 1998.

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Outro aspecto que não é demasiado destacar desse mesmo princípio é que a multiplicidade e quantidade dos documentos importam à organização, na medida em que incrementam os elementos a partir dos quais podemos contextualizar os documentos – cujo “valor”, semelhante neste aspecto ao dos signos lingüísticos, na célebre formulação de Saussure, é dado por seu caráter relacional. No tocante às inúmeras viagens que empreendeu, por exemplo, Caio Prado guardou bilhetes de trem, contas de hotel, ingressos a museus, etc. Também preservou fotografias e, em alguns casos, notas manuscritas dessas viagens, as quais são por vezes complementadas pelos livros que adquiria nos lugares por onde passava – e que trazem assinaturas, datas e comentários. Todo esse material tem sido utilizado na tarefa de resgate do universo semântico dos documentos e identificação das séries e grupos no arranjo funcional. Partimos também do pressuposto de que a chave para a organização do Fundo estava no próprio Fundo. Ou seja, deveríamos partir do conhecimento da biografia de Caio Prado e dos próprios documentos de seu Acervo para construir a classificação. Para tanto, segundo a norma geral de descrição arquivística internacional, era preciso ir do geral ao particular, o que significava traçar, de saída, uma visão geral, ainda que provisória, constantemente refeita, da biografia de Caio Prado Júnior e de todo o Acervo. Foi o que fizemos inicialmente, elaborando uma cronologia de sua vida e obra e uma descrição geral, muito imperfeita mas nem por isso menos útil, do conteúdo de todas as caixas, com suas respectivas estimativas numéricas. O resultado, além da cronologia, foi a listagem sumária de um arquivo que, segundo essas estimativas, como já mencionamos, soma em torno de 30 mil documentos. Observe-se que nesta listagem apenas inicial há mistura entre espécie documental, função, título dos documentos e “assuntos”. Embora nesse caso tenha tido um papel limitador a minha não formação em arquivística, pode-se afirmar que certo grau de imperfeição é parte constitutiva dessa etapa do trabalho. Com tal procedimento, chegamos cedo à estimativa de que pelo menos 50 % dos documentos do Fundo referem-se à política – dentre manifestos, programas de partidos, cartazes de propaganda eleitoral, recortes de jornais e revistas, fichas de leitura e outros textos manuscritos, etc. Decorrem, em maior ou menor grau, das atividades políticas de Caio Prado Júnior, seja da militância no PCB, seja do espectro de pesquisas empíricas que essas atividades envolviam, seja do interesse, a elas, de alguma forma, relacionado, que nutriu por determinados assuntos como a estrutura dos partidos no Brasil, seu alcance social ou o grau de participação popular nas diferentes esferas da “opinião pública” organizada. A detecção e enquadramento do espectro de pesquisas e do universo de interesses nutridos pelo intelectual dependem, ao nosso ver, da compreensão de um olhar voltado, sistematicamente, ao tempo presente, e do conhecimento da obra que Caio Prado produziu e estudo de seu universo conceitual marxista – o qual dialogou com uma pluralidade de referências, como por exemplo as concepções políticas de Oliveira Vianna, Alberto Torres e Hermes Lima, e a trajetória de Paulo Prado e Monteiro Lobato – vistos estes, num só compasso, como escritores e “homens de ação”. Itens centrais para a seção do quadro de classificação concernente à função “Política” devem ser divisados na atuação no Partido Democrático (1927-1928), e, em muito maior proporção, no Partido Comunista Brasileiro (1931-1980) – esta abrangendo, por seu turno, a participação como Vice-Presidente em São Paulo da Aliança Nacional Libertadora (1935); a atuação como fundador e membro da Aliança Democrática Popular, parte da União Democrática Nacional (UDN), fundada em 1945; as candidaturas a Deputado

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Federal (1945) e Deputado Estadual (1946); a atuação como Deputado Estadual pelo PCB de São Paulo entre 1947 e 1948, à qual corresponde importante documentação, complementar à contida no Arquivo da Assembléia Legislativa de São Paulo; etc. Do ponto de vista do estudo da história da relação que Caio Prado Júnior estabeleceu com os documentos que reunia, e da inserção dessa história no contexto de sua trajetória intelectual e de vida, o período de atuação na Assembléia Legislativa, interrompido pela cassação do registro do PCB e prisão de seus deputados em 1948, parece ser de central importância, posto que nele se assinalam algumas transformações que desaguaram, por exemplo, na interrupção definitiva da redação dos Diários políticos e numa possível mudança no modo de registro e reflexão sobre os acontecimentos da esfera pública – mudança com desdobramentos nas demais esferas da atividade intelectual – com o abandono de projetos no campo da historiografia e dedicação aos trabalhos de cunho filosófico e político-econômico-geográfico. Outro item importante para a seção relativa à “Política” do quadro de arranjo diz respeito aos documentos acumulados em pesquisas sobre assuntos como o imperialismo, com vistas a construir, em última análise, uma visão geral da conjuntura política presente em meio a fatores estruturais, de longa duração. Almejava Caio Prado realizar um “balanço” do momento político, destinado a servir de guia à ação – cujo sentido geral residia na contribuição para o processo de formação da nacionalidade, telos projetado da História do Brasil. Dificilmente se refutará o papel dessa verdadeira idéia mestra em seu pensamento, ainda que se possa inseri-la em interpretações divergentes, como tem acontecido na bibliografia específica surgida no último quarto de século.118 É ela que de certa forma dá a coloração específica e relativa de todo o seu Acervo e deverá, portanto, transparecer, em primeiro plano e muitas dimensões, no quadro de arranjo do Fundo. Seja como for, a classificação das pesquisas atinentes à análise das conjunturas deverá percorrer a chave de fatores mais palpáveis como a atuação, entre 1955 e 1964, na Revista Brasiliense – a qual, aliás, tem sido perquirida em teses e dissertações de mestrado.119 Gostaria de assinalar ainda que, num plano bastante diverso, e sem embargo das mesclas, os documentos relativos à atuação e interesses políticos de Caio Prado Júnior estão, nas caixas e pacotes em que o Arquivo foi distribuído, próximos uns dos outros; por vezes, as caixas em que chegaram constituem certa “unidade”. É essa uma característica que se estende, aliás, para todo o Fundo - aparentemente, as caixas e pacotes em que chegou podem ou não constituir unidades de sentido em si mesmas. Não poderiam, de qualquer forma, servir de base à classificação. De todo modo, mesmo em caixas e pacotes aparentemente misturados, a proximidade dos documentos não foi desfeita, e fornece, em certos casos, pistas para a contextualização. Tem sido importante, portanto, manter a ordem em que os documentos chegaram ao IEB – ou ao menos registrá-la. 118 Ver, dentre outros, DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Impasses do Inorgânico. D'INCAO, Maria Ângela (org.), História e Ideal – Ensaios sobre Caio Prado Júnior, SP: Brasiliense, 1989, p. 377-405; IUMATTI, Paulo Teixeira. Caio Prado Júnior, historiador e editor, 2001. Tese (Doutorado em História) – FFLCH da USP, São Paulo, 2 v.; MELO, Jayro Gonçalves. O nacional em Caio Prado Júnior, 1987. Tese (Doutorado em História) FFLCH- USP – São Paulo; NOVAIS, Fernando Antônio. Caio Prado Jr., historiador. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v.2, n. 2, p. 66-70, jul. 1983, São Paulo; REGO, Rubem Murilo Leão. Sentimento do Brasil. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 2000 119 Dentre elas, destacaremos o estudo de GIOVANETTI NETTO, Evaristo. Uma Trincheira de Idéias: a Revista Brasiliense (1955-1964), 1998. Tese (Doutorado em História) - Depto de História da PUC - São Paulo.

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Esta questão nos remete a perguntas que ainda estão para serem respondidas: Caio Prado Júnior tinha uma classificação? Uma, ou muitas, sucessivas? Como ela(s) se relacionaria(m) com sua biografia intelectual ou pessoal? Seria possível resgatá-la(s) ou encontrar-lhe(s) os traços? Pessoas que conviveram com o historiador lembram que ele organizava sua biblioteca e arquivo por “assuntos”. A correspondência familiar, por sua vez, estava separada por remetentes – separação que parece ter sido preservada em alguns dos conjuntos documentais. Em parte dos documentos é possível flagrar traços de uma classificação feita pelo próprio Caio Prado em ao menos alguns momentos de sua vida, como por exemplo a planta de sua biblioteca, desenhada, aparentemente, nos anos 40. Através desse documento, que contém um esquema da disposição física dos periódicos, jornais e documentos publicados sobre temas como o comércio de cabotagem e as estatísticas industriais, bem como de alguns dos documentos de seu arquivo, como aqueles relativos à fazenda Guatapará, além de uma listagem, contida no verso do documento, dos periódicos que estavam na “garagem”; vale dizer, através desse documento é possível vislumbrar pelo menos uma das ordenações feitas por Caio Prado Júnior ao longo de sua vida, e explorá-la do ponto de vista simbólico, relacionando-a à estrutura e transformações de seu pensamento – considerando os “locais” de sua elaboração do marxismo – filosofia que implicou sempre, em meio a múltiplas leituras, uma determinada hierarquização, assim como uma constante discussão sobre essa hierarquização, entre as várias esferas da vida humana e sua relação com a Natureza120 – e ao papel que reservava ao estudo empírico do presente e do passado e aos temas e enfoques propostos em revistas como La Pensée e Annales d´Histoire Économique et Sociale. Dispomos ainda das classificações que Caio Prado Júnior realizou dos recortes de jornais e revistas, entre os anos 30 e 50, do fichário de madeira, os quais distribuiu em gavetas intituladas “Café”, “História do Brasil” e “Economia e Geografia”.121 As fichas manuscritas, que parecem ter servido de base aos livros publicados nos anos 30 e 40, assim como aos projetos inconclusos dessa mesma época, aparentemente interrompidos após o período como deputado estadual, também foram divididas em temas. A divisão parece não contradizer as que encontramos na referida planta da biblioteca e nas demais gavetas do fichário. No entanto, as classificações que separavam História do Brasil, Economia e Geografia, Direito e Sociologia, teriam correspondido ao recolhimento de documentos em outras fases ? O estudo dessas classificações realizadas pelo próprio Caio Prado Júnior é importante para entendermos não só a função desses documentos, mas também o modo como ele conceituava as suas atividades de pesquisa, servindo, sem dúvida, como fonte para o enriquecimento de nossa visão sobre a sua evolução intelectual, podendo contribuir, também, para a definição do desenho interno do quadro de arranjo, o qual trará, em si mesmo, toda uma simbologia. É importante, também, como se depreende da classificação 120 Kolakowski, Leszek. Main currents of Marxism. Oxford: Oxford University Press, 1982-85, 3 v. 121 Para a identificação sumária dos documentos desta última colaborou o estudante de Economia Célio

Antônio Alcântara Silva, que foi aluno do curso que ministrei entre janeiro e fevereiro de 2003 no IEB: “História Intelectual e Teoria da História: novas perspectivas para o estudo da obra de Caio Prado Júnior”.

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das fichas manuscritas e dos recortes de jornais e revistas, para a detecção das áreas e esferas de interesse nas várias fases da vida de Caio Prado Júnior, em meio a relações de continuidade, descontinuidade e nuances de intensidade, sobreposição e mescla. Ademais, outra ordem de fatores poderia ser estudada: de que forma as inovações tecnológicas e seu alcance, tal como a generalização das fotocópias, alterou o modo de arquivamento dos documentos do arquivo ? Que transformações decorreram do ponto de vista dos procedimentos do trabalho de pesquisa e reflexão do intelectual ? As possíveis transformações teriam implicado (ou simplesmente acompanhado) deslocamentos, substituições, sobreposições, inovações ? Qual o seu significado ? Claro está que nossa classificação não coincidirá e nem poderá coincidir com as possíveis classificações que Caio Prado fez e desfez ao longo de sua vida. Quanto à possibilidade de surpreender certos traços como permanências nas diversas classificações que ele teria adotado (se é que ele não definiu ou deixou, em algum ponto no tempo, uma, que manteve ao longo dos anos...) – e isto na hipótese de conseguir resgatar evidências de boa parte delas –, ainda assim correríamos o risco de construir um quadro demasiado estático e incerto. É preciso, todavia, atentar aos conjuntos documentais que se cristalizaram a partir de determinado momento, como, por exemplo, o dossiê da documentação utilizada para elaboração do livro Evolução política do Brasil (1933), posto em um envelope, e perceber-lhe a importância relativa, ao longo dos anos, em conexão com os conjuntos ou possíveis conjuntos que não se cristalizaram, e em conexão, por outro lado, com a função ou a cristalização de uma função própria do fichário. É este um aspecto que pode ser útil à discussão sobre o enquadramento de certos documentos em mais de um dos grupos do quadro de arranjo, possibilitado, como se sabe, pela classificação funcional: documentos utilizados ou não na elaboração de mais de uma obra, documentos usados ou não de diversas formas e para finalidades plurais no transcorrer do tempo, etc. A propósito, outra característica marcante do pensamento de Caio Prado Júnior é sua busca pelas inter-relações entre as diversas instâncias da vida humana, em interação com o meio geográfico. Em quase todas as obras que escreveu a partir de meados dos anos 30, Caio Prado Júnior contestava a compartimentalização do conhecimento humano, reconhecendo que a nossa própria linguagem esbarrava em limites na tarefa de conceitualizar a mudança permanente – o real visto como vazio de “substância” ou “essência” –, e para expressar as múltiplas facetas e a permanente interação dialética entre todas as esferas da vida humana. Não obstante, cada uma dessas esferas preservava, em sua visão, qualidades específicas que justificariam a existência de ramos diferenciados do saber, os quais, porém, deveriam estar em constante comunicação, não só em seus canais consagrados de escoamento e intercâmbio científico mas inseridos na esfera mais ampla da “opinião pública”. Ao mesmo tempo, todas essas esferas eram permeadas pela interação entre teoria e prática. O conhecimento, simultaneamente produto e fator direcionador do processo, era visto como atividade social e totalizante, capaz de apreender e estabelecer as relações entre elas. Ora, justamente nos períodos em que Caio Prado se manteve mais ativo intelectualmente, redigindo trabalhos de geografia ou história, desenvolveu intensa atividade política, ou permaneceu como observador atento – recolhendo documentos como elementos para a compreensão da vida política, econômica e social no presente. A contínua procura pela elaboração das mediações entre essas múltiplas esferas – que se verifica como tema central

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da trajetória intelectual de Caio Prado Júnior, e que resulta no acúmulo de documentos de difícil classificação, já que decorrem menos de uma atividade de sentido unívoco do que da construção de pontes e elos, e da reflexão sobre os métodos dessa construção, desafia e ao mesmo passo encontra respaldo no caráter maleável da classificação funcional. Esta implica a divisão das atividades em grupos separados, como “política”, “editora”, “geografia”, “história”, etc., mas permite, como já notamos, o enquadramento em mais de uma delas, atendendo assim ao aspecto necessariamente multifacetado das atividades de que resultaram o surgimento e o acúmulo dos documentos. Um exemplo de inter-penetração entre esferas e universos de atividade na biografia de Caio Prado Júnior, e de como seu resgate pode contribuir para a organização de seu Acervo, pode ser visto no período em que ele redigiu os Diários políticos122 – que se estende de 1935 a 1947. Sua leitura dá muitas pistas quanto ao modo como Caio Prado arquivou documentos nesse período. Assim, no caso dos recortes de jornal que classificou em envelopes – relacionados à confecção dos Diários – e que se encontram, em parte, dispersos pelo acervo. A redação dos Diários é paralela à elaboração de uma série de textos sobre os mais variados temas e assuntos, da Etnologia difusionista à história de Roma na Antiguidade, que dialogam com notas, fichas, fotografias e outros documentos. Assim, apresentou-se desde o início a necessidade de um outro procedimento que ainda está em curso, e que pode fornecer o contexto da produção e do acúmulo de muitos documentos do acervo: a listagem completa da obra, publicada ou não, do intelectual. Seguindo, em parte, um modelo de descrição para catálogo analítico baseado no trabalho de Heloísa Bellotto123, e trazido pela arquivista Maria Cecília Cardoso, fizemos a listagem, o escaneamento e um primeiro estudo, destinado a fornecer uma visão geral, dos textos contidos em parte expressiva dos cadernos manuscritos, os quais se espraiam dos anos 30 aos anos 60 do século passado. O trabalho acha-se em curso. A estagiária Carolina Borges da Silva Luiz, por sua vez, iniciou a identificação dos textos e notas filosóficos de Caio Prado Júnior. Esses textos dialogam, de outro prisma, com textos manuscritos que são, possivelmente, fases preparatórias à elaboração de obras ulteriormente publicadas, como Formação do Brasil contemporâneo, a História econômica do Brasil e a Dialética do Conhecimento. Através de seu estudo é possível recuperar o sentido das notas manuscritas soltas no arquivo – e que esperam um cotejo com os livros e revistas da Biblioteca. Com vistas a entender essa parte importante da produção intelectual de Caio Prado Júnior, foi efetuado o trabalho de listagem inicial, conservação preventiva e escaneamento das fichas manuscritas de uma das gavetas do fichário de Caio Prado Júnior – trabalho este levado a cabo pela então estudante de sociologia e bolsista COSEAS Vanessa de Oliveira, sob a supervisão da restauradora Lúcia Elena Thomé. Nessa gaveta, há fichas dos anos 20 a 50, e que precisam ser entendidas em confronto com os trabalhos redigidos, publicados ou não, e com os projetos que Caio Prado Júnior teve em mente, cujo estudo tem me ocupado. É mister destacar que em parte dos manuscritos, Caio Prado parece ter usado o mesmo sistema de signos que consta das fichas. Acreditamos que a partir dessas e outras pistas, 122 Publiquei, em 1998, parte do meu trabalho de pesquisa iniciado em 1993 sobre os Diários (IUMATTI, Paulo Teixeira. Diários políticos de Caio Prado Jr.:1945. São Paulo: Brasiliense, 1998), e escrevi um artigo sobre os Diários como um todo, publicado pela revista D.O. Leitura de janeiro/fevereiro de 2004. O primeiro desses trabalhos receberá, em breve, uma segunda edição revisada. 123 BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental. São Paulo: T.A. Queiroz, 1991.

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será possível a datação dos documentos, a apreensão de seu contexto de produção e utilização, e, quiçá, um melhor entendimento do sistema.124 Quanto à correspondência – outra chave para a organização do Acervo – só recentemente foi possível começar um banco de Dados – que vem sendo trabalhado pelos alunos de gradução em História Alessandra Andrade França Barbosa, Jaílson Lima da Silva e José Carlos Matozinho – estes, no âmbito da disciplina “Introdução à Pesquisa em História”, sob minha supervisão. O banco foi pensado com a estratégia de obter uma visão geral da correspondência de Caio Prado Júnior, com informações básicas concernentes a remetente, destinatário, data, local, etc., antes da descrição e classificação definitivas – cujos critérios serão os mesmos dos utilizados para a descrição e classificação dos demais documentos do Fundo. Uma atividade muito importante para a organização do Fundo tem sido a realização de entrevistas com pessoas que conheceram Caio Prado Júnior, como sua filha Danda Prado, sua viúva Maria Cecília Naclério Homem, e seu amigo, o geógrafo Manuel Correia de Andrade. Os entrevistados forneceram informações imprescindíveis à recuperação de muitas das camadas de sentido de que se revestem os documentos, dificilmente obtidas de outra forma. Finalmente, cabe ressaltar que através da listagem geral e inicial, constatamos conjuntos que podiam ser mais facilmente relacionados a algumas das atividades de Caio Prado Júnior: assim os documentos relativos à Editora Brasiliense, que vão de 1944 até a década de 70, e estavam em pastas classificadas pelo próprio intelectual ou pela editora. Outra esfera de atividade cujos contornos sobressaíram de imediato diz respeito à atividade de Caio Prado como secretário e um dos principais animadores da Associação dos Geógrafos Brasileiros e de sua revista, a Geografia – no período de 1934 a 1935. Contamos, em relação a esta última documentação, que estava separada em pastas intituladas “Associação dos Geógrafos Brasileiros” e “Revista Geografia”, com a colaboração ilustre do prof. Manoel Seabra, que já foi Diretor da Associação. O prof. Seabra procedeu à descrição, em fichas, dos documentos, a partir da qual está sendo elaborado um catálogo e um CD-Rom, para o qual vêm colaborando a bolsista COSEAS Érica Regina Ferrari, a restauradora Lúcia Thomé e a arquivista Maria Cecília Cardoso – com a consultoria da Profa. Heloísa Bellotto. Decorre ainda do trabalho do Prof. Seabra no IEB um estudo, de sua autoria, sobre a AGB entre 1934 e 1945, que será publicado no próximo número da revista Terra Livre. O catálogo, por sua vez, contará com outro estudo crítico do Prof. Seabra, este sobre a atuação de Caio Prado na AGB. É de se ressaltar, também, o trabalho da profa. Vanderli Custódio, da área de Geografia do IEB, que se debruçou sobre os cerca de 630 mapas do Acervo, deles realizando uma listagem inicial. A história da relação de Caio Prado Júnior com a AGB e a importância das atividades do intelectual no âmbito da Geografia serão exploradas na exposição itinerante “Caio Prado Júnior – Fundador da Associação dos Geógrafos Brasileiros e Estudioso da Geografia”.

124 Escreve Dilthey que o estudo do sistema de signos empregado por Hegel em seus manuscritos permitiu “agrupar em um gran todo, según la intención del filósofo, las hojas dispersas em numerosos volúmenes de su mano.” DILTHEY, Wilhelm. Hegel y el idealismo. Tradução de Eugenio Imaz. México: Fondo de Cultura Econômica, 1944, p.10.

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Dentre outros fatores, a organização dos documentos pertinentes a essa esfera de atividades e interesses de Caio Prado nos tem levado a refletir sobre a sua absorção dos métodos da Geografia Humana, e sobre como essa absorção se refletiu, em múltiplos níveis, em seu Acervo. Assim, documentos como as fotografias que tirou em trabalhos de campo realizadas no âmbito das pesquisas da Associação aparecem soltas em outras partes do Fundo, dialogando, por outro lado, com os mapas e seus registros – voluntários, no caso das anotações manuscritas de datas e percursos de viagem, ou involuntários, no exemplo das manchas de sujidade e tecidos de reforço. Evidências, ambas, do contexto de sua utilização. Ademais, o olhar do geógrafo se desdobra e estende para períodos que desbordam em muito a fase da AGB. Nesse sentido, as fotos soltas são talvez emblema de uma experiência que criou sulcos e marcou o viés que presidia, de alguma forma, à acumulação dos documentos, de forma difusa e duradoura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELLOTTO, Heloísa Liberalli; CAMARGO, Ana Maria de Almeida (coords.). Dicionário de terminologia arquivística. São Paulo: Associação dos Arquivistas de São Paulo, 1996. CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Contribuição para uma Abordagem Diplomática dos Arquivos Pessoais. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 21, p. 169-173, 1998. DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Impasses do Inorgânico. D'INCAO, Maria Ângela (org.), História e Ideal – Ensaios sobre Caio Prado Júnior, SP: Brasiliense, 1989, p. 377-405. DILTHEY, Wilhelm. Hegel y el idealismo. Tradução de Eugenio Imaz. México: Fondo de Cultura Econômica, 1944.

FRAIZ, Priscila Moraes Varella; COSTA, Célia Maria Leite. Como organizar arquivos pessoais. São Paulo: Arquivo do Estado/Associação de Arquivistas de São Paulo, 2001. Projeto Como Fazer, Oficinas 2001. GIOVANETTI NETTO, Evaristo. Uma Trincheira de Idéias: a Revista Brasiliense(1955-1964), 1998. Tese (Doutorado em História) - Depto de História da PUC - São Paulo. IUMATTI, Paulo Teixeira. Caio Prado Júnior, historiador e editor, 2001. Tese (Doutorado em História) – Depto. de História da FFLCH da USP – São Paulo, 2 v.

KOLAKOWSKI, Leszek. Main currents of marxism. Oxford: Oxford University Press, 1982-85, 3 v. MELO, Jayro Gonçalves. O nacional em Caio Prado Júnior, 1987. Tese (Doutorado em História) Depto. de História da FFLCH da USP – São Paulo.

NOVAIS, Fernando Antônio. Caio Prado Jr., historiador. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 66-70, jul. 1983.

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REGO, Rubem Murilo Leão. Sentimento do Brasil. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 2000.

TESSITORE, Viviane. Arranjo: estrutura ou função? Arquivo: boletim histórico e informativo, São Paulo, v.10, n.1, p.19-28, jan./jun. 1989.

TITLE

Organization of the fonds Caio Prado Junior, of the USP Brazilian Studies Institute.

TITRE Organisation des fonds d’ árchives Caio Prado Junior, de l´Institut D’ Ètudes Bresilens – USP.

RESUMO

O texto expõe a experiência de organização do Fundo Caio Prado Júnior, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, discutindo seus critérios, métodos e procedimentos. Partindo da especificidade de que a chamada classificação funcional se reveste quando defrontada com o universo dos acervos pessoais, procuramos explorar algumas possibilidades e indagações relativas à conceituação dos grupos e inserção dos documentos no quadro de arranjo, abrangendo, dentre outros aspectos, sua possível relação com características do pensamento do intelectual e com as evidências das classificações a que ele mesmo procedeu.

ABSTRACT The text shows the experience in organization of the fund Caio Prado Junior, of the USP Brazilian Studies Institute, discussing its criteria, methods and procedures. Departing from specificity that the arrangement by administrative competence takes on when faced with the universe of private collections, we seek to explore some possibilities and questions related to the conceptualization of the groups and insertion of the documents in the filing system, including, among other aspects, its possible relation to the characteristics of the intellectual’s way of the thinking and the evidence of the arrangement he himself proceeded to.

RÉSUMÉ Le texte expose l’expérience de l’organisation des fonds d’ archives Caio Prado Júnior, de l’Institut d’Études Brésiliens de l’USP, en discutant ses critères, méthodes et procedures. En partant de l’especificité de ce qu’on appelle classification fonctionnele se récouvre quand elle est confrontée à l’univers des archives personnels, on cherche à exploiter quelques possibilités et enquêtes relatives à la conceptualisation des groupes et insertion des documents dans le tableau d’arrangement, en ayant, dans d’autres aspects, une possible relation avec caracteristiques de la pensée de l´intelectuel et avec les évidences des classifications à qui lui même a procedé.

PALAVRAS-CHAVE Arquivos pessoais; classificação funcional; Caio Prado Júnior.

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KEYWORDS

Private collections; arrangement by administrative competence; Caio Prado Junior.

MOTS-CLÉS Archives personnels; classification fonctionnelle; Caio Prado Júnior.

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O ARQUIVO EM FOCO

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LLIINNHHAA EEDDIITTOORRIIAALL EE NNOORRMMAASS PPAARRAA PPUUBBLLIICCAAÇÇÕÕEESS � A revista Registro é uma publicação anual do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba especializada na área de arquivística/arquivologia e áreas correlatas.

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ERRATA

Pág. Onde se lê Leia-se 07 (Nota 1) – National Archives and Records Archives National Archives and Records Administration 10 (Nota 13) fichas arquivo 12 (2o. parágrafo da segunda frase) arquivos eletrônicos identificar arquivos eletrônicos (Nota 21) dignificava significava

15 (Nota 31) fichas ARQUIVO

16 (3o. parágrafo, 6a. linha) seja uma tarefa SERÁ UMA TAREFA

(4O. PARÁGRAFO, 2A. LINHA) O IMPACTO DAS

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO REAVALIAÇÃO

o impacto das tecnologias de informação exige reavaliação

17 (4o. parágrafo) Em contraste com isso, a legibilidade significa [...]

Em contraste com isso, a inteligibilidade significa [...]

18 (Último parágrafo) Os arquivistas que decidirem aceitar essa nova terão [...]

Os arquivistas que decidirem aceitar essa nova missão terão [...]