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Revista SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ANO XII – Nº 88 – MAR-ABR 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – Nº 45/2000 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 20/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 19/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2007 DIRETOR EDITORIAL Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Salleti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Athos Gusmão Carneiro, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Adriane Medianeira Toaldo, Carlos Henrique Soares, Eduardo Ribeiro Augusto, Euzébio Henzel Antunes, Fernanda Kretzmann Pires Gomes, Hidemberg Alves da Frota, Márcio Costa de Menezes Gonçalves, Osmar Rodrigues, Tiago Figueiredo Gonçalves ISSN 2179-166X

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Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil

ano Xii – nº 88 – Mar-abr 2014

rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia

Superior Tribunal de Justiça – Nº 45/2000Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 20/2001

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 19/2010

Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 07/0042596-9Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2007

Diretor eDitorial Elton José Donato

Gerente eDitorial e De Consultoria Eliane Beltramini

CoorDenaDor eDitorial Cristiano Basaglia

eDitora Simone Costa Salleti Oliveira

Conselho eDitorial

Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Athos Gusmão Carneiro, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr.,

João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo,

Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa

ColaboraDores Desta eDição

Adriane Medianeira Toaldo, Carlos Henrique Soares, Eduardo Ribeiro Augusto, Euzébio Henzel Antunes, Fernanda Kretzmann Pires Gomes, Hidemberg Alves da Frota, Márcio Costa de Menezes Gonçalves, Osmar Rodrigues, Tiago Figueiredo Gonçalves

ISSN 2179-166X

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1999 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Civil e Processual Civil.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL Nota: Continuação de REVISTA IOB DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

v. 1, n. 1, jul. 1999

Publicação periódica Bimestral

v. 12, n. 88, mar./abr. 2014

ISSN 2179-166X

1. Direito civil – periódicos – Brasil 2. Direito processual civil

CDU: 347.9(05) (81) CDD: 347

(Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Segundo a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi), a definição de propriedade intelectual é a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifu-são, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comer-ciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.

Os juristas Márcio Costa de Menezes Gonçalves e Eduardo Ribeiro Augusto assim a definem também:

Propriedade Intelectual é o gênero que engloba duas principais espécies: Di-reito Autoral e Propriedade Industrial. O Direito Autoral abrange as criações do espírito expressas em algum suporte, sendo resguardado, especificamente, pela Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais). A Propriedade Industrial, por sua vez, engloba as patentes de invenção e de modelo de utilidade, desenhos indus-triais, indicações geográficas e marcas, sendo resguardada, notadamente, pela Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial). Por sua vez, o Código Civil trata do Direito à Imagem que se consubstancia no direito sobre a forma plás-tica de qualquer parte do corpo, assim como o é perceptível visualmente. Em razão de sua relevância, os institutos acima mencionados também encontram guarida nos dispositivos da Constituição Federal de 1988.

Nesta edição elegemos como Assunto Especial o tema “Propriedade In-telectual”, trazendo artigos dos seguintes autores: Márcio Costa de Menezes Gonçalves, Eduardo Ribeiro Augusto e Hidemberg Alves da Frota.

Na Parte Geral, selecionamos um vasto conteúdo, para mantermos a qualidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do direito, tais como: Carlos Henrique Soares, Adriane Medianeira Toaldo, Osmar Rodrigues, Fernanda Kretzmann Pires Gomes e Euzébio Henzel.

E, ainda, na Seção “Em Poucas Palavras”, de autoria de Tiago Figueiredo Gonçalves, artigo intitulado “Da Revogação Tácita da Regra de Compensação dos Honorários Advocatícios Quando Havida Sucumbência Recíproca”.

Não deixe de ver nossa Seção Bibliografia Complementar, que traz su-gestões de leitura complementar aos assuntos abordados na respectiva edição da Revista.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

ProPriedade intelectual

doutrinas

1. Licença de Uso de Propriedade Intelectual e ImagemMárcio Costa de Menezes Gonçalves e Eduardo Ribeiro Augusto ..............9

2. Introdução à Propriedade Intelectual e aos Requisitos para o Registro de Propriedade Intelectual Biotecnológica no BrasilHidemberg Alves da Frota ........................................................................12

JurisPrudência

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................44

2. Ementário .................................................................................................50

Parte Geraldoutrinas

1. Considerações Críticas sobre o Diagnóstico do IPEA em Relação aos Juizados Especiais CíveisCarlos Henrique Soares ............................................................................56

2. A Relativização da Publicidade dos Atos Processuais Praticados por Via EletrônicaAdriane Medianeira Toaldo e Osmar Rodrigues .......................................81

3. Questões Polêmicas Relacionadas à Teoria da Causa MaduraFernanda Kretzmann Pires Gomes ............................................................99

4. A Conversão Substancial do Negócio Jurídico Anulável (Análise da Aplicação do Instituto na Seara do Direito Contratual Brasileiro)Euzébio Henzel Antunes ........................................................................116

JurisPrudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................138

2. Superior Tribunal de Justiça....................................................................144

3. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................157

4. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................164

5. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................175

6. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................183

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7. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................193ementário

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ............197

Seção Especial

em Poucas Palavras

1. Da Revogação Tácita da Regra de Compensação dos Honorários Advocatícios Quando Havida Sucumbência RecíprocaTiago Figueiredo Gonçalves ...................................................................226

Clipping Jurídico ..............................................................................................234

Resenha Legislativa ...........................................................................................241

Bibliografia Complementar ..................................................................................242

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................243

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Propriedade Intelectual

Licença de Uso de Propriedade Intelectual e Imagem

MÁRCIO COSTA DE MENEZES GONÇALVESAdvogado, sócio do Siqueira Castro Advogados e Ex-Secretário Executivo do Conselho Nacio-nal de Combate à Pirataria.

EDUARDO RIBEIRO AUGUSTOSócio do Siqueira Castro Advogados e Advogado da Área de Propriedade Intelectual.

Propriedade intelectual é o gênero que engloba duas principais espécies: direito autoral e propriedade industrial. O direito autoral abrange as criações do espírito expressas em algum suporte, sendo resguardado, especificamente, pela Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais). A propriedade industrial, por sua vez, engloba as patentes de invenção e de modelo de utilidade, os desenhos industriais, as indicações geográficas e as marcas, sendo resguardada, notada-mente, pela Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial). Por sua vez, o Código Civil trata do direito à imagem que se consubstancia no direito sobre a forma plástica de qualquer parte do corpo, assim como o é perceptível visual-mente. Em razão de sua relevância, os institutos acima mencionados também encontram guarida nos dispositivos da Constituição Federal de 1988.

Pois bem, nossas breves considerações limitar-se-ão a tratar das marcas, obras protegidas pelo direito autoral e direitos de imagem, não obstante ao fato de que o licenciamento é plenamente aplicável também aos demais institutos da propriedade intelectual.

Assim como ocorre com qualquer propriedade material, salvo exceções previstas em lei, prescinde de autorização o uso regular de propriedade imate-rial alheia. Interessante diferença reside no fato de que a propriedade material, por sua natureza, somente comporta o uso, ao mesmo tempo, de um único terceiro. Nesse sentido e para ilustrar, não seria possível emprestar determinado automóvel, ao mesmo tempo, a duas pessoas distintas e localizadas em cidades diferentes do país.

Essa limitação, contudo, não recai sobre os bens imateriais, também em razão da sua própria natureza, já que, por exemplo, a imagem de uma celebri-dade pode ser usada ao mesmo tempo por um sem número de empresas locali-

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zadas em territórios distintos a fim de agregar valor ao produto/serviço que estão sendo comercializados/prestados.

Entretanto, esse é somente um dos atrativos decorrentes do licenciamento de propriedades imateriais. A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) destaca outros benefícios comerciais decorrentes dessa prática, como fluxo de receita adicional advinda do pagamento de royalties pelo licencia-do; expansão territorial do alcance da propriedade licenciada; novos canais de distribuição ou mesmo segmentos de mercado tendo acesso à propriedade licenciada; o aproveitamento por terceiros de propriedades que foram descon-tinuadas em razão de processos de fusão e aquisição ou mesmo de falência; aumento do conhecimento do consumidor e dos investimentos em propaganda e marketing a respeito da propriedade licenciada e, por fim, mas não menos importante, a oportunidade de converter uma empresa pirata em uma empresa licenciada.

Por outro lado, a experiência pretérita nos obriga a destacar pontos que costumam ser nevrálgicos em acordos dessa natureza: a definição de percen-tual de royalties; a linha tênue entre a faculdade de controlar as especificações, qualidade e a natureza do produto ou serviço licenciado e a ingerência do licenciante sobre o licenciado; a falta de simbiose entre o ramo mercadológi-co da empresa licenciada e o público alvo da marca, personagem ou mesmo celebridade; a definição de responsabilidade sobre a defesa da propriedade in-telectual no território de atuação do licenciado, além de algumas formalidades decorrentes da natureza de cada contrato.

Vale ressaltar que a Lei da Propriedade Industrial prevê que não somen-te os titulares de registros de marcas, mas os depositantes de pedidos, podem licenciar seu uso. Há previsão também nessa legislação de que o contrato de licença de uso de marca poderá ser averbado no Instituto Nacional da Pro-priedade Industrial a fim de gerar efeitos perante terceiros, dando publicidade aos termos do acordo, bem como quando existe a necessidade de remessa de royalties ao exterior.

Já quando tratamos de direitos autorais, o registro não é necessário no Brasil nem mesmo para exercer a proteção desses direitos perante terceiros, já que eles nascem da divulgação da obra. Por consequência, a licença não pres-cinde de registro, bastando a existência e a divulgação ao público da obra em si. Também funciona dessa maneira no que tange ao direito de imagem, já que tão nobre direito não se curvaria às formalidades registrais para ser exercido em sua plenitude ou mesmo utilizado por terceiros.

Como não poderia ser diferente, cada contrato de licenciamento abor-dado acima recebe específico tratamento tributário e cambial. Escapa do pro-pósito desse artigo discorrer sobre cada um deles em detalhes; contudo, para sustentar o alegado, por exemplo, os limites de dedutibilidade fiscal previstos pela Portaria nº 436, de 1958, do Ministério da Fazenda referentes ao pagamen-

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to de royalties pelo uso de marca não se aplicam, portanto, ao pagamento de royalties por uso de direitos autorais ou mesmo de imagem.

Enfim, esperamos que essas breves considerações convidem os leitores a refletir sobre o tema, especialmente sob o enfoque do mercado brasileiro, ainda mais no momento em que, conforme Pesquisa da Indústria de Licenciamento do ano de 2012, elaborada pela International Licensing Industry Merchandi-sers’ Association’s (LIMA), as vendas de produtos licenciados cresceram 5% em 2011, alcançando algo em torno de US$ 109.3 bilhões de dólares, sendo esse o primeiro movimento de elevação nos últimos 5 (cinco) anos.

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Assunto Especial – Doutrina

Propriedade Intelectual

Introdução à Propriedade Intelectual e aos Requisitos para o Registro de Propriedade Intelectual Biotecnológica no Brasil1

Introduction to Intellectual Property and to the Registration Requirements of Intellectual Property in Biotechnology in Brazil

HIDEMBERG ALVES DA FROTAAgente Técnico-Jurídico do Ministério Público do Estado do Amazonas.

RESUMO: O presente artigo almeja proporcionar à comunidade jurídica as noções fundamentais sobre a propriedade intelectual no Direito brasileiro, as diferenças entre aquela e a propriedade stricto sensu, os regimes jurídicos brasileiros relativos à propriedade intelectual e os requisitos para o registro de cultivares e biopatentes.

PALAVRAS-CHAVES: Propriedade stricto sensu e propriedade intelectual; regimes jurídicos da pro-priedade intelectual; propriedade intelectual biotecnológica.

ABSTRACT: This article aims to provide the legal community the fundamentals of intellectual property in Brazilian law, the differences between that property and property stricto sensu, the Brazilian legal regimes on intellectual property and the requirements for the registration of cultivars and bio-patents.

KEYWORDS: Property stricto sensu and intellectual property; legal regimes of intellectual property; biotechnological intellectual property.

SUMÁRIO: Introdução; 1 As diferenças fundamentais entre a propriedade propriamente dita e a pro-priedade intelectual; 2 A abrangência dos direitos de propriedade intelectual; 3 Os regimes jurídicos brasileiros de proteção da propriedade intelectual; 4 A propriedade intelectual em biotecnologia no Direito brasileiro; 4.1 Requisitos para o registro de cultivares; 4.1.1 Novidade; 4.1.2 Distinguibilidade; 4.1.3 Denominação própria; 4.1.4 Homogeneidade; 4.1.5 Estabilidade; 4.2 Requisitos para o registro de patentes de invenção biotecnológica; 4.2.1 Novidade; 4.2.2 Atividade inventiva; 4.2.3 Aplicação industrial; 4.2.4 Suficiência descritiva; 4.2.5 Anuência prévia da Anvisa; Conclusão; Referências.

1 Trabalho dedicado ao Prof. Dr. Spartaco Astolfi Filho, eminente Professor Titular da Universidade Federal do Amazonas, cuja simplicidade e generosidade são dignas de admiração, a quem se rende homenagem pelo muito que tem contribuído para o desenvolvimento científico-tecnológico brasileiro, especialmente do Estado do Amazonas, e se agradece em virtude do apoio e incentivo durante a redação deste artigo jurídico.

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INTRODUÇÃO

Este artigo2 almeja proporcionar à comunidade jurídica as noções funda-mentais sobre a propriedade intelectual no Direito brasileiro, as diferenças entre aquela e a propriedade stricto sensu, os regimes jurídicos brasileiros relativos à propriedade intelectual e os requisitos para o registro de cultivares e biopa-tentes.

Em outras palavras, o presente trabalho se propõe a responder às seguin-tes questões:

(a) O que é propriedade intelectual?

(b) Qual a diferença entre os conceitos de propriedade propriamente dita e de propriedade intelectual?

(c) Quais são as espécies de propriedade intelectual no ordenamento jurídico brasileiro?

(d) Qual as distinções fundamentais entre os regimes jurídicos das cul-tivares e das biopatentes?

(e) E quais os requisitos jurídicos para o registro de cultivares e de bio-patentes no Direito brasileiro?

Cuida-se, sobretudo, de explicitar os aspectos basilares do direito de pro-priedade intelectual brasileiro. Não se trata de descrever como deveriam ser os regimes jurídicos da propriedade intelectual no Brasil, mas de expor, em breves linhas, como o são.

1 AS DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS ENTRE A PROPRIEDADE PROPRIAMENTE DITA E A PROPRIEDADE INTELECTUAL

Em poucas palavras, a “propriedade intelectual pode ser conceituada como o direito de uma pessoa sobre um bem incorpóreo”3, sumariza Di Blasi. O bem incorpóreo, imaterial, intangível ou intelectual se convola em propriedade intelectual “quando se produz, se conforma, ou se transforma o bem intelectual com vistas ao mercado”4, salienta Barbosa.

2 Versão original deste trabalho apresentada em julho de 2011, como avaliação da disciplina Biotecnologia para Gestores, cursada pelo autor como disciplina isolada no âmbito do Programa Multinstitucional de Pós-Graduação em Biotecnologia (PPG-Biotec) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

3 DI BLASI, Gabriel. A propriedade intelectual: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 24 – grifos do autor e nossos, respectivamente.

4 BARBOSA, Denis Borges. Tratado da propriedade intelectual: uma introdução à propriedade intelectual; bases constitucionais da propriedade intelectual; a doutrina da concorrência; a propriedade intelectual como um direito de cunho internacional; propriedade intelectual e tutela da concorrência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, t. 1, 2010. p. 285 – grifo nosso.

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Assim, ao contrário da propriedade stricto sensu, tradicional, clássica ou propriamente dita, relacionada à coisa (bem material, corpóreo ou tangível), a propriedade intelectual incide sobre bens jurídicos imateriais ou incorpóreos e se norteia por legislação própria e distinta do plexo normativo do direito das coisas cuja matriz é o Livro III da Parte Geral do Código Civil brasileiro de 2002 – CCB/2002 (arts. 1.196 a 1.510, mormente o art. 1.288, no qual radicam os caracteres da propriedade material e que espelha o cerne – “o núcleo positivo”5, nas palavras de Arruda Alvim – do direito de propriedade sobre coisas, ou seja, bens materiais). Embora a propriedade intelectual possua legislação própria, o Livro III da Parte Geral do CCB/2002 serve de eventual legislação subsidiária dos regimes jurídicos da propriedade intelectual6.

Desse modo, a propriedade lato sensu engloba tanto a propriedade stricto sensu (a incidir sobre os bens materiais ou corpóreos) quanto a proprie-dade intelectual (a recair sobre os bens imateriais ou incorpóreos).

[...] a tendência universal, hoje, é a de que os chamados direitos autorais ou intelectuais fiquem fora do sistema dos direitos reais, pois que, na verdade, o objeto precípuo do direito das coisas, como já se frisou, são as coisas, e por “coisa” há de se entender “coisa corpórea e, portanto tangível” (e, com consis-tência), de tal maneira que o direito intelectual há de ser disciplinado separada-mente, como acertadamente o é, atualmente pela Lei nº 9.610/1998, e, anterior-mente, pela Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973.

[...]

Numa palavra, o que se pode dizer é que os princípios dos direitos reais são inaplicáveis, sob o ângulo técnico, ou sequer mesmo empiricamente, à situação dos chamados direitos intelectuais, inamoldáveis que são ao sistema do direito das coisas propriamente dito. O regime do direito das coisas poderá valer como regime subsidiário.

[...]

[...] um estudo mais aprofundado do que sejam os direitos reais e de qual é o regime jurídico dos direitos intelectuais revela a inviabilidade de assimilação desta espécie dos direitos aos princípios gerais do direito das coisas [...].7

Os direitos intelectuais são direitos imateriais justamente porque di-zem respeito a bens jurídicos imateriais, incorpóreos ou intangíveis, ou seja, relacionam-se aos bens jurídicos que, quando “em si mesmos considerados”8, encontram-se desprovidos de corpo perceptível pelos sentidos humanos, mes-mo que venham a ser usufruídos via suportes físicos, por intermédio dos quais

5 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ARRUDA ALVIM, Thereza Celina Diniz de; CLÁPIS, Alexandre Laizo. Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, v. 11, t. 1, 2009. p. 90 – grifo do autor.

6 Ibid., p. 107.7 Ibid., p. 107, 109, grifo do autor.8 Ibid., p. 91, grifo do autor.

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os bens imateriais se apresentam no mundo material e podem adquirir eventual utilidade e exploração econômica, a exemplo de um romance, lido ao se com-pulsar um livro em formato de brochura ou ao se folhear um livro eletrônico (e-book) extraído da rede mundial de computadores, bem como do software utilizado por meio da base física do computador, no qual foi instalado graças à plataforma material, consubstanciada, verbi gratia, em um CD, em um DVD ou em um pen drive (exemplificação ilustrativa da tecnologia em voga na primeira metade da década de 2010 – se este texto tivesse sido escrito, exempli gratia, na década de 1990, cogitar-se-ia o exemplo de um disquete, de uso corrente naquele decênio)9.

Como o próprio nome já infere, bens corpóreos são aqueles que têm existência material, perceptível pelos nossos sentidos, como os bens móveis (livros, joias etc.) e imóveis (terrenos etc.) em geral.

Em contraposição a eles, encontram-se os bens incorpóreos, que são aqueles abstratos, de visualização ideal (não tangível). Tendo existência apenas jurídica, por força da atuação do Direito, encontram-se, por exemplo, os direitos sobre o produto do intelecto, com valor econômico.10

[...] Já os chamados direitos imateriais, relativos aos bens imateriais, dizem res-peito a bens que, em si mesmos, carecem de corpo, ainda que, em muitos ca-sos, para que possam ter destinação econômica a que são designados, hajam de vir a ser materializados e, isto ocorrendo, como no caso dos direitos autorais, tal como um livro comprado por alguém e, com isto, em relação a esse livro, então, cair-se no sistema do Código Civil. Mas, o direito autoral, em si mesmo, é imaterial.11

[...] A divisão vem dos romanos (res corporales e res incorporales). [...] Reserve--se a denominação coisa para os objetos materiais, mas não se esqueça de que, ao lado dos corpos, há bens que, embora incorpóreos, constituem objeto de re-lações jurídicas. Uma vez se admita, e não se pode deixar de reconhecer, que tanto os objetos materiais quanto os imateriais são suscetíveis de medida de va-lor, tem-se de aceitar a sua distinção, porque a uns e outros não se pode dispen-sar tratamento jurídico igual.

Nesta ordem de ideias, dizem-se corpóreas as coisas tangíveis ou perceptíveis por outros sentidos que não o tato. Coisa corpórea é a que pode ser vista, to-cada ou apreendida (res quae tangi possunt), numa palavra a que possui forma exterior. Bem incorpóreo, o que, não tendo existência material, pode ser objeto de direito. [...]

9 Ibid., p. 89-100.10 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 10. ed. São

Paulo: Saraiva, v. 1, 2008. p. 260, ortografia adaptada ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa assinado em 16 de novembro 1990 (vigente, no Brasil, desde 1º de janeiro de 2009, por força do art. 2º, caput, do Decreto nº 6.583, de 29 de setembro de 2008 – as normas ortográficas novas e pretéritas coexistirão durante o período de transição, de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012, conforme determina o art. 2º, parágrafo único, do precitado Decreto Presidencial).

11 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ARRUDA ALVIM, Thereza Celina Diniz de; CLÁPIS, Alexandre Laizo. Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, v. 11, t. 1, 2009. p. 91 – grifo do autor.

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[...]

São bens incorpóreos, na definição de Messineo, as coisas não perceptíveis, tais como os produtos da atividade intelectual e criativa do homem titulados pelas regras sobre direitos autorais e direitos de patente, com eles não se devendo confundir as coisas nas quais a criação se materializa. [...]12

Além do aspecto da imaterialidade ou da ausência de corporeidade, os direitos de propriedade intelectual se distinguem dos direitos de propriedade material, pois os direitos de propriedade intelectual se limitam no tempo (pos-suem prazo certo para serem explorados economicamente de modo exclusivo pelo seu titular)13, ao contrário dos direitos de propriedade relativos a bens ma-teriais, os quais têm prazo indeterminado para a exclusiva exploração econô-mica pelos respectivos titulares (ad exemplum, o direito de propriedade sobre terras cuja titularidade décadas a fio pertence a agricultor que retira sua subsis-tência da atividade agrícola desenvolvida em tal imóvel)14.

Em rigor, em relação aos direitos autorais não há direito de propriedade propria-mente dito, senão que uma situação de titularidade jurídica, com exclusão dos demais. É situação próxima, mas, entre outros pontos, que se distingue porque o exercício do direito de propriedade não é limitado no tempo, diferindo do que acontece com os direitos autorais, que têm prazo certo para a exploração eco-nômica exclusiva pelo titular.15

2 A ABRANGÊNCIA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

Os direitos de propriedade intelectual ou direitos autorais lato sensu (“di-reitos autorais ou intelectuais”16) concernem à ampla gama de direitos relacio-nados à proteção do autor de criações concebidas pelo intelecto humano e com valor econômico, com ressonância em múltiplos segmentos da vida em

12 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 165-166 – grifo do autor.

13 Não há prazo normativo determinado para a duração do direito de propriedade propriamente dito, o que não impede o advento de eventuais expropriações, nas hipóteses divisadas pelo art. 1.228, § 3º, do Código Civil de 2002 (“O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente”) (Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 25 maio 2011).

14 A vigência da patente de invenção é de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade é de 15 (quinze) anos, contados, em ambos os casos, da data do depósito (art. 40, caput, da Lei nº 9.279/1996), nunca inferior a 10 (dez) anos, em caso de patente de invenção e a 7 (sete) anos, em caso de patente de modelo de utilidade (art. 40, parágrafo único, da Lei nº 9.279/1996). Os direitos autorais morais são perpétuos, mas os direitos autorais patrimoniais são de 70 (setenta) anos (arts. 41 a 44 da Lei nº 9.601/1998) (Cf. BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 17 maio 2011; BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9610.htm>. Acesso em: 17 maio 2011).

15 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Op. cit., p. 90, grifo do autor.16 Ibid., p. 107, grifo nosso.

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sociedade (tais quais as ambiências artística, acadêmica, religiosa, desportiva, midiática ou empresarial), espraiados em diferentes regimes jurídicos. A nosso juízo, os direitos intelectuais em geral correspondem aos direitos autorais lato sensu (direitos intelectuais = direitos autorais em sentido amplo), ao passo que os direitos autorais e conexos específicos das criações de natureza artística, lite-rária e científica concernem aos direitos autorais stricto sensu (direitos autorais relativos a obras artísticas, inclusive literárias17, e científicas = direitos autorais em sentido estrito).

(Em sentido contrário à sinonímia entre direitos autorais e direitos inte-lectuais, parcela da doutrina, ilustrada pelo pensamento de Pinheiro e Brant, entende que os direitos autorais se adstringem ao “domínio das artes, literatura e das ciências”18 e, por consequência, não se confundem com os demais direitos intelectuais, notadamente os da seara da “propriedade industrial”19 – “ligada ao comércio e indústria”20. Outro filão doutrinário, exemplificado por Amaral, diferencia a propriedade intelectual, a abranger “as obras literárias, artísticas e científicas”21, da propriedade industrial, a alcançar “as criações técnicas volta-das para a atividade industrial”22.)

Reflexo da abrangência dos direitos intelectuais, a Parte II do Acordo so-bre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – Acordo ADPIC (mais conhecido pela sigla anglófona TRIPS – Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights – ou como Acordo TRIPS)23

17 Conquanto a legislação de propriedade intelectual se reporte a obras literárias e artísticas como espécies distintas, a nosso sentir, a literatura é uma manifestação artística, de forma que consideramos as obras literárias como espécies de obras artísticas. Na esteira, esta ensinança de Di Blasi: “As criações artísticas englobam as obras literárias, escritas ou orais; as obras musicais, cantadas ou instrumentadas; e as obras estéticas bidimensionais (desenhos, gravuras, litografias, fotografias, etc.) ou tridimensionais (esculturas e obras de arquitetura)” (Cf. DI BLASI, Gabriel. A propriedade intelectual: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 24-25 – grifo nosso).

18 PINHEIRO, Leandro Figueiredo; BRANT, Cássio Augusto Barros. Aspectos polêmicos da proteção jurídica da biotecnologia no Brasil. FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.). Direito civil: atualidades IV – teoria e prática no direito privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 240 – grifo nosso.

19 Ibid., p. 241, grifo dos autores.20 Ibid., loc. cit.21 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 307 – grifo nosso.22 Ibid., loc. cit., grifo nosso.23 O TRIPS foi incorporado ao ordenamento jurídico nacional ao corporificar parte do conteúdo do Anexo do

Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, ato presidencial que promulgou (art. 1º) o TRIPS como integrante (Anexo 1C) do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio – OMC, celebrado em Marraqueche, em 15 de abril de 1994, no bojo da Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio ou Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Acordo Geral referido com frequência por GATT – em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade – originalmente firmado na Rodada de Genebra, em 1947, finalizado com o término da Rodada Uruguai, em 1994 – o chamado GATT 1994 –, tendo sido conduzida pela OMC a Rodada posterior, de Doha, iniciada em 2001 e ainda inconclusa) (Cf. BRASIL. Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Promulga a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1355.htm>. Acesso em: 23 maio 2011. Nesse sentido: WIKIPEDIA. General Agreement on Tariffs and Trade. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/General_Agreement_on_Tariffs_and_Trade>. Acesso em: 25 maio 2011).

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encerra o direito do autor e direitos conexos (Seção 1, arts. 9º a 14), marcas (Se-ção 2, arts. 15 a 21), indicações geográficas (Seção 3, arts. 22 a 24), desenhos industriais (Seção 4, arts. 25 a 26), patentes (Seção 5, arts. 27 a 34), topografias de circuitos integrados (Seção 6, arts. 35 a 38), proteção de informação con-fidencial (Seção 7, art. 39) e controle de práticas de concorrência desleal em contratos de licenças (Seção 8, art. 40).

Antes mesmo do advento da Parte II do TRIPS (Seções 1 a 8), o inciso VIII do art. 2º da Convenção de Estocolmo, de 14 de julho de 1967 (que instituiu a Organização Mundial de Propriedade Intelectual – OMPI), já compreendia no raio de alcance da propriedade intelectual não apenas as obras literárias, artís-ticas e científicas e as interpretações dos artistas intérpretes e as execuções dos artistas executantes, dos fonogramas e das emissões de radiofusão, mas também as invenções em todos os domínios da atividade humana, as descobertas cien-tíficas, os desenhos e modelos industriais e as marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como as firmas comerciais e denominações comerciais, além da proteção contra a concorrência desleal e de todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico24.

Assim sendo, consoante frisa Basso, a Convenção da OMPI unifica, sob a rubrica da propriedade intelectual, os direitos autorais e conexos (que consi-deramos, repisa-se, direitos autorais stricto sensu) e os direitos de propriedade industrial25. Anteriormente à Convenção da OMPI, historia Basso, a disciplina jurídica internacional da propriedade intelectual se bifurcava nas “Convenções da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (1883) e da União de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (1886)”26-27.

(A Convenção de Estocolmo, de 14 de julho de 1967, ou Convenção da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, emendada em 28 de setem-bro de 1979, não se confunde com a Revisão ou a Ata de Estocolmo, também de 14 de julho de 1967, que reformou o teor da Convenção de Paris para a Prote-ção da Propriedade Industrial ou Convenção da União de Paris – CUP, de 20 de março de 1883, igualmente emendada em 28 de setembro de 1979. Enquanto

24 BRASIL. Anexo do Decreto nº 75.541, de 31 de março de 1975. Promulga a Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-75541-31-marco-1975-424175-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 25 maio 2011.

25 BASSO, Maristela. A proteção da propriedade intelectual e o direito internacional atual. Revista de Informação Legislativa, Brasília/DF, v. 41, n. 162, p. 288, abr./jun. 2004. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/965>. Acesso em: 25 maio 2011.

26 Por meio do Decreto nº 75.699, de 6 de maio de 1975, o Brasil promulgou a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886, conforme a revisão feita em Paris em 24 de julho de 1971. Cf. BRASIL. Decreto nº 75.699, de 6 de maio de 1975. Promulga a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886, revista em Paris, a 24 de julho de 1971. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2007/10/decreto-75699.pdf>. Acesso em: 25 maio 2011.

27 BASSO, Maristela. A proteção da propriedade intelectual e o direito internacional atual. Revista de Informação Legislativa, Brasília/DF, v. 41, n. 162, p. 287, abr./jun. 2004. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/965>. Acesso em: 25 maio 2011.

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a Convenção de Estocolmo de 1967, no Brasil, foi promulgada pelo Decreto nº 75.541, de 31 de março de 197528, a Revisão de Estocolmo de 1967, no País, foi promulgada pelo Decreto nº 75.572, de 8 de abril de 197529, tendo o art. 1º do Decreto nº 635, de 21 de agosto de 199230 – ato presidencial ratificado pelo art. 1º do Decreto nº 1.263, de 10 de outubro de 199431 – estendido a adesão brasileira aos arts 1º a 12 e ao art. 28, alínea 1ª, todos da CUP, tal como alte-rados pela Revisão de Estocolmo. Embora a Revisão de 1967 da Convenção da União de Paris tenha se dado em Estocolmo, observa-se que, atualmente, alude--se, por vezes, à CUP também como Convenção de Paris (1967), em referência à redação entalhada àquela pela Revisão de Estocolmo, justamente no ano de 1967 – conforme ressaltado pelo Governo brasileiro na nota de rodapé nº 2 da nossa tradução oficial do TRIPS, constante do Anexo do Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 199432.)

3 OS REGIMES JURÍDICOS BRASILEIROS DE PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

No Direito brasileiro, o regime jurídico geral dos direitos intelectuais ra-dica na Lei nº 9.601, de 19 de fevereiro de 1998, a Lei dos Direitos Autorais – LDA33, a regular a proteção jurídica dos direitos morais (art. 24, I a VII)34 – em essência, enfeixa os direitos autorais relativos ao poder do autor sobre a obra

28 BRASIL. Decreto nº 75.541, de 31 de março de 1975. Promulga a Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-75541-31-marco-1975-424175-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 25 maio 2011.

29 BRASIL. Decreto nº 75.572, de 8 de abril de 1975. Promulga a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, revisão de Estocolmo, 1967. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/mult_prop_indus_1830.htm>. Acesso em: 25 maio 2011.

30 BRASIL. Decreto nº 635, de 21 de agosto de 1992. Promulga a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, revista em Estocolmo a 14 de julho de 1967. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1992/decreto-635-21-agosto-1992-449103-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 25 maio 2011.

31 BRASIL. Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Anexo do Decreto nº 1.263, de 10 de outubro de 1994. Ratifica a declaração de adesão aos arts. 1º a 12 e ao art. 28, alínea l, do texto da revisão de Estocolmo da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and1263-94.pdf>. Acesso em: 23 maio 2011.

32 BRASIL. Anexo do Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Promulga a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1355.htm>. Acesso em: 23 maio 2011.

33 BARBOSA, Denis Borges. Tratado da propriedade intelectual: a proteção do software; do sigilo dos testes para registro de comercialização; topografia de circuitos integrados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, t. 3, 2010. p. 1885.

34 O rol legal de direitos morais do autor se encontra disposto nos incisos I a VII do art. 24 do Código Civil de 2002, verbo ad verbum: “Art. 24. São direitos morais do autor: I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra; III – o de conservar a obra inédita; IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado” (Cf. BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e

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que confeccionou, inclusive “de ligar seu nome à obra que produziu”35 – e patrimoniais (art. 37, I a X)36 – “protegem os interesses financeiros do autor rela-tivos à sua obra”37 – dos autores das produções intelectuais de cunho literário, artístico e científico correspondentes ao “direito autoral padrão”38.

A par do regime jurídico geral de propriedade intelectual positivado na indicada Lei nº 9.601/1998, no âmbito dos direitos intelectuais também ganha destaque, no ordenamento jurídico pátrio, o regime jurídico dos direitos de pro-priedade industrial ou dos direitos industriais39. Relaciona-se a manifestações do intelecto humano a repercutirem no ambiente do comércio e da indústria (inclusive na seara da indústria agrícola e extrativista, assim como dos produtos manufaturados e minerais)40, resguardadas pela Lei nº 9.279, de 14 de maio

consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9610.htm>. Acesso em: 17 maio 2011, grifo nosso).

35 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 307.36 Os incisos I a X do art. 29 do CCB/2002 enfileiram elenco exemplificativo (numerus apertus) de direitos

patrimoniais do autor, in litteris: “Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I – a reprodução parcial ou integral; II – a edição; III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; IV – a tradução para qualquer idioma; V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; VII – a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;VIII – a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: a) representação, recitação ou declamação; b) execução musical; c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos; d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva; f) sonorização ambiental; g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado; h) emprego de satélites artificiais; i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas; IX – a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero; X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas” (Cf. BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9610.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso).

37 ARAÚJO, Nizete Lacerda; GUERRA, Bráulio Madureira. Dicionário de propriedade intelectual. Curitiba: Juruá, 2010. p. 88 – grifo nosso.

38 BARBOSA, Denis Borges. Tratado da propriedade intelectual: a proteção do software; do sigilo dos testes para registro de comercialização; topografia de circuitos integrados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, t. 3, 2010. p. 1874.

39 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 85.40 Tal amplitude do campo de incidência da propriedade industrial se infere da leitura do vigente art. 1º, nº 3,

da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial ou Convenção da União de Paris – CUP), de 20 de março de 1883 (dispositivo cuja redação atual espelha as sutis alterações promovidas pela Revisão ou Ato de Estocolmo, de 14 de julho de 1967), ipsis litteris: “Art. 1º [...] 3) A propriedade industrial entende-se na mais ampla acepção e aplica-se não só à indústria e ao comércio propriamente ditos, mas também às indústrias agrícolas e extrativas e a todos os produtos ou naturais, por exemplo: vinhos, cereais, tabaco em folha, frutas, animais, minérios, águas minerais, cervejas, flores, farinhas” (Cf. BRASIL. Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Anexo do Decreto nº 1.263, de 10 de outubro de 1994. Ratifica a declaração de adesão aos arts. 1º a 12 e ao art. 28, alínea l, do texto da revisão de Estocolmo da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and1263-94.pdf>. Acesso em: 23 maio 2011 – grifo nosso). Isso posto, cumpre recordar: tendo em vista que o Estado brasileiro, ao promulgar a Revisão de Estocolmo por meio do Decreto nº 75.752, de 23 de maio de 1975, fê-lo com reservas, a adesão do País ao supracitado art. 1º, bem como aos arts. 2º a 12 e ao art. 28 (1), todos da CUP, somente ocorreu na década de 1990, com o advento do

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de 1996 (a Lei de Propriedade Industrial – LPI ou o Código da Propriedade Industrial – CPI41), por meio das concessões (a) de patentes de invenção e de modelo de utilidade (art. 2º, I), (b) do registro de desenho industrial (art. 2º, I), (c) do registro de marca (art. 2º, I), (d) do registro de indicações geográficas (art. 182, parágrafo único) e do registro de contratos de transferência de tecno-logia e franquia (art. 211, caput), bem como da (e) repressão às falsas indicações geográficas (art. 2º, I) e da (f) repressão à concorrência desleal (art. 2º, I).

Afora os dois principais regimes jurídicos brasileiros de proteção aos di-reitos intelectuais – regulados nas mencionadas Leis nºs 9.601/1998 (direito au-toral padrão) e 9.279/1996 (direito industrial) –, existem quatro microssistemas jurídicos também pertinentes à propriedade intelectual, mas com abrangência menor e escopo mais restrito:

(1) O regime jurídico dos direitos de propriedade intelectual (industrial) específicos de programas de computador. Disciplinado pela Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, a denominada Lei do Software42 – LS, a qual define programa de computador nestes termos (art. 1º):

[...] Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de ins-truções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qual-quer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, basea-dos em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.43

(2) O regime jurídico dos direitos de propriedade intelectual (indus-trial) específico das topografias dos circuitos integrados. Disciplinado pela Lei nº 11.484, de 31 de maio de 2007, a Lei da Topografia dos Circuitos Integrados – LTCI. Tal diploma legislativo assim define a topografia de circuitos integrados (art. 26, II44):

art. 1º do Decreto nº 635, de 21 de agosto de 1992, ato presidencial ratificado pelo art. 1º do Decreto nº 1.263, de 10 de outubro de 1994. Na atualidade (ano-base: 2011), o art. 1º, nº 3, da CUP permanece vigente, porquanto chancelado pelo art. 2º (1) do TRIPS.

41 BARBOSA, Denis Borges. Tratado da propriedade intelectual: uma introdução à propriedade intelectual; bases constitucionais da propriedade intelectual; a doutrina da concorrência; a propriedade intelectual como um direito de cunho internacional; propriedade intelectual e tutela da concorrência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, t. 1, 2010. p. 10.

42 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. In: ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ARRUDA ALVIM, Thereza Celina Diniz de; CLÁPIS, Alexandre Laizo. Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, v. 11, t. 1, 2009. p. 95.

43 BRASIL. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L9609.htm>. Acesso em: 17 maio 2011, grifo nosso.

44 A definição positivada no art. 26, II, da Lei nº 11.484/2007 abrange todas as espécies do gênero programa de computador, de forma que são impertinentes, no contexto legal brasileiro, as distinções jurisprudenciais (usuais sobretudo no exterior) “entre programa-aplicativo e programa-básico, ou entre firmware e os programas não inclusos no hardware” (Cf. BARBOSA, Denis Borges. Tratado da propriedade intelectual: a proteção do software; do sigilo dos testes para registro de comercialização; topografia de circuitos integrados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, t. 3, 2010. p. 1851-1852 – grifo do autor.

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[...] topografia de circuitos integrados significa uma série de imagens relaciona-das, construídas ou codificadas sob qualquer meio ou forma, que represente a configuração tridimensional das camadas que compõem um circuito integrado, e na qual cada imagem represente, no todo ou em parte, a disposição geomé-trica ou arranjos da superfície do circuito integrado em qualquer estágio de sua concepção ou manufatura.45

(3) O regime jurídico dos direitos de propriedade intelectual específico das46 cultivares (“novas variedades vegetais”47). Disciplinado pela Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997, a Lei de Proteção de Cultivares – LPC, que deste modo define a cultivar (art. 3º, IV):

[...] cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem míni-ma de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada dis-ponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos [...].48

(4) O regime jurídico da Lei nº 10.60349, de 17 de dezembro de 2002, destinada à proteção, contra o uso comercial desleal, de informações relativas aos resultados de testes ou relacionadas a outros dados não divulgados, apre-sentados às autoridades competentes como condição para aprovar ou manter o registro para a comercialização de (a) produtos farmacêuticos de uso veteriná-

45 BRASIL. Lei nº 11.484, de 31 de maio de 2007. Dispõe sobre os incentivos às indústrias de equipamentos para TV Digital e de componentes eletrônicos semicondutores e sobre a proteção à propriedade intelectual das topografias de circuitos integrados, instituindo o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores – Padis e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para a TV Digital – PATVD; altera a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993; e revoga o art. 26 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11484.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso.

46 Conquanto o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa recomende o substantivo cultivar no gênero masculino (argumenta que “a origem do vocábulo como acrônimo do inglês ‘variedade cultivada’ preconiza o gênero feminino; no entanto, por analogia às substantivações dos verbos latinos, é mais frequente o uso no masculino”), adota-se, neste estudo, o gênero feminino, uma vez que este foi o acolhido pela lei de regência (Lei nº 9.456/1997, art. 3º, IV a IX). Destarte, em sentido diverso, favorável ao uso no masculino do vocábulo cultivar, cf. INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 1 CD-ROM.

47 SCHOLZE, Simone Henriqueta Cossetin. Patentes, transgênicos e clonagem: implicações jurídicas e bioéticas. Brasília/DF: UnB, 2002. p. 117 – grifo nosso.

48 BRASIL. Lei nº 10.603, de 17 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a proteção de informação não divulgada submetida para aprovação da comercialização de produtos e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10603.htm>. Acesso em: 17 maio 2011.

49 BARBOSA, Denis Borges. Tratado da propriedade intelectual: uma introdução à propriedade intelectual; bases constitucionais da propriedade intelectual; a doutrina da concorrência; a propriedade intelectual como um direito de cunho internacional; propriedade intelectual e tutela da concorrência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, t. 1, 2010. p. 9.

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rio, (b) fertilizantes, (c) agrotóxicos, assim como (d) seus componentes e afins (paráfrase do art. 1º, caput50).

(5) E o regime jurídico da Lei nº 12.270, de 24 de junho de 201051, a enfeixar medidas de suspensão de (a) concessões ou (b) de outras obrigações do País relativas aos direitos de propriedade intelectual e correlatos, em casos de descumprimento de obrigações multilaterais por Estado-membro da Orga-nização Mundial do Comércio – OMC, quando o Brasil tenha sido autorizado pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC a assim proceder (paráfrase do art. 1º).

Em suma, consoante elucida a susomencionada Lei nº 12.270/2010 (art. 2º, IV, a a k), os direitos concernentes à propriedade intelectual abarcam (a) obras literárias, artísticas e científicas, (b) artistas intérpretes ou executan-tes, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão, (c) programas de computador, (d) marcas, (e) indicações geográficas, (f) desenhos industriais, (g) patentes de invenção e de modelos de utilidade, (h) cultivares ou variedades vegetais, (i) topografias de circuitos integrados, (j) informações confidenciais ou não divulgadas e (k) demais direitos de propriedade intelectual estabelecidos pela legislação brasileira vigente.

Inclui-se no rol do direito de propriedade a salvaguarda ao nome empre-sarial (o qual tem como espécies “o nome ou a firma do empresário individual, a razão social das”52 sociedades empresárias atuantes “sob a firma e a denomi-nação das sociedades anônimas e limitadas”53), à luz da exegese ampliativa do texto vigente do art. 1º, nº 2, da CUP54, ou seja, interpretando-o em conformi-dade com o art. 1.155 do CCB/200255, que cunha a locução nome empresarial, em vez da expressão nome comercial adotada pelo texto literal do art. 1º, nº 2,

50 BRASIL. Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997. Institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9456.htm>. Acesso em: 17 maio 2011.

51 BRASIL. Lei nº 12.270, de 24 de junho de 2010. Dispõe sobre medidas de suspensão de concessões ou outras obrigações do País relativas aos direitos de propriedade intelectual e outros, em casos de descumprimento de obrigações do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9456.htm>. Acesso em: 17 maio 2011.

52 SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propriedade intelectual, direito de autor, software, cultivares e nome empresarial. 4. ed. Barueri: Manole, 2011. p. 16.

53 Ibid., loc. cit.54 Art. 1º, nº 2, da CUP, ipsissima verba: “2) A proteção da propriedade industrial tem por objeto as patentes de

invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviços, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal” (Cf. BRASIL. Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Anexo do Decreto nº 1.263, de 10 de outubro de 1994. Ratifica a declaração de adesão aos arts. 1º a 12 e ao art. 28, alínea l, do texto da revisão de Estocolmo da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and1263-94.pdf>. Acesso em: 23 maio 2011 – grifo nosso).

55 Art. 1.155 do Código Civil de 2002, ad litteram: “Art. 1.155. Considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa” (Cf. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 25 maio 2011).

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da CUP56 e da proteção às firmas e denominações comerciais assegurada pelo art. 2º, VIII, da Convenção da OMPI57, de modo que se entenda que a ordem jurídica brasileira não apenas resguarda o nome comercial (das sociedades co-merciais), como também outras espécies do gênero nome empresarial58, prote-ção a abarcar, dessarte, os nomes das sociedades empresárias em geral, tanto das sociedades comerciais quanto das demais sociedades empresárias (verbi gratia, as sociedades industriais, financeiras, securitárias e prestadoras de ser-viços59) e das empresas individuais, isto é, das outras pessoas (jurídicas e físi-cas) que também (tais quais as sociedades comerciais) desempenham atividade econômica voltada à produção ou circulação de bens ou de serviços (paráfrase do art. 966, caput, do CCB/2002). (A primazia do nome empresarial, em detri-mento do nome comercial, decorre de o Estatuto Civil de 2002 ter unificado as “obrigações civis e comerciais, mediante o conceito de empresa”60, sob a égide do Livro II da sua Parte Especial, intitulado Do Direito de Empresa.)

4 A PROPRIEDADE INTELECTUAL EM BIOTECNOLOGIA NO DIREITO BRASILEIRO

A propriedade intelectual em biotecnologia materializa-se por intermé-dio (1) da proteção jurídica às cultivares (regulada pela Lei nº 9.456/1997, a Lei de Proteção de Cultivares) e (2) da patente de invenção biotecnológica (regula-da pela Lei nº 9.279/1996, a Lei de Propriedade Industrial)61.

A propriedade intelectual de cultivares possui regime jurídico diferen-ciado (sui generis62), já que as novas variedades ou melhoramentos vegetais se encontram “explicitamente excluídas da patenteabilidade pela nova Lei de

56 BRASIL. Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Anexo do Decreto nº 1.263, de 10 de outubro de 1994. Ratifica a declaração de adesão aos arts. 1º a 12 e ao art. 28, alínea l, do texto da revisão de Estocolmo da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and1263-94.pdf>. Acesso em: 23 maio 2011.

57 BRASIL. Anexo do Decreto nº 75.541, de 31 de março de 1975. Promulga a Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-75541-31-marco-1975-424175-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 25 maio 2011.

58 Adotado pelo empresário individual e pela sociedade empresária, constante de contrato ou estatuto societário, o nome empresarial consiste em proteção no âmbito das “relações de crédito” e contra a concorrência desleal. Cf. SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propriedade intelectual, direito de autor, software, cultivares e nome empresarial. 4. ed. Barueri: Manole, 2011. p. 16.

59 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 12. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2008. p. 27.

60 KLEE, Antonia Espíndola Longoni. A unificação do direito privado e as relações entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil. Revista CEJ, Brasília/DF, v. 11, n. 39, p. 69, out./dez. 2007. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/viewArticle/948>. Acesso em: 9 jun. 2011.

61 DEL NERO, Patrícia Aurélia. Biotecnologia: análise crítica do marco jurídico regulatório. São Paulo: RT, 2008. p. 48.

62 IACOMINI, Vanessa. Os direitos de propriedade intelectual e a biotecnologia. In: IACOMINI, Vanessa (Org.). Propriedade intelectual e biotecnologia. Curitiba: Juruá, 2009. p. 24. Nesse sentido: DI BLASI, Gabriel; TEDESCHI, Patrícia Pereira. A proteção de cultivares no Brasil. In: ROMEO-CASABONA, Carlos María; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Org.). Desafios jurídicos da biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007. p. 432. Cap. 15.

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Propriedade Industrial”63, porquanto a Lei nº 9.279/1996, por meio dos seus arts. 18, III64, e 10, XI65, veda patentes de plantas e partes de plantas (além de proibir patentes de genes, animais e partes de animais e microrganismos, salvo os microrganismos transgênicos)66-67.

O regime jurídico de propriedade intelectual de que cuida a Lei nº 9.456/1997 (Lei de Proteção de Cultivares) diz respeito ao registro da própria variedade vegetal fruto do melhoramento de determinada planta ou oriunda do cruzamento de linhagens preexistentes de plantas naturais ou modificadas geneticamente, ao passo que a biopatente se vincula ao regime de propriedade intelectual de que trata a Lei nº 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial), ou seja, este diploma legislativo – ao contrário daquele – não concerne à proteção jurídica da propriedade intelectual da nova variedade vegetal, mas ao resguardo da propriedade intelectual relativa à tecnologia que propiciou o advento dessa cultivar (a biopatente, em outras palavras, não incide sobre a própria variedade vegetal, mas sobre a tecnologia que proporcionou o surgimento desse melho-ramento vegetal).

Nesse sentido, exemplificam Di Blasi e Tedeschi:

Com o intuito de facilitar o entendimento referente à diferença entre o obje-to protegido pelo registro cultivar e o objeto protegido pela patente, em linhas gerais, vale afirmar que o primeiro trata da própria espécie vegetal, cujo resul-tado foi obtido por meio de melhoramento de uma planta ou de cruzamento de linhagens de plantas, naturais ou geneticamente modificadas, que já existem. Esse resultado será denominado cultivar protegida. Já o segundo objeto pode tratar, por exemplo, da tecnologia de um vegetal geneticamente modificado, cujo objetivo é conferir alguma característica nova a esse vegetal em relação à mesma espécie de vegetal que já existe na natureza. Por exemplo, uma espécie

63 SCHOLZE, Simone Henriqueta Cossetin. Patentes, transgênicos e clonagem: implicações jurídicas e bioéticas. Brasília/DF: UnB, 2002. p. 117 – grifo nosso.

64 Art. 18, III, da Lei nº 9.279/1996, ipsis verbis: “Art. 18. Não são patenteáveis: [...] III – o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microrganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial – previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta” (Cf. BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso, ortografia adaptada ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa assinado em 16 de novembro 1990).

65 Art. 10, XI, da Lei nº 9.279/1996, verbatim: “Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade: [...] IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais” (Cf. BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso).

66 Fundamento legal: art. 18, III, in fine, da Lei nº 9.279/1996 (dispositivo cuja redação se transcreveu em nota de rodapé anterior). Cf. BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 17 maio 2011.

67 VARELLA, Marcelo Dias. Políticas públicas para propriedade intelectual no Brasil. In: VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Propriedade intelectual e desenvolvimento. São Paulo: Aduaneiras/Lex, 2005. p. 229. Cap. 5.

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transgênica para resistir ao ataque de alguma espécie de praga, sendo que em condições naturais essa espécie não resistiria.68

4.1 Requisitos paRa o RegistRo de cultivaRes

Os requisitos para o registro de cultivares dizem respeito (1) à novidade, (2) à distinguibilidade, à (3) denominação própria, (4) à homogeneidade e (5) à estabilidade.

4.1.1 Novidade

No caso das cultivares, ao contrário das patentes de invenções e modelos de utilidade (art. 11, caput e § 1º da Lei nº 9.279/1996), o requisito da novidade não significa exigir “que a variedade vegetal seja absolutamente nova”69, em nível mundial, quanto ao “estado da técnica”70, mas que não tenha “sido comer-cializada em prazo anterior à proteção da variedade”71.

Nesse diapasão, aos olhos das balizas do art. 3º, V, da mencionada Lei nº 9.456/1997, a nova cultivar (a) não deve ter sido oferecida à venda no Brasil há mais de 12 (doze) meses relativamente à data do pedido de proteção e, além disso, (b) não deve ter sido oferecida à venda no exterior (ainda que com a anuência do obtentor) há mais de 6 (seis) anos, em caso de espécies de árvores e videiras, e há mais de 4 (quatro) anos, no tocante às demais espécies.

Art. 3º [...]

[...]

V – nova cultivar: a cultivar que não tenha sido oferecida à venda no Brasil há mais de doze meses em relação à data do pedido de proteção e que, obser-vado o prazo de comercialização no Brasil, não tenha sido oferecida à venda em outros países, com o consentimento do obtentor, há mais de seis anos para espécies de árvores e videiras e há mais de quatro anos para as demais espécies;

[...]72

68 DI BLASI, Gabriel; TEDESCHI, Patrícia Pereira. A proteção de cultivares no Brasil. In: ROMEO-CASABONA, Carlos María; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Org.). Desafios jurídicos da biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007. p. 432-433. Cap. 15 – grifo nosso.

69 Ibid., p. 433, grifo nosso.70 Ibid., loc. cit., grifo nosso.71 Ibid., loc. cit.72 BRASIL. Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997. Institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9456.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso.

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4.1.2 Distinguibilidade

A distinguibilidade (também referida73 por distintividade74) se reporta ao “conjunto de qualidades que [...] a distingue das demais cultivares”75, tais quais a coloração, a resistência e a textura76.

Explica Varella: “A planta não poderá ser idêntica a uma já existente na natureza e, obviamente, também não poderá ser idêntica a uma já registrada no país ou em países com os quais o Brasil mantém tratados”77.

Para que determinada variedade vegetal receba a proteção jurídica da Lei nº 9.456/1997, desnecessário se revelar “mais rentável que o original”78, porém imprescindível “possuir distância genética mínima das demais”79.

O critério da distinguibilidade visa a prevenir o “melhoramento cosmético”80: sua finalidade radica em evitar “as ‘maquilagens’ ou fraudes biotecnológicas”81 que buscam constituir “uma nova planta”82 de modo apenas aparente, somente se modificando em tal vegetal “pequena característica de pouca importância”83.

O art. 3º, IV, da multicitada Lei nº 9.456/1997, ao concernir à clara dis-tinguibilidade “de outras cultivares conhecidas”84, restringe a exigência de no-vidade ao universo da fauna conhecida (não impõe a novidade em relação a toda a fauna existente), sob a premissa implícita de que não se conhece toda a

73 DI BLASI, Gabriel; TEDESCHI, Patrícia Pereira. A proteção de cultivares no Brasil. In: ROMEO-CASABONA, Carlos María; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Org.). Desafios jurídicos da biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007. p. 433. Cap. 15.

74 Por cautela, adota-se neste trabalho o vocábulo distinguibilidade, em vez de distintividade (empregado pelo magistério de Di Blasi e Tedeschi), porquanto o primeiro consiste em palavra consolidada em dicionários influentes da língua portuguesa do Brasil, a exemplo dos Dicionários Aurélio e Houaiss, ao passo que o termo distintividade é de registro mais incipiente, já se encontrando consignado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – VOLP, organizado pela Academia Brasileira de Letras – ABL. Cf. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Vocabulário ortográfico da língua portuguesa. 5. ed. São Paulo: Global, 2009. Disponível em: <http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=23>. Acesso em: 13 jun. 2011; FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 695; INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 1 CD-ROM.

75 DI BLASI, Gabriel; TEDESCHI, Patrícia Pereira. Op. cit., loc. cit., grifo nosso.76 Ibid., loc. cit.77 VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade intelectual de setores emergentes: biotecnologia, fármacos e

informática; de acordo com a Lei nº 9.279, de 14.05.1996. São Paulo: Atlas, 1996. p. 85 – grifo nosso.78 Ibid., loc. cit., grifo nosso.79 Ibid., loc. cit., grifo nosso.80 Ibid., p. 94, grifo nosso.81 Ibid., p. 85, grifo nosso.82 Ibid., p. 94, grifo nosso.83 Ibid., loc. cit., grifo nosso.84 BRASIL. Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997. Institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9456.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso.

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fauna, aspecto que, segundo Varella, “não é perceptível em grande parte das legislações estrangeiras”85 (ano-base: 1996).

Art. 3º [...]

[...]

IV – cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem míni-ma de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada dis-ponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos;

[...]86

A pedra de toque do critério da distinguibilidade reside na “descrição biológica da variedade”87, da qual se extrai “a definição técnica”88 a diferenciar uma variedade vegetal de outra.

4.1.3 Denominação própria

O critério da distinguibilidade tem como corolário o critério da denomi-nação própria, o que pressupõe “denominação correta, para evitar confusões no momento da busca de determinada cultivar ou mesmo na verificação dos demais requisitos”89.

4.1.4 Homogeneidade

Por homogeneidade ou uniformidade compreende-se a capacidade da cultivar “de não produzir variações durante diferentes multiplicações”90, a in-dispensabilidade de “que o conjunto de descritores que identificam a planta

85 VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade intelectual de setores emergentes: biotecnologia, fármacos e informática; de acordo com a Lei nº 9.279, de 14.05.1996. São Paulo: Atlas, 1996. p. 94 – grifo nosso.

86 BRASIL. Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997. Institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9456.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso.

87 MIRANDA, Juliana Fonseca e. Propriedade intelectual e biotecnologia agrícola: análise de caso do controle da produção brasileira de soja pela Monsanto. 67 f. Monografia (Graduação) – Curso de Direito, Brasília/DF, 2005. p. 41. Disponível em: <http://www.uniceub.br/curso/Mestrado/Casoteca/casos/PROPRIEDADE%20INTELECTUAL%20E%20BIOTECNOLOGIA%20AGRICOLA.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2011 – grifo nosso.

88 VARELLA, Marcelo Dias. Op. cit., loc. cit., grifo nosso.89 Id. Biodiversidade: o Brasil e o quadro internacional. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília/DF,

v. 40, n. 1, p. 135, jan./jun. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v40n1/v40n1a05.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2011 – grifo nosso.

90 DI BLASI, Gabriel; TEDESCHI, Patrícia Pereira. A proteção de cultivares no Brasil. In: ROMEO-CASABONA, Carlos María; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Org.). Desafios jurídicos da biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007. p. 433, Cap. 15, grifo nosso.

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esteja presente em todas as cultivares”91 e o caráter uniforme das plantas “em suas características relevantes, salvo as variações previsíveis [...] em razão das particularidades de sua multiplicação ou reprodução”92.

Em síntese, “as plantas de uma variedade devem ser todas iguais ou mui-to semelhantes, dependendo do grau de similaridade da natureza do método de propagação”93.

4.1.5 Estabilidade

Imbricado no requisito da homogeneidade, o requisito da estabilida-de diz respeito à exigência de que a cultivar tenha “as mesmas características preponderantes descritas nas gerações pretéritas a ela”94 e que preserve “suas características ao longo das gerações seguintes”95, de forma que as característi-cas da variedade continuem “inalteradas depois de repetida propagação ou, no caso de ciclo específico de propagação, ao final de cada ciclo”96.

O registro de determinada variedade vegetal deixará de ser válido “caso haja grande variabilidade genética do cultivar, ao longo do tempo, o que pode ocorrer, quando da evolução natural das espécies”97.

Em outras palavras, parafraseando-se os termos do art. 3º, VIII, da mul-ticitada Lei n 9.456/1997, a cultivar, ao ser reproduzida em escala comercial, precisa manter a sua homogeneidade por meio de gerações sucessivas.

Art. 3º [...]

[...]

VIII – cultivar estável: a cultivar que, reproduzida em escala comercial, mante-nha a sua homogeneidade através de gerações sucessivas;

[...]98

91 VARELLA, Marcelo Dias. Biodiversidade: o Brasil e o quadro internacional. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília/DF, v. 40, n. 1, p. 135, jan./jun. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v40n1/v40n1a05.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2011 – grifo nosso.

92 MIRANDA, Juliana Fonseca e. Propriedade intelectual e biotecnologia agrícola: análise de caso do controle da produção brasileira de soja pela Monsanto. 67 f. Monografia (Graduação) – Curso de Direito, Brasília/DF, 2005, p. 41. Disponível em: <http://www.uniceub.br/curso/Mestrado/Casoteca/casos/PROPRIEDADE%20INTELECTUAL%20E%20BIOTECNOLOGIA%20AGRICOLA.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2011 – grifo nosso.

93 Ibid., loc. cit., grifo nosso.94 DI BLASI, Gabriel; TEDESCHI, Patrícia Pereira. Op. cit., loc. cit., grifo nosso.95 VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade intelectual de setores emergentes: biotecnologia, fármacos e

informática; de acordo com a Lei nº 9.279, de 14.05.1996. São Paulo: Atlas, 1996. p. 85 – grifo nosso.96 MIRANDA, Juliana Fonseca e. Op. cit., p. 42. Disponível em: <http://www.uniceub.br/curso/Mestrado/

Casoteca/casos/PROPRIEDADE%20INTELECTUAL%20E%20BIOTECNOLOGIA%20AGRICOLA.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2011, grifo nosso.

97 VARELLA, Marcelo Dias. Op. cit., p. 95, grifo nosso.98 BRASIL. Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997. Institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9456.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso.

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Assim sendo, a “variedade deve [...]”99 – pontua Miranda – “permanecer a mesma num período de repetida propagação de sementes ou outros métodos”100. Conclui Varella: “Logo, se a produtividade da planta cai rapidamente, como nos híbridos, a cultivar não é estável e, portanto, não pode ser protegida”101.

Em essência, a manutenção da homogeneidade redunda na estabilidade:

[...] a planta será homogênea quando suas características são transmitidas ao longo das gerações. Será estável quando ao longo de seus ciclos reprodutivos não sofrer alterações genéticas significativas, mantendo suas características prin-cipais, com descritores estáveis, ou seja, mantendo a sua homogeneidade.102

No entanto, caso se afigure necessário escoimar eventuais dúvidas quan-to à estabilidade, recomenda-se o cultivo de “uma nova geração”103 ou o ad-vento de “uma nova colheita de sementes”104, com o fito de aferir “se a varie-dade mostra as mesmas características exibidas no material fornecido para os testes”105.

4.2 Requisitos paRa o RegistRo de patentes de invenção biotecnológica

Já os requisitos para o registro de patentes de invenção biotecnológica se relacionam – tais quais os requisitos das patentes brasileiras de invenções em geral – (1) à novidade, (2) à atividade inventiva, (3) à aplicação industrial, (4) à suficiência descritiva e à (5) anuência prévia da Anvisa.

4.2.1 Novidade

O requisito da novidade se reporta à exigência de que a invenção não es-teja inserida no estado da técnica “à época do depósito do pedido de patente”106.

O que é estado da técnica? Conforme preceitua o art. 11, § 1º, da Lei nº 9.279/1996, o estado da técnica se constitui de “tudo aquilo tornado aces-

99 MIRANDA, Juliana Fonseca e. Propriedade intelectual e biotecnologia agrícola: análise de caso do controle da produção brasileira de soja pela Monsanto. 67 f. Monografia (Graduação) – Curso de Direito, Brasília/DF, 2005. p. 42. Disponível em: <http://www.uniceub.br/curso/Mestrado/Casoteca/casos/PROPRIEDADE%20INTELECTUAL%20E%20BIOTECNOLOGIA%20AGRICOLA.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2011 – grifo nosso.

100 Ibid., loc. cit., grifo nosso.101 VARELLA, Marcelo Dias. Biodiversidade: o Brasil e o quadro internacional. Revista Brasileira de Política

Internacional, Brasília/DF, v. 40, n. 1, p. 135, jan./jun. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v40n1/v40n1a05.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2011 – grifo nosso.

102 VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto; VIEIRA-JÚNIOR, Pedro Abel. A tutela jurídica da propriedade intelectual e os direitos dos consumidores. Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v. 22, n. 1, p. 28-29, jan./jun. 2000 – grifo nosso.

103 GALVÃO, A. Paulo M. Direitos de propriedade intelectual em inovações vegetais arbóreas para plantios florestais no Brasil. Colombo, Embrapa Florestas, 2001. 43 f., p. 30. Disponível em: <http://www.cnpf.embrapa.br/publica/seriedoc/edicoes/doc55.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2011, grifo nosso.

104 Ibid., loc. cit., grifo nosso.105 Ibid., loc. cit., grifo nosso.106 RICCIARDELLI, Juliana. Os genes humanos no alvo das patentes. São Paulo: LCTE, 2009. p. 93 – grifo

nosso.

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sível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressal-vado o disposto nos arts. 12, 16 e 17”107.

Em outras palavras, o estado da técnica, dentro do conceito de novidade absoluta acolhido pelo art. 11, § 1º, da Lei nº 9.279/1996, abarca tudo o que se tornou acessível ao público em qualquer parte do mundo (desnecessário que a revelação ocorra em local público: “O que importa é se a informação estava acessível e passível de compreensão pelo público”108), de forma escrita ou oral, seja para várias pessoas, seja para um único indivíduo, desde que quem obteve, de forma não autorizada, o conhecimento dessa invenção tenha condições de compreender o seu teor e transmiti-lo a outrem. Excetua-se a divulgação a pes-soas “vinculadas por uma obrigação de confidencialidade com o inventor”109 (nesse caso, recomenda-se ao inventor “o cuidado de comunicar e deixar clara essa obrigação quando da divulgação do evento”110).

O estado da técnica deve ser admitido como tudo o que foi tornado acessível ao público, em todos os recantos do mundo – antes da data de depósito do pedido de patente –, por divulgação escrita ou oral (inclusive desenhos, ilustra-ções, palestras, exposições, utilizações etc.) que seja capaz de auxiliar a decidir se a invenção ou o modelo de utilidade é novo ou não. Ou seja, a difusão de informações a respeito da invenção ou do modelo de utilidade, em qualquer parte do mundo, torna inválido o seu pedido de patente. [...]

[...]

Para fins da Lei nº 9.279/1996, o termo público pode ser considerado desde uma multidão de pessoas até uma única pessoa, mas na condição que essa pes-soa possua capacidade de entender e comunicar o conteúdo da invenção, des-de que não tenha recebido a informação como segredo.111

Daí se infere que o art. 11, § 1º, da Lei nº 9.279/1996 “define a novidade de forma negativa, como sendo tudo aquilo que não está compreendido no estado da técnica”112.

Parafraseando-se a dicção do art. 11, § 2º, da Lei nº 9.279/1996, será considerado estado da técnica, para fins de aferição de novidade, a partir da

107 BRASIL. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L9609.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso.

108 LABRUNIE, Jacques. Requisitos básicos para a proteção das criações industriais. In: JABUR, Wilson Pinheiro; SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Propriedade intelectual: criações industriais, segredos de negócio e concorrência desleal. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 113, Cap. 2 – grifo nosso (Série GVlaw).

109 Ibid., p. 114, grifo nosso. 110 Ibid., loc. cit., grifo nosso.111 DI BLASI, Gabriel. A propriedade intelectual: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e

transferência de tecnologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 193-194.112 LABRUNIE, Jacques. Requisitos básicos para a proteção das criações industriais. In: JABUR, Wilson

Pinheiro; SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Propriedade intelectual: criações industriais, segredos de negócio e concorrência desleal. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 111, Cap. 2 – grifo nosso (Série GVlaw).

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data do depósito, ou da prioridade reivindicada, desde que venha a ser publica-do, mesmo que subsequentemente. Destarte, “no momento em que são publi-cados os pedidos, estes passam a compor o estado da técnica retroativamente à data do depósito ou da prioridade revindicada”113.

O período de graça consubstancia “a garantia provisória da novidade de uma invenção”114. Franqueia “ao titular do direito”115, em momento anterior à solicitação da patente, “a prioridade para revelar à sociedade as características do objeto da criação, bem como sua aplicação, sem prejudicar sua novidade”116. Permite que a invenção seja testada quanto à sua viabilidade no âmbito do mer-cado, sem que essa exposição aos eventuais fornecedores e consumidores obste sua patenteabilidade (evita-se que, ao se realizar tal sondagem mercadológica, “o objeto de uma invenção seja considerado estado da técnica, ou tomado como anterioridade, no momento da análise de um pedido de privilégio”117).

O período de graça resta positivado no art. 12 da Lei nº 9.279/1996, in verbis:

Art. 12. Não será considerada como estado da técnica a divulgação de inven-ção ou modelo de utilidade, quando ocorrida durante os 12 (doze) meses que precederem a data de depósito ou a da prioridade do pedido de patente, se pro-movida:

I – pelo inventor;

II – pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, através de publica-ção oficial do pedido de patente depositado sem o consentimento do inventor, baseado em informações deste obtidas ou em decorrência de atos por ele reali-zados; ou

III – por terceiros, com base em informações obtidas direta ou indiretamente do inventor ou em decorrência de atos por este realizados.

Parágrafo único. O INPI poderá exigir do inventor declaração relativa à divulga-ção, acompanhada ou não de provas, nas condições estabelecidas em regula-mento.118

“Esse dispositivo [art. 12 da Lei nº 9.279/1996] é de considerável impor-tância para a solução de uma patente, na medida em que admite expressamente a possibilidade de primeiramente divulgar ao público – em seu aspecto mais

113 Ibid., p. 115, grifo nosso. 114 DI BLASI, Gabriel. Op. cit., p. 194, grifo nosso.115 Ibid., loc. cit.116 Ibid., loc. cit., grifo nosso.117 Ibid., loc. cit., grifo nosso.118 BRASIL. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de

programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L9609.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso.

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amplo – o conteúdo científico ou tecnológico que” – reflexiona Del Nero119 – “irá consubstanciar a solução, desde que esta seja formalizada, perante o INPI, observado o prazo final e improrrogável de 12 meses”. Por outro lado, adverte:

Se o pedido não for formalizado ao longo desse prazo, o solicitante perde o direito sobre o conteúdo de sua invenção, pois a patente não será concedida, ainda que o seu objeto cumpra todos os requisitos legais, se não houver a ob-servância do requisito da novidade.120

“Ao pedido de patente depositado em país que mantenha acordo com o Brasil, ou em organização internacional, que produza efeito de depósito nacio-nal” – determina o art. 16, caput, da Lei nº 9.279/1996121 –, “será assegurado direito de prioridade, nos prazos estabelecidos no [respectivo] acordo, não sen-do o depósito invalidado nem prejudicado por fatos ocorridos nesses prazos”. Nesse contexto, Lambrunie recorda que se cuida de “regra da prioridade criada [originalmente] pela [atrás mencionada] Convenção da União de Paris [para a Proteção da Propriedade Industrial], constante do art. 4º”122, a franquear o direito de propriedade “ao depositante de um pedido de patente em um país da União, o depósito, dentro do prazo de doze meses, contados do primeiro depósito, o mesmo pedido de patente, nos outros países da União, sem que a novidade seja atingida por eventuais divulgações ocorridas durante este período de doze meses”123.

4.2.2 Atividade inventiva

A atividade inventiva pressupõe “invenções in concreto”124 com “efeito técnico diferencial”125, expressa ideias com utilidade prática e se relaciona a atos de criação que não poderiam ter sido realizados “em condições normais de criação”126 por técnico especializado na matéria (“não necessitando este ser alguém que conheça profundamente o assunto”127), para quem “a invenção não

119 DEL NERO, Patrícia Aurélia. Biotecnologia: análise crítica do marco jurídico regulatório. São Paulo: RT, 2008. p. 158 – grifo nosso.

120 Ibid., loc. cit., grifo nosso.121 BRASIL. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de

programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L9609.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso.

122 LABRUNIE, Jacques. Requisitos básicos para a proteção das criações industriais. In: JABUR, Wilson Pinheiro; SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Propriedade intelectual: criações industriais, segredos de negócio e concorrência desleal. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 116. Cap. 2 – grifo nosso (Série GVlaw).

123 Ibid., loc. cit., grifo nosso. 124 RICCIARDELLI, Juliana. Os genes humanos no alvo das patentes. São Paulo: LCTE, 2009. p. 93.125 DI BLASI, Gabriel. A propriedade intelectual: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e

transferência de tecnologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 201 – grifo nosso.126 Ibid., loc. cit., grifo nosso.127 LABRUNIE, Jacques. Op. cit., p. 117.

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pode ser óbvia ou evidente”128 (de modo que a invenção não deve decorrer “de maneira óbvia ou evidente daquilo que constitui o estado da técnica”129).

O art. 10, IX, da Lei nº 9.279/1996130 exclui do conceito de invenção “o todo ou parte dos seres vivos e materiais biológicos encontrados na natureza”131, assim como os materiais biológicos isolados da natureza, “inclusive o geno-ma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais”132.

Na seara da atividade inventiva, Ricciardelli prevê a discussão, no futuro, se os genes humanos consistem em descobertas ou em invenções, “visto que, se tomados por descobertas, não serão objetos passíveis de patenteamento e ao contrário, se considerados invenção humana, os genes poderão ser, [sic] objeto de patente”133. Para a referida jurista, a atividade inventiva reside “no proces-so de purificação e miscigenação”134 de determinada substância descoberta na natureza em meio a outras substâncias, com vistas se alcançar “um resultado novo, isto é, não existente até então”135.

4.2.3 Aplicação industrial

Parafraseando-se a literalidade do art. 15 da Lei nº 9.279/1996136, o cri-tério da aplicação industrial concerne à exigência de que a invenção seja sus-cetível de utilização ou produção em qualquer tipo de indústria (“deve-se inter-pretar o termo ‘indústria’ da forma mais ampla possível”137 – “tudo aquilo que pode ser objeto de exploração prática e executável industrialmente”138-139), ou

128 Ibid., loc. cit., grifo nosso.129 Ibid., loc. cit., grifo nosso. 130 BRASIL. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de

programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L9609.htm>. Acesso em: 17 maio 2011.

131 Ibid., loc. cit., grifo nosso.132 Ibid., loc. cit., grifo nosso.133 RICCIARDELLI, Juliana. Op. cit., p. 95, grifo nosso.134 Ibid., p. 94, grifo nosso.135 Ibid., loc. cit., grifo nosso.136 BRASIL. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de

programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L9609.htm>. Acesso em: 17 maio 2011.

137 LABRUNIE, Jacques. Requisitos básicos para a proteção das criações industriais. In: JABUR, Wilson Pinheiro; SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Propriedade intelectual: criações industriais, segredos de negócio e concorrência desleal. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 120. Cap. 2 – grifo nosso (Série GVlaw).

138 DI BLASI, Gabriel. A propriedade intelectual: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 205-206 – grifo nosso.

139 Ao examinar o TRIPS, pondera Varella que o conceito de indústria, para fins de patentes, pode variar de acordo com os interesses de cada país: “A consideração do que seja ou não indústria também faz parte da margem de manobra dos países e pode ser utilizada, ainda que de forma muito mais restrita do que nos critérios anteriores, como uma ferramenta possível de controle da concessão de direitos de propriedade. Certos produtos agrícolas, por exemplo, podem ser considerados como fora do setor industrial e, portanto, excluídos das patentes. O mesmo para processos mais relacionados com serviços, como técnicas operatórias ou cirúrgicas” (Cf. VARELLA, Marcelo Dias. Políticas públicas para propriedade intelectual no Brasil. In:

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seja, diz respeito à “necessidade de que o objeto idealizado possa ser utilizado pela indústria de forma a ser fabricado e disponibilizado para o consumo”140 com repetibilidade, de modo que possa “ser repetida indefinidamente sem a in-tervenção pessoal”141 do ser humano (nessa linha de raciocínio, não se adéquam ao conceito de aplicação industrial “os métodos de tingir cabelo”142).

A este respeito, vale ainda ressaltar que a interpretação do INPI do conceito de aplicação industrial é flexível, sendo aplicável também às indústrias agrícolas e extrativas e a todos os produtos manufaturados ou naturais. O termo indústria, portanto, abrange qualquer atividade física de caráter técnico, pertencendo ao campo prático e útil, distinto do campo artístico.143

Em síntese, a aplicação industrial pressupõe efeito técnico (a transcender a dimensão meramente abstrata, do plano das ideias, ou extrapolar o efeito ape-nas estético) com “aplicação objetiva, concreta, em escala e forma industrial”144.

4.2.4 Suficiência descritiva

Conforme preconiza o art. 24, caput, da Lei nº 9.279/1996, e lembram Souza, Appel e Souza145, o relatório relativo a pedido de patente de invenção (exigência também aplicável a relatório de pedido de patente de modelo de utilidade) “deverá descrever clara e suficientemente o objeto, de modo a pos-sibilitar sua realização por técnico no assunto e indicar, quando for o caso, a melhor forma de execução”146.

Entretanto, em “caso de material biológico essencial à realização prática do objeto do pedido, que não possa ser descrito na forma”147 do supracitado caput do art. 24 da Lei nº 9.279/1996, e não esteja “acessível ao público”148, o parágrafo único do art. 24 da Lei nº 9.279/1996 prevê a suplementação do rela-tório “por depósito do material em instituição autorizada pelo INPI ou indicada em acordo internacional”149.

VARELLA, Marcelo Dias (Org.). Propriedade intelectual e desenvolvimento. São Paulo: Aduaneiras/Lex, 2005. p. 196-197. Cap. 5 – grifo nosso).

140 RICCIARDELLI, Juliana. Os genes humanos no alvo das patentes. São Paulo: LCTE, 2009. p. 93 – grifo nosso.

141 POZ, Maria Ester Dal; BARBOSA, Denis Borges. Incertezas e riscos no patenteamento de biotecnologias: a situação brasileira corrente. In: IACOMINI, Vanessa (Org.). Propriedade intelectual e biotecnologia. Curitiba: Juruá, 2009. p. 122 – grifo do autor.

142 Ibid., loc. cit., grifo nosso.143 SOUZA, Edson; APPEL, Patricia Pontual; SOUZA, Tatiana A. Silveira de. Proteção da inovação biotecnológica.

Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v. 13, n. 70, p. 22, maio/jun. 2004 – grifo nosso.144 POZ, Maria Ester Dal; BARBOSA, Denis Borges. Op. cit., loc. cit., grifo do autor.145 SOUZA, Edson; APPEL, Patricia Pontual; SOUZA, Tatiana A. Silveira de. Op. cit., loc. cit.146 BRASIL. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de

programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L9609.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso.

147 Ibid., loc. cit., grifo nosso.148 Ibid., loc. cit.149 Ibid., loc. cit., grifo nosso.

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4.2.5 Anuência prévia da Anvisa

Relativamente aos produtos e processos farmacêuticos – observam Souza, Appel e Souza150 –, a concessão de patentes também “dependerá da pré-via anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa”151, na exata inteligência do art. 229-C da Lei nº 9.279/1996 (incluído pelo art. 1º da Lei nº 10.196, de 14 de fevereiro de 2001152).

CONCLUSÃO

Em poucas palavras, a propriedade intelectual traduz o direito de uma pessoa física ou jurídica sobre determinado bem incorpóreo, imaterial, intan-gível ou intelectual, o qual se convola em propriedade intelectual, quando é adaptado para que seja inserido no mercado.

Assim, ao contrário da propriedade stricto sensu, tradicional, clássica ou propriamente dita, relacionada à coisa (bem material, corpóreo ou tangível), a propriedade intelectual incide sobre bens jurídicos imateriais ou incorpóreos e se norteia por legislação própria e distinta do plexo normativo do direito das coisas cuja matriz é o Livro III da Parte Geral do Código Civil brasileiro de 2002 – CCB/2002 (arts. 1.196 a 1.510, mormente o art. 1.288, no qual radicam os caracteres da propriedade material e que espelha o cerne do direito de pro-priedade sobre coisas, ou seja, bens materiais). Embora a propriedade intelec-tual possua legislação própria, o Livro III da Parte Geral do CCB/2002 serve de eventual legislação subsidiária dos regimes jurídicos da propriedade intelectual.

Desse modo, a propriedade lato sensu engloba tanto a propriedade stricto sensu (a incidir sobre os bens materiais ou corpóreos) quanto à proprie-dade intelectual (a recair sobre os bens imateriais ou incorpóreos).

Os direitos intelectuais são direitos imateriais justamente porque dizem respeito a bens jurídicos imateriais, incorpóreos ou intangíveis, ou seja, relacio-nam-se aos bens jurídicos que, se considerados em si mesmos, encontram-se desprovidos de corpo perceptível pelos sentidos humanos, mesmo que venham a ser usufruídos via suportes físicos, por intermédio dos quais os bens imate-riais se apresentam no mundo material e podem adquirir eventual utilidade e exploração econômica, a exemplo de um romance, lido ao se compulsar um livro em formato de brochura ou ao se folhear um livro eletrônico (e-book) ex-

150 SOUZA, Edson; APPEL, Patricia Pontual; SOUZA, Tatiana A. Silveira de. Proteção da inovação biotecnológica. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v. 13, n. 70, p. 22, maio/jun. 2004.

151 BRASIL. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L9609.htm>. Acesso em: 17 maio 2011 – grifo nosso.

152 BRASIL. Lei nº 10.196, de 14 de fevereiro de 2001. Altera e acresce dispositivos à Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10196.htm>. Acesso em: 19 maio 2011.

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traído da rede mundial de computadores, bem como do software utilizado por meio da base física do computador, no qual foi instalado graças à plataforma material, consubstanciada, verbi gratia, em um CD, em um DVD ou em um pen drive (exemplificação ilustrativa da tecnologia em voga na primeira metade da década de 2010 – se este texto tivesse sido escrito, exempli gratia, na década de 1990, cogitar-se-ia o exemplo de um disquete, de uso corrente naquele de-cênio).

Além do aspecto da imaterialidade ou da ausência de corporeidade, os direitos de propriedade intelectual se distinguem dos direitos de propriedade material, pois os direitos de propriedade intelectual se limitam no tempo (pos-suem prazo certo para serem explorados economicamente de modo exclusivo pelo seu titular), ao contrário dos direitos de propriedade relativos a bens mate-riais, os quais têm prazo indeterminado para a exclusiva exploração econômica pelos respectivos titulares (ad exemplum, o direito de propriedade sobre terras cuja titularidade décadas a fio pertence a agricultor que retira sua subsistência da atividade agrícola desenvolvida em tal imóvel).

Os direitos de propriedade intelectual ou direitos autorais lato sensu con-cernem à ampla gama de direitos relacionados à proteção do autor de criações concebidas pelo intelecto humano e com valor econômico, com ressonância em múltiplos segmentos da vida em sociedade (tais quais as ambiências artísti-ca, acadêmica, religiosa, desportiva, midiática ou empresarial), espraiados em diferentes regimes jurídicos.

Reflexo da abrangência dos direitos intelectuais, a Parte II do Acordo so-bre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – Acordo ADPIC (mais conhecido pela sigla anglófona TRIPS – Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights – ou como Acordo TRIPS) encerra o direito do autor e direitos conexos (Seção 1, arts. 9º a 14), marcas (Se-ção 2, arts. 15 a 21), indicações geográficas (Seção 3, arts. 22 a 24), desenhos industriais (Seção 4, arts. 25 a 26), patentes (Seção 5, arts. 27 a 34), topografias de circuitos integrados (Seção 6, arts. 35 a 38), proteção de informação con-fidencial (Seção 7, art. 39) e controle de práticas de concorrência desleal em contratos de licenças (Seção 8, art. 40).

Antes mesmo do advento da Parte II do TRIPS (Seções 1 a 8), o inciso VIII do art. 2º da Convenção de Estocolmo, de 14 de julho de 1967 (que instituiu a Organização Mundial de Propriedade Intelectual – OMPI), já compreendia no raio de alcance da propriedade intelectual não apenas as obras literárias, artís-ticas e científicas e as interpretações dos artistas intérpretes e as execuções dos artistas executantes, dos fonogramas e das emissões de radiofusão, mas também as invenções em todos os domínios da atividade humana, as descobertas cientí-ficas, os desenhos e modelos industriais, as marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como as firmas comerciais e denominações comerciais, além da proteção contra a concorrência desleal e de todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.

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No Direito brasileiro, o regime jurídico geral dos direitos intelectuais ra-dica na Lei nº 9.601, de 19 de fevereiro de 1998, a Lei dos Direitos Autorais – LDA, a regular a proteção jurídica dos direitos morais (art. 24, I a VII) e pa-trimoniais (art. 37, I a X) dos autores de obras literárias, artísticas e científicas (direito autoral padrão).

A par do regime jurídico geral de propriedade intelectual positivado na indicada Lei nº 9.601/1998, no âmbito dos direitos intelectuais também ganha destaque, no ordenamento jurídico pátrio, o regime jurídico dos direitos de propriedade industrial ou dos direitos industriais, relacionado a manifestações do intelecto humano a repercutirem no ambiente do comércio e da indústria (inclusive na seara da indústria agrícola e extrativista, assim como dos produtos manufaturados e minerais), resguardadas pela Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (a Lei de Propriedade Industrial – LPI ou o Código da Propriedade Indus-trial – CPI), por meio das concessões (a) de patentes de invenção e de modelo de utilidade (art. 2º, I), (b) do registro de desenho industrial (art. 2º, I), (c) do registro de marca (art. 2º, I), (d) do registro de indicações geográficas (art. 182, parágra-fo único) e do registro de contratos de transferência de tecnologia e franquia (art. 211, caput), bem como da (e) repressão às falsas indicações geográficas (art. 2º, I) e da (f) repressão à concorrência desleal (art. 2º, I).

Afora os dois principais regimes jurídicos brasileiros de proteção aos di-reitos intelectuais – regulados nas mencionadas Leis nºs 9.601/1998 (direito au-toral padrão) e 9.279/1996 (direito industrial) –, existem quatro microssistemas jurídicos também pertinentes à propriedade intelectual, mas com abrangência menor e escopo mais restrito:

(1) O regime jurídico dos direitos de propriedade intelectual (industrial) es-pecíficos de programas de computador. Disciplinado pela Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, a denominada Lei do Software – LS.

(2) O regime jurídico dos direitos de propriedade intelectual (industrial) específico das topografias dos circuitos integrados. Disciplinado pela Lei nº 11.484, de 31 de maio de 2007, a Lei da Topografia dos Circuitos Integrados – LTCI.

(3) O regime jurídico dos direitos de propriedade intelectual específico das cultivares (variedades vegetais novas). Disciplinado pela Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997, a Lei de Proteção de Cultivares – LPC.

(4) O regime jurídico da Lei nº 10.603, de 17 de dezembro de 2002, destinada à proteção, contra o uso comercial desleal, de informa-ções relativas aos resultados de testes ou relacionadas a outros da-dos não divulgados, apresentados às autoridades competentes como condição para aprovar ou manter o registro para a comercialização de (a) produtos farmacêuticos de uso veterinário, (b) fertilizantes, (c) agrotóxicos, assim como (d) seus componentes e afins (paráfrase do art. 1º, caput).

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(5) E o regime jurídico da Lei nº 12.270, de 24 de junho de 2010, a enfeixar medidas de suspensão de (a) concessões ou (b) de outras obrigações do País relativas aos direitos de propriedade intelectual e correlatos, em casos de descumprimento de obrigações multilaterais por Estado-membro da Organização Mundial do Comércio – OMC, quando o Brasil tenha sido autorizado pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC a assim proceder (paráfrase do art. 1º).

A propriedade intelectual em biotecnologia se materializa por intermédio (1) da proteção jurídica às cultivares (regulada pela Lei nº 9.456/1997, a Lei de Proteção de Cultivares) e (2) da patente de invenção biotecnológica (regulada pela Lei nº 9.279/1996, a Lei de Propriedade Industrial).

A propriedade intelectual de cultivares possui regime jurídico diferen-ciado (sui generis), já que as novas variedades ou melhoramentos vegetais se encontram excluídas, de modo explícito, pela Lei nº 9.276/1996, porquanto o referido diploma legislativo, por meio dos seus arts. 18, III, e 10, IX, veda pa-tentes de plantas e partes de plantas (além de proibir patentes de genes, animais e partes de animais e microrganismos, salvo os microrganismos transgênicos).

O regime jurídico de propriedade intelectual de que cuida a Lei nº 9.456/1997 (Lei de Proteção de Cultivares) diz respeito ao registro da própria variedade vegetal fruto do melhoramento de determinada planta ou oriunda do cruzamento de linhagens preexistentes de plantas naturais ou modificadas geneticamente, ao passo que a biopatente se vincula ao regime de propriedade intelectual de que trata a Lei nº 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial), ou seja, este diploma legislativo – ao contrário daquele – não concerne à proteção jurídica da propriedade intelectual da nova variedade vegetal, mas ao resguardo da propriedade intelectual relativa à tecnologia que propiciou o advento dessa cultivar (a biopatente, em outras palavras, não incide sobre a própria variedade vegetal, mas sobre a tecnologia que proporcionou o surgimento desse melho-ramento vegetal).

Os requisitos para o registro de cultivares dizem respeito (1) à novidade, (2) à distinguibilidade, à (3) denominação própria, (4) à homogeneidade e (5) à estabilidade.

Já os requisitos para o registro de patentes de invenção biotecnológica se relacionam – tais quais os requisitos das patentes brasileiras de invenções em geral – (1) à novidade, (2) à atividade inventiva, (3) à aplicação industrial, (4) à suficiência descritiva e à (5) anuência prévia da Anvisa.

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WIKIPEDIA. General Agreement on Tariffs and Trade. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/General_Agreement_on_Tariffs_and_Trade>. Acesso em: 25 maio 2011.

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Assunto Especial – Acórdão na ÍntegraPropriedade Intelectual

7891

Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Agravo em Recurso Especial nº 357.031 – RS (2013/0185444‑2)Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas CuevaAgravante: Município de Anta GordaAdvogados: Alvoir Leandro Araúlo e outro(s)

Sinara Tomasini e outro(s)Agravado: Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – EcadAdvogados: Gelsa Pinto Serrano e outro(s)

Karina Helena Callai e outro(s)

eMentaAGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL – PROPRIEDADE INTELECTUAL – AÇÃO DE COBRANÇA – ECAD – DIREITOS AUTORAIS – ESPETÁCULO AO VIVO – AUTOR DA OBRA COMO INTÉRPRETE – LEGALIDADE

1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, são devidos direitos autorais em espetáculos realizados ao vivo, mesmo que os intérpretes se-jam os próprios autores da obra, independentemente do cachê recebido pelos artistas.

2. Agravo regimental não provido.

acóRdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo re-gimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Minis-tros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 17 de dezembro de 2013 (data do Julgamento).

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva Relator

RelatóRio

O Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator):

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������������������������������������� 45

Trata-se de agravo regimental interposto por Município de Anta Gorda contra decisão que conheceu do agravo e deu provimento ao recurso especial para julgar procedente o pedido referente à cobrança de direitos autorais.

Inconformado, o agravante sustenta que

“[...]

A decisão monocrática que deu provimento ao agravo interposto merece re-forma uma vez que não está devidamente fundamentada e o recurso demanda análise de matéria fático-probatória.

Em que pese o profundo conhecimento jurídico do Ministro Relator, entende o agravante que a decisão não está suficientemente fundamentada na medida em que cita como razões de decidir julgados de casos semelhantes sem declinar as razões do seu convencimento. Ainda que se reconheça a validade de citação de julgados semelhantes para fundamentar a decisão, entende o agravante que no caso em apreço o decisor não declinou objetivamente suas razões para que desse provimento ao agravo.

Tal proceder afronta o disposto no art. 93, IX da Constituição Federal.

Por outro lado, a parte agravante/agravada não indicou na exordial a os com-positores das obras cujos direitos autorais postula; tampouco não mencionou o número do registro das obras perante a entidade arrecadadora.

Não se desconhece que o Ecad pode atuar como mandatário de seus associa-dos. Porém, para proceder de tal forma, deve comprovar que o autor está devi-damente registrado junto ao escritório, o que não aconteceu no caso dos autos.

Tal situação foi devidamente analisada pelo juízo a quo, que enfrentou a maté-ria, porquanto a agravada não demonstrou que as executoras das obras estavam a ela associados ou haviam outorgado poderes expressos para a arrecadação pretendida.

Pelo exposto, requer o acolhimento das presentes razões de agravo e improvi-mento do recurso.

[...]” (fls. 922/926).

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator):

A irresignação não merece prosperar.

Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos:

“[...]

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46 �������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Conheço do agravo, passando à análise do recurso especial.

Alega o recorrente violação dos arts. 28, 29 e 68 da Lei nº 9.610/1998, e ao art. 333, incisos I e II, do Código de Processo Civil, aduzindo, em suma, que ‘[...] o fato gerador do direito do recorrente é a utilização de obras musicais sem a devida contraprestação dos direitos autorais, deste modo, havendo conheci-mento de tal fato, ou seja, não foi contestada a utilização de obras musicais nos Shows ao “vivo” realizados durante os eventos supra mencionados’ (fl. 550).

O recurso merece provimento.

O debate acerca do pagamento de direitos autorais pela execução de músicas em eventos ao vivo pelos próprios autores resta pacificado nesta Corte. Atente--se ao que se referiu no REsp 1.258.539/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, DJ de 29.06.2011:

‘Inicialmente, observa-se que o entendimento do Tribunal de origem dissen-te da jurisprudência desta Corte, que já se manifestou no sentido de que é cabível o pagamento de direitos autorais relativos a espetáculos realizados ao vivo, podendo o Ecad cobrá-los, independentemente da remuneração re-cebida pela execução das obras musicais pelos seus próprios autores. A pro-pósito, confiram-se os seguintes precedentes:

“Direitos autorais. Espetáculo ao vivo. Prova de filiação. Art. 73 da Lei nº 5.988/1973. Precedentes da Corte. 1. Cabível é o pagamento de direi-tos autorais relativos aos espetáculos realizados ao vivo, não se confundin-do com os direitos conexos, podendo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – Ecad cobrá-los, independentemente do cachê recebido pe-los artistas e da prova da filiação. 2. Recurso especial conhecido e provi-do” (ut REsp 363.641/SC, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 30.09.2002).

Oportuno citar, ainda, trecho extraído do REsp 779.223/SC, da relatoria do Ministro Sidnei Beneti, DJ de 03.10.2008, que, citando a doutrina, bem dife-rencia os direitos conexos dos direitos autorais:

“O artista cobra o seu cachê para cada apresentação em público; mas, tal remuneração nada tem a ver com os direitos autorais das músicas que vai cantar, ainda que estas sejam de sua autoria. A interpretação excludente das instâncias ordinárias, na verdade, levou em conta os direitos conexos e es-queceu dos direitos autorais. Os primeiros, na dicção de Carlos Fernando Mathias de Souza são os direitos dos artistas intérpretes ou executantes, ‘são todos os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que repre-sentam um papel, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões do folclore’ (Di-reito Autoral, Brasília Jurídica, 1988, p. 46)”.

No mesmo sentido: Ag 651.002/MG, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 24.08.2006; Ag 752.714/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 28.06.2006 e REsp 212.869/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 30.05.2006.’

No mesmo sentido, os seguintes precedentes jurisprudenciais:

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������������������������������������� 47

‘RECURSO ESPECIAL – DIREITO AUTORAL – ESPETÁCULO AO VIVO – AUTOR DA OBRA COMO INTÉRPRETE – AUTORIZAÇÃO PARA USO DA OBRA – DESNECESSIDADE

1. Cabível o pagamento de direitos autorais em espetáculos realizados ao vivo, independentemente do cachê recebido pelos artistas, ainda que os in-térpretes sejam os próprios autores da obra. Precedentes específicos desta Corte.

2. Voto vencido do relator.

3. Recurso especial provido.’

(REsp 1207447/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. p/ Ac. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., J. 12.06.2012, DJe 29.06.2012 – grifou-se)

‘AGRAVO REGIMENTAL – DIREITOS AUTORAIS – ESPETÁCULO AO VIVO – ECAD – INDICAÇÃO DAS OBRAS TIDAS POR VIOLADAS – DECISÃO AGRAVADA – MANUTENÇÃO.

1. Cabível é o pagamento de direitos autorais relativos aos espetáculos rea-lizados ao vivo, podendo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – Ecad cobrá-los, independentemente do cachê recebido pelos artistas e da prova da filiação.

2. Não é necessário que seja feita identificação das músicas e dos respecti-vos autores para a cobrança dos direitos autorais devidos. Precedentes.

3. Agravo Regimental improvido.’

(AgRg-REsp 1174097/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., J. 20.10.2011, DJe 07.11.2011)

Por tais razões, o recurso merece prosperar.

Em vista do exposto, conheço do agravo e dou provimento ao recurso especial, para julgar procedente o pedido, invertendo-se os ônus sucumbenciais.

[...]” (fls. 912/914 – grifou-se).

Ressalte-se, de qualquer modo, que a remansosa jurisprudência desta Corte reconhece a legitimidade do Ecad para a cobrança de direitos autorais independentemente da prova da filiação do titular da obra.

A respeito:

“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DECLARATÓRIA – RECONVENÇÃO – DIREITOS AUTO-RAIS – ECAD – EXECUÇÕES PÚBLICAS DE TRILHAS SONORAS DE FILMES – TABELA DE PREÇOS – LEGALIDADE – LEGITIMIDADE DO ECAD PARA CO-BRANÇA

1. Segundo a jurisprudência desta Corte, são devidos direitos autorais pela exi-bição pública de trilhas sonoras de filmes.

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48 �������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

2. Este Tribunal Superior já assentou ser válida a tabela de preços instituída pelo Ecad.

3. A remansosa a jurisprudência desta Corte reconhece a legitimidade do Ecad para a cobrança de direitos autorais independentemente da prova da filiação do titular da obra.

4. Agravo regimental não provido.”

(AgRg-EDcl-REsp 885.783/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., J.14.05.2013, DJe 22.05.2013 – grifou-se)

“DIREITO AUTORAL – RADIODIFUSÃO DE MÚSICA AMBIENTE – REPRODU-ÇÃO DE PROGRAMAS GRAVADOS – ATIVIDADE LÍCITA – CARÁTER ABUSI-VO DA NOTIFICAÇÃO A CLIENTES QUE ADQUIRIRAM O SERVIÇO DE RA-DIODIFUSÃO – DANOS MORAIS DEVIDOS – ECAD

1. O Ecad tem legitimidade para a cobrança de direitos autorais independente-mente da comprovação da filiação dos artistas representados às associações que o integram.

2. O titular dos direitos autorais pode gerir pessoalmente seus interesses, desde que, nos termos do art. 98, parágrafo único, da Lei nº 9.610/1968, notifique a associação a que está filiado e o Ecad.

3. A reprodução de programas de radiodifusão previamente gravados é práti-ca comumente utilizada pelas empresas do ramo, e o só fato da realização de cópias privadas, em que se tem por intuito a instrumentalização da atividade desenvolvida, não gera direito ao recebimento de quaisquer valores a título de direitos autorais.

Estes são devidos pela reprodução pública de obra artística.

4. Deve ser mantida a condenação a indenização por danos morais quando rea-lizada em valores razoáveis, considerando-se as peculiaridades da espécie.

5. Recurso especial não conhecido.”

(REsp 958.058/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª T., J. 23.02.2010, DJe 22.03.2010 – grifou-se)

Dessa forma, não prosperam as alegações postas no regimental, incapa-zes de alterar os fundamentos da decisão impugnada.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

ceRtidão de JulgaMento teRceiRa tuRMa

Número Registro: 2013/0185444-2 AgRg no AREsp 357.031/RS

Números Origem: 00815661020138217000 04291417220128217000 04411000054430 11000054430 200600982597 20130185442 232012

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������������������������������������� 49

4291417220128217000 4411000054430 544314120108210044 70032464943 70042049817 70051225472 70053569398 70054399415 815661020138217000 846472

Em Mesa Julgado: 17.12.2013

Relator: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Mário Pimentel Albuquerque

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuação

Agravante: Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – Ecad

Advogado: Gelsa Pinto Serrano e outro(s)

Advogada: Karina Helena Callai e outro(s)

Agravado: Município de Anta Gorda

Advogados: Alvoir Leandro Araúlo e outro(s) Sinara Tomasini e outro(s)

Assunto: Direito civil – Coisas – Propriedade – Propriedade intelectual/indus-trial – Direito autoral

agRavo RegiMental

Agravante: Município de Anta Gorda

Advogados: Alvoir Leandro Araúlo e outro(s) Sinara Tomasini e outro(s)

Agravado: Escritório Central de Arrecadação E Distribuição – Ecad

Advogados: Gelsa Pinto Serrano e outro(s) Karina Helena Callai e outro(s)

ceRtidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos ter-mos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Assunto Especial – Ementário

Propriedade Intelectual

7892 – Dano moral e material – site na Internet – criação intelectual – contrafação – não con­figuração

“Apelação cível. Ação de indenização por danos materiais e morais. Preliminar de ofensa ao prin-cípio da dialeticidade afastada. Alegada reprodução de criação intelectual indevida em site na Internet. Contrafação não configurada. Inexistência do dever de indenizar. Honorários advocatícios. Redução. Reconvenção. Pretendida condenação ao pagamento de multa contratual. Improcedên-cia. Sentença parcialmente reformada. Apelo conhecido e parcialmente provido. 1. Apesar de o apelante ter repetido várias das alegações formuladas na primeira instância, enfrentou as razões de decidir postas na sentença, expondo o porquê do pedido de reexame da matéria, não caracterizan-do, assim, a alegada ofensa ao princípio da dialeticidade. 2. O direito autoral protege obras intelec-tuais consideradas como tais, as criações do espírito de qualquer modo exteriorizadas, consoante a inteligência do art. 7º da Lei nº 9.610/1998. 3. A obra, para que seja considerada uma criação do espírito, deve apresentar um mínimo de criatividade e originalidade. 4. No caso dos autos, a edição jornalística não está sujeita à proteção do direito do autor, na medida em que não se caracteriza como criação intelectual. Portanto, a sua disponibilização em site da Internet não incorre em con-trafação (reprodução de obra não autorizada). 5. Considera-se preenchido o pressuposto específico de admissibilidade da reconvenção, referente à existência de vínculo entre a demanda principal e a reconvenção, se houver nexo fático e/ou jurídico entre ambas. 6. Tendo sido o contrato denuncia-do por uma das partes, as suas cláusulas perdem vigência. Apelação cível. Litisconsortes passivo. Pedido de diferenciação e majoração dos honorários advocatícios. Apelo conhecido e provido. Os honorários advocatícios destinados aos procuradores dos litisconsortes passivos devem guardar proporcionalidade com o trabalho desenvolvido, justificando-se a diferenciação na distribuição da verba.” (TJPR – AC 161.752-3 – Rel. Des. Milani de Moura – DJPR 10.06.2005)

7893 – Direito autoral – propriedade intelectual – obra cinematográfica – uso indevido – di­reito de exclusividade – inexistência de prova – indenização indevida

“Direito de indenização. Uso indevido de obra cinematográfica. Propriedade intelectual. Direito de exclusividade de disposição. Inexistência de prova formal do contrato para execução da obra explicitando os seus termos. O apelante não logrou comprovar o seu direito de exclusividade de disposição sobre a obra para o qual foi contratado para realizar. Inexistência de registro junto ao Concine nos termos do art. 17 da Lei nº 5.988/1973. Ausência de materialidade do contrato reali-zado oralmente explicitando os seus termos. Existência comprovada de contrato entre a Embratur e a empresa contratante demonstrando ser aquela a destinatária final do direito de propriedade sobre a obra em questão. Apelação improvida.” (TRF 2ª R. – AC 177295/RJ (98.02.30903-6) – 5ª T. Espe-cializada – Rel. Des. Fed. Paulo Espírito Santo – DJU 2 02.02.2006)

7894 – Propriedade industrial – marca – notoriamente conhecida – declaração

“Propriedade industrial. Recurso especial. Marca. Notoriamente conhecida. Declaração. Procedi-mento. Controle pelo Poder Judiciário. Limites. Convenção da União de Paris. Nome comercial. 1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem se pro-nuncia de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, nos limites do seu conven-cimento motivado. O Magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 2. Compete ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI avaliar uma marca como noto-riamente conhecida, ensejando malferimento ao princípio da separação dos poderes e invadindo a seara do mérito administrativo da autarquia digressão do Poder Judiciário a esse respeito. 3. O art. 124, XIX, da Lei da Propriedade Industrial expressamente veda o registro de marca que imite outra preexistente, ainda que em parte e com acréscimo ‘suscetível de causar confusão ou associa-

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������� 51

ção com marca alheia’. Todavia, o sistema de proteção de propriedade intelectual confere meios de proteção aos titulares de marcas ainda não registradas perante o órgão competente. 4. Conforme de-cidido no REsp 1.105.422/MG, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, a finalidade da proteção ao uso das marcas é dupla: por um lado protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (art. 4º, VI, do CDC). 5. Tratando-se, depois da cisão levada a efeito, de pessoas jurídicas e patrimônios distintos, não há como permitir a coexistência das marcas Harrods da recorrente e da recorrida, sem atentar contra os objetivos da legislação marcária e induzir os consumidores à confusão. 6. A legislação observa o sistema atributivo para obtenção do registro de propriedade de marca, considerando-o como elemento constitutivo do direito de propriedade (art. 129 da Lei nº 9.279/1996); porém também prevê um sistema de contrapesos, reconhecendo situações que originam direito de preferência à obtenção do registro, lastreadas na repressão à concorrência desleal e ao aproveitamento parasitário. 7. A Lei da Propriedade Industrial reprime a concessão de registros como marcas de: a) nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios (arts. 124, V, e 195, V); b) sinais que reproduzem marcas que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja sediado em país com o qual o Brasil mantenha acordo, se a marca se destinar a distinguir produto idêntico semelhante ou afim suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia (art. 124, XXIII); c) marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º bis (I) da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial. 8. A Convenção da União de Paris, de 1883, deu origem ao sistema internacional de propriedade industrial com o objetivo de harmonizar o sistema protetivo relativo ao tema nos países signatários, dos quais fazem parte Brasil e Reino Unido (). O Tribunal de origem, ao asseverar que, após a criação da Harrods Buenos Aires, houve acordo, em 1916, para que Harrods Limited atuasse como agente de compras daquela, deixa claro que, na verdade, a pretensão da Harrods Buenos Aires incide na vedação inserta no art. 6º septies da Convenção da União de Paris. 9. Independentemente do negócio firmado no passado, não ha-vendo expressa autorização da sociedade anterior criadora desta, a obtenção e a manutenção de direitos marcários deverão respeitar os princípios e a finalidade do sistema protetivo de marcas, bem como o princípio da livre concorrência, um dos pilares de ordem econômica brasileira, previsto no art. 170, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil. 10. O INPI, na decisão que declarou nulos os Registros nº 812.227.786 e 812.227.751 em nome da recorrente, asseverou que a marca Harrods é notoriamente conhecida, além de nome comercial da recorrida, estabelecendo, deste modo, a proteção dos arts. 6º bis e 8º da Convenção de Paris. O objetivo de tais dispositi-vos é, justamente, reprimir o benefício indireto que ocorreria para um dos concorrentes, quando consumidores associassem os sinais deste com a marca notoriamente conhecida atuante no mes-mo segmento mercadológico, como é o caso dos autos. Constitui, assim, exceção ao princípio da territorialidade, gozando a marca de proteção extraterritorial nos países signatários da Convenção da União de Paris. 11. Mesmo que não fosse a marca de Harrods Limited admitida pelo INPI como notoriamente conhecida, esbarraria a pretensão da recorrente na proibição do art. 124, inciso XXIII, segundo o qual não é registrável o sinal que reproduza ou imite marca que o depositante evidente-mente não poderia desconhecer, especialmente em razão de sua atividade, desde que o titular desta seja domiciliado em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou assegure reciprocidade de trata-mento. 12. A tutela ao nome comercial no âmbito da propriedade industrial, assim como à marca, tem como fim maior obstar o proveito econômico parasitário, o desvio de clientela e a proteção ao consumidor, de modo que este não seja confundido quanto à procedência dos produtos comercia-lizados. 13. A confusão e o aproveitamento econômico, no caso, parecem inevitáveis, se admitida a coexistência das marcas Harrods da recorrente e da recorrida no Brasil, tanto mais quando se observa que estas sociedades, embora hoje estejam completamente desvinculadas, já apareceram no passado ora como filial ora como agente de compras uma da outra, atuando no mesmo segmento mercadológico. 14. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.190.341 – (2010/0069361-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 28.02.2014)

7895 – Propriedade intelectual – ação de abstenção de uso de marca – indenizatória

“Propriedade intelectual. Ação de abstenção de uso da marca c.c.. indenizatória. Procedência em parte, com determinação de abstenção de uso de marca assemelhada, com liquidação de danos,

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por arbitramento. Cerceamento de defesa não caracterizado. Higidez da proteção de marca obtida pela apelada. Insucesso do questionamento judicial do registro junto à autarquia federal (INPI). Pleito indenizatório (damos materiais) que não dispensa, ao menos, um mínimo de prova indiciária do prejuízo. Sentença reformada em parte, apenas para afastar o decreto condenatório. Recurso provido em parte.” (TJSP – Ap 0141129-72.2009.8.26.0100 – São Paulo – 8ª CDPriv. – Rel. Grava Brazil – DJe 28.02.2014 – p. 1736)

7896 – Propriedade intelectual – ação ordinária de anulação de ato administrativo emanado do INPI – pedido julgado improcedente

“Recurso especial. Propriedade intelectual. Ação ordinária de anulação de ato administrativo ema-nado do INPI. Pedido julgado improcedente, mantendo o indeferimento e arquivamento do reque-rimento de registro de marca. Sentença reformada pelo Tribunal de origem, a fim de restabelecer o curso regular do procedimento de registro do sinal distintivo. Impossibilidade de apropriação de ele-mento comum. Proteção à livre iniciativa e combate à concorrência desleal. Marca fraca, sem origi-nalidade marcante ou criatividade exuberante. Imposição de convivência com outras semelhantes. Precedentes. Recurso especial desprovido. Ação ordinária de anulação de ato administrativo profe-rido pelo INPI que indeferiu e arquivou o requerimento de registro de sinal distintivo: ‘classificadas amarelas’. Pedido julgado improcedente, a fim de manter a exclusão registral determinada pelo ór-gão administrativo. Sentença reformada pelo Tribunal de origem, determinando o restabelecimento do curso regular do procedimento instaurado perante o INPI para o registro da marca. ‘Classificadas amarelas’., ao fundamento de ser signo distintivo formado por elemento comum inapropriável. 1. Conflito entre marcas: ‘páginas amarelas’ e ‘listas amarelas’ versus ‘classificadas amarelas’. Os sinais distintivos em análise são constituídos por elemento comum inapropriável que expressa ca-racterística essencial do objeto comercializado, razão pela qual dar exclusividade ao seu uso a bem da recorrente atenta contra a livre iniciativa, tendo em vista a inexorável dificuldade de inserção de novos bens de consumo congêneres no mercado, mormente pela impossibilidade de denominá-los por aquilo que eles realmente são em sua essência. 1.1 Registre-se que o uso de elemento comum descritivo do serviço prestado – ‘amarelas’ – traz à mente do consumidor a imediata associação de característica do objeto comercializado. Contudo a vantagem comercial advinda deste expediente atrai, em contra partida, o ônus de se criar um sinal distintivo fraco, sem originalidade marcante ou criatividade exuberante, o que, em última análise, impõe a sua convivência com outros símbolos comerciais formados pela expressão comum – ‘amarelas’. 2. Importa assinalar ser possível o registro perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI de marca formada pela combinação de dois ou mais termos genéricos, desde que esta junção se revista de caráter original e distintivo. Embora este tipo de signo comercial seja passível de proteção jurídica, a tutela destinada a ele tem abrangência menor, por ter a nova marca em sua gênese elementos comuns inapropriáveis. Isto é, mesmo sendo defeso a reprodução e a utilização integral de marca composta por elementos co-muns, este sinal comercial terá que conviver no mercado com outros signos comerciais semelhantes a ele, pois a vantagem de incorporar à marca característica descritiva do objeto comercializado atrai, em contra partida, o ônus de se criar um sinal distintivo fraco, sem originalidade marcante ou criatividade exuberante. 3. É notório que o contraste estabelecido pela superposição da cor preta so-bre a amarela tem o efeito de destacar as informações inseridas em texto assim formatado. Não é de hoje que esta técnica é usada por revistas, jornais e demais periódicos, sobretudo quando se destina a anúncios comerciais, pois dá maior legibilidade à publicação, favorecendo a concentração do leitor. 3.1. Embora a recorrente alegue ser pioneira na utilização deste tipo de recurso gráfico para vinculação de notícias, não é possível obstar a criação e o registro de outras marcas semelhantes, pois os signos marcários em análise são compostos por elementos comuns, cujo uso é impossível vedar ou dar exclusividade, daí que não há como conceder tutela à pretensão que objetiva a apro-priação de coisa inexoravelmente comum. 4. Proibir o registro e a utilização da marca ‘classificadas amarelas’, segundo a pretensão da recorrente, prejudicaria a livre concorrência, pois a recorrida e, de maneira reflexa, todos os demais empresários que comercializam anúncios em folhas de cor amarela teriam grandes dificuldades para inserirem seus produtos no mercado, uma vez que a ex-pressão ‘amarelas’ designa característica essencial do objeto comercializado. 5. Aponte-se, ainda, a suficiência da distintividade das marcas em análise. Os elementos ‘páginas’ e ‘listas’ possuem conteúdo fonético e gráfico aptos a se distinguir da expressão ‘classificadas’, razão pela qual os

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sinais distintivos ‘páginas amarelas’ e ‘listas amarelas’ podem conviver com a marca ‘classificadas amarelas’. 6. Ademais, não se vislumbra confusão apta a conduzir o consumidor a erro, pois os sím-bolos marcários em questão têm distinguibilidade própria, uma vez que a utilização das expressões ‘páginas’, ‘listas’ e ‘classificadas’ mostra-se satisfatória para discriminar os empresários fornecedores de serviços congêneres, bem como possuem habilidade suficiente a particularizar cada produto posto no mercado. 7. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.107.558 – (2008/0285289-0) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 06.11.2013)

7897 – Propriedade intelectual – contrafação – programas de computador (software) – caráter punitivo e pedagógico

“Recurso especial. Civil e processual civil. Ação de indenização. Propriedade intelectual. Con-trafação. Programas de computador (software). Caráter punitivo e pedagógico. Artigos analisados. Art. 102 da Lei nº 9.610/1998. 1. Ação de indenização ajuizada em 14.03.2003. Recurso especial concluso ao gabinete em 20.08.2013. 2. Discussão relativa à adequação dos critérios utilizados para fixar a indenização devida, em razão da utilização ilegítima de softwares desenvolvidos pela recorrente. 3. A exegese do art. 102 da Lei de Direitos Autorais evidencia o caráter punitivo da indenização, ou seja, a intenção do legislador de que seja primordialmente aplicado com o escopo de inibir novas práticas semelhantes. 4. A mera compensação financeira mostra-se não apenas coni-vente com a conduta ilícita, mas estimula sua prática, tornando preferível assumir o risco de utilizar ilegalmente os programas, pois, se flagrado e processado, o infrator se verá obrigado, quanto muito, a pagar ao titular valor correspondente às licenças respectivas. 5. A quantificação da sanção a ser fixada para as hipóteses de uso indevido (ausente a comercialização) de obra protegida por direitos autorais não se encontra disciplinada pela Lei nº 9.610/1998, de modo que deve o julgador, diante do caso concreto, utilizar os critérios que melhor representem os princípios de equidade e justiça, igualmente considerando a potencialidade da ofensa e seus reflexos. 6. É razoável a majoração da indenização ao equivalente a 10 vezes o valor dos programas apreendidos, considerando para tanto os próprios acórdãos paradigmas colacionados pela recorrente, como os precedentes deste Tribunal em casos semelhantes. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.403.865 – (2013/0207390-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 18.11.2013)

7898 – Propriedade intelectual – crime – violação de direito autoral – dolo – tipicidade

“Violação de direito autoral. Art. 184, § 2º, do CP. Tipicidade. Dolo. 1. O tipo do art. 184, § 2º, do CP dispõe sobre crime de ação múltipla, no qual basta a realização de uma das condutas descritas para configuração do ilícito. 2. O dolo do crime em questão exige, para se configurar, o conhe-cimento de que a mercadoria foi produzida ou reproduzida com violação de direitos autorais e o intuito de lucro.” (TRF 4ª R. – ACr 2000.72.06.001509-9/SC – Relª Desª Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère – DJU 2 12.11.2003)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de apelação interposta contra sentença que condenou a apelante como incursa no art. 184, § 2º, do CP.A apelante alegou ausência de prova de que tenha participado da conduta ilícita, nos termos do art. 386, VI, e ausência de dolo para configurar a conduta típica.O Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso.Foi negado provimento ao recurso por unanimidade.A apelante foi inicialmente denunciada como incursa no art. 184, §§ 1º e 2º, do CP e no art. 334, § 1º, do CP, contudo, a ela restou condenada pelo crime tipificado no art. 184, § 2º.Segundo consta, foram apreendidos no carro da denunciada petrechos para a falsificação de CDS, fitas cassetes e outros que demonstram a contrafação de CDs “piratas”.Em sua defesa, a ré alegou que nunca participou de qualquer tipo de transação ou das reprodu-ções das fitas cassetes e que seu veículo não possuía condições para transportar mercadorias.O Relator concluiu que, mesmo não tendo participado da contrafação propriamente dita ou da venda, incide no tipo penal na conduta “ter em depósito”, ainda mais quando tinha ciência de que se tratava de produção que viola direito autoral.Ressaltou, ainda, que a quantidade de fonogramas falsificados e equipamentos hábeis para se proceder à falsificação demonstram o fim de comercialização de falsas mercadorias com o intuito

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de lucro. A quantidade de bens apreendidos descarta a possibilidade de que as cópias fossem para uso próprio.Quanto ao tipo objetivo, vejamos os ensinamentos de Júlio Fabbrini Mirabete:“Viola-se o direito autoral com a publicação ou reprodução, ao que se denomina contrafação, incluindo-se nesta o excedente do contrabando (Decreto nº 4.790), a tradução não consentida e o plágio. Não se configura o ilícito se a reprodução é mera citação de passagem para fins de estudo, crítica ou polêmica.[...]Sobre os parágrafos do art. 184:‘Com penas bem mais severas que as previstas para a modalidade comum de violação de di-reito autoral, prevê a lei, no § 1º do art. 184, a reprodução ilegal, total ou parcial, sem licença do titular do direito autoral, por qualquer método, de livros, telas, pinturas, esculturas, etc. e também a de fonograma (som gravado em fitas, discos, etc.) ou videofonograma (imagem e som em fitas gravadas para exibição em vídeo, como o videoteipe, o videocassete, etc.). No § 2º do mesmo artigo, a lei prevê as condutas típicas de vender, expor à venda, alugar, introduzir no País, adquirir, ocultar, emprestar, trocar ou ter em depósito a obra intelectual produzida ou reproduzida com violação de direito autoral.’Quanto ao dolo, além da vontade de praticar a conduta prevista na lei, exige-se, em ambos os casos, o elemento subjetivo do tipo, ou seja, com o fim de comércio, que consiste no intuito de lucro.” (Código Penal interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 1199-1201)Vejamos algumas ementas:“Crime contra a propriedade industrial. Hardware e software. Proteção jurídica de um e de outro por ramo distinto do direito privado. Entendimento. Proteção constitucional. Hardware e softwa-re não se confundem no campo jurídico. Hardware está em âmbito do direito de propriedade industrial. Software está em âmbito do direito autoral. Não se confunde, pois, software com o correspondente suporte (disquete, fita cassete, ou chip), que se constitui em seu corpo mecânico (assim como disco é o suporte da música, esta obra intelectual protegida). Programa e disquete não se confundem, não dando ensejo a crime de violação de marca de indústria ou comércio e de concorrência desleal.” (TACrim, 12/69-70)“Manter em depósito videofonogramas gravados sem autorização dos produtores e sem etiqueta de controle da Embrafilme caracteriza em tese o delito de violação de direito autoral, enquadrá-vel na figura do § 2º do art. 184 do CP.” (RT, 628/311-2)“Não existindo provas suficientes de que as fitas encontradas na residência dos réus, de repro-dução de filmes não autorizadas pelo produtor se destinavam à obtenção de lucro, não podem aqueles ser condenados pela prática de delito previsto no art. 184, § 1º, do CP.” (RT, 738/602)

7899 – Propriedade intelectual – patentes pipeline – prazo de validade

“Direito civil. Propriedade intelectual. Patentes pipeline. Proteção no Brasil pelo prazo de validade remanescente, contado da data do primeiro depósito, limitado pelo prazo de vinte anos previsto na legislação brasileira. 1. ‘A Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 230, § 4º, c/c o art. 40, estabele-ce que a proteção oferecida às patentes estrangeiras, chamadas patentes pipeline, vigora ‘pelo prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido’, até o prazo máximo de proteção concedido no Brasil – 20 anos – a contar da data do primeiro depósito no exterior, ainda que posteriormente abandonado’ (REsp 731.101/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Se-ção, Julgado em 28.04.2010, DJe 19.05.2010). 2. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.355.115 – (2012/0245783-5) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 01.08.2013)

7900 – Propriedade intelectual de programa de computador – contrafação – proteção cautelar

“Propriedade intelectual de programa de computador. Contrafação. Proteção cautelar. Direito assegurado na constituição. Medida liminar inaudita altera parte. Presença dos requisitos legais. Agravo interno. Decisão monocrática em agravo de instrumento que deu provimento ao recurso das demandantes para conceder a liminar. Irresignação da ré. Versa a hipótese sobre a concessão de liminar, nos autos da medida cautelar de vistoria, busca e apreensão, ajuizada com o propósito de coibir a reprodução ilegítima dos programas de computador de titularidade das ora agravadas. Na hipótese, a decisão do Magistrado de 1º grau indeferiu a liminar, em sede de medida cautelar de vistoria, busca e apreensão, fundamentando-se na ausência dos requisitos do art. 273 do CPC, mostrando-se, portanto, contrária à lei. Assim, passo à análise dos requisitos para o deferimento da liminar na hipótese. No caso, verifica-se a presença do fumus boni juris, vez que a tutela cautelar

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perseguida decorre do direito constitucionalmente protegido de fiscalização do aproveitamento econômico dos programas de computador como espécie do gênero de tutela da propriedade inte-lectual. Incisos XXVII e XXVIII do art. 5º da CRFB. Com efeito, a regulamentação infraconstitucio-nal sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador também assegura a providência cautelar requerida ao disciplinar, no art. 13 da Lei nº 9.609/1998. Art. 842 do CPC. O interesse em questão também se mostra plausível de tutela do processo principal, em face da larga utilização dos referidos softwares pela sociedade em geral, sendo possível, segundo as regras de experiência comum, que alguns os utilizem inobstante a ausência de licença para tanto, causando prejuízo econômico aos detentores da propriedade intelectual. Trata-se de cautelar específica, cuja função precípua é produzir amparo probatório para ação futura, mediante a elucidação de situação fática concernente ao uso de programas de computador. Periculum in mora que advém do dano potencial caracterizado pelo risco que corre o processo principal de não ser útil por falta de amparo probatório ante a facilidade técnica de se apagar os programas instalados nos computadores, pre-judicando, assim, o exercício do direito fiscalizatório sobre o regular aproveitamento econômico das referidas obras. Ao contrário do alegado pela ora agravante, deve-se ressaltar que a decisão que concedeu a liminar foi extremamente minuciosa ao definir como deveria ser realizada a diligência. Insta salientar que eventual abuso e litigância de má-fé das ora agravadas devem ser apreciados pelo Juízo de 1º grau, sendo certo que eventual análise dessas questões por esta Câmara configuraria supressão de instância, o que é vedado. Precedentes do eg. STJ e desta Corte. Decisão que se man-tém. Desprovimento do recurso.” (TJRJ – AI 0030428-09.2013.8.19.0000 – 21ª C.Cív. – Rel. Andre Emilio Ribeiro Von Melentovytch – DJe 12.03.2014)

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Parte Geral – Doutrina

Considerações Críticas sobre o Diagnóstico do IPEA em Relação aos Juizados Especiais Cíveis

CARLOS HENRIqUE SOARESAdvogado, Doutor em Direito Processual, Coordenador de Direito Processual Civil do IEC/PUC--Minas, Professor de Direito Processual Civil da PUC-Minas, Autor, Conferencista.

RESUMO: Considerações críticas sobre o diagnóstico do IPEA em relação aos Juizados Especiais Cíveis.

PALAVRAS-CHAVE: Juizado Especial Cível; celeridade; contraditório; ampla defesa; processo; de-mocracia.

ABSTRACT: Critical analysis on the diagnosis of IPEA on Special Civil Courts.

KEYWORDS: Special Civil Courts; celerity; contradictory; wide defense; process constitutional; de-mocracy.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Concepção instrumental dos Juizados Especiais Cíveis; 2 Considerações críticas sobre o diagnóstico do IPEA a respeito dos Juizados Especiais Cíveis; 2.1 Ambiente ins-titucional; 2.2 Assistência jurídica; 2.3 Gestão da secretaria/cartório; 2.4 Audiências; 2.5 Juiz; 2.6 Processamento dos feitos; 2.7 Autor; 2.8 Réu; 2.9 Sentença; 2.10 Recurso; 2.11 Cumprimento das sentenças; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO

Por meio do Termo de Cooperação Técnica nº 002/2012, de março de 2012, firmou-se o acordo entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o desenvolvimento conjunto do projeto de pesquisa denominado Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis, tendo por objeto determinar: a) estrutura organizacional, o estoque de capital, os recursos humanos disponíveis e os instrumentos de acesso à justiça; b) perfil dos Magistrados, serventuários, jurisdicionados e seus procuradores, bem como a sua percepção sobre as condições de acesso à justiça; c) perfil da demanda atual e das ações com baixa definitiva no ano de 2010, incluindo uma investigação sobre possíveis movimentos de migração dos juizados especiais cíveis para as varas comuns da Justiça Estadual1.

Segundo o próprio relatório do IPEA:

1 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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Como o presente estudo versa sobre a Justiça estadual, foi imprescindível que o recorte amostral e o desenho de pesquisa adotados permitissem a comparação entre unidades da federação (UFs), em detrimento da produção de dados nacio-nais. Afinal, contrastar estados é crucial para o desenvolvimento de produtos que possam subsidiar, por um lado, o aprofundamento do conhecimento sobre o funcionamento das instituições do sistema de justiça de cada estado e, por outro lado, lastrear o processo decisório das diferentes instituições interessadas no aprimoramento da Justiça estadual. Portanto, em virtude da complexidade logística de uma pesquisa desse tipo, optou-se por reduzir o escopo do estudo a três unidades da federação: Amapá, Ceará e Rio de Janeiro. A escolha desses três estados não é aleatória. Segundo dados do Departamento de Pesquisas Ju-diciárias do Conselho Nacional de Justiça, o Amapá é a unidade da federação que apresenta o maior número de casos novos em juizado especial por cem mil habitantes/ano, enquanto o Ceará comporta-se de modo exatamente inverso.

A pesquisa investigou aspectos estruturais, organizacionais, jurisdicio-nais e procedimentais dos juizados especiais cíveis, com o objetivo geral de construir um diagnóstico sobre as condições de funcionamento e o acesso à justiça proporcionado por esses juizados. As informações obtidas a partir dos instrumentos de coleta versavam sobre características do JEC, gestão da secreta-ria, atendimento ao público, audiências, estrutura física, forças-tarefa, mutirões e itinerância, além do atendimento realizado pela assistência jurídica gratuita nas dependências do juizado. Igualmente, foram aplicados questionários aos juízes e diretores de secretaria das varas visitadas. Executou-se também análise de autos processuais, contemplando informações sobre o perfil das partes e das demandas, os tipos de representação legal, teor das sentenças prolatadas e dos acordos homologados e tempos de processamento das ações e das etapas que as compõem2. Passemos à análise e aos resultados.

1 CONCEPÇÃO INSTRUMENTAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

O Brasil, com base naquelas ideias do Estado Social de Direito e na concepção teleológica de processo, entende que os Juizados Especiais Cíveis servem para resolver os conflitos referentes à causas de pequeno valor. Esses Juizados possuem o desafio de criar foros atraentes para os indivíduos, não apenas do ponto de vista econômico, mas também físico e psicológico. Eles cor-respondem a um esforço criativo, abrangente e multifacetado para reestruturar a máquina judiciária envolvida com essas pequenas causas3.

Os princípios mais importantes que regem tais Juizados Especiais Cíveis são: oralidade, simplicidade, informalidade, celeridade processual, dispensa de advogado para causas inferiores a vinte salários-mínimos, reparação do dano, eficiência da prestação jurisdicional e supressão de recursos, sendo admitido

2 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

3 SOARES, Carlos Henrique. O advogado e o processo constitucional. Belo Horizonte: Decálogo, 2004. 187 p.

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apenas recurso (sem nome ou inominado) a uma Turma Recursal formada por três juízes de primeiro grau de jurisdição do próprio Juizado, ou recurso extra-ordinário ao STF, em casos de flagrante agressão à norma constitucional.

Assim, os Juizados Especiais devem promover a acessibilidade geral ao Poder Judiciário, reduzindo os custos da demanda e a duração do litígio. Com eles, aquela parte da população que é carente de recursos passa a ter a possibili-dade de litigar sem os ônus processuais tão comuns no procedimento ordinário. Eles também visam à equalização das partes, tornando o juiz mais ativo e infor-mal no decorrer do processo, com consciência ética e de justiça, permitindo a simplificação da produção de provas e limitando a possibilidade de recursos.

O acesso à justiça, nessa linha instrumentalista, é encarado como aces-so à ordem jurídica justa, ou seja, à plena satisfação do direito material. Essa concepção torna o processo um mero instrumento para a realização do direito material. Aqui, a jurisdição se torna uma atividade preponderante em detrimen-to do processo e das garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da isonomia.

Os Juizados foram desenvolvidos dentro da preocupação em acelerar o andamento processual. No entanto, ressalta Aroldo Plínio Gonçalves que:

A preocupação com o rápido andamento do processo, com a superação do es-tigma da morosidade da Justiça que prejudica o próprio direito de acesso ao Judiciário, porque esse direito é também o direito à resposta do Estado ao juris-dicionado, é compartilhada hoje por toda a doutrina do direito processual ci-vil. As propostas de novas categorias e de novas vias que abreviem o momento da decisão são particularmente voltadas para a economia e a celeridade como predicados essenciais da decisão justa. Sobretudo quando a natureza dos inte-resses em jogo exige que os ritos sejam simplificados. Contudo, a economia e a celeridade do processo não são incompatíveis com as garantias das partes, e a garantia constitucional do contraditório não permite que seja ele violado em nome do rápido andamento do processo. A decisão não se qualifica como justa apenas pelo critério da rapidez, e se a justiça não se apresentar no processo não poderá se apresentar, também, na sentença.4

Vemos, então, que, nos Juizados Especiais Cíveis, temos mero procedi-mento, haja vista que verificamos a supressão do contraditório (limitação da possibilidade de defesa, com a dispensabilidade de advogado, meios de prova e recursos a ela inerentes) e que ele foi criado dentro de uma concepção teleo-lógica de processo e procedimento. Aqui não se busca uma decisão construída pelas partes (salvo quando ocorre a conciliação), mas sim uma decisão célere, com um procedimento simples, de modo a retirar das partes, muitas das vezes, a proteção dos direitos fundamentais.

4 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 125.

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A celeridade processual, objetivo do Juizado Especial Cível, não pode se justificar, na medida em que isso implica a retirada de garantias essenciais do processo. Não se devem fazer ponderações de valores para resolver o problema da morosidade do Judiciário.

O processo, no Estado Democrático de Direito, é regido pelo discurso, pela participação dos destinatários de uma decisão em sua formação. Segundo José Alfredo de Oliveira Baracho:

Não se pode buscar a simplicidade e a eficácia processuais com sacrifício das garantias fundamentais do processo, com procura de sistema jurídico menos opressivo e menos gravoso economicamente. Os princípios constitucionais efe-tivam-se por meio de uma justiça menos gravosa, mas sem esquecer custo e qualidade. O juiz, como órgão terminal de apreciação da Constituição, deve ser objetivo e claro em garantir os direitos fundamentais, como pressuposto de qualquer outro direito ou interesse individual ou coletivo, nos termos dos proce-dimentos consagrados. [...] A gênese, os métodos de elaboração e os objetivos do processo constitucional ocorrem dentro das coordenadas constitucionais, por meio da fundamentação e determinação de seus pressupostos e da defini-ção da jurisdição constitucional, que procura ampliar as possibilidades de efe-tivação dos direitos fundamentais em sua plenitude, sem qualquer restrição de ordem econômica ou social, bem como do direito de defesa.5

É, dessa forma, o processo, enquanto procedimento em contraditório, o único capaz de legitimar o provimento jurisdicional, sendo absolutamente incabível a redução das garantias constitucionais que as partes possuem em um processo em nome da simplicidade ou celeridade processual.

Concluímos que o Juizado Especial Cível possui um ambiente fértil a contribuir com a democracia e com a cidadania; no entanto, para que isso ve-nha a ocorrer, é necessário interpretar as normas procedimentais do Juizado na medida do processo constitucionalizado, com as garantias do contraditório e da ampla defesa, mas não é possível querer suprimir tais garantias, como frequen-temente acontece nos Juizados, em nome de uma pretensa celeridade, que só causa a discriminação e a segregação social.

2 CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE O DIAGNÓSTICO DO IPEA A RESPEITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

O relatório do IPEA sobre os Juizados Especiais Cíveis são números que nos permitem entender qual é a realidade brasileira e a eficiência desses proce-dimentos nas causas de menos complexidade, bem como se eles atendem aos fins para os quais foram criados, e que muitos defendem, como a salvação do Judiciário e a única esperança de uma pretensa “justiça social”.

5 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do processo constitucional. Revista da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas, Belo Horizonte, v. 2, nºs 3 e 4, p. 1-312, 1999, p. 97/98.

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Assim, não analisaremos todos os dados apresentados pelo relatório, que facilmente podem ser obtidos junto ao sítio jurídico reiteradas vezes citado no presente texto. Precisamente, iremos trabalhar sobre as seguintes questões estu-dadas pelo IPEA: a) ambiente institucional, b) assistência jurídica, c) gestão da secretaria/cartório, d) audiências, e) juiz, f) processamento dos feitos, g) autor, h) réu, i) sentença, j) recursos, l) cumprimento de sentenças.

Vamos, então, aos resultados e à análise crítica do relatório do IPEA.

2.1 aMbiente institucional

Quando o IPEA refere-se à expressão ambiente institucional, ele está que-rendo dizer sobre a acessibilidade, comodidade dos cidadãos, espaça urbano e equipamentos. Assim, a avaliação do ambiente institucional denota a infraestru-tura dos Juizados Especiais Cíveis.

O primeiro dado que impressiona, segundo o relatório do IPEA, é que os Juizados Especiais, que foram criados para facilitar o “acesso à justiça6”, possuem instalações físicas e espaço urbano que deixam a desejar e acabam por inviabilizar a própria defesa dos direitos dos cidadãos. Isso significa que os Juizados dos locais avaliados não possuem condições e instalações físicas suficientes para atender aos cidadãos de forma efetiva, em muitos lugares, com situações em mau estado de conservação, sem ambiente propício para a presta-ção jurisdicional efetiva, bem como para que possa receber, de forma digna, os cidadãos que procuram a garantia dos seus direitos mais elementares.

O IPEA não veio a Belo Horizonte, mas a dessa comarca também é de-plorável. Verificamos que as instalações e os espaços urbanos ocupados pelos Juizados Especiais em Belo Horizonte são precários, com péssimo espaço físico, com dificuldade de acessibilidade e o pior, com aparelhamento velho, digno de uma boa repartição pública dos anos 70 e 80.

Todos já sabem que o Brasil edita leis, mas o cumprimento não é efetivo. Esse é o caso da acessibilidade aos Juizados Especiais, nos termos de cumpri-mento da Lei nº 10.098/2000. Foi isso que ficou constatado pelo relatório do IPEA. Em regra, os Juizados Especiais Cíveis visitados não cumprem as determi-nações legais de acessibilidade7.

Isso significa uma simples conclusão: o portador de deficiência física tem dificuldades para poder comparecer nas dependências físicas do Juizado, o que dificulta para esses cidadãos qualquer tipo de ajuizamento de ação e de defesa dos direitos de menor complexidade ou de menor valor.

6 A expressão acesso à justiça está aqui entendida como acesso ao Judiciário, ajuizando e apresentando defesa, mas, sobretudo, pela facilidade de adentrar nos recintos dos Juizados Especiais Cíveis.

7 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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2.2 assistência JuRídica

Segundo o relatório do IPEA, tanto no Amapá (60,16%), quanto no Ceará (44,04%), uma parcela considerável dos cidadãos chega ao Juizado Especial Cível sem advogado constituído. Mesmo no Rio de Janeiro, onde há uma am-pla prevalência de usuários com representação legal prévia (78,42%), 19,21% dos cidadãos chegam ao juizado sem advogado8. De certa forma, a baixa in-cidência de postos de assistência jurídica gratuita nos juizados especiais cíveis (33%) acaba por carecer no Juizado a existência de setor de atermação no Ceará (87%). No Amapá e no Rio de Janeiro, onde 57,89% e 79,12%, respectivamen-te, dos juizados contam com serviços de assistência jurídica gratuita, vê-se uma menor quantidade de setores de atermação.

A questão sobre a assistência judiciária surge como um problema a ser enfrentado, quando se pretende trabalhar a questão da obrigatoriedade da par-ticipação do advogado como garantia do efetivo contraditório entre as partes no processo jurisdicional.

Foi só a partir da proclamação do postulado da igualdade perante a lei e do asseguramento da gratuidade da justiça, pelas “Declarações de Direitos” do final do século XVIII, “é que o Estado começou a intervir na assistência judiciá-ria dos pobres, e as nações civilizadas organizaram instituições oficiais. Então, a assistência judiciária torna-se um incidente no processo, com regras e fórmulas preestabelecidas”. E, com a passagem do Estado liberal individualista para o Es-tado social de prestações, ela é, finalmente, erigida em dever-função deste novo modelo de Estado, tocando à França, em 22.01.1851, editar o primeiro “Code de L’Assistence Judiciaire”, nomenclatura posteriormente adotada pelos demais Estados contemporâneos9.

Cappelletti e Garth, trabalhando as soluções práticas para os problemas de acesso à justiça, comentam a instituição da assistência judiciária, estabe-lecendo algumas considerações importantes sobre o tema, afirmando que os primeiros esforços para incrementar o acesso à justiça nos países ocidentais concentram-se em proporcionar serviços jurídicos para os pobres. Até muito recentemente, no entanto, os esquemas de assistência judiciária da maior parte dos países eram inadequados. Baseavam-se, em sua maior parte, em serviços prestados pelos advogados particulares, sem contraprestação (múnus honorifi-cum). O direito ao acesso foi, assim, reconhecido e se lhe deu algum suporte, mas o Estado não adotou qualquer atitude positiva para garanti-lo. De forma previsível, o resultado é que tais sistemas de assistência judiciária eram ine-ficientes. Em economias de mercado, os advogados, particularmente os mais experientes e altamente competentes, tendem mais a devotar seu tempo a tra-

8 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

9 PINTO, Robson Flores. Hipossuficientes – Assistência jurídica na Constituição. São Paulo: LTr, 1997. p. 50.

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balho remunerado que à assistência judiciária gratuita. Ademais, para evitarem incorrer em excessos de caridade, os adeptos do programa geralmente fixaram estritos limites de habilitação para quem desejasse gozar do benefício10.

Na busca da superação das falhas da concepção liberal e individualista da assistência judiciária, países como a Alemanha e Inglaterra, nos meados do século XIX, sob forte influência social-democrata ou trabalhista, instituíram re-formas. Em 1919-1923, a Alemanha deu início a um sistema de remuneração pelo Estado dos advogados que fornecessem assistência judiciária, a qual era extensiva a todos que a pleiteassem. Na Inglaterra, a principal reforma começou com o estatuto de 1949, criando Legal Aid and Advice Scheme, que foi confia-do à Law Society, associação nacional dos advogados. Esse esquema reconhe-cia a importância de não somente compensar os advogados particulares pelo aconselhamento (“aconselhamento jurídico”), senão ainda pela assistência nos processos (“assistência judiciária”). Essas tentativas eram limitadas de diversas maneiras, mas começaram o movimento para superar os anacrônicos semicari-tativos programas, típicos do laissez-faire11.

A assistência judiciária brasileira tem como origem legal as Ordenações Filipinas. Contudo, foi só a partir da promulgação da Constituição de 1934 que a expressão “assistência judiciária” apareceu pela primeira vez no texto consti-tucional e inserida no art. 113, nº 32, dentro do capítulo relativo aos “Direitos e Garantias Individuais”. Com esse artigo disposto no texto constitucional de 1934, o constituinte pretendeu garantir aos necessitados não só a assistência judiciária, mas também a justiça gratuita, ao dispensar o pagamento de emolu-mentos, custas, taxas e selos. Nesse sentido, é importante ressaltar a conside-ração feita por Pontes de Miranda na diferenciação da assistência judiciária e justiça gratuita:

O benefício da justiça gratuita é direito à dispensa provisória de despesas, exer-cível em relação jurídica processual, perante o juiz que promete a prestação jurisdicional. É instituto de direito pré-processual. A assistência judiciária é a organização estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da dispensa pro-visória das despesas, a indicação de advogado. É instituto de direito adminis-trativo.12

Com o advento da lei nº 1.060/1950, definiu-se como necessitado todo aquele “cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (art. 2º, parágrafo único). Na atual Constituição, de 1988, no título II, deno-

10 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 31-32.

11 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 33.

12 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, t. V, 1987. p. 642.

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minado “Direitos e Garantias Fundamentais da Pessoa Humana”, no capítulo I, denominado “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, no art. 5º, inciso 74, a assistência judiciária expressa-se da seguinte maneira: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Verifica-se que a nova Constituição trouxe uma nova nomenclatura à ter-minologia “assistência judiciária”, chamando-a agora de “assistência jurídica”. De fato, o campo de atuação da “assistência” não se delimita mais em função do atributo “judiciário”, mas passa a compreender tudo o que seja “jurídico”, é dizer, a assistência ultrapassa o juízo, não se contenta em ser “judiciária”; agora é jurídica, isto é, efetiva-se onde estiver o “Direito”. Ela também é “integral”, ou seja, não se esgota na parte, na unidade, mas visa a integrar seções e facetas de um todo, objetiva, em suma palavra, como bem assevera Pedro Armando Egydio de Carvalho, “coordenar os diversos grupos sociais desintegrados do conjunto por sua marginalização”. E “total” compreende a dispensa de paga-mentos e a prestação de serviços “não apenas na esfera judicial, mas em todo o campo dos atos jurídicos”, sempre o “gratuitamente”, vale dizer, sem qualquer ônus para o seu beneficiário13.

Além da garantia da assistência jurídica integral e gratuita disposta na Constituição de 1988, instituiu-se um órgão estatal encarregado da orientação jurídica e da defesa em todos os graus dos necessitados, chamada Defensoria Pública (art. 134 da CF/1988). Nesse sentido, com o intuito de garantir o con-traditório e a ampla defesa, preservando as bases democráticas do processo ju-risdicional brasileiro, é mister que se garanta a todas as pessoas que necessitem da assistência jurídica integral, com a necessária participação do advogado, público ou particular.

Não pode o Estado, diante de seu anacronismo, dispensar o advogado e espalhar a falácia de que isto permite um maior acesso das pessoas à justiça. Dispensar o advogado, público ou particular, é dispensar a discursividade do processo. E, se for verificada a ausência do contraditório e da ampla defesa, necessariamente o processo deverá ser anulado.

Contudo, não obstante a tudo isso e o alargamento de sentido que em-prestou a Constituição de 1988 ao tratamento do tema de que ora nos ocupa-mos, a verdade é que a assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficien-tes no Brasil ainda não passa de “solene promessa, cumprida em casos que ainda são poucos”, consoante bem observado por Cândido Rangel Dinamarco, apesar de não estarmos mal servidos de textos normativos a respeito. O pro-blema é que o panorama da realidade socioeconômico-cultural de nosso país projeta imagem antagônica aos textos constitucionais e legais inerentes ao tema em foco, fazendo com que, mais uma vez, aqui como alhures, prevaleça a velha

13 PINTO, Robson Flores. Hipossuficientes – Assistência jurídica na Constituição. São Paulo: LTr, 1997. p. 81.

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e conhecida contraposição entre o “país legal” e o “país real”14. Os dados do IPEA confirmam o que acabamos de dizer.

2.3 gestão da secRetaRia/caRtóRio

É fato! Trabalhar com o direito processual civil e o Judiciário sem a de-vida organização do Estado no intuito de promover ou executar o que está estabelecido em lei ou em sentença é de fundamental importância para o bom e regular andamento processual. O que vemos na realidade brasileira, no que tange à gestão da secretaria de juízo, é o verdadeiro caos. Não há sistemática, não há padrão de trabalho, não há regras, não há ordem de preferência, não há técnica administrativa. Isso revela o despreparo dos serventuários e do próprio Juízo diretor no que tange à organização cartorária.

Esse ponto também é bastante perceptível no Relatório IPEA. Segundo o relatório:

Pode-se afirmar que o critério de organização do trabalho nos três estados é bastante distinto. Em geral, no Amapá prevalecem estratégias de divisão do tra-balho que atribuem a um único servidor, ou a equipe de servidores, as respon-sabilidades integrais sobre todas as etapas de processamento de uma mesma ação. No Rio de Janeiro, prefere-se adotar uma estratégia de “linha de monta-gem”, atribuindo a cada servidor, ou equipe de servidores, a responsabilidade sobre uma atividade administrativa ou uma etapa do procedimento. Já no caso do Ceará, existe uma maior heterogeneidade, o que indica pouca preocupação do Poder Judiciário local com a criação de padrões organizacionais e procedi-mentais.

Outro elemento importante na gestão das secretarias/cartórios é o critério utili-zado para controlar o trabalho executado pelos servidores. Enquanto no Amapá todas as varas adotam um padrão de controle por prazos não vencidos, no Ceará 63% dos respondentes alegam que não há qualquer controle sobre o tra-balho. Já no Rio de Janeiro, em regra existem controles, mas que se encontram mais bem distribuídos entre as diferentes modalidades analisadas. De certa for-ma, o Amapá prefere adotar a estratégia de impulsionar igualmente todos os processos, obrigando a secretaria a movimentá-los a cada 15, 30 ou 60 dias, enquanto muitas varas fluminenses avançam no sentido de criar controles mais sofisticados, estabelecendo cotas de trabalho por servidor ou impondo metas de produtividade.15

Com tais constatações, verificamos que, infelizmente, os Juizados Espe-ciais Cíveis vivem o caos administrativo e de gestão cartorária. A ausência de sistemática e de padrões levam a uma verdadeira bizarrice procedimental, com andamentos e resoluções sem qualquer critério ou previsão legal. Isso significa

14 PINTO, Robson Flores. Hipossuficientes – Assistência jurídica na Constituição. São Paulo: LTr, 1997. p. 86.15 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível

em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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prejuízo, tanto para o cidadão quanto para o regular andamento processual e para a prestação jurisdicional, bem como para o próprio Estado, que recai em descrédito.

2.4 audiências

Segundo o Relatório do IPEA, foram analisadas as questões que envol-viam a realização de audiências de conciliação (exclusivamente), quanto as audiências de conciliação, instrução e julgamento (unas). Assim concluiu:

A partir dos relatos dos pesquisadores de campo, verificou-se que em audiên-cias unas o tempo destinado para tentativa de conciliação é bem menor em relação às audiências exclusivas de conciliação, instrução e julgamento; desse modo, o espaço para conciliar pode se ver prejudicado, acabando por priorizar a prolação da sentença pelo juiz.16

Com essa constatação, verificamos que a audiência realizada com o juiz e considerada como una tem trazido mais trabalho para o Judiciário do que efe-tivamente apenas a audiência de conciliação, realizada pelo conciliador (me-diador), que deixa às partes a responsabilidade pela composição. Com tal cons-tatação elaborada pelo IPEA, podemos afirmar, sem qualquer medo de errar, que os Magistrados dos Juizados Especiais não estão preparados para conduzir as conciliações, bem como estão contribuindo para que o litígio chegue ao seu fim com uma sentença não homologatória de acordo.

Outra questão que podemos ressaltar sobre os dados do IPEA, no que pertine às audiências, é justamente que a conciliação é umas das fortes tendên-cias do Judiciário brasileiro, mas, infelizmente, o que se verifica é a ausência de investimento nesse tipo de conduta por parte do Estado e dos servidores judiciá-rios. O Estado brasileiro gasta absurdos de dinheiro em campanhas publicitárias incentivando a prática da conciliação (vide: campanha “conciliar é legal”), mas poucos sabem conduzir um processo conciliatório, poucos possuem capacida-de para evitar o litígio. Segundo o Relatório do IPEA:

Aqueles que conduzem as audiências de conciliação no Amapá, que são prin-cipalmente servidores, receberam capacitação e treinamento para conduzi-las (78,95%). No Rio de Janeiro, apesar da grande predominância de conciliadores, apenas 50,55% de todos aqueles (incluindo conciliadores, juízes e servidores) que conduzem as audiências frequentaram cursos voltados para a prática da conciliação. Já no Ceará, onde se vê uma distribuição quase que idêntica entre conciliadores e servidores, só foram identificados 26% que frequentaram algum curso. Em relação à condução das audiências de instrução e julgamento, um

16 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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dado relevante é que no Rio de Janeiro 61,54% dessas audiências são conduzi-das por juízes leigos.17

O que infelizmente não restou claro nos dados do IPEA, e nem podia ser diferente, é que não foi feita uma análise sobre a qualidade dos serviços con-ciliatórios que estão sendo prestados pelos conciliadores (mediadores) e pelos juízes. Se a constatação do IPEA é de uma ausência de preparo dos funcionários dos Juizados, isso reflete claramente na qualidade dos acordos, que muitas das vezes são influenciados e levados a erros por premissas e falsas argumentações que, não realizadas, não se verificam. Ou seja, o discurso desenvolvido na con-ciliação é um discurso que aproveita a fragilidade e a carência intelectual das partes para que se possa impor um pensamento ou uma posição dominante, eli-tista, sem que as partes efetivamente tenham direito a uma conciliação efetiva.

Isto é ainda mais visível quando a audiência de conciliação é desenvol-vida pelo juiz, no qual, ele, de forma quase que direta, informa às partes, em quase um pré-julgamento, o que acha melhor para a composição, sempre des-contentando uma das partes, que acaba optando pela sentença, sem compor, pois prefere arriscar eventual decisão desfavorável, e buscar a reversão num futuro recurso. Esse tipo de argumentação, colocado em mesa pelo Magistrado, não só inviabiliza qualquer tipo de liberdade conciliatória, como também mos-tra que ela não foi feita em bases democráticas.

2.5 Juiz

Outra análise feita pelo IPEA foi justamente a respeito da escolaridade dos juízes que compõem seus quadros. Isso reflete qual o tipo de preocupa-ção que os Magistrados estão dando para sua formação continuada, após a sua aprovação em concurso público. Infelizmente, os resultados são temerários e mostram o profundo afastamento entre os Magistrados e os bancos universitá-rios e com o compromisso com a reflexão jurídica e com a criticidade. Segundo o relatório:

Em relação à escolaridade, nos três estados a maioria absoluta dos Magistrados que responderam a pesquisa não possui graduação em outra área além do Di-reito – no Amapá, 89,47%, e no Ceará e no Rio de Janeiro, 88,89% dos casos. No entanto, é relevante observar que nos três estados uma parcela significativa dos Magistrados que responderam a pesquisa possuem títulos em nível de pós--graduação, sobretudo especialização – sendo 52,63% no Amapá, 57,58% no Ceará e 26,67% no Rio de Janeiro. É importante ressaltar também que no Rio de Janeiro 17,78% dos Magistrados possuem mestrado.18

17 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

18 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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O IPEA deixou de pesquisar se tais pós-graduações foram feitas por insti-tuições sérias, pois o que temos visto na prática é justamente a proliferação de cursos de especialização, sem nenhuma qualidade, com o objetivo exclusivo de proporcionar aos alunos apenas o diploma e um acréscimo na remuneração. Informar que muitos juízes têm pós-graduação não significa muito, pois seria melhor medir em quais tipos de pós-graduação o aluno-Magistrado tem fre-quentado. Isso traz uma repercussão direta na qualidade do trabalhado que ele desempenha processualmente falando.

No que tange ao número de Magistrados com mestrado, que é justamen-te o curso que lhe permite a superação do tecnicismo para a reflexão jurídica crítica, verificamos que o número é muito baixo. Isso tem uma consequência: o discurso jurídico no Juizado Especial Cível e suas reflexões jurídicas são extre-mamente pobres. Claro, isso reflete nos fundamentos decisionais dos Juizados Especiais Cíveis.

É importante concluir nosso pensamento informando que as causas dos Juizados Especiais Cíveis são de menor complexidade, mas não é aceitável que seja desenvolvido discurso jurídico sem complexidade, pois o ato de pensar é um ato complexo e não pode sucumbir ao automatismo ou à reprodução de decisões em massa sem a devida reflexão.

Deixemos claro que o IPEA preocupou-se apenas com os dados obje-tivos; o que estamos fazendo nesse texto é justamente modificar um pouco a visão do relatório, permitindo ao leitor que tenha uma visão do Juizado Especial do ponto de vista crítico e com as reflexões necessárias sobre o seu funciona-mento.

2.6 pRocessaMento dos feitos

Verifica-se que o estoque processual médio dos Juizados Especiais Cíveis das varas presentes na amostra, tendo como referência o mês de novembro de 2011, foi de 1.524 processos no Amapá, 851 no Ceará e 6.689 no Rio de Janeiro19.

Segundo o Relatório do IPEA, os pedidos formulados nos autos pelas par-tes divergem de Estado para Estado: no Rio de Janeiro, predomina “indenização por dano extrapatrimonial”, com 58,68% de ocorrência, enquanto no Ceará destacam-se os pedidos por “condenação em obrigação de fazer/não fazer”, e no Amapá por “execução de título extrajudicial”.

Em relação ao tipo de conflito, nos três estados prevalecem as relações consu-meristas; no entanto, quando especificamos esse tipo de relação, nos estados do Rio de Janeiro e do Ceará, a ênfase recai sobre as relações entre clientes e

19 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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prestadores de serviços de telecomunicações, de energia elétrica e do sistema fi-nanceiro. No Amapá, as causas relacionadas a consumo intensificam-se no que tange ao comércio de varejo.20

A constatação do IPEA é simples e não pode ser escondida. Quem mais ocupa o Juizado Especial Cível, com causas simples, são justamente as empre-sas de telefonia, de energia elétrica e os bancos. Esses três grupos de pessoas estão contribuindo para a ineficiência do Juizado Especial em inúmeras ques-tões, principalmente no que tange ao avolumado número de processos que eles geram. A explicação para isso é justamente a de que as agências reguladoras dos setores bancários (Banco Central), de telefonia (Anatel) e de energia elétri-ca (Aneel) não estão fiscalizando no modo devido, obrigando o consumidor a ter que recorrer a todo o momento, pelos mesmos motivos, ao Judiciário. Se o Estado tivesse organização e tomasse atitude rápida no objetivo de coibir lesões jurídicas ao cidadão, talvez isso contribuísse para evitar o vultoso número de processos desses grupos de pessoas citadas acima.

Além disso, destacamos a ineficiência e a atuação discreta dos Procons (órgãos de proteção aos consumidores), que deixam de agir de forma efetiva, aplicando multas, e não coibindo a reiteração de práticas abusivas pelas entida-des de fornecimento de serviços e produtos.

A conclusão que tiramos desse dado do IPEA é uma só: o que falta no Es-tado brasileiro não são leis, nem órgãos fiscalizadores; o que falta é justamente organização e integração em todos os níveis do Estado – Executivo e Judiciário – para coibir o descumprimento da legislação, seja ela qual for. A falta de atua-ção do Executivo leva ao vultoso número de procedimentos judiciais vistos nos Juizados Especiais Cíveis.

2.7 autoR

Segundo o Relatório do IPEA, a predominância de autores, nos Juizados Especiais, são de “pessoas físicas” em todos os estados, sobretudo no Rio de Ja-neiro (com 97,11%). O Amapá e o Ceará apresentam, respectivamente, 17,86% e 19,27% de processos em que as partes autoras são “pessoas jurídicas”21.

No que diz respeito à representação legal (participação do advogado) do autor, existe grande divergência entre os três estados. No Amapá, a maior parte dos autores não recorre a nenhum tipo de representação legal (60%), no Ceará as ações dividem-se em ações com advogados particulares (48,62%) e

20 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

21 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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sem representantes legais (44,04%); já no Rio de Janeiro, predominam as ações em que o autor se faz representar por advogado particular (78,42%)22.

Mas o absurdo fica para a informação do IPEA quanto à participação da defensoria pública no Juizado Especial Cível. Segundo o relatório: “É a grande ausência da defensoria pública na representação legal dos autores, presente em menos de 2% das ações23”.

Nossa posição sobre a participação do advogado no Juizado Especial Cí-vel é conhecida e já defendida há muito. Na verdade, ao dispensar o advogado, estamos dispensando o contraditório e a ampla defesa. Nessa perspectiva, não podemos aceitar que a resolução de conflitos e a efetivação de direitos na socie-dade contemporânea fiquem à mercê de uma jurisdição salvadora, que profere suas decisões fundamentadas na equidade e na conveniência24.

O ato de decidir, no Estado Democrático de Direito, não pode e não deve ter o juiz como centro da prestação da tutela jurisdicional, como querem os autores da escola instrumentalista do processo. O juiz é apenas mais um componente necessário à efetiva atividade jurisdicional, mas não o único e não o principal. As partes, os membros do ministério público e os advogados são responsáveis, também, pela prestação da tutela jurisdicional. Nota-se por aí que há um deslocamento do centro da prestação da tutela jurisdicional do juiz para o processo. A participação em simétrica paridade, garantindo o contraditório, a ampla defesa e a isonomia, asseguram às partes, ao Ministério Público, aos advogados e ao juiz a efetiva prestação da tutela jurisdicional.

O processo democrático da criação do direito constitui a única fonte pós--metafísica da legitimidade, possibilita a livre flutuação de temas e de contribui-ções, de informações e de argumentos, assegura um caráter discursivo à forma-ção política da vontade, fundamentada, deste modo, a suposição falibilista de que os resultados obtidos com esse procedimento são mais ou menos racionais. As ordens jurídicas modernas extraem sua legitimação da ideia de autodeter-

22 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

23 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

24 Cf. Rosemiro Pereira Leal: “Seria um retorno a Bülow, numa reafirmação ampliada da arcaica teoria do processo como relação jurídica, imaginar, como ainda querem os instrumentalistas de hoje, que o processo constitucional seja instrumento de uma jurisdição constitucional exercida pelo juiz como justiceiro-controlador da constitucionalidade (tribunais constitucionais), porque, nas democracias, a jurisdição é o conjunto de conteúdos jurídicos (materiais-processuais) assegurados pelo devido processo constitucionalizado na criação, recriação, definição, interpretação e aplicação das leis por todos os agentes legitimados no recinto da sociedade jurídico-político democrática de direito. A jurisdição não é a atividade jurídico-resolutiva e pessoal do juiz ou dos agentes do Estado, mas o próprio conteúdo da lei conduzido por aqueles agentes indicados na lei democrática” (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo – Estudos preliminares. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 73).

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minação, pois as pessoas devem poder se entender a qualquer momento como autoras do direito, ao qual estão submetidas como destinatárias25.

Assim, a legitimidade das decisões jurídicas aponta no sentido do proces-so – este entendido como

necessária instituição constitucionalizada que pela principiologia do instituto do devido processo legal converte-se em direito garantia impostergável e repre-sentativo de conquistas históricas da humanidade na luta secular empreendida contra a tirania, como referente constitucional lógico-jurídico, de interferência expansiva e fecunda, na regência axial das estruturas procedimentais nos seg-mentos da administração, legislação e jurisdição.26

Nesse sentido, “tanto mais legítimo será o Direito quanto mais preservar o espaço de liberdade privada”27. A decisão jurídica deixa de ser verticalizada e heterônoma para ser horizontal e autônoma, no sentido de que são as partes, os advogados, o ministério público e o juiz em simétrica paridade de participação é que constroem a legítima decisão judicial.

É o advogado, nesse paradigma, agente garantidor da legitimidade da decisão judicial, uma vez que é o juridicamente capaz de estabelecer um diá-logo técnico-jurídico que permite a construção do provimento em simétrica paridade, garantindo o contraditório e a ampla defesa, bem como um controle da jurisdição, nos procedimentos litigiosos ou não, pouco importando o valor atribuído à causa. Deixou o advogado de ser a excrescência por alguns ou a simples facção litigante encarada na sua parcialidade obrigatória como elemen-to perturbador da veneranda serenidade do juízo. É ele, agora, o próprio juízo, numa das suas justaposições essenciais e impreteríveis, compondo e contra-pondo, com o outro causídico que se lhe defronta, não apenas o contraditório processual, mas a própria jurisdição do Estado, que, sem ele, e só com o Ma-gistrado, não seria a justiça, mas o arbítrio despótico e prepotente ou o dogma distribuído como mercê paternalista aos válidos ou favoritos das simpatias e inclinações pessoais do poder unipessoal judicante28.

Nesse sentido, a modelagem contemporânea da função do advogado no paradigma democrático deve ganhar novos contornos. Não é ele mais um pedinte de atividade jurisdicional. Quem é indispensável à administração da justiça não precisa pedir nada. O advogado não pede. Advoga. O pedinte, seja de que categoria for, é sempre um subordinado; quando não, um subserviente.

25 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, v. I, 1997. p. 308-309.

26 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 82.27 MOREIRA, Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

p. 144.28 A respeito, Calmon de Passos (Advocacia: o direito de recorrer à justiça), na VI Conferência da OAB, em 1976,

realizada na Bahia, já assegurava que: “Cercear o advogado é cercear o cidadão. Limitar as prerrogativas do advogado é limitar as prerrogativas do cidadão. Constrangê-lo é constranger aquele”.

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Este, com certeza, não é o papel do advogado29. O advogado é elemento ga-rantidor do efetivo exercício do direito ao contraditório e da ampla defesa na estruturação dos procedimentos jurisdicionais, sejam eles ordinários, sumários, especiais ou extravagantes, bem como na realização da prestação da atividade jurisdicional.

Sem o advogado, a construção da decisão judicial se constitui em ato ilegítimo, pela falta de suporte constitucional, conforme estabelece o art. 133 e art. 1º da CR/1988, que revela a opção do Estado brasileiro pelo paradigma democrático de direito. Nesse sentido, concluímos afirmando que o advogado, no Estado Democrático de Direito, é agente garantidor da democracia, da cida-dania e da soberania, bem como dos direitos fundamentais.

É inadmissível que os Juizados Especiais Cíveis permitam a ausência de advogados sobre o falso pretexto de aproximação dos cidadãos da “justiça”. O que se verifica na prática é justamente o contrário, que a ausência do advogado contribui para a tirania e para a antidemocracia.

Terminamos esse tópico afirmando que

nos processos (penal, trabalhista, civil) qualquer do povo que estiver participan-do da relação processual (parte) tem de estar representado por advogado frente ao Estado, representação que significa direito de cidadania das pessoas, sendo esta a recomendação constitucional que o misoneísmo e a má-vontade interpre-tativa dos juízes e tribunais brasileiros, infelizmente, pela sua esmagadora maio-ria, fazem com que seja ignorada. A presença do advogado, no ato estatal de julgar, somente possível em processo constitucionalizado, não é superfluidade, mas necessidade da parte, em razão do cada vez mais acentuado tecnicismo jurídico que disciplina as relações do Estado com os indivíduos, sendo esta a razão da obrigatoriedade imposta no art. 133 da Carta Magna.30

2.8 Réu

Quanto à participação do réu e sua configuração nos Juizados Especiais Cíveis, constatou o IPEA o seguinte:

No estado do Amapá, em 63,46% dos autos, o requerido é constituído por pes-soa física. Uma hipótese possível é a da proeminência das relações de consu-mo no varejo e daqueles que trabalham de maneira informal não constituindo “pessoa jurídica” nas relações consumeristas. No Ceará, a proporção encontra--se em grande medida equilibrada, constando nos nossos dados coletados um percentual de 47,71 para pessoas jurídicas e de 51,07 para pessoas físicas. Já no Rio de Janeiro, a grande maioria dos requeridos é constituída por “pessoas jurídicas”, em 94,47% dos processos selecionados da amostra. Essa informação pode apontar o perfil dos requeridos no Rio de Janeiro, constituídos primordial-

29 SARAIVA, Paulo Lopo. O advogado não pede. Advoga. Campinas: Edicamp, 2002. p. 51-52.30 DIAS, Ronaldo Brêtas C. Direito ao advogado. Revista Jurídica Consulex, a. VII, n. 150, 15 abr. 2003.

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mente por empresas, sobretudo aquelas que ofertam serviços, como telefonia, energia elétrica, entre outras.31

Como dito anteriormente, a característica dos requeridos (réus) é em ra-zão da falta de organização estatal, na medida de aglutinar esforços comuns no objetivo de coibir, em todas as frentes, os abusos e as ilegalidades cometidos pelas principais empresas do Brasil, nos setores de energia elétrica, bancos e te-lefonia. A falta de gestão executiva contribui para o aumento de procedimentos judiciais e impera ainda mais os Juizados Especiais Cíveis.

2.9 sentença

A busca pelo amplo e irrestrito “acesso à justiça”, no Estado Democráti-co de Direito, deve ser analisada tanto pela quantidade quanto pela qualidade dessas decisões.

O IPEA apenas verificou os dados sobre números de sentenças terminati-vas e definitivas, sem, contudo, atentar para a qualidade desse processo e para a formação do processo de tomada de decisão. Vejamos.

Em relação ao teor da sentença, é interessante notar a significativa pre-sença, nos três Estados (Amapá, Ceará e Rio de Janeiro) estudados, de sentenças homologatórias de acordo, o que pode ser considerado como uma preocupa-ção com a fase conciliatória. No entanto, a partir dos relatos dos pesquisadores de campo do Ceará, podemos constatar que nesse estado, devido ao grande número de remarcações das audiências de instrução e julgamento, a parte aca-ba aceitando o acordo, pois na maioria dos casos é a única possibilidade de resolução do conflito. A partir dos dados coletados em campo, no mês de refe-rência (novembro de 2011), foram realizadas em média apenas 14 audiências de instrução e julgamento no Ceará, contra uma média de 66 no Amapá e 237 no Rio de Janeiro32.

Uma questão frequente, no debate sobre os juizados especiais cíveis, diz respeito a uma grande incidência de pedidos de indenização por dano extrapa-trimonial, que poderia ser indicativa de uma “indústria do dano moral”. Os da-dos coletados nessa pesquisa não permitem avançar nessa direção. O número de decisões nas quais há condenação ao pagamento de danos extrapatrimoniais não é significativo, especialmente no Amapá (25,32%) e no Ceará (7,54%), mas significativo no Rio de Janeiro (66,35%). Na verdade, caso a hipótese da ins-trumentalização dos indenizações por danos extrapatrimoniais se confirmasse,

31 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

32 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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deveria haver maior incidência de pedidos nos Estados do Amapá e do Ceará do que no Rio de Janeiro, e não o inverso, conforme pode ser constatado33.

Não foi objeto de análise pelo IPEA, e nem podia ser diferente, a análise sobre a qualidade das decisões dos Juizados Especiais Cíveis. Aqui, infelizmen-te, nossa impressão é que o Juizado dá uma contribuição para a tirania e presta um desserviço à democracia. Isso pode chocar os mais apaixonados pelo proce-dimento “sumaríssimo” do Juizado, mas explicamos nossa posição, e nos colo-camos abertos à qualquer eventual crítica que se fizer necessária pelos leitores.

O processo de tomada de decisão justa, no paradigma democrático, deve se pautar pelo procedimento discursivo, participativo, que garanta a geração de decisão participativa. Diante disso, decisão legítima e não mais decisão justa, no Estado Democrático de Direito, não pode e não deve ter o juiz como centro da prestação da tutela jurisdicional, como querem os autores da escola instru-mentalista do processo. O juiz é apenas mais um componente necessário à efetiva prestação jurisdicional, mas não o único e não o principal. As partes, os membros do ministério público e os advogados são responsáveis, também, pela prestação da tutela jurisdicional. A partir daí, há um deslocamento do centro da prestação da tutela jurisdicional do juiz para o processo. A participação em simétrica paridade, garantindo o contraditório, a ampla defesa e a isonomia é que asseguram às partes, ao Ministério Público, aos advogados e ao juiz a efeti-va prestação da tutela jurisdicional.

O que garante a legitimidade da formação da decisão jurídica, além da observância do contraditório e da ampla defesa, é a observância do princípio da fundamentação das decisões judiciais. Fundamentar significa indicar as razões jurídicas pelas quais uma decisão foi tomada em detrimento de outra. Adverte Ronaldo Brêtas que:

Esta justificação, porém, não pode ser abstrata, desordenada, desvairada, iló-gica, irracional ou arbitrária, formulada no influxo das ideologias, do particu-lar sentimento jurídico ou das convicções pessoais do agente público julgador, porque ele não está sozinho no processo, não é seu centro de gravidade e não possui o monopólio do saber34. A justificação se faz dentro de um conteúdo es-

33 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

34 Algumas dessas “ideologias” surgem cogitadas em doutrinas prestigiadas. Por exemplo, preconiza-se, no ato estatal de julgar, a interferência das “convicções sociopolíticas do juiz, que hão de refletir as aspirações da própria sociedade” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: RT, 1987. p. 274). Também, na motivação da sentença, muitas vezes, cogita-se da influência de um “oculto sentimento” do juiz, qual seja, “simpatia, antipatia, desinteresse por uma questão ou argumentação jurídica”, “todas as variações dessa realidade misteriosa, maravilhosa e terrível que é o espírito humano”, refletidas nos repertórios de jurisprudência (CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologias, sociedad. Trad. Santiago Sentis Melendo y Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974. p. 3-5). Entretanto, o entrelaçamento técnico dos princípios da reserva legal, do contraditório e da fundamentação, que se dá pela garantia do processo constitucional, tolhe a nefasta intromissão dessas “ideologias” no ato estatal de julgar, ultimamente em voga, eis que repudiadas pela configuração jurídico-fundamental do Estado Democrático de Direito, princípio ao qual a função jurisdicional está sempre vinculada. Daí a lição proficiente de Rosemiro Pereira Leal: “A reserva legal, como referente lógico-jurídico da legitimidade jurisdicional, erigiu-se em princípio constitucional

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trutural normativo que as normas processuais impõem à decisão, em forma tal que o julgador lhe dê motivação racional sob a prevalência do ordenamento ju-rídico e indique a legitimidade das escolhas adotadas, em decorrência da obri-gatória análise dos argumentos desenvolvidos pelas partes, em contraditório, em torno das questões de fato e de direito sobre as quais estabeleceram discussão. Portanto, a fundamentação da decisão jurisdicional será o resultado lógico da atividade procedimental realizada mediante os argumentos produzidos em con-traditório pelas partes, que suportarão seus efeitos.35

Haverá ilegalidade ou inconstitucionalidade da decisão jurídica se órgão julgador do Estado desconhecer essas premissas, que, sob rigor técnico, não será pronunciamento jurisdicional, via de consequência, tratando-se de decisão absolutamente nula, eis que os efeitos da declaração de inconstitucionalida-de de lei ou de qualquer ato do Estado, sobretudo ato decisório no processo, adentram no campo das nulidades36. Decisão legítima tem como pressuposto um processo legítimo, que realize a função socialmente integradora da ordem jurídica e a pretensão de legitimidade do direito, cumprindo simultaneamente atender às condições de uma decisão consistente e da aceitabilidade racional, devendo a aplicação da norma jurídica ao caso concreto ser buscada discursi-vamente.

Infelizmente, o IPEA não pode analisar esse dado subjetivo, mas o que temos nos Juizados Especiais são decisões tendentes à ilegitimidade decisional, pela simples constatação técnica de ausência de advogado, de ausência de de-fensores, por ausência de ampla defesa, e o pior: por ausência de infraestrutura necessária para que a decisão seja formada em bases democráticas e com a qualidade desejada pelos cidadãos brasileiros.

2.10 RecuRso

Em relação aos recursos, é importante ressaltar que, em regra, as ações que tramitamos juizados especiais cíveis, nos três estados, são resolvidas na justiça de 1º grau. A quantidade de recursos apresentados pelas partes é baixa: 0,55% no Amapá, 1,53% no Ceará e 3,68% no Rio de janeiro, há pedido de embargo declaratório; em 0,31% no Ceará e 0,53% no Rio de Janeiro, há pro-

de racionalidade na prolatação das decisões judiciais, o que torna imprescindível a fundamentação do ato jurisdicional em leis que lhe sejam procedentes” (Teoria geral do processo: primeiros estudos. 3. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 110). Endossamos essa posição doutrinária, porque as partes, no processo, têm o direito de obter do Estado um provimento conforme o ordenamento jurídico vigente. Logo, a sentença tem de indicar com precisão as normas jurídicas (regras e princípios) que lhe serviram de base à fundamentação. Nessa linha de pensamento, poder-se-ia até mesmo sustentar a incidência do princípio da precisão (ou determinabilidade) das normas jurídicas, a informar a segurança jurídica do ato estatal de julgar.

35 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 146-147.

36 BATTAGLINI, M.; NOVELLI, T. Códice di procedura civile e leggi complementari con il commento della giurisprudenza della Cassazione. 7. ed. Millanno: Giuffrè, 1985. p. 132; GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades no processo. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 115.

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positura de recurso extraordinário, o que não aparece em nenhuma das ações do Amapá. Entretanto, percebe-se um ligeiro aumento no Amapá e no Ceará na incidência desses instrumentos quando analisados os recursos inominados (4,67% e 4,59% respectivamente), que se torna muito significativo no Rio de Janeiro 18,95%37.

É relevante ressaltar que, nos três estados, a interposição de recursos teve resultados negativos para as partes, no que diz respeito à alteração do resultado final, já que 37,04% dos processos analisados no Ceará tiveram suas sentenças reformadas por instâncias superiores, 22,22% no Amapá e 16,19% no Rio de Janeiro38.

Mais uma vez, percebemos que os resultados do IPEA são alarmantes. A ausência de recursos se dá em muitos casos pela absoluta falta de condições técnicas dos cidadãos em perceber quando é possível a sua interposição, bem como por apenas descobrir que, após a decisão, para se recorrer, é necessário que se contrate advogado e que se paguem as custas judiciais de primeiro grau, quanto o preparo. Isso significa, em poucas palavras, que, se o Juizado Especial é isento de pagamento de custas em primeiro grau de jurisdição, no segundo grau, ele é pago e ainda temos que contratar advogado, o que, em muitos casos, desanima o cidadão a impugnar a decisão equivocadamente prolatada.

Por outro lado, os custos com a contratação de advogado e a ausência de uma defensoria pública com serviços de qualidade também são fatores que impedem a interposição de recurso nos Juizados Especiais.

Agora, o que mais impressiona, na constatação do IPEA, quanto aos re-cursos, é justamente o fator de que poucas decisões são reformadas. Isso pode querer informar que as decisões prolatadas pelos Juizados Especiais e seus Ma-gistrados são decisões ausentes de erros e que quase nunca devem ser modi-ficadas. Ou seja, fica parecendo que os Magistrados dos Juizados são pessoas isentas de equívocos ou erros judiciários, o que, de fato, não podemos acreditar. O que verificamos é que os recursos não se prestam a modificar as decisões de primeiro grau nos Juizados Especiais justamente pelo simples fato de que a ins-trução, conduzida pelo Magistrado e sem a participação do advogado, impede que se possa, em grau de recurso, sustentar tese contrária à que foi exposta pela sentença. Em outras palavras, a ausência de contraditório efetivo e ampla defesa pelas partes, bem como a participação apenas do Magistrado nas audiências de instrução e julgamento, contribuem para a manutenção de sentenças, que não podem ser modificadas em segundo grau de jurisdição pelas Turmas Recursais, por absoluta falta de embasamento probatório e argumentativo. O que se deixa

37 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

38 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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de argumentar e provar em primeiro grau acaba impedindo a reforma da deci-são em segundo grau.

2.11 cuMpRiMento das sentenças

Do ponto de vista do autor, a vitória na ação judicial não se completa, se não houver o cumprimento da sentença. Percebe-se que o cumprimento espon-tâneo da sentença é a regra, tanto no Amapá quanto no Ceará, mas que no Rio de Janeiro faz-se necessária, quase sempre, a execução judicial. Entretanto, é de se ressaltar que, tanto no Amapá quanto no Rio de Janeiro, a taxa de sucesso dos procedimentos executórios é bastante alta. Já no Ceará, quase um quinto das sentenças não é executada39.

Segundo o Relatório do IPEA, considerando-se o tempo médio entre a petição inicial apresentada pela parte e o encerramento do processo, efetuado pela baixa, tem-se que em média no Amapá esse tempo é de 417 dias, no Ceará 470 dias e no Rio de Janeiro 316 dias. No entanto, ao analisarmos o tempo de tramitação apenas das ações com resolução de mérito, esses tempo aumenta consideravelmente, chegando a 1.869 dias no Ceará, 1.365 dias no Amapá e 1.296 dias no Rio de Janeiro, e uma análise mais aprofundada desses dados pode expressar a falta de efetividade dos juizados especiais cíveis, como meca-nismos de celeridade e garantia dos direitos40.

Assim, ficamos com os dados, que falam por si; entre o ajuizamento da ação judicial e o cumprimento de sentença, com atos executórios, demora-se mais de cinco anos no Ceará, mais quatro anos no Amapá e no Rio de Janeiro. Nesse sentido, pensar em causas de maior complexidade e numa demora de mais de quatro anos para poder obter, de modo forçado, o cumprimento da obrigação, e chegar à conclusão de que os Juizados Especiais possuem o mes-mo problema dos procedimentos comuns, quais sejam, que chegar à sentença não é o difícil, mas sim o problema está na materialização desse direito, com o adimplemento da obrigação, uma vez que temos a percepção de que o Estado brasileiro não possui pessoal suficiente e preparado para possibilitar a busca de bens passíveis de penhora e execução. O vício, tanto nos Juizados Especiais quanto no Judiciário comum, é o mesmo, qual seja, a falta de estrutura técnica e pessoal qualificado que possa contribuir para a persecução patrimonial prevista no art. 591 do Código de Processo Civil. Isso, em poucas palavras, significa di-zer de que nada adianta ser célere, do ponto de vista de prolatar uma sentença rápida, se o problema do Judiciário está no processo de execução e no cum-primento de sentença, com a realização do direito posto no comando judicial.

39 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

40 Síntese de dados do Diagnóstico sobre os Juizados Especiais Cíveis – Relatório Descritivo. 2013. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-juizado-especial-civel.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

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CONCLUSÕES

Diante dos dados apresentados pelo IPEA e pelas críticas que apresenta-mos, podemos concluir duas coisas.

A primeira é que os Juizados Especiais Cíveis contribuem sobremaneira para a realização da prestação jurisdicional, mas somente quando as partes, de livre e espontânea vontade, transigem.

A imposição de conciliação, a ausência do advogado, a tirania dos Ma-gistrados, que conduzem instruções do modo que entendem, sem que ninguém possa evitar ou corrigir os prejuízos, contribuem, sobremaneira, para a manu-tenção de sentenças inconstitucionais, do ponto de vista de garantia dos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como do devido pro-cesso constitucional.

A segunda constatação que podemos perceber pelos dados do IPEA é que os Juizados Especiais Cíveis, em razão de sua falta de estrutura organizacio-nal, especialmente pelo fato de o Estado brasileiro ser mal organizado, deses-truturado e sem nenhuma atuação de forma integrada com o Executivo ou o Le-gislativo, leva-os a uma sobrecarga desnecessária, que contribui para o vultoso número de processos que entre a petição inicial e o cumprimento da sentença, permitindo a verificação de um prazo não razoável de quatro anos de espera.

Entretanto, a ideia de simplificar o processo de maneira a retirar dele os elementos essenciais de garantia de participação das partes em simétrica paridade na busca de uma suposta efetividade processual caracteriza o Estado do Bem-Estar Social e já não é mais compatível com o direito democrático con-temporâneo. A finalidade do processo, no Estado Democrático de Direito, não é proporcionar igualdade para os iguais e desigualdade para os desiguais, assim como também não é proporcionar tão somente a realização do direito material. Pensar de tal forma significa regredir aos ideais dos modelos de Estado Liberal e Estados Sociais de Direito. A finalidade do processo hoje é proporcionar a efe-tiva participação dos interessados na construção do provimento final, de forma que eles se sintam coautores dele.

O procedimento do Juizado Especial Cível foi fixado em razão do valor do direito material discutido (causas inferiores a quarenta salários-mínimos). No Estado Democrático de Direito, a situação do direito material pleiteado não pode ser medida de determinação de como se dará o procedimento. O Estado deve apreciar toda e qualquer lesão ou ameaça de direito, e essa atuação juris-dicional deve estar subordinada à garantia do processo como procedimento em contraditório, como é estabelecido em sede constitucional, independentemente do valor econômico da causa ou das condições sociais dos litigantes. A garantia do contraditório deve ser respeitada seja qual for o tipo de causa que está sendo apreciada. A “justiça da decisão”, no Estado Democrático de Direito, só pode ser discutida na medida em que a decisão tem por base aquilo que foi alegado e

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provado no processo, por meio do exercício do contraditório. Não é mais con-cebível discutir ideais de justiça a partir das condições das partes e da sensibili-dade do julgador diante da lacuna da lei e de determinadas causas especiais41.

A concepção de acesso à justiça adotada nos Juizados Especiais de cunho essencialmente instrumentalista pretende tornar o processo um instru-mento para a realização do direito material, mais célere e eficiente, atribuindo escopos sociais, jurídicos e sociológicos, colocando a jurisdição como ativida-de preponderante em detrimento do processo e das garantias processuais do contraditório, da ampla defesa e da isonomia42. No Estado Democrático de Di-reito, a jurisdição legitima-se por estar subordinada aos princípios que garantem a efetiva participação das partes em sua construção em simétrica paridade (con-traditório, ampla defesa, isonomia). Assim, só podemos dizer que houve um efetivo acesso à justiça, no Estado Democrático de Direito, quando a sentença é emanada com base em tudo aquilo que foi discutido por meio do debate que o contraditório proporciona ao processo.

Vemos, assim, que o procedimento dos Juizados Especiais retira das par-tes garantias essenciais à sua defesa em nome da celeridade e efetividade pro-cessual. A CRFB, ao estabelecer a criação dos Juizados Especiais (art. 98, I), não autoriza a relativização das garantias do contraditório e da ampla defesa. Qual-quer norma infraconstitucional que viole o princípio do contraditório é, em nosso ordenamento, inconstitucional. Quando se estabelece um procedimento que limita a possibilidade de defesa para as pequenas causas, na verdade, o que ocorre é a negação da importância delas. Não pode mais ser admitido que apenas pelo pequeno valor econômico da causa ela seja julgada sem a devida aplicação do processo com todas as garantias fundamentais a ele inerentes.

Em suma, os Juizados Especiais não têm proporcionado um efetivo “aces-so à justiça”, quando este é encarado em termos qualitativos e na perspectiva de um Estado Democrático de Direito. As decisões proferidas nos referidos tri-

41 Cf. Aroldo Plínio Gonçalves. “Entre o processo e a situação de direito material, já não se concebe uma relação de necessidade lógica, e, em consequência, a existência dessa situação não é medida de utilidade do processo. Ao Judiciário incumbe apreciar lesão ou ameaça a direito, para deferir ou rejeitar as medidas requeridas, e essa função já não se cumpre pelo prévio controle da existência da lesão ou ameaça. Entre o ato de apreciação, o objeto da apreciação e o resultado da apreciação, há diferenças manifestas. [...] O processo, como procedimento realizado em contraditório entre as partes, cumprirá sua finalidade garantindo a emanação de uma sentença participada. Os seus destinatários já não precisam recear pelas preferências ideológicas dos juízes, porque, participando do iter da formação do ato final, terão sua dignidade e sua liberdade reconhecidas e poderão compreender que um direito é assegurado, uma condenação é imposta, ou um pretenso direito é negado não em nome de quaisquer nomes, mas apenas em nome do Direito, construído pela própria sociedade ou que tenha sua existência por ela consentida” (GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 21.3).

42 Cf. Rosemiro Pereira Leal: “Os instrumentalistas entendem expressamente que, ‘tratando-se de fenômeno sociológico, a legitimidade manifesta-se na aceitação geral do poder pela população’, numa visão luhmanniana de que, não insurgindo a população ou os interessados contra a decisão, esta seria democraticamente justa e legítima. Na democracia dos instrumentalistas, não haveria decisões confractuais ao atendimento da condicionalidade constitucional democrática, mas poderiam eventualmente ocorrer para se adequarem ao fenômeno sociológico dos escopos metajurídicos” (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002. p. 128).

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bunais especiais são dadas de forma aristocrática, não sendo permitida a efe-tiva participação das partes em contraditório. A nossa crítica se estabelece no sentido de que não basta a busca pela efetividade e celeridade processuais, mas, além disso, um processo em contraditório que proporcione aos seus in-teressados uma participação efetiva na formação do provimento final. Se os números do IPEA estão corretos, e se as críticas desenvolvidas servirem para alguma coisa, o melhor a fazer é romper com a prática processual limitadora do contraditório em nome da celeridade a qualquer preço, pois os resultados, em uma próxima avaliação pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas, poderão ser ainda pior, indicando a falência de um instrumento que foi criado para desenvolver a cidadania e o acesso à justiça.

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Parte Geral – Doutrina

A Relativização da Publicidade dos Atos Processuais Praticados por Via Eletrônica

ADRIANE MEDIANEIRA TOALDOMestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul/RS – Unisc, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo Instituto Ritter dos Reis – Canoas/RS, Professora de Direito Proces-sual Civil na Universidade Luterana do Brasil – Ulbra (Campus Santa Maria), Advogada.

OSMAR RODRIGUESBacharel em Direito, Graduado na Universidade Luterana do Brasil, Campus Santa Maria/RS.

RESUMO: O presente estudo analisa a possibilidade de existência ou não de violação da garantia constitucional da intimidade por meio da publicidade dos atos processuais praticados por meio ele-trônico, introduzido na legislação brasileira pela Lei nº 11.419/2006, em face de valores previstos constitucionalmente, sobretudo aquele referente à intimidade das pessoas. Abordam-se, assim, as verdadeiras e aplicáveis vantagens e desvantagens que esse novo paradigma processual pode tra-zer, caracterizado pela quebra do padrão convencional de jurisdição e revelando o nascimento de um novo modelo de justiça. O princípio da publicidade é uma garantia fundamental de justiça, pois ele permite às partes o conhecimento de todos os atos do processo. Necessário se faz a discussão sobre a desmesurada publicidade dos atos praticados, cujos efeitos repercutem diretamente em garantias constitucionais consagradas no Estado Democrático de Direito, quais sejam, a intimidade e privacidade do cidadão litigante no processo judicial. A intimidade se encontra no rol dos direito humanos, ao passo a publicidade dos atos se encontra nos deveres do Judiciário. Analisando o texto constitucional, verifica-se que é possível a mitigação da publicidade dos atos as partes e seus procuradores quando se está diante de possibilidade de violação à intimidade. Analisando casos envolvendo a publicidade excessiva dos atos processuais e a colisão com o direito à intimidade e personalidade, possa ilustrar a ideia de relativização do princípio da publicidade. A publicidade em matéria eletrônica deve ser adotada com o máximo critério de legalidade, sem ferir a garantia cons-titucional da intimidade.

PALAVRAS-CHAVE: Publicidade; processo eletrônico; relativização.

ABSTRACT: This study examines the possibility of existence of violation of constitutional guarantee of privacy by publicity of procedural acts committed by electronic means, in Brazilian legislation intro-duced by Law 11.419/2006, in the face of predicted values constitutionally, especially those relating to privacy people. It addresses thus the true and applicable advantages and disadvantages that can bring new procedural paradigm characterized by the breakdown of the conventional pattern of juris-diction and revealing the birth of a new model of justice. The principle of publicity is a fundamental guarantee of justice, because it allows the parties knowledge of all stages of the proceedings. Re-quired if the discussion is about the disproportionate publicity of acts performed, the effects of which have a direct impact on constitutional guarantees enshrined in the democratic rule of law, namely, the intimacy and privacy of the citizen litigant in the lawsuit. Intimacy is the role of Human Rights, while the publicity of the acts is the duty of the judiciary. Analyzing the Constitution, it appears that

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it is possible to mitigate the publicity of the acts the parties and their attorneys when one is facing the possibility of violation of privacy. Analyzing cases involving excessive publicity of procedural acts and collision with the right to privacy and personality to illustrate the idea of the relativity principle of publicity. Advertising in electronic matter must be taken with the utmost legality criterion without hurting the constitutional guarantee of privacy.

KEYWORDS: Advertising; electronic case; relativization.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A origem do procedimento eletrônico; 2 A autonomia e a privacidade no uso do documento eletrônico; 3 Liberdade de informação e direito à privacidade; 4 O segredo de justiça na Constituição Federal; 5 O segredo de justiça no Código de Processo Civil; 6 Relativização da publicidade; 7 Finalidade da publicidade; 8 Relativização da publicidade processual com a tecnologia; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Entre os princípios constitucionais trazidos pela Constituição Federal de 1988, um deles, o princípio da publicidade, descrito no art. 5º, LX, estabelece a possibilidade de restrição, mas não eliminação, à informação dos atos proces-suais que devem ser públicos.

Esse princípio trata de direito fundamental que visa a permitir o controle da opinião pública sobre os serviços da justiça, máxime sobre o poder de que foi investido o juiz.

Desta forma, há uma íntima relação entre os princípios da publicidade e da motivação das decisões judiciais, na medida em que a publicidade torna efetiva a participação no controle das decisões judiciais; trata-se de verdadeiro instrumento de eficácia da garantia da motivação das decisões judiciais.

Logo, esse princípio é inerente a todo e qualquer processo. Contudo, mesmo diante de sua importância, existe um processo no qual sua essência passou a ser questionável: tal processo é o processo eletrônico. Esse questiona-mento surge devido à disponibilidade de atos processuais por meio eletrônico, de questões importantes como segurança, sigilo e respeito à intimidade e à vida privada.

É justamente neste ponto que consiste o fundamento do presente estudo, pois, ao se analisar o tema, é visível a existência de situações que não se res-tringem às partes e a seus procuradores, criando-se uma polêmica envolvendo o referido princípio e o processo eletrônico. De acordo com a doutrina pro-cessualista civil, existem muitas discussões a respeito da violação do referido princípio, diante da inserção dos dados processuais na Internet, vinculados ao processo eletrônico.

As repercussões geradas se estendem por todos os campos do Direito, não havendo mais segmento da sociedade ou relação jurídica que não sofra, direta e indiretamente, reflexos da informática na sua maneira de agir.

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Privacidade, liberdade, imagem são alguns dos temas que estão a exigir de todos os que militam no campo do Direito, uma especial reflexão, inclusive com a participação fundamental do Estado nesse contexto.

Essas discussões, por sua vez, impulsionam a problemática trazida neste trabalho, que consistirá em verificar se a informatização do processo judicial, o processo eletrônico, viola ou não a garantia constitucional da intimidade.

1 A ORIGEM DO PROCEDIMENTO ELETRÔNICO

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, foi acrescen-tado o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição da República, positivando, no catálogo dos direitos e garantias fundamentais, o princípio da duração razoável do processo, nos seguintes termos: “A todos, no âmbito judicial e administrati-vo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”1.

Como corolário do princípio da duração razoável do processo, os Pre-sidentes da República, do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados firmaram o Pacto para o Judiciário Célere e Republi-cano. Entre os mecanismos utilizados para pôr em prática o referido Pacto, foi atribuído o “regime de prioridade” para a tramitação e aprovação do Projeto de Lei nº 5.828-C, o qual foi convertido na Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, altera dispositivos do Código de Processo Civil e dá outras providências2.

Objetivando dar agilidade e maior efetividade à prestação jurisdicional, a Lei nº 11.419/2006 cria o processo eletrônico, que é a tramitação de processos judiciais por meio eletrônico, preferencialmente pela Internet, pela qual é possí-vel a prática de atos processuais, bem como a transmissão de peças processuais produzidas pelos seus autores.

A prática de atos processuais por meio eletrônico não é novidade no Brasil. Contudo, a norma editada não se apresenta tão simples de ser adotada, a não ser com o grande trabalho que a doutrina e a jurisprudência deverão apre-sentar a fim de sanar o grande vazio que se encontra no texto legal. As decisões judiciais devem estar atentas à evolução da sociedade e do próprio processo, sob pena de se verificar um verdadeiro anacronismo3.

Dentro dessa nova ordem processual, o processo eletrônico aparece como mais um instrumento à disposição do sistema judiciário, provocando um desafogo, diante da possibilidade de maior agilidade na comunicação dos atos

1 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 372.

2 Ibidem, p. 372.3 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a

informatização judicial no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 225.

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processuais e de todo o procedimento. Contudo, o processo eletrônico deve ser precedido de toda a segurança e cautela e não se pode admitir tratar-se de uma panaceia para os males do Judiciário4.

José Carlos de Araújo Almeida Filho5 assim descreve:

Com o advento da Lei nº 11.280/2006, inserindo o parágrafo único ao art. 154 do Código do Processo Civil, não olvidamos que se trata de procedimento a norma ali disposta. Relativamente aos Juizados Especiais Federais, apesar de, em um primeiro momento, apresentarem-se normas processuais, o que se tem é verdadeiro procedimento especial e, dentro deste, uma nova modalidade que é a do processamento eletrônico.

O processo eletrônico viabilizado no ordenamento jurídico traz, em seus arts. 8º a 13, a forma como o procedimento será realizado e, diante da regra constante no art. 8º da Lei nº 11.419/2006, que faculta ao Poder Judiciário desenvolver sistemas com esse objetivo, podendo os autos serem total ou par-cialmente digitais, com a utilização da rede mundial de computadores, além de redes internas e externas:

Art. 8º Os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais através de autos total ou parcialmente di-gitais, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso através de redes internas e externas.

Parágrafo único. Todos os atos processuais do processo eletrônico serão assina-dos eletronicamente na forma estabelecida nesta lei.

José Carlos de Araújo Almeida Filho6 comenta a respeito da parcialidade: adotar a parcialidade eletrônica no processo eletrônico pode ter sua explicação no art. 11, § 3º. Mas mesmo assim não se justifica. O desafogo do Judiciário, inclusive com a diminuição das conhecidas filas nos cartórios. Se adotarmos um processo parcialmente eletrônico, a parte deverá consultar parte dele na rede mundial de computadores e parte dele em cartório.

Na verdade, a Lei nº 11.419/2006, que entrou em vigor no dia 20 de março de 2007, contém quatro partes: a primeira trata da informatização do processo judicial; a segunda, da comunicação eletrônica dos atos processuais; a terceira cuida do processo eletrônico; finalmente, a última parte se ocupa das disposições gerais e finais7.

Em alguns pontos, o processo judicial eletrônico manifesta-se apenas como uma maneira diferente de realizar alguns atos processuais. No entanto,

4 Ibidem, p. 99.5 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a

informatização judicial no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 179.6 Ibidem, p. 208.7 LEITE, Carlos Henrique Bezerra, 2012, p. 372.

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em outros, implica uma verdadeira revolução conceitual, como, por exemplo, as formas de intimação e contagem de prazos devem ser adequadas à realidade virtual, onde tempo e espaço têm uma concepção distinta8.

A idealização da sistemática processual por meio eletrônico não muda os tipos de processo, ou seja, o de conhecimento, execução e cautelar – seja no cível, no trabalho ou na esfera penal.

Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco9 trazem uma importante distinção entre processo e proce-dimento: a noção de processo é essencialmente teleológica, porque ele se ca-racteriza por sua finalidade de exercício do poder. O procedimento é apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo: é a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomenológica perceptível. O procedimento é o meio pelo qual a lei estampa os atos e as fórmulas da ordem legal do processo.

2 A AUTONOMIA E A PRIVACIDADE NO USO DO DOCUMENTO ELETRÔNICO

Apesar de trazer benefícios diversos à prestação jurisdicional, principal-mente no que toca à divulgação das decisões judiciais e atos processuais na rede mundial de computadores, todo esse mecanismo pode vir a esbarrar em di-reitos individuais. O principal deles é aquele referente à intimidade das pessoas, direito regularmente previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal: “São inviolá-veis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Verifica-se, a partir daí, que quanto maior a publicidade empregada, me-nor estará resguardada o direito à intimidade; de outra forma, a garantia do direito à intimidade tende a restringir a aplicação do princípio da publicidade.

A atual redação do inciso IX do art. 93 da Constituição Federal se traduz em preocupação universal, quando consagra que a publicidade não poderá violar direito à intimidade. Nesse sentido:

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e funda-mentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a pre-sença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos no quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

A Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, trouxe algumas alterações ao Código de Processo Civil, adequando-o à informatização do processo judi-

8 ALVIM, J. E. Carreira. CABRAL JÚNIOR, Silvério Luiz Nery. Processo judicial eletrônico. Comentários à Lei nº 11.419/2006. Curitiba: Juruá, 2008. p. 40-41.

9 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 285.

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cial. Com essa nova sistemática processual, é possível o acesso à integralidade do processo judicial por meio da rede mundial de computadores. Trata-se ape-nas de uma alteração quanto à forma de acesso e conservação do processo.

Consoante a dicção do § 1º do art. 12 da Lei nº 11.419/2006, o sistema processual eletrônico deve estar protegido do modo mais eficaz, garantindo a sua integridade e a preservação da intimidade das partes e dos dados, princi-palmente nos casos de segredo de justiça, além do que dispensa a formação de autos suplementares.

Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina10 fazem referência às implicações da informatização judicial:

A imposição irrestrita de uso de meios eletrônicos para a prática de atos proces-suais poderá significar, na prática, uma barreira ao ajuizamento de ações judi-ciais por aqueles que não dispõem – nem podem dispor – de tais facilidades. Assim, o sistema a ser implantado pelas reformas deve ser visto não só com os olhos postos na modernidade, e em tudo o que esta pode oferecer, mas também no acesso das camadas menos favorecidas da população a tais mecanismos, le-vando-se em conta, de modo especial, as variações regionais do País.

A forma básica de intimação e publicação de atos processuais dá-se na Impressa Oficial. No entanto, essa forma de publicidade tem custo elevado e dificulta a consulta pelo volume de publicações, que pode deixar passar desper-cebida alguma publicação.

Para isso, é necessária a adoção da infraestrutura de chaves públicas11 e privada em razão da garantia oferecida no tocante à procedência da mensagem ou documento (autenticidade). Segurança quanto ao fato de que seu conteúdo não foi alterado (integridade) e tranquilidade de se saber que ninguém, exceto o seu destinatário, será capaz de ler o seu conteúdo, pelo fato de estar protegido pelo sistema de criptografia, que nada mais é do que a preservação do direito à intimidade.

Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins12 comentam acerca da reserva da intimidade e da vida privada, ponderando que se trata de uma faculdade que cada pessoa tem de impedir a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar; além disso, obsta o acesso à informação sobre a privaci-dade de cada um e impede que sejam divulgadas informações sobre a área da manifestação existencial do ser humano.

O problema da violação da privacidade é preocupante dentro do proces-so eletrônico, caso o uso dos recursos técnico-informáticos não esteja calçado

10 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 2007. p. 292.

11 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. Processo judicial eletrônico. Curitiba: Juruá, 2008. p. 14.12 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:

Saraiva, v. 2, 1988-1989. p. 63-64.

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de estruturas que impeçam a defloração desse sistema, principalmente quando há processos que correm em segredo de justiça.

Os dados constantes dos repositórios de informações que têm interesse ao processo judicial eletrônico consubstanciam-se em documentos eletrônicos, que são totalmente protegidos contra o acesso indiscriminado, consoante se vê a seguir:

Pode-se destacar que, não obstante a grande preocupação que se tem quanto à confiabilidade dos documentos eletrônicos, nem mesmo os documentos tradi-cionais, escritos em papel comum ou especial, são isentos de falsificação, seja ela grosseira ou realizada por habilidosos peritos. Ou seja, o sistema digital de transmissão e proteção de dados nada deve ao sistema vigente para os docu-mentos tradicionais, em papel, em termos de garantias, havendo, inclusive, al-gumas vantagens para os documentos eletronicamente produzidos. De qualquer forma, a Lei nº 11.419/2006 prevê o processamento eletrônico de eventual ar-guição de falsidade, nos termos da legislação processual (art. 11, § 2º).13

A arguição de falsidade mencionada no § 2º deve ser feita conforme a lei, podendo ser processada com relação ao documento original digitalizado, e quanto ao documento produzido eletronicamente, ainda que seja assinado digitalmente, pois contra a assinatura digital também poderá ser oposta a ar-guição14.

Ao contrário do que possa parecer, não se defende a exclusão do prin-cípio da publicidade, mas se defende a ideia de que princípios maiores devem ser enfrentados e ponderados.

O processo moderno não deve se intimidar diante das novas tecnologias, ao mesmo passo em que as novas tecnologias não podem suplantar princípios seculares consagrados.

Espera-se, assim, que a ideia de publicidade em matéria eletrônica seja adotada com o máximo critério de legalidade. Contudo, ainda assim entende-se que não se trata de política pública ou legislativa a questão da publicidade, mas de verdadeira experimentação ética e comprometida com os ideais do proces-so, que é a solução de conflitos.

3 LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DIREITO À PRIVACIDADE

O homem é um ser social, e necessita manifestar sua forma de pensar, bem como expor suas ideias. A Constituição Federal visou a assegurar a todos o direito de dirigir-se aos outros, verbalmente ou por escrito, pública ou sigi-

13 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, 2008, p. 118-119.14 ATHENIENSE, Alexandre. Comentários à Lei nº 11.419/2006 e as práticas processuais por meio eletrônico

nos tribunais brasileiros. Curitiba: Juruá, 2010. p. 218.

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losamente, expressar o que desejar, desde que respeitados os limites impostos pela lei.

José Afonso da Silva assim define liberdade:

A liberdade é sempre uma e a mesma, mas como ela pode ser considerada em diferentes relações, por isso costuma-se dividi-la ou classificá-la como liberda-de do pensamento e sua comunicação, de consciência ou religião, locomoção, viagem ou imigração, trabalho ou indústria, de contratar e de associação.15

Direito assegurado constitucionalmente, o direito de ser informado, em um primeiro momento, foi considerado como um direito individual, decorren-te da liberdade de manifestação de pensamento e expressão do pensamento, porém, na atualidade, tal concepção foi desenvolvida, mudando-se para uma concepção de direito coletivo, em virtude do interesse social comum, corres-pondendo, na realidade, a um direito coletivo à informação16.

O art. 1º da Constituição Federal erigiu a dignidade da pessoa humana como fundamento constitucional, e o art. 4º, II, estabelece a prevalência dos di-reitos humanos, corroborando com o art. 5º, que determina em seu caput: “To-dos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.

Com a evolução da ciência jurídica, impôs-se o reconhecimento dos di-reitos da personalidade, que encontram sua razão de ser no direito natural.

Certas manifestações da pessoa destinam-se a conservar-se completa-mente inacessíveis ao conhecimento dos outros, quer dizer, secretas; não é ape-nas ilícito divulgar tais manifestações, mas também tomar delas conhecimento e revelá-las, não importa a quantas pessoas. Entretanto, essas mesmas informa-ções respeitantes à esfera íntima da vida privada podem ser consideradas lícitas, quando justificadas por um legítimo interesse do sujeito que as recebe; trata-se de saber se o fim a que a informação serve tem maior valor que o interesse do sujeito ao qual se refere essa informação17.

O direito à intimidade, segundo ensina José Afonso da Silva18, é direito conexo ao da vida, reflexo ou manifestação deste quase sempre considerado como sinônimo do direito à privacidade.

15 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 234.16 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos de personalidade. São Paulo: Atlas,

2001. p. 61.17 PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil.

5. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 33.18 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 205.

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O mesmo entendimento é seguido por Walter Ceneviva19, acrescentando que esse direito se consubstancia “no direito da pessoa viver por si mesma, livre de qualquer forma de divulgação ou de publicidade que não deseja suportar”.

Pode-se vislumbrar, assim, dois diferentes conceitos. Um, de privacida-de, onde se fixa a noção das relações interindividuais que, como as nucleadas na família, devem permanecer ocultas ao público. Outro de intimidade, onde se fixa uma divisão linear entre o “eu” e os “outros”, de forma a criar um espaço que o titular deseja manter impenetrável mesmo aos mais próximos. Assim, o direito de intimidade tem importância e significância jurídica na proteção do indivíduo exatamente para defendê-los a direitos dentro da interpessoalidade da vida privada20.

Quando tanto se fala de direitos humanos fundamentais e se batalha tanto para defini-los e garanti-los, nenhum se afigura mais fundamental que a proteção da privacidade, da intimidade. Protegê-la é a forma mais segura de preservar a liberdade. E a liberdade é o essencial do homem, porque, sem ela, a humanização do animal homem se frustra, aprisionada no mundo da necessi-dade, nele se aniquilando21.

O direito fundamental à privacidade deve ser interpretado não só como tutela de um interesse individual, mas como fundamento do Estado Democrá-tico de Direito. A garantia da privacidade é também garantia à liberdade. Ao restringir o exercício do poder disciplinar, e ainda, a garantia à igualdade, ao restringir a filtragem característica do exercício do biopoder. Com o advento das modernas tecnologias de monitoração eletrônica, registro informático e re-conhecimento biométrico, um Estado só resguardará o mínimo de liberdade e igualdade de seus cidadãos se assegurar a todos o direito à privacidade22.

4 O SEGREDO DE JUSTIÇA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Constituição Federal optou, de forma expressa, pela publicidade, no âmbito dos procedimentos administrativos, art. 37, caput, da CF/1988:

A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e [...] e, nos processos judiciais, art. 5º, LX, da CF/1988: a lei só poderá restringir a publici-dade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

19 CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 62.20 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. São

Paulo: Saraiva, 2005. p. 140.21 VIANNA, Duval. A reforma do CPC. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 197.22 Ibidem, p. 197.

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A regra é que os procedimentos administrativos e processos judiciais se-jam públicos; a absoluta exceção é a tramitação sob a égide do segredo de justiça. A finalidade da publicidade é clara: a) permitir a fiscalização quanto à distribuição da justiça; b) garantia ao julgador perante a comunidade de que o mesmo agiu com imparcialidade23.

A Constituição de 1988 resguarda a vida privada e a intimidade, asse-gurando sua inviolabilidade, à semelhança da orientação internacional. Entre-tanto, podem ser impostos limites à normal esfera de privacidade até contra a vontade do indivíduo, mas em correspondência à sua posição na sociedade, se for de relevância pública. Nesses casos, será possível individualizar se há inte-resse público em divulgar aspectos da vida privada do indivíduo. O interesse será relevante somente com relação à notícia cujo conhecimento demonstre utilidade para obter elementos de avaliação sobre a pessoa como personalidade pública, limitando, desta forma – e não eliminando – a esfera privada do próprio sujeito24.

Portanto, a liberdade de preservar ou não a própria intimidade e privaci-dade é um direito do cidadão, confirmado por preceito constitucional, e cabe ao Estado a função de tutelar este direito: e, se o Estado se omite, delega-se ao cidadão o poder de substituí-lo25.

5 O SEGREDO DE JUSTIÇA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

No Código de Processo Civil, o segredo de justiça é disciplinado no art. 155, I e II, e seu parágrafo único. Segundo o art. 155:

Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:

I – em que o exigir o interesse público;

II – que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conver-são desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.

Parágrafo único. O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar inte-resse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite.

Diz-se que correm em segredo de justiça os processos com publicidade restrita. O Código de Processo Civil optou por dividir em dois incisos as hipó-teses de exceção à publicidade. A primeira utiliza-se de acepção ampla. Cada caso dirá, a critério do juiz, quando o interesse público exige o segredo. Na

23 DALL’AGNOL, Antonio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2007. p. 242.

24 Ibidem, p. 34.25 Ibidem, p. 40.

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segunda hipótese, o legislador optou pela enumeração legal de critérios obje-tivamente considerados. Assim, é limitado às partes e aos advogados o acesso às ações que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores26.

Alguns temas costumam ensejar a exceção ao princípio da publicidade. São exemplos: a defesa nacional, a ordem pública, a intimidade dos interessa-dos, a moral, os bons costumes e a defesa da família. Busca-se, com a restrição da publicidade, evitar a curiosidade geral, as consequências desastrosas, a per-turbação da ordem, a apreensão do povo, o alarme, o tumulto, o apavoramento, a marca negativa e a afronta à dignidade das pessoas físicas e jurídicas, sejam de direito privado, sejam de direito público27.

6 RELATIVIZAÇÃO DA PUBLICIDADE

Sendo o princípio da publicidade uma garantia constitucional, consti-tuindo-se, nas lições de Egas Dirceu Moniz de Aragão28,

autoritarismo o ato do juiz que restringe o livre acesso às informações contidas nos autos, é preciso entender o alcance subjetivo dos textos legais. Ou o caso se enquadra entre os que correm em segredo de justiça, ou nenhuma autoridade pode interferir na publicidade dos atos processuais.

Para Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco29, “toda precaução há de ser tomada contra a exasperação do princípio da publicidade. Os modernos canais de comunicação de massa podem representar um perigo tão grande como o próprio segredo”.

A publicidade excessiva viola princípios constitucionais de relevante im-portância, como o da intimidade e o da própria personalidade.

Mas a ideia de relativização do princípio não se apresenta distante da doutrina. Em capítulo “A imperfeita percepção da publicidade como garantia do processo democrático”, Roberto José Ferreira de Almada30, discorrendo so-bre temas relevantes, observa que “exceto em situações muito particulares em que a privacidade e o interesse público possam efetivamente recomendar a restrição do direito de informação e de acesso irrestrito aos acontecimentos do processo, por parte das pessoas do povo”.

A espécie do gênero publicidade para o qual se busca a relativização é a processual, erigida pelo texto constitucional como importante princípio apli-

26 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 170.27 Ibidem, p. 169.28 ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1998. p. 80.29 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, 2004, p. 72.30 ALMADA, José Ferreira de. A garantia processual da publicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2,

2005. p. 121.

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cável não só ao processo judicial, mas também em outras searas do exercício do poder estatal31.

A opção por um julgamento cerrado assume um viés propriamente cul-tural, todavia

não mais se afeiçoam ao ideário deontológico constitucional e às garantias da justiça posicionamentos dessa natureza, por ofensivos à publicidade dos negó-cios do Estado e, portanto, à ordem democrática do direito, exceto nas situações muito particulares em que a privacidade e o interesse público possam efetiva-mente recomendar a restrição ao direito de informação e de acesso irrestrito aos acontecimentos do processo, por parte das pessoas do povo.32

Com a adoção de uma sistemática jurisdicional permeada por recursos tecnológicos de informática e processamento de dados, viabilizadora de uma dimensão nunca antes alcançada deste importante princípio, torna-se impres-cindível disponibilizar ao jurisdicionado e operadores do Direito mecanismos alternativos de sua expressão, incapazes de afetar direitos individuais também resguardados pela norma maior, não sendo plausível deixar unicamente à libe-ralidade dos Magistrados a opção pelo segredo ou sigilo do processo, uma vez que, nessa nova dimensão, a exteriorização desse princípio restará sobejamente elevada33.

O art. 93, IX, da Constituição Federal dispõe sobre a publicidade pro-cessual, excetuando os casos de preservação da intimidade, desde que esta salvaguarda não prejudique o interesse público, inarredavelmente prevalente. A leitura do texto constitucional conduz a três comandos imbricados entre si, quais sejam: i) todos os atos e fases do processo são públicos; ii) pode o juiz restringir o acesso a determinados atos às partes ou aos advogados; e iii) o sigilo instituído não pode prejudicar o interesse público à informação.

A existência do interesse público, marco terminativo da privacidade, em contraposição ao direito individual de requerer o sigilo do processo, conduz ao entendimento de que o juiz, ao deferir o segredo de justiça em prol do interesse particular, deverá valorar preliminarmente a existência de interesse público na lide, bem como suas repercussões34.

Rui Portanova35 sedimenta que, com a relativização da publicidade,

busca-se, com a restrição da publicidade, evitar a curiosidade geral, as conse-quências desastrosas, perturbação da ordem, a apreensão do povo, o alarme, o

31 PAULA, Wesley Roberto de. Publicidade no processo judicial eletrônico: busca da indispensável relativização. São Paulo: LTr, 2009. p. 136.

32 ALMADA, José Ferreira de, 2005, p. 136.33 PAULA, Wesley Roberto de, 2009, p. 136.34 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada: uma visão jurídica da sexualidade, da

família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da morte. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 180.35 PORTANOVA, Rui, 2003, p. 169.

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tumulto, o apavoramento, a marca negativa e a afronta à dignidade das pessoas físicas e jurídicas, sejam de direito privado ou público.

Para José Carlos de Araújo Almeida Filho36, “o que causa grande preocu-pação, ao tentarmos defender uma relativização do princípio da publicidade, é o excesso de poder que se conferirá ao Magistrado e a possibilidade de eles não atentarem para a valoração do princípio em questão”.

Portanto, a constante aplicação da ponderação de princípios nesse novo contexto de prestação jurisdicional faz-se premente, sendo imperiosa a busca de mecanismos hábeis para sua promoção.

Não se mostra crível a mera decretação do sigilo processual ou seu inver-so. A análise detida e criteriosa da nova modalidade de prestação jurisdicional, bem como vasta disponibilidade de recursos tecnológicos, alcançará plena e eficazmente a proposta defendida em homenagem a uma ilibada atuação jurídi-co-estatal, preservadora da integridade do cidadão, “especialmente quando se está diante de uma ciência, que é a processual, tendente a pacificar os conflitos societários”37.

Os riscos de vulnerabilidade de qualquer sistema computacional devem ser bem avaliados, sob pena de haver violação a princípios basilares do proces-so, entre eles a do sigilo em determinadas demandas, como nos casos de direito de família. Para a idealização de uma teoria, ou ao menos uma política para os atos processuais por meios eletrônicos, é necessário que tenhamos em mente questões como segurança, sigilo e respeito à intimidade e à vida privada.

Admitindo-se que a coisa julgada vem sendo relativizada, exatamente para garantir a eficácia dos direitos fundamentais, não nos parece absurda a ideia de relativizarmos a publicidade dos atos processuais praticados por meios eletrônicos. Há princípios constitucionais conflitantes quando se admite publi-cidade de ato e intimidade à vida privada.

7 FINALIDADE DA PUBLICIDADE

Uma informação originariamente privada e sensível, quando transferida para um ambiente público, deve continuar sendo protegida, ou quando diante da impossibilidade de assim permanecer por alguma imbricação social, ao me-nos como sensível.

Para Rosário Duaso Calés38, o elemento essencial que permitirá encontrar uma solução aos problemas jurídicos que se colocam quanto à proteção da

36 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo, 2008, p. 101.37 Ibidem, p. 227.38 CALÉS, Rosario Duaso. Regulación europea sobre difusión de La jurisprudência em Internet. In: GREGORIO,

Carlos G. (Coord.); SOLANO, Sonia Navarro. Internet y sistema judicial em America Latina. Reglas de Heredia. Buenos Aires: Ad Hoc, 2004. p. 251-77.

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privacidade nos casos em que bases de dados de caráter público são acessíveis pela Internet, é o princípio da finalidade. É dizer, a razão que motivou o trata-mento e a publicidade destes dados, o motivo que justifica sua difusão, é a cha-ve para encontrar o equilíbrio buscado. Em cada caso e para cada documento, o exame minucioso da razão que motivou que uns documentos sejam de caráter público e outros não é a chave para se determinar os usos lícitos que se podem realizar dos dados pessoais contidos nesses documentos.

A ideia de que os dados pessoais contidos na jurisprudência podem ser publicados para responder desse modo, à finalidade concreta que se deriva da necessidade de uma perfeita transparência das sentenças judiciais. Porém, em nenhum caso deve servir para outras finalidades, especialmente para aquelas que possibilitariam fazer buscas a partir de critérios que mudariam radicalmente não só o objetivo da publicação, mas também sua natureza. A sentença deve ser pública com o fim único de tornar transparente a atividade judicial, e nunca para fins outros dissonantes do objetivo e pela importância da difusão da sen-tença anonimizada por critérios numéricos e como este instrumento servirá para complementar a sua finalidade39.

Desta maneira, para proteger as pessoas afetadas quando a jurisprudên-cia é difundida em formato numérico na Internet, o critério da finalidade joga um papel protagônico no estabelecimento do marco legal se imporá no futuro. As medidas legais e técnicas que podem ser adotadas determinarão o grau de proteção que se estabelecerá para os dados pessoais contidos no texto das sen-tenças judiciais acessíveis via Internet; as medidas de anonimização, em suas diferentes modalidades, devem ter em conta para chegar ao ponto de equilíbrio justo necessário como consequência da evolução do conceito de publicidade das sentenças a partir dos novos formatos, com que a jurisprudência se apresen-ta e se difunde pela rede40.

Não obstante a finalidade pretendida com a publicidade da informação judicial ao se divulgar atos processuais, deve-se vislumbrar sempre a proteção do indivíduo perante a sociedade. Mesmo diante do inarredável interesse públi-co, o interesse particular não pode sucumbir ao regramento positivado.

8 RELATIVIZAÇÃO DA PUBLICIDADE PROCESSUAL COM A TECNOLOGIA

Para alcançar a relativização do princípio da publicidade em prol da preservação da intimidade e da privacidade, é indispensável à utilização pelos órgãos do Poder Judiciário de recursos tecnológicos para este fim. Entre estes, a anonimização mostra sua notória importância.

39 Ibidem, p. 259.40 Ibidem, p. 278.

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A referida técnica consiste em ocultar informações identificadoras dos litigantes em processo judicial, seja pela utilização de um acrônimo formado pelas iniciais de seu nome, seja pela utilização de pseudônimos substitutivos da real identificação dos litigantes41.

Os dados a serem anonimizados devem fazer parte de um conjunto de características próprias capazes de identificar os envolvidos nos processos ju-diciais, e não unicamente os nomes da partes, porquanto a existência de in-formações particularizadas, como endereço, profissão, local de trabalho, ca-racterísticas físicas, razões que deram ensejo à propositura da demanda, são informações personalíssimas, suficientes a esse desiderato42.

Na posição adotada por José Carlos de Araújo Almeida Filho43, “se está no processo, pode ser publicizado. E se pode ser publicizado, não estaria vio-lando princípios”; porém, a aplicação desse silogismo deve ser cautelosa, im-primindo-lhe a regra de exceção do segredo de justiça, e ainda avaliando se as informações a serem divulgadas não são capazes de identificar os envolvidos, mormente lhe trazendo prejuízos de ordem social ou moral.

Em outro plano, concernente a pessoas jurídicas, a utilização do meca-nismo mostra-se relevante. Empresas envolvidas em litígios relacionados a suas marcas e produtos buscam a utilização de pseudônimos ante a imprescindibi-lidade de seu alcance, quando o objeto em litígio refere-se aos segredos indus-triais ou mesmo para sua imagem perante os consumidores, por serem mani-festações do direito de propriedade, sem refletir em certo direito à intimidade44.

A veiculação de uma informação judicial inicial a seu respeito ou de seu produto pode gerar um temor referencial, repercutindo em imensuráveis prejuí-zos financeiros não só para ela, mas também para a sociedade, pois, depen-dendo do alcance dessa informação, o porte da empresa, cidade em que está instalada, seu produto será desacreditado no mercado, gerando sua derrocada com a extinção de diversos postos de trabalho. O efeito será catastrófico, por exemplo, se a empresa estiver sediada numa pequena cidade na qual seja fonte de emprego para grande parte da população45.

Finalmente, uma característica de grande relevo na aplicação do recurso refere-se à defesa. Não são todos os casos passíveis de ser autorizada a anomi-nização, notadamente quando este recurso gere limitações à ampla defesa e ao contraditório. Ante a iminência de prejuízos, a referida técnica deve ser afastada incontinenti pelo Magistrado.

41 SAMPAIO, José Adércio Leite, 1998, p. 152.42 PAULA, Wesley Roberto de, 2009, p. 148.43 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo, 2008, p. 154.44 SAMPAIO, José Adércio Leite, 1998, p. 219.45 PAULA, Wesley Roberto de, 2009, p. 154.

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CONCLUSÃO

O presente estudo dirigiu atenção especial a apenas um princípio, que, por índole, é constitucional, mas que possui aplicação imediata no direito pro-cessual, o princípio da publicidade, previsto no art. 5º, LX, da Constituição Federal de 1988. Quanto ao princípio da publicidade, é ferramenta de fiscaliza-ção da qualidade da prestação de serviço oferecido pelo Poder Judiciário, que deverá pautar suas decisões em consonância com os ditames constitucionais e processuais.

Consoante ao processo eletrônico, criado pela Lei nº 11.419/2006, por meio do qual é possível a prática de atos processuais por meios eletrônicos, bem como a transmissão de peças processuais produzidas pela rede mundial de computadores, pretende facilitar a busca pelos servidores na agilidade da resolução dos conflitos e ampliar o conhecimento pelas partes em todas as suas esferas.

A via eletrônica mostra-se adequada para a comunicação de atos proces-suais, bem como para a tramitação de seus documentos sem que, para tanto, sejam feridos direitos ou princípios processuais. Para isso, cabe observar o im-plemento de condições de preservar o princípio da intimidade.

A publicidade exercida no plano jurisdicional é atingida quando o pro-cesso eletrônico assegura e amplia o conhecimento pelas partes de todas as suas etapas, propiciando-lhes manifestação oportuna. Busca ensejar e ampliar o conhecimento público do processo judicial, divulgando o conteúdo das deci-sões ali proferidas para plena fiscalização da sua adequação pelas partes e pela coletividade.

Para a segurança e autenticidade do ato realizado mediante processo eletrônico, há instrumentos que objetivam inibir falsidades e deslealdades pro-cessuais. O uso de certificado digital é a principal forma de se garantir integrida-de, autenticidade e segurança aos documentos eletrônicos. A finalidade, dessa forma, é a agilidade, mas com segurança.

Aparentemente, apesar de trazer benefícios diversos à prestação jurisdi-cional, principalmente no que toca à divulgação das decisões judiciais e atos processuais na rede mundial de computadores, todo esse mecanismo pode vir a esbarrar em direitos individuais. O principal deles é aquele referente à intimi-dade das pessoas.

Como conciliar a dicotomia entre publicidade e intimidade? Somente adotando critérios de ponderação de princípios. Todavia, grande preocupação surge, ao se tentar defender uma relativização do princípio da publicidade, que é o excesso de poder que se conferirá aos Magistrados e a possibilidade de eles não atentarem para a valoração dos princípios.

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A relativização da publicidade dos atos processuais, em matéria de pro-cesso eletrônico, deve ser vista com cautela e em respeito ao princípio da dig-nidade da pessoa humana. Em termos de ponderação de princípios, admitimos que a dignidade da pessoa humana se encontra em nível hierárquico superior ao da publicidade dos atos.

Verifica-se, a partir daí, que quanto maior a publicidade empregada, me-nor estará resguardado o direito à intimidade; por outro lado, a garantia do direito à intimidade tende a restringir a aplicação do princípio da publicidade.

Conclui-se que a publicidade em matéria eletrônica deve ser adotada com o máximo critério de legalidade, sem ferir a garantia constitucional da intimidade.

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Parte Geral – Doutrina

Questões Polêmicas Relacionadas à Teoria da Causa Madura

FERNANDA KRETZMANN PIRES GOMESEspecialista em Direito Civil e Direito Processual Civil com Ênfase em Processo Civil pela Escola Superior Verbo Jurídico, Advogada.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Aspectos gerais sobre o artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil; 1.1 Por uma releitura do duplo grau de jurisdição: a teoria da causa madura; 1.2 Requisitos genéricos para aplicação do artigo 515, § 3º, do CPC; 2 Questões polêmicas relacionadas à teoria da causa madura; 2.1 Do julgamento do mérito de ofício pelos tribunais; 2.2 Do cabimento dos embargos infringentes; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A alteração ocorrida no art. 515 do Código de Processo Civil, com a in-clusão do § 3º pela Lei nº 10.352/2001, importou na possibilidade de o Tribunal julgar o mérito da causa, desde logo, quando a sentença de primeiro grau for terminativa.

No entanto, a lei exige como requisitos genéricos para a incidência do § 3º do art. 515, o qual a doutrina e a jurisprudência passaram a chamar de teoria da causa madura, que a causa verse sobre questão exclusivamente de direito e esteja em condições de imediato julgamento.

A teoria da causa madura é apontada como exceção ao princípio do duplo grau de jurisdição, razão pela qual se buscou verificar sua constituciona-lidade, se ela fere o princípio citado ou privilegia outros princípios como o da celeridade e da razoável duração do processo. Ainda, buscou-se analisar se os requisitos expressos no § 3º do art. 515 são cumulativos, e como deve ser lida a expressão “causa exclusivamente de direito”.

Outra questão polêmica relacionada à teoria da causa madura diz res-peito ao julgamento do mérito de ofício pelos Tribunais, quando nenhuma das partes tenha requerido sua atuação neste sentido, ou tenha solicitado expressa-mente que a regra não seja aplicada.

Referida questão será objeto de análise deste artigo, juntamente com a hipótese de cabimento dos embargos infringentes, quando o acórdão que jul-ga a apelação adentra diretamente no mérito, embora a sentença de primeiro grau não o tenha feito, tendo em vista que a redação do art. 530 do Código de Processo Civil, também alterada pela Lei nº 10.352/2001, passou a exigir como pressupostos específicos para a interposição dos embargos infringentes que o

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acórdão não unânime haja reformado a decisão de primeiro grau e que esta seja de mérito.

1 ASPECTOS GERAIS SOBRE O ARTIGO 515, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Antes do advento da Lei nº 10.352/2001, havendo sentença de extinção do processo sem resolução de mérito, nas hipóteses do art. 267 do CPC, a parte poderia interpor recurso de apelação e, apurando o equívoco, o tribunal anularia o ato e devolveria o processo ao primeiro grau para que o Juiz a quo proferisse nova sentença, com a apreciação do mérito.

Assim, uma vez extinto o processo sem julgamento do mérito, a apelação interposta contra a sentença deveria demonstrar apenas a impropriedade de tal extinção, sem entrar no mérito da demanda que sequer chegou a ser analisado. Essa realidade determinava uma demora na resolução da causa, pois entre a remessa dos autos ao primeiro grau e o seu retorno ao Tribunal transcorriam meses ou anos.

Tentando oferecer uma solução a este problema, a nova redação do art. 515, § 3º, do CPC, a qual a doutrina, com apoio em um precedente do Superior Tribunal de Justiça, denominou de “teoria da causa madura”, inovou ao permitir expressamente ao Tribunal, nos casos de sentença terminativa, a ul-trapassar o julgamento das questões puramente processuais e julgar o mérito da ação. Tal modificação pretendeu dar maior celeridade ao processo, mitigando o princípio do duplo grau de jurisdição, por meio de determinados requisitos.

1.1 poR uMa ReleituRa do duplo gRau de JuRisdição: a teoRia da causa MaduRa

O art. 515, § 3º, do CPC dispõe que, “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.

Conforme Ustárroz e Porto1, “[...] constata-se que o Código autorizou ao Tribunal, em situações especiais, emitir provimento sobre tópico diverso da de-cisão recorrida, o que demonstra o potencial alargamento do efeito devolutivo do recurso de apelação”.

Nas palavras de Santos2, o efeito devolutivo ganhou novos contornos, sem ferir a regra prevista no caput do art. 515 do CPC, pois só se passará ao exame do mérito, após superado o julgamento de conhecimento da causa. As-sim, a teoria da causa madura consiste numa exceção ao princípio do tantum

1 USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 153.

2 SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2010. p. 118.

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devolutum quantum appellatum, tendo em vista que o objeto do julgamento pode ser maior do que o proferido em primeiro grau.

Com a substancial mudança ocorrida por meio da Lei nº 10.352/2001, Moreira3 expõe o seguinte:

Ampliou-se o efeito devolutivo da apelação e, do mesmo passo, tornou-se inevi-tável a revisão das ideias correntes a cerca do princípio do duplo grau de juris-dição – que, repita-se, não está definido em texto algum, nem tem significação universal fixada a priori: seu alcance será aquele que resulta do exame do ius positum e, portanto, discutir se o infringe ou não disposição legal como a que ora se comenta é inverter os termos da questão. (grifos nossos)

Para Hommerding, o parágrafo introduzido ao art. 515 é inconstitucio-nal, pois viola, além de outros princípios constitucionais, o princípio do duplo grau de jurisdição, uma vez que permite ao Tribunal o julgamento imediato do feito quando a questão for exclusivamente de direito, ainda que o mérito não tenha sido apreciado pelo juiz de primeiro grau4.

Verifica-se que, apesar de a teoria da causa madura ter sido acrescentada ao Código de Processo Civil no ano de 2001, ainda suscita grandes indagações quanto à sua aplicabilidade, dividindo posições doutrinárias e jurisprudenciais.

Nesse ponto, o princípio do duplo grau de jurisdição apresenta-se como questão de grande relevância, devendo ser analisado se a inovação trazida pelo § 3º do art. 515 do CPC o afronta ou não.

Conforme Donizetti5, “o princípio do duplo grau de jurisdição consiste na possibilidade assegurada às partes de submeterem matéria já apreciada e decidida pelo juízo originário a novo julgamento por órgão hierarquicamente superior”. A Constituição Federal prevê a garantia do duplo grau de jurisdição implicitamente, como consectária do devido processo legal, ou em decorrência da previsão constitucional de tribunais superiores, aos quais foi conferida com-petência recursal.

O duplo grau garante às partes o direito de revisão do julgado e atua como instrumento de controle da justiça e da legalidade da decisão. Mas, por não se tratar de princípio de previsão expressa na Constituição Federal, o le-gislador ordinário pode mitigá-lo para determinadas situações. Porém, tal mi-tigação não deve inviabilizar o direito da parte de acesso ao recurso, devendo

3 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. V, 2009. p. 431.

4 HOMMERDING, Adalberto Narciso. O § 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil: uma análise à luz da filosofia hermenêutica (ou hermenêutica filosófica) de Heidegger e Gadamer. Revista da Ajuris – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: Ajuris, v. 30, n. 91, p. 09, 1974.

5 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 78.

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ser feito, assim, uma ponderação entre os direitos fundamentais ao recurso e a celeridade do processo6.

O § 3º do art. 515 do CPC não pode ser visto como inconstitucional, porque não há disposição expressa de que o duplo grau seja sempre respeitado. Ainda, coaduna-se com o princípio da instrumentalidade, tendo em vista que, se o processo está pronto para julgamento, não se justifica que ele retorne ao primeiro grau de jurisdição7.

Para Gonçalves, o princípio do duplo grau decorre do sistema, uma vez que nenhum ato estatal pode ficar sem controle. Assevera que a “possibilidade de que as decisões judiciais venham a ser analisadas por um outro órgão assegu-ra que as equivocadas sejam revistas. Além disso, imbui o juiz de maior respon-sabilidade, pois ele sabe que sua decisão será submetida a nova apreciação”8.

Contudo, como não há exigência expressa na Constituição de que sem-pre se obedeça ao duplo grau, existem hipóteses no ordenamento jurídico em que ele não ocorre, mas, nem por isso, podem ser qualificadas de inconstitu-cionais, a exemplo da atual redação do art. 515, § 3º, do CPC, que permite ao tribunal apreciar o mérito, mesmo que o Juízo a quo não o tenha feito9.

Assim, a regra é a observância da dualidade de instâncias, mas a Cons-tituição Federal não declarou, de forma expressa, a obrigatoriedade do duplo grau em todo e qualquer processo, havendo, assim, causas que escapam ao referido princípio10.

No mesmo sentido, entende Rodrigues11 que o art. 515, § 3º, do CPC é constitucional, uma vez que pautado nos princípios da celeridade e economia processual, pois, ainda que o princípio do duplo grau esteja implicitamente previsto na Constituição Federal, é possível que, por meio do princípio da pro-porcionalidade, ocorra uma ponderação de interesses, para que um princípio seja mitigado pela adoção de outro, no caso mais relevante.

Ustárroz e Porto12 reconhecem a garantia do duplo grau de jurisdição como princípio constitucional, apesar de não estar expresso na Carta Magna. Contudo, não se extrai dessa conclusão que ele deva ser observado em todo e

6 QUEIROZ, Bruno Véras de. O duplo grau de jurisdição na Constituição Federal e as recentes alterações no sistema recursal brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 47, nov. 2007. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br.

7 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Curso de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2007. p. 97.

8 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2007. p. 36.

9 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. Op. cit., p. 36.10 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 51. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1,

2010. p. 36.11 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil: teoria geral: premissas e institutos

fundamentais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 644-645.12 USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Op. cit., p. 57-58.

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qualquer processo, cabendo aos aplicadores do Direito definirem sua extensão, uma vez que tal princípio deve conviver com todos os demais que informam o direito processual.

Ainda, leva-se em conta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal13, que refere que o duplo grau de jurisdição não se reveste de garantia absoluta, nem mesmo no âmbito do direito processual penal, pois, apesar de o princípio encontrar-se previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), e ter sido internalizado no Direito brasileiro, não signi-fica que tenha natureza absoluta, havendo exceções ao duplo grau.

1.2 Requisitos genéRicos paRa aplicação do aRtigo 515, § 3º, do cpc

Ao examinar o § 3º do art. 515 do CPC, percebe-se que sua incidência requer que o processo tenha sido equivocadamente extinto sem resolução de mérito (art. 267 do CPC). Ainda, a causa deve estar madura, de onde se extraem dois requisitos: a questão deve ser exclusivamente de direito e a causa deve estar em condições de imediato julgamento.

Estaremos diante de uma questão exclusivamente de direito, quando não houver controvérsias acerca dos fatos, ou seja, quando a situação fática se comprova de plano nos autos, restando discutir apenas se o direito – objeto da questão – incide ou não sobre o fato comprovado.

O processo encontra-se pronto para julgamento, quando a fase postula-tória estiver completa, o que significa dizer, com a defesa do réu ou decretação da revelia, e depois de encerrada a instrução14.

Como lecionam Medina e Wambier15,

[...] por “condições de imediato julgamento” se deve entender o fato de a ques-tão ter sido debatida pelas partes em primeiro grau de jurisdição – ou, pelo me-nos, de se ter verificado o contraditório –, a ponto de ser possível identificar, com clareza, qual é a questão de direito sobre a qual se funda o debate. De todo modo, satisfaz-se o novo sistema com a simples colocação da questão em primeiro grau, independentemente de apreciação ou não pelo juiz.

A causa “madura” para julgamento pode ser entendida como aquela na qual as partes não mais tenham provas a produzir, onde não exista a necessi-dade de maior esclarecimento dos fatos. O tribunal poderá afastar a sentença

13 Ag-AI 601832/SP, 2ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 17.03.2009.14 BARROSO, Darlan. Manual de direito processual civil. Teoria geral e processo de conhecimento. 1. ed.

Barueri: Manole, v. 1, 2003. p. 494.15 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier. Recursos e ações autônomas de

impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2008. p. 146.

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terminativa, julgando o mérito, quando isto não ocasionar ofensa às garantias do contraditório, ampla defesa ou do devido processo legal16.

Na “causa exclusivamente de direito”, estamos diante de ausência de controvérsia fática, podendo-se incluir ainda, nessa expressão, hipóteses em que, mesmo havendo controvérsia sobre fatos, “todos os eventos estão devida-mente provados por documentos”, como a situação referida pelo art. 330, I, do CPC. Logo, o requisito não é adequado, por não abarcar situações em que há questionamento fático, embora não seja necessária instrução probatória17.

Assim, não seria preciso que a causa tratasse sobre questão exclusiva-mente de direito, devendo ser considerado o fato de as alegações estarem ou não devidamente comprovadas, se dispensam instrução ou são incontroversas.

Como referem Ustárroz e Porto18, o requisito expresso na norma deve ser visto “com olhos voltados para a finalidade da inovação”, pois, ainda que a questão verse sobre fatos e direito, se todas as provas suficientes para o deslinde do feito já foram produzidas, não há razão para retroceder com o processo. Logo, a grande exigência para a aplicação da teoria da causa madura deve ser o esgotamento da atividade instrutória no primeiro grau.

A norma em questão não deve ser interpretada literalmente, sob pena de sua utilidade e rendimento se revelar restrito. Assim, a expressão “matéria de direito” pode significar matéria de direito pura e simplesmente; matéria de direito e de fato, mas cujo aspecto fático tenha sido comprovado por meio de prova documental; ou matéria de direito e de fato, desde que o aspecto fático não tenha suscitado divergência entre as partes, ou seja composto de fatos no-tórios (art. 334 do CPC)19.

Quanto à necessidade da presença dos dois requisitos expressos no § 3º do art. 515, há entendimento de que eles foram impostos de forma cumulativa pelo legislador, conforme Barioni20; mas também há posicionamentos em con-trário.

Para Andrade21, a literalidade do art. 515, § 3º, deve ser mitigada, para que o termo “e” tenha significado de “ou”, afastando-se a noção de acúmulo

16 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARDT, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2008. p. 535.

17 MENEZES, Iure Pedroza. O artigo 285-A do CPC e a teoria da causa madura. Jus Navigandi, Teresina, a. 12, n. 1481, 22 jul. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10166>. Acesso em: 13 ago. 2012.

18 USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Op. cit., p. 154.19 WABIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários

à nova sistemática processual civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 269-270.20 BARIONI, Rodrigo. Efeito devolutivo da apelação civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 16, 2007. p. 165.21 ANDRADE, Marcelo Santiago de Padua. Da possibilidade (excepcional) de aplicação do artigo 515, § 3º,

do CPC no exame de recurso contra decisões interlocutórias. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 34, n. 168, p. 269-270, 2009. “Compreendida dessa forma, a teoria da causa madura se relacionada muito intimamente com a ideia de julgamento conforme o estado do processo contemplado no art. 330, I, do CPC, que prevê, tanto quando na hipótese do art. 515, § 3º, do CPC, o poder-dever do Poder

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dos requisitos previstos. Assim, ainda que diante de questão que não seja unica-mente de direito, poderá a regra incidir quando da ausência de provas a serem produzidas, estando instruído o feito de forma suficiente e adequada.

Moreira salienta que os pressupostos do art. 515, § 3º, do CPC, de certa maneira, superpõem-se, pois,

a entender-se que a causa estará “em condições de imediato julgamento” sem-pre que já não haja necessidade de outras provas além das produzidas nos au-tos, a cláusula abrangerá as hipóteses de discutir-se naquela “questão exclusiva-mente de direito”, pois só por exceção (art. 337) é concebível que se necessite de prova para resolver quaestio iuris. Teria sido preferível que se adotasse aqui, com as devidas adaptações, a fórmula relativa ao julgamento antecipado da lide, constante do art. 330, nº I: “Quando a questão suscitada no recurso for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de outras provas”.22

Verifica-se que quanto ao requisito da “questão exclusivamente de direi-to”, a jurisprudência também se manifesta no sentido de que o art. 515, § 3º, deve ser lido à luz do art. 330, I, ambos do CPC, como se verifica de parte da ementa do Recurso Especial nº 797.989/SC:

3. Alegada violação do art. 515, § 3º, do CPC. O caso dos autos amolda-se ao conceito de “causa madura” trazida pela doutrina e jurisprudência, uma vez que o Tribunal a quo, ao estabelecer que não eram as rés partes ilegítimas, adentrou desde logo no mérito da questão, pois toda a instrução probatória já se fazia presente nos autos, bem como assim lhe permitia o art. 515, § 3º, do CPC.

4. O art. 515, § 3º, do CPC deve ser lido à luz do disposto no art. 330, I, do mesmo diploma, que trata do julgamento imediato do mérito. Poderá o Tribunal (assim como o juiz de primeiro grau poderia) pronunciar-se desde logo sobre o mérito se as questões de mérito forem exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, não houver necessidade de produção de novas provas. Enten-dimento doutrinário e jurisprudencial.23

A citada “questão exclusivamente de direito” é questionada também por Alvim24, que não encontra justificativa para restringir a interpretação do § 3º do art. 515, de modo a ignorar o que dispõe o art. 330, I, do CPC. Logo, o tribunal estará autorizado a analisar o mérito se a questão for exclusivamente de direito, ou se tratar de questão de fato e de direito, que esteja pronta para julgamento, ou seja, prescindindo da realização de outras provas em audiência.

Judiciário de entregar prontamente a prestação jurisdicional invocada, dispensando-se a prática de todo e qualquer ato de instrução que não contribua para o deslinde do feito”.

22 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. V, 2009. p. 432.

23 REsp 797.989/SC, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, J. 15.05.2008.24 ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 783-784.

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Assim, quanto aos requisitos exigidos para a aplicação da teoria da causa madura, verifica-se que, em relação à “causa exclusivamente de direito”, pode ocorrer interpretação extensiva, na medida em que o tribunal poderá julgar o mérito ainda que a causa verse sobre questão de fato, se estes estiverem devida-mente comprovados ou forem incontroversos.

Quanto à exigência da causa estar em condições de imediato julgamen-to, significa que o processo deve ter observado plenamente os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como não sejam necessários novos deba-tes entre as partes, para que a decisão possa ser proferida com segurança.

O projeto de lei do novo CPC mantém a teoria da causa madura, e traz, em seu art. 965, § 3º, novidades referentes ao seu cabimento. Prevê que a teoria será aplicada se a causa versar questão exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento. Assim, o fato de os requisitos tornarem--se alternativos consagra o melhor entendimento doutrinário no sentido de se admitir sua aplicação nas ações que versem sobre questões de fato, caso seja desnecessária a produção de provas25.

2 QUESTÕES POLÊMICAS RELACIONADAS À TEORIA DA CAUSA MADURA

A introdução do § 3º no art. 515 do CPC também gera discussões com relação à faculdade ou não do tribunal julgar o feito quando não há pedido expresso do apelante no tocante ao mérito da causa, bem como quanto à pos-sibilidade de interposição de embargos infringentes contra decisão de segundo grau não unânime, que julga o mérito após o juiz de primeiro grau ter proferido sentença terminativa, diante da atual redação do art. 530 do CPC.

2.1 do JulgaMento do MéRito de ofício pelos tRibunais

Questão relevante relacionada à teoria da causa madura diz respeito à possibilidade de o tribunal julgar o mérito da ação após a anulação da sentença terminativa, ainda que sem pedido expresso do recorrente/apelante, ou diante de pedido expresso para que a regra não seja aplicada.

Há quem afirme que o julgamento do mérito diretamente pelo tribu-nal, sem pedido do apelante, significa desconsiderar por completo o princípio tantum devolutum quantum apelatum, segundo o qual o tribunal só deverá co-nhecer das matérias suscitadas pela parte recorrente26.

É possível que a omissão do recorrente sobre o julgamento do mérito, ou o pedido expresso para que o tribunal não o julgue corresponda à intenção de

25 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2011. p. 655.

26 VIEIRA, Luciane Helena. O artigo 515, § 3º, do CPC. Disponível em: <http://pinheiropedro.com.br/site/artigos/o-artigo-515-paragrafo-3%C2%BA-do-CPC/>. Acesso em: 07 nov. 2012.

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ainda realizar algumas provas, quando da volta do processo ao primeiro grau. Por isso, em princípio, a disposição do art. 515, caput, deve prevalecer também em relação aos casos regidos por seu § 3º, diante das regras referentes à cor-relação entre a decisão e o pedido (arts. 128 e 460 do CPC), bem como pelo “objetivo de resguardar o recorrente contra possíveis surpresas decorrentes da negação de seu direito ao processo e direito à prova”27.

No entanto, se, na análise do caso concreto, o tribunal entender que não há mais provas a serem produzidas, ele estará autorizado a valer-se do que o § 3º permite, sendo seu dever explicitar as razões de seu entendimento (dever de motivação), situação provável quando a sentença terminativa tiver sido proferida após o cumprimento de todo o procedimento no primeiro grau de jurisdição28.

Para Assis29, a aplicação da teoria da causa madura depende da iniciativa da parte. Isso porque a extensão do efeito devolutivo se subordina ao princípio dispositivo e é preciso que o apelante solicite o julgamento do mérito. Ainda, o apelante tem direito ao duplo exame e talvez não queira arriscar de imediato o julgamento do mérito, salientando-se que o retorno dos autos ao primeiro grau em nada prejudica a parte contrária.

No mesmo sentido, Didier Júnior e Cunha30:

Assim, para que reste aplicada a regra do § 3º do art. 515 do CPC, é preciso que o recorrente, em suas razões recursais, requeira expressamente que o tribu-nal dê provimento ao seu recurso e, desde logo, aprecie o mérito da demanda. Caso o apelante requeira que, após o provimento do recurso, sejam os autos devolvidos ao juízo de primeira instância para análise do mérito, por ignorância da nova regra ou por lhe ser mais conveniente, não poderá o tribunal, valendo--se do § 3º do art. 515 do CPC, adentrar o exame do mérito, sob pena de estar julgando extra ou ultra petita. (grifos nossos)

Do contrário, se o apelante fizer requerimento expresso e estiverem pre-enchidos os demais pressupostos legais, é “obrigatório” ao tribunal conhecer o mérito da causa, aplicando a teoria da causa madura, ao prover a apelação interposta contra sentença terminativa, salvo se a matéria ainda reclame alguma providência ou prova que deva ser produzida31.

Para Neto e Rohr32, a incidência da teoria da causa madura deve se su-bordinar ao efeito devolutivo, ou seja, à amplitude da matéria impugnada, pois,

27 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 159-160.28 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma, p. 160. 29 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 413.30 DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. 9. ed.

Salvador: JusPodivm, v. 03, 2011. p. 111.31 DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Op. cit., p. 111.32 NETO, Fernando Orotavo; ROHR, Joaquim Pedro. Dos recursos cíveis. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2006. p. 120.

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se o juiz proferir sentença terminativa e ocorrer apelação apenas em relação às questões processuais, a devolutividade do recurso permite que o tribunal anali-se apenas o que foi impugnado.

Mas, se o apelante adentrar a discussão do mérito, ainda que não for-mule pedido expresso, o tribunal estará autorizado a julgar o mérito, uma vez ultrapassada a questão processual. Por isso, cumpre ao interessado na rápida e eficiente solução da lide suscitar a apreciação do mérito, com base no art. 515, § 3º, do CPC, pois, se não o fizer ou requerer expressamente que o tribunal não julgue o mérito, ele deverá analisar apenas as questões processuais termina-tivas33.

Em sentido contrário, Neves34 entende que, ainda que a teoria da causa madura esteja inserida em um dos parágrafos do art. 515 do CPC, que trata do efeito devolutivo dos recursos, parece que sua colocação em tal local não basta para que se defina tratar-se de uma “extensão da devolução” de matérias ao conhecimento do órgão ad quem. Isto porque tal entendimento levaria a uma conclusão forçada de que a vontade do recorrente seria imprescindível para a devolução ou não do mérito da causa, com pedido expresso daquele para aplicação da teoria.

Assim, “o objetivo da norma não é a proteção do interesse particular do recorrente, e sim a otimização do julgamento de processos, em nítido ganho de celeridade e economia processual”. O propósito da norma seria o oferecimento de uma tutela jurisdicional em menor tempo, presumindo-se, também, uma tutela de melhor qualidade35.

Neste sentido, a agilidade e a celeridade dos processos são de interesse público, devendo as partes, ao interpor o recurso, contar com a possibilidade de aplicação do art. 515, § 3º, o que, de qualquer forma, lhes traria benefícios, já que não há interesse legítimo em que os processos sejam lentos36.

Para Barioni37, também não há necessidade de o apelante requerer ex-pressamente o julgamento do feito pelo tribunal. Explica que a apelação é diri-gida contra a parte dispositiva da sentença, e, no caso da sentença terminativa, a matéria impugnada referida no caput do art. 515 limita-se ao pronunciamento que decretou a extinção do processo sem resolução de mérito. Assim, não é correto afirmar que a possibilidade do tribunal julgar o mérito esteja condi-

33 NETO, Fernando Orotavo; ROHR, Joaquim Pedro. Op. cit., p. 120.34 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2011.

p. 654. O doutrinador refere junto à p. 655 que a aplicação da teoria da causa madura deriva do efeito translativo do recurso, e não do efeito devolutivo.

35 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. cit., p. 654.36 WABIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Op. cit.,

p. 271-272.37 BARIONI, Rodrigo. Op. cit., p. 171.

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cionada a pedido da parte, porque tal requerimento não constitui a “matéria impugnada”.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também entende que o tribunal pode julgar o mérito da causa utilizando-se do art. 515, § 3º, do CPC, mesmo sem pedido expresso do recorrente:

Processual civil. Embargos à execução. IPTU e taxas. Sentença terminativa. Ilegitimidade passiva ad causam. Apelação. Matéria de direito. Causa madu-ra. Julgamento do mérito. Possibilidade. Pedido expresso. Desnecessidade. Precedentes. 1. Na dicção do art. 515, § 3º, do CPC, acrescentado pela Lei nº 10.352/2001, é possível ao Tribunal, em caso de extinção do feito sem apre-ciação do mérito, julgar a lide desde logo, se a causa versar questão exclusiva-mente de direito e o processo estiver devidamente instruído, como ocorre no caso concreto. 2. Consoante a pacífica jurisprudência do STJ, extinto o processo sem julgamento de mérito, em face da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, o Tribunal, ao afastar a nulidade, pode de imediato julgar o feito, ain-da que inexista pedido expresso nesse sentido, máxime se a controvérsia disser respeito a questão estritamente de direito. 3. Hipótese em que o Tribunal a quo afastou a preliminar de ilegitimidade passiva do promitente vendedor, no que se refere aos débitos do IPTU e demais taxas, e, na sequência, acolheu parcial-mente os embargos à execução, para decotar do executivo fiscal os valores re-ferentes à TIP, à TCLLP e àquele que exceder a alíquota mínima do IPTU, con-siderando a ilegalidade e a inconstitucionalidade da instituição ou a majoração das exações. 4. Agravo regimental não provido.38 (grifou-se)

2.2 do cabiMento dos eMbaRgos infRingentes

Além de introduzir o § 3º no art. 515, a Lei nº 10.352/2001 também al-terou a redação do art. 530 do CPC, que passou a dispor sobre os embargos in-fringentes da seguinte forma: “Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”.

Salienta-se que, antes da alteração, admitia-se a interposição dos infrin-gentes desde que houvesse julgamento não unânime na apelação, independen-temente da reforma da sentença e do enfrentamento do mérito39. Contudo, na atual redação do art. 530 do CPC, passaram a ser pressupostos específicos para o cabimento do recurso, a ausência de conformidade entre as instâncias, que importe na reforma da decisão, e que esta decisão reformada seja de mérito.

38 AgRg-EDcl-Ag 1.124.316/RJ, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 03.11.2009, DJe 16.12.2009. No mesmo sentido: AgRg-REsp 1192287/SP, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 03.05.2011, DJe 10.05.2011.

39 Antes da alteração efetuada pela Lei nº 10.352/2001, o art. 530 do CPC assim estabelecia: “Cabem embargos infringentes quando não for unânime o julgado proferido em apelação e em ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”.

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Assim, tendo em vista que a redação do art. 530 do CPC estabelece o cabimento de embargos infringentes, quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, caberiam os infringentes contra a decisão que aplicou a norma do art. 515, § 3º, e julgou o mérito por maioria de votos?

Para Barioni40, a resposta é negativa, pois o fato de inexistir decisão de mérito em primeiro grau impede que o acórdão proferido em apelação pre-encha o requisito exigido pelo art. 530 do CPC, qual seja, haver reformado “sentença de mérito”. Logo, “incabíveis embargos infringentes da decisão de mérito proferida diretamente pelo órgão ad quem, por aplicação do § 3º do art. 515 do CPC”.

Medina e Wambier41 entendem que, no caso da incidência do art. 515, § 3º, do CPC, jamais caberão embargos infringentes, pelo fato de um dos pres-supostos do art. 530 do mesmo diploma legal ser justamente a ocorrência de uma sentença de mérito.

Para Ferreira42, também não são cabíveis os embargos infringentes, se a sentença de primeiro grau não for de mérito. Ele reconhece que a “supressão de instância” em relação ao mérito pode inviabilizar uma situação recursal; mas, se não há o julgamento de mérito na primeira instância, não há que se falar em reforma da sentença, o que inviabiliza a interposição dos embargos infringentes.

Ainda, dizer que se estaria “podando” um recurso, diante da regra da teoria da causa madura, parece tão exagerado quanto permitir os infringentes, sem que se saiba se o julgamento do órgão ad quo teria ou não o mesmo posi-cionamento majoritário do tribunal43.

Wambier e Wambier44 referem que, se a lei não se referiu ao acórdão que deu provimento à apelação, mas, sim, expressamente à sentença, foi com a nítida intenção de restringir a hipótese de cabimento dos embargos infringentes.

Em regra, uma sentença terminativa recorrida, qualquer que seja o resul-tado da apelação, jamais proporcionaria o ingresso de embargos infringentes. Mas, se o acórdão da apelação for de mérito, ainda que a sentença seja termina-tiva, caberá o recurso, se este acórdão for proferido por maioria de votos, como refere Neves45:

40 BARIONI, Rodrigo. Op. cit., p. 176.41 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 183.42 FERREIRA, Wiliam Santos. Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil. Rio de Janeiro:

Forense, 2002. p. 168.43 FERREIRA, Wiliam Santos. Op. cit., p. 168.44 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários à 2ª fase da reforma do

código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 177.45 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. cit., p. 706.

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Tal circunstância torna-se possível diante da aplicação do art. 515, § 3º, do CPC, por meio do qual o tribunal poderá na apelação julgar originariamente o mérito da demanda. Nesse caso, o tribunal anula a sentença terminativa em razão do equívoco do julgador de primeiro grau em extinguir o processo sem resolução do mérito e passa imediatamente ao julgamento de mérito da deman-da, desde que a causa esteja madura para o julgamento. Sendo esse acórdão não unânime (2x1), com julgamento de mérito da demanda – acolhimento ou rejeição do pedido do autor –, caberá à parte sucumbente ingressar com embar-gos infringentes.

Para Theodoro Júnior46, quando a sentença for terminativa, mas o acór-dão, ao prover a apelação, tiver julgado o mérito com base na teoria da causa madura, os embargos infringentes poderão ser interpostos, se houver voto ven-cido, apesar de o juízo de primeiro grau não ter adentrado no mérito da causa.

Ocorre que o legislador não levou em conta a possibilidade de a reforma da sentença terminativa incluir o julgamento do mérito pelo tribunal, razão pela qual se entender que deve ocorrer uma interpretação sistemática para que os embargos infringentes sejam admitidos no caso de sentença terminativa é mais coerente com o sistema e com a garantia constitucional do devido processo legal47.

Para Ustárroz e Porto48, a aplicação do art. 515, § 3º, do CPC indica uma falha do Estado, levando-se em conta que o juízo de primeiro grau extin-gue indevidamente o processo, ao invés de se pronunciar sobre o mérito. Por isso, diante do princípio da isonomia, os embargos infringentes deveriam ser admitidos para qualquer dos litigantes quando da aplicação da teoria da causa madura, sendo decidida a apelação por maioria.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, ha-vendo o julgamento do mérito a partir da aplicação da teoria da causa madura, serão cabíveis os embargos infringentes, conforme ementa:

Processual civil. Embargos infringentes. Acórdão que, por maioria, reforma sen-tença terminativa e adentra o julgamento do mérito. Cabimento. 1. Nem sempre é meramente terminativo o acórdão que julga apelação contra sentença termi-nativa, eis que, nos termos do § 3º do art. 515, “nos casos de extinção do pro-cesso sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”. 2. Se apenas o Tribunal julga o mérito, não se aplica o critério de dupla sucumbência, segundo o qual a parte vencida por um julga-mento não unânime em apelação não terá direito aos embargos infringentes se houver sido vencida também na sentença. 3. Em respeito ao devido processo le-gal, o art. 530 deve ser interpretado harmoniosa e sistematicamente com o res-tante do CPC, em especial o § 3º do art. 515, admitindo-se os embargos infrin-

46 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Op. cit., p. 629.47 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 204.48 USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Op. cit., p. 189-190.

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gentes opostos contra acórdão que, por maioria, reforma sentença terminativa e adentra a análise do mérito da ação. 4. De acordo com a teoria da asserção, se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão. 5. A natureza da sentença, se processual ou de mérito, é definida por seu conteúdo e não pela mera qualificação ou nomen juris atribuído ao jul-gado, seja na fundamentação ou na parte dispositiva. Entendida como de mérito a sentença proferida, indiscutível o cabimento dos embargos infringentes. Re-curso especial parcialmente provido.49 (grifou-se)

Para Didier Júnior e Cunha50, é o acórdão que reforma a sentença por maioria de votos que deve ser de mérito, e não propriamente aquela. Se, após reformar a sentença terminativa, o tribunal prossegue no julgamento do feito e por maioria de votos decide o mérito, houve substituição da sentença proferida pelo juízo ad quo, sendo cabíveis, então, os embargos infringentes.

A exigência de uma sentença de mérito para o cabimento dos infringen-tes não atingiu o objetivo da reforma da Lei nº 10.352/2001, pois

não é a sentença que produz a coisa julgada, mas sim o acórdão. E, de acor-do com a legislação processual, nada impede que uma sentença de mérito seja substituída por um acórdão terminativo, ou ainda que uma sentença terminativa seja substituída por um acórdão de mérito. Deveria, portanto, o dispositivo le-gal exigir para o cabimento dos infringentes o acórdão de mérito e não a sen-tença.51

Assim, extrai-se que o imprescindível para o cabimento dos embargos in-fringentes não é a ocorrência de decisão com resolução de mérito no 1º grau de jurisdição, mas, sim, que o tribunal tenha analisado o mérito quando do julga-mento da apelação contra a sentença terminativa, reformando esta por maioria de votos, uma vez, que nos casos de incidência do art. 515, § 3º, é o acórdão que tem a faculdade de produzir a coisa julgada material.

CONCLUSÃO

Diante das considerações realizadas neste artigo, conclui-se que a Lei nº 10.352/2001 teve a finalidade de conferir maior celeridade à tramitação dos processos, sem violar o princípio do duplo grau de jurisdição.

Não há como dizer que o § 3º, incluído ao art. 515 do CPC, é inconsti-tucional. O princípio do duplo grau, apesar de representar uma garantia ao ju-risdicionado, não se encontra de forma expressa e obrigatória no ordenamento

49 REsp 1.194.166/RS, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 28.09.2010.50 DIDIER JÚNIOR, Fredier; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Op. cit.,

p. 225-226.51 SILVEIRO, Roberto Santos. O cabimento dos embargos infringentes de acordo com a primeira hipótese do

artigo 530 do CPC. Disponível em: www.abdpc.org.br. Acesso em: 21 nov. 2012.

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jurídico, e, sendo assim, pode ser abrandado pelo legislador em determinados casos, como ocorre quando presentes os requisitos para aplicação da teoria da causa madura.

Se o processo está pronto para ser julgado, não se justifica que ele retor-ne ao primeiro grau de jurisdição, uma vez que importaria em uma demora na prestação jurisdicional. Nesse caso, há que ser feita uma ponderação entre os princípios que regem o direito processual, a fim de prestigiar a efetividade e ra-zoável duração do processo, tão almejados pelas partes litigantes. Na verdade, deve ser feita uma releitura do princípio do duplo grau, quando o § 3º do art. 515 estiver autorizado a incidir no caso concreto.

No tocante aos requisitos exigidos pelo § 3º do art. 515, deve-se fazer uma interpretação extensiva, ou seja, o tribunal poderá julgar o mérito quando a causa versar sobre questão exclusivamente de direito, ou ainda, quando a causa versar sobre questão de direito e de fato, mas estiver em condições de ser julgada, o que significa dizer que não há necessidade da produção de novas provas, estando a instrução do processo completa.

Mesmo que haja questionamento sobre fatos, se estes forem incontrover-sos, deve ser aplicada a teoria da causa madura. Também não há que se falar em cumulatividade dos requisitos expressos na lei (questão exclusivamente de direito e condições de imediato julgamento).

Isto porque se entende que os requisitos se confundem. Quando se fala em “condições de imediato julgamento”, significa que foi devidamente opor-tunizado o contraditório e a ampla defesa às partes, mas também que houve a devida produção de provas, estando o processo devidamente concluído para decisão.

E se a expressão “questão exclusivamente de direito” pode/deve ser inter-pretada como questão de direito ou de fato, desde que não haja necessidade de produção de outras provas, significa dizer que estas já foram realizadas, estando o processo pronto, em condições de ser julgado imediatamente. Tanto é que o projeto de lei do novo CPC prevê as condições para a aplicação da teoria da causa madura, de forma alternativa.

Quanto ao julgamento do mérito de ofício pelo tribunal, sem que ocorra pedido expresso da parte em suas razões de apelação, há de se ter em mente que o legislador não estabeleceu a necessidade de tal requerimento, e a expres-são do § 3º do art. 515, “[...] o tribunal pode julgar desde logo a lide [...]”, não deve ser aliada à ideia de requerimento da parte, mas sim aos requisitos genéri-cos para o julgamento do feito.

Entender-se pela necessidade de requerimento da parte vai até mesmo contra o objetivo da reforma, que foi o de acelerar o trâmite processual na busca de uma maior efetividade da tutela jurisdicional às partes.

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Com relação aos embargos infringentes, ainda que o art. 530 do CPC exija que em grau de apelação ocorra a reforma de sentença de mérito, deve ser possível sua interposição. Deve ser levado em conta que, com a incidência do § 3º do art. 515, não há que se falar em reforma da sentença no tocante ao mérito, ou seja, o tribunal analisa a questão de forma originária, em razão de o processo ter sido extinto no primeiro grau de jurisdição, de forma equivocada.

Neste sentido, não há como retirar da parte o direito à interposição do recurso, pelo fato de os requisitos exigidos pela lei não restarem preenchidos. Se a lei oportuniza que uma causa seja julgada sem maiores demoras, ou seja, sem precisar retornar ao Juízo a quo, porque se encontra madura, apta para jul-gamento, deve o art. 530 do CPC ser interpretado de forma a se compatibilizar com o art. 515, § 3º, do mesmo diploma legal.

Portanto, o necessário para o cabimento dos embargos infringentes é que ocorra a análise do mérito pelo tribunal, quando, ao julgar a apelação, profere acórdão por maioria de votos, reformando a sentença terminativa, pois é este acórdão, não unânime, que tem a capacidade de produzir a coisa julgada mate-rial, e não a sentença que resolveu o processo sem resolução de mérito.

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Parte Geral – Doutrina

A Conversão Substancial do Negócio Jurídico Anulável

(Análise da Aplicação do Instituto na Seara do Direito Contratual Brasileiro)

EUZÉBIO HENZEL ANTUNESEspecialista em Direito Público e em Direito Empresarial, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Advogado.

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo algumas considerações a respeito do instituto da conversão substancial do negócio jurídico. Assim, primeiramente, cumpre fazer referência quanto a aspectos gerais em relação ao tema em estudo, perscrutando a respeito do conceito de negócio jurídico, bem como trazendo breves noções sobre os planos da existência, da validade e da eficácia deste. A seguir, abordam-se os princípios gerais da autonomia privada, da conservação dos negócios jurídicos, da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, que são relevantes para o estudo do tema e se embrenham pelo nosso ordenamento jurídico norteando os operadores do direito no sentido de que haja uma interpretação conforme as normas de direito contratual e da Constituição Federal. Após, faz-se apontamentos sobre a evolução do instituto da conversão substancial do negó-cio jurídico, desde o período romano até os tempos atuais, em especial em países como a Alemanha, a Itália, Portugal e Holanda. Por fim, examina-se a aplicação do instituto da conversão substancial no Direito brasileiro, mormente, no que tange a negócios jurídicos anuláveis. Tem o trabalho o objetivo de esclarecer a respeito da possibilidade de conversão substancial de negócios jurídicos anuláveis quando movida ação anulatória por uma das partes celebrantes, analisando aspectos pontuais a res-peito e promovendo a informação e debate a respeito do assunto, visando à defesa e à preservação dos princípios e normas previstas no nosso ordenamento jurídico, assim como o estudo por parte dos operadores do direito de tema relevante e ainda controverso no Direito brasileiro e no direito contemporâneo.

PALAVRAS-CHAVE: Conversão substancial; negócio jurídico; Anulável; princípios de direito con-tratual.

ABSTRACT: This work aims at some considerations regarding the Institute of substantial conversion of the transaction. So, first, reference should be made as general issues in relation to the subject under study, peering about the concept of legal business, as well as bringing brief notions about the planes of existence, the validity and effectiveness of this. Below we discuss the general principles of private autonomy, the preservation of legal transactions, the objective good faith and the social func-tion of contracts, which are relevant to the study of the subject and embark by our legal guiding ope-rators right in the sense that there is a consistent interpretation of the rules of contract law and the Federal Constitution. After, it is notes on the evolution of the institution of substantial conversion of the transaction, from the Roman period to contemporary times, especially in countries like Germany,

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Italy, Portugal and Holland. Finally, it examines the application of the substantial conversion institute in Brazilian law, especially in relation to legal transactions voidable. This work has the objective to clarify about the possibility of use the Institute of substantial conversion of the transaction, when moved an-nulment action by a party celebrant, analyzing specific aspects about and promoting information and debate on the subject, aiming to the defense and preservation the principles and standards set out in our legal system, as well as the study of the operators the right to relevant and still controversial in Brazilian law and contemporary law.

KEYWORDS: Substantial conversion; legal business; voidable; principles of contract law.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Negócios jurídicos; 1.1 Conceito; 1.2 Planos da existência, da validade e da eficácia; 1.2.1 Invalidade do negócio jurídico; 1.2.1.1 Negócio jurídico nulo; 1.2.1.2 Negócio jurídico anulável; 1.2.2 Ineficácia do negócio jurídico; 2 Princípios gerais do direito contratual relevantes para o tema; 2.1 Princípio da conservação dos negócios jurídicos; 2.2 Princípio da autonomia privada; 2.3 Princípio da boa-fé objetiva; 2.4 Princípio da função social dos contratos; 3 Conversão substan-cial do negócio jurídico; 3.1 Conversão do negócio jurídico no Direito romano; 3.2. Previsão legal de conversão do negócio jurídico no direito contemporâneo; 3.3 Conversão substancial do negócio jurídico no Direito brasileiro; 3.3.1 Antes da vigência do Código Civil de 2002; 3.3.2 Após a vigência do Código Civil de 2002; 4 Conversão substancial de negócios jurídicos anuláveis no campo do direito contratual; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo abordar os tipos de negócios jurídi-cos que admitem conversão substancial, especialmente no que tange à conver-são de negócios jurídicos anuláveis na seara do direito contratual.

O Código Brasileiro de 1916 era silente a respeito do tema. Entretanto, o Código de 2002 inseriu o instituto da conversão do negócio jurídico em seu art. 170, referindo-se, porém, a negócio jurídico nulo.

O tema proposto justifica-se diante da controvérsia existente na doutrina e na jurisprudência, brasileira e estrangeira, a respeito da possibilidade de con-versão substancial de negócios jurídicos anuláveis. Assim, põe-se o problema central que norteia o presente trabalho.

Inicialmente, faz-se necessário analisar os negócios jurídicos, em espe-cial seu conceito, bem como seus planos de existência, validade e eficácia, com o fito de perquirir sobre a aplicação do instituto da conversão do negócio jurídico.

Após, são introduzidas breves noções sobre os princípios de direito con-tratual relevantes para o tema.

O trabalho pretende, em sua segunda parte, analisar o instituto da con-versão substancial de negócios jurídicos em face do ordenamento jurídico bra-sileiro vigente e do direito comparado, examinando a possibilidade da conver-são do negócio jurídico anulável, nos casos em que proposta ação anulatória,

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em especial, de contratos, com base nos princípios da conservação dos negó-cios jurídicos, da autonomia privada, da boa-fé objetiva e da função social dos contratos.

No campo do direito contratual, ganha relevo o estudo sobre a possibili-dade de conversão substancial de contratos, quando a questão da sua validade é levada ao exame do Poder Judiciário, pois a conversão do negócio anulável, por meio da salvaguarda da declaração negocial, possibilita que seja atingida a finalidade prática do negócio jurídico inicialmente celebrado entre as partes, justificando-se a sua importância.

Por derradeiro, são tecidas algumas considerações finais sobre o tema estudado, pretendendo lançar algumas luzes para aprofundar o debate.

Espera-se assim contribuir para o estudo do direito, fomentando uma maior reflexão a respeito do tema, colaborando com subsídios para um melhor exame e compreensão sobre a matéria.

1 NEGÓCIOS JURÍDICOS

1.1 conceito

O Código Civil de 1916 não fazia referência a negócio jurídico, mas sim a ato jurídico1, que restava definido em seu art. 812.

Ana Alvarenga Moreira Magalhães3 refere que: “A partir da obra de Savigny o negócio jurídico passou a ser entendido como ‘manifestação de von-tade destinada a produzir efeitos’”, bem como que a vontade seria o sustentácu-lo e a essência do negócio, enquanto a declaração seria apenas um instrumento para exteriorizá-la.

Trata-se da teoria clássica ou subjetiva que tem a vontade como elemen-to existencial do negócio e segundo a qual as partes têm que desejar a ação e os seus efeitos jurídicos. A declaração da vontade tem que estar necessariamente voltada à geração dos efeitos4.

1 ALVES, José Carlos Moreira. A parte geral do projeto de código civil brasileiro (subsídios históricos para o novo código civil brasileiro). 2. ed. aum. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 100. Refere o autor que: “Ao redigir o seu projeto, no final do século XIX, não contava Clóvis Beviláqua com os subsídios que, alguns anos mais tarde, viria a ministrar a doutrina germânica para a distinção, em categorias, dos atos jurídicos lícitos. Em 1899, a diferença entre negócio jurídico e ato jurídico em sentido estrito ainda se apresentava, até na obra dos mais eminentes romanistas e civilistas alemães, de maneira pouco precisa”.

2 Código Civil Brasileiro de 1916, art. 81: “Todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico”.

3 MAGALHÃES, Ana Alvarenga Moreira. O erro no negócio jurídico: autonomia da vontade, boa-fé objetiva e teoria da confiança. São Paulo: Atlas, 2011. p. 10.

4 Idem, ibidem.

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De acordo com Antônio Junqueira de Azevedo5, as definições de negócio jurídico como um ato de vontade são as mais antigas e as mais comuns até os dias de hoje, até mesmo em outros países.

O autor6 critica a concepção voluntarista por entender que suas defini-ções são imperfeitas, porque em alguns casos abarcam mais que o definido, exemplificando com o caso do caçador que ao atirar quer tornar-se proprietário do animal, hipótese em que não haveria um negócio jurídico apesar da inten-ção de praticar um ato com efeitos jurídicos e efeitos práticos. Por outro lado, outro ponto de imperfeição das definições voluntaristas seria que, em outros casos, abrangem menos que o todo definido, como, por exemplo, nos casos de ocorrer a conversão substancial do negócio jurídico, pois o negócio que passa a ser efetivado não era o originalmente desejado pelas partes. Refere, ainda, que vontade é relevante apenas para os planos da validade e da eficácia do negócio jurídico, não sendo elemento essencial para o plano da existência7.

Ana Alvarenga Moreira Magalhães8, por seu turno, leciona que em um segundo momento da história a doutrina passou a ver a vontade não mais como essencial para o negócio jurídico, mas sim como um “substrato motor” impor-tante. Em sua opinião, a vontade relevante no campo do Direito é aquela que é manifestada e passa, assim, a gerar deveres e obrigações por meio de negócios jurídicos9.

Em contraposição à teoria subjetiva ou clássica surge a teoria objetiva ou da declaração10, que, pretendendo tornar mais objetivo o conceito de negócio jurídico, desvincula-o da noção de autonomia da vontade para vinculá-lo à autonomia privada11.

5 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 4. Sobre a definição predominante na doutrina brasileira, refere o autor que: “As definições voluntaristas são indubitavelmente dominantes na doutrina brasileira, na qual, aliás, com poucas exceções, nem sequer se cogita da concepção oposta; correspondem elas, grosso modo, à definição que o art. 81 no Código brasileiro dá ao “ato jurídico”. Deixando de lado as obras mais antigas, quando a concepção em pauta era a única existente, basta, para confirmar o estado atual da doutrina brasileira, examinarmos as definições dadas ao negócio jurídico (muitas vezes ainda chamado de ato jurídico) em alguns dos livros mais difundidos para o estudo do direito civil nas faculdades de direito do País”.

6 Idem, p. 7.7 Idem, p. 9.8 MAGALHÃES, Ana Alvarenga Moreira. Op. cit., p. 9.9 Idem, ibidem.10 Idem, p. 15. Ana Alvarenga Moreira Magalhães ensina que: “Segundo a concepção objetiva, o negócio

jurídico é visto como um meio concedido pelo ordenamento para a produção de efeitos jurídicos, o que acaba por transformá-lo em espécie de norma concreta (normativismo), ou preceito (vertente preceptiva). A autorregulamentação do particular passou a ser exercida, a partir da noção objetiva, em virtude de uma autorização do ordenamento e nos exatos limites dessa autorização. A ordem jurídica não mais tinha o papel exclusivo de tutelar os efeitos decorrentes da vontade. Ao contrário, o fator volitivo só era exercitável por causa e nos limites da autorização do sistema: ‘A autonomia da vontade, como manifestação da liberdade individual no campo do direito psicológico, a autonomia privada, poder de criar, nos limites da lei, normas jurídicas’”.

11 FERNANDES, Luis A. Carvalho. A conversão dos negócios jurídicos civis. Lisboa: Quid Juris – Sociedade, 1993. p. 31. Segundo o autor português: “A figura do negócio jurídico só ganha relevo próprio, perante outros eventos jurígenas, se a entendermos como um instrumento posto ao serviço da autonomia privada para a ordenação de conflitos de interesses de pessoas particulares”.

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Segundo a teoria objetiva ou da declaração, a externalização da vontade prevalece em relação à vontade interna, porque esta não pode ser conhecida pelas pessoas alheias à celebração do negócio jurídico, consistindo este em um comando concreto12.

Antônio Junqueira de Azevedo critica também a concepção objetiva, afirmando que esta, assim como a concepção voluntarista, peca pelo unilatera-lismo e aduzindo que: “A transformação do negócio em norma jurídica concre-ta é artificial, na medida em que a expressão norma jurídica implica sempre um jubere que o negócio jurídico não possui”13. Propõe o autor que seja adotada um terceira concepção de negócio jurídico, em decorrência da insuficiência das concepções voluntarista e objetiva, que aproveite elementos de ambas e possibilite, em suas palavras, “uma visão completa do negócio jurídico”14. E prossegue, definindo o negócio jurídico como um fato jurídico que consiste em uma manifestação de vontade, a qual tem os efeitos desejados pelas partes, des-de que respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia exigidos pela norma jurídica que o regula15.

No sentir de Francisco dos Santos Amaral Neto16, os termos utilizados na definição de ato jurídico presente no antigo Código Civil brasileiro podem ser aplicados para, atualmente, definir o negócio jurídico. Na definição do autor: “Negócio jurídico é uma declaração de vontade privada que tem por objetivo produzir determinados efeitos que o agente quer e o direito reconhece”. Ainda, segundo o autor, posição a qual me filio, o negócio jurídico é a manifestação da autonomia privada que, por sua vez, é uma manifestação do princípio constitu-cional da livre iniciativa, tornando-se um instrumento da sociedade de merca-do, e prossegue: “É o poder que a vontade tem de agir com eficácia jurídica”17.

12 TRIGINELLI, Wania do Carmo de Carvalho. Conversão de negócio jurídico: doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 7. A autora refere que são adeptos dessa teoria Henle e Larenz na Alemanha e Betti na Itália.

13 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit., p. 12-13. De acordo com o autor: “A nós parece que, do negócio, podem surgir somente relações jurídicas, e não preceitos, e que, se surgem uns, não podem surgir outros, e vice-versa. Uma idéia fundamental da qual ex adverso se iniciam as críticas deve ser meditada: a ordem jurídica reconhece a autonomia privada, não como fonte de normas jurídicas, mas como fonte criadora de relações jurídicas”.

14 Idem, p. 14.15 Idem, p. 16.16 GOZZO, Débora; ALVES, José Carlos Moreira; REALE, Miguel (coord.). Principais controvérsias no novo

código civil. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 125-127. Francisco dos Santos Amaral Neto refere que: “O negócio jurídico é manifestação de uma vontade qualificada, que é a autonomia privada, enquanto o ato jurídico é manifestação de uma vontade simples, sem finalidade imediata. Em segundo lugar, o negócio jurídico é o instrumento de circulação de direitos disponíveis, basicamente matéria patrimonial e principalmente obrigacional, enquanto ato jurídico não é instrumento de circulação de interesses patrimoniais, e diz respeito, normalmente, a interesses de caráter geral. E em terceiro lugar, quanto à sua eficácia, o negócio jurídico produz os efeitos que queremos, enquanto no ato jurídico os efeitos são os que a lei já estabelece. Quando praticamos um negócio jurídico, por exemplo, um contrato ou um testamento, os seus efeitos estão na respectiva declaração de vontade. Somos nós que pretendemos tais efeitos, desde que, evidentemente, o objeto seja lícito e a forma, em lei”.

17 Constituição Federal de 1998, art. 1º, IV.

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É ainda importante consignar que está previsto no art. 112 do Código Civil de 2002 que: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

De acordo com Francisco dos Santos Amaral Neto18, em decorrência des-te dispositivo legal, houve no Código Civil de 2002 uma transição da teoria subjetiva, inserta no Código Civil de 1916, para a teoria objetiva, pois neste buscava-se apenas a intenção das partes e naquele passa-se a analisar a inten-ção concretizada na própria declaração.

1.2 planos da existência, da validade e da eficácia

O Código Civil brasileiro dispõe, em seus arts. 104 a 120, sobre as nor-mas gerais do negócio jurídico.

No plano da existência, avalia-se se o negócio jurídico preenche elemen-tos mínimos para assegurar a produção de efeitos jurídicos.

Já no plano da validade, verifica-se se os elementos do negócio jurídico estão revestidos de requisitos previstos no ordenamento jurídico. O art. 104 do Código Civil dispõe que a validade do negócio jurídico requer: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.

Por fim, no plano da eficácia dois fatores podem ser estabelecidos pelas partes e influenciar na eficácia de um negócio jurídico, são eles a condição e o termo. A primeira caracteriza-se por ser um evento futuro e incerto, podendo ser suspensiva ou resolutiva. O segundo, por seu turno, é um evento futuro e certo, que pode ser inicial ou final. É importante observar que, conforme dispõem respectivamente os arts. 125 e 131 do Código Civil, enquanto não se verificar o implemento da condição suspensiva do negócio não se terá adquirido o direito, a que ele visa, por outro lado, o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.

Passa-se à breve análise das causas de invalidade e de ineficácia dos negócios jurídicos.

1.2.1 invalidade do negócio JuRídico

Há invalidade do negócio jurídico quando este é contrário ao prescrito em lei ou existe vício na vontade de um ou de todos os seus autores.

Segundo Emilio Betti19, trata-se da ausência de idoneidade do negócio para a produção de efeitos essenciais do tipo de forma permanente, que decorre da correlação entre requisitos e efeitos deste no mecanismo da norma jurídica.

18 GOZZO, Débora; ALVES, José Carlos Moreira; REALE, Miguel (coord.). Op. cit., p. 134.19 BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Campinas: LZN, t. III, 2003. p. 4.

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Refere, ainda, o autor que: “É, ao mesmo tempo, sanção do ônus imposto à autonomia privada de escolher meios idôneos para atingir os seus escopos de regulamentação dos interesses”.

A invalidade comporta graus de gravidade, podendo implicar em um negócio jurídico nulo, anulável ou inexistente.

Ao presente estudo, interessa o exame, ainda que sucinto, dos negócios jurídicos nulos e anuláveis.

1.2.1.1 Negócio jurídico nulo

O negócio jurídico é nulo quando o vício que o atinge é de maior gravi-dade, tendo sido celebrado com ofensa a normas de ordem pública, elencando o art. 166 do Código Civil os casos de nulidade20.

Pode-se citar entre como exemplo de negócio jurídico nulo por expressa disposição legal aquele que é simulado (art. 167 do Código Civil)21.

A nulidade invalida o negócio desde o seu nascimento, podendo ser ale-gada por qualquer pessoa ou pelo Ministério Público22, não sendo suscetível de confirmação e não convalescendo pelo decurso do tempo23. Pode-se afirmar, assim, que quanto às suas características a nulidade é imediata, absoluta, insa-nável e perpétua.

Contudo, o legislador brasileiro consagrou o instituto da Conversão do Negócio Jurídico, dispondo que: “Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes per-mitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade”24.

1.2.1.2 Negócio jurídico anulável

O negocio jurídico é anulável quando o vício que o atinge é de menor gravidade, restando ofendido interesse de particular que celebrou o negócio.

O art. 171 do Código Civil dispõe que: “Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I – por incapacidade relativa do agente; II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”.

20 Art. 166 do CC: “É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção”.

21 O legislador ressalvou no art. 167 que subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.22 Art. 168 do CC.23 Art. 169 do CC.24 Art. 170 do CC.

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A anulabilidade apenas anula o negócio jurídico após a prolação de sen-tença judicial25 e somente pode ser alegada pela parte prejudicada26, que pode convalidar o ato expressamente27, se assim o desejar, ou tacitamente, por meio do não ajuizamento da ação judicial competente28. Nessa senda, quanto às suas características a anulabilidade é diferida, relativa, sanável e provisória.

Não há consenso doutrinário sobre a possibilidade da aplicação do ins-tituto da Conversão dos Negócios Jurídicos anuláveis, tema que será abordado em capítulo próprio.

1.2.2 Ineficácia do negócio jurídico

Cumpre ainda estabelecer as diferenças entre negócios jurídicos inváli-dos e negócios jurídicos ineficazes.

Diz-se que um negócio jurídico é ineficaz quando, em razão do orde-namento jurídico, não produz, total ou parcialmente, os efeitos que deveria produzir em virtude da declaração de vontade das partes29.

Emílio Betti30 leciona que se trata de negócio jurídico em que, embora estando presentes os elementos essenciais e os pressupostos de validade, não há eficácia por circunstâncias de fatos extrínsecas a ele.

Nessa senda, a invalidade do negócio está relacionada a uma carência intrínseca deste, enquanto a ineficácia relaciona-se a um impedimento extrínse-co para a produção de seus efeitos31.

2 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO CONTRATUAL RELEVANTES PARA O TEMA

2.1 pRincípio da conseRvação dos negócios JuRídicos

O princípio da conservação dos negócios jurídicos resume-se na sal-vaguarda, na medida do possível, de um negócio jurídico em seus três pla-

25 MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Defeitos do negócio jurídico. São Paulo: LTr, 2005. p. 41.26 Art. 177 do Código Civil. A anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício pelo Magistrado.27 Arts. 172 à 176 do Código Civil. O legislador brasileiro assegurou a possibilidade de confirmação do negócio

pelas partes, salvo direito de terceiro.28 Arts. 178 e 179 do Código Civil.29 CASO, Rubén H. Compagnucci. El negocio jurídico: caracterización. Elementos esenciales y accidentales.

Ineficácia. Rescisión. Revocación. Resolución. Nulidad. Vícios de la voluntad. Negocios simulados. Interpretación. Representación. Buenos Aires: Editorial Ástrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 1992. p. 495. “El tema de las ineficácias negociales se relaciona com los efectos de los actos y por ello es posible afirmar que um acto o negocio es eficaz quando desarrolla sus efectos propios y, por lo tanto, resulta ineficaz cuando no produce esos efectos particulares.”

30 BETTI, Emílio. Op. cit., p. 4.31 Idem, ibidem.

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nos: existência, validade e eficácia32, estando previsto no Código Civil francês, art. 1.157, e no Código Civil espanhol, art. 1.28433.

Ademais, o referido princípio está diretamente relacionado aos princípios da boa-fé, da autonomia privada e da função social34.

Como já foi abordado no presente estudo, sendo o negócio jurídico uma declaração de vontade privada que visa à produção de efeitos desejados pelas partes e reconhecidos pelo direito, consistindo na manifestação da autonomia privada, a sua conservação, quando possível35, é útil não apenas para as partes que o celebram, mas também para a sociedade, seja do ponto de vista econô-mico ou do ponto de vista social.

Segundo Eduardo Luiz Bussatta36, é tarefa do intérprete, à luz do prin-cípio da conservação, entender pela invalidade apenas quando for impossível atribuir-lhe algum efeito válido.

Dessa forma, decorrem deste princípio a convalidação dos negócios jurí-dicos anuláveis (art. 172 do CC), a redução de negócios parcialmente viciados (art. 184 do CC) e a conversão dos negócios jurídicos nulos (art. 170 do CC)37.

2.2 pRincípio da autonoMia pRivada

O princípio da autonomia privada é um princípio jurídico fundamental, que compõe o quadro das fontes de direito38, podendo-se afirmar que é a fonte principal das relações contratuais.

32 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit., p. 66.33 CASO, Rubén H. Compagnucci. Op. cit., p. 370.34 SILVESTRE, Gilberto Fachetti; OLIVEIRA, Guilherme Fernandes de. Reflexões em torno do princípio da

conservação do negócio jurídico. Disponível em: <http://www.conpedi.org.branais3607_1230.pdf>. Acesso em: 8 set. 2012.

35 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit., p. 67. O autor ressalva que não é possível conservar negócios jurídicos quando o ordenamento jurídico expressamente: “Nega à vontade a possibilidade de criar regras jurídicas concretas”.

36 BUSSATTA, Eduardo Luiz. Conversão substancial do negócio jurídico. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 26, a. 7, p. 169, abr./jun. 2006.

37 SILVESTRE, Gilberto Fachetti; OLIVEIRA, Guilherme Fernandes de. Op. cit. De acordo com os autores: “O princípio da conservação permite a manutenção do vínculo relacional-obrigacional a partir da adequação do negócio a uma nova realidade; há uma reconsideração de alguns aspectos da estrutura negocial que possibilita ao ato sua validade. Seu âmbito de aplicação ocorre quando da verificação de uma nulidade (nulidade ou anulabilidade, dependendo da gravidade do vício que atinge o negócio), cuja consequência jurídica de tal valoração negativa conduz à invalidade do negócio jurídico, e consequentemente impossibilidade de produção de efeitos jurídicos. Trata-se, na verdade, de um mecanismo a serviço do sistema para evitar, no possível, a nulidade dos negócios ineficazes lato sensu. Então, percebe-se que a essência do princípio é justamente conservar a vontade manifestada pelas partes para que seja possível produzir os efeitos práticos que pretendiam os celebrantes. Preserva-se, com isso, a autonomia privada, cuja manifestação de vontade, como se sabe, é capaz de criar regras nas esferas individuais dos sujeitos, apresentando-se, assim, como algo de significativa importância jurídica”.

38 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Autonomia privada. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/numero9/artigo5.htm>. Acesso em: 9 set. 2012.

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Por meio da autonomia privada, as partes que celebram um negócio jurí-dico estabelecem, por meio da manifestação de sua vontade, regras dotadas de eficiência normativa para o caso concreto, que encontram limites nas normas de ordem pública, nos costumes e na boa-fé, bem como, ainda, na função social do contrato, na lealdade contratual, na probidade, e no equilíbrio contratual39.

As referidas limitações existem em decorrência de que o negócio cele-brado não atende somente ao interesse das partes, sendo dotado também de efeitos que, sendo econômicos ou sociais, refletem-se na sociedade.

Sobre o tema, Francisco dos Santos Amaral Neto40 manifesta-se no sen-tido de que: “O jurista deve considerar a autonomia privada inserida em uma nova concepção do direito, na qual as estruturas jurídicas relacionam-se intima-mente com a sua função social”.

2.3 pRincípio da boa-fé obJetiva

O princípio da boa-fé objetiva originou-se no Direito alemão, e foi am-plamente referido no Código Civil italiano41, estando presente no Direito Civil brasileiro, nos arts. 11342 e 42243 do Código Civil de 2002, que foi elaborado voltado para o sentido social, irradiado no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição de 1988, em contraposição ao sentido individualista presente no Código Civil anterior.

Na lição de Leonardo Roscoe Bessa44, o contrato não pode mais ser visto sob o prisma individualista, pois a boa-fé objetiva exige das partes envolvidas em uma relação contratual solidariedade, transparência, lealdade e coopera-ção, devendo ser avaliado sob o prisma da sua função econômica e social.

A boa-fé objetiva é uma cláusula geral, baseada na confiança, que acar-reta para os contratantes deveres anexos ou secundários, impondo-lhes a ob-servância de certos comportamentos, ainda que não constem expressos nos contratos, com o intuito de possibilitar as justas expectativas que surgem em decorrência da celebração deste, como, por exemplo, o dever de cooperação45.

39 GÓMEZ, J. Miguel Lobato. Autonomia privada e liberdade contratual. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14238/autonomia-privada-e-liberdade-contratual>. Acesso em: 9 set. 2012.

40 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Op. cit.41 FRADERA, Vera Maria Jacob. O direito privado brasileiro na visão de Clovis do Couto e Silva. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 1997. p. 34.42 Art. 113 do Código Civil: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar

de sua celebração”.43 Art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução,

os princípios de probidade e boa-fé”.44 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do

consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 324.45 FRADERA, Vera Maria Jacob. Op. cit., p. 37.

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Tal princípio é um instrumento de suma relevância para a interpretação dos contratos, na busca pela real intenção das partes ao celebrá-los, e também para a integração destes, suprindo eventuais falhas decorrentes de omissões em suas cláusulas46, e destina-se precipuamente aos Magistrados47.

2.4 pRincípio da função social dos contRatos

A função social está expressamente prevista em diversos dispositivos da Constituição Federal. No que se refere ao direito de propriedade, a Carta Mag-na, ao mesmo tempo em que assegura o direito à propriedade privada – art. 5º, caput e inciso XXII –, também o limita, dispondo que o seu exercício deve estar em consonância com a sua função social – art. 5º, inciso XXIII –, e explicita quando a propriedade privada urbana – art. 182, § 2º – e rural – art. 186, caput – atendem-na, estabelecendo, também, a possibilidade de desapropriação do imóvel que não atenda a sua função social – art. 184, caput.

Ainda na seara constitucional, no que tange à ordem econômica, é im-portante observar que no caput do art. 170 da Constituição está disposto que: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, devendo observar os princípios insertos em seus incisos.

Assim, ao dispor sobre os princípios gerais da atividade econômica, a Constituição consagra a propriedade privada – art. 170, inciso II – e a sua fun-ção social – art. 170, inciso III.

No direito privado, o Código Civil dispõe, em seu art. 421, que “a li-berdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

46 REALE, Miguel. História do novo código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. I, 2005. p. 242. Leciona o doutrinador: “Como se vê, a boa-fé é tanto forma de conduta como norma de comportamento, numa correlação objetiva entre meios e fins, como exigência de adequada e fiel execução do que tenha sido acordado pelas partes, o que significa que a intenção destas só pode ser endereçada ao objetivo a ser alcançado, tal como este se acha definitivamente configurado nos documentos que o legitimam. Poder-se-ia concluir afirmando que a boa-fé representa o superamento normativo, e como tal imperativo, daquilo que no plano psicológico se põe como intentio leal e sincera, essencial à juridicidade do pactuado. É o que vê bem Judith Martins- -Costa quando afirma que a boa-fé, com o advento do novo Código Civil, se transformou em ‘topos subversivo do direito obrigacional’, funcionando ‘como cânone hermenêutico integrativo do contrato; como norma de criação de deveres jurídicos, e como norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos’”.

47 FRADERA, Vera Maria Jacob. Op. cit., p. 42. A autora destaca que: “O princípio da boa-fé endereça-se sobretudo ao juiz e o instiga a formar instituições para responder aos novos fatos, exercendo um controle corretivo do Direito estrito, ou enriquecedor do conteúdo da relação obrigacional, ou mesmo negativo em face do Direito postulado pela outra parte. A principal função é a individualizadora, em que o juiz exerce atividade similar a do pretor romano, criando o ‘direito do caso’. O aspecto capital para a criação judicial é o fato de a boa-fé possuir um valor autônomo, não relacionado com a vontade. Por ser independente da vontade, a extensão do conteúdo da relação obrigacional já não se mede com base somente nela, e, sim, pelas circunstâncias ou fatos referentes ao contrato, permitindo-se ‘construir’ objetivamente o regramento do negócio jurídico, com a admissão de um dinamismo que escapa, por vezes, até mesmo ao controle das partes [...]”.

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Miguel Reale leciona que a função social do contrato não resulta em ameaça ao pacta sunt servanda48, estatuindo, apenas, que o negócio não pode, em atenção ao disposto no art. 187 do Código Civil49, resultar em “um instrumen-to para atividades abusivas, causando dano à parte contrária ou a terceiros”50.

Resta claro que o Código Civil de 2002 adotou uma postura social em contrapartida ao caráter individualista do Código Civil de 1916.

Nessa senda, pode-se afirmar que o princípio da função social do contra-to não obstaculiza que as partes pactuem livremente, conforme a sua vontade, limitando apenas que tal pacto seja celebrado em prejuízo da sociedade.

3 CONVERSÃO SUBSTANCIAL DO NEGÓCIO JURÍDICO

A conversão substancial do negócio jurídico é instituto de grande re-levância jurídica, principalmente na área do direito contratual, pois, como já foi visto, advém do princípio maior da conservação dos negócios jurídicos51, tratando-se de uma figura que atenua as exigências do direito positivo, possibi-litando, diante da invalidade de um negócio jurídico, a formação de um novo negócio jurídico que atenda ao interesse das partes e à finalidade lícita exigida pela legislação52.

Antônio Junqueira de Azevedo53 aduz que na conversão substancial do negócio jurídico, este não é o inicialmente almejado pelas partes, mas é aquele que elas desejariam se soubessem da ineficácia do negócio originalmente cele-brado. Destaca o autor que para possibilitar a conversão do negócio é essencial que estejam preenchidos os elementos gerais do plano da existência54.

48 O princípio da força obrigatória dos contratos, também conhecido como princípio do pacta sut servanda, tem origem no Direito romano e se baseia na premissa de que o que foi pactuado entre as partes deve ser cumprido, tendo força de lei entre estas.

49 Art. 187 do Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

50 REALE, Miguel. Função social do contrato. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 9 set. 2012. Prossegue o autor, aduzindo que: “Não há razão alguma para se sustentar que o contrato deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, porque ele, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao poder negocial que é uma das fontes do direito, ao lado da legal, da jurisprudencial e da consuetudinária”.

51 DOUTOR, Maurício Pereira. Da conversão substancial do negócio jurídico. Jus Navigandi, Teresina, a. 13, n. 1693, 19 fev. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10966>. Acesso em: 24 jul. 2012.

52 TRIGINELLI. Wania do Carmo de Carvalho. Op. cit., p. 1. A autora conceitua a conversão substancial como: “O fenômeno em que o intérprete ou a lei consideram um negócio que é nulo, anulável ou ineficaz como sendo de tipo diferente do celebrado, objetivando, através desse artifício, que um negócio seja considerado válido e possa produzir-se, pelo menos, alguns dos efeitos manifestados como queridos pelas partes”.

53 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit., p. 7-8. Refere o autor que: “O negócio, que dela resulta, não era o desejado pelas partes, ou seja, na conversão substancial, se o negócio efetivamente realizado for ineficaz (no sentido amplo desta palavra), mas contiver os pressupostos para que seja eficaz como outro negócio, não previsto, nem desejado, e se houver razões para se presumir que as partes, se por acaso soubessem da ineficácia do negócio realizado, desejariam este outro, converte-se nele o negócio realizado”.

54 Idem, p. 67.

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Segundo Wanda Triginelli55, Teresa Luso Soares ressalta que a conversão é um meio jurídico, mediante o qual, um negócio jurídico inválido, na presen-ça de alguns requisitos, transforma-se em outro com o intuito de resguardar o resultado prático que as partes pretendiam obter.

Para Wanda Triginelli56, a conversão do negócio jurídico integra um todo maior de institutos que visa aproveitar a atuação negocial das partes que passam a ter, “ao seu alcance, um instrumento que lhes permite, de alguma forma, sal-var dos destroços dos atos invalidados o essencial da ordenação autônoma dos interesses que, com o negócio inválido, pretendiam realizar”.

3.1 conveRsão do negócio JuRídico no diReito RoMano

Maria Dora Martinic Galetovic57 aduz que a maioria dos autores reco-nhece que o instituto da conversão do negócio jurídico teve origem no Direito romano.

No sentir de Wanda Triginelli58, os juristas romanos compreenderam a necessidade de, em alguns casos concretos, conservar atos jurídicos inválidos, atribuindo-lhes validade como outro tipo de ato, resguardando a vontade dos contratantes, semeando, assim, o instituto que os juristas hoje denominam de conversão do negócio jurídico.

Pode-se citar, entre outros, como texto favorável à conversão do negócio jurídico no Direito romano, a conversão do testamento civil nulo feito por um militar em testamento militar59.

55 TRIGINELLI, Wania do Carmo de Carvalho. Op. cit., p. 61. Wania Triginelli ainda aduz que: “A figura da conversão existe para o Direito com o fim precípuo de dar remédio, na medida do possível, à irrelevância jurídica que, em princípio, afeta o negócio nulo”.

56 Idem, p. 63. Prossegue a autora, referindo que: “As partes, quando celebram um negócio, têm como objetivo alcançar um fim prático predominantemente de natureza econômica. O conteúdo do negócio é formado pela regulamentação de interesses e que, no plano jurídico, serão os efeitos jurídicos. Mas, não se pode esquecer que esses efeitos não resultam da vontade das partes. O ordenamento jurídico confere à vontade privada a satisfação dos seus interesses alcançada através do negócio jurídico. Não deixa de fixar os limites entre os quais esse poder pode ser exercido e reconhece-lhe relevância jurídica”.

57 GALETOVIC, Maria Dora Martinic. La conversión del negocio jurídico en el derecho mercantil. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1968. p. 19. Refere a autora que: “Según Alvarez Suarez la jurisprudência de la época clássica, si bien no consideró la conversión de manera general, llegó a ella em casos concretos em que se admitió la transformación de um negocio jurídico nulo em outro distinto por ser este último apto para satisfacer el fin práctico perseguido por las partes”.

58 TRIGINELLI, Wania do Carmo de Carvalho. Op. cit., p. 41-43. Aduz a autora: “A construção da figura da conversão tem a sua origem no Direito romano. É certo que se pode verificar inúmeros obstáculos, à época, para a construção de uma teoria sobre tal instituto. Exemplo, a circunstância de a teoria geral do negócio jurídico ser produto da doutrina moderna. Os romanos não haviam formulado tal teoria. Tal não impedia que se ocupassem de maneira concreta em cada negócio particular. Nas suas decisões casuísticas dispuseram sobre princípios gerais e regras válidas para todo negócio jurídico”.

59 TRIGINELLI, Wania do Carmo de Carvalho. Op. cit., p. 43.

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3.2 pRevisão legal de conveRsão do negócio JuRídico no diReito conteMpoRâneo

Para o presente trabalho importa analisar as previsões legais de conver-são de negócios jurídicos no ordenamento jurídico brasileiro e no direito com-parado.

O referido instituto, conforme passaremos a abordar, está inserido em códigos de países como Alemanha, Itália, Portugal e Holanda60.

Na Alemanha, o Código Civil dispõe, desde meados do século XX, que quando o negócio jurídico nulo preencher os requisitos de outro negócio jurí-dico este valerá se restar demonstrado que a sua validade seria almejada pelas partes com o reconhecimento da nulidade do negócio que haviam entabulado61.

Na mesma linha, dispõem o Código Civil italiano, em seu art. 1.424, segunda parte62, e o Código Civil holandês, em seu art. 4263.

É importante observar que apenas o Código Civil português prevê a con-versão de negócios jurídicos anulados, em seu art. 29364, as demais codifica-ções regulam somente a conversão de negócios jurídicos nulos.

3.3 conveRsão substancial do negócio JuRídico no diReito bRasileiRo

3.3.1 Antes da vigência do Código Civil de 2002

No Brasil, a conversão do negócio jurídico foi prevista pela primeira vez no Código Civil de 2002, em seu art. 170, embora já tivesse sido aplicada em decisão judicial65, na vigência do Código Civil de 1916.

A discussão do tema entre os doutrinadores brasileiros também é anterior ao advento do novo código.

De acordo com Del Nero66, Clóvis Beviláqua, embora sem utilizar a ex-pressão conversão, afirmou, em 1929, que: “O instrumento público, ainda que nullo, pode valer como particular, se o acto puder ser realizado por essa fórma, e como princípio de prova por escripto, para os efeitos de direito”.

60 DEL NERO, João Alberto Schützer. Conversão substancial do negócio jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 226-227.

61 PACHECO, José da Silva. Da conversão em face do novo código civil. Disponível em: <http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Jose_da_Silva_pacheco/conversao.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2012.

62 BETTI, Emílio. Op. cit., p. 60.63 VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 100.64 Idem, p. 100.65 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. A conversão dos negócios jurídicos: seu interesse teórico e prático. Revista

dos Tribunais, São Paulo, a. 63, v. 468, p. 19, out. 1974, nota 8, in fine.66 DEL NERO, João Alberto Schützer. Op. cit., p. 242.

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Ainda, Pontes de Miranda67, na década de 1950, já utilizava a expressão conversão para conceituá-la como “o aproveitamento do suporte fáctico, que não bastou a um negócio jurídico, razão de sua nulidade, ou anulabilidade, para outro negócio jurídico, ao qual é suficiente”.

Contudo, o tema passou a ganhar maior relevância com o advento do novo Código.

3.3.2 Após a vigência do Código Civil de 2002

Atualmente, persiste discussão doutrinária sobre a possibilidade da con-versão de negócios jurídicos anuláveis e anulados no Brasil, em que pese à já referida inovação legislativa do Código Civil de 2002.

O novo Código Civil brasileiro dispõe, em seu art. 169, que, em regra, o negócio jurídico nulo não é suscetível confirmação e não convalesce pelo decurso do tempo, mas ressalva, em seu art. 170, a possibilidade de conversão de negócios jurídicos nulos68.

José da Silva Pacheco69 enumera como pressupostos da conversão dos negócios jurídicos a existência de um negócio nulo que possua os requisitos necessários de outro negócio jurídico, e que esses possam produzir efeitos ju-rídicos que satisfaçam os interesses das partes, bem como que o fim buscado pelas partes na celebração do negócio jurídico nulo conduza à convicção de que teriam querido este novo contrato, em lugar daquele, se pudessem prever a sua nulidade.

Ainda no sentir de José da Silva Pacheco70, não é admissível, em virtude do disposto no art. 170 do Código Civil de 2002, a conversão de negócios ju-rídicos anuláveis, pois o citado diploma legal prevê expressamente o negócio jurídico nulo. E prossegue71 referindo que, quanto aos negócios jurídicos anulá-veis, o Código Civil admite a possibilidade de convalidação expressa ou tácita. Nessa senda, o primeiro requisito objetivo seria que o negócio jurídico seja nulo e não anulável.

Em sentido contrário, conforme será abordado em capítulo próprio, Pontes de Miranda72, entre outros autores, defende a possibilidade de conversão de negócios jurídicos anuláveis.

67 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, t. IV, 1954. p. 63.

68 “Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.”

69 PACHECO, José da Silva. Op. cit.70 Idem, ibidem.71 Idem, ibidem.72 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., p. 63.

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O segundo requisito de ordem objetiva é que o negócio jurídico inválido tenha requisitos que sejam suficientes para a configuração de outro negócio jurídico apto a atender à finalidade das partes.

Maurício Pereira Doutor73, que se filia ao entendimento de José da Silva Pacheco de que o negócio jurídico nulo é requisito para a aplicação do instituto da conversão, cita como exemplo de possibilidade desta, quando o negócio é nulo em decorrência da ausência dos requisitos essenciais à sua constituição válida, a compra e venda de bem imóvel de valor elevado por meio de ins-trumento particular, que, por conter elementos bastantes à celebração de um compromisso de compra e venda de bem imóvel, que dispensa a forma pública, pode ser convertido, pois este atende, quanto aos fins, àqueles objetivados pe-los negociantes, ou seja, à transmissão da propriedade imobiliária.

Emílio Betti74, por sua vez, refere que não é suficiente somente a possi-bilidade de conversão: “É preciso, também, que lhe seja reconhecida a opor-tunidade, a correspondência com o critério da boa-fé (arts. 1.366 e 1.375 do Código Civil), e, de um modo geral, com as exigências da justiça”. E prossegue, aduzindo que esta é uma tarefa apenas dos Magistrados, uma vez que cabe ao Poder Judiciário a interpretação e elaboração do direito em vigor.

Como requisito subjetivo, tem-se a suposição de que as partes teriam ele-gido o negócio jurídico convertido se pudessem prever a nulidade do negócio jurídico originalmente celebrado. Tal suposição, contudo, não é concreta, mas sim hipotética75.

4 CONVERSÃO SUBSTANCIAL DE NEGÓCIOS JURÍDICOS ANULÁVEIS NO CAMPO DO DIREITO CONTRATUAL

Como já foi visto no presente trabalho, a conversão substancial dos negó-cios jurídicos é importante medida sanatória daqueles negócios que são nulos. No presente tópico, cabe analisar a possibilidade de sua aplicação também aos negócios jurídicos anuláveis.

Cumpre aduzir que a conversão de negócios anuláveis não está prevista no Código Civil brasileiro, ao contrário do que ocorre no Direito português, no qual está expressamente prevista a conversão dos negócios jurídicos anulados76.

Também na Alemanha está prevista no Código apenas a conversão de negócios nulos, havendo controvérsia doutrinária sobre a possibilidade da con-versão de negócios jurídicos anuláveis.

73 DOUTOR, Maurício Pereira. Op. cit. Nessa linha, aduz o autor: “Sim, porque – nunca é demais repisarmos – consiste a conversão em aparato de conservação de negócios jurídicos, prestigiando, em última análise, as expectativas jurídicas, sociais e econômicas que os circundam, e salvaguardando a boa-fé daqueles que esperavam a celebração válida do acordo, parte ou terceiros”.

74 BETTI, Emílio. Op. cit., p. 58.75 VELOSO, Zeno. Op. cit., p. 103.76 FERNANDES, Luis A. Carvalho. Op. cit., p. 246.

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Luis A. Carvalho Fernandes77 refere o posicionamento de Rutenbeck, sem filiar-se ao mesmo, no sentido de que o pedido de anulação do negócio de-monstra que uma das partes não deseja a sua manutenção e, dessa forma, não se poderia supor que o negócio convertido poderia ter sido desejado por aquele que não desejava o negócio anulável. O autor português refuta os argumentos do autor alemão aduzindo que, em primeiro lugar, se deve analisar o que o autor teria querido ao deparar-se com a destruição do ato praticado e não o que ele queria quando a anulação torna-se aparente; e, em segundo lugar, porque a questão não deve ser analisada somente em razão da vontade de uma das partes que tem legitimidade para postular a anulação do negócio, mas sim sob a ótica de ambas as partes contratantes, por exigência da boa-fé.

Ainda em relação à doutrina alemã, refere Luis A. Carvalho Fernandes78 que Siller e Manigk refutam a aplicabilidade da conversão aos negócios anulá-veis por entender que com a anulação resta destruída a declaração de vontade, faltando, a partir daí, um dos elementos essenciais para a formação do segundo negócio. Mais uma vez, o autor afasta o argumento porque entende que a anu-lação não destrói a manifestação de vontade, mas apenas impede a produção dos efeitos do negócio anulável, de forma retroativa ou não.

Luis A. Carvalho Fernandes79 afirma também que a posição dominante na doutrina é, em suas palavras, “largamente favorável à convertibilidade do negócio anulável”, referindo ser este o posicionamento dominante na Itália.

No Brasil, por seu turno, também não há consenso na doutrina sobre a utilidade da conversão de negócios jurídicos anuláveis, havendo quem defen-da, como foi visto no tópico anterior, que é inútil, pois o ordenamento jurídico brasileiro possibilita a convalidação ou ratificação de negócios jurídicos anu-láveis.

Não obstante à existência das referidas possibilidades, Eduardo Luiz Bussatta80 sustenta que “pode haver algumas hipóteses de negócio anulável em que não seja possível a confirmação ou esta não traga o resultado prático dese-jado, de forma que a conversão seria útil”. Prossegue o autor81, referindo que, se o Código admite a aplicação do instituto da conversão para o caso mais grave – negócio nulo –, não há argumento que possa justificar a sua não aplicação para o caso de vício menos grave – negócio anulável.

Marcos Bernardes de Mello82 aduz que a conversão é o expediente téc-nico que tem como fito o aproveitamento do ato jurídico inválido, nulo ou

77 Idem, p. 248.78 Idem, p. 248-249.79 Idem, p. 249.80 BUSSATTA, Eduardo Luiz. Conversão substancial do negócio jurídico. Op. cit., p. 161.81 Idem, p. 161-162.82 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 6. ed. Saraiva, 2004. p. 253.

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anulável, como outro ato jurídico válido, desde que para o mesmo fim a que foi realizado.

Para Zeno Veloso83, o fenômeno da conversão é aplicável ao negócio jurídico inválido (nulo ou anulável). Sílvio Venosa84 admite a aplicação do ins-tituto para negócios jurídicos nulos e anulados.

Na mesma senda, defendendo a possibilidade de conversão de negócios jurídicos anuláveis, pode-se citar Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho85. Sustentam os autores86 que, à luz do princípio da conservação, com a conversão substancial do negócio jurídico, retira-se o ato negocial da categoria em que seria considerado inválido, colocando-o em outra categoria, sanando--se a nulidade (relativa ou absoluta) que, a princípio, o ato jurídico estaria in-quinado.

Nessa linha, pede-se vênia para discordar dos iminentes autores que não admitem a conversão de negócios jurídicos anuláveis e acompanhar o entendi-mento daqueles que a admitem.

Sabe-se que a aplicação do instituto ocorre com maior frequência no que tange aos negócios nulos, tendo em vista que os anuláveis admitem convalida-ção87. Entretanto, na linha do posicionamento já referido de Luis A. Carvalho Fernandes, entende-se que cabe ao intérprete avaliar o problema não apenas em razão da vontade de uma das partes contratantes, que pode não querer a conversão do negócio, mas sim sob o prisma de ambas as partes contratantes, em atenção aos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e da segurança jurídica.

Emílio Betti88 também defende a possibilidade de “proteção da confiança da contraparte”.

Ora, ainda que o negócio anulável admita convalidação, seria necessá-ria, para tanto, a manifestação de vontade de ambas as partes89. Dessa forma, ao não se admitir a conversão de negócios jurídicos anuláveis, uma das partes celebrantes ficaria desamparada se a outra não manifestasse a intenção de con-firmar o negócio, em evidente afronta à proteção da confiança da contraparte, da boa-fé, da função social do contrato, da segurança jurídica e da justiça,

83 VELOSO, Zeno. Op. cit., p. 98.84 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 7. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2007. p. 471.85 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. São Paulo:

Saraiva, v. I, 2012. p. 445. Referem os autores: “Trata-se, portanto, de uma medida sanatória, por meio da qual aproveitam-se os elementos materiais de um negócio jurídico nulo ou anulável, convertendo-o, juridicamente, e de acordo com a vontade das partes, em outro negócio válido e de fins lícitos”.

86 Idem, ibidem.87 Idem, p. 444.88 BETTI, Emílio. Op. cit., p. 65-66.89 Art. 173, ressalvado o disposto nos arts. 174 e 175, todos do Código Civil.

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estabelecendo-se, assim, uma clara injustiça, pois se o negócio fosse nulo (eiva-do de vícios mais graves) poderia ser convertido.

Outra questão relevante, que decorre da conclusão da possibilidade de conversão de negócios jurídicos anuláveis, é a partir de quando esta seria pos-sível.

Segundo Wannia Triginelli90, Teresa Luso filia-se à parte da doutrina que defende que os negócios jurídicos anuláveis seriam passíveis de conversão ape-nas a partir da sentença de anulação; entretanto, vale destacar que a autora é portuguesa e o Código Civil português, como já foi visto, prevê a possibilidade de conversão de negócios jurídicos anulados.

Wannia Triginelli91 aduz que, para O. Fischer, o Código Civil alemão dis-põe que o negócio, após a sua impugnação, deve ser tido como se nulo fosse, desde o princípio, de maneira que, uma vez anulado o negócio, poderia lhe ser aplicado o regime dos negócios jurídicos nulos.

Del Nero92 destaca que Giovanni Battista Ferri também defende que os negócios jurídicos anuláveis seriam passíveis de conversão, apenas a partir da sentença de anulação, pois a conversão substancial do negócio jurídico só seria possível após o negócio originalmente celebrado tornar-se ineficaz, o que só ocorre com a decretação judicial. Para Ferri, o negócio que se originar da con-versão produzirá efeitos ex nunc, ou seja, após a anulação deste.

Em sentido contrário, Del Nero93 sustenta que somente é possível a con-versão de negócios jurídicos anuláveis, sendo insuscetíveis de conversão os ne-gócios jurídicos anulados, bem como os confirmados ou ratificados. De acordo com o autor, os negócios jurídicos anulados não seriam passíveis de conversão, uma vez que, neste procedimento, a qualificação jurídica não se submete a nenhuma modificação, não havendo a substituição de uma qualificação defi-nitiva por outra, mas sim ocorrendo a opção entre duas qualificações jurídicas provisórias que seriam aplicáveis ao caso.

Em virtude do disposto no já referido art. 177 do Código Civil brasilei-ro, entende-se que a conversão do negócio jurídico anulável deve ocorrer na sentença, antes da anulação do negócio viciado, ou seja, o Magistrado não pronunciará a anulação do negócio originalmente celebrado e o converterá em um novo negócio, cujos efeitos passarão a produzir-se da data da celebração daquele. Se, ao contrário, fosse admitida a possibilidade de conversão apenas após a prolação da sentença, o negócio original valeria até este momento, pois a anulação teria efeito ex nunc. Restando anulado o negócio jurídico original, não se poderia aplicar-lhe o mesmo regime previsto no art. 170 do Código Civil

90 TRIGINELLI, Wania do Carmo de Carvalho. Op. cit., p. 108-109.91 Idem, ibidem.92 DEL NERO, João Alberto Schützer. Op. cit., p. 357.93 Idem, p. 371.

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para os negócios jurídicos nulos – que tem efeito ex tunc –, justamente em de-corrência do efeito ex nunc da anulação.

Por oportuno, cabe citar decisão do 9º Grupo Cível do TJRS, de 201094, que entendeu que, tratando-se a celebração de contrato de compra e venda entre ascendentes e descendentes, de negócio jurídico anulável, por expressa disposição do art. 496 do Código Civil vigente, verificada a simulação relativa entre pais e filhos para dissimular doações feitas em vida com o intuito de ob-ter redução de encargos tributários, à luz do princípio da conservação, pode o Magistrado aproveitar o negócio dissimulado, forte no que dispõem os arts. 167 e 170 do Código Civil.

É, ainda, importante referir recente decisão da 17ª Câmara Cível do TJRS95, de junho do corrente ano, que, entendendo que um negócio jurídico si-mulado sob a égide do Código Civil de 1916 deve ser entendido, nos moldes da legislação vigente à época, como sendo anulável, em que pese seja atualmente considerado nulo pelo Código Civil de 2002, admitiu a sua conversão, sem a anulação do negócio jurídico original, para o fim de determinar que o registro da compra e venda fosse feito em nome de pessoa distinta da que constava na escritura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constata-se, dessa forma, que o tema é controvertido, consistindo em um desafio para os operadores do direito, razão pela qual é importante buscar equacioná-lo, mormente, à luz do princípio da conservação dos negócios ju-rídicos, bem como, na seara do direito contratual, na esteira dos princípios da autonomia privada, da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

Além disso, como restou demonstrado, ainda que o negócio jurídico anu-lável seja passível de convalidação, esta exige, nos termos da legislação brasi-leira, a manifestação de vontade de ambas as partes.

94 Embargos Infringentes nº 70039457338, 9º Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relª Liege Puricelli Pires, Julgado em 10.12.2010.

95 Apelação Cível nº 70047552930, 17ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relª Liege Puricelli Pires, Julgado em 20.06.2012. Transcreve-se parte do voto da Relatora: “Tratando-se de simulação relativa, à luz do princípio da conservação, pode o juiz aproveitar o negócio dissimulado, nos termos do que dispõem atualmente os arts. 167 e 170 do CC/2002, decorrência da chamada conversão substancial do negócio jurídico, instituto oriundo da ‘transinterpretação’ (umdeutung) do § 140 do BGB alemão, já aplicado em nosso ordenamento sob a égide da Codificação anterior, segundo a jurisprudência brasileira, consoante se observa da RT 327/244 e RT 371/295. Tenho que a melhor saída ao caso é realmente a conversão substancial do negócio jurídico, com a manutenção da compra e venda havida, não se declarando sua anulação, até porque o vendedor não fez parte do processo, mas determinando seja o registro realizado em nome de Hildo, verdadeiro comprador, o que não afeta os direitos do vendedor. Isso me parece o mais lógico, célere e necessário, pois já houve o pagamento dos tributos necessários à transferência do bem, mas houve a simulação em relação ao comprador, podendo, portanto, ser tão somente retificado o nome do comprador por meio de averbação na matrícula. Essa saída também é mais prática para fins de resolução das demais ações envolvendo o imóvel, principalmente as relativas à partilha e posse do bem”.

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Nessa senda, cabe ao intérprete possibilitar, quando cabível, a conversão substancial de negócios jurídicos anuláveis, em atenção à proteção da con-fiança da contraparte, da segurança jurídica e da justiça, mormente, porque há previsão legal de aplicação do instituto para negócios jurídicos nulos, que são eivados de vícios mais graves.

Conclui-se, assim, que a conversão substancial do negócio jurídico anu-lável deve ocorrer somente quando proposta ação anulatória por uma das par-tes, na sentença, sem que haja a anulação do negócio originalmente celebrado, com a sua conversão em um novo negócio, cujos efeitos passarão a produzir-se da data da celebração daquele, uma vez que a conversão apenas após a prola-ção da sentença anulatória daria eficácia ao negócio original até este momento, pois a anulação teria efeito ex nunc.

Espera-se, assim, ter contribuído para um maior esclarecimento a respei-to do tema, promovendo a informação e debate a respeito do assunto, visando à defesa e à preservação dos princípios e normas previstas no nosso ordenamento constitucional e infraconstitucional, assim como o estudo por parte dos opera-dores do direito de tema atual e relevante.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.421.580 – SP (2013/0394049‑9)Relator: Ministro Herman BenjaminRecorrente: Laffit Veículos Ltda.Advogado: Lucas Eduardo SardenhaRecorrido: União

eMenta

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – DEFERIMENTO DA PENHORA VIA BACEN JUD – ADESÃO AO PARCELAMENTO INSTITUÍDO PELA LEI Nº 11.941/2009 – AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO JUÍZO – POSTERIOR EFETIVAÇÃO DA MEDIDA CONSTRITIVA – MANUTENÇÃO DA GARANTIA – INVIABILIDADE

1. Controverte-se a respeito do acórdão que manteve o bloqueio de dinheiro (R$ 541.154,60 – suficiente para quitação integral do crédito tributário), ao argumento de que sua efetivação, em 02.12.2009, de-correu do cumprimento de decisão proferida em 25.11.2009, anterior à adesão da empresa (27.11.2009) ao parcelamento instituído pela Lei nº 11.941/2009.

2. O STJ possui entendimento de que é legítima a manutenção da penho-ra preexistente à concessão de parcelamento, uma vez que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário não tem efeito retroativo.

3. A situação dos autos, porém, é diversa: a penhora inquestionavelmen-te foi efetivada quando o crédito estava suspenso.

4. Não houve propriamente erro da autoridade judicial, pois a recorren-te, que já integrava a relação jurídico-processual (a medida constritiva somente foi determinada porque a empresa não honrou parcelamento anterior, rescindido por inadimplência), não comunicou ao juízo a cele-bração de novo acordo administrativo para quitação parcelada.

5. Dessa forma, o provimento jurisdicional aqui concedido apenas leva em consideração o retrato vigente à época dos fatos. A liberação do va-lor, como consequência do julgamento do Recurso Especial, deve ser adotada pelo juízo de primeiro grau, competente para emitir nova ordem para liberar o bem penhorado. Nada o impede de, ao cumprir a presente solução dada à demanda, examinar previamente a situação fático-jurí-dica atual do parcelamento outrora requerido (art. 462 do CPC) e, com base nessa constatação, aplicar o que entender de Direito. Isso porque é

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 139

imperioso observar que a execução é promovida no interesse do credor (art. 612 do CPC).

6. Recurso Especial provido.

acóRdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-das, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 04 de fevereiro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Herman Benjamin Relator

RelatóRio

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator):

Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição da República, contra acórdão assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AGRAVO – ART. 557, CPC – EXECUÇÃO FISCAL – ADESÃO A PARCELAMENTO – LEI Nº 11.941/2009 – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO – LEVANTAMENTO DE ARRESTO OU PE-NHORA – DESCABIMENTO – MANUTENÇÃO DAS GARANTIAS EXISTENTES – OBRIGATORIEDADE – PRECEDENTES – AGRAVO A QUE SE NEGA PROVI-MENTO.

Os Embargos de Declaração foram rejeitados.

A recorrente alega violação dos arts. 535, II, e 620 do CPC, dos arts. 12 e 16 da Lei nº 6.830/1980, dos arts. 1º, § 6º, e 11 da Lei nº 11.941/2009, do art. 127 da Lei nº 12.249/2010 e do art. 151, VI, do CTN. Defende a tese de que deve ser liberada a penhora realizada via Bacen Jud, porque efetivada posterior-mente à concessão de parcelamento.

Foram apresentadas as contrarrazões.

O Tribunal de origem admitiu o apelo e o enviou com sugestão de pro-cessamento no rito do art. 543-C do CPC.

É o relatório.

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140 ���������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

voto

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator):

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do Recurso Es-pecial.

Preliminarmente, não acolho o processamento do apelo no rito do art. 543-C do CPC porque a demanda possui peculiaridade que inviabiliza a elaboração de tese repetitiva: embora o tema da manutenção da penhora pre-existente à concessão de parcelamento seja recorrente neste Tribunal Superior, a situação fática narrada nos autos é oposta, ou seja, a adesão ao parcelamento ocorreu antes da efetivação do bloqueio de dinheiro via Bacen Jud.

Com efeito, o Tribunal de origem expressamente delineou as circunstân-cias fáticas nos seguintes termos (fl. 257, e-STJ):

[...] a indisponibilidade e o bloqueio de ativos financeiros pelo Sistema Bacen Jud foram requeridos em 16.07.2009 (fls. 87/90), deferidos em 25.11.2009 (fl. 98), e efetuados em 02.12.2009 (fl. 100).

Por sua vez, a executada protocolizou em 23.12.2009, manifestação de fls. 107/109, informando a sua adesão ao parcelamento disposto pela Lei nº 11.941/2009, efetuada em 27.11.2009, requerendo o imediato levantamento da constrição, sendo determinada a manifestação da exequente, que requereu a manutenção da constrição.

Assim, a adesão da executada, ora agravante, ao parcelamento mencionado ocorreu somente em 27.11.2009, ou seja, após o deferimento do pedido de blo-queio dos valores, sendo certo que a falta de formalização da penhora não pode resultar na sua desconstituição.

Verifica-se, portanto, que, ao tempo em que foi efetivada a penhora (02.12.2009), o débito estava parcelado (27.11.2009).

O art. 11, I, da Lei nº 11.941/2009 dispõe o seguinte (grifei):

Art. 11. Os parcelamentos requeridos na forma e condições de que tratam os arts. 1º, 2º e 3º desta Lei:

I – não dependem de apresentação de garantia ou de arrolamento de bens, ex-ceto quando já houver penhora em execução fiscal ajuizada;

Este Tribunal Superior, em relação à matéria, entende legítima a disposi-ção normativa que prevê a manutenção de penhora realizada previamente ao parcelamento do débito, conforme se verifica nos precedentes abaixo:

TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – BACEN JUD – ADESÃO POSTERIOR AO PARCELAMENTO – MANUTENÇÃO DAS GARANTIAS PRES-TADAS – PRECEDENTES

1. Esta Corte tem entendimento pacificado de que o parcelamento de créditos suspende a execução, mas não tem o condão de desconstituir a garantia dada

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em juízo. Precedentes: AgRg-REsp 1.208.264/MG, DJe 10.12.2010; AgRg-REsp 1.146.538/PR, DJe 12.3.2010; REsp 905.357/SP, DJe 23.04.2009.

2. Recurso especial não provido (REsp 1240273/RS, Relª Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18.09.2013).

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – EXECUÇÃO FISCAL – MANUTENÇÃO DA INDISPONIBI-LIDADE DE VALORES VIA BACEN JUD EFETIVADA ANTES DA ADESÃO DO CONTRIBUINTE A PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO – POSSIBILIDADE – INTER-PRETAÇÃO DO ART. 11, I, DA LEI Nº 11.941/2009

1. O acórdão recorrido analisou todas as questões necessárias ao desate da con-trovérsia, só que de forma contrária aos interesses da parte. Logo, não padece de vícios de omissão, contradição ou obscuridade, a justificar sua anulação por esta Corte. Tese de violação do art. 535 do CPC repelida.

2. Esta Corte possui entendimento pacífico no sentido de que o parcelamento tributário possui o condão de suspender a exigibilidade do crédito, porém não tem o condão de desconstituir a garantia dada em juízo. Precedentes: AgRg--REsp 1249210/MG, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 24.06.2011; AgRg-REsp 1208264/MG, 1ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 10.12.2010.

3. Na espécie, o Tribunal de origem, apesar de reconhecer que o parcelamento tributário possui o condão de suspender o curso da execução, com a respectiva manutenção das garantias do crédito fiscal, concluiu pela impossibilidade da manutenção do bloqueio de valores do devedor por meio do Bacen Jud, sob o fundamento de que “a onerosidade imposta ao executado revela-se intensa, pois, de modo diverso da penhora sobre bens corpóreos tais como imóveis e veículos, em que o devedor fica como depositário e continua com a posse do objeto corpóreo, os valores bloqueados tornam-se de imediato indisponíveis, privando-se o titular, na prática, de todos os direitos atinentes ao domínio” (e-STJ fl. 177).

4. Ocorre que “o art. 11, I, da Lei nº 11.941/2009 não prevê que a manutenção da garantia encontra-se vinculada à espécie de bem que representa a garantia prestada em Execução Fiscal. Dito de outro modo, seja qual for a modalidade de garantia, ela deverá ficar atrelada à Execução Fiscal, dependendo do resulta-do a ser obtido no parcelamento: em caso de quitação integral, haverá a poste-rior liberação; na hipótese de rescisão por inadimplência, a demanda retoma o seu curso, aproveitando-se a garantia prestada para fins de satisfação da preten-são da parte credora” (REsp 1.229.025/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 22.02.2011, DJe 16.03.2011).

5. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1229028/PR, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18.10.2011)

Reitero que os julgados acima são referentes às situações em que há constrição judicial preexistente ao parcelamento. Ora, como este representa hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a causa incide a

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partir do parcelamento, sem efeito retroativo (daí o motivo pelo qual deve ser mantida a garantia prestada nos autos).

Em contrapartida, se ainda não havia penhora na Execução Fiscal, a sus-pensão decorrente do parcelamento obsta o andamento do feito, no que diz respeito às medidas de cobrança.

Consequentemente, se a exigibilidade foi suspensa em 27.11.2009, não havia motivo para efetivar, em 02.12.2009, a ordem de bloqueio.

No caso dos autos, verifico que a Fazenda Nacional requereu a penhora via Bacen Jud porque a empresa havia aderido ao parcelamento denominado Paex, instituído pela Medida Provisória nº 303/2006, e tornado-se inadimplente desde agosto de 2007 (fl. 95, e-STJ), o que levou o juízo de primeiro grau a, satisfeito com o acervo probatório da época, deferir o pedido (fl. 105, e-STJ).

Como consequência, a restrição judicial foi exitosa, acarretando a indis-ponibilização da quantia de R$ 541.154,60 suficiente para quitação integral do crédito tributário (fl. 108, e-STJ).

Assim, o bloqueio efetivamente ocorreu após a adesão ao novo parce-lamento – o que conduz ao provimento deste apelo –, mas a verdade é que a medida judicial foi concretizada e, diga-se de passagem, decorreu da negli-gência da recorrente, que, integrando a relação jurídica processual, requereu administrativamente a inclusão no parcelamento e não comunicou a autoridade judicial.

Quer isto dizer que o provimento jurisdicional aqui concedido apenas leva em consideração o retrato vigente à época dos fatos. A liberação do valor, como consequência do julgamento do Recurso Especial, é medida a ser adotada pelo juízo de primeiro grau, competente para emitir nova ordem para liberação do bem penhorado.

Nada o impede – pelo contrário, a medida é recomendável – de, ao cumprir a presente solução dada à demanda, examinar previamente a situação fática e jurídica atual do parcelamento outrora requerido (art. 462 do CPC) e, com base nessa constatação, aplicar o Direito. Isto porque é imperioso observar que a execução é promovida no interesse do credor (art. 612 do CPC).

Com essas considerações, dou provimento ao Recurso Especial.

É como voto.

ceRtidão de JulgaMento segunda tuRMa

Número Registro: 2013/0394049-9 REsp 1.421.580/SP

Números Origem: 00274106220104030000 201003000274103

Pauta: 04.02.2014 Julgado: 04.02.2014

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 143

Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Maria Caetana Cintra Santos

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

autuação

Recorrente: Laffit Veículos Ltda.

Advogado: Lucas Eduardo Sardenha

Recorrido: União

Assunto: Direito tributário – Dívida ativa

ceRtidão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência

7902

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.381.719 – BA (2013/0138008‑3)Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: Empi – Empreendimentos Imobiliários Ltda. e outroAdvogados: Guilherme Henrique Magaldi Netto e outro(s)

João Geraldo Piquet Carneiro e outro(s) Arthur Lima Guedes e outro(s) Antonio Henrique Medeiros Coutinho e outro(s)

Recorrido: Édio Athayde Gantois – Espólio e outrosRepr. por: Sônia Paranthos Gantois – InventarianteAdvogados: Roque Aras e outro(s)

Fernando Cesar de Souza Cunha e outro(s) Viviane Aras Ribas e outro(s)

eMenta

RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL E SOCIETÁRIO – ALTERAÇÃO DE CONTRATO SOCIAL – INGRESSO DE NOVOS SÓCIOS E ESTABELECIMENTO DE REGRA ESPECÍFICA PARA ALIENAÇÃO DE BENS – PROCURAÇÃO QUE VIABILIZAVA TRANSFERÊNCIA DE BENS IMÓVEIS A SÓCIO RETIRANTE OUTORGADA SOB A VIGÊNCIA DO NOVO ESTATUTO – ALTERAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL REALIZADA ANTES DA LAVRATURA DA PROCURAÇÃO, CONTUDO LEVADA A REGISTRO PÚBLICO EM MENOS DE 30 DIAS – RETROAÇÃO DE EFEITOS DO REGISTRO – VÍCIO DE PRESENTAÇÃO – INVALIDADE DA PROCURAÇÃO E DA PROMESSA DE DAÇÃO EM PAGAMENTO – NÃO CONFIGURAÇÃO DE ATO ILÍCITO POR PARTE DA SOCIEDADE – ARTS. ANALISADOS: 17 E 159 DO CC/1916 E 36 DA LEI Nº 8.934/1994

1. Ação de anulação de negócio jurídico c/c compensação de danos morais ajuizada em 30.09.2003, da qual foi extraída o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 10.06.2013.

2. Discute-se a retroação de efeitos de novo contrato social registrado a menos de 30 dias de sua assinatura, a culminar na invalidade de procu-ração outorgada para fins de transferência de bens imóveis da sociedade, lavrada no trintídio compreendido entre ambos atos jurídicos.

3. Na espécie, segundo consta do acórdão recorrido, no interreg-no de 30 dias foi assinada/confeccionada a alteração do contrato so-cial (04.06.1990), lavrada a procuração ora questionada (20.06.1990) e, por fim, levada a registro público a referida modificação estatutária (28.06.1990).

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4. Nos termos do art. 39 da Lei nº 4.726/1965, a alteração do contrato social – havida na hipótese antes da lavratura da procuração – teve vi-gência imediata (leia-se, a contar de sua assinatura) exatamente porque levada a registro em menos de 30 dias. Assim, inegavelmente, ao tem-po em que lavrada a procuração, a sociedade recorrente não era mais integrada apenas pelos sócios que a outorgaram. Mais ainda, já estava vigente regra nova e específica estabelecendo requisitos para alienação/oneração de bens.

5. Vício de presentação da pessoa jurídica que invalida a procuração outorgada e também a promessa de dação em pagamento nela contida e, assim, afasta a prática por parte da sociedade empresária de qualquer ato ilícito extrapatrimonial.

6. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido.

acóRdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Ter-ceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, dar provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justi-ficadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Dr(a). Arthur Lima Guedes, pela parte Recorrente: Empi – Empreendimentos Imobiliários Ltda. Dr(a). Fer-nando Cesar de Souza Cunha, pela parte Recorrida: Édio Athayde Gantois. Dr(a). Fernando Cesar de Souza Cunha, pela parte Repr. por: Sônia Paranthos Gantois.

Brasília (DF), 10 de dezembro de 2013 (data do Julgamento).

Ministra Nancy Andrighi Relatora

RelatóRio

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por Empi – Empreendimentos Imobiliários Ltda., com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitu-cional.

Ação: de anulação de negócio jurídico c/c compensação de danos mo-rais ajuizada por Édio Athayde Gantois e sua esposa Sônia Paranthos Gantois contra a recorrente Empi – Empreendimentos Imobiliários Ltda. (antiga Gantois

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Administradora de Bens Ltda., sucessora da Urbanista Urbanizadora Salvador Ltda.), Carlos Luciano Farias Guimarães Filho e Wilian Calixto Assis, na qual sustentam a alienação indevida de quatro lotes urbanos pela ré-recorrente para os últimos réus, imóveis os quais (juntamente com outros dois) teriam sido da-dos em pagamento ao primeiro autor quando de sua retirada da sociedade ré ainda quando esta se denominava Urbanista Ltda.

Explicam que, para viabilizar a transferência dos imóveis dados em pa-gamento, foi outorgada pela sociedade recorrente uma procuração pública. Di-zem ter tomado conhecimento da alienação, em favor dos dois últimos réus, de parte dos lotes que foram objeto da dação em pagamento, os quais foram a estes efetivamente transferidos, possibilitando assim a transferência de apenas dois dos imóveis dados em pagamento. Aduzem a má-fé dos dois últimos réus, terceiros adquirentes, e, por isso, pedem a anulação do negócio realizado.

Reconvenção: oferecida pela ré-recorrente Empi – Empreendimentos Imobiliários Ltda., pediu a anulação da procuração outorgada em favor dos autores, por vício de representação da sociedade, e também a “nulidade dos registros translativos das propriedades” dos dois lotes efetivamente transferidos aos autores.

Sentença: julgou procedente o pedido para anular a alienação posterior (em favor dos terceiros adquirentes) dos imóveis dados em pagamento para li-quidação das cotas sociais do autor Édio Athayde e, ainda, para condenar a ré, ora recorrente, à compensação de danos morais no valor de R$ 25.000,00. Por sua vez, julgou improcedentes os pedidos formulados na reconvenção.

Acórdão: deu parcial provimento à apelação interposta pela ré-recor-rente Empi – Empreendimentos Imobiliários Ltda. para “excluir da sentença a declaração de nulidade dos negócios jurídicos celebrados entre os réus [...]”, condenando-a ao “pagamento aos autores de quantia equivalente ao valor de mercado atual dos referidos lotes”, por considerar de boa-fé os terceiros adqui-rentes. Os honorários sucumbenciais fixados na sentença foram reduzidos e a condenação à compensação dos danos morais foi mantida na forma fixada na sentença. Ementa assim redigida:

APELAÇÕES CÍVEIS – SIMULTÂNEAS AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM PERDAS E DANOS – SENTEN-ÇA QUE JULGOU PROCEDENTE PARCIALMENTE A AÇÃO E IMPROCEDENTE A RECONVENÇÃO – PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO DA EMPI EM-PREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. – PROVIMENTO DA APELAÇÃO DE SILVIA VELLOSO E OUTROS

No agravo retido de fls. 292/295, o Agravante, ora 1º Apelante, insurgiu-se con-tra a apresentação pelos Autores dos documentos de fls. 249/253, sob a alega-ção de que a juntada se deu de forma extemporânea, razão pela qual requereu o desentranhamento dos mesmos, o que foi indeferido pelo Juízo a quo. A refe-rida decisão agravada deve ser mantida, eis que a jurisprudência pátria permite

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a flexibilização da regra do art. 396 do CPC, quando o caso concreto justifi-que, tenha sido respeitado o contraditório e não haja má-fé das partes litigantes. Agravo retido improvido.

No agravo retido de fls. 332/339, o Agravante, ora 1º Apelante, insurgiu-se con-tra a decisão que: a) rejeitou a preliminar de legitimidade ativa; b) rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva; c) e rejeitou a denunciação da lide. Contu-do, se a matéria discutida nos autos envolve, em abstrato, supostos direitos dos Apelados e obrigações do 1º Apelante, é lógico que se conclua pela existência de legitimidade ativa por parte daqueles e de legitimidade passiva por parte des-te último. A denunciação da lide, neste caso, implicaria em indevida ampliação dos limites objetivos da lide. Agravo retido improvido.

Inexistência da nulidade apontada no instrumento procuratório outorgado para viabilizar o negócio firmado entre as partes consistente em uma dação em paga-mento.

Reconhecida a existência do negócio jurídico, consistente em um compromisso de dar em pagamento os lotes objeto da discussão.

Contudo, ao contrário do quanto aduzido na sentença, a existência de tal negó-cio não é capaz de atribuir direito de propriedade sobre os lotes (o qual somen-te nasce com o registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis), atribuindo-lhe, tão somente, direito pessoal, de natureza obrigacional (daí por-que ora se fala apenas em compromisso de dação em pagamento).

Inexistência de prova efetiva acerca da má-fé dos 2º Apelantes, adquirentes dos imóveis, que impede, nesta ação, a declaração de nulidade das escrituras pú-blicas.

Dessa forma, a questão entre o 1º Apelante e os Apelados deve ser resolvida em perdas e danos. Isso porque o caso presente engloba hipótese de inadimple-mento de obrigação. Vale dizer, o 1º Apelante comprometeu-se a dar em paga-mento os imóveis ora em litígio, tendo inadimplido tal obrigação, a qual deixou de ser exequível em razão do envolvimento de interesse de terceiros. Diante disso, deve ser condenado no pagamento da quantia equivalente ao valor de mercado atual dos lotes reclamados.

Danos morais configurados. Condenação quanto à apelante Empi – Empreendi-mentos Imobiliários Ltda.

Honorários advocatícios. Redução do Valor.

Embargos de Declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados.

Recurso Especial: alega violação dos arts. 128, 131, 183, 458, II, 473 e 535, I e II, do CPC; 39 da Lei nº 4.726/1965; 36 da Lei nº 8.934/1994; 17, 82, 159, 1.059 do CC/1916; 186, 402, 403 e 927 do CC/2002, bem como dissídio jurisprudencial.

Sustenta que o acórdão recorrido foi omisso quanto à violação aos arts. 39 da Lei nº 4.726/1965 e 36 da Lei nº 8.934/1994, havendo, assim, negativa de prestação jurisdicional. Ainda, assevera i) a invalidade da procuração apre-

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sentada, ante a retroatividade da averbação da alteração do contrato social, que exigia a assinatura de pelo menos três sócios em atos que importassem em alienação de bens da sociedade; ii) não haver prova do negócio de que decor-reria a procuração; iii) ter o recorrido dado quitação quando de sua retirada da sociedade; e iv) a existência de dissídio jurisprudencial quanto à conclusão pela existência de dano moral.

Prévio juízo de admissibilidade: o recurso foi admitido na origem (fls. 845/846, e-STJ). Em decisão unipessoal neguei seguimento ao recurso espe-cial (fls. 855/857, e-STJ), tendo, contudo, após interposição de agravo regimen-tal pelo recorrente, reconsiderado referida decisão para inclusão do processo em pauta (fl. 878, e-STJ).

Embargos de Declaração: interpostos pelos recorridos Édio Athayde Gantois e Sônia Paranthos Gantois (fls. 884/889, e-STJ) contra a decisão de re-consideração que determinou a inclusão do processo em pauta para julgamento colegiado.

É o relatório.

voto

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relator):

Cinge-se a controvérsia a determinar i) a validade de procuração outorga-da por pessoa jurídica – para alienação de bens imóveis seus – cuja composição societária foi objeto de alteração antes da lavratura daquela, a qual passou a exigir assinatura de três administradores para atos de alienação de bens, tendo sido, ao revés, a procuração assinada pelos dois sócios que antes integravam a sociedade; e, incidentalmente, ii) a existência de negativa de prestação jurisdi-cional.

01. Inicialmente, a título de registro, impõe salientar que o vício que se discute haver na procuração é de presentação (e não propriamente de represen-tação), na medida em que, uma vez aceita a concepção de que a pessoa jurídica expressa-se, como sujeito de direito autônomo que é, por meio de pessoa(s) física(s) indicada(s) no contrato social, não se concebe a ideia de representação porque não há intermediários agindo em nome da pessoa jurídica, estando, em verdade, ela própria, diretamente, praticando atos da vida civil.

02. Com perspicácia, Fábio Ulhoa Coelho explica que:

“Tomando-se por premissa a constatação de que a pessoa jurídica não existe fora do direito positivo, afirma-se impossível ela manifestar vontade senão por meio de pessoas físicas. Decorre daí que os órgãos não substituem a vontade da sociedade anônima, mas a expressam. Não são, a rigor, representantes, mas presentantes, no sentido de que tornam presente a vontade da companhia (cf., por todos, Pontes de Miranda, 1965:385). [...] O administrador, assim, no rigor

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da técnica, deveria ser chamado de presentante legal, porque lhe incumbe tor-nar presente a vontade da sociedade empresária [...]” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. Sociedades. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 201 e p. 459).

03. Assim, sob esse enfoque será tratada a controvérsia ora apreciada.

1 PRELIMINARMENTE – DA RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO UNIPESSOAL DE NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO RECURSO ESPECIAL E CONSEQUENTE INCLUSÃO DO PROCESSO EM PAUTA

04. Os recorridos Édio Athayde Gantois (espólio) e Sônia Paranthos Gantois interpuseram embargos de declaração contra a decisão de fl. 878 sus-tentando que não houve pronunciamento “sobre a presença dos pressupostos necessários para o conhecimento do agravo regimental, razão pela qual há de ser integrada [a decisão proferida], com o acolhimento dos presentes embargos de declaração, especialmente porque a ausência de impugnação da decisão agravada resultaria no não conhecimento do agravo regimental, com o reco-nhecimento do trânsito em julgado do acórdão recorrido, impedindo o juízo de retratação”.

05. A insurgência claramente se volta contra o conteúdo/resultado da decisão atacada, demonstrando claro descontentamento com a providência adotada.

06. Com efeito, não há indicação de qualquer vício – a não ser uma su-posta ausência de fundamentação – que macule a decisão recorrida e, assim, exija sua integração ou complementação.

07. Nesse termos, o recurso interposto mais se assemelha a um agravo re-gimental, na medida em que se pretende, ao fim e ao cabo, verdadeira reforma da decisão recorrida. Assim, como tal deve ser analisado.

08. Ocorre, entretanto, que “não cabe agravo regimental da decisão do relator que der provimento a agravo de instrumento, para determinar a subi-da de recurso especial não admitido (§ 2º do art. 258 do RISTJ)” (AgRg-AREsp 168.899/GO, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., DJe 09.08.2012).

Igualmente, por analogia, deve ser com relação à decisão que apenas reconsidera provimento monocrático para melhor exame do recurso especial pelo órgão colegiado.

09. Ademais, de outro vértice, não se verifica a alegada inovação recursal supostamente havida no agravo regimental porque a reconsideração leva em conta apenas e tão somente o tanto quanto discutido no recurso especial e, no julgamento colegiado, sem dúvidas os limites cognitivos traçados na lide recur-sal serão necessariamente observados.

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10. Acrescente-se, ainda, que a simples impugnação à ausência de ne-gativa de prestação jurisdicional, conforme se denota das razões do agravo re-gimental (fls. 863/864, e-STJ), seria suficiente para o conhecimento do recurso tendo em vista tratar-se de questão prejudicial.

11. É sabido, ainda, que “não há vínculo entre a decisão singular, que conheceu do agravo e determinou a sua reautuação como recurso especial, com a obrigatoriedade de se examinar o próprio recurso em seu mérito” (AgRg--REsp 1.320.171/SP, minha relatoria, 3ª T., DJe 29.04.2013). O mesmo se aplica à decisão de reconsideração, nada impedindo a análise ampla da insurgência recursal.

12. Significa dizer que, a despeito da reconsideração, não se impede, v.g., o reconhecimento de alguma causa impeditiva de seguimento do recurso especial e, exatamente por isso, não se vislumbra qualquer prejuízo ou nulidade de ordem formal que possa prejudicar recorrido.

13. Por fim, quanto à alegação de que o patrono subscritor dos aclarató-rios não teria sido intimado da inclusão em pauta, ressalto não haver nos autos – a não ser apenas agora nos embargos de declaração – qualquer requerimento de publicação exclusiva, destacando, ainda, que os advogados do recorrido foram devidamente intimados da designação do julgamento, conforme tudo atesta a certidão de fl. 890, e-STJ.

14. Assim, por todo o exposto, não há se falar em retirada do processo da pauta, devendo prosseguir o julgamento do recurso quanto ao mérito e, con-sequentemente, ser rejeitada a insurgência manifestada pela via dos embargos de declaração, ex vi do disposto no art. 258, § 2º, do RISTJ, aplicado à espécie por analogia.

2 OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

15. Segundo a recorrente, “deixou o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia de aplicar a sistemática instituída pelo art. 39 da Lei nº 4.726/1965 e art. 36 da Lei nº 8.934/1994, os quais encampam e justificam a tese de invali-dade do instrumento de procuração [...] em virtude da retroação dos efeitos da alteração do contrato social apresentado à Junta Comercial em até 30 (trinta) dias da sua assinatura”.

16. Como se vê, a insurgência diz respeito à insatisfação com o resultado do julgamento realizado pelo Tribunal de origem, o qual, para todo s os efeitos, enfrentou a questão da validade da procuração que viabilizava a transferência dos imóveis dados em pagamento de cotas sociais.

17. Esse debate na origem, objeto do tópico seguinte, no qual se reco-nhece o prequestionamento dos arts. 17, CC/1916 e 36 da Lei nº 8.934/1994, afasta, portanto, a alegação de negativa de prestação jurisdicional.

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18. Assim, não há se falar em violação ao art. 535, II, do CPC.

3 VIOLAÇÃO AOS ARTS. 128, 131, 183, 458, II, 473 E 535, I, DO CPC, ARTS. 82 E 1.059, DO CC/1916 E ARTS. 186, 402, 403 E 927 CC/2002 – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO E FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE

19. O acórdão recorrido não decidiu acerca dos arts. 128, 131, 183, 458, II, 473 e 535, I, CPC, arts. 82 e 1.059, CC/1916 e arts. 186, 402, 403 e 927, CC/2002, indicados como violados.

20. Ademais, os argumentos invocados pela recorrente não demonstram como o acórdão recorrido violou os referidos dispositivos.

21. Por isso, o julgamento do recurso especial é inviável, no particular, face os óbices dos Enunciados nºs 282 e 284 da Súmula/STF.

4 VIOLAÇÃO AOS ARTS. 17, CC/16 E 39 DA LEI Nº 4.726/1965 – INVALIDADE DA PROCURAÇÃO OUTORGADA PARA TRANSFERÊNCIA DE BENS DA SOCIEDADE E DA PROMESSA DE DAÇÃO EM PAGAMENTO POR VÍCIO DE PRESENTAÇÃO

22. Quanto à procuração atacada pela recorrente, subscrita pelos dois sócios que outrora integravam a sociedade, a qual teria sido outorgada para pagamento de cotas societárias do autor-recorrido Édio Athayde Gantois, reco-nheceu o acórdão recorrido sua validade com base nos seguintes fundamentos:

“O 2º apelante Empi – Empreendimentos Imobiliários Ltda. [...] afirma que a premissa inicial utilizada não se mostra correta, eis que o contrato social que contém a referida exigência [assinatura de três sócios] encontra-se anexado aos autos às fls. 13/22.

Pois bem. Analisando os autos, observa-se que a procuração impugnada foi la-vrada em cartório em 20.06.1990. Contudo a alteração contratual da Urbanista (antecessora da do 1º Apelante), de fls. 13/22 dos autos, embora tenha sido as-sinada em 04.06.1990, somente foi averbada na Juceb em 28.06.1990 (fl. 23v), ou seja, após a assinatura da procuração pública.

Veja-se que a mencionada alteração contratual, antes de ser registrada, somen-te poderia ser suscitada por aqueles que a assinaram, para invocar ou proteger direito próprio decorrente das negociações entabuladas (em caso de violação a tais direitos), o que não é o caso dos autos. Para a empresa, ou seja, para a pes-soa jurídica, bem como para terceiros, o que tem efetiva validade é o contrato social na forma como registrado na Juceb.

Assim, antes da averbação relativa à alteração contratual acima referida, os atos societários regiam-se pelo contrato social em sua forma anterior, nele constando como sócios apenas Eunice Pereira de Athayde Gantois e Édio Athayde Gantois, justamente aqueles que assinaram a procuração de fl. 11 dos autos.

Dessa forma, não se observa a nulidade apontada pelo 2º apelante [Empi].

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Ademais, como bem ressaltou a sentença recorrida: ‘os documentos de fls. 314/318 (escrituras públicas), por si, afastam o argumento dos réus, por-quanto, como representantes da 2ª Ré (Urbaniza), à época do negócio jurídi-co celebrado com a OAS Empreendimentos Ltda., datado de 08.07.1990, as-sinaram exatamente as duas pessoas (o 1º Autor e Eunice Pereira de Athayde Gantois) que constaram daquela questionada procuração (de fl. 11)’.”

23. Em suma, a recorrente defende que o acórdão violou a regra de que o registro de alteração no quadro societário retroage à data de sua realização quando aquele é feito em até 30 dias, pois a procuração que permitia ao autor Édio Athayde Gantois transferir para si imóveis da sociedade foi lavrada – muito embora antes do registro – após a alteração do contrato social e, especialmente, no trintídio que leva à retroação de efeitos daquele.

24. Como se observa, o acórdão recorrido levou em consideração apenas o fato de que a procuração foi lavrada antes do registro, de tal sorte que para a própria sociedade e para terceiros se aplicaria o tanto quanto registrado até então na Junta Comercial, vale dizer, o contrato social anterior, o qual, segundo o acórdão, tinha como sócios somente Eunice Pereira de Athayde Gantois e o autor-recorrido Édio Athayde Gantois.

25. Anoto que o art. 39 da Lei nº 4.726/1965, que contava com redação equivalente à atualmente prevista no art. 36 da Lei nº 8.934/1994, foi revogado pela Lei nº 8.934/1994.

26. Contudo, por estar vigente ao tempo do registro do contrato so-cial, a controvérsia gira em torno do conteúdo da norma do art. 39 da Lei nº 4.726/1965, o qual realmente dispunha que o arquivamento de documen-tos, tal como a alteração do quadro societário (art. 37, II, Lei nº 4.726/1965), quando submetidos a registro em até 30 dias, terão efeitos retroativos à data de confecção/assinatura.

27. Na espécie, segundo consta do acórdão recorrido, no interregno de 30 dias foi assinada/confeccionada a alteração do contrato social (04.06.1990), lavrada a procuração ora questionada (20.06.1990) e, por fim, levada a registro público a referida modificação estatutária (28.06.1990).

28. Como se vê, nos termos do art. 39 da Lei nº 4.726/1965, a alteração do contrato social – havida na hipótese antes da lavratura da procuração – teve vigência imediata (leia-se, a contar de sua assinatura) exatamente porque levada a registro em menos de 30 dias.

29. Assim, inegavelmente, ao tempo em que lavrada a procuração, a so-ciedade recorrente não era mais integrada – também segundo se infere do acór-dão – apenas pelos sócios que a outorgaram. Mais ainda, já estava vigente regra nova e específica estabelecendo requisitos para alienação/oneração de bens.

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30. Da rápida e ligeira análise da alteração do contrato social da pessoa jurídica então denominada Urbanista Urbanizadora Ltda. se confirma aquilo que o acórdão retrata como argumento utilizado pelo recorrente (fl. 730, e-STJ) no sentido de que para alienação/oneração de bens, “sejam móveis ou imóveis, serão necessárias assinaturas dos três gerentes” (fl. 21, e-STJ).

31. Necessário pontuar que o acórdão não nega em nenhum momento a existência de tal regra no novel contrato. Em verdade, esta previsão contratual não é fato controvertido nos autos, pelo contrário, em suas contrarrazões os recorridos questionam apenas a juntada da alteração do contrato social, fato, todavia, resolvido pelo aresto recorrido, na medida em que este reconhece sua presença nos autos (fl. 730, e-STJ).

32. Ainda, o próprio acórdão não se aprofunda nessa discussão exata-mente porque – ao contrário do que aqui se reconhece – seguiu no sentido da vigência do contrato anterior, de modo, portanto, a tornar despicienda análise profunda dos termos do novo contrato social.

33. A propósito, verificadas essas circunstâncias, o acréscimo de funda-mentação contido no acórdão, remissivo da sentença (no sentido de que outros negócios anteriores à lavratura da procuração teriam sido assinados pelos dois sócios que a subscreveram), não tem, na espécie, qualquer interferência na dis-cussão ora travada – tampouco e sobretudo na conclusão aqui obtida –, na me-dida em que não se discute a validade do contrato alterado ou vícios anteriores de presentação da sociedade empresária recorrente.

34. Referido argumento é mero informe fático que não tem o condão de infirmar – ou mesmo de dotá-lo de caráter independente e autônomo – a constatação, eminentemente jurídica, de que houve, na espécie, retroação de efeitos do registro público da alteração societária, a culminar na invalidade da procuração lavrada.

35. Assim, uma vez tendo sido registrada a alteração estatutária no inter-regno temporal capaz de retroagir seus efeitos à data da assinatura, a conclu-são obtida pelo acórdão recorrido simplesmente ignora a regra então estabe-lecida pelo art. 39 da Lei nº 4.726/1965 (atualmente prevista no art. 36 da Lei nº 8.934/1994), reconhecendo, ainda, como perfeita a presentação da pessoa jurídica por quem não detinha poder para tanto, infringindo, assim, também o art. 17 do CC/1916 (vigente na ocasião), segundo o qual “as pessoas jurídicas serão representadas [rectius, presentadas], ativa ou passivamente, nos atos judi-ciais e extrajudiciais, por quem os respectivos estatutos designarem [...]”.

36. Ademais e, por efeito lógico, se há vício na presentação da pessoa jurídica no que tange à outorga de poderes para transferência de bens imóveis seus, igualmente não se pode ter como válida “sua” manifestação de vontade também quanto a promessa de dação em pagamento para efeito de liquidação das cotas do recorrido Édio Athayde, sócio-retirante.

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37. Não se nega que este possa ter crédito a receber da recorrente em razão da alegada retirada – aliás, o objeto do recurso não alberga essa discussão –, contudo, como a promessa de dação em pagamento foi considerada provada pelo acórdão principalmente pelo conteúdo da procuração, seria ilógico ima-ginar, agora com o reconhecimento da invalidade desta, que referido negócio pudesse se sustentar.

38. Nas contrarrazões se aduz que “eventual reconhecimento do vício de representação para a lavratura da aludida procuração [...] não teria o condão de descaracterizá-la como início de prova material da dação em pagamento, confirmada pelas demais provas produzidas nos autos” (fl. 843, e-STJ).

39. Contudo, o acórdão bem explica que, “embora o art. 401 do CPC estabeleça que não é admissível a prova exclusivamente testemunhal para de-monstração dos contratos cujo valor exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, o art. 402 afirma que a prova testemunhal deve ser admitida quando houver início de prova escrita” (fl. 730, e-STJ).

40. Nesse compasso, a partir dos fundamentos do acórdão, lastreados no cotejo analítico entre o conteúdo da procuração e o teor dos testemunhos prestados em juízo, pode-se dizer, a contrario sensu, que, sendo imprestável a prova documental (declaração de vontade manifestada na procuração), pouco ou nenhum valor têm os demais indícios probatórios testemunhais presentes dos autos.

41. Isso porque, estando-se diante de uma pretendida transferência de bens imóveis, para a qual a lei exige forma específica para prova do negócio que a viabilize (qual seja, a documental, ainda que para “começo de prova”), a simples existência de indícios testemunhais não é suficiente para comprovação do negócio principal (titulus adquirendi).

42. Por todo o exposto, conclui-se também vulnerar os arts. 39 da Lei nº 4.726/1965 e 17 do CC/1916 o reconhecimento, pelo acórdão, de que está provada a promessa de dação em pagamento.

5 Ofensa ao art. 159, CC/1916 – Inexistência de dano moral causado pela sociedade empresária

43. Ainda, e também por dedução lógica das conclusões suso expostas, há que se considerar inexistente ato ilícito praticado – frise-se – pela sociedade recorrente, gerador de ofensa moral ao recorrido Édio Athayde, porque esta, para todos os efeitos, ao ser indevidamente presentada, não praticou ato algum, de tal sorte que, impô-la o dever de compensar eventual dano moral, seria o mesmo que admitir sua responsabilidade sem ato de sua parte (leia-se, sem nexo de causa e efeito) relacionado ao dano alegado.

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 155

44. Nessa perspectiva tem-se também por violado o art. 159 do CC/1916, porque, no tocante à sociedade empresária recorrente, não se verifica a prática de ato lesivo de sua parte.

Forte nessas razões, conheço em parte do recurso especial e, nesta parte, dou-lhe provimento para julgar improcedentes os pedidos formulados na ação principal e, por sua vez, procedente os pedidos formulados na reconvenção, ficando invertidos os ônus sucumbenciais estabelecidos na origem.

ceRtidão de JulgaMento teRceiRa tuRMa

Número Registro: 2013/0138008-3

Processo Eletrônico REsp 1.381.719/BA

Números Origem: 01295936520038050001 1295936520038050001 1400302361982003 6466232008

Pauta: 10.12.2013 Julgado: 10.12.2013

Relatora: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Mário Pimentel Albuquerque

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuação

Recorrente: Empi – Empreendimentos Imobiliários Ltda. e outro

Advogados: Guilherme Henrique Magaldi Netto e outro(s) João Geraldo Piquet Carneiro e outro(s) Arthur Lima Guedes e outro(s) Antonio Henrique Medeiros Coutinho e outro(s)

Recorrido: Édio Athayde Gantois – Espólio e outros

Repr. por: Sônia Paranthos Gantois – Inventariante

Advogados: Roque Aras e outro(s) Fernando Cesar de Souza Cunha e outro(s) Viviane Aras Ribas e outro(s)

Assunto: Direito civil – Fatos jurídicos – Ato/Negócio jurídico – Defeito, nu-lidade ou anulação

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156 ���������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

sustentação oRal

Dr(a). Arthur Lima Guedes, pela parte Recorrente: Empi – Empreendi-mentos Imobiliários Ltda.

Dr(a). Fernando Cesar de Souza Cunha, pela parte Recorrida: Édio Athay-de Gantois

Dr(a). Fernando Cesar de Souza Cunha, pela parte Repr. por: Sônia Pa-ranthos Gantois

ceRtidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nesta parte, deu provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

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Parte Geral – Jurisprudência

7903

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Cível nº 0007542‑69.2012.4.01.3400/DFRelator: Desembargador Federal Kassio Nunes MarquesApelante: Nova Era Conservação e Serviços Ltda. EPP e outros(as)Advogado: Paulo Roberto BrunettiAdvogado: Herminio Sanches FilhoAdvogado: Patrícia Kelly Ovidio SanchoAdvogado: Antoninho Ferreira de Souza FilhoAdvogado: Roberto de Oliveira ValeroAdvogado: Fabio Henrique Carvalho de OliveiraAdvogado: Daniele Lauer MurtaApelado: União FederalProcurador: Ana Luisa Figueiredo de Carvalho

eMenta

PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÕES COM IDENTIDADE DE PARTES, PEDIDO E CAUSA DE PEDIR – LITISPENDÊNCIA – CONFIGURAÇÃO – EXTINÇÃO DA AÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO – APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO

1. Dispõe o art. 301, §§ 1º a 3º do Código de Processo Civil que se con-figura a litispendência quando uma ação é idêntica à outra, tendo as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

2. No caso dos autos, demonstrada a identidade entre as ações ajuizadas pelos recorrentes, na medida em que apresentam similitude de partes, causa de pedir e de pedido, caracteriza-se o instituto da litispendência, a autorizar a extinção, sem resolução do mérito, da ação que apresentou esse óbice processual.

3. Apelação a que se nega provimento.

acóRdão

Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do relator.

Sexta Turma do TRF da 1ª Região.

Brasília, 17 de fevereiro de 2014.

Desembargador Federal Kassio Marques Relator

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158 ���������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

RelatóRio

Trata-se de recurso de apelação, interposto por Patrícia Alves de Santana e por Maria de Fátima de Melo, em face de sentença que julgou extinto o pro-cesso, sem julgamento do mérito, em razão de litispendência (art. 267, V, CPC).

Irresignada, a apelante alega que não há litispendência entre os dois pro-cessos, e que a sentença de base fere os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Transcorrido o prazo para contrarrazões, subiram-se os autos.

É o relatório.

voto

Dispõe o art. 301, §§ 1º a 3º do Código de Processo Civil, que ocorre litispendência quando uma ação é idêntica à outra, tendo as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

Os fundamentos da sentença são suficientes para a adoção das mesmas razões por esta Corte. Assim manifestou-se o juiz de base:

“Observa-se que os exequentes ajuizaram a presente execução em 14.02.2012 (p. 5), objetivando o recebimento ‘de créditos que as mesmas detêm em face da Ré, crédito financeiro em fase de execução no Processo nº 2009.34.00.005618-8 [0005565-47.2009.401.3400] em trâmite perante a 18ª Vara da Seção Judi- ciária do Distrito Federal/DF’ (p. 40).

No entanto, os exequentes ajuizaram idêntica execução, sob o nº 2009.34. 00.005618-8, protocolada em 20.02.2009, cuja inicial encontra-se juntada a es-tes autos às p. 672/721, objetivando a liquidação dos mesmos créditos, que são relativos à Apólice nº 085438 emitida pela Prefeitura do Distrito Federal.

Caracterizada está, portanto, a litispendência, em face de se ter reproduzido execução idêntica a outra que está em curso (p. 672/721).”

Tal conjunto fático, assistiu razão à sentença recorrida, devendo a mes-ma ser mantida, não merecendo reparos, pois realmente está caracterizada a li-tispendência na presente hipótese, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 301 do CPC.

Neste mesmo sentido, confiram-se os seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CAUTELAR – CND – PARCELAMENTO LEI Nº 10.684/2003 – MANDADO DE SEGURANÇA – IDENTIDADE DE PARTES, CAUSA DE PEDIR E PEDIDO – LITISPENDÊNCIA – APELAÇÃO IMPROVIDA

1. A sentença recorrida, não obstante julgar improcedente o pleito cautelar, orientou-se por sua inoportunidade considerando a existência de outra ação – Mandado de Segurança nº 2003.43.00.002923-2 – com as mesmas partes, ten-do por fundamento a mesma causa de pedir e postulando a mesma prestação

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 159

jurisdicional. Assim, concluiu-se pela ocorrência de litispendência também a inibir o ajuizamento da ação principal.

2. Quanto ao mandado de segurança determinante para a litispendência, foi jul-gado improcedente, cuja sentença restou confirmada por este Tribunal, em jul-gamento ocorrido em 13.08.2012, com os autos baixados ao Juízo de origem, razão pela qual não merece censura a sentença recorrida.

3. Nego provimento à apelação.

(AC 0000011-89.2005.4.01.4300/TO, Rel. Juiz Federal Itelmar Raydan Evange-lista, 6ª Turma Suplementar, e-DJF1, p. 227 de 07.08.2013)

[...]

PROCESSUAL CIVIL – REPETIÇÃO DE AÇÕES COM AS MESMAS PARTES, PE-DIDO E CAUSA DE PEDIR – LITISPENDÊNCIA CARACTERIZADA – SENTENÇA CONFIRMADA – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – INOCORRÊNCIA

1. Havendo identidade de partes, causa de pedir e pedido entre este feito e o Mandado de Segurança nº 2002.38.00.001175-6, ainda não transitado em jul-gado, fica caracterizada a litispendência (art. 301, §§ 2º e 3º, do CPC), correta-mente declarada em 1ª Instância.

2. A litispendência não é descaracterizada pela circunstância de que o pólo passivo do mandado de segurança é ocupado pela autoridade indicada como coatora, enquanto figura como réu da ação ordinária a própria pessoa jurídica de direito público.

3. A constatação de litispendência não é suficiente para a caracterização da má--fé, a qual exige a comprovação do dolo ou a intenção de dano processual, o que não restou caracterizado no caso concreto. Precedentes do STJ e do TRF.

4. Apelação não provida.

(AC 0000107-07.2004.4.01.3600/MT, Rel. Conv. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 1ª Turma Suplementar, e-DJF1, p. 1175 de 19.07.2013)

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

Desembargador Federal Kassio Marques Relator

tRibunal Regional fedeRal da 1ª Região secRetaRia JudiciáRia

6ª Sessão Ordinária do(a) Sexta Turma

Pauta de: 17.02.2014 Julgado em: 17.02.2014

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160 ���������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Ap 0007542-69.2012.4.01.3400/DF

Relator: Exmo. Sr. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques

Revisor: Exmo (a). Sr(a).

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Luiz Augusto Santos Lima

Secretário(a): Vanessa Ferreira dos Santos

Apte.: Nova Era Conservação e Serviços Ltda. EPP e outros(as)

Autor: Matrizaria e Estamparia Morillo Ltda.

Autor: CRW Indústria e Comércio de Plásticos Ltda.

Autor: Saneter Construtora Ltda.

Autor: Melissa Miranda Rodriguez

Autor: Camilla Capellato

Autor: Suzel Aparecida Gonçalves

Autor: Distribuidora de Comodites Brasil Ltda.

Autor: CRW Plásticos Joinville S/A

Autor: Meta Trabalho Temporário Ltda.

Autor: Prefeitura Municipal de Remanso

Autor: Maksiwa Indústria e Comércio de Máquinas Ltda.

Autor: WM Serviços Agrícolas Ltda.

Autor: Arpel Construções Ltda.

Autor: Geneci Mello Roberto

Autor: Gráfica Pema Ltda. – ME

Autor: Joaquim Alves Azevedo

Autor: Construtora NR Ltda.

Autor: Construtora Eduarda Ltda. – ME

Autor: Iolanda Gonçalves Pereira de Oliveira

Autor: Enorte Construção Eletrificação e Telecomunicação Ltda.

Autor: Lilian Cristina Barbosa – ME

Autor: Construjunior Indústria Comércio e Material de Construção Ltda.

Autor: SN Drogaria Ltda.

Autor: Campeã Popular de Bragança Paulista Ltda.

Autor: Campeã Popular de Guarulhos Ltda. – EPP

Autor: Campeã Popular de Santo Amaro II Ltda. – EPP

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 161

Autor: Regraf Comércio e Serviços Gráficos Ltda. – ME

Autor: Campeã Popular Carapicuiba II Ltda. – EPP

Autor: Campeã Popular de Itapevi II ltda. – EPP

Autor: Campeã Popular de Jundiaí II Ltda. – EPP

Autor: Campeã Popular de Santo Amaro Ltda.

Autor: Campeã Popular de Jundiaí Ltda.

Autor: GGM Esportes Ltda.

Autor: Fernando Fernandes Rodrigues

Autor: Manoel Fernandes Rodrigues Junior

Autor: José Roberto Gonçalves

Autor: Luis Henrique Silva

Autor: Niuton Rodrigues

Autor: Luis Fernando Pinheiro – ME

Autor: Laboratório de Análises Clínicas Cubatão Ltda.

Autor: Pelé Sports Marketing Ltda.

Autor: Entregadora Faísca Ltda.

Autor: Pelé – Promoções e Eventos Ltda.

Autor: Pelé Comércio Empreendimentos e Participações Ltda.

Autor: Montag Divulgação Ltda.

Autor: Adriana Aparecida Oliveira Silva – EPP

Autor: WR Embalagens Ltda.

Autor: Diogo Assis Resende Mundim – Firma Individual

Autor: MF Embalagens Ltda. – ME

Autor: SM Embalagens Ltda.

Autor: Drogaria Campeã Popular de Sertãozinho Ltda.

Autor: Campeã Popular Ltda. – EPP

Autor: Campeã Popular II Ltda. – EPP

Autor: Renato Resende Mundim – Firma Individual

Autor: CJ – Construtora Juliana Ltda.

Autor: Só Eletros – Comércio de Eletrodomésticos Ltda. – EPP

Autor: Imec Isolantes Ltda.

Autor: Drogaria Campeã Popular de Francisco Morato Ltda.

Autor: Campeã Popular de Pirajussara Ltda. – EPP

Autor: LM Pneus e Transportes Ltda.

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162 ���������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Autor: Transmódulo Transportadora Rodoviária Ltda.

Autor: Drogaria Botância Anacris Ltda.

Autor: Drogaria e Perfumaria Central Itapevi Ltda.

Autor: Drogaria Apfarma Ltda. – EPP

Autor: Drogaria e Perfumaria Castro Ltda. – EPP

Autor: Drogaria Angelina Ltda. – EPP

Autor: Selvat Serviços de Eletrificação Ltda.

Autor: Trix Engenharia Civil Ltda.

Autor: Montrix Engenharia e Equipamentos de Telecomunicações Ltda.

Autor: Campeã Farma de Osasco – Fórmulas Magistrais Ltda. – EPP

Autor: Drogaria Freitas Nogueira Ltda. – EPP

Autor: Telcoop Cooperativa de Trabalho e Tecnologia

Autor: IPTC – Indústria Paranaense de Tubos Conicais Ltda.

Autor: Queijos Serra Negra Ltda.

Autor: Transform Tecnologia de Ponta Ltda.

Autor: Forte Castelo Empreendimentos Ltda.

Autor: Navitubos Artefatos de Papel e Papelão Ltda.

Autor: SP Carapicuíba Drogaria e Perfumaria Ltda. – EPP

Autor: AN Consultoria e Assessoria Tributária Ltda.

Autor: Good Quality Indústria e Comércio de Alimentos Ltda.

Autor: Campeã Drogaria e Perfumaria Ltda.

Autor: Projeto Educar Comércio e Importação de Livros Ltda.

Autor: Pergom – Comércio e Recuperação de Tambores Ltda.

Autor: Drogaria Campeã de Campinas II Ltda.

Autor: Alcatrazes Transportes Ltda.

Autor: Supermercado JVA Ltda.

Autor: Agropecuária Guimarania Indústria e Comércio de Rações Ltda.

Autor: Álcool Moreno Ltda.

Autor: Cooperativa de Trabalho Médico de São Luis/MA – Unimed São Luis

Autor: Campeã Popular Dom Pedro Ltda. – EPP

Autor: Meta Organização Contábil S/S Ltda.

Adv.: Paulo Roberto Brunetti

Adv.: Herminio Sanches Filho

Adv.: Patricia Kelly Ovidio Sancho

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 163

Adv.: Antoninho Ferreira de Souza Filho

Adv.: Roberto de Oliveira Valero

Adv.: Fabio Henrique Carvalho de Oliveira

Adv.: Daniele Lauer Murta

Apdo.: União Federal

Procur.: Ana Luisa Figueiredo de Carvalho

Nº de Origem: 75426920124013400 Vara: 18ª

Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: DF

sustentação oRal ceRtidão

Certifico que a(o) egrégia(o) Sexta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, negou provimento à Apelação, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian e Desembargador Federal Carlos Moreira Alves.

Brasília, 17 de fevereiro de 2014.

Vanessa Ferreira dos Santos Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

7904

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 2006.51.17.002541‑0Nº CNJ: 0002541‑76.2006.4.02.5117Relator: Desembargador Federal Marcus AbrahamApelante: Caixa Econômica Federal – CEFAdvogado: Cristina Cidade da Silva Guimarães e outrosApelante: Francisco Jose Brito Reis e outrosAdvogado: Herberth Medeiros Sampaio e outroApelado: os mesmosOrigem: 2ª Vara Federal de São Gonçalo/RJ (200651170025410)

eMenta

SFH – AGRAVOS RETIDOS – LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA – MP 1.768-29/1998 – NOVAÇÃO – SALDO RESIDUAL

1. O pedido formulado na inicial se dá no sentido da revisão de con-trato de financiamento imobiliário, da quitação do mútuo hipotecário, mediante desconto integral do saldo devedor a ser suportado pelo FCVS, nos termos da Lei nº 10.150/2000 e de nulidade da execução extraju-dicial com cancelamento da adjudicação ocorrida. A sentença julgou procedente, em parte, o pedido para declarar nula a ação de execução extrajudicial, tornando sem efeito a adjudicação efetivada e determinou que a CEF expeça ofício de levantamento da hipoteca que grava o imóvel adquirido pelos Autores através do SFH.

2. Os honorários periciais devem ser fixados com atenção aos quesitos que efetivamente devam ser respondidos e considerando o local da pres-tação do serviço, a natureza, a complexidade e o tempo estimado do trabalho a realizar, como dispõe o art. 10 da Lei nº 9.289/1996. A deci-são entendeu que a quantia requerida pelo Perito, no valor de R$ 704,40 – setecentos e quatro reais e quarenta centavos, se mostraria razoável e compatível com o trabalho que lhe seria exigido.

3. Não há que se falar em sobrestamento do feito para aguardar o julga-mento dos Recursos Extraordinários nºs 627.106/PR e 556.520/SP, onde se discute a constitucionalidade do procedimento de execução regido pelo DL 70/1966. Embora o c. STF tenha reconhecido a repercussão geral da questão, é fato que não houve pronunciamento final hábil a impor a sus-pensão ou vinculação das decisões desta Corte, de forma que mantenho--me filiado ao entendimento firmado no julgamento do RE 223.075/DF,

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 165

no sentido de que o procedimento regido pelo DL 70/1966 foi recepcio-nado pela Constituição Federal de 1988.

4. Conforme certidão do Cartório do 1º Ofício de Registro de Títulos e Documentos de São Gonçalo/RJ, a notificação foi tentada e somente não completada em razão da Parte Autora não residir no endereço do imóvel e se encontrar em local incerto e não sabido. Entretanto, vale lembrar que é obrigação do mutuário residir no imóvel objeto de financiamento, segundo a Lei do SFH (Lei nº 4.380/1964), sob pena de desvirtuar o fim social do Sistema Financeiro de Habitação. Apesar de infrutífera a ten-tativa de intimação pessoal dos Autores, foram devidamente publicados os editais dos leilões públicos, conforme se vê da documentação cola-cionada às fls. 407/415, que efetivamente deram conhecimento ao Autor da iminência da perda do imóvel através da arrematação, ocorrida em 05.12.2006.

5. Consta que a Medida Provisória nº 1.768-29/1998 previa a concessão de desconto não equivalente a 100% do saldo devedor aos contratos de financiamento do SFH, no caso de quitação antecipada da dívida e assim se deu nas sucessivas reedições ocorridas até a conversão na Lei nº 10.150/2000, quando foram estipulados requisitos para a quitação de até 100% de desconto. Os Autores firmaram ajuste com a CEF no sentido da liquidação antecipada do financiamento de acordo com as regras ali dispostas, o que impõe a extinção do contrato, sobrevindo novo financia-mento para pagamento do saldo residual.

6. Mesmo aqueles mutuários que firmaram o contrato de mútuo até 31.12.1987 e renegociaram a dívida com desconto parcial, nos termos de Medida Provisória vigente à época da celebração da renegociação/no-vação, como é o caso dos autos, têm direito à manutenção da cobertura do FCVS e, por conseguinte, à liquidação antecipada do saldo devedor, com o desconto de 100% previsto na Lei nº 10.150/00, pois se trata de norma de ordem pública, mais benéfica e que observa os princípios da isonomia e boa-fé.

7. Deve a CEF tomar as providências necessárias para habilitar, junto ao FCVS, o saldo devedor, que consta da novação efetuada sob a égide da MP 1.768/1999. Habilitado o saldo novado, por certo, não são devidas as 06 parcelas pagas pelos Autores na fase de novação do contrato, sendo a última paga em 08.06.2000. Devem esses valores ser restituídos aos Autores, a título de danos materiais, conforme a regra disposta no art. 23 da Lei nº 8.004/1990.

8. Descabe indenização por danos morais. Somente após quase 6 anos sem pagamento das parcelas de financiamento, morando sem qualquer ônus no imóvel é que os Autores ajuizaram ação de nulidade da execu-ção extrajudicial e de liquidação antecipada com desconto, pleiteando o

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166 ���������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

benefício da Lei nº 10.150/2000. Sequer há nos autos pedido dos Autores dirigido à CEF pleiteando o benefício da Lei nº 10.150/2000, com nega-tiva do agente financeiro. A novação foi efetuada da forma da legislação vigente à época, não havendo que se falar em ilícito ou má-fé da CEF a respaldar o pedido de indenização por danos morais.

9. Alterada a sentença com a condenação da CEF na devolução de va-lores pagos, os honorários devem ser fixados com base no valor da con-denação. Fixo-os em 20% sobre o valor da condenação, na forma do disposto no art. 20, § 3º do CPC. Prejudicado o recurso dos Autores neste ponto.

10. Agravos retidos desprovidos. Apelação da CEF desprovida. Apelação dos Autores provida, em parte.

acóRdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, de-cide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento aos agravos retidos, negar provimento à Apelação da CEF e dar parcial provimento à Apelação dos Autores, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, (data do Julgamento).

Marcus Abraham Desembargador Federal Relator

RelatóRio

Trata-se de apelações interpostas por Francisco Jose Brito Reis, Rosane Lopes Reis, Edwand Brito Reis, Marina de Mello Reis e da Caixa Econômica Federal – CEF em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de São Gonçalo/RJ, que julgou procedente, em parte, o pedido para declarar nula a ação de execução extrajudicial, tornando sem efeito a adjudicação efetivada e determinou que a CEF expeça ofício de levantamento da hipoteca que grava o imóvel adquirido pelos Autores através do SFH (fls. 454/464).

A hipótese é de ação ordinária em que se objetiva: a quitação do finan-ciamento com o cancelamento da hipoteca pelo benefício concedido pela Lei nº 10.150/2000, com a cobertura do FCVS; a sustação dos leilões e de qualquer ato de constrição do imóvel; a não inscrição de seus nomes no cadastro de inadimplentes; o equilíbrio no reajustamento das prestações, com respeito ao li-

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mite legal de juros; a devolução em dobro das quantias pagas a maior; a nulida-de das cláusulas abusivas constantes do contrato; a nulidade do saldo devedor.

Antecipação de tutela indeferida às fls. 159/162.

Agravo retido dos Autores às fls. 206/219 impugnando o indeferimento da tutela antecipada.

Agravo retido da CEF impugnando o valor dos honorários do Perito (fls. 278/281).

Novo agravo retido dos Autores reclamando do indeferimento do pedido de suspensão do processo, tendo em vista o julgamento dos RE 627.106/PR e RE 556.520/SP (fls. 448/449).

Embargos de Declaração interpostos pelos Autores (fls. 466/467) julgados desprovidos pela decisão de fl. 468.

Apelação da CEF, às fls. 469/476, postulando inicialmente pela análise dos agravos retidos e no mérito sustentando que não há cobertura do FCVS no novo contrato celebrado, quando da liquidação do contrato anterior e que não há possibilidade de cobertura do FCVS ante a inadimplência do contrato.

Os Autores, em razões de recurso, postulam pela apreciação dos agravos internos e alegam que: os danos morais e materiais decorrem dos transtornos causados pelo agente financeiro e das cobranças indevidas; é devida a resti-tuição em dobro dos valores pagos a maior; é aplicável o Código do Consu-midor à espécie; a condenação do Apelado deve ser dar no montante de 20% (fls. 482/498).

Contrarrazões dos Autores às fls. 496/501 e da CEF, às fls. 503/505.

O Ministério Público Federal, à fl. 509, deixou de opinar.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Marcus Abraham Desembargador Federal Relator

voto

De início cabe a análise do agravo retido interposto pela CEF (fls. 278/281), impugnando o valor dos honorários periciais fixados pelo Juízo.

Insurge-se a agravante contra o valor fixado a título de honorários pe-riciais pelo Juízo (R$ 704,40 – setecentos e quatro reais e quarenta centavos), pleiteando a sua redução para montante compreendido entre R$ 58,70 (cin-quenta e oito reais e setenta centavos) e R$ 234,80 (duzentos e trinta e quatro

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reais e oitenta centavos), na forma da Resolução nº 440/2005 do Conselho da Justiça Federal.

Em regra, os honorários periciais devem ser fixados com atenção aos quesitos que efetivamente devam ser respondidos e considerando o local da prestação do serviço, a natureza, a complexidade e o tempo estimado do traba-lho a realizar, como dispõe o art. 10 da Lei nº 9289/1996.

A decisão foi fundamentada no sentido de que a quantia requerida pelo Perito, no valor de R$ 704,40 se mostraria razoável em função da complexidade da perícia realizada (fl. 276).

Não se vislumbra que o Juízo a quo tenha ignorado os critérios legais ou cometido qualquer exagero na fixação dos honorários periciais que justifique a reforma de sua decisão, mesmo porque ouviu as partes e decidiu fundamen-tadamente.

Merece ser desprovido o agravo retido.

No agravo retido que impugna o indeferimento da antecipação de tutela requerida (fls. 206/219) reclamam os Autores que não foram notificados pes-soalmente da execução; o leiloeiro público não detinha competência para pro-mover a arrematação do imóvel; o pedido de baixa na hipoteca tem fundamen-to direto na aplicação da Lei nº 10.150/2000 que cobriria as parcelas devidas. Não merece provimento o agravo retido.

Quanto à notificação para purgar a mora, sabe-se que era feita pelo correio, através de carta com aviso de recebimento, até o advento da Lei nº 8.004/1990. Após, passou a exigir-se que o agente fiduciário promovesse a notificação pessoal do devedor, por intermédio de Cartório de Títulos de Do-cumentos. Tratando-se da única oportunidade que é dada ao mutuário para purgar a mora, a notificação deve ser revestida de todas as formalidades legais, daí porque, somente depois de esgotadas as diligências para notificá-lo pesso-almente, é que se fará a notificação via edital como último recurso, nos termos do disposto no § 2º do art. 31 do DL 70/1966.

A propósito, vale lembrar que esta notificação pessoal não é acompa-nhada da documentação referida nos incisos I a IV do art. 31 do DL 70/1966, a qual integra somente a solicitação do agente financeiro ao agente fiduciário para que este inicie os procedimentos para a execução da dívida, cumprindo ressaltar que não há notificação pessoal da realização do leilão, razão pela qual, deixando o mutuário de purgar a mora no prazo de vinte dias, o agente fiduciário estará de pleno direito autorizado a publicar os editais e a realizar o leilão extrajudicial.

Veja-se que houve a expedição de carta de notificação e editais de no-tificação (fls. 405/415), sendo certo que o inadimplemento leva à execução do imóvel. Note-se que, conforme certidão de fls. 406v, do Cartório do 1º Ofício

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de Registro de Títulos e Documentos de São Gonçalo/RJ, a notificação foi tenta-da e somente não completada em razão da Parte Autora não residir no endereço do imóvel e se encontrar em local incerto e não sabido. Entretanto, vale lem-brar que é obrigação do mutuário residir no imóvel objeto de financiamento, segundo a Lei do SFH (Lei nº 4.380/1964), sob pena de desvirtuar o fim social do Sistema Financeiro de Habitação.

Acrescente-se que, apesar de infrutífera a tentativa de intimação pessoal dos Autores, foram devidamente publicados os editais dos leilões públicos, con-forme se vê da documentação colacionada às fls. 407/415, que efetivamente deram conhecimento ao Autor da iminência da perda do imóvel através da ar-rematação, ocorrida em 05.12.2006 (vide Carta de Adjudicação – fls. 416/417).

Restou comprovado, portanto, que a parte Autora não desconhecia os termos do contrato assinado e a sua inadimplência, e que teve oportunidade para a purga da mora, e não o fez.

Em relação à atuação do leiloeiro público, não prospera a argumenta-ção de ausência de competência para atuar na execução extrajudicial. Não há impedimento na sua atuação nas execuções hipotecárias, pois está prevista no art. 32 e seguintes do DL 70/1966, cuja restrição profissional incide, tão-somen-te, quanto às execuções judiciais.

A questão da liquidação antecipada com desconto, benefício da Lei nº 10.150/2000 será apreciada a seguir, com a análise dos recursos de Apela-ção.

Finalmente, não merece provimento o agravo retido interposto pelos Au-tores em face do indeferimento do pedido de suspensão do processo, tendo em vista o julgamento dos RE 627.106/PR e RE 556.520/SP.

Não há que se falar em sobrestamento do feito para aguardar o julgamen-to dos Recursos Extraordinários nºs 627.106/PR e 556.520/SP, onde se discute a constitucionalidade do procedimento de execução regido pelo DL 70/1966. Embora o c. STF tenha reconhecido a repercussão geral da questão, é fato que não houve pronunciamento final hábil a impor a suspensão ou vinculação das decisões desta Corte, de forma que mantenho-me filiado ao entendimento fir-mado no julgamento do RE 223.075/DF, no sentido de que o procedimento regido pelo DL 70/1966 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

Conheço dos recursos de Apelação porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

O pedido formulado na inicial se dá no sentido da revisão de contrato de financiamento imobiliário, da quitação do mútuo hipotecário, mediante des-conto integral do saldo devedor a ser suportado pelo FCVS, nos termos da Lei nº 10.150/2000 e de nulidade da execução extrajudicial com cancelamento da adjudicação ocorrida.

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O Magistrado a quo julgou procedente, em parte, o pedido para declarar nula a ação de execução extrajudicial, tornando sem efeito a adjudicação efe-tivada e determinou que a CEF expeça ofício de levantamento da hipoteca que grava o imóvel adquirido pelos Autores através do SFH.

Em grau de Apelação, requerem os Autores tão somente a condenação em danos materiais e morais, a restituição em dobro dos valores indevidamente pagos e a majoração dos honorários advocatícios fixados na sentença.

A CEF, por sua vez, reclama da inexistência de cobertura do FCVS para o novo contrato de financiamento celebrado quando da liquidação antecipada com desconto do contrato anterior e que não haveria cobertura do fundo diante da inadimplência posterior dos Autores.

Da análise dos documentos acostados aos autos, verifica-se que cons-ta contrato de financiamento de imóvel celebrado entre os Autores e a CEF em 30.10.1986, para pagamento em 300 meses, com cobertura do FCVS (fls. 53/62).

Posteriormente, em 08.12.1999, assinaram os Autores novo contrato des-tinado especificamente à liquidação antecipada do financiamento através do enquadramento na Medida Provisória nº 1.768-29/1998, com manutenção da garantia hipotecária original.

Com isso, obtiveram novo mútuo hipotecário, para quitação do saldo residual, no valor de R$ 8.950,90, para pagamento em 36 meses, pelo Sistema de Amortização Crescente – Sacre (fls. 65/70).

Segundo informação constante da planilha de evolução de financiamen-to, às fls. 77/79, os Autores pagaram tão somente 06 prestações das 36 devidas no novo contrato, originando uma dívida de R$ 23.461,49 (fl. 76). Tamanha inadimplência acarretou na arrematação do imóvel, como se percebe da car-ta de adjudicação de fls. 416/417 devidamente registrada no RGI, na data de 05.12.2006.

Consta que a Medida Provisória nº 1.768-29/98 previa a concessão de desconto não equivalente a 100% do saldo devedor aos contratos de financia-mento do SFH, no caso de quitação antecipada da dívida e assim se deu nas sucessivas reedições ocorridas até a conversão na Lei nº 10.150/2000.

O art. 16 da Medida Provisória nº 1.768-29/1998 assim dispõe:

“Art. 16. A partir de 15 de dezembro de 1998, mediante acordo entre as partes, as instituições financiadoras do SFH poderão conceder aos mutuários que te-nham firmado contrato com previsão de cobertura de eventuais saldos devedo-res residuais pelo FCVS, no prazo de até 30 de dezembro de 1999, liquidação antecipada de sua dívida, mediante pagamento de montante correspondente a cinquenta por cento do saldo devedor contábil da operação, atualizado pro rata die da data do último reajuste até a data da liquidação, ou de montante corres-pondente ao valor atual das prestações vincendas.”

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Dispõe a Lei nº 10.150/2000, em seu art. 2º e parágrafos:

Art. 2º Os saldos residuais de responsabilidade do FCVS, decorrentes das liqui-dações antecipadas previstas nos §§ 1º, 2º e 3º, em contratos firmados com mu-tuários finais do SFH, poderão ser novados antecipadamente pela União, nos termos desta Lei, e equiparadas às dívidas caracterizadas vencidas, de que trata o inciso I do § 1o do artigo anterior, independentemente da restrição imposta pelo § 8º do art. 1º.

§ 1º As dívidas de que trata o caput deste artigo poderão ser novadas por mon-tante correspondente a trinta por cento do valor do saldo devedor posiciona-do na data do reajustamento do contrato, extinguindo-se a responsabilidade do FCVS sobre o saldo devedor remanescente, que será renegociado mediante acordo entre o agente financeiro e o mutuário.

§ 2º As dívidas relativas aos contratos cuja prestação total, em 31 de março de 1998, era de até R$ 25,00 (vinte e cinco reais) poderão ser novadas por mon-tante correspondente a setenta por cento do valor do saldo devedor, posicio-nado na data de reajustamento do contrato, extinguindo-se a responsabilidade do FCVS sobre o saldo devedor remanescente, que será renegociado mediante acordo entre o agente financeiro e o mutuário.

§ 3º As dívidas relativas aos contratos referidos no caput, assinados até 31 de dezembro de 1987, poderão ser novadas por montante correspondente a cem por cento do valor do saldo devedor, posicionado na data de reajustamento do contrato, extinguindo-se a responsabilidade do FCVS sob os citados contratos.

§ 4º O saldo que remanescer da aplicação do disposto nos §§ 1º e 2º deste ar-tigo será objeto de novação entre a instituição financiadora e o mutuário, por meio de instrumento particular de aditamento contratual, com força de escritura pública, onde se estabelecerão novas condições financeiras relativas a prazo, taxa nominal de juros, sistema de amortização, plano de reajuste e apólice de seguro sem garantia de equilíbrio pelo FCVS, preservando-se, enquanto existir saldo devedor da operação, a prerrogativa de o mutuário utilizar os recursos de sua conta vinculada do FGTS nas modalidades previstas nos incisos V e VI do [...]

Vê-se, portanto, que para a liquidação antecipada com desconto, o legis-lador estabeleceu apenas dois requisitos: a existência de cobertura pelo FCVS e a celebração do pacto até 31.12.1987.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL – PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – SIS-TEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – SFH – FCVS – ART. 2º, § 3º, DA LEI Nº 10.150/2000 – NOVAÇÃO – LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA – DESCONTO INTEGRAL – REQUISITOS

1. O STJ entende que, para se obter a liquidação antecipada, com desconto in-tegral do saldo devedor, consoante o art. 2º, § 3º, do referido diploma legal, o contrato de mútuo deve atender a dois requisitos: prever cobertura do débito re-manescente pelo FCVS e ter sido firmado anteriormente a 31.12.1987. Essas são

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as únicas condições necessárias para a liquidação antecipada com desconto de 100% do saldo devedor, o que foi atendido pela parte recorrente.

2. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg-REsp 1216209/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., Julgado em 23.04.2013, DJe 02.05.2013)

PROCESSUAL CIVIL – SFH – FCVS – IMPOSSIBILIDADE DE LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA – REQUISITOS DA MP 1.981-52/2000 – ART. 2º, § 3º DA LEI Nº 10.150/2000 – PÉS – 1. A quitação antecipada do saldo devedor com cober-tura pelo Fundo de Compensação de Variação Salarial – FCVS, nos moldes do art. 2º, § 3º, da Lei n.º 10.150/2000 só ampara os mutuários com previsão de cobertura do referido Fundo e celebração do contrato até 31 de dezembro de 1987, o que não ocorreu no caso. 2. No que tange ao Plano de Equivalência Salarial – PES, incabível rever contrato, após longo período de pagamentos in-suficientes, com a imposição de novo financiamento, sem base legal e sem que o mutuário tenha demonstrado qualquer intenção concreta de efetuar o paga-mento do débito ou de regularizar a sua situação. Sempre foi assegurado ao mu-tuário requerer administrativamente a revisão de índices. No entanto, a autora não comprovou qualquer requerimento de revisão em sede administrativa, não sendo possível impor à CEF o ônus de conhecer a renda pessoal do mutuário. Incumbe ao mutuário comprová-la perante a instituição financeira para obter eventual revisão de índices. 3. Apelação da CEF provida.

(TRF 2ª R., AC 200651010124329, Des. Fed. Guilherme Couto, 6ª T. Esp., e-DJF2R 12.06.2012)

Não há dúvida que, no caso dos autos, os requisitos estão presentes, uma vez que o contrato sob exame foi firmado em data anterior a 31.12.1987 e conta com contribuição mensal para o FCVS, como será analisado a seguir.

Na hipótese, os Autores foram beneficiados pela MP 1.768/1999, tendo liquidado parte do saldo devedor do contrato de financiamento mediante par-ticipação antecipada do FCVS e renegociação do restante do saldo devedor.

Insurge-se a CEF ao argumento de que uma vez beneficiados os Autores pela MP 1.768/1999, que previu a participação antecipada do FCVS com a liquidação parcial do saldo devedor, não poderiam os mesmos serem contem-plados com a obtenção da quitação do mútuo através da utilização dos recursos do FCVS, com 100% de desconto, nos termos da Lei nº 10.150/2000.

Mesmo aqueles mutuários que firmaram o contrato de mútuo até 31.12.1987 e renegociaram a dívida com desconto parcial, nos termos de Me-dida Provisória vigente à época da celebração da renegociação/novação, como é o caso dos autos, têm direito à manutenção da cobertura do FCVS e, por con-seguinte, à liquidação antecipada do saldo devedor, com o desconto de 100% previsto na Lei nº 10.150/2000, pois se trata de norma de ordem pública, mais benéfica e que observa os princípios da isonomia e boa-fé.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 173

“RECURSO ESPECIAL – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – SFH – FCVS – SALDO DEVEDOR. –NOVAÇÃO – DESCONTO INTEGRAL PREVISTO NO ART. 2º, § 3º, DA LEI Nº 10.150/2000 – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES – 1. Tratam os autos de ação sob o rito ordinário objetivando a declaração de nulidade de pacto de liquidação antecipada de contrato de mútuo habitacio-nal, firmado sob a égide da Medida Provisória nº 1.768-34, tendo em vista a superveniência de legislação garantindo desconto de 100% do saldo devedor (Lei nº 10.150/2000, oriunda da MP 1.981/1952). Acórdão recorrido que enten-deu ser impossível a anulação de pacto de quitação apenas pela superveniên-cia de lei mais benéfica. Recurso especial no qual se alega violação do art. 2º, § 3º, da Lei nº 10.150/2000, bem como dissenso pretoriano. 2. Este Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que ‘é direito do mutuá-rio a manutenção da cobertura do FCVS e, por consequência, a liquidação an-tecipada do saldo devedor, com desconto de 100% pelo Fundo, desde que o contrato tenha sido celebrado até 31 de dezembro de 1987 (art. 2º, § 3º, da Lei nº 10.150/2000), ainda que haja novação dos débitos fundada em edição ante-rior da Medida Provisória nº 1.981-52/2000, cujas regras foram mantidas quan-do convertida na Lei nº 10.150/2000” (REsp 638.132/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 06.09.2004). 3. Recurso especial provido. (STJ, REsp 200701169007, José Delgado, Primeira Turma, DJ Data: 25.10.2007, p. 00143)

“CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – SFH – ILEGITI-MIDADE AD CAUSAM DA UNIÃO – COBERTURA DO FCVS – LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA – NOVAÇÃO – DESCONTO PARCIAL CONCEDIDO COM BASE NA MP 1.696/1998 – EDIÇÕES SUCESSIVAS DA MESMA MEDIDA PROVISÓ-RIA E CONVERSÃO NA LEI Nº 10.150/2000, COM ALTERAÇÃO DE TEXTO – DESCONTO INTEGRAL – NORMA DE ORDEM PÚBLICA – APLICAÇÃO DA CONDIÇÃO MAIS BENÉFICA – OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA E DA BOA-FÉ – POSSIBILIDADE – 1. Improcedência da preliminar de legitimi-dade passiva da União, em litisconsórcio necessário, uma vez que nos termos da Lei nº 10.150/2000 (arts. 3º, V, §§ 2º e 9º e art. 4º, § 3º) a Caixa Econômica Federal é a administradora do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), e a necessidade de cobertura por esse fundo não acarreta obrigação di-reta para a União (art. 47, CPC). 2. Os mutuários que firmaram o contrato de mútuo até 31.12.1987, como no caso dos autos, e renegociaram a dívida com desconto parcial, nos termos da Medida Provisória vigente à época da celebra-ção da renegociação/novação, têm direito à manutenção da cobertura do FCVS e, por conseguinte, à liquidação antecipada do saldo devedor, com o desconto de 100% previsto nas sucessivas edições da mesma Medida Provisória, convertida, posteriormente, na Lei nº 10.150/2000, pois se trata de norma de ordem pública. Precedentes do STJ. 3. A renegociação de dívida de forma mais benéfica do que aquela que se pautou o contrato firmado entre a CEF e os autores, não contra-ria o princípio da irretroatividade das leis, tampouco viola o ato jurídico perfeito ou configura causa de enriquecimento ilícito, mas, ao contrário, alinha-se com os princípios da isonomia e da boa-fé. 4. Apelação da CEF improvida.”

(TRF 1ª R., AC 200238000082180-AC – Apelação Cível nº 200238000082180, Relator(a) Juiz Federal Moacir Ferreira Ramos (Conv.), Sexta Turma, DJ Data: 29.01.2007, p. 27)

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Acertada, portanto, a sentença que determinou a liquidação do contrato e o levantamento da hipoteca que recai sobre o imóvel.

Deve a CEF tomar as providências necessárias para habilitar, junto ao FCVS, o saldo devedor, que consta da novação efetuada sob a égide da MP 1.768/1999. Habilitado o saldo novado, por certo, não são devidas as 06 parce-las pagas pelos Autores na fase de novação do contrato, sendo a última paga em 08.06.2000. Devem esses valores ser restituídos aos Autores, a título de danos materiais, conforme a regra disposta no art. 23 da Lei nº 8.004/1990.

Descabe, porém, a indenização por danos morais.

Ora, somente após quase 6 anos sem pagamento das parcelas de finan-ciamento, morando sem qualquer ônus no imóvel é que os Autores ajuizaram ação de nulidade da execução extrajudicial e de liquidação antecipada com desconto, pleiteando o benefício da Lei nº 10.150/2000.

Sequer há nos autos, durante todo esse período, pedido dos Autores di-rigido à CEF pleiteando o benefício da Lei nº 10.150/2000, com negativa do agente financeiro. A novação foi efetuada da forma da legislação vigente à épo-ca, não havendo que se falar em ilícito ou má-fé da CEF a respaldar o pedido de indenização por danos morais.

Vale salientar, por oportuno, que a execução extrajudicial é apenas um consectário lógico do inadimplemento, e de pleno conhecimento por parte dos Autores. Os aborrecimentos dali decorrentes são de responsabilidade dos Auto-res que não adimpliram com as prestações do mútuo, nem buscaram adminis-trativamente o direito que ora pleiteiam.

Alterada a sentença com a condenação da CEF na devolução de valores pagos, os honorários devem ser fixados com base no valor da condenação. Fixo-os em 20% sobre o valor da condenação, na forma do disposto no art. 20, § 3º do CPC. Prejudicado o recurso dos Autores neste ponto.

Do exposto, nego provimento aos agravos retidos, nego provimento à Apelação da CEF e dou parcial provimento ao recurso dos Autores, para deter-minar a devolução das parcelas pagas indevidamente, a título de danos mate-riais.

É como voto.

Marcus Abraham Desembargador Federal Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoApelação Cível nº 0005143‑75.2009.4.03.6000/MS2009.60.00.005143‑5/MSRelator: Desembargador Federal Paulo FontesApelante: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – IncraAdvogado: Marta Mello Gabinio CoppolaSP000361 Paulo Sérgio Miguez UrbanoApelado: Edmur Miglioli e outro

Zulmira Longhi MiglioliAdvogado: MS002644 Walfrido Rodrigues e outroNº Orig.: 00051437520094036000 2ª Vr. Campo Grande/MS

eMenta

PROCESSUAL CIVIL – OBRIGAÇÃO DE FAZER – APLICAÇÃO DE MULTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA (ASTREINTES) – POSSIBILIDADE – MULTA DIÁRIA – REDUÇÃO – POSSIBILIDADE – APELO PARCIALMENTE PROVIDO

1. Recesso forense. Tempestividade do recurso verificada. Preliminar afastada.

2. Cabível a imposição de astreintes em face do Poder Público. Jurispru-dência pacífica do STJ.

3. Alegação de carência de ação: falta de justo título. Decisão interlocu-tória: obrigação autônoma, mas vinculada ao título principal, de modo que é hábil para execução. As astreintes têm por objetivo, justamente, afastar a recalcitrância do devedor em cumprir a obrigação principal. Nulidade não verificada.

4. Objetivo das astreintes é coagir ao cumprimento da obrigação e não gerar um ônus excessivo ao devedor e a caracterizar verdadeiro enrique-cimento sem causa do credor.

5. Desapropriação para fins de reforma agrária. Valor ofertado inicial-mente de R$ 788.958,93. Levantamento de 80% do montante deposita-do e discussão do valor da propriedade. Acordo judicial: levantamento imediato dos 20% restantes acrescido de R$ 100.000,00 em TDAs.

6. Descumprimento da determinação judicial no prazo concedido. Multa devida.

7. Cálculo apresentado: valores diários da multa com acréscimo dos ju-ros de mora alcança R$ 106.381,81.

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8. Quantia superior ao próprio valor objeto de acordo, de cem mil reais. Montante excessivo. Arts. 411 a 413 do Código Civil e art. 461, § 6º, do Código de Processo Civil. Redução cabível. Entendimento do STJ.

9. Apelo parcialmente provido para, mantendo a condenação ao paga-mento da multa diária, reduzir seu valor pela metade.

acóRdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento parcial à apelação para, mantendo a condenação ao pagamento da multa diária, reduzir seu valor pela metade, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 10 de março de 2014.

Paulo Fontes Desembargador Federal

RelatóRio

Trata-se de apelação interposta pelo Incra (fls. 52/59) em face da senten-ça (fls. 35/42) que julgou improcedentes seus embargos à execução, relativos à ação de desapropriação, e condenou-a ao pagamento de honorários advocatí-cios fixados em R$ 2.000,00, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.

O Incra alega a nulidade da decisão que confirmou a multa cominatória, sob alegação de que é incompatível com a obrigação de fazer quando o réu é a Fazenda Pública, como no caso.

Aduz que o exequente possui outros meios de forçar a satisfação do dé-bito e que a emissão das TDAs, ainda que com atraso, compensa devidamente eventuais prejuízos suportados por aquele, já que, quando do lançamento dos títulos, o valor devido é corrigido desde a data da celebração do acordo exe-cutado.

Sustenta que, mantida a aplicação da multa, há enriquecimento sem cau-sa dos exequentes à custa da sociedade, já que a multa é maior que o valor da obrigação principal, desvirtuando o objetivo do cumprimento da sentença, que seria a satisfação da obrigação e não a reparação de eventuais prejuízos sofridos pelo atraso no cumprimento do acordo.

Alega, ainda, que a decisão que determinou a multa não fixou um prazo limite para sua incidência ou um valor limite, um teto, a fim de impedir que se tornasse excessiva, como ocorreu no caso.

Alternativamente, pleiteia a reforma do julgado para determinar a nuli-dade da execução por carência da ação, já que o pedido de cumprimento de

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 177

sentença não está provido de justo título. Aponta que a decisão interlocutória não deveria ser título executivo, portanto, não poderia ser executada de imedia-to, mas somente após confirmada pela sentença.

Aponta a impossibilidade de cumprimento da decisão no prazo estipula-do de dez dias e que a intimação se deu às vésperas do final do exercício fiscal, quando não mais haveria disponibilidade orçamentária para cumprimento da obrigação, devendo aguardar a aprovação do orçamento do exercício posterior para tanto.

Ainda, o argumento de que deu causa ao descumprimento da obrigação por mais de 4 anos, não é suficiente para fundamentar a decisão e não é ver-dade que arrastou o descumprimento por diversos anos, apenas deixando de atender o combinado porque administrativamente se questionava a legitimida-de de seu representante legal efetuar o acordo celebrado, o que gerou atraso no cumprimento.

Ademais, o atraso não pode ser imputado somente ao executado, mas principalmente ao exequente que, mesmo possuindo o título, deixou de pro-mover sua execução de imediato, demonstrando que não tinha interesse no cumprimento do acordo.

Também alega a impossibilidade dos juros moratórios na forma deter-minada, primeiro porque a decisão que estabeleceu a multa não previu sua aplicação e, ainda que possível, só poderiam incidir a partir da intimação da decisão que determinou sua aplicação e não a partir da citação inicial, como fundamenta a sentença.

Contrarrazões dos exequentes (fls. 64/74) aduzindo, preliminarmente, a intempestividade do recurso e, no mérito, buscando a manutenção da sentença.

Parecer do Ministério Público Federal (fls. 150/160) manifestando-se pelo parcial provimento da apelação apenas para que seja reduzido o valor da multa diária cominatória fixada em desfavor do Incra.

É o relatório.

voto

Inicialmente, afasto a alegação preliminar, por verificar a tempestividade do recurso, conforme já avaliado pelo juízo de origem a fl. 75, tendo em vista o recesso forense.

Sinteticamente, o Incra busca a nulidade da sentença ou a reforma do julgado para declarar nula a execução proposta pelos exequentes por carência de ação, consistente na falta de justo título e, em último caso, seja excluída da apuração do débito, a aplicação dos juros moratórios, por não estarem estes previstos no julgado.

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Caso não acolhidos os pedidos, requer a modificação do julgado para fi-xar uma data-limite para incidência da multa cominatória, além de um teto para sua aplicação, a fim de evitar o abuso de direito e consequente enriquecimento sem causa dos exequentes.

Inicialmente, destaco que entendo cabível a imposição de astreintes em face do Poder Público. E ressalto que a posição encontra amparo no entendi-mento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, conforme precedentes que transcrevo:

“PROCESSUAL CIVIL – ASTREINTES – ART. 461, § 4º, DO CPC – REDIRECIO-NAMENTO A QUEM NÃO FOI PARTE NO PROCESSO – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES

1. Na origem, foi ajuizada Ação Civil Pública para compelir o Estado de Sergipe ao fornecimento de alimentação a presos provisórios recolhidos em Delegacias, tendo sido deferida antecipação de tutela com fixação de multa diária ao Secre-tário de Estado da Justiça e Cidadania, tutela essa confirmada na sentença e na Apelação Cível, que foi provida apenas para redirecionar as astreintes ao Secre-tário de Segurança Pública.

2. Na esteira do entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, admite--se a aplicação da sanção prevista no art. 461, § 4º do CPC à Fazenda Pública para assegurar o cumprimento da obrigação, não sendo possível, todavia, esten-dê-la ao agente político que não participara do processo e, portanto, não exerci-tara seu constitucional direito de ampla defesa. Precedentes.

3. In casu, a Ação Civil Pública fora movida contra o Estado de Sergipe – e não contra o Secretário de Estado –, de modo que, nesse contexto, apenas o ente público demandado está legitimado a responder pela multa cominatória.

4. Recurso Especial provido.”

(STJ, REsp 1315719/SE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 27.08.2013, v.u., DJe 18.09.2013)

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO RE-CURSO ESPECIAL – OBRIGAÇÃO DE FAZER – APLICAÇÃO DE MULTA CON-TRA A FAZENDA PÚBLICA (ASTREINTES) – POSSIBILIDADE – JURISPRUDÊN-CIA PACÍFICA DO STJ

1. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento sedimentado de que, em se tratando de obrigação de fazer, é permitida ao Juízo a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública. Preceden-tes: AgRg-REsp 1129903/GO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 24.11.2010; AgRg-Ag 1247323/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 01.07.2010; AgRg-REsp 1064704/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 17.11.2008.

2. Agravo regimental não provido.”

(STJ, AgRg-REsp 1358472/RS, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 15.08.2013, v.u., DJe 22.08.2013)

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Assim, se é permitida a aplicação de multa diária contra a própria Fazen-da Pública, na medida em que reste caracterizado o atraso no cumprimento de obrigação de fazer, também no caso em análise, em que o Incra é o destinatário da ordem e restou efetivamente descumprida a determinação judicial no prazo concedido.

A multa diária ou astreintes são instrumentos previstos no nosso processo civil, com vistas a conferir maior efetividade à jurisdição. O fato de o Poder Público ou seus entes figurarem no polo passivo não pode por si só impedir a cominação, mesmo que estas venham a causar prejuízo ao erário; do contrário estar-se-ia fragilizando o cumprimento das decisões judiciais pela Administra-ção, cuja submissão à lei e à jurisdição é uma das marcas fundamentais do Es-tado de Direito. Por outro lado, eventual conduta injustificada do agente públi-co responsável pelo atraso no cumprimento da decisão, que venha a acarretar prejuízos ao erário, por conta da incidência da multa diária, pode ser apurada pelos órgãos competentes, ensejando eventualmente providências de natureza cível e criminal.

Quanto à alegação de carência de ação, consistente na falta de justo título, tampouco merece crédito, uma vez que a cominação de multa por des-cumprimento do acordo, ainda que através de decisão interlocutória, constitui obrigação autônoma, mas ainda vinculada ao título principal, de modo que é hábil para execução. As astreintes têm por objetivo, justamente, afastar a recal-citrância do devedor em cumprir a obrigação principal.

De modo que não se verifica qualquer nulidade na sentença proferida.

Quanto ao prazo fixado para o cumprimento da obrigação principal, de dez dias, apontado pelo recorrente como extremamente exíguo, verifica-se que não corresponde ao caso, já que a obrigação principal restou delimitada havia quase três anos antes da cominação da multa, de modo que, transcorrido tempo mais que suficiente e muito superior ao razoável para o cumprimento da obri-gação, nos termos acordados.

Resta, assim, somente apreciar a alegação de que o valor fixado para a multa diária foi excessivo, vindo a alcançar montante superior ao principal, de modo a causar um enriquecimento sem causa.

De fato, o objetivo das astreintes é coagir ao cumprimento da obrigação e não gerar um ônus excessivo ao devedor e a caracterizar verdadeiro enrique-cimento sem causa do credor.

E, conforme se verifica dos autos, tratava-se de desapropriação para fins de reforma agrária em que se discutiu apenas o valor ofertado pela propriedade. Já no início da ação os expropriados levantaram 80% do valor ofertado.

Conforme se extrai da sentença que julgou a ação – homologação do acordo firmado pelas partes (fls. 79/81) – o valor inicialmente ofertado pela pro-

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priedade foi de R$ 788.958,93, com o que os expropriados não concordaram, de modo que foi realizada perícia para avaliar a propriedade, resultando no valor de R$ 842.567,55, pelo perito judicial, ao passo que o assistente técnico dos expropriados avaliou o imóvel em R$ 980.591,36.

Seguiu-se a instrução do feito até que foi proposto um acordo: os expro-priados levantariam os 20% restantes da oferta inicial e aceitariam o valor ofer-tado acrescido de R$ 100.000,00, proposta aceita pelo Incra, com a condição de que a complementação fosse feita através de emissão de TDAs resgatáveis em cinco anos. De modo que resultou o acordo nestes termos.

Assim, verifica-se que o montante executado seria esta diferença do va-lor ofertado inicialmente, que foi o objeto de controvérsia da ação, ou seja, a obrigação principal.

Como bem apontado no parecer do MPF, segundo os cálculos apresenta-dos na execução, somente os valores diários da multa com acréscimo dos juros de mora alcança R$ 106.381,81, superior ao próprio valor objeto de acordo, de cem mil reais, e que se buscava dar cumprimento, ou seja, superior ao princi-pal, a revelar que se trata de valor excessivo.

Deste modo, se por um lado não cabe eximir o Incra do pagamento das astreintes, cabe de outro modo ponderar que o valor alcançado tornou-se ex-cessivo, causando prejuízo indevido aos cofres públicos e enriquecimento sem causa dos expropriados que já tiveram seu interesse principal resguardado com a atualização do valor do acordo até seu crédito.

Ademais, há previsão no Código Civil a respeito da matéria:

“Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obri-gação principal.

Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.

Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obri-gação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.”

Também a norma prevista no § 6º do art. 461 do Código de Processo Civil, confere-se poderes ao juiz de modificar o valor ou periodicidade da mul-ta, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva, de modo a evitar o enriquecimento da parte contrária.

A questão da multa deve ser analisada com o devido cuidado, tendo em vista que a quantia alcançou valor exorbitante, pois superior ao da obrigação principal que se buscava ver cumprida, bem como em face do montante total da desapropriação.

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E, nesse sentido, entendo ser razoável a redução pela metade do valor diá rio das astreintes, nos moldes da jurisprudência do Superior Tribunal de Jus-tiça que prevê essa possibilidade, conforme julgados que transcrevo:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MO-RAIS – REVISÃO – SUMULA Nº 7/STJ – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ASTREINTES – REDUÇÃO – POSSIBILIDADE – AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA SE-GUIMENTO

1. A r. sentença e o acórdão estadual asseveraram a ausência de comprovação dos danos materiais amparado nas premissas fáticas dos autos. Rever os funda-mentos do acórdão recorrido demandaria a necessidade de reexame de provas, o que é defeso nesta fase recursal (Súmula nº 7/STJ).

2. O valor da indenização por danos morais arbitrado em R$ 10.000,00 (dez mil reais) e mantido pelo Tribunal de origem, não se encontra desarrazoado frente aos patamares estabelecidos por esta Corte Superior, estando em perfeita consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

3. É firme o entendimento desta Corte Superior de Justiça de que os valores da multa cominatória poderão ser revistos, em sede de especial, em casos que o valor afronta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.” – Grifei.

(STJ, AgRg-AREsp 372659/SP, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 22.10.2013, v.u., DJe 29.10.2013)

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) – AÇÃO INDENI-ZATÓRIA – FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – AGRAVO DE INSTRU-MENTO – MULTA DIÁRIA – VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – REDUÇÃO DO QUANTUM EXECUTADO – POSSIBILIDADE DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE

1. O legislador concedeu ao juiz a prerrogativa de impor multa diária ao réu com vista a assegurar o adimplemento da obrigação de fazer (art. 461, caput, do CPC), bem como permitiu que o magistrado afaste ou altere, de ofício ou a requerimento da parte, o seu valor quando se tornar insuficiente ou excessiva, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, não se observando a pre-clusão ou a coisa julgada, de modo a preservar a essência do instituto e a pró-pria lógica da efetividade processual (art. 461, § 6º, do CPC).

2. Ante o inadimplemento da dívida, o credor requereu o pagamento do valor das astreintes, no valor de R$ 443.785,75 (quatrocentos e quarenta e três mil, setecentos e oitenta e cinco reais e setenta e cinco centavos). Tendo em vista a evidente desproporção do quantum executado, o Tribunal a quo, em sede de agravo de instrumento, reduziu o valor da multa para o valor da condenação por danos materiais e morais com as devidas atualizações, aproximadamente R$ 51.917,68 (cinquenta e um mil, novecentos e dezessete reais e sessenta e oito centavos).

3. Certo é que o valor estabelecido a título de astreintes não pode gerar um en-riquecimento sem causa do acionante, agora exequente, razão pela qual impo-

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sitiva era a sua redução, tarefa que pode perfeitamente ser realizada durante a fase de execução das astreintes, com base no disposto no art. 461, § 6º, do CPC, consoante entendimento consolidado nesta Corte Superior.

4. Agravo regimental desprovido.” – Grifei.

(STJ, AgRg-AREsp 195303/SP, 4ª T., Rel. Min. Marco Buzzi, J. 28.05.2013, v.u., DJe 12.06.2013)

Ante o exposto, voto por dar provimento parcial à apelação para, man-tendo a condenação ao pagamento da multa diária, reduzir seu valor pela me-tade.

Paulo Fontes Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Cível nº 0007451‑49.2013.404.9999/RSRelatora: Desª Fed. Vivian Josete Pantaleão CaminhaApelante: Jorge Luiz Viecili

Rosa Maria Mattioni VieciliAdvogado: Marcelo Pedrazzi e outroApelado: Banco do Brasil S/AAdvogado: Emerson Norihiko Fukushima e outrosApelado: União Federal (Fazenda Nacional)Procurador: Procuradoria‑Regional da Fazenda Nacional

eMenta

CONTRATOS BANCÁRIOS – CÉDULA RURAL – SECURITIZAÇÃO – BANCO DO BRASIL E UNIÃO – REVISÃO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – CORREÇÃO MONETÁRIA – ENCARGOS MORATÓRIOS – MULTA CONTRATUAL

Em razão da cessão do crédito do Banco do Brasil para a União, com base na Medida Provisória nº 2.196/2001, aplica-se o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº 20.910/1932, cujo termo a quo é a data do vencimento da dívida.

Os contratos bancários, ainda que encerrados e pagos integralmente, po-dem ser revisados, em virtude de ilegalidades praticadas pela instituição financeira.

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras. Súmula nº 297 do STJ.

Em decorrência da mora, os juros remuneratórios poderão ser majora-dos até 1% ao ano, autorizada a cobrança de multa de 10% prevista no art. 71 do Decreto-Lei nº 167/1967.

A limitação da multa contratual em 2%, nos termos do art. 52, § 1º do CDC, alterado pela Lei nº 9.298, de 01.08.1996, aplica-se aos contratos bancários firmados após a vigência da referida alteração legislativa, o que não é o caso dos autos.

acóRdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por una-

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nimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 25 de fevereiro de 2014.

Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha Relatora

RelatóRio

Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou impro-cedentes os pedidos deduzidos na presente ação revisional de crédito rural; condenando os autores ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais, estes fixados em R$ 1.000,00.

Em suas razões recursais, os autores postularam a renegociação dos dé-bitos firmados por meio das cédulas de crédito rurais porquanto essa é credora por conta da cessão de créditos havida pelo Banco do Brasil nos termos da MP 2.196-3/2001 em ação que visa o alongamento da dívida resultante de cédula de crédito rural e/ou revisão dos respectivos encargos. Defendeu a renegocia-ção baseada na Lei nº 9.138/1995, Resolução Bacen nº 2.238/1996 e Resolução Bacen nº 2.471 e a Lei nº 11.775/2008 e Súmula nº 286 do STJ.

Com contrarrazões, vieram os autos conclusos a esta Corte.

É o relatório.

voto

DA APLICAÇÃO DO CDC

A aplicação do CDC aos contratos bancários está fundamentada na inter-pretação do art. 29 e no art. 3º, § 2º, ambos da Lei nº 8.078/1990, bem como na vulnerabilidade de uma das partes, considerando a essencialidade do produto/serviço fornecido pelos Bancos e a utilização das condições gerais desses ne-gócios jurídicos.

As disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos contratos bancários (Súmula nº 297 do STJ).

Assim, uma vez reconhecida a abusividade na relação contratual, impõe--se a revisão, em observância às normas do CDC, que são de ordem pública e interesse social, de teor protetivo, conforme o comando constitucional.

No entanto, as alegações genéricas, embasadas nas regras do CDC, des-providas de comprovação, são insuficientes para promover a modificação das cláusulas contratuais.

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 185

DOS JUROS

Objetiva a Parte Autora seja reconhecida a ilegalidade das cláusulas que determinam índice de juros remuneratórios acima de 12% ao ano nas cédulas originárias, sob o fundamento de que o Réu na fixação dos juros devidos nas operações de crédito rural, não pode adotar outro índice senão o que é esta-belecido pelo Conselho Monetário Nacional, e que, na sua omissão, incide a limitação do art. 1º do Decreto nº 22.626/1933.

O STF já havia assentado o entendimento de que o § 3º do art. 192 da CF não é auto-aplicável e que, por isso, necessitava de regulamentação. Esse entendimento restou concretizado com o advento da Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003, que, além de alterar o referido artigo, revogou todos os seus incisos e parágrafos.

Todavia, apesar da não limitação constitucional dos juros, os contratos bancários podem ser revistos, como já mencionado, com base no Código de Defesa do Consumidor, quando verificada a abusividade.

Dessa forma, quanto às cédulas rurais, entendem-se abusivos os juros superiores ao limite de 12% ao ano, caso não haja índice fixado pelo Conselho Monetário.

Assim, de acordo com o entendimento majoritário de nossos Tribunais, há a limitação dos juros a 12% ao ano, sendo que, no caso de inadimplência, poderão ser acrescidos juros de mora de, no máximo, 1% ao ano.

Nesse sentido, as decisões que seguem:

AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – CÉDULA RURAL – JUROS REMUNERATÓRIOS – 12% AO ANO – 1. Omitindo-se o Conselho Mo-netário Nacional em fixar as taxas de juros aplicáveis aos títulos de crédito ru-ral, incide a regra geral do art. 1º, caput, da Lei de Usura, que veda a cobrança de juros em percentual superior ao dobro da taxa legal (12% ao ano), afastada a incidência da Súmula nº 596 do c. STF. Precedentes do STJ. 2. Agravo regimen-tal desprovido.

(STJ, AGA 200702801943, 4ª T., Rel. Fernando Gonçalves, DJe 05.10.2009)

CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA – TAXA DE JUROS – LIMITAÇÃO – AUTORIZAÇÃO CMN – COMISSÃO DE PERMA-NÊNCIA E CORREÇÃO MONETÁRIA – CUMULAÇÃO VEDADA – SÚMULA Nº 30/STJ – ALTERAÇÃO DA TAXA DE JUROS POR INADIMPLÊNCIA

I – O Decreto-Lei nº 167/1967, posterior à Lei nº 4.595/1964 e específico para as cédulas de crédito rural, confere ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados nessa modalidade de crédito. Ante a eventual omissão desse órgão governamental, incide a limitação de 12% ao ano, prevista na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933), não alcançando a cédula de crédito rural o entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula nº 596/STF. Prece-dente da Corte (grifei).

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II – A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis (Sú-mula nº 30 desta Corte).

III – Não se permite a estipulação de juros, por inadimplemento, em crédito ru-ral, superior a 1% ao ano (inteligência do parágrafo único, do art. 5º, do Decre-to-Lei nº 167/1967).

IV – A orientação consolidada na jurisprudência do STJ é no sentido de que não são protelatórios os embargos declaratórios, quando opostos para o efeito de prequestionamento da matéria, com vista à interposição de recurso especial.

V – Recurso conhecido em parte e, nessa parte, provido.

(STJ, Processo: 199800260099/RS, REsp 171278, Rel. Waldemar Zveiter, 3ª T., Data da Decisão: 19.11.1998, STJ000247192, DJ 22.02.1999, p. 106)

COMERCIAL – NOTA DE CRÉDITO RURAL – DECRETO-LEI Nº 167/1967, ART. 5º – PARÁGRAFO ÚNICO – INCIDÊNCIA – JUROS REMUNERATÓRIOS NA INADIMPLÊNCIA – TERMO FINAL

I – Havendo inadimplência, admite-se a elevação da taxa de juros remunerató-rios limitados em 12% ao ano em apenas 1% a título de juros de mora, devidos até o efetivo pagamento, além da multa e correção monetária.

II – Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

(STJ, Rel. Aldir Passarinho Júnior, 4ª T., REsp 703139; Processo: 200401632224/SP; Data da Decisão: 22.02.2005, STJ000608233)

DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS

As Cédulas de Crédito Rural permitem a cobrança de juros capitalizados, conforme o disposto no art. 5º do Decreto-Lei nº 167/1967, verbis:

Art. 5º As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros as taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar e serão exigíveis em 30 de junho e 31 de dezembro ou no vencimento das prestações, se assim acordado entre as partes; no vencimento do título e na liquidação, por outra forma que vier a ser determi-nada por aquele Conselho, podendo o financiador, nas datas previstas, capitali-zar tais encargos na conta vinculada a operação.

Saliente-se que tal entendimento, inclusive, foi consubstanciado na Sú-mula nº 93, STJ:

Súmula nº 93. A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros.

No entanto, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, des-de que pactuada, é possível a capitalização de juros inferior à anual em casos específicos, previstos em Lei, como nas cédulas de crédito rural, comercial e in-dustrial, de modo que, em relação a elas não incide a letra do art. 4º do Decreto nº 22.626/1933, bem como a Súmula nº 121 do STF. Nesse sentido:

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 187

AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – CÉDULA DE CRÉ-DITO RURAL – CAPITALIZAÇÃO MENSAL – POSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 93/STJ – CONTRATAÇÃO – ANÁLISE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E REEXAME DE PROVAS – SÚMULAS NºS 05 E 07/STJ – MORA – DESCARAC-TERIZAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – ENCARGO ABUSIVO – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – “PERÍODO DE ANORMALIDADE” – DECISÃO AGRAVADA MAN TIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS

1. As cédulas de crédito rural, comercial e industrial admitem a capitalização dos juros em periodicidade mensal, quando pactuada (inteligência da Súmula nº 93/STJ). [...]

(AgRg-Ag 938.523/MS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, Julgado em 10.03.2009, DJe 30.03.2009)

RECURSO ESPECIAL – AGRAVO REGIMENTAL – AÇÃO REVISIONAL – CÉDU-LA DE CRÉDITO RURAL – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS – POSSIBI-LIDADE – FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – I – Admite-se a capitalização mensal de juros nas cédulas de crédito rural, industrial ou comer-cial. [...]

(AgRg-REsp 839.958/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., Julgado em 13.05.2008, DJe 03.06.2008)

DA DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA

Claro que, comprovadas as ilegalidades/abusividades na avença, impõe--se o afastamento da mora, assim como a incidência de seus encargos (juros moratórios e multa).

No entanto, a simples demonstração da existência de onerosidade ex-cessiva dos encargos não é suficiente para descaracterizar a mora do devedor. Deve ser demonstrado que o valor incontroverso, em razão do afastamento de cláusulas abusivas e ilegais, já fora pago.

Portanto, nesta parte, não merece prosperar o pedido dos demandantes.

DOS ENCARGOS MORATÓRIOS

Requerem os demandantes seja declarada e decretada, por força do pa-rágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei nº 167/1967, que os encargos previstos para a normalidade são insubstituíveis em caso de mora, sendo que a título de encargo moratório, somente se poderá acrescer 1% ao ano aos valores ante-riormente cobrados, sendo nula de pleno direito qualquer cobrança de encargo moratório superior a este teto legal.

Os arts. 5º, parágrafo único e 71 do Decreto-Lei nº 167/1967 prevêem quais são os encargos que poderão incidir no caso de inadimplência do mu- tuário:

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188 ���������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Art. 5º As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros as taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar e serão exigíveis em 30 de junho e 31 de dezembro ou no vencimento das prestações, se assim acordado entre as partes; no vencimento do título e na liquidação, por outra forma que vier a ser determi-nada por aquêle Conselho, podendo o financiador, nas datas previstas, capitali-zar tais encargos na conta vinculada a operação.

Parágrafo único. Em caso de mora, a taxa de juros constante da cédula será ele-vável de 1% (um por cento) ao ano.

Art. 71. Em caso de cobrança em processo contencioso ou não, judicial ou ad-ministrativo, o emitente da cédula de crédito rural, da nota promissória rural, ou o aceitante da duplicata rural responderá ainda pela multa de 10% (dez por cento) sôbre o principal e acessórios em débito, devida a partir do primeiro des-pacho da autoridade competente na petição de cobrança ou de habilitação de crédito.

Assim, é permitida em caso de mora a cumulação dos encargos de nor-malidade (isto é, da taxa de juros fixada no contrato, que pode ser acrescida de um ponto percentual), além da multa de 10%.

Desse modo, considerando os contratos revisandos, patente a abusivida-de de incidência de taxa de juros superior diversa daquela fixada no contrato, razão pela qual deve ser mantida, em caso de inadimplemento, apenas a inci-dência da taxa de juros fixada para o período da normalidade (desde que esse percentual não exceda a 12% ao ano), acrescido de juros de mora de 1% ao ano e da multa no percentual de 10%.

A respeito as decisões que seguem:

CÉDULA DE CRÉDITO RURAL – AGRAVO RETIDO – INSCRIÇÃO NO CADIN – REVISÃO DE CONTRATOS FINDOS – DECADÊNCIA – ENCARGOS MORA-TÓRIOS – FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL – SUCUMBÊNCIA – HONO-RÁRIOS ADVOCATÍCIOS – COMPENSAÇÃO – PREQUESTIONAMENTO – [...] 4. É firme entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, embora haja previsão contratual de incidência de comissão de permanência, tal encar-go é inexigível nas cédulas de crédito rural, disciplinadas pelo Decreto-Lei nº 167/1967, uma vez que o parágrafo único do art. 5º, do referido diploma legal, prevê a possibilidade de cobrança somente de juros e multa. 5. Em de-corrência da mora, os juros remuneratórios poderão ser majorados até 1% ao ano, autorizada a cobrança de multa de 10% prevista no art. 71 do Decreto-Lei nº 167/1967. 6. A limitação da multa contratual em 2%, nos termos do art. 52, § 1º do CDC, alterado pela Lei nº 9.298, de 01.08.1996, aplica-se tão somente aos contratos bancários firmados após a vigência da referida alteração legislati-va, o que não é o caso dos autos. [...]

(TRF 4ª R., AC 2007.71.05.004915-9, 4ª T., Relª Vivian Josete Pantaleão Caminha, DE 22.02.2010)

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 189

DA MULTA MORATÓRIA

Postula a Parte Autora, ainda, a redução da multa para o percentual de 2% sobre o valor inadimplido.

Não obstante a Súmula nº 285 do STJ, entendo que esta limitação aplica--se somente aos contratos celebrados a partir da vigência da Lei nº 9.298, de 1º de agosto de 1996. Aliás, os precedentes que originaram o referido enunciado são nesse sentido:

DIREITO BANCÁRIO – CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL – CAPI TA- LIZAÇÃO MENSAL – POSSIBILIDADE – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – NÃO INCIDÊNCIA – MULTA MORATÓRIA – REDUÇÃO – CDC – 1. A cédula de crédito comercial admite o pacto de capitalização mensal dos juros. Súmula nº 93/STJ. 2. As cédulas de crédito contam com disciplina legislativa específica, perpetrada pelo do Decreto-Lei nº 413/1969, onde inexiste previsão para cobrança da comissão de permanência. Precedentes. 3. As operações rea-lizadas pelas instituições financeiras guardam nítidos contornos de relação de consumo, o que implica na redução da multa moratória para o teto máximo de 2% para os contratos celebrados após o advento da Lei nº 9.298/1996 que alterou a redação do parágrafo primeiro do art. 52 do CDC. Precedentes (grifei). 4. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.

(STJ, REsp 388572/MS, 4ª T., Rel. Fernando Gonçalves, em 18.11.2003)

Somente com a edição da Lei nº 9.298/1996 é que a multa restou redu-zida a 2%.

Tratando-se, pois, de alteração legislativa posterior, não alcança os con-tratos firmados antes de sua edição, devendo ser mantida a multa em 10%, como contratado.

PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – NEGATIVA DE PROVI-MENTO – AGRAVO REGIMENTAL – COMERCIAL – CÉDULA RURAL – MUL-TA POR INADIMPLÊNCIA – DECRETO-LEI Nº 167/1967 – LEI Nº 9.298/1996 – APLICABILIDADE – REDUÇÃO PARA 2% – SÚMULA Nº 83/STJ – DESPRO-VIMENTO

1. Este Tribunal já proclamou o entendimento de ser cabível, em cédula de crédi to rural, a redução da multa para 2% (dois por cento), nos contratos ce-lebrados após a vigência da Lei nº 9.298/1996, que modificou o art. 52, do Código de Direito do Consumidor. Precedentes (AgRg-REsp 527.230/RS, REsp 469.814/RS e 440.672/SC).

2. Aplicável, portanto, à hipótese, o enunciado sumular de nº 83/STJ.

3. Agravo Regimental conhecido, porém, desprovido.

(STJ, AGA 541154, Processo: 200301396532/RS, 4ª T., Rel. Jorge Scartezzini, Data da Decisão: 05.10.2004, STJ000579553, DJ 22.11.2004, p. 352)

Assim, no caso das cédulas rurais e operações de alongamento firmadas antes de 01.08.1996, permanece a incidência da multa de 10%.

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190 ���������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

DA EXCLUSÃO DOS ENCARGOS MORATÓRIOS E HONORÁRIOS

Objetiva a Parte Autora seja declarado que, para efeito do recálculo da dívida originária para enquadramento na securitização, devem ser expurgados todos e quaisquer encargos moratórios, inclusive, se houver, honorários advo-catícios, na forma da Resolução Bacen nº 2.238/1996.

Quanto aos encargos moratórios, como já referido acima, a simples de-monstração da existência de onerosidade excessiva dos encargos não é sufi-ciente para descaracterizar a mora do devedor e, por conseguinte, a exclusão dos referidos encargos.

Portanto, nesta parte, não merece prosperar o pedido.

DÉBITOS NÃO CONTRATADOS

Objetivam os demandantes expurgar débitos não contratados, aferíveis mediante a apresentação da conta gráfica, tais como, seguros, taxas e acessó-rios, dentre outros, caso efetivamente encontrados.

Não tendo havido a expressa irresignação acerca de quais seriam os en-cargos que a parte autora considera abusivos, não cabe a este Juízo conhecer da suposta abusividade desses valores, em face do disposto na Súmula nº 381 do STJ.

Nesse sentido a decisão que segue:

AÇÃO ORDINÁRIA REVISIONAL – CONTRATO BANCÁRIO – PRESCRIÇÃO – JUROS – LIMITAÇÃO – TAXAS – Afastada a preliminar de prescrição. Não se trata a presente de ação de indenização por enriquecimento ilícito, mas de ação revisional de contrato bancário, versando sobre direito pessoal e, portan-to, sujeita ao prazo prescricional geral. Entende-se não existir, no ordenamento jurídico pátrio, vedação quanto ao limite máximo dos juros remuneratórios em contratos bancários. Não merece guarida o apelo no que pede a exclusão das “taxas e despesas infundadas”, uma vez que não houve na inicial a especifi-cação de quais seriam tais referências, nem onde residiria a ilegalidade na sua cobrança.

(TRF 4ª R., AC 2008.70.11.001578-3, 4ª T., Rel. Hermes Siedler da Conceição Júnior, DE 22.02.2010)

CONTRATOS BANCÁRIOS – EMPRÉSTIMO À PESSOA JURÍDICA – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – AÇÃO REVISIONAL – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – APLICABILIDADE DO CDC – PACTA SUNT SERVANDA – CAPITALIZAÇÃO – TABELA PRICE – LIMITE DOS JUROS REMUNERATÓRIOS – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – MORA DEBENDI – AFASTAMENTO DOS ENCARGOS MO-RATÓRIOS – TAXAS, TARIFAS E DEMAIS ENCARGOS – REPETIÇÃO DO IN-DÉBITO – [...] 10. Não pode o julgador, nos contratos bancários, conhecer ex officio da abusividade das cláusulas, cumprindo à parte interessada demonstrar precisamente quais taxas, tarifas ou encargos possuem caráter abusivo. 11. Uma

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 191

vez reconhecida a cobrança de valores a maior, impõe-se a compensação do que foi pago indevidamente com o que efetivamente é devido. Se ainda assim vier a ser apurada, pela via da liquidação de sentença, a existência de um saldo credor em favor do mutuário, torna-se possível também a restituição dos valores remanescentes, na forma simples, e não em dobro, já que inaplicável o disposto no art. 42, parágrafo único, da legislação consumerista.

(TRF 4ª R., AC 2007.71.00.035786-7, 3ª T., Rel. Roger Raupp Rios, DE 21.01.2010)

Ademais, importante registrar que, ainda que aplicável o CDC, é vedado ao magistrado revisar, de ofício, cláusulas estabelecidas em contrato bancário. Nesses termos a Súmula nº 381 do STJ:

“Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusivi-dade das cláusulas.”

Assim merece a sentença ser mantida integralmente, porque na esteira do entendimento desta Turma, devendo ser negado provimento ao apelo.

Em face do disposto nas Súmulas nºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestiona-das pelas partes, especialmente os arts. 290 e 360 do Código Civil.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.

É o voto.

Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha Relatora

extRato de ata da sessão de 25.02.2014

Apelação Cível nº 0007451-49.2013.404.9999/RS

Origem: RS 1610900069164

Relator: Desª Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha

Presidente: Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Procurador: Dr. Paulo Gilberto Cogo Leivas

Apelante: Jorge Luiz Viecili Rosa Maria Mattioni Viecili

Advogado: Marcelo Pedrazzi e outro

Apelado: Banco do Brasil S/A

Advogado: Emerson Norihiko Fukushima e outros

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192 ���������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Apelado: União Federal (Fazenda Nacional)

Procurador: Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25.02.2014, na sequência 267, disponibilizada no DE de 17.02.2014, da qual foi intimado(a) União Federal (Fazenda Nacional), o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao apelo.

Relator Acórdão: Desª Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha

Votante(s): Desª Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Juiz Federal Fábio Vitório Mattiello

Luiz Felipe Oliveira dos Santos Diretor de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

7907

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Rogério Fialho MoreiraAGTR 136469‑PE 0000085‑19.2014.4.05.0000Agrte.: CEF – Caixa Econômica FederalAdv./Proc.: Adson Diego Cruz de Oliveira e outrosAgrdo.: Etiene Linhares RodriguesOrigem: 6ª Vara Federal de PernambucoJuiz Federal Hélio Silvio Ourem CamposRelator: Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira

eMenta

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PENHORA MENSAL DE MARGEM CONSIGNÁVEL DE 30% – IMPOSSIBILIDADE – VERBA DE NATUREZA SALARIAL – IMPENHORABILIDADE – ART. 649, IV, DO CPC – PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ

1. Os salários, em virtude de sua natureza alimentar, não podem ser obje-to de penhora, sendo descabida a retenção mensal do percentual de 30% destes, a título de adimplemento de dívida contratada com instituição financeira, a teor do art. 649, IV, do CPC.

2. A impenhorabilidade dos vencimentos salariais está em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, uma vez que tais quantias são destinadas, em razão do seu caráter alimentar, à so-brevivência do núcleo familiar e a satisfação das necessidades primárias dos indivíduos.

3. Decisão ajustada à orientação desta Corte e do STJ.

4. Agravo de instrumento a que se nega provimento.

acóRdão

Vistos, etc.

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 11 de março de 2014.

Des. Fed. Rogério Fialho Moreira Relator

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194 ���������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

RelatóRio

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, ajuizado pela Caixa Econômica Federal, em face de decisão profe-rida pelo Juízo Federal da 6ª Vara de Pernambuco que, em sede de execução de título extrajudicial, indeferiu o pedido de penhora mensal da margem con-signável de até 30% dos vencimentos do executado.

Aduz a agravante a inaplicabilidade do art. 649, IV, do CPC, uma vez que se tratava de empréstimo consignado. Requereu a atribuição de efeito sus-pensivo e, no julgamento final, o provimento do recurso.

O Eminente Des. Fed. Emiliano Zapata Leitão indeferiu o pedido de atri-buição do efeito suspensivo.

Não houve contraminuta.

É o relatório.

voto

A decisão combatida está de acordo com a orientação desta Corte e do col. STJ no sentido de que a impenhorabilidade dos vencimentos salariais está em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa huma-na, uma vez que tais quantias são destinadas, em razão do seu caráter alimen-tar, à sobrevivência do núcleo familiar e a satisfação das necessidades primárias dos indivíduos.

Cito, por oportuno, os seguintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL – VERBAS DE NATUREZA SALARIAL – IMPENHORABILI-DADE – ART. 649, IV, DO CPC

1. O cerne da controvérsia em questão diz respeito à possibilidade legal de a penhora incidir, no limite de 30% (trinta por cento), sobre valores de natureza salarial, percebidos pela parte executada, ora agravada.

2. De início, cumpre salientar que o art. 649, do CPC, elenca o rol dos bens protegidos pela cláusula da impenhorabilidade, entre eles, destaca-se o seu in-ciso IV, in verbis: “os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebi-das por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua famí-lia, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”.

3. Importante ressaltar que a impenhorabilidade dos vencimentos salariais está em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa huma-na, uma vez que tais quantias são destinadas, em razão do seu caráter alimen-tar, à sobrevivência do núcleo familiar e a satisfação das necessidades primárias dos indivíduos. A Constituição Federal (CF/1988), ainda, em seu art. 7º, inciso X, garante a proteção do salário na forma da lei.

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������ 195

4. Ademais, ainda que o empréstimo tenha sido consignado no percentual de até 30% (trinta por cento), este não possui o condão de afastar a cláusula da impenhorabilidade prevista no art. 649 do CPC. O STJ vem entendendo que a regra da impenhorabilidade fica excetuada apenas nos casos da execução se tratar de dívida de alimentos, não sendo esta a hipótese dos autos.

5. Por fim, não encontra guarida legal a alegação da agravante de que aceita-ção, quando da celebração do contrato, da cláusula que estabelecia a penhora-bilidade das verbas de natureza salarial do recorrido, afastaria a proteção con-ferida a estas pelo art. 649 do CPC. Isto porque a proteção em tela se reveste da qualidade de direito público, visando resguardar a dignidade da pessoa huma-na, sendo, portanto, irrenunciável e indisponível.

6. Precedentes do STJ e desta Corte.

7. Agravo de instrumento improvido.

(AGTR 130604/SE, Rel. Des. Fed. Fernando Braga, 2ª T., DJe 08.08.2013)

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PENHORA – PROVENTOS – PERCENTUAL – NATUREZA ALIMENTAR – ART. 649, IV, DO CPC

I – Agravo de instrumento interposto contra decisão que, em sede de ação de execução de título extrajudicial, deferiu o pedido de bloqueio de trinta por cen-to dos proventos do agravante/devedor.

II – Tratando-se de valores oriundos de proventos, de natureza alimentar, inca-bível a penhora sobre tais verbas, em consonância com o disposto nos arts. 649, IV, do CPC.

III – “A possibilidade de se obter empréstimo em consignação até 30% (margem consignável), não configura, de maneira alguma, espaço processual a tornar pe-nhoráveis aquelas verbas que possuem flagrante natureza alimentar. Atente-se, outrossim, que a faculdade do jurisdicionado em dispor de seu salário não tem o condão de desconfigurar a impe -nhorabilidade de tais valores.” (TRF 5ª R., 4ª T., EDAG124814/01/SE, Rel. Des. Fed. Edílson Nobre, DJe 21.06.2012)

IV – Agravo de instrumento provido.

(AGTR 134985/PE, Relª Desª Margarida Cantarelli, 4ª T., DJe 28.11.2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – IMPENHORABILIDADE DO SALÁRIO – ART. 649, IV, DO CPC – RECURSO DESPROVIDO

1. Agravo de instrumento interposto em face de decisão que indeferiu o pedido de bloqueio mensal da margem consignável dos vencimentos do devedor até atingir o valor da execução.

2. O montante percebido a título de salário, vencimento, proventos ou pensão alimentícia, possui caráter alimentar e, nesta condição, torna-se impenhorável, a teor do art. 649, IV do CPC. Mesmo que exista cláusula contratual que autori-

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ze a sua retenção, por possuírem caráter alimentar, não podem tais quantias ser bloqueadas a pedido da instituição financeira.

3. Precedentes desta Corte Regional.

4. Agravo de instrumento improvido.

(AGTR 132468/SE, Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti, 1ª T., DJe 30.07.2013)

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – IMPENHORABILIDADE ABSOLU-TA DOS VENCIMENTOS E PROVENTOS DE APOSENTADORIA

1. A Primeira Seção, ao julgar o REsp 1.184.765/PA, sob a relatoria do Minis-tro Luiz Fux e de acordo com o regime dos recursos repetitivos, cujo acórdão veio a ser publicado no DJe de 03.12.2010, deixou consignado que o bloqueio de ativos financeiros em nome do executado, por meio do Sistema BacenJud, não deve descuidar do disposto no art. 649, IV, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 11.382/2006, segundo o qual são absolutamente impenhoráveis “os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposenta-doria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de traba-lhador autônomo e os honorários de profissional liberal”.

2. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-REsp 1373174/RO, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 16.09.2013)

Com estas considerações, nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.

Recife, 11 de março de 2014.

Des. Fed. Rogério Fialho Moreira Relator

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência7908 – Ação cautelar de exibição de documento – contrato bancário – requerimento extraju­

dicial – desnecessidade

“Processual civil. Agravo regimental. Ação cautelar de exibição de documento. Contrato bancá-rio. Requerimento extrajudicial. Desnecessidade. Interesse de agir. Requisitos da ação cautelar. Ausência de prequestionamento. 1. Há interesse de agir quando a parte propõe ação cautelar de exibição de documento, objetivando, em ação principal, discutir a relação jurídica dele originada, independentemente de prévia solicitação administrativa. 2. É inadmissível recurso especial em que é apontada questão infraconstitucional não decidida no acórdão recorrido. Aplicação da Súmula nº 282/STF. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 340.108 – (2013/0142250-2) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 18.02.2014)

7909 – Ação de anulação de ato jurídico c/c indenização por danos morais – contrato compra e venda de toner entre particulares – alegação de vício oculto

“Apelação cível. Ação de anulação de ato jurídico c/c indenização por danos morais. Contrato compra e venda de toner entre particulares. Alegação de vício oculto. Competência das Câmaras de Direito Civil. Inteligência dos Atos Regimentais nºs 41/2000 e 57/2002. Recursos não conhecidos. Redistribuição. É das Câmaras de Direito Civil a competência para julgamento de feitos concernen-tes a contrato de compra e venda civil.” (TJSC – AC 2011.081735-1 – Relª Desª Rejane Andersen – DJe 17.12.2013)

7910 – Ação declaratória de inexigibilidade de débito – indenização por danos morais e à imagem – insurgência do réu

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com indenização por danos morais e à imagem. Decisão monocrática negando provi-mento ao reclamo. Insurgência do réu. 1. Não se revela cognoscível a insurgência, por não ter a re-corrente apontado o dispositivo legal supostamente violado. A indicação do artigo tido como objeto da divergência jurisprudencial é imprescindível para a correta configuração do dissídio, nos termos do art. 105, III, c, da Constituição Federal. Incidência da Súmula nº 284 do STF. 2. O quantum, a título de danos morais, equivalente a até 50 (cinquenta) salários-mínimos, tem sido o parâmetro adotado para a hipótese de ressarcimento de dano moral em diversas situações assemelhadas (e.g.: inscrição ilídima em cadastros; devolução indevida de cheques; protesto incabível). Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 440.552 – (2013/0394801-6) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 14.02.2014 – p. 656)

7911 – Ação de cobrança – responsabilidade contratual – juros de mora – citação – correção monetária – termo inicial

“Civil. Recurso especial. Ação de cobrança. Agravo no recurso especial. Inovação recursal. Ve-dação. Responsabilidade contratual. Juros de mora fluem a partir da citação. Correção monetária. Termo inicial. Arbitramento da condenação. 1. É vedado o exame de inovação recursal em sede de agravo regimental. 2. Tratando-se de responsabilidade contratual, os juros moratórios incidirão a partir da citação. Precedentes. 3. A jurisprudência desta Corte já se posicionou no sentido de que a correção monetária, em casos de responsabilidade contratual, deve incidir a partir do arbitra-mento do valor da condenação. Precedentes. 4. Agravo não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.416.952 – (2013/0370867-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 19.12.2013)

7912 – Ação de cobrança – seguro de veículo – acidente de trânsito – embriaguez de terceiro condutor – juros de mora – termo inicial

“Agravo regimental. Ação de cobrança. Seguro de veículo. Acidente de trânsito. Embriaguez de terceiro condutor. Juros de mora. Termo inicial. 1. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, a culpa exclusiva de terceiro na ocorrência de acidente de trânsito, por dirigir embriagado, não é causa da perda do direito à indenização, por não configurar agravamento do risco imputável à conduta do próprio segurado. 2. Nas obrigações contratuais, os juros de mora devem incidir a partir da citação.

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3. Agravo regimental parcialmente provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.404.981 – (2013/0317551-7) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 19.12.2013)

7913 – Ação de adimplemento contratual – aplicação do Código do Consumidor – possibili­dade

“Apelação cível. Ação de adimplemento contratual. Agravo retido. Aplicação do CDC. Possibili-dade. Suposta ausência de comprovação do fato constitutivo. Afastada. Documentos juntados aos autos que indiciam o direito buscado pelo autor, inclusive autorizando a inversão do ônus da prova prevista pelo CDC. Preliminar de ilegitimidade passiva. Não acolhida, haja vista a incorporação da Telepar pela ré. Suposta falta de interesse de agir. Afastada. Prejudicial de prescrição. Inocorrência. Aplicação do prazo vintenário (art. 177 do CC/1916) e decenal (art. 205 do CC/2002). Precedentes. Dobra acionária devida, eis que mera consequência lógica da condição de acionista da Telepar quando da cisão do capital social. Incorporação de novas companhias pela Telepar que não conduz à necessidade de subscrição de novas ações. Apelada que possui direito somente sobre as ações específicas da sua própria relação jurídica com a Telepar/Brasil Telecom. Sentença que assim já julgou. Ausência de interesse recursal. Não conhecido em parte. Dobra acionária que deve ser cal-culada conforme a complementação das ações, ou seja, nos termos da Súmula nº 371 do STJ. Juros de mora mantidos. Incidência a partir da citação. Indenização que deve levar em consideração o valor patrimonial da ação na data em que deveria ter sido subscrita. Alegação de incompatibilidade entre o critério de conversão eleito pela sentença e o pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio. Afastada. Pedidos que decorrem da subscrição das ações. Grupamento de ações que, dessa forma, mostra-se irrelevante. Agravo retido desprovido. Recurso de apelação parcialmente conheci-do e, na parte conhecida, desprovido.” (TJPR – AC 1084136-6 – 7ª C.Cív. – Relª Desª Denise Kruger Pereira – DJe 13.12.2013)

7914 – Ação de obrigação de fazer – descumprimento – astreintes – tutela antecipada

“Processual civil. Obrigação de fazer. Descumprimento. Astreintes constantes de decisão conces-siva de tutela antecipada. Exequibilidade da multa diária. Possibilidade. Inexistência de ofensa ao art. 475-N do CPC. Decisão mantida. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, ante o descumprimento da obrigação de fazer, a execução das astreintes determinadas em antecipação de tutela, mesmo que não transitada em julgado a sentença, não configura afronta ao art. 475-N do Có-digo de Processo Civil. 2. O quantum fixado, na origem, a título de astreintes não é passível de revi-são na via especial (Súmula nº 7/STJ), ressalvada a hipótese de irrisoriedade ou exorbitância do valor da multa diária. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.391.729 – (2013/0202743-8) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 16.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental interposto contra decisão singular que deu provimento ao recurso especial do ora agravado.O acórdão recorrido, oriundo do TJRS, está assim ementado:“Direito público não especificado. Fornecimento de energia elétrica. Multa diária. Tutela anteci-pada. Inexistência de título judicial até o trânsito em julgado do processo principal. A decisão que, em antecipação de tutela, fixa multa diária para cumprimento da ordem judicial não se reveste de exigibilidade até que o feito principal tenha transitado em julgado. Ausência de título executivo judicial, nos termos do art. 475-N do CPC. Apelação improvida.” Nas razões deste agravo regimental, a agravante pede que, em juízo de retratação, seja provido o recurso especial, haja vista as seguintes considerações:1) a multa diária deve ser fixada em valor compatível e razoável para o devido cumprimento da ordem judicial, facultando o art. 461, § 6º, do CPC ao Magistrado reduzir, de ofício, o valor da multa quando este se mostrar excessivo;2) o quantum arbitrado pelo Magistrado, ou seja, “o valor de R$ 5.000,00, sem nenhu-ma consolidação em dias, demonstra o risco de grave lesão e dano irreparável à agravante” (fl. 209, e-STJ); 3) a concessionária ofereceu bens à penhora, os quais não foram aceitos pelo credor, que plei-teou a penhora on-line; e4) a finalidade das astreintes não é obrigar a parte ao pagamento do valor da multa, e sim ao cumprimento da obrigação específica, de modo que seu valor pode ser revisto mesmo de ofício.

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Pugnou para que seja reconsiderada a decisão agravada ou submetido o agravo ao Colegiado.O TJSC negou provimento ao agravo regimental, asseverando que o agravante não trouxe argu-mento apto a convelir a decisão agravada.De Plácido e Silva assim define astreintes:“Vocábulo de origem francesa, sem tradução para o vernáculo, indica, na técnica processual civil, a pena pecuniária nas execuções. É a medida cominatória de constrição contra devedor de obrigação de fazer ou não fazer, cujo valor diário, fixado pelo juiz na sentença executada, que durará enquanto permanecer a inadimplência.” (Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 90)Humberto Theodoro Júnior conceituando a astreintes como sendo a multa como meio de coação assim assevera:“A imposição bem como a exigibilidade da multa pressupõem ser factível o cumprimento da obrigação em sua forma originária. Comprovada a impossibilidade da realização da prestação in natura, mesmo por culpa do devedor, não terá mais cabimento a exigência da multa coercitiva. Sua finalidade não é, na verdade, punir, mas basicamente obter a prestação específica. Se isso é inviável, tem o credor de contentar-se com o equivalente econômico (perdas e danos). No en-tanto, se essa inviabilidade foi superveniente à imposição da multa diária, a vigência da medida prevalecerá até o momento do fato que impossibilitou a prestação originária. A revogação da multa, por outro lado, torna-se cabível tanto por impossibilidade objetiva da prestação (o fato devido tornou-se materialmente inexequível) como por impossibilidade subjetiva do devedor (este caiu, por exemplo, em insolvência).” (Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 159)A natureza jurídica da astreintes é coativa e não indenizatória, sendo sua fixação em multa diária até que seja cumprida a obrigação.

7915 – Ação monitória – cheque prescrito – prazo prescricional

“Civil e processual civil. Ação monitória. Cheque prescrito. Prazo prescricional. Art. 206, § 5º, inci-so I, do Código Civil de 2002. Marco interruptivo da prescrição. Despacho ordenatório da citação. Eficácia condicionada à realização do ato citatório no prazo processual previsto em lei. 1. Consoan-te orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, a ação monitória fundada em cheque prescrito subordina-se ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. 2. O despacho judicial que ordena a citação consubstancia o marco interruptivo da prescrição, contudo, a sua eficácia fica condicionada à existência de citação, na forma e prazo previstos na legislação. 3. Inaplicabilidade da Súmula nº 106/STJ ao caso, porquanto, além de não vislumbrar atraso inerente ao mecanismo da justiça, observa-se que os motivos que inviabilizaram a citação restam vinculados à impossibilidade de localizar o endereço da parte ré, havendo a parte autora contribuído para a inocorrência da angularização da relação jurídica processual na origem. 4. Negou-se provimento ao recurso.” (TJDFT – Proc. 20130111658570 – (744255) – Rel. Des. Flavio Rostirola – DJe 18.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de apelação cível interposta contra a r. sentença que, em ação monitória ajuizada, reconheceu a ocorrência de prescrição e extinguiu o feito, com análise de mérito, nos termos do art. 269, inciso IV, do Código de Processo Civil.Nas razões de apelo, a parte autora sustentou, em síntese, que haveria seguido todos os ritos necessários à propositura da ação. Aduziu que se mostraria cabível o ajuizamento de ação monitória com fundamento em cheque prescrito. Ressaltou que várias diligências teriam sido realizadas com o intuito de promover a citação do requerido, tendo atendido, segundo alega, a todos os despachos proferidos pelo juízo de origem, para providenciar o endereço da parte ré para citação. Defende a ausência de inércia da requerente. O caso sob análise trata-se de ação monitória para a cobrança de dois cheques prescritos, cujo prazo prescricional é de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002, consoante orientação jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça.O TJDFT negou provimento ao recurso.Assim dispõe o Código de Processo Civil:“Art. 1.102-A. A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.”A ação monitória é o instrumento processual colocado à disposição do credor de quantia certa, de coisa fungível ou de coisa móvel determinada, com crédito comprovado por documento escri-

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to sem eficácia de título executivo, para que possa requerer em juízo a expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa para a satisfação de seu direito (NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Processo civil comentado e legislação processual civil extrava-gante em vigor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 1032).Importante trazer as lições da jurista Mariângela Guerreiro Milhoranza sobre a ação monitória:“A Lei nº 9.079/1995 trouxe a ação monitória para o nosso sistema de direito processual ao in-serir os arts. 1102-A, 1102-B e 1102-C ao CPC. ‘O adjetivo monitório, que qualifica a ação, sig-nifica aquilo que avisa, admoesta, exorta. Procede do latim monere, advertir, lembrar, exortar’.A ação monitória é uma forma de procedimento especial que tem por fito proporcionar ao autor um título executivo em que será balizado o cumprimento da obrigação. Theodoro Júnior diz que, ‘abreviando o caminho para alcançar o título executivo, funciona, enfim, o procedimento monitório como um inteligente meio de definir, na abertura do processo, a natureza da lide, evidenciando se é caso de pretensão contestada ou simplesmente de pretensão insatisfeita’. Mas, para conseguir o título executivo, o autor deve possuir prova escrita, sem eficácia de título executivo, que comprove a existência de obrigação de pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem imóvel. Quanto à natureza jurídica da ação monitória, o processo monitório tem cognição sumária, somente nos embargos monitórios versará cognição plena. Pois bem, ingressada em juízo determinada ação monitória, haverá o prazo de quinze dias para que o réu ou faça o pagamento, ou ofereça embargos ou quede silente. Sendo oferecidos os embargos monitórios, seria suspensa a eficácia do mandado como título executivo. Mas, mesmo que suspensa a ação monitória até julgamento dos embargos, caberia execução provisória? Sus-tenta Dinamarco que sim, afirmando: ‘Embora a lei nada disponha sobre uma possível execução provisória, a sua admissibilidade é uma imposição do sistema, que quer ser ágil e valorizar pro-babilidades’. Elaine Harzheim Macedo, já em 1997, defendia que a possibilidade da execução provisória ‘[...] reclama uma efetividade procedimental adequada, que certamente não é alcan-çada pelo sistema convencional das apelações recebidas em ambos os efeitos’. Hermes Zaneti Júnior e Rodrigo Mazzei entendem que ‘[..] não parece possível a execução provisória em título decorrente de procedimento monitório, caso a decisão que rejeitar os embargos seja impugnada via recurso de apelação’. Ora, o inciso V do art. 520 do Código de Processo Civil, por analogia, antes do advento da Lei nº 11.232/2005, era aplicável aos embargos em mandado monitório. Entrementes, após a vigência da Lei nº 11.232/2005, a decisão que afasta os embargos mo-nitórios passou a ter caráter incidental. Sendo decisão de caráter incidental, não há como ser atacada via apelação. Portanto, não cabe execução provisória, eis que restou impossível aplicar o inciso V do art. 520 porque não se trata de decisão judicial atacável via apelação. Nesse sentido, o art. 1102-C, caput e seu respectivo § 3º apenas sofreram um processo de adap-tação do procedimento da ação monitória ao novo rito estabelecido pela Lei nº 11.232/2005 no que toca ao cumprimento da sentença condenatória. Assim, a conversão do mandado inicial de citação gera, inevitavelmente, um título executivo judicial, mesmo que não esteja arrolado entre as hipóteses do art. 475-N.” (Algumas observações sobre a ação monitória. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 3 jan. 2014)

7916 – Cédula de crédito industrial – utilização para saldar débitos anteriores – possibilidade

“Agravo interno em recurso especial. Processual civil. Civil. Requisitos de admissibilidade recursal. Atendimento. Ação indenizatória. Cédula de crédito industrial. Utilização para saldar débitos an-teriores. Possibilidade. Desvio de finalidade. Não ocorrência. Agravo desprovido. 1. A utilização de cédula de crédito industrial ou comercial para renegociação de dívida de mesma natureza não configura desvio de finalidade, a ensejar nulidade do título. Precedentes. 2. Agravo interno des-provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.104.561 – (2008/0261956-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 16.12.2013)

7917 – Competência territorial – interesse do jurisdicionado – domicílio da pessoa natural – lugar onde exerce a profissão

“Direito processual civil. Competência territorial. Interesse do jurisdicionado. Domicílio da pessoa natural. Lugar onde exerce a profissão. 1. Competência territorial. Além dos critérios estabelecidos no art. 4º da Lei nº 9.099/1995, o interesse do jurisdicionado há de prevalecer na definição da competência territorial. 2. Não obstante a incompetência territorial possa ser reconhecida de ofício no sistema de juizados especiais cíveis (Enunciado nº 89 do Fonaje), a utilização desta faculdade pelo juiz deve ser reservada às hipóteses em que reste prejudicado o exercício do direito de defesa, não podendo ser usada para contrariar os interesses legítimos do jurisdicionado, pois a lei foi criada

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para facilitar o acesso à justiça. 3. Domicílio do autor. A parte autora, embora resida fora da circuns-crição judiciária de Brasília, exerce profissão nesta cidade, pois é empregada doméstica e trabalha na asa norte, lugar para onde se estende o seu domicilio, na forma do art. 72 do Código Civil, e que certamente lhe é mais cômodo para exercer seus direitos processuais. 4. Recurso conhecido e provido para anular a sentença.” (TJDFT – Proc. 20130111709536 – (744623) – Rel. Juiz Aiston Henrique de Sousa – DJe 19.12.2013)

7918 – Compra e venda – pedido de rescisão – reintegração de posse

“Compra e venda. Pedido de rescisão, cumulado com reintegração de posse. Sentença de proce-dência. Falecimento da autora, após a interposição do recurso de apelação, com pedido ulterior expresso de desistência do apelo determinação da regularização da representação processual do es-pólio não atendida manifesta falta de interesse recursal apelo não conhecido.” (TJSP – Ap 9112641-60.2009.8.26.0000 – Batatais – 7ª CDPriv. – Rel. Ramon Mateo Júnior – DJe 19.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESEUma companhia habitacional ajuizou ação de rescisão de contrato cumulada com reintegração de posse em face da ré, ao fundamento de que a mesma deixou de efetuar o pagamento de mais de três prestações, a partir de abril/2002, havendo sido constituída em mora, por intermédio de notificação extrajudicial. Requereu, pois, a rescisão do contrato, com a reintegração na posse do imóvel.A ação foi julgada procedente, nos termos da sentença, para declarar rescindido o contrato celebrado entre as partes, reintegrando a autora na posse do imóvel.Inconformada, porém, apelou a autora, requerendo a inversão do julgado.O TJSP não e do recurso.Vale trazer trecho do voto do Relator:“O presente recurso não está em caso de ser conhecido, restando prejudicado em face da falta de interesse recursal, na modalidade utilidade. Com efeito, após notícia do falecimento da apelante e requerimento de desistência do recurso de apelação, foi determinada a regularização da repre-sentação processual do espólio. Todavia, seu desinteresse restou manifesto, ao quedar-se inerte, permanecendo sem representação processual. Mesmo intimada pessoalmente a inventariante, deixou correr in albis o prazo para manifestação acerca de sua representação processual. Ora bem: a falta de regularização processual, aliada ao pedido de desistência do recurso de apelação interposto, comprova, cabal e irretorquivelmente, a perda do interesse processual, sobretudo, na modalidade utilidade do provimento jurisdicional. Logo, é de se concluir que a sentença foi acei-ta, posto que sua conduta omissiva é absolutamente incompatível com o julgamento do recurso.”Sobre a reintegração de posse, trazemos as lições de Jéferson Albuquerque Farias:“A ação de reintegração de posse também é chamada de interdito recuperatório ou ação de esbulho, sendo que sua origem está ligada aos interdicta recuperadae possesionis. O possuidor, em caso de esbulho, usa a reintegração de posse para reaver a coisa para si. Essa ação pode ser de força velha ou de força nova. Aplica-se, em cada uma das hipóteses, a mesma disposição da ação de manutenção de posse.O fim específico da ação é recuperar a coisa. O possuidor que foi privado da sua posse tem o direito de reaver a coisa de quem quer que seja. O possuidor dirige-se contra o autor do esbulho ou contra terceiro que tenha recebido a coisa sabendo que esta era esbulhada.Quando o esbulho praticado datar de um ano e dia, a ação também é chamada de ação de força nova espoliativa. Nesse sentido ensina Orlando Gomes, quando escreve sobre o tema:‘Também chamada ação de força nova espoliativa, pressupõe ato praticado por terceiro que im-porte, para o possuidor, perda da posse, contra a sua vontade. Se o possuidor não for despojado da posse, esbulho não haverá. Além da restituição da coisa, a que faz jus, o possuidor esbulhado tem direito a ser indenizado dos prejuízos que sofreu com o esbulho.’A ação de reintegração de posse vem garantida nos arts. 1.211 do Código Civil e 926 do Código de Processo Civil, que têm a seguinte redação:‘Art. 1.211. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.’‘Art. 926. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho.’Tupinambá Miguel Castro do Nascimento afirma que a ação de reintegração de posse entrou no Código Civil brasileiro no art. 499 (atual art. 1.210 do Código Civil) com o objetivo de recuperar a posse de um determinado bem que tenha saído da esfera do possuidor por meio do esbulho.É a ação de quem tinha a posse, perdeu-a e quer recuperá-la.

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Renan Falcão de Azevedo diz que ‘reintegrar significa integrar novamente (re-integrar). Significa restabelecer alguém na posse de um bem do qual tenha sido injustamente despojado’.A proteção possessória constitui um dos efeitos da posse, e na hipótese de esbulho está tipifi-cada no Código Civil e no Código de Processo Civil. Seus dispositivos garantem ao possuidor o direito de reaver a posse. Ricardo Aronne bem comenta o dispositivo do art. 1.210 do Código Civil quando escreve sobre o assunto. A lição do autor merece ser reproduzida:‘A regra em comento positiva, na esfera material, o direito do cidadão, perante o estado, a tutela interdital de sua posse. Assim, para os casos de turbação, cabe manutenção de posse e, para os casos de esbulho, caberá reintegração de posse. O dispositivo há de ser tomado como exem-plificativo, não encerrando as hipóteses de tutela possessória, ainda que venham a ter caráter interdital. Nesse passo, diante da tríplice dimensão possessória, aquele que adquire o direito à posse (jus possessionis) ou o direito de posse (jus possidendi), enquanto o fato da posse estiver com outrem, tem direito a ser imitido na posse, por exemplo. No âmbito do esforço imediato, a autotutela da posse, o § 1º do dispositivo em tela anacronicamente o positiva na codificação. Há de ter-se presente, admitindo sua juridicidade, o princípio da proporcionalidade quanto ao respectivo exercício. Não obstante, a propriedade e a posse afetam-se à respectiva função social (art. 5º, XXIII, e art. 170 da CF/1988) e o princípio da dignidade da pessoa humana é princípio fundamental do ordenamento (art. 1º, III, da CF/1988). Assim, a existencialidade guarda pri-mazia à patrimonialidade.’A reintegração se mostra presente em várias situações por recusa na restituição. Arnaldo Rizzardo traz alguns exemplos de situações quando retrata casos em sua obra. O autor dá como exemplo o comodatário que, quando vencido o contrato, é notificado e, não restituindo a coisa, torna-se usurpador ou esbulhador a partir do ato que o intimou para a restituição.Seguindo o mesmo sentido, o autor revela a situação no seguinte aresto:‘Estando demonstrados os requisitos básicos da ação de reintegração de posse, consistente na posse anterior da autora e na sua perda, com a ocupação indevida do imóvel, por outrem, o que configura esbulho, correta a decisão da maioria que reformou a sentença de improcedência do pedido. A presença dos réus no imóvel, sem justificar a aquisição regular de sua posse, que é da autora, ora embargada, como demonstrado nos autos, e contrariando a vontade desta, indica o esbulho, cuja ocorrência retroage ao momento da indevida ocupação do imóvel. Esse é o mo-mento da perda da posse, reconhecida pela sentença, configurando o esbulho, com a mudança do título de ocupação do imóvel, de comodato, para o de pretenso dono.’A exigência da notificação é unicamente para o contrato de prazo indeterminado e, igualmen-te, para aquele cujo prazo mede-se de acordo com a presunção da coisa, segundo a regra do art. 397 do Código Civil ou o princípio dies intepellat pro homine.[...]Requisitos da ação de reintegração:Para se valer da proteção possessória, o possuidor esbulhado deve ter exercido uma posse anterior, ter sido o esbulho provocado por terceiro, bem como ter perdido a posse em razão do esbulho. Estes três pressupostos mostram-se necessários para garantir o direito à proteção pos-sessória. A ação é própria para quem tinha a posse, perdeu-a e deseja recuperá-la.Já para garantir a reintegração de posse, dispõe o art. 927 do Código de Processo Civil que o autor deve provar que exerceu a posse sobre a coisa, que houve esbulho sobre a coisa e que perdeu a posse, demonstrando a data em que ocorreu o esbulho a fim de requerer a reintegração liminar, data esta que deve ser de menos de ano e dia para a hipótese de requerer a liminar (art. 924 do CPC). O esbulho concretiza-se não só em face dos atos de violência e clandestinida-de, mas também com a recusa em restituir a coisa quando a isto se é obrigado.O réu, ao se defender, pode opor-se à pretensão apresentada, alegando, em sua defesa: que o autor comete o mesmo esbulho de que se queixa; ou que o autor não tem a posse; que a posse está extinta ou que a posse civil é fundada em contrato nulo; que obrara sem dolo, por mandado de outrem; que o autor é incapaz da posse; o direito de retenção e, por último, a prescrição da ação.Como em qualquer outro dos interditos possessórios, o autor deve comprovar que, anteriormente ao alegado esbulho, estava na posse. Este é requisito indispensável, prova que aquele que reclama a posse foi demitido de tal exercício. Assim, percebe-se que só sofre esbulho quem efetivamente exercia a posse, ainda que por intermédio de outrem.” (Das ações possessórias – Reintegração de posse. Disponível em: online.sintese.com)

7919 – Consórcio – prazo para devolução das parcelas pagas – consorciado desistente

“Civil. Agravo. Recurso especial. Consórcio. Prazo para devolução das parcelas pagas por consor-ciado desistente. 1. Em caso de desistência do plano de consórcio, a restituição das parcelas pagas

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pelo participante ocorrerá em até trinta dias contados do prazo previsto contratualmente para o encerramento do grupo correspondente. 2. Agravo não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.394.973 – (2013/0239070-8) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 16.12.2013)

7920 – Contrato bancário – ação revisional – cédulas de crédito rural – prescrição

“Direito civil. Recurso especial. Ação revisional de contrato bancário. Cédulas de crédito rural. Prescrição. Ação pessoal. Vintenária sob a égide do CC/1916. Decenal a partir do início da vigência do CC/2002. Termo inicial. Data em que o contrato foi firmado. Dissídio jurisprudencial. Cotejo analítico e similitude fática. Ausência. 1. Ação revisional de contratos de cédula de crédito rural, ajuizada em 11.03.2008, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 05.09.2012. 2. Determinar o termo inicial do prazo prescricional da ação revisional de cláusulas de cédula de crédito rural. 3. As ações revisionais de contrato bancário são fundadas em direito pessoal, motivo pelo qual o prazo prescricional, sob a égide do Código Civil de 1916 era vintená-rio, e passou a ser decenal, a partir do Código Civil de 2002. 4. A pretensão se refere às cláusulas contratuais, que podem ser discutidas desde a assinatura do contrato, motivo pelo qual o termo inicial do prazo prescricional é a data em que o contrato foi firmado. 5. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 6. Negado provimento ao recurso especial.” (STJ – REsp 1.326.445 – (2012/0111929-3) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 14.02.2014)

7921 – Dano moral – erro médico – óbito – negligência no atendimento da paciente – reexame de prova

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Indenização por danos morais. Erro médico. Óbi-to. Negligência no atendimento da paciente. Reexame de prova. 1. Inviável a análise do recurso especial quando dependente de reexame de matéria fática da lide (Súmula nº 7 do STJ). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 409.158 – (2013/0342099-7) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 14.02.2014)

7922 – Dano moral – inserção indevida – órgãos de proteção ao crédito – valor – adequação – redução

“Prestação de serviços. Indenização. Ilegitimidade passiva. Não reconhecimento. Dano moral. In-serção indevida do nome da acionante nos órgãos de proteção ao crédito. Dano moral caracteri-zado. Valor. Adequação. Redução. 1. Apesar de não ser a única responsável pela negativação do nome da autora, não pode se eximir das obrigações disto decorrentes. Isto porque, recebeu crédito que já não existia e inscreveu indevidamente o nome da autora no serviço de proteção ao crédito. 2. Considerando a extensão do dano, a capacidade econômica das partes e as demais peculiari-dades do caso concreto, a indenização arbitrada fica adequada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 3. Recurso parcialmente provido.” (TJSP – Ap 0010672-32.2012.8.26.0201 – Garça – 35ª CDPriv. – Rel. Artur Marques – DJe 19.12.2013)

7923 – Dano moral – outdoor – direito de retratação – decadência

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação de indenização por danos morais. Outdoor. Direito de retratação. Decadência. Aplicação da Súmula nº 283/STF. Imagem de pessoa jurídica. Dano moral fixado em R$ 50.000,00. 1. O fundamento do acórdão recorrido utilizado para afastar a alegação de ocorrência de decadência do direito de retratação previsto na Lei de Imprensa, não foi impugnado nas razões do especial, atraindo, à hipótese, a aplicação da Súmula nº 283 do Su-premo Tribunal Federal. 2. É possível a intervenção desta Corte para reduzir ou aumentar o valor indenizatório por dano moral apenas nos casos em que o quantum arbitrado pelo acórdão recorrido se mostrar irrisório ou exorbitante, situação que não se faz presente no caso concreto. 3. O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 4. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 428.260 – (2013/0374280-0) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 19.12.2013)

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7924 – Defesa do consumidor – administradora de shopping center – explosão por vazamento de gás – cadeia de fornecimento – responsabilidade solidária

“Civil, processo civil e consumidor. Administradora de shopping center. Explosão por vazamento de gás. Cadeia de fornecimento. Responsabilidade solidária. Empregado do fornecedor. Figura do consumidor por equiparação. Aplicação. Impossibilidade. Existência de relação jurídica específica. Danos morais. Valor. Revisão em sede de recurso especial. Impossibilidade. Montante razoável. Dispositivos legais analisados. Arts. 2º, 3º, 7º, parágrafo único, 17 e 25 do CDC, e 21, parágrafo único, do CPC. 1. Ação ajuizada em 13.04.1999. Recurso especial concluso ao gabinete da relato-ra em 14.03.2013. 2. Recurso especial em que se discute a extensão da figura do consumidor por equiparação prevista no art. 17 do CDC. 3. Os arts. 7º, parágrafo único, e 25 do CDC impõem a todos os integrantes da cadeia de fornecimento a responsabilidade solidária pelos danos causados por fato ou vício do produto ou serviço. 4. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, embora não tenham participa-do diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa relação. Todavia, caracterização do consumidor por equiparação possui como pressuposto a ausência de vínculo jurídico entre fornecedor e vítima; Caso contrário, existente uma relação jurídica entre as partes, é com base nela que se deverá apurar eventual responsabilidade pelo evento danoso. 5. Hipótese em que fornecedor e vítima mantinham uma relação jurídica específica, de natureza trabalhista, circunstância que obsta a aplicação do art. 17 do CDC, impedindo seja a empregada equiparada à condição de consumidora frente à sua própria empregadora. 6. A indenização por danos morais somente comporta revisão em sede de recurso especial nas hipóteses em que o valor fixado se mostrar irrisório ou excessivo. Precedentes. 7. Nos termos do art. 21, parágrafo único, do CPC, se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas verbas de sucumbência. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (STJ – REsp 1.370.139 – (2012/0034625-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 12.12.2013)

7925 – Defesa do consumidor – comissão de corretagem – responsabilidade pelo pagamento do vendedor – cláusula abusiva – devolução em dobro – cabimento

“Direito do consumidor. Comissão de corretagem. Responsabilidade pelo pagamento do vendedor. Cláusula abusiva. Devolução em dobro. Cabimento. 1. Comissão de corretagem. Responsabilidade pelo pagamento. A responsabilidade pelo pagamento de comissão de corretagem é do vendedor que contrata o respectivo profissional, mostrando-se abusiva, por violação ao disposto no art. 51, inciso IV, do CDC, a cláusula que transfere tal ônus ao comprador, o qual não aufere qualquer vantagem com o pagamento de tal verba. Precedentes na Turma (Acórdão nº 722734, 20130910141235ACJ, Relator Antônio Fernandes da Luz, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 15.10.2013, Publicado no DJe: 18.10.2013, p. 403). 2. Restituição em dobro. A cobrança por serviços não prestados não se caracteriza como engano justificável, para os fins do art. 42, parágrafo único, do CDC, ainda que eventualmente previsto em contrato de adesão. Precedentes na Turma 20110910248394ACJ, Relator João Fischer, 2ª Tur-ma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Julgado em 13.03.2012, DJ 21.03.2012, p. 254). Ademais, ‘[...] o objetivo precípuo do art. 42, parágrafo único, do CDC é evitar a inclusão de cláusulas abusivas e nulas que permitam que o fornecedor de produtos e serviços se utilize de mé-todos comprometedores de cobrança [...]’ (REsp 1099680/SP, Recurso Especial nº 2008/0227635-7, Relator Ministro Mauro Campbell Marques). Devolução em dobro que se impõe, ante a ausência de engano justificável. 3. Recurso conhecido e provido. Sem custas e honorários.” (TJDFT – Proc. 20130110980183 – (744626) – Rel. Juiz Aiston Henrique de Sousa – DJe 19.12.2013)

7926 – Defesa do consumidor – compra e venda pela Internet – atraso na entrega – produto defeituoso – vício não sanado após trinta dias – inadimplemento contratual

“Juizado especial cível. Direito do consumidor. Compra e venda pela Internet. Atraso na entrega. Produto defeituoso. Vício não sanado após trinta dias. Inadimplemento contratual. Art. 18 § 1º, inciso II, do CDC. Obrigação de restituir o valor pago corrigido monetariamente. Aborrecimentos e transtornos. Decorrentes da vida em sociedade. Danos morais não configurados. 1. Acórdão elabo-

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rado de conformidade com as disposições contidas no art. 46 da Lei nº 9.099/1995 e nos arts. 12, inciso IX, 98 e 99 do Regimento Interno das Turmas Recursais. 2. O atraso injustificável na entrega de produto adquirido pela internet e a posterior entrega de produto defeituoso configuram falhas na prestação de serviço, nos termos do que dispõe o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. 3. Produto entregue com defeito acarreta a responsabilidade solidária do fabricante e do fornece-dor, consoante preconiza o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor. 4. Se o vício existente no produto adquirido não for sanado no prazo de trinta dias é direito do consumidor exigir a restituição do valor pago, devidamente corrigido, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, a teor do que dispõe o § 1º, inciso II, do art. 18, do CDC. 5. As alegações da ré/recorrente acerca da inexistência de vício no produto destituídas de provas não merecem qualquer respaldo. Não se mostra razoável que o consumidor questione o vício junto ao fornecedor, tente, em vão, solucionar o problema ad-ministrativamente, por meio do Procon e de caderno especializado de jornal de grande circulação e ainda busque o poder judiciário, se o referido defeito não existisse. 6. Não tendo o autor/recorrente logrado comprovar eventuais perdas e danos decorrentes da falha na prestação de serviço, correta a decisão recorrida que determina tão somente a restituição do valor pago, devidamente corrigido. 7. Os transtornos decorrentes do atraso na entrega do produto configuram dissabores decorrentes da vida em sociedade, não sendo significantes a ponto de configurar violação a direito de persona-lidade. A situação fática dos autos não configura dano moral, portanto, não há que se falar em com-pensação pecuniária a esse título. 8. Recurso de ambos os recorrentes conhecidos e não providos. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. 9. Sem custas processuais adicionais e sem ho-norários advocatícios, já que tendo sido ambos vencidos, as condenações se compensam.” (TJDFT – Proc. 20130110765494 – (744738) – Rel. Juiz Antônio Fernandes da Luz – DJe 19.12.2013)

7927 – Defesa do consumidor – imóvel na planta – atraso na entrega – culpa exclusiva da construtora – rescisão do contrato – aplicabilidade

“Apelação cível. Imóvel na planta. Atraso na entrega. Recurso da construtora ré. CDC. Aplicabili-dade. Culpa exclusiva da construtora. Rescisão do contrato. Devolução dos valores pagos. Paga-mento de multa pela construtora. Previsão contratual. Manifestação sucinta. Julgado devidamente fundamentado. Inovação recursal. Vedação. Recurso do autor. Dano moral. Inocorrência. Descum-primento contratual. Comissão de corretagem. Livre pactuação. Devolução. Não cabimento. INCC para atualização da multa contratual. Possibilidade. Sentença parcialmente reformada. 1. Aplica-se à relação jurídica sob exame as regras do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que as partes envolvidas se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos arts. 2º e 3º do CDC, já que a empresa ré comercializa, no mercado de consumo, bem imóvel adquirido pelo autor como destinatário final. 2. Mostra-se correto o julgado que rescinde o contrato por culpa exclusiva da construtora ré e determina a devolução dos valores pagos pelo promitente comprador, diante do fato incontroverso de que a obra não foi entregue na data avençada, notadamente considerando que não houve demonstração de qualquer hipótese de caso fortuito ou força maior. 3. Não há que se falar em inexigibilidade de pagamento de multa pela construtora, na medida em que aludida penalidade restou prevista em contrato para qualquer das partes que incidisse em inadimplên-cia contratual. 4. A jurisprudência pátria é pacífica no sentido de que a manifestação sucinta do julgador não significa necessariamente ausência de fundamentação. 5. Revela-se como inovação recursal, prática vedada em nosso ordenamento jurídico, a impugnação, em sede de apelação, de matéria não discutida em primeiro grau. 6. O mero descumprimento contratual, em regra, não dá azo à compensação por danos morais, ainda que se reconheça como causa de dissabor ou aborre-cimentos. 6.1. A frustração na expectativa do recebimento do imóvel não é capaz de gerar abalo psicológico profundo, apto a ensejar a indenização pleiteada. 7. A comissão de corretagem, quando livremente pactuada, não se apresenta indevida, tampouco encontra óbice no ordenamento legal, razão pela qual, uma vez prestado o serviço pelo corretor de imóveis, incabível a pretensão de de-volução dos respectivos valores. 8. Considerando que o INCC possui a função de recomposição do valor da moeda e foi livremente pactuado entre as partes, correta a sua aplicação na atualização do contrato para fins de incidência da cláusula penal. 9. Sentença parcialmente reformada.” (TJDFT – AC 20130310075142 – (743389) – Relª p/o Ac. Desª Gislene Pinheiro – DJe 18.12.2013)

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Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de apelações interpostas em face da r. sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Brasília/DF, em ação de rescisão de contrato, que julgou parcialmente procedente o pedido para rescindir o contrato de compra e venda de imóvel residencial firmado entre os litigantes, e condenar a ré a restituir todos os valores pagos pelo autor, bem como pagamento de multa de 30% do valor do contrato, atualizado pelo INPC. Em suas razões recursais, requereu o apelante/autor que seja também reconhecido como devi-dos os danos morais, em razão da conduta da ré afrontar o princípio da dignidade humana, bem como a restituição da comissão de corretagem, tendo em vista a responsabilidade solidária da ré; além da atualização monetária da multa pelo INCC, conforme previsto no contrato. Já a apelante/ré insurgiu-se contra a r. sentença ao argumento de que inaplicável o CDC ao contrato de compra e venda de imóvel com garantia fiduciária, pois regido pela Lei nº 9.514/97. Aduziu serem indevidas a restituição do valor pago pelo autor e a aplicação de multa de 30%, em razão da mora involuntária e da boa-fé. Impugnou, ainda, os valores apresentados com a inicial pelo autor. O TJDFT deu parcial provimento aos apelos para condenar a ré à devolução da quantia paga a título de corretagem, no valor de R$ 3.040,41 (três mil e quarenta reais e quarenta e um centavos), corrigidos monetariamente desde o desembolso, além de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação; bem como para condenar a ré ao pagamento de multa moratória de 30% (trinta por cento) sobre o valor total pago pelo autor, promitente comprador, ou seja, R$ 45.961,16 (fl. 33), acrescido do valor pago a título de comissão de corretagem, R$ 3.040,41, totalizando R$ 49.001,57, corrigidos pelo INCC e com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação.O Relator manteve íntegro os demais termos da r. sentença recorrida e ainda decidiu que em razão da sucumbência recíproca, mas não equivalente, condeno as partes ao pagamento, na proporção de 30% para o autor e 70% para o réu, das custas e dos honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da condenação, ficando a cobrança da parte autora condicionada ao disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/1950. O Ilustre Jurista Sebastião Pereira de Souza assim nos ensina sobre compra e venda:“Num exercício fértil de memória da história da humanidade, parece que o homem primitivo sa-tisfazia o seu interesse imediato pelo uso da força física. Parece que cada um agia por si, catando na natureza pródiga o que lhe interessava ou tomando-o do indivíduo mais fraco. Ainda desen-volvendo a fertilidade do pensar, evocando nas pegadas do tempo as situações que deram origem ao pensamento lógico, ao discernimento inteligente, parece, também, que o indivíduo fraco, ao reconhecer a sua tibiez frente à hostilidade do viver sem conviver, buscou no agrupamento uma forma de, no bando, superar-se a si mesmo unindo esforços contra a agressão externa. Parece ainda que aí nasceu a idéia de sociedade entre consangüíneos e não consangüíneos. Debulhando mais ainda a nossa indagação curiosa, buscando no funil do tempo que alargou a tendência aos juízos de valores éticos, parece que o homem, ainda primitivo em relação à civilização que o seguia, mirando no desenvolver da cada bando, separados em territórios, cujo húmus, aliado às estações, prodigalizava diferente produção, que mais cômodo e sem perigo de vida seria dispor do que lhe sobrava recebendo do outro, na mesma situação e sem preocupar com o valor, aquilo que carecia. Parece, finalmente, que surgiu aí o escambo. Trocava-se o que se precisava pelo que sobejava para o outro. O escambo teria transcorrido vários séculos como prática de negócio, até que a distância, as intempéries constantes e mesmo o transporte de bens in natura como meio de troca tornava cada vez mais difícil o relacionamento, donde teria surgido a moeda, com um valor aceito por todos e que substituía o bem trocado. Nossa lucubração histórica nos conduz, como Carvalho Santos, a afirmar que a compra e venda teve sua origem na troca.1 DA COMPRA E VENDAA compra e venda é uma espécie do gênero contrato, com características próprias, mas que se aperfeiçoa, como todo acordo de vontade, como um ato jurídico ou na dicção da nova ordem, – um negócio jurídico, que requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determi-nável e forma prescrita ou não defesa em lei. Acrescentando, ao negócio jurídico, a coincidência de duas ou mais manifestações unilaterais de vontade, visando o proveito e bem-estar dos contratantes, temos aí, como conseqüência, o contrato. A capacidade do agente que libera a sua vontade para contratar é ampla e só encontra limitação no interesse social – art. 421 do Código Civil, guardando as partes, tanto na conclusão como na execução, os princípios da probidade e boa-fé – art. 422.O princípio da autonomia da vontade, ensina Sílvio Rodrigues, parte do pressuposto de que os contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de aceitar ou rejeitar os termos do contrato.1.1 Elementos da compra e venda

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Pelo contrato de compra e venda um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de cer-ta coisa, e, o outro, a pagar-lhe o preço em dinheiro – art. 481 do Código Civil. O contrato de compra e venda é o meio, o instrumento para se transferir o Domínio. Tem efeito mera-mente obrigacional que se implementa com a execução mediante a tradição se coisa móvel – art. 1.267 ou pelo Registro no Cartório do Registro Imobiliário – art. 1.245, se for coisa imóvel. A obrigação do vendedor é de transferir o domínio do objeto contratado. A obrigação do com-prador é de pagar o preço.Segundo expressa disposição no art. 482, a venda é considerada perfeita desde que haja acordo sobre a coisa e sobre o preço. Três, portanto, são os elementos da compra e venda: consensus, pretium e res. Consensus O consenso ou consentimento é o resultado do encontro da declaração unilateral de vontades de um lado, do comprador sobre o bem, e, de outro lado, do vendedor sobre o preço. A vontade eivada de vício contamina todo o contrato. Anulável, portanto, é o contrato de compra e venda quando viciada a declaração de vontade por erro substancial, dolo e coação nas circunstâncias delineadas nos art. 138 e seguintes do Código Civil.Pretium No contrato de compra e venda, o preço deve ser sério, em dinheiro, não podendo ser irrisório, e que consista numa soma que seja considerada equivalente à coisa, considerando a oferta e procura à época da contratação.O preço vil pode levar à consideração não de um contrato de compra e venda, mas de doação simulada, cujo efeito pode levar à sua anulação como verbi gratia na doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice que pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal, – expressa disposição do art. 550 do Código Civil, considerando, mais ainda, as demais disposições que impedem a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador e, também, a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento – arts. 548 e 549. O preço pode ser pago em moeda corrente nacional à vista, em moeda estrangeira pela cotação do dia que converter em moeda nacional ou a prazo, em prestações. Sendo o preço pago com outro bem, compra e venda não é, pois a moldura é do contrato de troca que in thesi os efeitos não divergem muito, porque as disposições que se apli-cam são as mesmas do contrato de compra e venda, exceto quando se tratar de troca entre as-cendentes e descendentes – art. 533, – em que o negócio só depende da intervenção dos outros descendentes e do cônjuge, quando os bens trocados forem de valores desiguais: ‘Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:I – Omissis; II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimen-to dos outros descendentes e do cônjuge do alienante’. Fica sem efeito o contrato de compra e venda se o terceiro a quem foi deixado arbitrar o preço – art. 485, não aceitar o encargo, salvo se concordarem designar outra pessoa. O preço estipulado pelo terceiro indicado vincula os contratantes, até que se provem vícios na elaboração do laudo que inquinem de nulidade os negócios jurídicos em geral. A nova ordem civil considera lícito às partes fixarem o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação – art. 487. As partes podem escolher um padrão objetivo e de fonte isenta para a fixação do preço, como v.g. os índices estipulados por órgãos governamentais ou fundações de trato econômico. Ocorre, a meu falível juízo, que o índice ou parâmetro não pode ter origem em entidade de uma das partes, como na compra e venda de imóveis feita entre construtoras e particulares com base em índice Sinduscon/CUB elaborado pelo Sindicato das Empresas Cons-trutoras, porque estaria, de forma transversa, deixando ao arbítrio exclusivo da construtora, através de seu sindicado, entidade defensora de seus interesses, a fixação do preço, fato que torna nulo o contrato por força do art. 489Não havendo convencionado a fixação do preço ou critérios para a sua determinação, e não tendo a coisa tabelamento oficial, dispõe a lei – art. 488 do Código Civil –, que as partes sujei-tarão ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor – art. 488. Convencionada a compra e venda de um veículo em determinada concessionária do ramo sem fixação do preço, vale o preço que o vendedor aliena a mesma marca nas vendas habituais. Havendo oscilação no preço valerá a média. A dificuldade, porque não elucida a lei – parágrafo único do art. 488 do Código Civil –, é disciplinar qual o tempo que se deve considerar para tirar a média.Res Em regra, ensina Carvalho Santos, são alienáveis todas as coisas que estão no comércio, quer sejam existentes, ou futuras, certas ou incertas, contanto que estas se venham a verificar. Sem a coisa, inexiste contrato, por falta do objeto, elemento essencial. Não há dúvida quando o objeto do contrato de compra e venda se constitui de coisa presente, atual. Do art. 483, disposição

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nova, a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório. É futura a compra de determinada quantidade e qualidade da safra agrícola ou de determinado número de itens da produção industrial, em que o adquirente toma para si o risco de vir existir em qualquer quantidade. A venda no caso é de coisa certa esperada – emptio rei speratae.Vale o contrato para a quantidade produzida e o vendedor tem direito a todo o preço, desde que de sua parte não tenha havido culpa. Nada produzindo, mesmo em face de caso fortuito ou força maior, o contrato não se forma, a venda é nenhuma, por falta de elemento essencial, o objeto, a coisa contratada – art. 459 parágrafo único do Código Civil. ‘Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante resti-tuirá o preço recebido’.Aleatória é a compra da esperança. A compra da expectativa. O comprador aposta na existên-cia da coisa no termo. Por isso mesmo, o objeto do contrato é a própria esperança, a própria expectativa – emptio spei. Alguém compra toda a safra de feijão ou café que produzir a lavoura do vendedor, assumindo o risco de colher muito ou nada colher. Neste caso, o objeto do negócio não foram os grãos, mas a esperança de colhê-los. Válido é o contrato, a teor da norma do art. 458, mesmo que nada venha a colher.‘Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.’A aparente desproporção das prestações não descaracteriza a comutatividade do contrato e justifica porque ambos os contratantes assumiram igual risco. O vendedor recebeu um preço e ao adimplir o contrato o que entregar pode valer o dobro ou mais. O comprador pagou um preço com uma expectativa de lucro que pode redundar em prejuízo. É ainda aleatório o objeto concernente à compra de mercadoria já despachada, embarcada e sujeita ao risco do transporte assumido pelo adquirente, mesmo que já não existisse no dia do contrato, no todo ou em parte, por naufrágio do navio ou qualquer outro acidente com o veículo transportador, fazendo jus o vendedor a todo o preço, desde que ignorasse a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa – arts. 460 e 461 do Código.” (A compra e venda no novo código civil. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 2 jan. 2014)

7928 – Defesa do consumidor – instituição financeira – operação decorrente de fraude de terceiros – registro nos serviços de proteção ao crédito – violação dos direitos de per­sonalidade – dano moral

“Direito do consumidor. Instituição financeira. Operação decorrente de fraude de terceiros. Re-gistro nos serviços de proteção ao crédito. Violação dos direitos de personalidade. Dano moral. 1. Acórdão elaborado de conformidade com o disposto no art. 46 da Lei nº 9.099/1995 e arts. 12, inciso XI, 98 e 99 do Regimento Interno das Turmas Recursais. 2. Recurso do réu. Fraude de ter-ceiro. Instituição financeira. Na forma do art. 14 do CDC, responde a administradora pelos riscos decorrentes de lançamentos em fatura de cartão de crédito por compras efetuadas por terceiro que age mediante fraude, especialmente quando há inscrição em cadastro de proteção ao crédito. Apli-cação da Súmula nº 479 STJ. Precedentes (20100710278073ACJ, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Julgado em 24.05.2011, DJ 31.05.2011, p. 220); (Acórdão nº 715874, 20110111239869ACJ, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Publicado no DJe 29.11.2012. p. 269). 3. Danos morais. A inscrição nos serviços de proteção ao crédito motivada por lançamentos indevidos no cartão de crédito dá ensejo à reparação por danos morais, pois vio-lam os direitos de personalidade do consumidor. Considerando que as facilidades na obtenção de crédito trazem benefícios para o fornecedor, em prejuízo da segurança jurídica, e a necessidade de desestímulo de tal conduta, que coloca a reputação de terceiros em risco, não é exagerada a fixação de indenização em R$ 5.000,00. 4. Danos materiais. Devida a restituição do que foi indevidamente retirado da conta da autora, bem como a determinação de cancelar os descontos. A multa foi fixada em valor adequado, não merecendo ser modificada. 5. Recurso da autora. ‘A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros’ (art. 472 do CPC). Desse modo, é impossível apreciar pedido de declaração de inexistência de débito referente

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a obrigação de titularidade de quem não é parte no processo. Sentença que se confirma pelos seus próprios fundamentos. 6. Recurso conhecido, mas não provido. Sem custas processuais e sem ho-norários advocatícios.” (TJDFT – Proc. 20130111170226 – (744657) – Rel. Juiz Aiston Henrique de Sousa – DJe 19.12.2013)

7929 – Defesa do consumidor – Internet – relação de consumo – provedor de hospedagem de blogs – incidência

“Civil e consumidor. Internet. Relação de consumo. Incidência do CDC. Provedor de hospedagem de blogs. Verificação prévia e de ofício do conteúdo postado por usuários. Desnecessidade. Anún-cio publicitário. Violação de direitos autorais. Risco não inerente ao negócio. Ciência da existência do conteúdo ilícito. Retirada do ar em 24 horas. Dever, desde que informado pelo ofendido o URL da página e, quando necessário, individualizado o conteúdo ilícito. Dispositivos legais analisados. Arts. 5º, IV, VII e IX, e 220 da CF/1988, 14 do CDC, 3º e 461 do CPC, e 884 do CC/2002. 1. Agravo de instrumento interposto em 22.10.2008. Recurso especial concluso ao gabinete da relatora em 22.06.2012. 2. Recurso especial em que se discute os limites da responsabilidade dos provedores de hospedagem de blogs pelo conteúdo das informações postadas, notadamente no que se refere ao anúncio de produtos e serviços com violação de direitos autorais. 3. A exploração comercial da In-ternet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/1990. Precedentes. 4. O provedor de hospedagem de blogs é uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois se limita a abrigar e oferecer ferramentas para edição de blogs criados e mantidos por terceiros, sem exercer nenhum controle editorial sobre as mensagens postadas pelos usuários. 5. A verificação de ofício do con-teúdo das mensagens postadas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço pres-tado pelos provedores de hospedagem de blogs, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle. 6. Não se pode exigir do provedor de hospedagem de blogs a fiscalização antecipada de cada nova mensagem postada, não apenas pela impossibilidade técnica e prática de assim proceder, mas sobretudo pelo risco de tolhimento da liberdade de pensamento. Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de criação, expressão e informação, assegurada pelo art. 220 da CF/1988, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa. 7. Ao ser comunicado de que determinada mensagem, imagem ou propaganda postadas em blog por ele hospedado possui conteúdo potencialmente ilícito ou ofensivo, deve o provedor removê-lo preventivamente no prazo de 24 horas, até que tenha tempo hábil para apreciar a ve-racidade das alegações do denunciante, de modo a que, confirmando-as, exclua definitivamente aquele conteúdo ou, tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre acesso, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano em virtude da omissão praticada. 8. O cumprimento do dever de remoção preventiva de mensagem, imagem ou propaganda consideradas ilegais e/ou ofen-sivas fica condicionado à indicação, pelo denunciante, do URL da página em que estiver inserido o respectivo post e, quando necessário, especificação exata do conteúdo ofensivo e/ou ilícito contido na página. 9. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.328.706 – (2012/0122546-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 13.12.2013)

7930 – Defesa do consumidor – provedor – mensagem de conteúdo ofensivo – dano moral

“Agravo regimental em recurso especial. Direito do consumidor. Provedor. Mensagem de conteúdo ofensivo. Dano moral. Não retirada em tempo razoável. 1. Na linha dos precedentes desta Corte, o provedor de conteúdo de Internet não responde objetivamente pelo conteúdo inserido pelo usuário em sítio eletrônico, por não se tratar de risco inerente à sua atividade. Está obrigado, no entanto, a retirar imediatamente o conteúdo moralmente ofensivo, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano. Precedentes. 2. Não se revela abusivo, no caso concreto, o valor da indenização fixada a título de danos morais (R$ 12.000,00). 3. Agravo Regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-EDcl-REsp 1.284.096 – (2011/0224060-7) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 19.12.2013)

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7931 – Denunciação da lide – impossibilidade – não obrigatoriedade

“Agravo regimental. Direito processual civil. Denunciação da lide. Art. 70, inciso III, do CPC. Im-possibilidade. Não obrigatoriedade. 1. A denunciação da lide, como modalidade de intervenção de terceiros, busca atender aos princípios da economia e da presteza na entrega da prestação ju-risdicional, não devendo ser prestigiada quando o deferimento for apto a subverter exatamente os valores tutelados pelo instituto. 2. Segundo a jurisprudência sólida do STJ, a denunciação da lide justificada no art. 70, inciso III, do CPC não é obrigatória, sua falta não gera a perda do direito de regresso e, ademais, é impertinente quando se busca simplesmente transferir a responsabilidade pelo bem litigioso ao denunciado. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 26.064 – (2011/0090862-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 14.02.2014)

7932 – Denunciação da lide – sociedade de advogados – ação de reparação por danos morais – inscrição indevida em cadastro de inadimplentes

“Recurso especial. Processual civil. Denunciação da lide (CPC, art. 70, III) à sociedade de advo-gados que patrocinou anterior execução entre as partes. Ação de reparação por danos morais. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Alegação de descumprimento de cláusula de contrato de serviços de advocacia. Descabimento. Fundamento novo estranho à lide principal. Recurso desprovido. 1. Nos termos do art. 70, III, do CPC, para que se defira a denunciação da lide, é necessário que o litisdenunciado esteja obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar a parte vencida, em ação regressiva, sendo vedado, ademais, introduzir-se fundamento novo no feito, estranho à lide principal. Precedentes. 2. In casu, para admitir-se a denunciação da lide seria imperiosa a análise de fato novo, diverso daquele que deu ensejo à ação principal de reparação por danos morais, qual seja a demonstração, por parte da instituição financeira denunciante, de que a sociedade de advogados denunciada agira com falha no patrocínio de ação de execução, o que demandaria incursão em seara diversa da relativa à reparação por indevida negativação. 3. A recorrente não fica impedida de ajuizar demanda regressiva autônoma em face da indevidamente denunciada para o exercício da pretensão de ressarcimento dos danos morais devidos à autora da ação principal, em caso de procedência desta ação. 4. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 701.868 – (2004/0160482-4) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de indenização por danos morais contra uma instituição bancária, na qual o recorrente sustentou que, na condição de avalista de contrato de financiamento e por força de execução de título extrajudicial, quitou totalmente o débito relativo ao mencionado financiamen-to perante a instituição bancária ré, mas que, mesmo com a extinção da execução por sentença, teve seu nome inscrito nos cadastros de inadimplência (Serasa e SPC).A ré, ao apresentar contestação, requereu a denunciação da lide em relação a uma sociedade de advogados responsável pelo processamento da execução de título extrajudicial proposta con-tra a autora, sob o entendimento de ocorrência de descumprimento de cláusula do contrato de serviços de advocacia, ou mesmo falha profissional, ao não ter a denunciada informado à denunciante acerca do depósito efetuado pela autora da ação de indenização, então executada, além de não se haver certificado do correto montante do débito.O il. Juízo de primeiro grau, após rever decisão que havia considerado intempestiva a contesta-ção, indeferiu o pedido de denunciação da lide.A questão posta neste recurso especial trata de saber se caberia, na ação principal de repara-ção por danos morais ajuizada em virtude de indevida negativação, a denunciação da lide da sociedade de advogados que representava a instituição bancária na primitiva ação de execução ajuizada contra a autora da ação de indenização.O STJ negou provimento ao recurso especial.Oportuno trazer trecho do voto do Relator:“De fato, para admitir-se a denunciação da lide no caso em tela, seria necessária análise de fato novo, diverso daquele que deu ensejo à ação principal de reparação por danos morais, qual seja, a demonstração, por parte da instituição financeira denunciante, de que a sociedade de advoga-dos denunciada agira com falha no patrocínio da ação de execução, o que demandaria incursão em seara diversa da relativa à reparação por indevida negativação da promovente.

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Com base nessa linha de pensamento, a título exemplificativo, não seria também admissível a denunciação da lide a funcionário da recorrente que tivesse agido com culpa ou dolo no exercício de suas funções, mas sim ação regressiva para obter ressarcimento pelos prejuízos suportados.[...]A litisdenunciação, no presente caso, portanto, não tem cabimento.”Nas lições de Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini sobre a denunciação da lide, temos que:“A denunciação da lide é instituto criado com o objetivo de, levando a efeito o princípio da economia processual, inserir num só procedimento duas lides, interligadas, uma de que se diz principal e outra de que se diz eventual, porque, na verdade, o potencial conflituoso da lide le-vada a conhecimento do juiz através da denunciação só se realiza concretamente em função de um determinado resultado, que será obtido com a solução da lide principal. Não sendo vencido o denunciante na ação originária, a lide eventual não deve ser examinada, já que a denunciação como [sic] que ‘perderá’ seu objeto.[...]A lei menciona três hipóteses em que a denunciação da lide pode (ou deve) acontecer.A primeira delas diz respeito à evicção. Evicção significa a perda de um direito (material) em fun-ção de uma decisão judicial. A denunciação da lide possibilita o exercício do direito que resulta da evicção, ou seja, com maior simplicidade poder-se-ia dizer que a denunciação da lide permite que alguém que tenha sido lesado com a perda de um direito ocorrida em decorrência de uma decisão judicial possa ressarcir-se perante aquele que lhe transferiu esse direito.[...]A segunda hipótese é bastante semelhante àquela que enseja a nomeação à autoria. A denun-ciação da lide, aqui, serve para trazer ao processo o proprietário ou o possuidor indireto, quando o acionado é possuidor direto da coisa.[...]Finalmente, a terceira hipótese que enseja a denunciação da lide é a que decorre de o denun-ciado estar obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar o eventual sucumbente. Este é o caso mais comum de denunciação e os exemplos são fartos. O mais expressivo talvez seja o da com-panhia de seguros que, acionada por aquele que sofreu o prejuízo, denuncia a lide ao causador.” (Curso avançado de processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 260-264)

7933 – Despejo – pedido de assistência judiciária gratuita – ausência de preparo

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Ação de despejo. Pedido de assistência judiciária gratuita. Ausência de preparo. Recurso especial deserto. Insurgência dos autores. 1. O Relator está autorizado a decidir monocraticamente recurso manifestamente inadmissível, improcedente, preju-dicado ou em confronto com jurisprudência dominante (CPC, art. 557, caput e § 1º-A), podendo, in-clusive, aplicar multa. Precedentes. 2. Não obstante seja possível o pedido de assistência judiciária gratuita a qualquer tempo, como a ação está em curso, tal pedido deve ser feito por petição avulsa, a qual será processada em apenso aos autos principais, nos termos do art. 6º da Lei nº 1.060/1950, e não no próprio corpo do recurso especial. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 433.136 – (2013/0382569-0) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 14.02.2014)

7934 – Execução contra a Fazenda Pública – ação coletiva – honorários de advogado – cumu­latividade

“Execução contra a Fazenda Pública. Ação coletiva. Honorários advocatícios. Cumulatividade. Execução e embargos. Possibilidade. Limitação ao percentual de 20%. Art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que ‘os embargos do devedor correspondem à ação de conhecimento, que não se confunde com a de exe-cução. Por isso, os honorários advocatícios devem ser fixados de forma autônoma e independente em cada uma das referidas ações, sendo indevido condicionar a verba honorária na execução à eventual propositura dos embargos à execução’ (AgRg-REsp 1341924/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 02.04.2013). 2. Todavia, faço saber que ‘essa autonomia, entretanto, não é absoluta, pois o sucesso dos embargos do devedor importa a desconstituição do título exequendo e, consequen-temente, interfere na respectiva verba honorária. Logo, apesar de a condenação ao pagamento de

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honorários na execução não estar condicionada à oposição dos embargos, a sorte desses influencia no resultado daqueles, de modo que a fixação inicial dessa quantia tem caráter provisório’ (AgRg--AREsp 43.318/SC, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 14.02.2013). 3. Tal entendimento deve levar em consideração o disposto no art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil, que limita em 20% a condenação em ambos recursos. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se dá provimento em parte.” (STJ – AgRg-REsp 877.210 – (2006/0187967-3) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 13.12.2013)

7935 – Execução contra devedor solvente – ausência de comprovação de pagamento de custas – deserção

“Agravo regimental nos embargos de divergência. Execução contra devedor solvente. Ausência de comprovação de pagamento de custas. Deserção reconhecida. Inconformismo do exequente. 1. Nos termos da Lei nº 11.636/2007 e da Resolução STJ nº 04/2013, que dispõem sobre as cus-tas judiciais devidas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, nos processos de competência originária ou recursal, é necessário o recolhimento de custas no ato de interposição de embargos de divergência. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-ED-REsp 1.374.755 – (2013/0340955-5) – 2ª S. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 20.02.2014)

7936 – Execução de título extrajudicial – desconsideração da personalidade jurídica – indefe­rimento – falta dos requisitos autorizadores

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Agravo de instrumento. Execução de título ex-trajudicial. Desconsideração da personalidade jurídica. Indeferimento. Falta dos requisitos autoriza-dores. Ofensa ao art. 458, inciso II, e ao art. 535, inciso II, do CPC. Inocorrência. Revisão de matéria fático-probatória. Impossibilidade. Enunciado nº 7/STJ. Ausência de fundamentos que justifiquem a alteração da decisão agravada. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 251.115 – (2012/0231071-8) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 14.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto em face de decisão assim ementada:“Agravo em recurso especial. Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Desconsi-deração da personalidade jurídica. Indeferimento. Ausência dos requisitos autorizadores. Ofensa ao art. 458, inciso II, e ao art. 535, inciso II, do CPC. Inocorrência. Revisão de matéria fático--probatória. Impossibilidade. Enunciado nº 7/STJ. Agravo conhecido para, desde logo, negar seguimento ao recurso especial.”Nas razões do regimental, a parte agravante sustentou, em síntese, que o v. acórdão, ao deixar de dar provimento ao agravo de instrumento, negou vigência ao art. 50 do Código Civil e aos arts. 458, inciso II, e 535, inciso II, ambos do Código de Processo Civil, consubstanciando matéria exclusivamente de direito, que não depende de reexame de prova.Aduziu, ainda, que, por consequência direta da rejeição dos embargos de declaração, restou sem esclarecimento os pontos arguidos, de modo a acarretar a violação aos arts. 535 e 458, ambos do Código de Processo Civil, incorrendo, pois, em omissão o Tribunal a quo. O recorrente, por fim, reiterou as razões expendidas no recurso especial.No recurso especial, alegou a parte recorrente a violação ao art. 50 do Código Civil, e aos arts. 458, inciso II, e 535, inciso II, ambos do Código de Processo Civil, sustentando, em sín-tese, a omissão do v. acórdão, bem como a necessidade de desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que a executada original, sua sucessora e sua sócia majoritária foram dissolvi-das irregularmente, sendo certa a inexistência de bens a serem penhorados. Aduziu, ainda, que a execução perdura há mais de sete anos sem qualquer resultado prático concreto.O STJ negou provimento ao agravo regimental.A desconsideração da personalidade jurídica estava regulada somente pelo art. 28 da Lei nº 8.078/1990 e atualmente pelo advento do novo Código Civil está regulamentada no seu art. 50, que dispõe:‘Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.’

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A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional visto que conforme enten-dimento doutrinário e jurisprudencial os bens do sócio, em regra, não respondem pelas dívidas contraídas pela empresa.Oportuno trazer as lições de Fábio Ulhoa Coelho sobre a teoria da desconsideração da persona-lidade jurídica, in verbis:‘5. O pressuposto incontornável da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é a manipulação fraudulenta ou abusiva da autonomia patrimonial. 6. Rubens Requião, o primeiro jurista a tratar da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, no Direito brasileiro, encerrou a conferência com que a introduziu entre nós, proferida em 1969, com a seguinte claríssima advertência: ‘Quando propugnamos pela divulgação da doutrina da desconsideração da personalidade jurídi-ca em nosso direito, o fazemos invocando aquelas mesmas cautelas e zelos de que se revestem os juízes norte-americanos, pois sua aplicação há de ser feita com extremos cuidados, e apenas em casos excepcionais, que visem impedir a fraude ou o abuso de direito em vias de consuma-ção. [...] É preciso, para a invocação exata e adequada da doutrina, repelir a idéia preconcebida dos que estão imbuídos do fetichismo da intocabilidade da pessoa jurídica, que não pode ser equiparada tão insolitamente à pessoa humana no desfrute dos direitos incontestáveis da per-sonalidade; mas também não devemos imaginar que a penetração do véu da personalidade jurídica e a desconsideração da pessoa jurídica se torne instrumento [...] dos que, levados ao exagero, acabassem por destruir o instituto da pessoa jurídica [...]’. (Aspectos modernos de direito comercial. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1977. p. 83-84)[...]Conclui-se, portanto, que a responsabilização de sócio por obrigação da sociedade, em virtude da desconsideração da personalidade jurídica própria desta, somente é jurídica, quando resulta de sentença judicial condenatória, proferida em ação de conhecimento de que é parte ou litis-consorte passivo o sócio.’ (A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e o devido processo legal. Repertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, n. 02/2000, v. III, p. 48, artigo nº 3/16390, 2ª quinz. jan. 2000)

7937 – Execução provisória – obrigação de fazer – astreintes – possibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Civil e processo civil. Alegação violação aos arts. 461 e 475-J do CPC, 412 e 884 do CC. Falta de prequestionamento. Incidência da Súmula nº 282 do STF. Obrigação de fazer. Execução provisória. Astreintes. Possibilidade. Acórdão recorrido em con-sonância com jurisprudência do STJ. Súmula nº 83/STJ. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AG--REsp 200.758 – (2012/0142561-6) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 19.02.2014)

7938 – Falência – habilitação de créditos – honorários de advogado

“Agravo de instrumento. Habilitação de créditos em ação falimentar. Honorários advocatícios que, apesar do caráter alimentar, não preferem aos créditos tributários. Decisão escorreita. Recurso conhecido e não provido. ‘Os honorários advocatícios, embora tenham natureza alimentar, não são equiparados aos créditos trabalhistas e, portanto, não prevalecem sobre os créditos tributários, nos termos do art. 186 do CTN’ (STJ, REsp 1184770/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, T2, J. em 15.04.2010.” (TJPR – AI 1001323-3 – Rel. Des. Renato Lopes de Paiva – DJe 16.12.2013)

7939 – Honorários sucumbenciais – cessão de crédito

“Processo civil. Recurso especial. Cessão de crédito. Honorários sucumbenciais. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.102.473/RS, processado sob o regime do art. 543-C do Código de Processo Civil, decidiu que ‘o fato de o precatório ter sido expedido em nome da parte não repercute na disponibilidade do crédito referente aos honorários advocatí-cios sucumbenciais, tendo o advogado o direito de executá-lo ou cedê-lo a terceiro’. Ressalva de entendimento pessoal do Relator. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.098.711 – (2008/0226057-6) – 1ª T. – Rel. Min. Ari Pargendler – DJe 19.12.2013)

7940 – Interdição – autorização para contrair empréstimo em nome do curatelado – reforma de imóvel – pedido indeferido

“Direito processual civil. Agravo de instrumento. Interdição. Autorização para contrair emprésti-mo em nome do curatelado. Reforma de imóvel. Pedido indeferido. Decisão mantida. Mantém-se

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a decisão em que foi indeferido pedido de realização de empréstimo consignado em nome do curatelado, formulado com a finalidade de reforma do imóvel em que reside, uma vez que não se mostra razoável contrair uma dívida significativa, se comparada ao valor da pensão percebida pelo interditado, notadamente quando a curadora afirma que as despesas ordinárias mensais com o interditado giram em torno de 30% da pensão por ele percebida e, a despeito disso, não há saldo na conta bancária em que é depositado o benefício. Conforme assentado na decisão agravada, não houve comprovação de que a operação bancária traria benefícios ao incapaz. Agravo de ins-trumento desprovido.” (TJDFT – Proc. 20130020210030 – (744307) – Rel. Des. Angelo Canducci Passareli – DJe 18.12.2013)

7941 – Medida cautelar – processo falimentar – arrecadação de bens do sócio – imóvel resi­dencial – respeito à meação do ex­cônjuge

“Pedido de reconsideração em medida cautelar. Pretensão recebida como agravo regimental. Pro-cesso falimentar. Arrecadação de bens do sócio. Imóvel residencial. Respeito à meação do ex--cônjuge. Pretensão de atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial. Ausência dos requisitos autorizadores da tutela cautelar. Falta de interesse de agir. 1. Em homenagem aos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e da fungibilidade recursal, o pedido de reconsideração pode ser recebido como agravo regimental. 2. Esta Corte, como exceção, tem admi-tido a atribuição de efeito suspensivo a recurso especial, porém, desde que configurada a presença concomitante dos pressupostos que lhe são necessários: fumus boni iuris e periculum in mora. 3. Na verificação dos pressupostos da medida há de se ter em conta, como já decidido pela 3ª Tur-ma, que o fumus boni iuris ‘está relacionado intimamente com a presença dos requisitos de admis-sibilidade do recurso especial e com a possibilidade de sucesso deste, daí que, na cautelar, convém se aprecie, ainda que superficialmente, os requisitos e o mérito do especial’ (AgRg-MC 1.311, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ 13.10.1998). 4. No caso, todavia, não se vislum-bra a probabilidade de êxito do recurso especial, porquanto, neste exame perfunctório, verifica-se que a jurisprudência desta Corte entende ser possível, na execução, a alienação judicial de bens indivisíveis de propriedade comum dos cônjuges, desde que reservado ao meeiro não devedor a metade do preço obtido na hasta pública. 5. Agravo regimental improvido.” (STJ – Proc. 22.041 – (2013/0397911-7) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 19.12.2013)

7942 – Menor – ação de regulamentação de visitas proposta por avó paterna – conexão – ação de modificação de guarda e regulamentação de visitas proposta por pai – possibilidade

“Direito civil e família. Recurso especial. Ação de regulamentação de visitas proposta por avó pater-na. Conexão. Ação de modificação de guarda e regulamentação de visitas proposta por pai. Possibi-lidade de decisões conflitantes. Reunião dos processos. Conveniência. Artigos analisados. Art. 103 do CPC. 1. ação de regulamentação de visitas ajuizada em 24.05.2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 08.08.2013. 2. Discussão relativa à possibilidade de reunião dos processos de re-gulamentação de visitas propostos por pai e avó paterna de menor, para julgamento conjunto, em razão da conexão. 3. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula nº 211/STJ. 4. A conexão (art. 103 do CPC), constitui uma regra de modifi-cação da competência, fazendo com que as causas conexas sejam reunidas para obter julgamento conjunto, com o escopo de evitar decisões conflitantes. 5. O instituto pressupõe a existência de causas que, embora não sejam iguais, guardem entre si algum vínculo, uma relação de afinidade, o que denota que o alcance da regra de conexão tem sido alargado, de modo a se interpretar o vocá-bulo ‘comum’, contido no texto legal, como uma indicação do legislador de que, para caracterizar a conexão, seria desnecessária a identidade total dos elementos da ação, bastando tão somente uma identidade parcial. 6. Embora, na hipótese, não haja perfeita identidade das causas de pedir, ambas guardam íntima relação com o componente do afeto, da convivência familiar, da importância do estabelecimento de uma relação entre a criança e família paterna. E os fatos que dão suporte aos pedidos, em ambas as ações são os mesmos, ou seja, as alegadas dificuldades, criadas pela mãe da criança, para impedir que ela tenha convívio direto com a família paterna. 7. O reconhecimento da conexão e o julgamento conjunto evitará a realização de dois procedimentos instrutórios distintos,

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com eventual estudo psicológico e social para verificação das alegações dos autores de que a mãe da criança vem dificultando o seu convívio com a família paterna. 8. Poderá ser proferida uma única decisão válida para todos, que considerará todos os aspectos e condições familiares para que haja a visitação, evitando que haja conflito entre os dias e horários de visitas do pai e da avó. 9. Fica reconhecida a existência de um liame causal que torna os processos passíveis de uma decisão unifi-cada em observância, outrossim, do melhor interesse da criança. 10. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.413.016 – (2013/0275020-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 14.02.2014)

7943 – Menor – direito internacional privado – convenção – sequestro internacional de crian­ças – cooperação jurídica entre Estados

“Direito internacional privado. Convenção da Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. Cooperação jurídica entre Estados. Busca, apreensão e restituição de infante. Guarda compartilhada. Ocorrência de retenção ilícita por um dos genitores. Exceções não configuradas. Ônus da prova que incumbe à recorrente. Retenção nova. Necessidade de retorno da criança ao país de residência habitual, juízo natural competente para decidir sobre a sua guarda. 1. No caso concreto, a criança, nascida no Brasil e portadora de dupla cidadania, tinha residência habitual na Itália, sob a guarda compartilhada da mãe (cidadã brasileira) e do pai (cidadão italiano). Em viagem de férias dos três ao Brasil, a mãe reteve a criança neste País, informando ao seu então companheiro que ela e o filho não mais retornariam à Itália. 2. Nos termos do art. 3º da Convenção da Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, o ‘sequestro internacional’ diz respeito ao deslocamento ilegal da criança de seu país e/ou sua retenção indevida em outro local que não o de sua residência habitual. 3. O escopo da Convenção não se volta a debater o direito de guarda da criança, mas, sim, a assegurar o retorno da criança ao país de residência habitual, o qual é o juízo natural competente para julgar a sua guarda. 4. A presunção de retorno da criança não é absoluta, mas o ônus da prova da existência de exceção que justifique a permanência do infante incumbe à pessoa física, à instituição ou ao organismo que se opuser ao seu retorno. Ademais, uma vez pro-vada a existência de exceção, o julgador ou a autoridade tem a discricionariedade de formar seu convencimento no sentido do retorno ou da permanência da criança. 5. Na hipótese dos autos, a genitora pleiteou a produção de prova pericial atinente às condições psiquicossociais da criança, tendo o Magistrado a quo indeferido a perícia por entender que não haveria necessidade de parecer técnico em casos de retenção nova. Assim, viável o indeferimento da perícia com base no art. 12 da Convenção, pois o pai da criança foi célere no sentido de tomar as providências administrativas e diplomáticas pertinentes à repatriação, agindo dentro do tempo-limite de 1 ano recomendado pelo documento internacional, lapso dentro do qual, salvo exceção comprovada, a retenção nova da criança autoriza o seu retorno imediato. 6. O Brasil aderiu e ratificou a Convenção sobre os As-pectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, devendo cumpri-la de boa-fé, respeitadas, ob-viamente, eventuais exceções, as quais não foram comprovadas pela recorrente. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, improvido.” (STJ – REsp 1.351.325 – (2012/0227705-3) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 16.12.2013)

7944 – Nota promissória – local de emissão e de pagamento – ausência na cártula

“Direito cambiário e processual civil. Recurso especial. Omissão. Inexistência. Nota promissória. Ausência na cártula de local de emissão e de pagamento. Elementos que não são essenciais, confor-me expressa ressalva do art. 76 da LUG. Tese recursal acerca da desnaturação da nota promissória. Manifesto descabimento. Cártula que mantém característica e efeito de nota promissória e plena eficácia executiva. 1. O art. 903 do Código Civil/2002 prescreve que, em caso de conflito aparente, devem ser observadas as normas especiais relativas aos títulos de crédito. Com efeito, não há co-gitar de incidência do art. 889, § 2º, do Código Civil, pois a solução a ser dada aos casos em que não conste da nota promissória o lugar de emissão e pagamento é a conferida pelo art. 76 da Lei Uniforme de Genebra (LUG). 2. O art. 76 da LUG ressalva que permanece tendo o efeito de nota promissória a cártula em que não se indique a época de pagamento, lugar de pagamento e onde foi emitida, obtendo-se neste mesmo dispositivo as soluções a serem conferidas a cada uma dessas

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hipóteses, não havendo, pois, falar em perda da eficácia executiva do título. 3. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.352.704 – (2012/0227358-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 19.02.2014)

7945 – Notificação – mudança de endereço do devedor fiduciante – não comunicação ao credor fiduciário – validade

“Agravo de instrumento. Mudança de endereço do devedor fiduciante não comunicada ao credor fiduciário. Validade da notificação encaminhada ao antigo endereço. Decisão que manda o autor da ação de busca e apreensão emendar a inicial. Reforma. Recurso provido.” (TJPR – AI 1123623-4 – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Albino Jacomel Guerios – DJe 16.12.2013)

7946 – Petição – agravo regimental em agravo em recurso especial – intempestividade

“Petição recebida como agravo regimental em agravo em recurso especial. Intempestividade. In-terposição após escoado o quinquídio legal. Recurso não conhecido. 1. Nos termos do art. 545 do CPC, ‘da decisão do Relator que não admitir o agravo de instrumento, negar-lhe provimento ou reformar o acórdão recorrido, caberá agravo no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 557’. 2. Não comporta conhecimento o agravo regimental apresentado após exaurido o lapso temporal para a sua inter-posição, como na hipótese. 3. Agravo regimental não conhecido.” (STJ – PET-Ag-REsp 419.565 – (2013/0360890-4) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 13.12.2013)

7947 – Prazo recursal simples – intempestividade – litisconsórcio desfeito

“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Intempestividade. Litiscon-sórcio desfeito. Inaplicabilidade do art. 191 do CPC. Prazo recursal simples. Recurso desprovido. 1. Tendo em vista que apenas um dos litisconsortes passivos interpôs recurso especial em face do acórdão proferido nos autos, o litisconsórcio foi desfeito, de maneira que não é mais cabível a aplicação do prazo em dobro, previsto no art. 191 do CPC, para a interposição dos recursos super-venientes. 2. Embargos de declaração recebidos como agravo interno, ao qual se nega provimento.” (STJ – EDcl-Ag-RE 283.596 – (2013/0008409-3) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 14.02.2014)

7948 – Prescrição – sobre­estadia de contêineres (demurrage) – revogação do art. 449 do Código Comercial pelo Código Civil de 2002

“Direito comercial. Recurso especial. Prescrição. Sobre-estadia de contêineres (demurrage). Revo-gação do art. 449 do Código Comercial pelo Código Civil de 2002. Aplicação do art. 206, § 5º, I, do CC. 1. Esta Corte Superior, por ocasião do julgamento do REsp 176.903/PR (publicado no DJ de 09.04.2001), entendeu que há equiparação entre a devolução tardia da unidade de carga (con-têiner) à sobre-estadia do navio, aplicando-lhe o mesmo prazo prescricional de 1 ano previsto no art. 449, 3, do Código Comercial, que regulava especificamente o tema, mas que foi revogado pelo Código Civil de 2002. 2. A taxa de sobre-estadia, quando oriunda de disposição contratual – que estabelece os dados e critérios necessários ao cálculo dos valores devidos, os quais deverão ser afe-ridos após a devolução do contêiner, pela multiplicação dos dias de atraso em relação aos valores das diárias –, gera dívida líquida e certa, fazendo incidir o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 206, § 5º, I, do Código Civil. 3. Urge, não obstante, registrar uma importante diferenciação, pois, caso não conste no contrato de afretamento nenhuma previsão acerca da devolução serôdia da unidade de carga, eventual demanda que vise à cobrança dos valores de sobre-estadia obedece-rá ao prazo prescricional decenal, haja vista a ausência de disposição legal prevendo prazo menor (art. 205 do Código Civil, ante o seu caráter eminentemente residual). 4. No caso, ressoa inequívoca a não ocorrência da prescrição, uma vez que: (i) as datas de devolução dos contêineres, segundo quadro demonstrativo formulado pela credora à fl. 13, vão de 19.08.2008 a 25.11.2008; e (ii) a ação de cobrança foi ajuizada em 13.05.2010 (fls. 3-11), anteriormente ao decurso do prazo de 5 anos. 5. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.355.173 – (2012/0246881-7) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 14.02.2014)

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7949 – Recuperação judicial – crédito – impugnação

“Processo civil. Agravo de instrumento. Impugnação ao crédito em recuperação judicial. Crédito que deve ser atualizado até a data do pedido de recuperação judicial. Inteligência do art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005. Pretensão de cassação da decisão para produção de prova pericial. Tese repelida. Inexistência de obrigatoriedade de apresentação de parecer contábil no procedimento de impugnação ao crédito. Recurso não provido.” (TJPR – AI 1032847-1 – Rel. Des. Espedito Reis do Amaral – DJe 16.12.2013)

7950 – Recurso – interposição via fac­símile – correspondência entre petição transmitida por fax e a original – ausência

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil. Interposição de recurso via fac-símile. Correspondência entre petição transmitida por fax e a original. Ausência. Art. 4º da Lei nº 9.800/1999. Agravo regimental desprovido. 1. Ausência de identidade entre petição transmitida por fax e os originais do recurso especial. 2. Inobservância do art. 4º da Lei nº 9.800/1999. 3. Agra-vo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 169.338 – (2012/0080240-3) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 19.02.2014)

7951 – Representação processual – procuração originária – cópia incompleta

“Embargos de declaração em agravo regimental em agravo de instrumento. Representação pro-cessual. Procuração originária. Cópia incompleta. Equívoco na formação do agravo de instrumen-to. Inexistência de quaisquer dos vícios do art. 535 do CPC. Rediscussão de matéria já decidida. Embargos de declaração rejeitados com aplicação de multa.” (STJ – EDcl-AgRg-AI 1.403.973 – (2011/0035991-8) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 16.12.2013)

7952 – Responsabilidade civil – ação condenatória – atraso de voo – indenização devida

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Ação condenatória (‘indenizatória’). Atraso de voo. Decisão monocrática negando provimento ao reclamo. Insurgência recursal da companhia aérea. 1. Em sede de recurso especial, a revisão da indenização por dano moral apenas é possível quando o quantum arbitrado nas instâncias originárias se revelar irrisório ou exorbitante. Não estan-do configurada uma dessas hipóteses, incide o enunciado da Súmula nº 7/STJ. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 440.463 – (2013/0394629-6) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 19.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental interposto por empresa aérea contra a decisão que negou provi-mento ao agravo (art. 544 do CPC), tendo em vista o acerto do decisum, proferido pelo Tribunal de origem.O apelo fora deduzido em desafio a acórdão proferido pelo TJRJ, assim ementado:“Agravo inominado hostilizando decisão em que se negou seguimento ao apelo. Sentença que julgou procedente o pedido de indenização de danos morais, condenando a ré ao pagamento da quantia de R$ 7.000,00 à autora, em razão dos graves transtornos que causara a esta última com sua deficiente prestação de serviços. Desprovimento do agravo inominado.” Nas razões do recurso especial, apontou a insurgente a existência de violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, bem como aos arts. 393, 734, 884 e 944 do Código Civil. Sustentou, preliminarmente, que o Tribunal de origem deixou de se manifestar sobre pontos relevantes ao deslinde causa. No mérito recursal, aduziu não haver nos autos indícios de que a autora tenha experimentado qualquer dano moral. Subsidiariamente, pleiteou a redução do quantum indeni-zatório, porque exorbitante.Em decisão monocrática, este signatário negou provimento ao agravo (art. 544 do CPC), sob os seguintes fundamentos: i) não configuração de usurpação de competência, nos termos da Súmula nº 123/STJ; ii) deficiência de fundamentação quanto à arguida ofensa aos arts. 393 e 734 do Código Civil e ao art. 535 do Código de Processo Civil, a ensejar a aplicação analógica da Súmula nº 284/STF; iii) incidência do óbice inserto na Súmula nº 7/STJ no que concerne à configuração do dano moral e ao quantum indenizatório. Daí o presente agravo regimental, em cujas razões limita-se a insurgente a impugnar a aplicação da Súmula nº 7/STJ à pretensão de minoração do quantum indenizatório.

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O STJ negou provimento ao agravo regimental.Em artigo intitulado “Responsabilidade civil no transporte aéreo: atraso no voo e extravio de bagagem”, Rui Stoco nos ensina:“3. Também o extravio de bagagem é outra questão importante que merece maior atenção, considerando que a legislação de regência não o previu, apenas dispondo o Código de Varsóvia no art. 18, in verbis: ‘1. Responde o transportador pelo dano decorrente de destruição, perda ou avaria de bagagem despachada, desde que o fato que causou o dano haja ocorrido durante o transporte aéreo.’ Portanto, na dicção do Código de Varsóvia, apenas nos casos de dano, destruição, perda ou avaria de bagagem é que o transportador responde pelos danos efetivamente ocorridos. Tais hipóteses não se confundem com o extravio que pressupõe o desaparecimento temporário da bagagem com posterior devolução ao seu legítimo proprietário. O fato de não haver previsão expressa para o extravio, considerado este, como visto, como a perda temporária da bagagem despachada, mas, que, posteriormente, é encontrada e entregue ao passageiro, não significa que a indenização fica vedada. Aplica-se, diante da falta de previsão expressa, a analogia ou a integração analógica de outra disposição que melhor se adeque à hipótese. Assim, caso fique comprovado que o passageiro, diante do extravio de sua bagagem e, até que lhe fosse devolvida, viu-se obrigado a despesas com aquisição de roupas, ou qualquer outro prejuízo decorrente desse desaparecimento (até mesmo a impossibilidade de comparecer a um compromisso que resulte em prejuízo), impõe-se a reparação. 4. Outra questão fundamental reside no tema relativo ao dano moral em casos tais. Como não se desconhece, o dano moral só foi consagrado em nossa legislação a partir do adven-to da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, V e X), de sorte que nem o CBA, nem a Convenção de Varsóvia, previram a possibilidade de indenização por dano moral. Como a Carta Magna sobrepõe-se aos Tratados, Convenções e a legislação inferior a ela, resulta clara a possibilidade de indenização por dano moral nos casos de atraso no voo e de extravio de bagagem. Nesse sentido, importantíssima decisão do col. Supremo Tribunal Federal ao assentar que: ‘O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos mate-riais não exclui a relativa aos danos morais.’ (STF, 2ª T., REsp 172.720-9/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, J. 06.02.1996; JSTF-LEX 224/215; RTJ 162/1093; e RT 740/205)Portanto, configurado o dano moral pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, abor-recimento, de humilhação, forte angústia ou sofrimento moral, decorrentes de extravio de mala ou de atraso razoável no voo, cumpre observar a Carta Política da República – incisos V e X do art. 5º – no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil. A fixação do valor a esse título não encontra parâmetros ou critérios objetivos, devendo ser estimada a compensação em valor razoável e consentâneo, segundo apreciação equitativa e discricionária do juiz, ou seja, segundo o seu livre e prudente critério. Impõe-se estabelecer uma correlação entre o que se pede e aquilo que se necessita e, ainda, entre o que se necessita e o que se pode efetivamente pagar. Dessa conjugação, o que se busca é que a indenização esteja informada de princípios que permitam estabelecer perfeito equilíbrio para o encontro de um valor justo que sirva, a um só tempo, de desestímulo ao ofensor e de compensação ao ofendido; que não seja ínfima ou exa-gerada para quem dá, nem excessiva ou minúscula e aviltante para quem recebe; que não leve o primeiro à ruína, nem enriqueça ilicitamente o segundo. A tendência que se afigura mais atual, por nós preconizada, é a aplicação do binômio punição e compensação, ou seja, a incidência da teoria do valor do desestímulo (caráter punitivo da sanção pecuniária) juntamente com a teoria da compensação, visando destinar à vítima uma soma que compense o dano moral sofrido, que nada indeniza – porque ofensa de ordem interna ou anímica – mas, compensa e distrai a dor e os sentimentos desconfortantes da alma.” (Re-pertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, volume III, nº 18/99, p. 433, artigo nº 3/15989, 2ª quinzena set. 1999)

7953 – Responsabilidade civil – acidente de trânsito – atropelamento – morte do transeunte – indenização

“Agravo interno em recurso especial. Civil. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Atropela-mento. Morte do transeunte. Indenização fixada na origem em duzentos salários-mínimos, vigentes à época do evento danoso. Exorbitância não configurada. Proporcionalidade e razoabilidade. Agra-

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������ 219

vo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.237.193 – (2011/0019848-4) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 11.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo interno interposto contra decisão que negou seguimento a recurso especial, por entender que o valor da indenização dos danos morais (200 salários-mínimos) foi fixado com base na proporcionalidade e na razoabilidade.

Em suas razões recursais, alegam os ora agravantes que “o valor fixado a este título deixou de levar em consideração a situação econômica de quem paga e a de quem recebe, fato este que definitivamente contraria o entendimento pacificado neste col. Tribunal”.

Requereu, ao final, sua redução para o montante de R$ 30.000,00, “valor este que não iria propiciar o enriquecimento ilícito dos agravados, e também estaria mais condizente com a capa-cidade financeira dos agravantes”.

O STJ negou provimento ao agravo interno.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

“Destarte, tem-se como razoável o montante fixado pelo colendo Tribunal de Justiça, consideran-do-se as circunstâncias do caso concreto, o evento morte resultante do atropelamento decorrente de ato ilícito por parte do recorrente. Sopesadas a gravidade do dano e as condições econômicas das partes envolvidas, não se mostra necessária nova adequação da verba indenizatória, na via estreita do recurso especial.”

O valor a ser pago em títulos de danos morais é bastante discutido. Nesse diapasão, oportuno se faz citar as lições de Isabela Ribeiro de Figueiredo:

“O dano moral pode ser definido como a lesão ao patrimônio jurídico materialmente não apre-ciável de uma pessoa. É a violação do sentimento que rege os princípios morais tutelados pelo direito, que podem ser decorrentes de ofensa à honra, ao decoro, à paz interior de cada um, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida e à integri-dade corporal.

[...]

Não resta dúvida de que o problema mais sério suscitado na reparação do dano moral está na valoração e arbitramento do valor econômico a ser oferecido ao ofendido.

Sabemos que quando se trata de dano material a apuração do valor se faz com base em infor-mações e dados concretos. Assim, chegar-se-á exatamente ao desfalque sofrido no patrimônio da vítima e a indenização consistirá no seu exato montante.

Mas, no caso do dano moral, a apuração do quantum indenizatório se torna complexa porque o bem lesado (a honra, o sentimento, o nome) não se mede monetariamente, ou seja, não tem dimensão econômica ou patrimonial.

[...]

A lei não traça, expressamente, diretrizes exatas para a fixação do valor da indenização a título de dano moral. Não existem normas legais para esse arbitramento, e, assim, caberá ao Judiciá-rio, atentando-se à dupla finalidade: compensar a vítima, ou o lesado, e punir o ofensor.

Como podemos observar, com relação à questão da fixação do valor na reparação civil por danos morais, há princípios legais, decisões jurisprudências e soluções doutrinárias a serem considera-das, mas deverá atentar o julgador, no caso concreto, para as condições das partes, a gravidade da lesão, sua repercussão e as circunstâncias fáticas.

[...]

Concluímos que a fixação do dano moral é complexa, e difícil a aplicação ideal para cada caso, e por essa razão, no que concerne aos critérios para fixar o valor da indenização, não podemos dar respostas precisas e inabaláveis, mas podemos afirmar que os critérios que estão sendo consagrados pela doutrina e jurisprudência tendem a ser seguidos.

O importante é que se observe o procedimento moral, valendo-se de experiência, bom senso, cuidado, zelo e apreciação minuciosa dos fatos, para que se estabeleça a tão esperada justiça e eqüidade.” (Valoração do dano moral. Revista SÍNTESE de Direito Civil e Processual Civil, n. 10, mar./abr. 2001, p. 51)

7954 – Responsabilidade civil – acidente de trânsito – morte de marido e pai dos autores – dano moral – indenização

“Agravo regimental. Agravo de instrumento. Acidente de trânsito. Morte de marido e pai dos au-tores. Dano moral. Indenização. Revisão do valor. Impossibilidade. Juros de mora. Termo inicial.

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Reformatio in pejus. 1. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Valor estabelecido pela instância ordinária que não excede o fixado, em regra, pelos mais recentes precedentes desta Corte, de 500 salários-mínimos por familiar vitimado, em moeda corrente. 2. Os juros de mora devem ser mantidos nos termos em que determinado pelo Tribunal estadual não se aplicando, especificamente, ao caso ao Súmula nº 54/STJ, em virtude do princípio que veda a reformatio in pejus. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AI 1.195.992 – (2009/0093362-8) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 14.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento, com base na Súmula nº 7/STJ.Alegou o agravante que pretende a revisão do valor arbitrado a título de danos morais, que reputa excessivo (R$ 225.000,00, equivalentes a 750 salários-mínimos vigentes na data do arbitramento) e do termo inicial dos juros de mora, que, segundo entende, deve se dar a partir do trânsito em julgado e não a partir da sentença, conforme decidido, questões que dispensam o reexame de matéria de fato.O STJ negou provimento ao agravo regimental.Assim se manifestou o Relator: “No caso, o valor total arbitrado (R$ 225.000,00), equivalente a 750 salários mínimos da épo-ca da sentença, a ser dividido entre os três autores, viúva e filhos da vítima, não se mostra des-proporcional, notadamente porque consignou o acórdão recorrido que o arbitramento levou em consideração as peculiaridades do evento e a repercussão na esfera íntima e social dos autores.Quanto ao termo inicial dos juros de mora, observo que há entendimento sumulado nesta Corte no sentido de que ‘os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabi-lidade extracontratual’ (Súmula nº 54). Anoto, no entanto, que os juros de mora devem ser mantidos nos termos em que determinado pelo Tribunal estadual, a partir da citação, não se aplicando, especificamente, ao caso, a Súmula nº 54/STJ, em virtude do princípio que veda a reformatio in pejus.”O ilustre Professor José Henrique Pierangeli, ao tratar sobre o tema morte no trânsito, assim disciplina:“O elevado aumento do tráfego no nosso país, com o salutar crescimento da produção de sua indústria automobilística e o acesso cada vez maior de variadas classes sociais ao automóvel, tudo dentro de uma estrutura física inadequada, arcaica até e a irresponsável permissão para que veículos sem condições de segurança trafeguem pelas vias públicas, elevou o número de acidentes com vítimas a patamares insuportáveis. Essa incidência levou a mídia e organismos criados em meio a situações emocionais, a clamar por punições mais severas. Da pressão popu-lar advieram, em seguida, os desacertos de decisões, e a conseqüente ruptura com o saber do direito penal foi um passo. Bem se disse que quando a emoção está no seu máximo, o direito está no seu mínimo. Daí, crimes claramente culposos se convertem em dolosos; o dolo eventual, pela sua imprecisão, substitui a culpa, o versari in re illicita volta a ganhar dimensão e com tais adições, temos a volta da insegurança e da desconfiança em relação à validade do ordenamento jurídico-penal.Estes aspectos foram ressaltados por dois jovens professores de direito penal: Rogério Greco (Minas Gerais) e André Luís Callegari (Rio Grande do Sul). O primeiro, que também é promotor de justiça em Belo Horizonte, num verdadeiro brado de alerta, escreve: ‘Muito se tem discutido ultimamente quanto aos chamados delitos de trânsito. Os jornais, quase que diariamente, dão--nos notícias de motoristas que, além de embriagados, dirigem em velocidade excessiva e, em virtude disso, produzem resultados lastimáveis. Em geral, ou causam a morte ou deixam seqüe-las gravíssimas em suas vítimas. Em razão do elevado número de casos de delitos ocorridos no trânsito, surgiram em vários Estados da Federação, associações com finalidades de combater esse tipo de criminalidade. O movimento da mídia, exigindo punições mais rígidas, fez com que juízes e promotores passassem a enxergar o delito de trânsito cometido nessas circunstâncias, ou seja, quando houvesse a conjugação da velocidade excessiva com a embriaguez do motorista atropelador como de dolo eventual, tudo por causa de expressão contida na segunda parte do inciso I do art. 18 do Código Penal’ (Curso de direito penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2002. p. 198-199).O segundo, que se refere a um acalorado debate que o subscritor deste escrito travou com um juiz de Porto Alegre, na mesma direção do nosso pensamento, escreve: ‘O que pretendemos é que não se distorçam os princípios elementares do Direito Penal no enquadramento da conduta dos causadores destes delitos (por culpa), pois, como recentemente temos escutado, inclusive, em debates no Seminário da Revisão do Decênio da Reforma Penal, realizado em abril do cor-

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rente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é que a conduta e a violência de certos acidentes de trânsito têm reclamado uma resposta da justiça perante a sociedade, ou seja, uma punição mais severa a este tipo de criminalidade. Então, passaríamos a aceitar, em face do clamor social, que o agente embriagado e responsável pela morte ou lesões consideráveis de um número de vítimas respondesse a título de dolo eventual. Em primeiro plano, parece que estaríamos aceitando até mesmo uma responsabilidade objetiva, tudo pela repercussão social que causou o delito cometido pelo agente. Em segundo lugar, demonstrou-se, claramente, o des-conhecimento de elementos fundamentais da teoria geral do crime pelos operadores do Direito ou uma inserção na área legislativa, querendo criar um tipo próprio para acidentes de trânsito mais graves. Se a sociedade clama por uma maior responsabilização dos agentes causadores de mortes ou lesões no trânsito, deve-se mudar a própria lei penal, através do legislativo, que modificaria as sanções e o tratamento dos delitos de trânsito e não através do judiciário’ (Revista Brasileira de Ciências Criminais, Publicação Oficial, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 13, p. 191, jan./mar. 1996).Para não alongarmos ainda mais o conteúdo deste trabalho, informamos que subscrevemos, in totum, essas manifestações. Ainda bem que não estamos sozinhos nessa luta pela preservação do nosso direito penal dentro de sua construção científica, que se deve preservar a todo custo, sob pena de uma subversão de valores, da perda da cientificidade do direito penal, com o con-seqüente perdimento de estudos e labores de tantos estudiosos, realizados no evolver da história da humanidade. Contudo, não podemos ficar nisso.No manual que escrevemos com Zaffaroni, ressaltamos dois importantes e, talvez, decisivos aspectos acerca da problemática que envolve este tema: um de direito penal e outro de direito processual penal. Então, escrevemos: ‘O limite entre o dolo eventual e a culpa com represen-tação é um terreno movediço, embora mais no campo processual do que no penal. Em nossa ciência, o limite é dado pela aceitação ou rejeição da possibilidade de produção do resultado, e, no campo processual, configura um problema de prova que, em caso de dúvida sobre a acei-tação ou rejeição da possibilidade de produção do resultado, imporá ao tribunal a consideração da existência de culpa, em razão do benefício da dúvida: in dubio pro reo’ (ob. cit., p. 429).Como se deve concluir, se no âmbito do direito penal se pode teoricamente, mas com notórias dificuldades, realizar uma distinção entre dolo eventual e culpa consciente, na prática a diferen-ciação se torna quase sempre, para não generalizar, uma questão complexa. Essas dificuldades alcançam até mesmo o dolo direto, como ressaltou Basileu Garcia, num caso concreto, quando um automóvel foi utilizado como meio destinado à causação do resultado. O saudoso professor das Arcadas noticiava aos seus alunos na Universidade de São Paulo que ‘a prova da existên-cia dolo então (que na hipótese, era o direto), é das mais difíceis. Na mencionada ocorrência procurou-se identificar o propósito homicida através da certeza, que existiu, de acirrada antipatia que o réu votava ao policial’, que multara o agente por infração de trânsito (Apostilas do 3º ano, ano letivo de 1948, p. 33). A hipótese era de homicídio cometido mediante atropelamento, qualificado pelo seu móvel, a vingança. Nessa mesma linha de pensamento, agora em relação ao dolo eventual, diz Welzel que ‘la razón de esta dificultad está en que el querer es fenómeno anímico originario-último, que no puede ser reducido a otros procesos anímicos – ni emocionales, ni intelectuales – y que por ello solo puede ser circunscrito pero no propiamente definido’ (ob. cit., p. 101-102).Parece-nos que não se pode deixar de incluir neste trabalho uma observação acerca do conteúdo do Código de Trânsito Brasileiro. Diversamente do que ocorre em outras legislações, o nosso Código passou a regular as infrações penais ocorridas em meio ao trânsito, delitos que têm sido impropriamente denominados de delitos do automóvel, quando, sabidamente, o automóvel é incapaz de conduta. Construído o tipo da pior maneira possível, sem definir nada, criou-se uma proibição aparentemente elaborada por leigos, o legislador, conduzido pela comoção social, nessa lei penal especial elevou a pena para o homicídio e as lesões corporais culposos (arts. 302 e 303 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997). O legislador, portanto, atendeu aos reclamos da mídia, elevando a pena para o homicídio culposo tanto no seu mínimo (de 1 para 2) como no seu máximo (2 para 4 anos) de detenção. Tratando-se de lei penal especial, é de ser ela aplicável a todos os fatos delituosos ocorridos em meio ao trânsito. Lex specialis derogat legi generali.” (Morte no trânsito: culpa consciente ou dolo eventual? Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 6 mar. 2014)

7955 – Responsabilidade civil – cartão de crédito roubado – danos morais e materiais – socie­dade titular da bandeira – responsabilidade solidária

“Petição recebida como agravo regimental. Princípios da economia, instrumentalidade e fungibi-lidade recursal. Direito civil e do consumidor. Responsabilidade civil. Cartão de crédito roubado. Danos morais e materiais. Responsabilidade solidária da sociedade titular da bandeira. 1. Todos os

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que integram a cadeia de fornecedores do serviço de cartão de crédito respondem solidariamente em caso de fato ou vício do serviço. Assim, cabe às administradoras do cartão, aos estabelecimen-tos comerciais, às instituições financeiras emitentes do cartão e até mesmo às proprietárias das bandeiras, verificar a idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ – PET-AgRg-REsp 1.391.029 – (2013/0202357-3) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 14.02.2014)

7956 – Responsabilidade civil – rescisão contratual – veículo – inadimplemento – devolução de valores

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil. Responsabilidade civil. Res-cisão contratual. Veículo. Inadimplemento. Devolução de valores. Negativa de prestação jurisdi-cional. Inocorrência. Nulidade da citação. Fundamento não impugnado. Incidência da Súmula nº 283/STF. Pretensão recursal. Incidência da Súmula nº 7/STJ, tanto pela alínea a quanto pela alí-nea c do permissivo constitucional. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 135.752 – (2012/0016318-2) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 14.02.2014)

7957 – Responsabilidade civil do empregador – acidente de trânsito – danos extrapatrimoniais e patrimoniais

“Agravo regimental em recurso especial. Ação condenatória (indenizatória). Danos extrapatrimo-niais e patrimoniais decorrentes de acidente de trânsito. Responsabilidade civil do empregador. Afastamento. Instâncias ordinárias que reputaram não configurada/demonstrada a conduta culposa do preposto. Decisão monocrática negando seguimento ao apelo extremo. Insurgência recursal do autor. 1. ‘O novo Código Civil (art. 933), seguindo evolução doutrinária, considera a respon-sabilidade civil por ato de terceiro como sendo objetiva, aumentando sobejamente a garantia da vítima. Malgrado a responsabilização objetiva do empregador, esta só exsurgirá se, antes, for de-monstrada a culpa do empregado ou preposto, à exceção, por evidência, da relação de consumo’ (REsp 1135988/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 17.10.2013; destacou-se). 2. No que toca à configuração da culpa do preposto, observa-se que o Tribunal de origem, a partir do acervo fático-probatório constante dos autos, reputou-a não comprovada. Desse modo, infirmar tal conclusão, nos moldes pretendidos pelo recorrente, encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.411.569 – (2013/0340780-2) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 14.02.2014)

7958 – Seguro coletivo – renovação contratual pela seguradora – recusa – pretensão de repa­ração de danos morais – prescrição

“Agravo regimental no recurso especial. Seguro coletivo. Renovação contratual pela seguradora. Recusa. Pretensão de reparação de danos morais. Prescrição. Prazo ânuo. Precedentes. 1. Nos ter-mos da jurisprudência majoritária desta Corte Superior, prescreve em 1 (um) ano a pretensão para postular indenização por danos morais e restituição de prêmios pagos por segurado participante de seguro de vida em grupo cujo contrato não tenha sido renovado por vontade da seguradora (AgRg--AREsp 234.390/SP, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 11.10.2013; AgRg-AREsp 125.703/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14.10.2013; AgRg-EDcl-REsp 1295544/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 01.07.2013; AgRg-REsp 1.347.730/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 04.02.2013; AgRg-REsp 1.363.668/SP, Relª Min. Nancy Andrighi, DJe 25.03.2013). 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.312.719 – (2012/0062519-3) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 14.02.2014)

7959 – Seguro de vida e acidente pessoais – indenização

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Seguro de vida e acidente pessoais. Indeniza-ção. Tribunal a quo soberano no delineamento das circunstâncias fáticas dos autos. Interpretação de cláusula contratual. Revolvimento do conjunto fático-probatório. Súmulas nºs 5 e 7/STJ. Impos-

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sibilidade. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 137.226 – (2012/0046979-8) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 19.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão desta relatoria que negou seguimento a recurso especial.Alegou a agravante, em síntese, que (a) o recurso especial visa à equiparação do LER/DORT ao acidente de trabalho e, consequentemente, ao recebimento de indenização para o caso de invalidez por acidente; (b) não se pretende a reapreciação da situação fática/probatória; (c) há entendimento divergente proferido pelo TJDFT.O STJ negou provimento ao agravo regimental, afirmando que, in casu, inviável se mostra, com base no contrato celebrado entre as partes, a equiparação da LER/DORT de que a autora é portadora a acidente de trabalho.Elucidamos com os ensinamentos do ilustre Voltaire Marensi, que discorre sobre o risco e aleato-riedade no contrato de seguro de acordo com o Tratado do Mestre Pontes de Miranda, in verbis:“Contrato de seguro é o contrato com que um dos contraentes, o segurador, mediante prestação única ou periódica, que o outro contraente faz, se vincula a segurar, isto é, a se o sinistro ocorrer, entregar ao outro contraente soma determinada ou determinável, que corresponde ao valor que foi destruído, ou que se fixou para ocaso do evento previsto. A aleatoriedade existe mesmo se o evento é inevitável, como a morte: a álea, aqui, é no tempo, refere-se a quando, e não a se. Pre-tendeu-se que não há álea para o contraente que obtém a vinculação, porque, se o evento ocorre, está ele coberto. Também se sustentou que a álea, no seguro, é unilateral, e não bilateral. Basta considerar-se a diferença do valor e do objeto das prestações que incubem aos contraentes para se verificar que ambos os lados há álea: um quer eliminá-la; outro, assumindo-a, eliminou-a porque a isso se vincula.Segundo é sabido e Stypmanus o disse, assecuratio quidem vox latina non est, nec tale verbum reperitur, quod securum facere significet.O que se segura não é propriamente o bem, razão por que, nas expressões ‘seguro de bens’ ou ‘seguro de coisas’ e ‘seguro de responsabilidade’, há elipse. O que se segura é o status quo patrimonial ou do ser humano (acidentes, vida). Segura-se o interesse positivo como se segura o interesse negativo.” (O contrato de seguro à luz do novo Código Civil. 3. ed. São Paulo: IOB/Thomson, 2005. p. 27)Maria Helena Diniz, ao analisar os caracteres jurídicos do contrato de seguro, afirma:“[...] 7º) É um contrato de boa-fé (CC, arts. 765, 766 e parágrafo único), pois o contrato de seguro, por exigir uma conclusão rápida, requer que o segurado tenha uma conduta sincera e leal em suas declarações a respeito do seu conteúdo e dos riscos, sob pena de receber sanções se proceder com má-fé, em circunstâncias em que o segurador não pode fazer as diligências reco-mendáveis à sua aferição, como vistorias, inspeções ou exames médicos, fiando-se apenas nas afirmações do segurado, que por isso deverão ser verdadeiras e completas, não omitindo fatos que possam influir na aceitação do seguro. P. ex.: no seguro de vida, deverá indicar moléstia de que sofre (RT, 546:175), pois, se se provar que ocultou qualquer coisa, perderá o direito ao valor do seguro e pagará o prêmio vencido (RT, 547:188).A boa-fé é exigida também do segurador; p. ex.: se ele, ao tempo do contrato, souber que o risco passou e mesmo assim expedir a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado (CC, art. 773). Todavia, a má-fé de ambos deverá ser comprovada, pois, se o segurador ignorava que o risco passara, nulo será o contrato, repondo-se a situação ao estado anterior, sem qualquer sanção.” (Curso de direito civil brasileiro – Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2002. p. 461)Seguro em grupo – renovação contratual pela seguradora – recusa – pretensão de reparação de danos morais – prescrição – prazo ânuo“Agravo regimental no recurso especial. Seguro em grupo. Renovação contratual pela segura-dora. Recusa. Pretensão de reparação de danos morais. Prescrição. Prazo ânuo. Precedentes. 1. Nos termos da jurisprudência dominante desta Corte Superior, prescreve em 1 (um) ano a pretensão para postular indenização por danos morais e restituição de prêmios pagos por segu-rado participante de seguro de vida em grupo cujo contrato não tenha sido renovado por vontade da seguradora (AgRg-AREsp 234.390/SP, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 11.10.2013; AgRg-AREsp 125.703/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14.10.2013; AgRg-EDcl-REsp 1295544/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 01.07.2013; AgRg-REsp 1.347.730/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 04.02.2013; AgRg-REsp 1.363.668/SP, Relª Min. Nancy Andrighi, DJe 25.03.2013). 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.394.679 – (2013/0248359-6) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 14.02.2014)

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7960 – Sentença estrangeira – ofensa à ordem pública nacional – homologação – impossibili­dade

“Processo civil. Sentença estrangeira. Ofensa à ordem pública nacional. Homologação. Impossi-bilidade. Correção monetária e variação cambial. Cumulação. Não cabimento. Débito principal. Correção monetária. Retirada. Impossibilidade. 1. Nos termos dos arts. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga LICC), 39 da Lei nº 9.307/2006 e 6º da Resolução nº 09/2005 do STJ, a homologação para o reconhecimento de sentença estrangeira será denegada se for consta-tado que a decisão ofende a ordem pública nacional. 2. Consoante entendimento predominante do STJ, a cumulação da correção monetária com a variação cambial ofende a ordem pública nacional. 3. Tendo a sentença estrangeira determinado a incidência cumulativa, sobre o débito principal, de correção monetária e variação cambial, se mostra inviável a homologação parcial da sentença para extirpar apenas a incidência da correção monetária. A condenação, composta de um valor princi-pal, acrescido de correção monetária e variação cambial, compreende um único capítulo de mérito da sentença, não sendo passível de desmembramento para efeitos de homologação. Como cada débito principal e o seu reajuste compõem um capítulo incindível da sentença, eventual irregulari-dade maculará integralmente a condenação, inviabilizando a sua homologação como um todo. Do contrário, estar-se-ia admitindo, por via transversa, a modificação do próprio mérito da sentença estrangeira, conferindo-se ao contrato uma nova exegese, diferente daquela dada pelo Tribunal Arbitral. 4. Sentença estrangeira parcialmente homologada.” (STJ – SEC 2.410 – (2007/0161265-0) – C.Esp. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 19.02.2014)

7961 – Sociedade – ação de dissolução – prequestionamento – ausência

“Processual civil. Agravo no recurso especial. Ação de dissolução de sociedade. Prequestionamen-to. Ausência. Súmula nº 282/STF. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. 2. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 3. Agravo não pro-vido.” (STJ – AgRg-REsp 1.407.779 – (2013/0325366-2) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 13.12.2013 – p. 521)

7962 – Sociedade empresária – aumento – capital social – integralização

“Direito administrativo. Processual civil. Recurso especial. Sociedade empresária. Aumento. Ca-pital social. Integralização. Sócio. Transferência. Bens imóveis. Casamento. Regime matrimonial. Comunhão universal. Recusa. Oficial. Registro imobiliário. Necessidade. Outorga uxória. Lavra-tura. Escritura pública. Violação. Norma de direito federal. Falta de prequestionamento. Súmulas nºs 282 e 356 do STF. Fundamento legal inatacado. Súmula nº 283/STF. 1. Não cumpre o requisito do prequestionamento o recurso especial para salvaguardar a higidez de norma de direito federal não examinada pela origem, ainda mais quando inexistente a prévia oposição de embargos decla-ratórios. Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. O prequestionamento observa-se com o debate sobre tese jurídica específica, isto é, com a emissão de juízo de valor sobre deter-minada norma e a sua aplicabilidade ao caso concreto, não bastando a simples afirmação, no acórdão, de que ‘estão prequestionados todos os dispositivos legais indicados’ ou outras fórmulas semelhantes. 3. Tendo a origem decidido pela aplicação ao caso concreto do art. 108 do Código Ci-vil, fundamento suficiente para manter incólume o acórdão, o recurso especial que não o ataca des-cumpre a regularidade formal. Súmula nº 283/STF. 4. Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp 1.346.232 – (2012/0181883-4) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 18.02.2014)

7963 – Título de crédito – protesto indevido – reconsideração

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil e civil. Título de crédito. Protes-to indevido. Reconsideração da decisão agravada. Negativa de prestação jurisdicional. Ausência de demonstração da questão federal. Súmula nº 284/STF. Artigos que se supõe violados. Prequestiona-mento. Não ocorrência. Súmulas nºs 282/STF e 320/STJ. Alegada litispendência. Óbice da Súmula nº 7/STJ. Endosso-mandato. Negligência da instituição financeira caracterizada. Dever de indenizar. Existência. REsp 1063474/RS (art. 543-C do CPC). Revisão de quantum indenizatório. Desnecessi-

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dade de intervenção do STJ. Súmula nº 7/STJ. Agravo regimental acolhido para, em juízo de retra-tação, negar provimento ao agravo em recurso especial por outros fundamentos.” (STJ – AgRg-AG--REsp 59.953 – (2011/0167857-6) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 16.12.2013)

7964 – Título executivo – Fazenda Pública – inscrição em dívida ativa – honorários

“Processual civil. Honorários devidos à Fazenda Pública em razão de sentença judicial. Inscrição em dívida ativa. Execução pelo rito do CPC. Aplicação do art. 29 da LEF por constituir regime ju-rídico próprio dos créditos inscritos em dívida ativa. 1. Ao crédito inscrito em dívida ativa, mesmo que intentada a execução pelo rito do Código de Processo Civil – CPC, aplica-se o art. 29 da Lei nº 6.830/1980 – LEF, em razão do regime jurídico próprio da dívida ativa decorrente do ato admi-nistrativo de inscrição, afastando-se o art. 18, a, da Lei nº 6.024/1974, que determina a suspensão das execuções contra instituição financeira em procedimento de liquidação extrajudicial. 2. Uma vez inscrita em dívida ativa obrigação consubstanciada em outro título executivo, deve ser aplicado o regime jurídico próprio da dívida ativa que implica seu controle administrativo, orçamentário e financeiro (emissão de certidões positivas – art. 31 da LEF, parcelamentos, remissões, anistias, pro-gramas fiscais em geral, etc.) e agrega ao crédito inscrito a eficácia de não se sujeitar a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento (art. 29 da LEF) e de atribuir a responsabilidade universal do patrimônio do executado (art. 30 da LEF), além de possibilitar a extração da certidão que vai ensejar o rito executivo pela LEF. Esse regime jurídi-co deriva do próprio ato administrativo de inscrição e não do rito executivo eleito (CPC ou LEF). 3. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.247.650 – (2011/0077244-1) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 19.12.2013)

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Seção Especial – Em Poucas Palavras

Da Revogação Tácita da Regra de Compensação dos Honorários Advocatícios Quando Havida Sucumbência Recíproca

TIAGO FIGUEIREDO GONÇALVESAdvogado, Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP, Professor da Escola da Magistratura do Espírito Santo – EMES, da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, da Faculdade Castelo Branco – Funcab e da Faculdade Batista de Vitória – Fabavi.

RESUMO: O texto analisa as regras do Estatuto da OAB que disciplinam os honorários de sucumbên-cia como direito do advogado, cotejando-as com a regra extraída do art. 21 do CPC, que determina se proceda a compensação da verba honorária quando ocorrida a sucumbência recíproca.

PALAVRAS-CHAVE: Honorários de sucumbência; direito do advogado; sucumbência recíproca; com-pensação; impossibilidade.

ABSTRACT: This text analyzes the rules in the OAB (Brazilian Bar Association) Bylaws that order the legal fees born by the loser as the lawyer’s right, comparing them with the rule extracted from art. 21, CPC (Civil Proceeding Code), which determines the compensation of lawyers’ fees must proceed when reciprocal winner’s legal costs occur.

KEYWORDS: Legal fees born by the loser; lawyer’s right; reciprocal winner’s legal costs; compensa-tion; impossibility.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A interpretação do STJ que originou o Enunciado nº 306 e os precedentes em que manifestada; 2 O direito do advogado aos honorários nos termos do que prescreve o Estatuto da Advocacia; 3 Sucumbência recíproca e compensação dos honorários nos termos do disposto no Código de Processo Civil; Referências.

INTRODUÇÃO

A questão central em torno da qual se debruça neste opúsculo diz res-peito ao direito do advogado aos honorários de sucumbimento, e, via de con-sequência, à revogação tácita da regra extraída do caput do art. 21 do Código de Processo Civil, que determina, quando verificada a sucumbência recíproca, a compensação entre si das verbas honorárias devidas aos advogados de cada uma das partes.

Neste contexto, serão pontuadas premissas que justificam o afastamento da aplicação do Enunciado nº 306 da súmula do STJ, na medida em que em de-sacordo com a regra emanada do art. 23 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como com a regra tirada da parte final do caput do art. 20 do Código de Processo Civil.

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1 A INTERPRETAÇÃO DO STJ QUE ORIGINOU O ENUNCIADO Nº 306 DE SUA SÚMULA E OS PRECEDENTES EM QUE MANIFESTADA

O Enunciado nº 306 da súmula do STJ dispõe: “Os honorários advoca-tícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, asse-gurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”.

Os precedentes indicados como justificadores da edição do verbete 306 da súmula de jurisprudência do STJ são os seguintes: REsp 164.249/RS, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 16.04.1998, DJ 08.06.19981; REsp 236.676/RS, 4ª T., Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 15.02.2000, DJ 10.04.20002; REsp 263.734/PR, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 21.06.2001, DJ 01.10.20013; REsp 155.135/MG, 2ª S., Rel. Min. Nilson Naves, DJ 13.07.2001, DJ 08.10.20014; REsp 188.648/RS, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, DJ 28.05.2002, DJ 24.06.20025; REsp 290.141/RS, Corte Especial, Rel. p/o Ac. Min. Antônio de

1 “Direitos comercial e econômico. Financiamento bancário. Juros. Teto. Lei de usura. Lei nº 4.595/1964. Enunciado nº 596 da súmula/STF. Capitalização mensal. Excepcionalidade. Sucumbência recíproca. CPC, art. 21. Honorários advocatícios. Estatuto da Ordem (Lei nº 8.906/1994). Precedentes. Recurso parcialmente acolhido. I – Havendo sucumbência recíproca, cada parte decaindo de parcelas consideráveis de seus pedidos, justifica-se o rateamento das despesas processuais e a compensação dos honorários advocatícios. Decaindo um dos litigantes em parcela mínima, incide a regra do parágrafo único do art. 21 do CPC. II – A Lei nº 8.906/1994 (‘Estatuto do Advogado’) inovou quanto à legitimação do destinatário dos honorários. Em relação ao instituto da sucumbência e a distribuição dos ônus, no entanto, as normas de regência permanecem no Código de Processo Civil e nas leis de assistência judiciária. [...]”

2 “Processual civil. Honorários advocatícios. Sucumbência recíproca. Compensação. Preclusão. Embora seja certo que a Lei nº 8.906/1994 – o ‘Novo Estatuto da Advocacia’ – assegura pertencer ao advogado a verba honorária incluída na condenação, é igualmente verdadeiro, no que seja atinente ao instituto da sucumbência e à distribuição dos ônus que continuam tendo aplicação as regras contidas no Código de Processo Civil. Assim, o juiz pode compensar os honorários, sem que isso importe em ofensa qualquer à legislação específica. Contudo, no caso, transitou em julgado a sentença que negou a compensação, não podendo o tema, pois, ser mais objeto de debate quando da execução do julgado. Recurso especial não conhecido.”

3 “Execução de título judicial. Aplicação de índices da correção monetária. Omissão. Honorários advocatícios arbitrados no processo de conhecimento. Compensação. Admissibilidade. Resulta em ofensa ao art. 535 do CPC o fato de o Tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão aventada pela parte a respeito da qual devia efetivamente pronunciar-se. O juiz pode compensar os honorários advocatícios em caso de sucumbência recíproca. Condenada uma das partes à verba advocatícia daí resultante, o advogado do vencedor tem direito autônomo de executar a sentença nessa parte. Recurso especial conhecido, em parte, e provido.”

4 “Honorários de advogado. Procedência parcial da ação. Compensação. Direito autônomo. Cédula rural. Juros. Capitalização. 1. O Código de Processo Civil, no art. 21, ordena se aplique a regra da compensação, enquanto a Lei nº 8.906/1994, no art. 23, estabelece que os honorários pertencem ao advogado, tendo ele direito autônomo para executar. 2. Sucede, no entanto, que tais normas não são incompatíveis entre si, sendo lícito entender-se que uma não incomoda a outra, convivendo ambas perfeitamente no mundo jurídico. 3. Em caso de sucumbência recíproca, admite-se, por conseguinte, a compensação, ao ver de precedentes da 4ª Turma, entre outros, os REsp 149.147 e REsp 186.613, cuja orientação foi, no presente caso, acolhida pela 2ª Seção, por maioria de votos. Improcedência da alegação de ofensa a texto de lei federal. 4. ‘A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros’ (Súmula nº 93). Neste ponto, ‘não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida’ (Súmula nº 83). 5. Recurso especial não conhecido.”

5 “Processual civil. Honorários de sucumbência. Compensação. Possibilidade. Ofensa à coisa julgada inexistente. I – As normas dos arts. 21 do Código de Processo Civil e 23 da Lei nº 8.906/1994 não são incompatíveis, tendo esta última apenas explicitado o direito autônomo do advogado aos honorários de sucumbência, estando legitimado a executar diretamente o saldo da verba advocatícia, após a compensação. II – A mera determinação de compensação dos honorários de sucumbência em sede de liquidação de sentença não traduz

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Pádua Ribeiro, DJ 21.11.2001, DJ 31.03.20036; EDcl-REsp 139.343/RS, 2ª S., Rel. p/o Ac. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 11.06.2003, DJ 07.06.20047.

No julgamento do REsp 164.249/RS, o mais antigo dos precedentes ci-tados como justificadores da edição do Enunciado nº 306, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, relator do acórdão, fez alusão, em seu voto, a precedentes ainda mais antigos, quais sejam, ao REsp 94.225/SP, aos EDcl-REsp 93.500/SP, aos EDcl-REsp 60.638/RS e ao REsp 149.1478, todos no sentido de averbar que a sucumbência recíproca implica a compensação da verba honorária.

O fundamento jurídico nuclear para esta tomada de posição é o de que inexiste incompatibilidade entre a norma do art. 23 do Estatuto da OAB, se-gundo a qual os honorários constituem direito autônomo do advogado, e a norma do art. 21 do CPC, pela qual, existindo sucumbência recíproca, deve-se proceder à distribuição e à compensação proporcional dos honorários entre as partes litigantes.

E isto, porque, na expressão do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,

o que o novo “Estatuto do Advogado” veio alterar foi a legitimação quanto à destinação dos honorários, sendo certo que, em relação ao instituto da sucum-bência e distribuição dos ônus, as normas de regência continuam no Código de Processo Civil e nas leis de assistência judiciária.9

E, por consequência, de acordo com o Ministro Cesar Asfor Rocha, “o juiz pode compensar os honorários, sem que isso importe qualquer ofensa à legislação específica”10.

A par do argumento jurídico já relacionado, pode-se encontrar, também, em alguns dos julgados mencionados, referência a outro argumento, este de ordem estritamente prática. Assim, por exemplo, no voto que proferiu no EDcl--REsp 139.343/RS, o Ministro Cesar Asfor Rocha consignou:

Esse também tem sido o entendimento por mim defendido na Quarta Turma (REsp 345.579/RS, REsp 336.530/RS, REsp 234.676/RS e REsp 96.712/CE), por-

ofensa à coisa julgada, eis que é questão puramente instrumental, ligada às atribuições do juiz. Com ressalvas do relator quanto à terminologia, recurso a que se nega conhecimento.”

6 “Embargos de declaração. Omissão. Inexistência. I – Tendo a Corte discutido a matéria, ainda que para rejeitá-la, não se apresenta a omissão apontada. II – Embargos rejeitados.”

7 “Embargos de declaração. Omissão. Verba honorária. Possibilidade de compensação. Embora seja certo que a Lei nº 8.906/1994 assegure pertencer ao advogado a verba honorária incluída na condenação, é igualmente verdadeiro, no que seja atinente ao instituto da sucumbência e à distribuição dos ônus, inclusive quanto à possibilidade de compensação dos honorários advocatícios em caso de decaimento parcial do pedido, que continuam tendo aplicação as regras contidas no Código de Processo Civil. Assim, o juiz pode compensar os honorários, sem que isso importe em qualquer ofensa à legislação específica. Precedentes, inclusive da Corte Especial. Embargos acolhidos para fixar a verba honorária em 5% sobre o valor da dívida, já efetuada a devida compensação.”

8 O primeiro e o último relatados pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar; o segundo e o terceiro relatados pelo Ministro Ari Pargendler.

9 REsp 164.249/RS.10 REsp 234.676/RS.

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que evita situações esdrúxulas. Por exemplo, no caso de dívidas executadas, dado que a nossa jurisprudência tem sido vacilante – mesmo quando não é, temos dificuldades –, há demora na pacificação do que, efetivamente, pode ser licitamente cobrado pelos credores. Muitas vezes, há cobrança de valores que, depois, são decotados, pelo menos parcialmente. E, em várias situações, vamos nos deparar com o credor, embora vencedor de uma parcela grande do quanto havia cobrado, muitas vezes, sem acesso ao efetivo recebimento do seu crédito e, ao mesmo tempo, obrigado a pagar os honorários da parte devedora daquela parcela que foi decotada.

2 O DIREITO DO ADVOGADO AOS HONORÁRIOS NOS TERMOS DO QUE PRESCREVE O ESTATUTO DA ADVOCACIA

A Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) reservou todo o seu capítulo VI para regulamentar os honorários advocatícios.

O caput do art. 22 consigna, de modo sobremaneira categórico, que os honorários advocatícios convencionados não se confundem com aqueles hono-rários que são ou arbitrados pelo juiz, ou decorrentes da sucumbência da parte contrária11.

A par disto, do caput do art. 22, assim como do art. 23, pode-se concluir, com a mesma claridade, que os honorários advocatícios – sejam os convencio-nados em contrato, sejam, ainda, os arbitrados pelo Magistrado, e, mesmo, os decorrentes da sucumbência – compreendem direito do advogado. Tanto assim, que o advogado, como titular que é do direito material à verba honorária, tem legitimidade ordinária para executar o capítulo da sentença que condena a par-te ao pagamento dos honorários arbitrados pelo juiz ou àqueles provenientes da sucumbência; como pode, ainda, requerer que, em relação a este capítulo do título executivo, sendo devedora a Fazenda, o precatório seja expedido em seu nome12, como, por fim, é legitimado a recorrer, em nome próprio, do capítulo da decisão que fixa a verba honorária13-14.

E vai mais além, para estabelecer, no que para aqui interessa, que o di-reito aos honorários de sucumbência é tão direito do advogado a ponto de se tomar como “nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção

11 “Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.”

12 “Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.”

13 JORGE, Flávio Cheim. A legitimidade do advogado para recorrer: aspectos polêmicos e atuais dos recursos. In: ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda; NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). São Paulo: RT, 2000. p. 149 e ss.

14 “Recurso. Apelação. Advogado que não tem o direito de discutir, autonomamente, o valor da verba sucumbencial, mas, sim, de executar o valor que foi fixado por sentença. Ausência de legitimidade. Recurso do patrono da embargante, não conhecido.” (TJSP, AC 364.027-5/7, 8ª CDPúb., Rel. Des. Paulo Travain, J. 15.12.2004)

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individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos ho-norários de sucumbência” (art. 24, § 3º)15. Por isto, com razão já decidido que “o acordo feito entre as partes na execução não pode prejudicar os honorários de advogado”16.

Não mais subsiste, por isto, a tese, sustentável até antes da entrada em vigor da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), de que os honorários de sucumbência visavam ressarcir a parte vitoriosa com as despesas que tivera em decorrência da necessidade de contratação de seu advogado para postular em juízo17.

E como os honorários de sucumbência não são fixados objetivando res-sarcir a parte vencedora do que teve de pagar ao advogado a título de hono-rários contratuais, pouco importa que o quantum fixado a título de honorários de sucumbência seja superior ou inferior àquele estabelecido contratualmente. Cabe ao juiz estabelecê-los a partir dos parâmetros prescritos no CPC, abstrain-do-se da quantia contratualmente avençada, já que constituem verba remune-ratória complementar, de titularidade do advogado.

Anote-se que, mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), já se sustentava, em doutrina e em jurisprudência, que, por força das disposições contidas na Lei nº 4.215/1963, os honorários de su-

15 Este dispositivo está com sua eficácia suspensa, por força de medida cautelar concedida pelo STF no julgamento da ADIn 1.194-4.

16 “Honorários de advogado. Fixação na sentença. Interposição de apelação pelo vencido. Convocação das partes para acordo, nos termos do Provimento nº 819, de 2003, do Conselho Superior da Magistratura. Transação. Impossibilidade de renúncia dos honorários advocatícios em razão da ausência do advogado que até então patrocinava a causa. Ineficácia do acordo quanto aos credores da sucumbência que dele não participaram. Execução. Possibilidade. Recurso não provido. Acordo feito entre as partes na execução não pode prejudicar honorários de advogado. A composição que se realiza entre as partes não pode prejudicar os honorários de advogado, pois estar-se-ia permitindo que o litigante transigisse a respeito do direito que não lhe pertence. Acórdão que determina o prosseguimento da execução da sentença para a cobrança dos honorários” (TJSP, AI 377.818-4/3, 8ª CDPriv., Rel. Des. Álvares Lobo, J. 30.03.2005). Assim também: “Honorários advocatícios. Percentual sobre a condenação estabelecido em decisão judicial transitada em julgado. Acordo das partes, posteriormente celebrado, desistindo da cobrança dos ônus sucumbenciais. Inadmissibilidade. Verba pertencente ao advogado, que possui direito autônomo para executá-la. Entendimento derivado do art. 23 da Lei nº 8.906/1994. Recurso improvido” (TJSP, AC 098.402-5/5-00, 9ª C., Rel. Des. Ricardo Lewandowski, J. 14.03.2001).

17 Esta ideia de os honorários de sucumbência serem da titularidade da parte vencedora, com o objetivo de ressarci-la do que despendeu para a contratação de seu advogado, está bem presente na seguinte abordagem de Celso Agrícola Barbi: “A queixa dos advogados tinha procedência, e não se destinava especificamente a defender interesses pessoais seus, e sim os de seus clientes; como o advogado, geralmente, contrata com o seu cliente honorários que vão de 10 a 20%, o profissional recebia do seu constituinte aquilo que foi contratado. Mas este ficava realmente prejudicado, quando os honorários fixados na sentença eram inferiores ao que contratara. Desse modo, a finalidade da lei, de dar ao vencedor plena satisfação do seu direito, ficava frustrada pela modicidade da condenação, que não correspondia àquilo que, razoavelmente, contratara com seu advogado. O § 3º procura, dentro de certos limites, impedir uma fixação de honorários que frustre a finalidade da lei, de plena restauração do direito do vencedor, mas, se parte de juízes e tribunais persistir em condenar no percentual mínimo, continuará prejudicada a finalidade da lei” (BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil (arts. 1º a 55). Rio de Janeiro: Forense, v. I, t. I, 1977. p. 191. Não obstante reconheça que o Estatuto da OAB confere a verba honorária de sucumbência ao advogado, Luiz Fux insiste na ideia de que a condenação do vencido ao pagamento dos honorários de sucumbência tem o objetivo de restabelecer integralmente o “interesse do vencedor tutelado pela ordem jurídica” (FUX, Luiz. Curso de direito processual civil: processo de conhecimento. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2008. p. 471.

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cumbência constituíam direito integrante da esfera subjetiva do advogado. A esse respeito, Sérgio Sahione Fadel afirmava: “Os honorários do advogado, de-feridos pelo juiz na sentença, constituem vantagem do profissional. Não são reembolso ao seu cliente. A Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963, eliminou quaisquer dúvidas que porventura existissem a respeito e que se faziam notar na jurisprudência”18.

Fadel citava, nesta linha de entendimento, o seguinte precedente do STF:

Honorários profissionais. Direito autônomo do advogado para executar a con-denação nessa parte. Dívidas dissipadas pelo novo Regulamento da Ordem dos Advogados. Recurso extraordinário conhecido, mas não provido. (RE 58.533, 2ª T., 28.11.1967, DJ 16.02.1968, p. 384)19

3 SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA E COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS NOS TERMOS DO DISPOSTO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Nos termos do caput do art. 21 do CPC, “se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e com-pensados entre eles os honorários e as despesas”.

De fato, o texto legal contém, como se observa, dois comandos normati-vos distintos. Porém, a despeito do que cada qual tem de peculiar, existe entre eles estreita relação de dependência.

Do primeiro comando é possível extrair que, diante da configuração da sucumbência recíproca, deve-se proceder à distribuição, entre os litigantes, na proporção do sucumbimento de cada um deles, dos honorários e das despesas do processo (“Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos... os honorários e as despesas”).

A segunda norma ordena que se proceda à compensação entre os ho-norários e as despesas recíproca e proporcionalmente distribuídos para cada um dos litigantes (“Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente [...] compensados entre eles os honorários e as despesas”).

Para o STJ, os comandos contidos no art. 21 do CPC podem ser inter-pretados sistematicamente com os dispositivos do Estatuto da OAB da maneira seguinte: naquilo que o art. 21 do CPC afirma deverem os honorários de su-cumbência ser distribuídos entre as partes, deu-se sua revogação implícita pelo Estatuto da OAB, na medida em que os honorários são direito do advogado. Porém, o fato de reconhecidamente serem direito do advogado, tal como veicu-

18 FADEL, Sergio Sahione. Código de processo civil comentado (arts. 1º a 443). 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1984. p. 99.

19 FADEL, Sergio Sahione. Código de processo civil comentado (arts. 1º a 443). 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1984. p. 99.

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lado pelo Estatuto da classe, não retira a possibilidade de o legislador, tal como o fez no CPC, regulamentar a distribuição dos ônus da sucumbência. E, por conseguinte, legítima seria a previsão do art. 21 do CPC, que manda proceder--se à compensação proporcional dos honorários.

Existe, contudo, respeitosamente, equívoco quando se considera abso-lutamente autônomo o comando que manda compensar os honorários, em re-lação ao anterior, que manda as partes distribuírem recíproca e proporcional-mente entre si a verba honorária. Ora, a possibilidade de compensação tinha como premissa o reconhecimento legal de que os honorários de sucumbência pertenciam à parte, e, por isto, em havendo sucumbência recíproca, dever-se-ia inicialmente distribuí-los na proporção do sucumbimento de cada uma, para, posteriormente, proceder-se à compensação dos valores.

Na medida em que, após a vigência do Estatuto da OAB, passou-se ex-pressamente a reconhecer os honorários de sucumbência como direito do advo-gado, não há como se sustentar ainda em vigor a regra proveniente do texto do art. 21 do CPC, que manda se proceda à compensação quando há sucumbência recíproca, muito especialmente porque ausente suporte fático para que assim se haja20.

E isto porque, tal qual preceituado no art. 368 do Código Civil21, pres-suposto do instituto da compensação é a existência de reciprocidade das obri-gações, ou, em outros termos, de bilateralidade de créditos. Na expressão de Pontes de Miranda:

Dois créditos, pelo menos, têm de existir, e o credor de um ser o devedor do outro, para que, a respeito daquele em que é devedor, exerça o direito forma-tivo extintivo, que lhe nasce de ser credor no outro. O primeiro elemento que deve concorrer no suporte fáctico é, portanto, composto pelo crédito e o contra-crédito (= existência de dois créditos contrapostos; = existência e contraposição ou bilateralidade de créditos).22

Também Leoni Lopes: “O primeiro requisito da compensação exige que exista reciprocidade de crédito e débito entre as mesmas partes”23.

20 Com acerto: “Honorários de advogado. Sucumbência recíproca. Condenação de cada parte a pagar os honorários ao advogado da outra. Compensação da verba honorária. Impossibilidade após o advento da Lei nº 8.906/1994. Perito oficial. Assistente técnico. Divergência entre os laudos. Prevalência do laudo oficial. Com o advento da Lei nº 8.906/1994 (novo Estatuto da Advocacia e da OAB), não mais há de se falar em compensação de honorários, quando há sucumbência recíproca, hipótese em que cada parte deverá, então, ser condenada a pagar a verba honorária do patrono da outra. Havendo divergência entre o laudo do perito oficial e o do assistente técnico, deve-se dar prioridade ao do profissional escolhido pelo juiz, por estar ele eqüidistante dos interesses das partes” (TJMG, AC 191.779-8/00, 4ª C.Civ., Rel. Des. Hyparco Immesi, DJMG 14.12.2001).

21 “Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.”

22 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado – Parte especial. Rio de Janeiro: Borsoi, t. XXIV, 1959. p. 334-335.

23 OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Novo Código Civil anotado (arts. 233 a 420). 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 210.

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Assim, uma vez verificada a sucumbência recíproca, exsurgem duas rela-ções de débito-crédito de honorários de sucumbência, cada qual com credores e devedores distintos. Há uma relação entre o autor (devedor) e o advogado do réu (credor), e outra distinta relação entre o réu (devedor) e o advogado do autor (credor). A evidente ausência de reciprocidade ou de bilateralidade de créditos impede, pois, seja procedida a compensação de tais verbas.

Nesta senda, o Projeto de Lei nº 166/2010, que reforma o Código de Pro-cesso Civil, prescreve no § 10 do seu art. 87: “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.

Em síntese conclusiva: enquanto direito titularizado na pessoa dos advo-gados das partes reciprocamente sucumbentes, os honorários sucumbenciais devidos a cada um deles sob hipótese alguma comportam compensação entre si.

REFERÊNCIAS

BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. I, t. I, arts. 1º a 55, 1977.

FADEL, Sergio Sahione. Código de processo civil comentado. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, v. I, arts. 1º a 443, 1984.

FUX, Luiz. Curso de direito processual civil: processo de conhecimento. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2008.

JORGE, Flávio Cheim. A legitimidade do advogado para recorrer: aspectos polêmicos e atuais dos recursos. In: ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda; NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). São Paulo: RT, 2000.

OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Novo Código Civil anotado (arts. 233 a 420). 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado – Parte especial. Rio de Janeiro: Borsoi, t. XXIV, 1959.

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Clipping Jurídico

Representante comercial deve ser indenizado com base na lei vigente na assi­natura do contrato

A legislação vigente na época da assinatura do contrato de representação comercial é a que determina o cálculo do valor da indenização a ser paga em caso de rescisão. No caso julgado, as empresas haviam firmado contratos de representação comercial, mas, posteriormente, a representante teve reduzida sua área de atuação – que compreendia o oeste e sudoeste do Paraná – sem aviso-prévio, o que provocou a ação judicial. A relação comercial durou de 1985 a 2000, em sucessivos contratos. Em maio de 1992, a Lei nº 8.420 alterou a Lei nº 4.886/1965 (que regula a atividade de representantes comerciais), e o valor mínimo da indenização devida em caso de rescisão passou de 1/20 para 1/12 do total de comissões pagas durante o exercício da representação. A mu-dança legal ocorreu quando estava valendo um contrato assinado em 1988, que vigorou por aproximadamente dez anos. O Tribunal paranaense, afirmando que seria mais justo aplicar cada dispositivo legal “a seu tempo próprio”, decidiu que a nova redação da lei poderia afetar mesmo os contratos firmados antes de sua vigência. Assim, determinou que a indenização ao representante comercial fosse calculada com base em 1/20 sobre as comissões pagas até maio de 1992 (publicação da Lei nº 8.420) e, a partir daí, em 1/12. No entanto, o Ministro Raul Araújo, Relator do recurso no STJ, ressaltou que a ju-risprudência recente determina que “o contrato é regido pela norma vigente quando de sua celebração”. Com base nessa jurisprudência, a Quarta Turma reformou o acórdão e fixou a indenização em 1/20 desde o início da relação comercial até a assinatura do úl-timo contrato, em 1999. A indenização de 1/12 sobre o valor das comissões foi aplicada apenas a partir da assinatura deste último contrato, que se deu já sob a vigência da Lei nº 8.420. As instâncias anteriores estabeleceram que a representada, além da indeniza-ção por rescisão contratual, deveria indenizar a outra parte por falta de aviso-prévio. A representada sustentou que o pedido de rescisão foi motivado pela limitação da área de atuação e quebra da exclusividade, por isso não se poderia falar em falta de aviso-prévio. Citando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministro Raul Araújo enten-deu que, mesmo que a rescisão tenha sido iniciativa do representante, é devida a inde-nização por aviso-prévio. “Ora, se no caso de rescisão sem justa causa, isto é, sem que o representante dê causa à rescisão, é devida tanto a indenização como o aviso-prévio, parece que com mais razão são devidas as duas reparações se a rescisão se dá por culpa do representado, que impõe a perda da representação ao representante, enquanto se beneficia dos clientes já conquistados”, concluiu o Relator. Processo relacionado: REsp 656554. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Negado recurso contra indenização à Varig por congelamento de tarifas

Por cinco votos a dois, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) nº 571969, por meio do qual a União e o Ministério Públi-co Federal (MPF) buscavam reverter decisão que garantiu à Viação Aérea Rio-Grandense (Varig) o direito à indenização em razão do congelamento de tarifas ocorrido durante o Plano Cruzado, entre outubro de 1985 e janeiro de 1992. A maioria dos ministros seguiu o voto da Relatora, Ministra Cármen Lúcia, no sentido de que o dano causado à empre-sa pelo congelamento ficou comprovado nas instâncias ordinárias. O julgamento foi retomado com o voto vista do Ministro Joaquim Barbosa. Ele abriu divergência quanto

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ao voto da relatora para julgar improcedente o pedido de indenização feito pela Varig. Segundo ele, o congelamento não afetou apenas a empresa aérea, e atingiu vários seto-res da economia e cidadãos economicamente ativos. O Ministro Luís Roberto Barroso acompanhou a posição da relatora para concluir que há responsabilidade civil do Estado no caso do congelamento das tarifas da Varig. “O caráter geral das políticas econômicas não autoriza a União a descumprir cláusulas de contrato de concessão, em especial quando é a Constituição que exige a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro”, afirmou o Ministro. A Ministra Rosa Weber endossou os argumentos apresentados pelo Ministro Barroso para seguir o voto da relatora. O Ministro Celso de Mello, decano do STF, seguiu essa corrente, afirmando que reconhece a responsabilidade civil da União, considerados os prejuízos sofridos pela Varig em razão de planos econômicos do poder público. “Os elementos produzidos nos autos suportam a pretensão da Varig de que a implementação dessa política durante o período do Plano Cruzado erige-se como causa de desequilíbrio contratual que gerou os danos, não só apontados e imputados a tais políticas econômicas, mas demonstrado soberanamente nos autos”, afirmou, ressaltando que a política de congelamento gerou insuficiência tarifária, relação de causalidade que ficou comprovada nos autos. Por sua vez, o Ministro Ricardo Lewandowski também acompanhou integralmente o voto da Ministra Cármen Lúcia, ressaltando estar “absolu-tamente convencido dos substanciosos argumentos” da relatora. Segundo ele, a doutrina é pacífica em relação às teses apresentadas no processo no sentido da responsabilidade do Estado por atos legislativos e também nas situações em que o Estado causa desequilí-brio econômico e financeiro no contrato de concessão, em prejuízo aos concessionários. O Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Joaquim Barbosa, fundamen-tou seu voto contrário ao pagamento de indenização à Varig no argumento de que os atos integrantes dos planos de estabilização econômica baixados na década de 1980 foram atos legislativos de caráter genérico e impessoal, que afetaram indistintamente todas as empresas e pessoas. Assim, não seria possível indenizar apenas uma empresa ou pessoa por supostos danos por eles causados. Tampouco, segundo ele, caberia aplicar ao caso a teoria da imprevisão, em que há a interferência de um acontecimento que não podia, absolutamente, ser previsto pelas partes contratantes, uma vez que a assinatura do contrato de concessão entre a União e a Varig ocorreu em época de combate à inflação. Acompanhando a divergência, o Ministro Gilmar Mendes também rejeitou a possibili-dade de responsabilização da União no caso do congelamento das tarifas. Segundo ele, o congelamento foi apenas uma das várias medidas adotadas pelo Plano Cruzado, que afetaram diferentes setores da economia. “Não se cuida de repudiar a responsabilidade civil do Estado em função de ato legislativo, mas de aceitar a responsabilidade de forma singularizada em face de uma medida que se adotou de forma geral”, afirmou. “Não se pode estipular relação entre o valor da tarifa e o déficit da empresa, que já era crônico, e foi se agravando com o decorrer do tempo”, concluiu. Processos relacionados: RE 571969. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Família será indenizada devido a falecimento de segurado após negativa de atendimento

O Juiz do Primeiro Juizado Especial Cível de Brasília condenou a Unimed a pagar repa-ração por danos morais à família de segurado que faleceu após recusa do plano de saúde em autorizar atendimento em hospital da Unimed. A família contou nos autos que, em

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passeio pela Cidade Caldas Novas/GO, no dia 12.10.2013, o pai/marido passou muito mal, tendo sido levado às pressas ao Hospital da Unimed. Mesmo sendo conveniado, não conseguiu ser atendido naquele hospital, embora a total evidência de perigo de mor-te, pois o plano de saúde não autorizou o atendimento. Em desespero, restou à família levá-lo à UPA 24 horas, tendo ocorrido o óbito por volta das 19h15min. Em resposta, a Unimed disse que não houve qualquer negativa de atendimento, por isso requereu a improcedência dos pedidos. O juiz decidiu “logo, muito embora não se possa afirmar com precisão que, caso a requerida tivesse autorizado o atendimento, o falecimento não teria ocorrido, há que se ponderar que a atitude da ré, ao negar o atendimento ao beneficiário em situação de emergência fez com que ele perdesse a oportunidade de obter uma vantagem evidente, conduta esta que enseja o dever de indenizar. Trata-se da denominada teoria da perda de uma chance, que dispõe, em síntese, que, se alguém, praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização pelos danos causados. [...] Por fim, insta salientar que não há dúvidas que a perda de uma pessoa próxima (cônjuge/genitor), com a qual se conviva, acarreta ofensa à dignidade, razão pela qual aquele que contribuiu para este fato é responsável por compensar os danos morais sofridos. Processo: 2013.01.1.175620-2. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios)

Registro de concorrente na Junta Comercial não impede empresa de usar marca concedida pelo INPI

O STJ acolheu pedido de uma empresa de produtos alimentícios para que ela possa continuar utilizando sua marca Delícias em Pedaços. A abstenção de uso da marca havia sido conseguida na Justiça paulista pela Empresa Oficina do Artesão Ltda., dona da marca Amor aos Pedaços. A ação foi ajuizada pela Oficina do Artesão sob o argu-mento de ser titular de vários registros para sua marca, regularmente expedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Ela acusou a Empresa ML de usar, ilicitamente, sinal distintivo praticamente idêntico. O Juízo da 4ª Vara Cível de Jundiaí (SP) reconheceu a prescrição do pedido de reparação de danos e não acolheu o pedido de abstenção do uso da marca, por entender que as expressões utilizadas são distintas, não passíveis de gerar confusão. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), entretanto, reformou parcialmente a sentença e determinou a abstenção do uso da marca Delícias em Pedaços, baseando sua decisão na suposta prática de parasitismo, uma vez que os termos “delícias” e “amor” evocam sensações prazerosas de comer um doce e as duas empresas atuam no mesmo segmento mercadológico. No STJ, a ML alegou ser titular de três registros devidamente concedidos e válidos para a marca Delícias em Pedaços, um deles anterior à sentença de improcedência do pedido. Sustentou também que não é possível determinar a abstenção do uso de expressão objeto de registro de marca válido e regular expedido pelo INPI. Em seu voto, o Ministro Luis Felipe Salomão, Relator do caso, destacou que as formas de proteção ao nome empresarial e à marca comercial não se confundem. A primeira se circunscreve à unidade federativa de competência da Junta Comercial em que são registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o território nacional desde que seja feito pedido complementar de arquivamento nas demais Juntas Comerciais. Por sua vez, a proteção à marca obedece ao sistema atributivo: é adquirida pelo registro validamente expedido pelo INPI, que

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assegura ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional. De acordo com o ministro, a alegação da Empresa Oficina do Artesão de ter adotado o nome Amor aos Pedaços perante a Junta Comercial de São Paulo em 1981 não é suficiente para impe-dir – como de fato não impediu – a obtenção do registro da marca Delícias em Pedaços pela Empresa ML Produtos Alimentícios junto ao INPI, em 1999. Luis Felipe Salomão ressaltou que compete ao INPI avaliar uma marca como notoriamente conhecida e que qualquer ingerência do Judiciário nesse campo significaria invasão do mérito adminis-trativo e ofensa ao princípio da separação dos poderes. Segundo Salomão, a decisão do TJSP ultrapassou os limites de sua competência, pois extrapolou a discussão a respeito de eventual concorrência desleal e determinou a abstenção do uso de marca registrada pelo próprio titular. “A determinação de abstenção de uso de marca registrada pelo seu próprio titular implicará retirar a eficácia do ato administrativo de concessão de regis-tro, esvaziando por completo a decisão do INPI, sem a sua participação, violando, as-sim, inexoravelmente, o art. 129 da Lei da Propriedade Industrial”, concluiu o ministro. Nº do Processo: REsp 1189022. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Em ação de prestação de contas, herdeiros podem substituir pai falecido

É possível a substituição processual de falecido por seus herdeiros em ação de prestação de contas de contrato de parceria pecuária. O entendimento é do STJ ao julgar o recurso de um dos herdeiros contra decisão do TJSP, que também entendeu pela possibilidade de substituição processual. A ação foi ajuizada para exigir prestação de contas em rela-ção a 25% de crias de bezerros machos nascidos durante o período em que perdurou o contrato entre a autora da ação e seu sócio, que faleceu no curso do processo. Com o falecimento do coproprietário das reses, a sócia entendeu pela substituição processual dele pelos seus quatro herdeiros. Devidamente citados os herdeiros, um deles contestou o pedido de habilitação e requereu a extinção da ação, em razão da morte daquele que realmente deveria prestar contas. Sustentou, para tanto, que a ação tem natureza perso-nalíssima. Os demais herdeiros, por meio de curador especial (pois citados por edital), seguiram a mesma linha, sustentando o não cabimento da substituição processual. O magistrado de primeiro grau acolheu o pedido de substituição processual, por entender que não se tratava de prestação de contas derivada de mandato personalíssimo, mas sim de contrato de parceria pecuária. A sentença foi mantida pelo Tribunal Estadual. No STJ, os sucessores alegaram que não dispõem de elementos suficientes para apresentar as contas determinadas, seja por estarem completamente alheios à parceria, seja pelo largo espaço de tempo decorrido desde a cessação do negócio. Em seu voto, o Relator do caso, Ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que a doutrina especializada considera ser possível a sucessão dos herdeiros no dever de prestar contas na parceria pecuária. Segundo o ministro, nesse tipo de contrato, a morte não extingue a parceria, tanto do parceiro-outorgante como do outorgado, desde que este seja um conjunto familiar e haja alguém devidamente qualificado que prossiga na execução do contrato. “Isto é, nada im-pede que os herdeiros continuem com o negócio, se houver acordo contratual, ruindo, por esse lado, a tese de obrigação personalíssima”, concluiu. O ministro destacou, ainda, que os herdeiros poderão apresentar as contas, sendo a autora ouvida em cinco dias para dizer se as aceita ou não. Em caso negativo, o magistrado determinará as provas neces-sárias e, ao final, julgará o feito, disse o relator. Caso não apresentem as contas, a autora

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as apresentará em dez dias, oportunidade em que o juiz, ao seu arbítrio, deverá julgá-las, podendo determinar, se necessário, o exame pericial para formar sua convicção. “Caso nenhum dos dois apresente as contas (réu e autor), ficará prejudicado o andamento do feito, devendo o magistrado extinguir o processo sem o julgamento do mérito, até por-que o fim último da sentença é dotar aquele que almeja a condição de credor, de título executivo judicial a desaguar nas vias da execução forçada (CPC, art. 918), conforme o saldo final do balanço apurado em juízo”, ressaltou o Ministro Luis Felipe Salomão. Nº do Processo: REsp 1203559. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Ausência de bens e dissolução irregular da empresa não autorizam desconside­ração da personalidade jurídica

Sem a existência de indícios de esvaziamento intencional do patrimônio societário em detrimento da satisfação dos credores ou outros abusos, a simples dissolução irregular da sociedade empresarial não enseja a desconsideração da personalidade jurídica. A Ministra Nancy Andrighi explicou que a personalidade jurídica de uma sociedade em-presarial, distinta da de seus sócios, serve de limite ao risco da atividade econômica, permitindo que sejam produzidas riquezas, arrecadados mais tributos, gerados mais em-pregos e renda. Essa distinção serve, portanto, como incentivo ao empreendedorismo. Ela ressalvou que, nas hipóteses de abuso de direito e exercício ilegítimo da atividade empresarial, essa blindagem patrimonial das sociedades de responsabilidade limitada é afastada por meio da desconsideração da personalidade jurídica. A medida, excepcional e episódica, privilegia a boa-fé e impede que a proteção ao patrimônio individual dos sócios seja desvirtuada. A ministra destacou que, apesar de a dissolução irregular ser um indício importante de abuso a ser considerado para a desconsideração da personalidade jurídica no caso concreto, ela não basta, sozinha, para autorizar essa decisão. Conforme a ministra, a dissolução irregular precisa ser aliada à confusão patrimonial entre socie-dade e sócios ou ao esvaziamento patrimonial “ardilosamente provocado” para impedir a satisfação de credores, para indicar o abuso de direito e uso ilegítimo da personalidade jurídica da empresa. No caso julgado pelo STJ, a sociedade não possuía bens para satis-fazer o credor. Conforme os ministros, apenas esse fato, somado à dissolução irregular, não autoriza o avanço da cobrança sobre o patrimônio particular dos sócios, porque, segundo o Tribunal de origem, não havia quaisquer evidências de abuso da personali-dade jurídica. Nº do Processo: REsp 1395288. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

É válida fiança prestada durante união estável sem anuência do companheiro

Não é nula a fiança prestada por fiador convivente em união estável sem a autorização do companheiro – a chamada outorga uxória, exigida no casamento. O entendimento é do STJ ao julgar recurso interposto por uma empresa do Distrito Federal. “É por intermé-dio do ato jurídico cartorário e solene do casamento que se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo eles conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as vênias conjugais para a concessão de fiança”, afirmou o Rela-tor do caso, Ministro Luis Felipe Salomão. A empresa ajuizou execução contra a fiadora devido ao inadimplemento das parcelas mensais, de dezembro de 2006 a novembro de

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – CLIPPING JURÍDICO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 239

2007, relativas a aluguel de imóvel comercial. Com a execução, o imóvel residencial da fiadora foi penhorado como garantia do juízo. Inconformada, a fiadora opôs embargos do devedor contra a empresa, alegando nulidade da fiança em razão da falta de outorga uxória de seu companheiro, pois convivia em união estável desde 1975. O companheiro também entrou com embargos de terceiro. O juízo da 11ª Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília rejeitou os embargos da fiadora, mas o Tribunal de Justiça do Distrito Federal reformou a sentença. “Em que pese o Superior Tribunal de Justiça entender não ser cabível à fiadora alegar a nulidade da fiança a que deu causa, ao com-panheiro é admitida a oposição de embargos de terceiro quando não prestou outorga uxória na fiança prestada por seu par”, afirmou o TJDF. Como foram acolhidos os em-bargos do companheiro, para declarar nula a fiança prestada pela fiadora sem a outorga uxória, o TJDF entendeu que deveria julgar procedentes os embargos apresentados pela própria fiadora, a fim de excluí-la da execução. No STJ, a empresa sustentou a validade da fiança recebida sem a outorga uxória, uma vez que seria impossível ao credor saber que a fiadora vivia em união estável com o seu companheiro. O Ministro Salomão, em seu voto, registrou que o STJ, ao editar e aplicar a Súmula nº 332 – a qual diz que a fian-ça prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia –, sempre o fez no âmbito do casamento. Se alguém pretende negociar com pessoas casadas, é necessário que saiba o regime de bens e, eventualmente, a projeção da ne-gociação no patrimônio do consorte. A outorga uxória para a prestação de fiança, por exemplo, é hipótese que demanda “absoluta certeza, por parte dos interessados, quanto à disciplina dos bens vigentes, segurança que só se obtém pelo ato solene do casamen-to”, segundo o relator. Ao analisar os institutos do casamento e da união estável à luz da jurisprudência, Salomão disse que não há superioridade familiar do primeiro em relação ao segundo, mas isso não significa que exista uma “completa a inexorável coincidência” entre eles. “Toda e qualquer diferença entre casamento e união estável deve ser analisa-da a partir da dupla concepção do que seja casamento – por um lado, ato jurídico solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico, e, por outro lado, uma entidade familiar, das várias outras protegidas pela Constituição”, afirmou o ministro. “O casamento, tido por entidade familiar, não se difere em nenhum aspecto da união estável – também uma entidade familiar –, porquanto não há famílias timbradas como de segunda classe pela Constituição de 1988”, comentou. Salomão concluiu que só quando se analisa o casamento como ato jurídico formal e solene é que se tornam visíveis suas diferenças em relação à união estável, “e apenas em razão dessas diferenças que o tratamento legal ou jurisprudencial diferenciado se justifica”. Para o relator, a questão da anuência do cônjuge a determinados negócios jurídicos se situa exatamente neste campo em que se justifica o tratamento diferenciado entre casamento e união estável. • Escritura pública: Luis Felipe Salomão não considerou nula nem anulá-vel a fiança prestada por fiador convivente em união estável, sem a outorga uxória, mes-mo que tenha havido a celebração de escritura pública entre os consortes. Ele explicou que a escritura pública não é o ato constitutivo da união estável, “mas se presta apenas como prova relativa de uma união fática, que não se sabe ao certo quando começa nem quando termina”. Como a escritura da união estável não altera o estado civil dos con-viventes, acrescentou Salomão, para tomar conhecimento dela, o contratante teria de

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240 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – CLIPPING JURÍDICO

percorrer todos os cartórios de notas do Brasil, “o que se mostra inviável e inexigível”. Nº do Processo: REsp 1299894. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Denunciação da lide não pode se basear em fato estranho à ação

Não se admite denunciação da lide nos casos em que é exigida a análise de fato novo, inexistente na ação principal. Essa foi a conclusão a que chegou o STJ, ao julgar recurso da Caixa Econômica Federal (CEF) contra avalista de um contrato financeiro. O avalista ajuizou ação de indenização por danos morais contra a CEF. Alegou que, mesmo tendo quitado o débito de um financiamento do qual era avalista perante a instituição bancá-ria, seu nome foi inscrito nos cadastros de inadimplência da Serasa e do SPC. A CEF, ao contestar a ação, requereu a denunciação da lide à sociedade de advocacia responsável pelo processamento da execução contra o avalista. Sustentou que houve descumprimen-to de cláusula do contrato de serviço de advocacia, ou falha profissional, por não terem informado ao banco sobre o depósito feito pelo avalista. O juízo de primeiro grau não aceitou o pedido de denunciação da lide, e o entendimento foi mantido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). A CEF sustentou que o art. 70, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC) foi violado, pois é indispensável a denunciação da lide àquele que estiver obrigado por contrato a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem perder a demanda. No STJ, a Quarta Turma ratificou o entendimento do TRF4. De acor-do com o Relator do recurso, Ministro Raul Araújo, para que a denunciação da lide fosse admitida nesse caso, seria necessária a análise de fato novo, diverso daquele que moti-vou a ação de reparação por danos morais (a indevida negativação do nome do avalista). Segundo o relator, teria de haver nesse caso “a demonstração, por parte da instituição financeira denunciante, de que a sociedade de advogados agira com falha no patrocínio da ação de execução”. Raul Araújo explicou que não é admissível a denunciação da lide embasada no art. 70, III, do CPC quando introduzir fundamento novo à causa, estranho à questão principal, capaz de provocar uma lide paralela, que exija ampla produção de provas. Ao citar precedentes sobre o assunto, o ministro destacou que aceitar fato novo, não levantado na ação principal, tumultuaria a lide originária e ofenderia os princípios da celeridade e economia processuais – aos quais essa modalidade de intervenção de terceiros busca atender. Ele ressaltou ainda que o entendimento do STJ não impede a CEF de ajuizar ação de regresso contra a sociedade de advocacia. Nº do Processo: REsp 701868. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 25�03�2014

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Resenha Legislativa

LEI

lei nº 12.955, de 05 de feveReiRo de 2014

Acrescenta § 9º ao art. 47 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Esta-tuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer prioridade de trami-tação aos processos de adoção em que o adotando for criança ou adoles-cente com deficiência ou com doença crônica.

Fechamento da Edição: 25�03�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• Arbitragem e Propriedade Intelectual Manoel J. Pereira dos Santos Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

• Arbitragem Internacional em Propriedade Intelectual Pedro Eichin-Amaral Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

• Direito de Propriedade Intelectual: Brasil é Apontado pelos EUA como um dos Maiores Mercados Mundiais de Pirataria

Eliane M. Octaviano Martins Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

ProPriedade intelectual

• Introdução à Propriedade Intelectual e aos Re-quisitos para o Registro de Propriedade Inte-lectual Biotecnológica no Brasil (HidembergAlves da Frota) .....................................................12

• Licença de Uso de Propriedade Intelectual e Imagem (Márcio Costa de Menezes Gonçalvese Eduardo Ribeiro Augusto) ...................................9

Autor

eduardo ribeiro augusto e márcio costa de menezes gonçalves

• Licença de Uso de Propriedade Intelectual eImagem .................................................................9

Hidemberg alves da Frota

• Introdução à Propriedade Intelectual e aos Re-quisitos para o Registro de Propriedade Inte-lectual Biotecnológica no Brasil ...........................12

márcio costa de menezes gonçalves e eduardo ribeiro augusto

• Licença de Uso de Propriedade Intelectual eImagem ................................................................9

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

ProPriedade intelectual

• Agravo regimental no agravo no recurso espe-cial – Propriedade intelectual – Ação de co-brança – ECAD – Direitos autorais – Espetáculo ao vivo – Autor da obra como intérprete – Lega-lidade (STJ) ................................................7891, 44

EMENTÁRIO

ProPriedade intelectual

• Dano moral e material – site na Internet – cria-ção intelectual – contrafação – não configu-ração .........................................................7892, 50

• Direito autoral – propriedade intelectual – obra cinematográfica – uso indevido – direito de ex-clusividade – inexistência de prova – indeniza-ção indevida ..............................................7893, 50

• Propriedade industrial – marca – notoriamente conhecida – declaração .............................7894, 50

• Propriedade intelectual – ação de abstenção de uso de marca – indenizatória .....................7895, 51

• Propriedade intelectual – ação ordinária de anu-lação de ato administrativo emanado do INPI– pedido julgado improcedente .................7896, 52

• Propriedade intelectual – contrafação – pro-gramas de computador (software) – caráter pu-nitivo e pedagógico ...................................7897, 53

• Propriedade intelectual – crime – violação de direito autoral – dolo – tipicidade ..............7898, 53

• Propriedade intelectual – patentes pipeline –prazo de validade .....................................7899, 54

• Propriedade intelectual de programa de com-putador – contrafação – proteção cautelar .. 7900, 54

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

ato Processual

• A Relativização da Publicidade dos Atos Pro-cessuais Praticados por Via Eletrônica (AdrianeMedianeira Toaldo e Osmar Rodrigues) ...............81

Juizado esPecial cível

• Considerações Críticas sobre o Diagnóstico do IPEA em Relação aos Juizados Especiais Cíveis(Carlos Henrique Soares) .....................................56

negócio Jurídico

• A Conversão Substancial do Negócio Jurídi-co Anulável (Análise da Aplicação do Insti-tuto na Seara do Direito Contratual Brasileiro)(Euzébio Henzel Antunes) ..................................116

teoria da causa madura

• Questões Polêmicas Relacionadas à Teoria da Causa Madura (Fernanda Kretzmann PiresGomes) ................................................................99

Autor

adriane medianeira toaldo e osmar rodrigues

• A Relativização da Publicidade dos Atos Pro-cessuais Praticados por Via Eletrônica .................81

carlos Henrique soares

• Considerações Críticas sobre o Diagnóstico do IPEA em Relação aos Juizados Especiais Cíveis ............................................................................56

euzébio Henzel antunes

• A Conversão Substancial do Negócio Jurídi-co Anulável (Análise da Aplicação do Institutona Seara do Direito Contratual Brasileiro) .........116

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244 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Fernanda Kretzmann Pires gomes

• Questões Polêmicas Relacionadas à Teoria da Causa Madura ....................................................99

osmar rodrigues e adriane medianeira toaldo

• A Relativização da Publicidade dos Atos Proces-suais Praticados por Via Eletrônica ......................81

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

Honorários de advogado

• Da Revogação Tácita da Regra de Compensa-ção dos Honorários Advocatícios Quando Ha-vida Sucumbência Recíproca (Tiago FigueiredoGonçalves) ........................................................226

Autor

tiago Figueiredo gonçalves

• Da Revogação Tácita da Regra de Compensa-ção dos Honorários Advocatícios Quando Ha-vida Sucumbência Recíproca .............................226

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

contrato

• Contratos bancários – Cédula rural – Securiti-zação – Banco do Brasil e União – Revisão – Código de Defesa do Consumidor – Correção monetária – Encargos moratórios – Multa con-tratual (TRF 4ª R.) .....................................7906, 183

execução

• Processual civil – Execução de título extrajudi-cial – Penhora mensal de margem consignável de 30% – Impossibilidade – Verba de nature-za salarial – Impenhorabilidade – Art. 649, IV, do CPC – Precedentes desta Corte e do STJ(TRF 5ª R.) ...............................................7907, 193

litisPendência

• Processual civil – Mandado de segurança – Ape-lação cível – Ações com identidade de partes, pedido e causa de pedir – Litispendência – Configuração – Extinção da ação sem resolu-ção do mérito – Apelação a que se nega provi-mento (TRF 1ª R.) .....................................7903, 157

multa

• Processual civil – Obrigação de fazer – Apli-cação de multa contra a fazenda pública (astreintes) – Possibilidade – Multa diária – Re-dução – Possibilidade – Apelo parcialmenteprovido (TRF 3ª R.) ..................................7905, 175

PenHora

• Processual civil e tributário – Deferimento da penhora via Bacen Jud – Adesão ao parcela-mento instituído pela Lei nº 11.941/2009 – Au- sência de comunicação ao juízo – Posterior efetivação da medida constritiva – Manutençãoda garantia – Inviabilidade (STJ) ...............7901, 138

sFH

• SFH – Agravos retidos – Liquidação antecipa-da – MP 1.768-29/1998 – Novação – Saldo re-sidual(TRF 2ª R.) ......................................7904, 164

sociedade

• Recurso especial – Direito civil e societário – Al-teração de contrato social – Ingresso de novos sócios e estabelecimento de regra específica para alienação de bens – Procuração que via-bilizava transferência de bens imóveis a sócio retirante outorgada sob a vigência do novo es-tatuto – Alteração do contrato social realizada antes da lavratura da procuração, contudo le-vada a registro público em menos de 30 dias – Retroação de efeitos do registro – Vício de presentação – Invalidade da procuração e da promessa de dação em pagamento – Não con-figuração de ato ilícito por parte da sociedade – Arts. analisados: 17 e 159 do CC/1916 e 36 da Lei nº 8.934/1994 (STJ) ............................7902, 144

EMENTÁRIO

ação cautelar

• Ação cautelar de exibição de documento – con-trato bancário – requerimento extrajudicial –desnecessidade ........................................7908, 197

ação de anulação

• Ação de anulação de ato jurídico c/c indeni-zação por danos morais – contrato compra e venda de toner entre particulares – alegação devício oculto .............................................7909, 197

ação declaratória

• Ação declaratória de inexigibilidade de dé-bito – indenização por danos morais e à ima-gem – insurgência do réu .........................7910, 197

ação de cobrança

• Ação de cobrança – responsabilidade contra-tual – juros de mora – citação – correção mo-netária – termo inicial ..............................7911, 197

• Ação de cobrança – seguro de veículo – aci-dente de trânsito – embriaguez de terceiro con-dutor – juros de mora – termo inicial .......7912, 197

ação de adimPlemento contratual

• Ação de adimplemento contratual – aplica-ção do Código do Consumidor – possibilidade ................................................................7913, 198

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RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������245

ação de obrigação de Fazer

• Ação de obrigação de fazer – descumprimento– astreintes – tutela antecipada ................7914, 198

ação monitória

• Ação monitória – cheque prescrito – prazo pres-cricional ..................................................7915, 199

cédula de crédito

• Cédula de crédito industrial – utilização parasaldar débitos anteriores – possibilidade ..7916, 200

comPetência

• Competência territorial – interesse do jurisdicio-nado – domicílio da pessoa natural – lugar on-de exerce a profissão ...............................7917, 200

comPra e venda

• Compra e venda – pedido de rescisão – reinte-gração de posse .......................................7918, 201

consórcio

• Consórcio – prazo para devolução das parcelas pagas – consorciado desistente ................7919, 202

contrato

• Contrato bancário – ação revisional – cédulas de crédito rural – prescrição ....................7920, 203

dano moral

• Dano moral – erro médico – óbito – negligên-cia no atendimento da paciente – reexame deprova .......................................................7921, 203

• Dano moral – inserção indevida – órgãos de proteção ao crédito – valor – adequação – re-dução ......................................................7922, 203

• Dano moral – outdoor – direito de retratação– decadência ...........................................7923, 203

deFesa do consumidor

• Defesa do consumidor – administradora de shopping center – explosão por vazamento de gás – cadeia de fornecimento – responsabili-dade solidária ..........................................7924, 204

• Defesa do consumidor – comissão de correta-gem – responsabilidade pelo pagamento do ven-dedor – cláusula abusiva – devolução em do-bro – cabimento ......................................7925, 204

• Defesa do consumidor – compra e venda pela Internet – atraso na entrega – produto defeituoso – vício não sanado após trinta dias – inadim-plemento contratual .................................7926, 204

• Defesa do consumidor – imóvel na planta – atraso na entrega – culpa exclusiva da cons-trutora – rescisão do contrato – aplicabilidade ................................................................7927, 205

• Defesa do consumidor – instituição financeira – operação decorrente de fraude de terceiros – registro nos serviços de proteção ao crédito – violação dos direitos de personalidade – danomoral .......................................................7928, 208

• Defesa do consumidor – Internet – relação de consumo – provedor de hospedagem de blogs– incidência .............................................7929, 209

• Defesa do consumidor – provedor – mensagemde conteúdo ofensivo – dano moral .........7930, 209

denunciação da lide

• Denunciação da lide – impossibilidade – nãoobrigatoriedade .......................................7931, 210

• Denunciação da lide – sociedade de advogados – ação de reparação por danos morais – ins-crição indevida em cadastro de inadimplentes ................................................................7932, 210

desPeJo

• Despejo – pedido de assistência judiciária gra-tuita – ausência de preparo ......................7933, 211

execução

• Execução contra a Fazenda Pública – ação co-letiva – honorários de advogado – cumulativi-dade ........................................................7934, 211

• Execução contra devedor solvente – ausência de comprovação de pagamento de custas – de-serção ......................................................7935, 212

• Execução de título extrajudicial – desconside-ração da personalidade jurídica – indeferimen-to – falta dos requisitos autorizadores ......7936, 212

• Execução provisória – obrigação de fazer –astreintes – possibilidade .........................7937, 213

Falência

• Falência – habilitação de créditos – honoráriosde advogado ............................................7938, 213

Honorários sucumbenciais

• Honorários sucumbenciais – cessão de crédito ................................................................7939, 213

interdição

• Interdição – autorização para contrair emprés-timo em nome do curatelado – reforma deimóvel – pedido indeferido ......................7940, 213

medida cautelar

• Medida cautelar – processo falimentar – arre-cadação de bens do sócio – imóvel residencial– respeito à meação do ex-cônjuge ..........7941, 214

menor

• Menor – ação de regulamentação de visitas pro-posta por avó paterna – conexão – ação de mo-

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246 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 88 – Mar-Abr/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

dificação de guarda e regulamentação de visi-tas proposta por pai – possibilidade .........7942, 214

• Menor – direito internacional privado – con-venção – sequestro internacional de crianças –cooperação jurídica entre Estados ............7943, 215

nota Promissória

• Nota promissória – local de emissão e de paga-mento – ausência na cártula ....................7944, 215

notiFicação

• Notificação – mudança de endereço do deve-dor fiduciante – não comunicação ao credorfiduciário – validade ................................7945, 216

Petição

• Petição – agravo regimental em agravo em re-curso especial – intempestividade ............7946, 216

Prazo

• Prazo recursal simples – intempestividade – litis-consórcio desfeito ....................................7947, 216

Prescrição

• Prescrição – sobre-estadia de contêineres (demurrage) – revogação do art. 449 do Códi-go Comercial pelo Código Civil de 2002 .. 7948, 216

recuPeração Judicial

• Recuperação judicial – crédito – impugnação ................................................................7949, 217

recurso

• Recurso – interposição via fac-símile – corres-pondência entre petição transmitida por fax e aoriginal – ausência ...................................7950, 217

rePresentação Processual

• Representação processual – procuração origi-nária – cópia incompleta .........................7951, 217

resPonsabilidade civil

• Responsabilidade civil – ação condenatória –atraso de voo – indenização devida .........7952, 217

• Responsabilidade civil – acidente de trânsito – atropelamento – morte do transeunte – inde-nização ....................................................7953, 218

• Responsabilidade civil – acidente de trânsito – morte de marido e pai dos autores – dano mo-ral – indenização .....................................7954, 219

• Responsabilidade civil – cartão de crédito rou-bado – danos morais e materiais – sociedade titular da bandeira – responsabilidade solidária ................................................................7955, 221

• Responsabilidade civil – rescisão contratual – veículo – inadimplemento – devolução de va-lores ........................................................7956, 222

• Responsabilidade civil do empregador – aci-dente de trânsito – danos extrapatrimoniais epatrimoniais .............................................7957, 222

seguro

• Seguro coletivo – renovação contratual pela seguradora – recusa – pretensão de reparaçãode danos morais – prescrição ...................7958, 222

• Seguro de vida e acidente pessoais – indeni-zação .......................................................7959, 222

sentença

• Sentença estrangeira – ofensa à ordem públi-ca nacional – homologação – impossibilidade ................................................................7960, 224

sociedade

• Sociedade – ação de dissolução – prequestio-namento – ausência .................................7961, 224

• Sociedade empresária – aumento – capital social– integralização .......................................7962, 224

título de crédito

• Título de crédito – protesto indevido – reconsi-deração ...................................................7963, 224

título executivo

• Título executivo – Fazenda Pública – inscrição em dívida ativa – honorários ....................7964, 225

CLIPPING JURÍDICO

• Representante comercial deve ser indenizado com base na lei vigente na assinatura do con-trato ...................................................................234

• Negado recurso contra indenização à Varig por congelamento de tarifas .....................................234

• Família será indenizada devido a falecimentode segurado após negativa de atendimento........235

• Registro de concorrente na Junta Comercial não impede empresa de usar marca concedidapelo INPI ...........................................................236

• Em ação de prestação de contas, herdeiros po-dem substituir pai falecido .................................237

• Ausência de bens e dissolução irregular da em-presa não autorizam desconsideração da per-sonalidade jurídica ............................................238

• É válida fiança prestada durante união estável sem anuência do companheiro .........................238

• Denunciação da lide não pode se basear em fa-to estranho à ação .............................................240

RESENHA LEGISLATIVA

lei

• Lei nº 12.955, de 05 de fevereiro de 2014 .........241