Revista Verde Novo

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1 ANO 1 | Nº #ZERO | ABRIL | MAIO | JUNHO | 2010 REVISTA DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL DA BAHIA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA | SALVADOR E REGIÃO METROPOLITANA Baía de Todos os Santos O que há por trás desse paraíso? Especial

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Jornalista Orientadora Carmen Vasconcelos

Repórteres Hilton Souza

Sandra Andrade

Projeto Gráfi co e Direção de ArteHilton Souza

Fotos:Antônio Moraes Ribeiro

Associação Bahiana de Amigos do Caminho de Santiago Erivan MoraisHilton SouzaJuliana Dias

Leonardo AraújoLuydy Abraham

Manu DiasMartine et Christian

Necton SubRoberta Luckmann

Robson Mendes Tiago Fernandez

Cartum

Paulo Serra

RevisãoElisângela Mendes

Produção Executiva Sandra Andrade

ComercialHilton Souza

Colaboraram nesta ediçãoEveraldo Queiroz

Paulo Serra

CoordenadoraGraça Rossetto

ImpressãoCopiadora Universitária

A impressão desta revista é realizada dentro do conceito de desenvolvimento limpo. O papel utilizado é reciclado e produzido

com matéria-prima certifi cada e credenciada pelo FSC - Forest Sterwardship Council. Em todas as etapas de produção aplicadas

existe uma preocupação com os resíduos gerados.

www.revistaverdenovo.com.brA REVISTA VERDE NOVO é um projeto piloto dos formandos do curso de Jornalismo da Estácio | FIB. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como avaliação fi nal do 8° semestre aos professores Mahomed Bamba e

Renato Nascimento, sob a orientação da professora Carmen Vasconcelos.

A revista não se responsabiliza por opiniões emitidas em artigos e colunas

assinadas. Esses materiais são de responsabilidade de seus autores.

Revista Verde Novo ENDEREÇO: Rua Xingu, nº 179, Jardim Atalaia/STIEP Salvador - Bahia. Tel: (71) 9126-4926 | (71) 9981-0106

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Seguem nas próximas páginas a concretização de quatro anos de curso e tudo que aprendemos e se reflete entre as linhas, fotos e em toda arte gráfica desse material. Para nós, essa revista é mais que um trabalho de conclusão de curso. É a nossa oportunidade de ingressar no mercado de forma empreendedora, criando e trazendo novas possibilidades para a área de comunicação.

Ora, decerto que somos jovens e ainda inexperientes nessa grande arte de fazer e ser jornalistas. Mas a VerdeNovo nos ensinou que é preciso ter ousadia, coragem e determinação para buscar a informação de qualidade e trazer até os nossos leitores.

Foi preciso driblar todas as dificuldades de ser apenas um estudante para conseguir um retorno das assessorias, para lidar com a produção de um material vasto e delicado e fazer malabarismos para conseguir conciliar os compromissos profissionais com as entrevistas e viagens que precisaram ser feitas.

A escolha do tema, meio-ambiente é idéia antiga de Hilton Souza, cuja trajetória trouxe as causas ambientais para a sala de aula. A parceria com Sandra Andrade vem de uma afinidade de trabalho e mesma vontade de fazer desse produto um trabalho sério. Em comum acordo com a nossa orientadora, resolvemos falar de Baía de Todos os Santos por ser um assunto próximo e intimamente relacionado ao dia a dia dos baianos.

Enfim, eis a Revista VerdeNovo, Edição Zero e estejam certos que este é só o primeiro número de muitos que virão.

Um forte abraço,

Hilton Souza Sandra Andrade

Editorial

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Os desafios da Ponte Salvador / Itaparica

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Revitalizaçãodo Porto deSalvador

Um texto sobre a Baíade Todos os

Santos

06 Sustentabilidade

na BTS

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Ilha de Maré

20descaso e abandono continuam 27

Contaminação de pescados em Ilha de Maré

Salinas da Margarida

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Do mangue à chefia da casa

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Mulheres daIrmandade

Tombamentodo Rio Paraguaçu

44Caminhos do

Iguape

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Abre Aspas com Juliano Matos

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Índice

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É um sentimento de pertencimento que deve ser cultivado.

Chegamos a mais uma semana do meio ambiente com notícias bombásticas! Haverá uma mudança radical. Liguem os holofotes, os microfones e as câmeras. Muda tudo na questão ambiental, em nosso estado.

Mas, a Semana é voltada para discutir o que deve ser preocupação a cada segundo. Será aberta com caminhadas, debates, matérias jornalísticas de denúncias e cadernos especiais.

Pela complexidade da ação, é necessária uma avaliação mais profunda, transversal, histórica e interdisciplinar para que possamos discutir, com propriedade, essa proposta. Em resumo, poderíamos classifi car os impactos na BTS em escala temporal, espacial e potencial de risco.

São 510 anos de ocupação desordenada, seguindo todos os tipos de impacto antrópicos, fruto de cada época, a exceção da energia nuclear. Aí, já seria demais!

Vejamos, de forma bastante reduzida, e sujeita a contestações, a história desses impactos:

1. Pau-Brasil - Escambo com franceses, intermediado por Caramuru, até o início dos anos cinqüenta, século XVI. Impacto de médio porte, durante séculos.

2. Ciclo da cana-de-açucar. Início dos anos 50, século XVI. Impacto de pequeno porte. Até os dias de hoje, em franca expansão, devido à política dos biocombustíveis.

3. Caça às baleias - Início do século XVII até os anos 40, século XX. Impacto de pequeno porte.

4. Petróleo. Anos 30, século XX. Impacto de grande porte, envolvendo o ambiente e as populações da BTS. Diversos municípios. Permanece até os dias atuais.

5. Indústria petroquímica. Anos 60, século XX. Impacto de grande porte, a exemplo do petróleo, atinge populações e os seus ambientes.

6. Ocupação desordenada. Desde o século XVI. Diversas escalas de tempo e espaço. Sendo um fator de migração diferenciado, a depender a região a ser considerada.

7. Carnicicultura. Início dos anos 80, século XX. Baixo impacto, em escala da BTS, mas de alto risco para região de Salinas, onde foi instalada.

Biólogo e Presidente da Associação Nacional para

Educação Ambiental em Áreas de Manguezal (EDUMANGUE)

Um texto sobre a Baía de Todos os Santos

Foto: Arquivo pessoal

Por Everaldo Queiroz

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Opinião

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8. Portos. A ocupação da BTS por portos, dentro de uma perspectiva de navegação de grande porte, tem início, como em todo Brasil, no século XIX. Hoje, podemos considerar que os portos oferecem um alto risco ao ambiente, pelas suas práticas ocupacionistas e expansionistas.

A contaminação por mercúrio, na enseada dos Tainheiros e por cádmio e chumbo, no rio Subaé, são impactos de altíssimo risco, porém difusos, fruto de uma política governamental, implantada a partir de década de 50, século XX. A pesca com bombas, marinas, resorts, ocupação da ilhas, desmatamentos, barragens e outros, também poderiam, e devem, ser elencados. Mas, na história da conservação, temos dois marcos a considerar: 1) As primeiras iniciativas para conservação de áreas e 2) O envolvimento das comunidades e instituições.

Queremos tainhas, ariacós, carapicus, carapebas, caranguejo uca, ostra, sacaraúna, preguari, taiaoba,

sururu, agulhinha, siri-bóia, caxangá, chumbinho, lambreta, savagem, e peixe-galo. Queremos sim, o nosso bijupirá. Queremos o nosso solitário bijupirá.

Discutir a BTS sob a ótica do BAHIA AZUL, é outro equívoco. Um projeto falido, ultrapassado e gerador de impactos signifi cativos. Principalmente, em relação à contaminação de metais pesados.

Discutir o futuro da BTS é discuti-la sob a expectativa e perspectiva de retorno da vida, em sua mais alta expressividade. A vida das baleias jubartes.

Discutir a BTS como a grande fornecedora de alimento para seu povo, que, felizmente, não evoluiu para consumir o ferro dos navios, nem as fumaças das chaminés. Uma baía maternidade, berçário e supermercado da vida marinha. Portanto, se existir um futuro para BTS que seja um futuro de paz, inclusive sem as bombas no seu mar.

CARTUM PAULO SERRA

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Obras do Porto de Salvadorsão iniciadas

Revitalizaçãode um Porto

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TextoHilton Souza

Sandra Andrade

Especial BTS

A modernização do Porto de Salvador começa a se tornar realidade. O projeto recebeu do governo federal R$ 30 milhões para o início das obras, segundo o presidente da Companhia das Docas da Bahia (Codeba), José Rebouças.

A obra contempla a ampliação do quebra-mar norte em 405 metros e contará também com a execução de dois berços de atracação, num total de 544 metros de cais de acostagem. O objetivo é proporcionar estrutura e modernidade tecnológica para a expansão

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do comércio marítimo no estado. O projeto do Porto de Salvador integra-se à construção do Pólo Naval e do Porto Sul, transformando o atual cenário baiano.

Segundo o prefeito de Salvador, João Henrique, a nova proposta deve contemplar aspectos que coloque o terminal em grau de competitividade com outras cidades: „O porto que temos hoje é defasado e não atende mais ao novo urbanismo de Salvador e das cidades aeroportuárias do mundo. Ele não deve servir somente para recebimento e despacho de cargas. Ele é a entrada da cidade pra muita gente que vem dos cruzeiros, dos grandes transatlânticos. Então eu creio nisso, que o porto deve ter uma utilização turística com enfoque socioeconômico, e também de carga e descarga‰.

Os recursos iniciais serão utilizados na modernização dos armazéns I e II. O primeiro deverá ser entregue à cidade, através da iniciativa privada, com previsão de liberação da licitação da Codeba para o próximo semestre. As propostas devem passar por avaliações técnicas e econômicas, sendo que o ganhador poderá explorar o armazém I por tempo determinado em contrato.

O armazém II, com a revitalização, será o novo terminal de passageiros com 40 mil m de área climatizada, com infraestrutura necessária para receber os turistas dos cruzeiros marítimos. Está prevista também a transformação da área em frente ao Mercado Modelo

numa grande praça sem trânsito, unindo o Mercado, o porto e o terminal de lanchas.

A idéia é unir a região às obras do porto, incluindo também a área onde hoje abriga a Base Naval. Todas essas modificações são pensadas no projeto da Via Portuária, obra do governo federal. O vice-prefeito, Edvaldo Brito, afirma que serão feitos contatos com a Marinha do Brasil para estudar a permuta para a área da Base Naval, sendo esta transferida para outro local da cidade.

„O que interessa é que o porto é de Salvador, o que significa integrá-lo à economia da cidade, com todas as providências necessárias para isso, viabilizando o projeto de utilização dos armazéns e sua integração com o Mercado Modelo para incrementar a atividade de quem trabalha nesse local‰, acrescenta Brito.

Para o coordenador do Escritório de Revitalização do Comércio, Marcos Cidreira, esse projeto está atrasado em relação a outras cidades e países. Mas, com a parceria dos governos federal, estadual e municipal, juntamente com a iniciativa privada, têm tudo para certo, afirma Cidreira. Ele também adianta que o porto contará com lojas, restaurantes, atrativos turísticos e acesso facilitado dos turistas ao centro histórico. „A possibilidade de conhecer o bairro do Comércio, navegar pela Baía de Todos os Santos, aquecerá o turismo em Salvador‰, acredita Cidreira.

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Via Expressa Baía de Todos os Santos contempla obra do Porto

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Via Expressa

Com investimento de R$ 381 milhões, numa parceria entre os governos federal e estadual dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as obras de ampliação do porto integram o projeto Via Expressa Baía de Todos os Santos, que terá 4.297 metros de extensão.

As obras têm por objetivo desafogar o trânsito na capital baiana na região da Rótula do Abacaxi. Terá também a finalidade de ligar a BR-324 ao Porto de Salvador, por meio de seis viadutos que estão em construção. De acordo com o Secretário de Planejamento da Bahia, Antônio Alberto Valença, a primeira fase da obra que compõe dois trechos iniciais, que envolve a Rótula do Abacaxi e Barros Reis, está prevista para o final de junho e início de julho deste ano.

„A segunda fase que facilita o escoamento da produção baiana para o Porto do Comércio tem uma previsão mais prolongada, estima-se que no segundo semestre de 2011 esteja finalizada, já que necessita de três túneis perfurados‰, afirma o secretário.

Riscos ambientais

A Baía de Todos os Santos (BTS) é o ponto chave das questões ambientais, principalmente quando se refere aos métodos de sustentabilidade local que serão aplicados durante as grandes obras previstas para os próximos anos. A ocupação da Baía brasileira por portos tem preocupado ambientalistas e entidades de proteção ambiental.

Um fator preocupante, segundo o biólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Miguel Accioly é o uso desordenado do território que complica a conservação da área. „Temos três portos, indústrias, uma grande cidade como Salvador debruçada pela baía. Então, todas essas ações estão descoordenadas‰, garante o professor, ao se referir às regiões excessivamente poluídas por metais pesados, que, para ele, não há pretensão de serem removidos do fundo do mar.

O manejo de produtos químicos e o risco de contaminação são ainda maiores, quando se trata do processo de dragagem de canais na área. De acordo com o biólogo Everaldo Queiroz, o processo de dragagem dos sedimentos no fundo da BTS é perigoso, pois há um risco na remobilização desses metais pesados que estão condensados há centenas de anos. O levantamento desses componentes químicos pode gerar grave intoxicação na população ao redor da Baía.

O coordenador executivo do Grupo de Ambientalistas da Bahia (Gambá), Rogério Mucugê, atenta para o fluxo dos navios que trazem espécies exóticas de outros oceanos. Ele se refere às águas dos lastros, acumuladas na parte submersa das embarcações para lhes dar

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Foto: Robson Mendes

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equilíbrio. Essas águas são retiradas e despejadas nas regiões costeiras, onde há maior concentração de organismos vivos e deveria ser devolvida em alto mar, cujo volume de espécies é menor.

Um exemplo próximo de provável invasão é o aparecimento na costa baiana do Charybdis hellerii, siri originário dos mares do Caribe. Essa espécie foi observada por especialistas na Baía de Todos os Santos e, além de não apresentar valor comercial, é predador das espécies nativas de crustáceos do bioma da BTS.

Pesquisas em alto mar

Em outubro de 2008, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) emitiu Licença Prévia, válida por quatro anos, para ampliação do Porto de Salvador. As atividades de arqueologia subaquática na Baía de Todos os Santos demoraram mais de um ano para

serem iniciadas e tiveram seus primeiros passos em janeiro desse ano.

O levantamento arqueológico exigido por lei para as obras de ampliação do terminal envolve análises para a extensão do quebra-mar e dragagem da entrada norte, zona de manobra e de atracamento. Os estudos antropológicos e da arqueologia foram coordenados pelo Prof. Carlos Caroso, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia.

As atividades de campo foram executadas pelo arqueólogo Leandro Duran, do Centro de Arqueologia Náutica e Subaquática (CEANS) do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com o apoio de dois assistentes. Para a prática dos estudos foram utilizados de um scanner para identificação de anomalias.

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Construção da ponte Salvador/Itaparica

causa polêmica no estado

Os desafiosda ponte

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Inovação

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Foto: Divulgação/Agecom

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TextoHilton Souza

Sandra Andrade

Reduto dos veranistas soteropolitanos e conhecida nacionalmente por ser cenário de livros do escritor João Ubaldo Ribeiro, a Ilha de Itaparica tornou-se centro de discussão na política baiana. O projeto de construção da ponte que ligará Salvador ao município de Vera Cruz tem causado polêmica entre ambientalistas e o governo.

O resultado do processo de manifestação de interesse em relação à execução da obra deve sair até o final de junho deste ano, de acordo com o atual secretário de planejamento do estado, Antônio Alberto Valença. As construtoras OAS e Odebrecht apresentaram seus projetos, mas ele cogita a participação de empresas internacionais na concorrência, por causa do tamanho da obra.

Com 12 km de extensão e mais de R$ 1,5 bilhões de investimentos, a construção visa integrar a economia da Região Metropolitana de Salvador a praticamente todo o estado, desde o recôncavo ao Porto Sul. Quilômetro zero da BA-242, que começa no Porto

de Salvador, a ponte vai permitir o acesso direto da BR 101 e da BR 116 aos portos da capital, Aratu e Pólo Naval, favorecendo o transporte da produção de grãos do Oeste por essas vias.

Os benefícios apresentados pelo governo parecem não parar por aí, além do incremento da atividade turística, a ponte poderá ser mais uma alternativa de locomoção para os moradores da ilha, visto que, problemas com o Terminal Marítimo do Ferry Boat têm sido comuns, principalmente nos períodos de feriados em que o fluxo de embarcações não atende à demanda de passageiros.

Segundo o prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro, a capital sofre com a densidade populacional que é de 10mil habitantes por km e não há como conceber a cidade sem um vetor de desenvolvimento daqui a 20 anos.

„O que nos falta é território, então a ponte vai praticamente anexar o nosso território com outros municípios como Mar Grande, Vera Cruz e Itaparica. Teremos aí uma condição de melhor qualidade de vida para as pessoas que vão morar do lado de lá e trabalhar do lado de cá‰, acredita o prefeito.

Mas, mesmo com tantas possibilidades de desenvolvimento, ambientalistas, moradores e o próprio prefeito do município têm mostrado receio quanto aos impactos que a obra pode causar ao ambiente.

O prefeito de Vera Cruz, Antônio Magno, diz estar assustado com as proporções da construção e, segundo ele, suas maiores preocupações são a ocupação desordenada das áreas de preservação da ilha e o risco de especulação imobiliária.

O biólogo e morador da Ilha, Everaldo Queiroz, afirma que conhece todas as fases da Ilha e não quer conhecer a próxima. Ele teme a ação predadora desse empreendimento: „E o manguezal, o recife de coral, a mata atlântica? E os pescadores? Será que a população da Ilha quer?‰

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Foto: Hilton Souza

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Para ele, é um lugar especial e de recursos limitados. „Se a ilha hoje não tem nada é porque o governo nunca investiu naquela área, nunca fez boas escolas, nunca investiu na conservação do meio ambiente. Então a ponte vai resolver o problema da Ilha ou de Salvador?‰, questiona.

Um dos idealizadores do projeto, o deputado federal e ex-secretário de planejamento do estado, Walter Pinheiro, acredita que a construção da ponte é viável do ponto de vista da criação de um novo vetor de desenvolvimento, que é o vetor oeste, permitindo o desafogamento de Salvador e Região Metropolitana.„Tivemos um cuidado maior, de pensar qual o melhor instrumento, a melhor rota. Eu tenho clareza que esse projeto nasce com sustentabilidade, nasce de forma sólida. Porque é um projeto que tende a acontecer, mas não acontecerá no imediatismo que as pessoas querem‰, afirma Pinheiro.

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Foto: Divulgação

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Impactos previstos

A Baía de Todos os Santos pertence a uma ˘rea de Proteção Ambiental (APA), desde 1999, através do Decreto Estadual 7595 e como tal poderá sofrer danos irreversíveis se obras desse nível forem construídas no local.

De acordo com Rogério Mucugê, coordenador executivo do Grupo de Ambientalistas da Bahia (Gambá), a construção traz mudanças não somente no ambiente e na sociedade. „Com a ponte, favoreceremos uma metropolização (sic) da Ilha, da mesma forma que ampliamos a cidade de Salvador, aumentaremos o dado populacional da Ilha, transformando a dinâmica rural e urbana‰

Everaldo Queiroz ressalta que é preciso ter consciência para esse ambiente chamado Baía de Todos os Santos. Por ser um ambiente costeiro e estuarino está perdendo suas qualidades pelo descaso. „O prefeito João Henrique destruiu a qualidade de vida de Salvador e agora quer correr pra ilha. Quer levar o mesmo modelo de desenvolvimento e verticalizar a ilha e a nossa proposta é outra. As pessoas estão insistindo em modelos de desenvolvimento do século passado e continuamos nas mesmas discussões ambientais da década de 60‰.

O geógrafo Ricardo Machado aponta que as construções e reformas no ambiente marinho tendem a poluir o oceano. „Todo manuseio de obras em alto mar dispõe de risco ambiental, seja uma solda, tinta, um anti-corrosivo. Até mesmo o material de construção

de vigas para uma ponte leva ao fundo do oceano, materiais como chumbo, cadmo, mercúrio, dentre outros‰, esclarece.

Para Marcos Cidreira, coordenador do projeto de revitalização do Comércio, a obra evidentemente terá impactos ambientais, mas é um processo natural para o desenvolvimento. Ele compara o trabalho que deverá ser desenvolvido com obras de grandes cidades internacionais.

„São Francisco, Manhattan e até mesmo o Rio de Janeiro têm pontes que para serem construídas geraram inúmeros impactos ambientais, e sofreram grandes intervenções, mas trouxeram emprego e desenvolvimento para essas cidades e sustentam a economia local até hoje‰, afirma Cidreira.

Outras possibilidades

O arquiteto e professor da Universidade Federal da Bahia, Paulo Azevedo afirma que a ponte não revitalizará o Recôncavo, e sim o marginalizará. O arquiteto traçou uma proposta que interliga as regiões industriais e os pólos baianos que contemplam portos, rodovias e a ferrovia leste. Conforme ilustração, a rodovia começaria no CIA, passando pelo Complexo Naval de Aratu, seguiria pela Baía de Todos os Santos ligando o porto à Refinaria Landulfo Alves, cruzando o Paraguaçu ao Estaleiro de São Roque. Da ponte, a via passaria por Salinas das Margaridas e dali até a Ponta do Dendê e através da Ponte do Canal, seria possível atravessar para a contracosta de Itaparica.

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MONITORAMENTO

da BaíaSustentabilidade na BTS depende de liberação de verba do governo estadualTextoHilton Souza

Sandra Andrade

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Estudos & Tecnologia

A Baía de Todos os Santos (BTS) é o ponto chave das questões ambientais no estado da Bahia, principalmente quando se refere aos métodos de sustentabilidade local que serão aplicados durante as grandes obras previstas para os próximos anos. O plano de manejo da BTS sob a coordenação do biólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Miguel Accioly, ainda não tem previsão de início, uma vez que não recebeu os repasses do governo do estado para a execução do projeto.

O convênio para execução do plano na BTS foi assinado em agosto de 2009 pelo Governador Jaques Wagner, os três reitores das universidades públicas do Estado - UFBA, UNEB e UEFS - e envolve cerca de oitenta pesquisadores, professores, visitantes, estudantes de graduação e pós-graduação. O projeto que começou a ser executado com a verba dos pesquisadores está paralisado. „Como coordenador, tive que promover algumas reuniões e gastei bastante dinheiro, precisando até buscar empréstimo em

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Foto: Hilton Souza

banco e até agora nada‰, garante o professor referindo-se à falta repasse de verbas para a execução da pesquisa.

A BTS é uma ˘rea de Preservação Ambiental (APA) e, além de necessitar de um gestor e de um conselho gestor, o plano de manejo é item imprescindível e exigido por lei. Segundo o professor, a Procuradoria Geral do Estado exigiu que fosse feito o levantamento do custo e a autorização da verba para o projeto. „O governo tinha dinheiro para isso em agosto do ano passado, mas houve uma falta de destinação de dinheiro para a execução desse projeto‰, denuncia Accioly.

O atual secretário de meio ambiente do Estado, Eugênio Splenger, diz que o governo pretende colocar o projeto em prática ainda neste ano. „Nós instalamos, em maio, a câmara de compensação ambiental do estado, que discute a aplicação dos recursos destinados para gestão de unidades de conservação e já estabelecemos que a APA é uma área prioritária de investimentos. O termo de referência para contratação desses estudos já está pronto e estamos identificando e chamando empresas que devem pagar a compensação ambiental‰, garante.

Ele explica também que a UFBA pode não ser a única universidade a coordenar esse projeto. „Pode ser coordenado pela UFBA, outra universidade ou Centro de Pesquisa. Com relação à execução do plano pela UFBA, existe realmente um convênio entre a Secretaria do Meio Ambiente (Sema) e a instituição para elaboração de planos de manejo para a BTS, mas queremos potencializar este convênio e, a partir dele, executar o plano. Temos ciência de que a universidade reúne todas as condições técnicas e informações para a execução do programa‰, diz.

A importância de planejar uma área como esta vem da necessidade de identificar os problemas ambientais dela, bem como os seus potenciais. A partir desse diagnóstico é feito um mapeamento por zonas e, para cada uma delas, são elaboradas normas para uso e ocupação dessas localidades. Definindo assim a destinação de cada zona, os tipos de empreendimentos que podem ser construídos, os critérios e o que deve ser proibido em cada zona.

Para isso, é obrigatório que haja a participação dos usuários desse território e o plano seja de conhecimento geral, de modo que a comunidade e empresários possam usar a APA de forma sustentável. Principais

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beneficiados com o manejo, o planejamento do território da BTS implica no bem estar da população residente e serve como uma garantia para investidores nos seus diversos ramos. „Com o plano, empresários teriam mais segurança de saber em qual zona poderiam instalar suas indústrias ou estabelecimentos, o tipo e o tamanho permitido, reduzindo o risco e otimizando o tempo de concessão das licenças ambientais‰, acentua o professor. Elimine o ponto antes de „reduzindo‰

Outros projetos ligado à BTS

Em outros dois projetos em parceria com o Instituto do Meio Ambiente (IMA), a UFBA e a Fapesb tem como prioridade pesquisar e conhecer a Baía e, a partir dos diagnósticos, identificar as melhorias que devem ser feitas. Um deles consiste na elaboração de um Atlas Ambiental da Baía de Todos os Santos e é coordenado pela professora do Instituto de química da UFBA, Tânia Tavares, e elaborado por alunos e professores da Ufba.

Já o projeto de monitoramento e identificação das características sócio-ambientais da Baía de Todos os Santos está a cargo do professor Jaílson Bittencourt, também do Instituto de Química da Ufba. É o projeto Kirimurê e prevê um contrato de 30 anos de duração.

Segundo a técnica responsável pelo projeto no IMA, Érika Campos, a implantação dele está prevista para fim desse semestre. „A expectativa é o que plano seja implantado pela Universidade Federal da Bahia, com a gestão do IMA e com o apoio de recursos financeiros da Petrobrás, que demonstrou interesse em desenvolvê-lo. Neste sentido, a equipe Ufba está terminando a formatação do plano nos padrões Petrobrás e espera-se concluir esta etapa em junho de 2010‰, afirma Érika.

De acordo o secretário de meio ambiente, Eugênio Splenger, outros projetos estão em andamento. Sendo executado há um ano e meio, a Avaliação Ambiental Estratégica também constitui um plano de zoneamento ecológico e visa identificar as atividades econômicas que estão se instalando na BTS para melhor gerir essas atividades.

Também será instaurado um programa de monitoramento da qualidade da água da Baía e terá parceria entre o governo e a iniciativa privada. O secretário explica que a necessidade de monitorar a qualidade da água provém da situação da BTS. Tendo em vista a existência dos portos e de indústrias de petróleo nessa região, a APA ainda recebe uma carga muito grande de esgoto não tratado, prejudicando assim a água

consumida pelas comunidades.

„Esses instrumentos de planejamento, se bem elaborados e depois bem executados em suas diretrizes, permitirão planejar melhor essa ocupação, garantindo obviamente uma melhor qualidade na gestão da qualidade da água, da vegetação e um equilíbrio entre o econômico, social e ambiental‰, ressalta o secretário.

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Descaso e abandono continuam

Ilha de

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Foto: Leonardo Araújo

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TextoHilton Souza

Sandra Andrade

Chegar a Ilha de Maré não é tarefa fácil para visitantes, tampouco para os moradores que sofrem diariamente com a falta de infraestrutura no local. Afinal, é praticamente uma maratona sair e voltar da ilha sem se molhar no embarque e desembarque. Ao que tudo indica, esse incômodo parece está prestes a chegar ao fim. Os atracadouros que estão sendo construídos pela Prefeitura de Salvador nas localidades de Praia Grande e Santana têm previsão de entrega à comunidade até o mês de julho desse ano.

Atualmente, para se chegar à ilha, a única possibilidade é através da travessia feita em barcos movidos a diesel e que, a depender do porte, suporta até 150 pessoas. Comprar um móvel ou um eletrodoméstico pode ser considerado uma verdadeira ginástica, pois além de trazer as compras no barco pequeno, o consumidor costuma carregar no braço ou no carro de mão, aquela geladeira nova para fazê-la chegar sem um arranhão em casa.

O itinerário até a Ilha, que pode demorar cerca de duas horas, fica mais extenso nas paradas que os barcos que fazem entre as localidades de Itamoabo, Santana e Praia Grande. Quem não pretende dormir na Ilha, costuma pegar o último barco até às 16 horas em Itamoabo, do contrário, o pernoite é obrigatório.

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Foto: Hilton Souza

Foto: Hilton Souza

De acordo com a Assessoria da Prefeitura de Salvador, a obra atende a uma antiga demanda da comunidade da Ilha de Maré e tem o intuito de facilitar o transporte de passageiros e de cargas para o local. Com investimentos de R$ 3,5 milhões, o projeto vem da parceria entre o poder municipal e o Ministério da Integração Nacional, do governo federal.

Para Edson Bastos, engenheiro responsável pela obra da Superintendência de Conservação e Obras Públicas (Sucop), o maior desafio dos trabalhos foi a construção das fundações do atracadouro. „Por se tratar de uma construção feita em uma área submersa, há muita interferência das fortes marés dos meses de março e abril‰, explicou Bastos.

Para os nativos, o clima e a tranqüilidade do lugar compensam os empecilhos de morar na Ilha. Os recursos acessíveis à comunidade são restritos e a medicina alternativa ainda é a única solução para quem precisa de serviço emergencial durante a noite na localidade. Médico mesmo só nos dias de segunda e terça-feira, de 9:00h às 16:00 h.

As poucas escolas que a comunidade possui foram resultado da iniciativa de moradores e atendem as crianças até o ensino primário. Atualmente, uma escola recebeu recursos da prefeitura para a reforma, que está em andamento.

O poder municipal, em nota oficial, cita mudanças significativas nas áreas, como educação, saúde, turismo e comercio após a inauguração desses atracadouros.

Saneamento básico

O cenário é preocupante. Crianças descalças brincam em meio à céu aberto e dividem o espaço com animais domésticos, em meio à sujeira que levanta o mal cheiro em toda as estreitas ruas da Ilha.

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Foto: Hilton Souza

Carrinhos de mão é a única forma de transportar as bagagens daqueles

que chegam a Ilha.

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Zevaldo das Neves, nativo da ilha, atenta para o serviço que a comunidade dispõe: „Aqui todos nós utilizamos o esgoto doméstico para a rua, é feito grosso modo mesmo‰, explica ele, referindo-se às manilhas abertas que passam como córregos limpos na frente de muitas residências. Floricéia Carvalho, conhecida como dona Flor, fundadora da Sociedade dos Amigos de Praia Grande, diz que, em algumas casas, as fezes ainda são jogadas para o mar.

De acordo com a Secretaria de Saúde do Município (SMS), a Ilha de Maré apresenta como problemas de saúde prevalentes a hipertensão arterial, lesões de pele (dermatite) e processos alérgicos relacionados ao sol. Os pescadores e marisqueiras pertencentes à comunidade são freqüentemente acometidos por

problemas relacionados à sua atividade laboral, a exemplo de problemas de coluna (lombalgia) e LER-DORT., doenças geradas pelo excesso de peso e movimentos repetitivos em busca dos frutos do mar, ou seja, o sustento de casa.

„O povo daqui não dá valor, quer comprar em nossa mão por bagatela, quer ganhar mais do que quem dar duro‰ disse a mariscadeira Majulene das Neves, lembrando que ultimamente sua produção caiu devido a dores nos ossos, originada por suspeita de artrose.

Ivone Carvalho, marisqueira conhecida como Pequena, diz que todo esforço vale a pena, mas reclama dos preços da lambreta, vendidos a R$ 2,00 a dúzia, e do trabalho para conseguir catar 15 quilos do pescado.

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Contaminação dos pescados

Ilha de Maré: Uma questão de saúde pública

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As brincadeiras das criançascomeçam em busca dos mariscos.

Elas acordam às três da manhã a caminho do mangue para catar mariscos. Mas isso não é uma regra, afinal as filhas da maré sabem, por instinto, qual o horário exato para começar o trabalho. Majulene das Neves é mariscadeira desde criança e, hoje, com 48 anos, fala com humor de suas aventuras em meio à madrugada de frio e escuridão.

Ela garante que, desde novinha, segue os passos que sua mãe ensinou e se encarrega de passar as técnicas artesanais para os seus filhos. Muito simpática na roda de mariscadeiras, Majulene ensina a quem a procura como pescar o siri com uma rede, chamada jereré.

Mas, quando questionada sobre o problema de contaminação dos pescados, ela é enfática ao afirmar que isso é invenção de nativos, que, na concepção dela, querem tirar proveito das indústrias por troca de cestas básicas. „Naquela vez do derramamento de óleo de São Sebastião do Passé, nossos pescados ficaram na geladeira, não vendemos nada‰, lamenta.

O problema é que a contaminação dos pescados não é visível a olho nu. Estudos da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (UFBA) constataram contaminação dos pescados, sobretudo mariscos e de algumas crianças da Ilha de Maré por metais pesados.

Neuza Miranda, coordenadora da pesquisa, afirma que os resultados das análises foram com base nos pescados capturados pela própria comunidade da Ilha

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e estão em concordância com o diagnóstico emitido pelo Instituto de Meio Ambiente (IMA).

Os níveis de contaminação dos pescados ultrapassam o percentual aceitável pela legislação brasileira da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA). A determinação é que os níveis de chumbo nos pescados não ultrapassem dois miligramas por quilo de peso de alimento. Nas amostras dos mariscos capturados pela equipe de nutrição, conhecidos por „chumbinho‰ ou „papa fumo‰ foram detectadas cerca de oito vezes mais que o nível permitido.

A contaminação por metais é nocivo e perigoso, pois uma vez acumulados no corpo do indivíduo, eles se instalam nos órgãos e sistemas, exercendo assim, um potencial tóxico ao organismo. Dentre os grupos mais vulneráveis estão às gestantes, lactantes, idosos e crianças em fase de desenvolvimento.

Crianças estão mais vulneráveis a intoxicação

As análises feitas em crianças de 0 a 6 anos constataram presença significativa de chumbo e cádmio no sangue e no cabelo, o que pode causar anemia. Isso porque os

menores absorvem cinco vezes mais os componentes químicos do que os adultos.

O alerta é que a população evite consumir os mariscos em escala regular. Dentro do procedimento de diminuição, deve-se levar em conta que as crianças não devem prover de consumo diário desses pescados, devendo incluir à dieta carne bovina, de frango e legumes.

A dificuldade em cumprir a recomendação dos pesquisadores é conseqüência do baixo poder aquisitivo dessa população que encontra nos manguezais tudo o que precisa para sua alimentação. Segundo a pesquisa coordenada por Neuza Miranda, outros tipos de carnes são consumidos eventualmente pelos nativos, potencializando o risco de contaminação pelo alto consumo de mariscos durante toda a semana.

Fatores desencadeantes

A área geográfica pertencente ao município de Salvador fica localizada na região leste da ˘rea de proteção Ambiental (APA) da Baía de Todos os Santos (BTS), nas proximidades do Porto de Aratu, Refinaria Landulpho Alves, da Petrobrás.

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Material utilizadodurante a noite pelas mariscadeiras

Foto: Hilton Souza

Tal proximidade dos portos e complexos industriais é um dos fatores que desencadeou o nível de contaminação encontrado nos mariscos. Em abril de 2009, um derramamento de óleo na Refinaria Landulpho Alves causou uma grande mortandade nos pescados na região de São Sebastião do Passé e parte de Ilha de Maré, deixando pescadores e mariscadeiras preocupados com as vendas que foram prejudicadas por causa contaminação.

O biólogo e presidente da Associação Brasileira para Educação Ambiental em ˘reas de Manguezal (EDUMANGUE), Everaldo Queiroz, é autor de uma tese de doutorado na Universidade Federal Fluminense sobre a poluição por metais na Enseada dos Tainheiros.

Na pesquisa, foi detectada a presença de mercúrio despejado na Enseada, onde estão até hoje. „Os

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Majulene apresenta a armadilha do siri, o jereré.

metais pesados encontrados nos sedimentos estão no fundo da Baía de Todos os Santos, comprovadamente já chegaram aos alimentos e, é lógico, esses metais já estão no organismo das pessoas‰, denuncia.

Outro fator que auxilia nesses resultados é o Rio São Paulo que deságua na região norte da ilha e é altamente contaminado com os resíduos industriais que deságuam do Pólo Petroquímico de Camaçari e atinge a região de manguezal ao redor de ilha de maré. Esses manguezais atuam como uma barreira para esses poluentes orgânicos e inorgânicos e consequentemente, os peixes e mariscos desses manguezais são contaminados.

A pesquisa feita pela Ufba conclui que a exposição da comunidade aos metais advém da contaminação dos sedimentos da região de mangue localizados ao redor de ilha de maré. Com base nesse diagnóstico, o Ministério Público Estadual do Meio Ambiente abriu uma ação contra o Estado e o Município. Duas audiências públicas foram realizadas na Ilha e teve a participação da comunidade. Há previsão de uma nova audiência nos próximos meses.

A Secretaria Municipal de Vigilância Ambiental têm feito o monitoramento das águas que a comunidade consome e há previsão de que outros alimentos consumidos pelos nativos também sejam monitorados. Enquanto essas ações não trazem resultados práticos, crianças e adultos continuam expostos à intoxicação por esses metais e passíveis a doenças como a anemia crônica e o câncer.

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Salinas da MARGARIDADo mangue para a chefia da casa

Foto: Hilton Souza

TextoHilton Souza

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Economia

Localizada exatamente no interior da Baía de Todos os Santos (BTS), Salinas da Margarida, situada a 55 km de quem parte do Terminal Bom Despacho, possui belezas que não estão restritas apenas ao ambiente natural. O encantamento se completa na expressão de força e raça das morenas do mar, cantada por Dorival Caymmi em suas canções.

A cidade de 14 mil habitantes é dividida pelos distritos de Encarnação, Conceição de Salinas, Cairú, Barra de Paraguaçu e Dendê, que concentram o maior número de mulheres guerreiras, consideradas chefes de famílias. São elas, as mariscadeiras, que trazem, diariamente dos manguezais, o sustento de casa.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE - 2009) apontam que os setores da economia que se destacam para o Produto Interno Bruto (PIB) do município são os de serviços e a agropecuária (abacaxi, coco-da-baía e mandioca) com 57,33 e 29,36%, respectivamente.

Mas, de acordo com o Secretário de Infraestrutura da Prefeitura, Edvaldo Espínola, a economia da cidade gira em torno da pesca. „Quando aconteceu o episódio da Maré Vermelha, da casa de material de construção ao mercadinho, tudo parou‰, explica o secretário, lembrando que o comércio local vive em torno das mariscadeiras e dos pescadores.

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Espínola destaca ainda que o cadastramento nessa época foi muito favorável. Salinas conta hoje com cerca de quatro mil mulheres cadastradas nas Associações de Pescadores e Mariscadeiras. Estima-se que a produção chegue a 40 toneladas de mariscos por ano e que, cada mariscadeira leve para casa cerca de um quilo e meio de marisco por dia, o equivalente a uma renda de R$ 160,00 mensais.

O economista Hailton Brito explica que a cultura da mulher mariscadeira vem da necessidade de complementar a renda da família. „Elas vão à maré em busca de mantimentos para casa. O pescador vai para a maré quando quer ou precisa. Ela tem que ir buscar lenha, vai pescar e depois tem que beneficiar o produto‰, explicita Brito, pontuando a sobrecarga de trabalho dessas mulheres.

Rosana Gomes, mestre em História Regional e Local pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), realizou uma pesquisa referente ao cotidiano das mariscadeiras de Salinas da Margarida. Ela observa em seu trabalho que a atividade envolve relações em grupo, que perpetua uma tradição marcada por aspectos próprios, referenciando a luta pela sobrevivência delas e de suas famílias.

A jornada de trabalho em média de oito horas de atividade contínua resulta no avanço de doenças ocupacionais. Um estudo realizado por pesquisadores

da Universidade Federal da Bahia (UFBA) aponta que uma mariscadeira realiza 115 movimentos repetitivos por minuto em apenas um braço e chega a carregar cerca de 30 quilos de mariscos em forma bruta, além dos materiais utilizados na captura em longas caminhadas.

A esperança da comunidade, portanto, vem da possibilidade de uma parceria com o Governo do Estado e Municipal em realizar uma promessa antiga: a criação de unidades de beneficiamento para limpeza e processamento, como forma de padronização dos pescados, o que pode melhorar a renda de cerca de 80% da população.

O presidente da Associação de Pescadores e Aquicultores de Salinas da Margarida (APASMA), Josué Santos, alerta para a chegada da baixa estação. „No inverno os valores dos pescados caem cerca de 50% do valor do verão, porque não estão beneficiados. Se tivéssemos um lugar para limpar adequadamente, ensacar e estocar, a gente ia conseguir agregar valor ao produto‰.

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As fazendas de camarão ficamlocalizadas à margem da BTS. Outras invadem os mangues.

Carcinicultura

Atualmente, a pesca artesanal de Salinas vive em disputa do espaço marinho com as denominadas „fazendas de camarão‰, conhecida como carcinicultura. Principal responsável pela ocupação desordenada de manguezais do litoral baiano, mais precisamente em Salinas e Saubara, a ação foi proibida através de uma ação judicial movida pelo Ministério Público. A iniciativa busca coibir que a prática se estendesse por todo litoral baiano.

O Instituto do Meio Ambiente (IMA) acatou a ação e indeferiu pedidos de liberação de fazendas de camarão em áreas que não estivessem

ambientalmente regularizadas ou onde não houvesse um estudo dos impactos ambientais.

Os danos ambientais, ecológicos, culturais, sociais e à biodiversidade são questionados por ambientalistas e repudiados em virtude do alto lucro da produção de camarões. Os manguezais são considerados os berçários naturais da vida marinha e o supermercado da população, pois ele tem a função de reposição dos estoques de espécies nativas.

O biólogo e presidente da Associação Brasileira para Educação Ambiental em ˘reas de Manguezal (EDUMANGUE), Everaldo Queiroz, explica o tamanho da perda ambiental com a criação dessas fazendas. „Um hectare de águas de mangue tem uma biomassa que sustenta cerca de 30 pessoas. Quando esse espaço é destruído, para fazer um tanque escavado de camarão, emprega-se três pessoas, destrói-se cerca de 50 espécies e ameaça-se uma área que é um bem comum‰, pontua.

Medo do Futuro

Uma prática antiga vem devastando o ecossistema de Salinas: a pesca com bomba. Segundo o artigo 35, inciso II, da lei federal 9.605/98, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, a pesca com bomba é crime

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inafiançável e, quem for flagrado praticando a ação, pode cumprir uma pena de cinco anos de reclusão. É realizada por „bombistas‰ que utilizam explosivos e matam filhotes de peixes, crustáceos e danificam a flora e os corais, comprometendo o bioma.

Everaldo Queiroz é enfático ao afirmar que quem comete tal crime é um criminoso, mas reconhece que os impactos das propagandas mercadológicas têm para essas pessoas. Elas ainda padecem com a falta de estrutura emocional e educacional, e de orientação sobre o saber fazer conforme as tradições nativas, cujas pregações alertavam para sustento de cada dia, conseguido apenas para aplacar as necessidades de consumo e que as energias

deveriam ser resguardadas para a pesca no dia seguinte.

A perspectiva de vida dos pescadores e mariscadeiras de Salinas da Margarida está

intimamente ligada à preservação das espécies. Saber respeitar o período de procriação das espécies é uma maneira de garantir a pesca no futuro.O economista Hailton Brito, morador de Salinas, alerta para o recurso oferecido pelo município, no período de procriação do camarão. Ele se refere ao seguro-desemprego do

defeso emergencial, que beneficia os pescadores de Salinas

da Margarida, Santo Amaro da Purificação,

Saubara, São Francisco do Conde, Madre de Deus e das ilhas de Bom Jesus dos Passos e dos Frades.

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„Bago‰ pescador de Baiacú, peixe da região, diz que sua vida é sempre na maré...

Foto: Hilton Souza

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O defeso é o período de proibição da pesca para preservação de uma espécie marinha ou lacustre. A definição dos períodos é feita através de portaria do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). O período pode ser prorrogado em caráter excepcional, o que leva à extensão do seguro-desemprego por mais um mês. „Eles recebem o defeso e não devem realizar a pesca no período determinado pelo Ibama, mesmo assim eles praticam o desrespeito à natureza. Digo a eles que amanhã nossos netos só poderão ter acesso a algumas espécies no museu de oceanografia‰, lamenta o economista.

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Cultuando a morte na vida„Louvando a Maria, o povo fiel. A voz repetia de São Gabriel: Ave, ave, ave Maria‰

Preservação Cultural

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Elas possuem, nos olhos, o encanto e o segredo de gerações africanas e, na voz, os cantos que entoam remetem à sua rica religiosidade. São as devotas de Nossa Senhora da Glória, no Catolicismo, e filhas de Nanã, no Candomblé, ou simplesmente as Irmãs da Boa Morte.

Estelita Santana tem 103 anos e carrega o título de Juíza perpétua e integrante mais velha da Irmandade. Da janela de sua casa, no alto de Cachoeira, ela diz

não entender o alvoroço da mídia e das pessoas que a procuram diariamente para saber um pouco mais sobre sua história.

Talvez ela não se dê conta da importância de integrar um grupo único, que ainda resiste às tradições e que preserva os costumes que as irmandades de cunho africano antigas possuíam. Considerado por historiadores como o maior símbolo de resistência da cultura afro-descendente no país, o grupo é formado exclusivamente por mulheres e seus ritos sagrados atraem turistas e adeptos de diversas partes do mundo.

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Estelita Santana, 103 anos,

Juíza Perpétua da Irmandade.

A história delas começa em Salvador, nos meados de 1820, nos fundos da Igreja da Barroquinha e tem como personagens escravas alforriadas vindas da cidade de Keto, na Nigéria, grupo que também fundou o primeiro terreiro urbano da capital baiana, a Casa Branca, situado no bairro da Federação.

Por ter sido implantada por mulheres analfabetas, a Boa Morte não possui nenhum documento que marque a fundação da Irmandade. Pois para tal, era necessária a criação de um estatuto e não há registros de que foram instituídos.

A partir de 1860, elas começam a se espalhar pelo recôncavo baiano, nas cidades de Santo Amaro, São Félix e Cachoeira, onde a maior parte se consolida no ano de 1870, período de maior pressão política para a abolição da escravatura.

As mulheres que fundaram a Irmandade são de origem Jeje e chegaram a Cachoeira livres e com o objetivo de se juntar aos quilombos na luta pelo fim da escravidão, no qual a instituição teve um forte papel social e político. Baseadas no conceito da solidariedade, comum no candomblé, elas lutavam para que outros negros pudessem obter a liberdade.

Sua força provinha de suas madrinhas, conhecidas na cidade como mulheres do partido alto, por possuírem um alto poder aquisitivo. A sede da Irmandade era a Casa Estrela, pertencente à Júlia Gomes, uma dessas mulheres. No local funcionava uma espécie de cooperativa, onde mulheres trabalhavam vinte e quatro horas por dia, fazendo doces e quitutes para vender na cidade, em Feira de Santana e Salvador.

Dona Estelita conta que a maior parte dessas mulheres morava na Rua do Chafariz e se espalhava pelas feiras, vendendo peixe, acarajé, abará e amendoim cozido nos tabuleiros, juntando o dinheiro de todo mundo para libertar um escravo de cada vez.

As mulheres acreditavam que era papel de Nossa Senhora prover ao negro liberto a morte de uma

vida destinada à escravidão para o começo de uma nova situação. Quando um desses escravos morria, era papel da Irmandade dar-lhes, além da morte digna, uma forma de sobrevivência aos parentes que ficavam.

Rodeada de segredos em seus cultos, as lembranças que ficaram da época antiga para Edna Cerqueira, moradora da cidade de Cachoeira, eram as procissões cheias de pessoas e muitas crianças que acompanhavam o cortejo. „Era uma festa muito bonita. Elas se vestiam com uma saia preta, plissada com a blusa branca e um turbante e usavam muito ouro. As reuniões eram num quarto fechado e o que acontecia ali só ficavam entre elas‰, conta.

Essa tradição permanece e a festa realizada nos dias 13,14 e 15 de agosto cresceu muito. No primeiro dia, é oferecido um banquete com todo tipo de comida típica e as mulheres se vestem de baiana. No segundo, é realizada a missa e a procissão em homenagem à ascensão de Nossa Senhora. No último dia, a festa é dessacralizada e o samba de roda é liberado e dançado pelas mulheres.

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Com a dimensão, alguns ritos foram perdidos. O preparo das comidas oferecidas, por exemplo, é motivo de discordância entre os cachoeiranos. Desde 1995, o banquete não é mais feito pelas irmãs, e sim por mulheres do candomblé contratadas para o serviço.

A indignação provém do fim de um rito forte, visto que a comida é considerada sagrada, assim como no candomblé. Segundo o historiador Luiz Cláudio Nascimento, esse era um dos momentos mais marcantes: „As comidas eram feitas na Casa Estrela com muito sigilo, exclusivamente pelas mulheres da irmandade, vestidas com saias grandes amarradas abaixo do umbigo com um avental e fumando cachimbo. Nesse momento, ninguém podia entrar, elas ficavam de portas fechadas. Abriam uma réstia da janela para circular o ar, e se alguém chegava, era atendido rapidamente‰, conta.

Sincretismo Religioso

Relutantes em falar sobre seus segredos e tradições, as irmãs da Boa Morte ignoram as perguntas sobre suas reuniões e cultos aos orixás. Anália Leite é uma delas. Sobre as tradições, ela desconversa: „Aqui não se mata ninguém, não se tortura ninguém, só recebe uma benção de caridade. Não podemos falar, é muita coisa e a gente tem que se calar‰.

A estratégia dessas mulheres de esconder sua pluri-etnia persiste até os dias de hoje. Durante a festa de cunho católico, elas são as religiosas de Nossa Senhora da Boa Morte e vivem a morte e a ascensão de Maria aos céus. Mas, os preceitos do candomblé, bem como seus signos, estão presentes em suas roupas, em seus colares e intimamente ligados à sua religiosidade.

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Foto: Roberta Luckmann

„A Irmandade na frente, era a missa, a festa; mas atrás era um terreiro de candomblé. O padre dizia que as negras, quando saiam dali, iam saracotear, que é dançar candomblé. A irmandade vem do culto afro, veio com todo esse poder‰, confessa Anália.

Em suas reuniões, além de discutirem ações relacionadas à parte administrativa da irmandade, é o momento em que elas batem os tambores e cultuam a Nanã, o orixá mais temido do candomblé. Divindade da lama, Nanã é mistura da água e da terra e o seu nome significa „grande mãe‰ para o povo Jeje. É considerada a encantadora e senhora da morte.

Ela é cultuada no culto Jeje como um vodu e, nos terreiros com essa influência, como é o caso da Irmandade, o predomínio é de mulheres como filhas de santo ou vodunsis. Normalmente, elas não dão informações sobre os seus rituais e seus cultos são guardados em segredo.

Na sala de Estelita, a imagem de Nanã está presente num quadro na parede. Quando questionada sobre o que é ter uma boa morte, ela responde: „É sumir, desaparecer, sem dar trabalho a ninguém. Nossa Senhora que nos dê uma morte segura‰, finaliza.

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Rio ParaguaçuPode integrar Itinerário Cultural do Patrimônio da Humanidade

Foto: Hilton Souza

Turismo

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TextoHilton Souza

Sandra Andrade

O tombamento do Rio Paraguaçu é uma das pautas da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unes-co) sobre o Patrimônio Cultural, a ser realizada no mês de julho deste ano.

A expectativa é que o Itinerário Cultural do Paragua-çu faça parte do Patrimônio da Humanidade, sendo levados em conta a sua importância ambiental, religio-sa, cultura.

A proposta de tombamento desse roteiro foi apresen-tada em janeiro do ano passado, em Salvador, pela presidente da lista dos Itinerários Culturais da Unesco, Maria Cecilia Calderon e, embora válida, é de acei-tação complexa.

De acordo com o superintendente do Instituto Nacio-nal do Patrimônio Artístico e Nacional (Iphan), Carlos Amorim, a UNESCO não se interessa mais em tom-

bar como patrimônio cidades coloniais. „O importante agora é valorizar os grandes itinerários ou rotas cultu-rais nesse momento, que preserve uma paisagem que é especialmente significativa‰, explica o superintenden-te.

Segundo ele, o tombamento do itinerário do Rio Paraguaçu pode levar mais de dez anos, pois o processo de estudos demanda tempo e um aprofunda-mento maior na proposta apresentada.

Para o Secretário de Cultura e Turismo da cidade de Cachoeira, Lourival Trindade Filho, o rio foi o grande elo entre os sertões da Bahia e Minas Gerais e auxiliou no fortalecimento do Porto de Cachoeira. O que fez da cidade, a vila mais próspera do país no século XVIII. „A leva de escravos que chegou no Recôncavo, veio pelo Rio Paraguaçu, portanto sua importância his-tórica é inegável‰, afirma ele.

O rio é personagem importante da paisagem que integra a cidade tombada de Cachoeira e traz em seu nome o significado de muita água. Tem cerca de 600 km de extensão de sua foz até a sua deságua na Baía de Todos os Santos.

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Foto: Hilton Souza

O seu percurso até hoje é considerado, por historiadores, como zona de resistência indígena no período de 1560 até 1600. Nascido no Morro do Ouro, mais precisamente no Parque Nacional da Chapada Diamantina, o Paraguaçu foi uma das passagens históricas na época do descobrimento do Brasil.

É possível fazer um passeio de barco pelas margens do rio. Além de passar por Cachoeira, quem navega pelo Paraguaçu tem o privilégio de presenciar as margens ruínas do povoado de São Francisco do Paraguaçu, o convento de Santo Antônio, construído no século XVII, onde funcionou o primeiro hospital do recôncavo.

Admar Santos é guia do barco que faz o passeio nas águas do Paraguaçu. „Os turistas adoram a viagem e no verão a procura cresce muito‰, sinaliza.

Atualmente, o rio sofre com a poluição que agride as regiões do Baixo Paraguaçu e do Rio Jacuípe cujos impactos estão relacionados à desordenada ocupa-ção humana nessas áreas, bem como as queimadas de florestas, drenagem de alagadiços e lançamento de agrotóxicos que influenciam nesse resultado.

No entanto, vale lembrar que a devastação do Rio Paraguaçu iniciou quando Mem de Sá declarou guerras aos índios e invadiu essas zonas de preservação nativa. Acredita-se que no lugar da batalha, no último ponto navegável, está instalada Cachoeira.

Carlos Amorim ressalta que a questão da preserva-ção do patrimônio não é apenas uma questão na-cional, é um compromisso de cidadania: „O que nós preservamos são as relações que as pessoas mantêm com as coisas protegidas‰.

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Santiago do Iguape

Roteiro de Fée Aventura

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Santiago do Iguape no recôncavo baiano conquista adeptos da Caminhada de Santiago de Compostela, feita na Espanha. Para muitos, o caminho local feito em chão batido é uma espécie de prévia, um preparativo para quem quer fazer a caminhada mais longa. Uma placa na estrada entre Cachoeira e Santo Amaro sinaliza: São Francisco do Paraguaçu fica a 25 quilômetros. Apesar de ermo e pouco convidativo, o local abriga umas das paisagens mais belas da região.

Reduto da comunidade quilombola, especialmente o quilombo Koange, o distrito pertencente à cidade de Cachoeira se tornou destino dos mochileiros e aventureiros que gostam da prática do treking. Mas, desde ano de 2007, o local faz parte da programação anual de peregrinos que reverenciam Santiago de Compostela, embora o local não tenha semelhança alguma com o roteiro original espanhol.

TextoHilton Souza

Sandra Andrade

Sandra Azevedo é uma das organizadoras da Trilha e faz parte da diretoria da Associação Bahiana de Amigos do Caminho de Santiago. O grupo é formado por fiéis que se preparam fisicamente durante todo o ano para a Caminhada de Santiago de Compostela, que tem 800 quilômetros. Ela relembra, que há três anos, eles descobriram Iguape e decidiram fazer dessa trilha não somente uma preparação, mas também uma homenagem ao santo, no seu dia.

A estrada de barro foi completamente sinalizada nos moldes dos Caminhos de Santiago, com as flechas de sinalização amarelas. Eles começam a caminhada às 07h da manhã e chegam à Iguape por volta das 11hs. Uma missa é celebrada na Igreja Matriz de Santiago do Iguape e reúne além dos 60 peregrinos, toda a comunidade do distrito.

A viagem pode ser feita num único dia, mas os aventureiros em seu primeiro ano optaram por um roteiro mais interessante. „Nós dormimos em Cachoeira e no dia seguinte fizemos um city tour pela cidade. Algumas pessoas fizeram passeio de barco pelo Rio Paraguaçu

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e depois fomos fazer a trilha‰, conta Alana Santana, uma das viajantes do grupo.

Formado por pessoas de várias idades, os integrantes não conhecem a adversidade. Idosos, jovens, adultos e crianças se aventuram pela estrada, mas não esquecem dos cuidados básicos e levam consigo uma verdadeira patrulha durante a caminhada. „Nós não vamos sozinhos, os ônibus nos acompanham porque têm idosos que não agüentam caminhar por muito tempo. E sempre temos um carro da polícia e uma ambulância em casos de necessidade‰.

Para ela, o mais importante é a comemoração: „O importante é estarmos juntos na missa festiva e os moradores de Iguape também comemoram esse dia. Então nos juntamos à comunidade‰, finaliza Sandra.

Foto: Arquivo Associação Bahiana de Amigos do Caminho de Santiago

História, beleza e misticismo

Há quem diga que a Igreja situada às margens do Rio Paraguaçu tem uma energia diferente e especial. Uma dessas pessoas é a enfermeira Cristiane Souza. Ela, que conheceu Iguape no ano de 2008, relembra a emoção que sentiu ao chegar à Igreja Matriz. „Foi forte o que eu senti, me arrepiei. Acredito que lá tenha outra energia sim‰, ressalta.

Completando 400 anos em 2010, a Igreja Matriz de Santiago do Iguape nunca chegou a ser totalmente construída. Com uma belíssima fachada, a igreja em estilo rococó com neoclássico tem fina decoração de guirlandas. Na porta, as insígnias de Santiago estão presentes: cajado, livro e cabaça. Dentro, na capela, painéis de azulejos semi-industriais, azuis e brancos fazem parte da decoração.

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“Abre Aspas”Com Juliano Matos

O ex-secretário de Meio Ambiente do Estado da Bahia e candidato a deputado federal pelo partido Verde, Juliano Matos, abre aspas com a Revista Verde Novo, num bate papo sobre meio ambiente e sustentabilidade.

Revista Verde Novo - Como você vê o cenário ambiental na Bahia?

Juliano Matos Acredito que muita informação de qualidade vem circulando. Acredito que atitude e consciência ecológica vêm se estruturando rapidamente em diversos setores da sociedade, principalmente sobre o empresariado e a setores que investem fortemente no estado, de forma que dá pra ser realisticamente esperançoso no que diz respeito à construção do desenvolvimento sustentável na Bahia.

RV Nesse novo cenário, como a Baía de Todos os Santos se enquadra?

JM - Na nossa gestão, implementamos o Plano de Manejo. A baía é uma ˘rea de Planejamento Ambiental e estava sem ordenamento, sem as regras que asseguram a sua sustentabilidade. Esse plano de manejo está sendo feito com a Universidade Federal da Bahia. É algo completamente inovador e será uma referência, porque são dezenas de atividades que se desenvolvem na BTS e precisam ser compatibilizadas, desde refinarias de petróleo a pescadores e mariscadeiras fazendo atividades artesanais. Então, é uma diversidade imensa de atividades econômicas e é o grande desafio do Plano de Manejo, coordenar e articular todas as atividades numa perspectiva sustentável.

RV Quando se fala em sustentabilidade na BTS, o que você acredita que falta?

JM - Primeiro, por ser unidade de conservação faltava o plano de manejo, ou seja, o fortalecimento institucional da gestão da BTS. Através do plano de manejo, você terá evidentemente as regras do jogo, como o fortalecimento do conselho gestor da APA, que poderá dialogar de forma mais consistente com os Planos de Desenvolvimento Urbano dos municípios no entorno da BTS e com todos que desenvolvem atividades econômicas, de lazer, turísticas na região. O próximo passo é fazer da unidade de conservação uma zona livre de carbono para que toda emissão que ocorra, na região, tenha que ser compensada, recuperando manguezais degradados ou remanescentes de floresta nativa em torno da BTS.

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RV- Sobre o plano de manejo, o coordenador da Ufba, Miguel Accioly nos relatou que até o momento não recebeu a verba para a execução do projeto. O que aconteceu?

JM Esse não é um problema da Secretaria do Meio Ambiente. Nós fizemos todo o dever de casa, fizemos o edital, toda a parte de discussão com a Ufba, que está contratada. Foi assinado o termo, eu saí, mas quando eu estava na secretaria, o recurso já estava empenhado, aguardando a arrecadação do estado compatível para que o recurso fosse liberado. Mas é um processo sem retorno. Certamente, por conta da crise do ano passado, o recurso não foi repassado. Mas a crise agora foi revertida. Acredito que não vai faltar verba para a BTS. É um acordo irreversível, o contrato está assinado, tem aí um atraso de seis meses, mas vai acabar saindo. Eu tenho certeza de que será referencia pela complexidade das atividades e dos ecossistemas da unidade de conservação.

RV Como as grandes construções podem aliar programas de sustentabilidade?

JM Primeiro, com planejamento, tecnologia e inovação e discussão com comunidades do entorno. Acredito que sejam os principais componentes. Planejamento, porque se a gente começa a discutir a obra na sua formulação, qualquer ajuste pode ser feito sem maiores custos. É muito difícil você alterar depois que você passou por algumas fases, inclusive já começou a sua implementação. Segundo, conversar com o entorno, porque é fundamental o desdobramento dos impactos, não somente os ambientais, mas também o impacto sobre as comunidades e sobre quem vive no local. E terceiro, tecnologia e inovação, pois temos

que estudar novos materiais, eficiência energética, toda a parte de procedimento para a implantação e de técnicas de engenharia limpa que fazem grandes construções e o manejo de canteiros de obra limpos, por exemplo, que não geram resíduos. Então, tudo isso acaba contribuindo para que a gente tenha êxito no paradigma de fazer grandes obras e grandes construções.

RV Você acredita que o desenvolvimento da metrópole paga os impactos ambientais causados pelas grandes obras?

JM Acho que se for feito de forma planejada, você pode diminuir imensamente os impactos, tanto ambientais e sociais. O nosso grande problema é que o histórico de gestão não incluía um plano de gestão, nunca teve realmente um plano de forma sistemática. Em Salvador, temos uma cidade muito informal que improvisa sua ocupação todo dia, que cresce de forma desordenada e que impossibilita a chegada de serviços públicos em diversas áreas da cidade. A ocupação desordenada impede depois que a coleta de lixo seja feita, que a rede de esgotamento sanitário chegue, que o sistema de drenagem seja feito. Enfim, diversos serviços públicos ficam inacessíveis a diversas regiões do estado que cresceram sem ordenamento de uso e ocupação do solo. Então, é indispensável planejar e gente passar por um grande impacto de gestão e cidadania. Nós perdemos uma grande chance no último PDDU, apesar de ter sido muito discutido em diversas regiões da cidade, no fim do processo, na Câmara Municipal, houve um retrocesso. E Salvador saiu de lá sem um perfil econômico claro para dialogar com outras realidades econômicas do Brasil e do Mundo.

Foto: Hilton Souza

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