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revista que não tenha sido trabalhadaaté seu máximo potencial.

Pensei muito no que escrever nesteeditorial. E tudo me pareceu excessiva-mente banal. Mas as melhores palavrassão as que vêm do coração. Demos o

osso melhor porque queremos con-quistá-los com nossa paixão. Quere-mos que conheçam em primeira mão otrabalho diário de nossa editora e o en-tusiasmo que nos move sempre. Cabeaos nossos leitores decidir se consegui-mos isso ou não.

screver o editorial darevista é sempre o meultimo grande ato a cada

Bang! Quando finalmen-te sei qual o conteúdoque vai para cada páginaem branco, só então mededico a escrevê-lo. Te-

ho pavor dos editoriais em que de-talho o conteúdo ou realço os pontosortes da revista. Sempre preferi escre-

 ver textos em que procuro unir o meugosto pelo fantástico à realidade que

os envolve.Mas este é o meu primeiro editorial

para o Brasil e não quero passar umaimpressão errada. Talvez possa lhesalar um pouco sobre os desafios que

enfrentei, junto com toda a equipe daeditora, ao montar este projeto pela pri-meira vez em um país vasto e complexocomo o Brasil. É quase inacreditáveltermos conseguido cumprir as nossasambições e navegar de Portugal, onde

a revista nasceu (e já vai a caminho da15.ª edição), rumo ao país irmão.

 A revista Bang   um produto nicopor vários motivos: é produzida porma editora, mas não é simplesmentem catálogo de novidades, nem é limi-

tada aos livros dessa editora. É assu-

midamente dedicada à literatura fan-tástica, mas não pretende desrespeitar

u ignorar outras formas de expressãoque não sejam os livros. E, por fim, éma revista de 80 páginas com conteú-os únicos e exclusivos e de distribui-

ção gratuita. Sim, você entendeu bem.Qualquer leitor pode chegar às livra-rias, pegar um exemplar e levar paracasa de graça.

Quando comecei a contatar colabo-radores no Brasil para me ajudarem acriar este número, surpreendeu-me oato de muitos deles já conhecerem

a nossa revista portuguesa (todos osúmeros estão disponíveis on-line).

Nunca suspeitei que tinha públicopara além dos portugueses. Talvez aminha surpresa não devesse ser tanta,pois afinal há tanto que partilhamos e aInternet possibilitou estreitar laços de

ma forma que teria sido impossívelá vinte anos.Como criamos cada número desta

revista? Construímos uma vasta redee colaboradores em quem confiamos

e damos forma a uma comunidade emque mostramos receptividade a novostalentos e novas vozes. entamos criarm desig  ousado e surpreendente para

cada artigo. Não há uma página nesta

 Todo o mundo sabe que Brasil e Portugal são países irmãos. Mas o que

significa isso? Que falamos a mesma língua? Que temos uma história emcomum? Pensamos que é muito mais do que isso. Na verdade, há um carinhoespecial entre os dois países. Um imenso desejo de conhecer, receber epartilhar. Só assim se explica a forma maravilhosa como sempre fomosrecebidos em terras brasileiras. Quem primeiro nos estendeu a mão foi

 Antônio Torres, um escritor cuja generosidade só é comparável ao seu talento.oberto Bahiense de Castro esteve sempre disponível e foi um autêntico

irmão. Muitos profissionais do mundo editorial receberam-nos e partilharamexperiências: Gustavo Faraon, Rejane Dias, Gorki Starlin, Haroldo CeravoloSereza, Claudinei Franzini, Igdal Parnes, Bárbara Bulhosa, Frederico Indiani daSaraiva e Rui Campos, da Livraria da Travessa. Mas os maiores agradecimentostêm de ir para as pessoas que não só acreditaram no projeto como quiseram

embarcar na Saída de Emergência Brasil: os nossos parceiros Marcos e TomásPereira e toda a equipa da Sextante. Para terminar, um agradecimento especialaos colaboradores da revista Bang! e a todos os fãs de literatura fantástica queesfrutarão de sua leitura. Esta revista é de vocês. E, pronto, neste momento

sentimo-nos em casa. Um país irmão não é isso mesmo?

 A sua opinião sobre a revistaque tem nas mãos é fundamentalpara nós. Venha visitar-nos em

 e diga-noso que pensa. Queremos que opróximo número seja ainda melhordo que este, mas isso só serápossível depois de saber o que

 você tem a dizer: quer mais ficção?Mais resenhas? Mudava tudo? Nãomudava nada? Estamos à sua espera!

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l , meu nome Mariana Vieira. Souilustradora brasileira e cofundadora

o Black Fox Studio, onde desenvolvemostrabalho no campo de Concept Art &Illustration e ministramos oficinas e cursose curta duração na área. Sou Bacharel

em Pintura Tradicional pela Escola deBelas-Artes da Universidade Federal do Rioe Janeiro – UFRJ – com o projeto final

“Processo híbrido na produção de retratoe criaturas fantásticas”. Concluí minha

especialização em Arteterapia em Educaçãoe Saúde, pela UCAM, no início de 2010com um título de tese: “Alterações estéticasa arte do início do século XX no Brasil e

seus desdobramentos nas artes aplicadas.”

Meu trabalho já foi exibido na EXPOSÉ 10,EXOTIQUE 7, da “Ballistic Publishing”

hotoshop Criative, Ilustrar Magazine,entre outros. Trabalhei no jogo “The

Li ht of the Darkness”, ue será lan adoem breve. Participei de projetos comoa série de quadrinhos “Doenças fazem

istória”, publicada pela IBqM UFRJ,participei da criação de ilustrações para oooktrailer “Crade de Scar – Van Steward”

para promover o livroThe Unremembere  publicado pela Tor Books, entre outros.

 Atualmente trabalho para algumasempresas japonesas e outras americanas,como Applibot, o CROOZ , Paizo e FFG,

em jogos de cartas como “Legend ofCryptids”, “Lord of the Ring LCG”e “A Game of Thrones LCG”, entreu ros.

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http://www.marianaarts.com/

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Orgulhosamente nerds Daí para a primeira literatura de fantasiafoi um passo: começamos com a famosasaga Dragonlance , de Margaret Weis e TracyHickman, depois devoramos as obras deR. A. Salvatore, Robert E. Howard, J. R.

R. Tolkien, Raymond E. Feist, MichaelMoorcock e tantos outros criadores demundos. Em suma, cedo nos tornamosuns geeks, uns nerds, uns doidos porfantástico. A música foi outra paixão.

 Vibrávamos com Iron Maiden  eSepultura ,

mas o que nos deixava em transe eramosManowar . Suas músicas sobre batalhasgloriosas, céus cobertos de relâmpagose campos riscados de heróis tombadoseram a trilha sonora perfeita para nossasleituras de fantasia épica e sessões de

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Dungeons & Dragons . Como bons nerds,adorávamos o cinema dos anos 1980:BladeRunner , Indiana Jones , De Volta Parao Futuroou O Exterminador do Futuro .

 Jogávamos o magistralMonkey Island , daLucas Arts, e todos os grandes jogosde aventura e fantasia dos anos 1990,colecionávamosactionfi gures  de heróis eas trilhas sonoras dos filmes favoritos.Quando nos demos conta éramosadultos e, mais do que consumir ofantástico, queríamos fazer algo por ele.

Uma saídade emer ncia chamada a e mergênc 

Criamos a Saída de Emergência em2003, porque em Portugal não sepublicava suficiente literatura fantástica.E as editoras que publicavam o faziamsem critério, regularidade ou paixão. Nóssabíamos exatamente o que queríamoslançar: as aventuras de Conan e Elric;os horrores de H. P. Lovecraft e CliveBarker; a fantasia de George R. R.Martin e Robin Hobb; a ficção científicade Frank Herbert e Philip K. Dick.Com boas capas, boas traduções, boadistribuição. Criamos a coleção Bang!e, pasmem, conquistamos uma legiãode fãs. O sucesso foi tal que a Saída deEmergência passou a publicar outrosgêneros, como literatura romântica

(Nora Roberts) ou romance histórico(Bernard Cornwell). Mas nuncaperdemos o foco: a nossa paixão era,é e sempre será a literatura fantástica.

E, com a che ada aras , ec a-se um cicl 

Se tudo começou com os gibis daEditora Abril que chegavam do Brasiltodas as semanas, e que hoje guardoreligiosamente em minhas estantes, não éde espantar que o Brasil voltasse a cruzar

nosso caminho. Muitos fãs brasileirosse iniciaram na leitura de A Guerra dosTronos  com as nossas edições de 2007,bem anteriores à edição brasileira. Anossa loja on-line vendeu muitos livrospara o Brasil: da fantasia heroica deFritz Leiber aos horrores históricos deDan Simmons, da história alternativa deHarry Turtledove às aventuras de RayBradbury. E muitos fãs brasileiros nosrepetiram ao longo dos anos: vocês deviampublicar no Brasil, não háaqui nenhuma editoradedicada ao fantástico como vocês. Este ano,em que celebramos 10 anos de atividade,decidimos que chegou esse momento.Sabemos que agora há muitas editorasno Brasil apostando no fantástico, aconcorrência será feroz, mas sentimos

que temos um trunfo: estaé a nossa praia. Da mesmaforma que não publicamosfantástico porque estána moda, também nãodeixaremos de publicarquando passar de moda.Somos como vocês: lemos,conhecemos, amamos edefendemos o gênero. Epoucos editores (dos doislados do Atlântico) podemse gabar disso. Sabemos,melhor do que ninguém,que o fã de fantástico éexigente e crítico. Mastambém sabemos que é o fãmais fiel que existe. Por isso,para conquistar seu respeito,admiração e fidelidade,comprometemo-nos a

trabalhar e a oferecer maisdo que a concorrência. Arevista Bang!  é isso mesmo.

 A nossa primeira ofertapara os leitores brasileiros.Esperamos que seja doagrado de vocês e uma portade entrada para a coleçãoBang! que, acreditamos,mudará o gênero no Brasil.E agora chega de conversa e vamosmostrar o que preparamos para você.

Mago Aprendiz Livro Um da Saga do MagoR  AYMOND E. FEIST

Segundo Neil Gaiman, voltar a ler umlivro favorito é uma das coisas mais

infelizes e absurdas que podemos fazer. Afinal, um livro é como uma arca dotesouro da memória: apenas por pen-sarmos nele evocamos o lugar onde olemos, as circunstâncias sob as quais olemos, a música que estávamos ouvindo,a pessoa que éramos quando o lemos daprimeira vez. Eu não podia concordarmais. Regressar a um livro favorito, ain-da mais se lido na juventude, é arriscardestruir de forma irremediável umamemória doce e inspiradora. A primeira

 vez que liMag  de Raymond E. Feist,

foi há mais de vinte anos. Na época,tinha acabado de ler O Senhor dos An i   passava várias horas por semana emanimadas sessões de Dungeons & Dragon e recordo-me que foi uma leitura épica

Raymond E. Feist é umdosnomes mais importantesda literatura fantástica.

 Traduzido emmais de trintapaíses,Mago foi o seuprimeiro livro e serve debase para uma vasta obraque temconquistado osprincipais tops.Este número da Bang! vaiapresentar a você não só oautor, mas tambéma suaobra e a importância quetemnumdos gêneros maisfascinantes: a fantasiaépica.

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e absolutamente recompensadora. Parapreparar esta edição tive de voltar a lê-lo,mas o fiz com o aviso de Gaiman bem

 vivo na minha memória. Felizmente, Mag recebeu-me de braços abertos. Não é tãoom como me recordava, é melhor.

É nossa intenção que a coleção Bang!seja a casa da melhor literatura fantástica.Como tal, o título que inaugura a coleçãotem de ser escolhido com muito critério.Não basta um bom livro de fantasia, pre-cisamos de um livro realmente especial.Um clássico moderno que supere modasu tendências do gênero e que tenha

conquistado o crítico mais impiedoso detodos: o tempo. Mag   esse livro. E duvi-o que haja melhor porta de entrada para

a fantasia épica do que esta obra-primae Raymond E. Feist. Se nos pri-

meiros capítulos a juventude daspersonagens e a descrição do seu

ia a dia nos pode fazer pensar que livro foi escrito para um público

adolescente, cedo nos damos contae que isso é um truque de Feist.

O tom juvenil está presente en-quanto as personagens são jovense serve apenas para tornar aindamais dramáticos os eventos comque o autor cedo nos defronta naarrativa. Com o passar do tempo e envelhecimento das personagens,ada sobra da inocência das primei-

ras páginas. E Feist consegue, emalgumas passagens, levar o leitor àslágrimas.

Com uma estrutura e lingua-gem acessível, Mag con a-nos a

 vida épica de homens e mulheresascinantes, heróis orgulhosos, deonra e lealdade inquestionáveis.

Estão presentes elementos da fan-tasia clássica, como os elfos sábiose graciosos, os anões corajosose festeiros, dragões de um poderinimaginável, magia complexa, batalhasépicas, vitória, perda, amor e ódio, numarede extensa e intricada sem pontassoltas. Mas o ponto forte de qualquerlivro, como todos os grandes autoressabem, são as personagens. E RaymondE. Feist consegue a proeza de criar umainfinidade delas que se tornaram íconesa fantasia épica. Pug, Tomas e Arutha

amais serão esquecidos. Sofremos comas decisões difíceis que têm de tomar,rimos com o seu humor inteligente eseguimos ao seu lado na estrada que

s leva de uma juventude cheia de so-hos a um destino que abalará não um,mas dois mundos. Não é à toa que aBBC escolheu Mag  como um dos 100melhores livros de todos os tempos,

a companhia exclusiva de nomes in-questionáveis do gênero, como Terry

ratchett, Neil Gaiman e, claro, J. R. R. Tolkien, cuja inspiração Feist reconhece

o maravilhoso mundo de Midkemiacom que nos recebe.

Tigana Livro Um, A Lâmina na AlmaGUY  G AVRIEL K  AY 

uando publicou O Senhor dos Anéinos anos 1950 do século passado,

. . . Tolkien não podia sequer sonharque estava criando alicerces tão profun-

os para a fantasia épica que, meio sécu-lo depois, uma multidão de autores ainda

copiaria até à exaustão. Esses alicerces,hoje clichês absolutamente esgotados,são vários: a história dividida nos tradi-cionais três volumes; as características ísicas e culturais dos elfos, anões e ou-tras raças míticas; a inevitável demanda

o herói; os poderosos artefactos mági-cos; a figura do senhor das trevas  e, porfim, talvez a que mais marcou a fantasiaesde então: a separação simplificadora

entre o bem e o mal. Com Tolkien o malé absoluto e corrompe absolutamente(corpo e alma). O bem, pelo contrário, éexclusivo aos heróis, quase sempre semalhas, dúvidas ou arrependimentos.

Guy Gavriel Kay, que procura cons-tantemente transcender as fraque-as da fantasia, com Tigan ma a

um corte com essa tradição tolkia-na do bem e do mal. Tigana estárepleto de personagens em conflitocom as suas próprias decisões ecom o impato que essas decisõestêm nos outros. Aliás, a grandeorça desta obra é precisamente a

ambiguidade moral das suas per-sonagens. Não são homens bonsnem maus, são apenas homens,apesar do poder que lhes foi atri-buído e que os coloca na posiçãoe fazerem grande bem ou grande

mal. Quem conhece a obra de Ge-rge R. R. Martin sabe exatamenteo que estamos falando.

 Vejamos as personagens: Alessan, o herói de Tigana, não seimporta com os meios usados paraatingir os fins. Mas será heroico,mesmo quando os fins são tão no-bres como o resgate de um povo,recorrer ao assassínio e à própriaescravatura? Brandin, o vilão, temuma capacidade imensa de amar.

 Vive, inclusive, uma das mais belashistórias de amor da literatura fantásti-ca. Mas é o ódio que o move durantegrande parte da vida. Alessan e Brandinsão personagens complexas e das maisascinantes do gênero. Diga-se que es-

tão em boa companhia: as personagenssecundárias de Tigan  formam um gruporico, complexo e memorável. Prepare-seportanto para uma viagem inesquecívelao longo destas páginas. Mais do queestar na vanguarda de um movimentoisruptor dos alicerces da fantasia, Guy

Gavriel Kay oferece-nos um mundo deantasia épica com a sua própria geogra-fia, religião, política e estruturas sociaiscomplexas. Numa península que emtudo nos recorda uma Itália medieval e

Guy Gavriel Kay se iniciouno mundo literário ao serconvidado por Christopher

 Tolkien para editar “OSilmarillion”, de J. R. R.

 Tolkien. “Tigana” é uma desuas obras mais aclamadase você vai poder conhecê-lamelhor nesta Bang!.Gavriel Kay encontra-setraduzido em25 línguase recebeu numerosasnomeações e prêmios aolongo de sua carreira.

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nde o povo comercializa vinho, cereaise especiarias por terra e por mar, Tigana conta-nos uma história poética e podero-sa sobre a força da política e da religião, custo do sangue e o preço do amor.

A Corte do A r S TEPHEN HUNT

Se vivêssemos num mundo steam-punk, talvez algum cientista louco

tivesse criado um diversômetro: umaespécie de chapéu-pensador do Profes-sor Pardal, cheio de fios, rodas dentadase uma chaminé com buzina, que colo-cássemos na cabeça e medisse a nossaiversão enquanto líamos um livro. Seria

uma forma insólita e autêntica de fazer-mos crítica literária. E se eu tivesse usadoesse diversômetro nas duas vezes em queevoreiA Corte do A  garanto a voc s

que o chapelinho tinha cuspido fagulhas,buzinado que nem um louco e lançadocolunas de fumaça nos céus. Sim, ACorte do A  assim tão bom!

Esta obra-prima de Stephen Huntinaugura a ficção científica na ColeçãoBang! Dos milhares de títulos que pode-ríamos ter escolhido, a responsabilidade

recaiu neste por uma simples razão: ACorte do A  uma odisseia fren tica einteligente que satisfaz leitores de fanta-sia, ficção científica e steampunk. Ondebandidos, aventureiros, bordéis luxuosos,

assassinatos, balões nos céus e órfãos emuga ganham vida e conquistam os nos-

sos corações. Comparável em ambição àsbras-primas de Philip Pullman ( A B sso- la Dourad , Alan Moore Liga Extraor- din ri , ou Susanna Clarke Jonathan Stran- ge & Mr. Norrell , a cr tica n o exagerou

quando disse que A Corte do A  poderiater sido escrita por Charles Dickens e Jack Vance... numa colisão entre as melhores letrainglesas e a fantasia mais espetacular.

 A referência ao imaginário de Dickensé óbvia: nomes, estratificação social,airros miseráveis e glórias bolorentas do

passado dão um ambiente vitoriano a ACorte do A  Mas são os conceitos que dãoorma ao livro que se destacam pela sua

avalanche de criatividade. Dos vaporho-mens (fascinante raça de máquinas quelutam pela sua autonomia e que pensam,sentem, possuem alma e até os seus pró-prios deuses) aos encantados (humanoscom superpoderes de origem mágica);os cantores-mundo (uma espécie de

polícia política mágica) às organizaçõessecretas que observam tudo o que se pas-sa a partir dos céus; das intrigas parlamen-tares às máquinas tão extravagantes queparecem saídas da cabeça de H. G. Wellsu Júlio Verne. A ação é digna de um lme de Indiana Jones e gira em torno deois jovens, Molly e Oliver, que têm de

enfrentar um mal antigo que se julgavaesaparecido. O leque de personagens se-

cundárias e, mais importante, de enredossecundários é fascinante e complexo, dei-ando o leitor sem saber o que o esperar,

que segredos do passado vão aparecer,quem vai sobreviver ou até quem são os

 verdadeiros heróis. Resumindo: a ficçãocientífica não podia começar de melhorforma na coleção Bang!

Depois vem muita coisa boa, porquequeremos que a Coleção Bang! sejauma referência na literatura fantástica.Em 2014 a fantasia vai continuarcom gigantes como Ursula Le Guine Terry Brooks. A ficção científica vaiapresentar autores revolucionárioscomo Ian McDonald. Mas quemgosta de George R. R. Martin e desagas repletas de personagens, muitaemoção e morte a cada esquina vaiter uma surpresa quando lançarmos

Steven Erikson. Deixamos aqui acapa para abrir o apetite: E, claro, as

sagas de Mag (fabulosa capa para o

segundo volume: Mago Mestr  , Tiganaa epopeia steampunk e Stephen Hunt

 vão continuar. Prepare-se, queremos que2014 seja um ano inesquecível.Um abraço e votos de excelentes leituras!

Stephen Hunt é umautor deficção cientí fica e fantasiaque vive no Reino Unido.Os seus livros já forampublicados no Canadá,Reino Unido, EUA e estãotraduzidos para mais dedoze línguas.A Corte do Ar  é o primeirolivro de sua sériesteampunk  centrada emuma Inglaterravitoriana alternativa. Aoterminar esta Bang!, vocêestará apaixonado pelomundo brilhante que Huntconcebeu.

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Umdos autores norte-ame-ricanos mais veneráveis daliteratura fantástica fale-ceu este ano aos 96 anosde idade. Embora nunca

tivesse sido umautor debest-sellers, Jack Vance eraumescritor prolífero e umdos mais intrigantes no gê-nero, commais de 60 livrospublicados. A sua maisfamosa série,  The DyingEarth [A Agonia da Terra],

trouxe-lhe a admiração de muitos leitores, mas tam-bémas sériesLyonesse ouDemon Princes [PríncipesDemônios] influenciaramautores como Ursula Le Guin,Michael Moorcock, Michael Chabon e George R. R. Mar-tin. Venceu três prêmios Hugo, umNébula e umWorldFantasy Award pela sua carreira. Tornou-se GrandeMestre da Ficção Cientí fica em1997, pela SFWA (Science

Fiction Writers of America).

Horror, fantasia ouficção cien-tí fica não ofereciamsegredospara este gigante da litera-tura do gênero. Embora hojeseja lembrado principalmentepelas numerosas adaptações

de sua obraEu sou a Lenda,teve muitos outros romancesadaptados para o cinemae foi também argumentis-ta de TVnas míticas séries The Twilight Zone eStar Trek .

Citado por Stephen King como a maior inspiração paraa sua carreira de escritor, Matheson ganhou o WorldFantasy Award e BramStoker Award pela sua contribui-ção para a literatura fantástica.

Se alguma vez houve umautor muito amado naficçãocientí fica do Reino Unido, oseu nome era Iain M. Banks. Ocâncer terminal diagnosticadono autor escocês no início doano foi umgolpe duro paraseus inúmeros fãs que perde-ram, poucos meses depois, umautor inspirador e o criador da

sérieCultura, sobre uma sociedade interestelar futuris-ta de 9 mil anos, controlada por inteligências artificiais.Era tambémumreconhecido autor dethrillers sob onome Iain Banks, tendo estabelecido a sua reputaçãocomo seu primeiro romanceThe Wasp Factory , em1984.

maginem um herói de fantasia, à laConan, em um mundo recheado de

elfos, fadinhas, orcs e deuses sedentospor sacrifícios de sangue.Um mundo onde a ma-gia funciona com o mes-mo rigor de uma equa-ção matemática. Banal?

e modo algum. Hariichelson é um ator

contratado pelas MegaCorporações em um fu-turo próximo da nossa

 Terra, onde as massasproletárias se alheiam dema vida de penúria e

exploração capitalista, com espetáculostelevisivos de jogos violentos e massa-cre. Sua missão? Passar para o tal mun-o de fantasia, OVERWORLD, atravése um buraco de minhoca, e massacrar,urante um período de tempo limitado,

tudo o que são elfos, feiticeiros, Prince-sas Guerreiras e Senhores das Trevas.Como um jogo de computador que setornou realidade. Osireitos das fadinhas

e dos elfos? Ele nãoquer saber, pelo menosão de início. O que as

Corporações realmenteesejam é explorar os

recursos naturais desseovo mundo. Minerais,

petróleo, urânio e água

ão contaminada. Comm humor ácido e umaeroz crítica social ao sis-

tema de classes anuncia-o pelo capitalismo selvagem, Matthew

Stover diverte-se desconstruindo todoss clichês dos mundos de fantasia que

infelizmente começaram a preencher asestantes de nossas livrarias com um ex-cesso de livros água com açúcar. A Terra

édia de Tolkien nunca mais será a mes-ma depois da “visita” envenenada deste

ciborgue ultra-high-tech que não medeesforços para subir na pirâmide social dopesadelo corporativo deste nosso futuroá tão próximo. A vida é dura para os ato-res. Simplesmente imperdível.

teven Utley faleceurecen emen e, por-tanto nunca mais tere-mos o prazer de voltaratrás no tempo, atéesolada Era Siluriana.

Felizmente, restam-nos duas coletâ-neas magníficas, repletas de contose noveletas, nostálgicas, intimistas,exuberantes, sobre os viajantes tem-porais que resolveram explorar essepassado onde só existe vida marinha

e os continentes não passam de ex-tensões de bolores e lama, onde opróprio oxigênio é escasso. Esta é a

era dos escorpiões e dastrilobitas e o início daconquista da terra fir-me por criaturas cheiase couraças, patinhas

e olhos pedunculares.Esqueçam os iranos-sauros Rex e os espertos

 Velociraptores. Esque-çam as florestas do Ju-

rássico e o grito ou trinaros répteis gigantes. Em

Silúria não há “nada”.Reina o silêncio e a so-

lidão. Em Silúria, só estamos “nós”,e é precisamente sobre os conflitoshumanos de quem resolveu se refu-giar no passado profundo, que tocamas narrativas do Steven Utley. Comgênio e maestria. Na companhia deescorpiões, centopeias e aracnídeos.E que golpe de mestre, este de criar

histórias maravilhosas no meio dacinzentude, do vazio e da desolação.Será que tenho de me repetir? Sim-plesmente imperdível.

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 virtude de umaérie de evidências

istóricas, nós lusó-onos temos certezauase absoluta deue os navegadoresortugueses foram

s verdadeiros descobridores da América.No entanto, o fato é que, em fins do séculoXV, Portugal estava muito mais interessadoem descobrir o caminho marítimo para asÍndias do que com o continente america-no. Desses fatos cruciais, todos sabemos.Porém, e se as coisas tivessem acontecido

e forma diferente? E se os navegadoresportugueses não tivessem conseguido do-brar o Cabo da Boa Esperança para atingir Oceano Índico? Bem, então, é possível

que o Novo Mundo houvesse sido desco-berto e colonizado apenas pelos portugue-ses, sem a participação dos espanhóis.

Imaginemos, por exemplo, como pon-to de divergência neste nosso pequenoexercício de história alternativa, que Bar-tolomeu Dias houvesse desaparecido semeixar vestígios ao tentar transpor o Atlân-

tico Sul rumo ao Índico. O naufrágio da otilha comandada por Dias no Cabo das

 Tormentas em 1488 geraria duas conse-quências imediatas:

Em primeiro lugar, sem notícias do para-eiro de Bartolomeu Dias e, à falta de alter-

nativas vi veis de cu razo para chegaràs ndias, El-Rei de Portugal, oão II,

contrariando seu conselho de Estado, deci-e aceitar a proposta estapafúrdia do nave-

gador genovês Cristóvão Colombo de che-gar às Índias navegando para o poente. Emconsequência dessa decisão tecnicamenteequivocada, Colombo acaba por descobrira América sob bandeira lusitana.

Em segundo lugar e pior: falhando emescobrir o caminho marítimo para as Índias

emfins do século XV, os portugueses adiampor três décadas a ambição de controlar omonopólio do comércio das especiarias.

Em compensação, na ausência dos lu-cros fabulosos com tal monopólio, há mui-to o que descobrir, explorar e conquistar noNovo Mundo. Se não vejamos: Colomboaz sua primeira viagem e descobre a Amé-

rica em 1490. Em sua segunda viagem, noano seguinte, o almirante genovês descobreCuba e Lusitânia (Hispaniola, em nossa li-nha histórica), dando início à colonização eà exploração econômica das Antilhas. Afi-nal, os portugueses já estavam bem maisacostumados a lidar com arquipélagos deilhas atlânticas do que os espanhóis e têmêxitos maiores em tais empreendimentos.Paralelamente, Gaspar Corte-Real explora litoral do Novo Douro (Nova Inglaterra)

na Cabrália do Norte em 1498 e Pedro Ál- vares Cabral descobre a Terra do Cruzeiro

do Sul, posterior-mente rebatizad

em sua homena-gem.

O primeirocon a o en re na-

 vegadores portu-gueses e pochtecatlmexicas se dá na Pe-nínsula de Iucatã em 1 5 0 4 ,despertando a cobiça dos lusospara as riquezas de Anáhuac. Defato, entre 1508 e 1510, Affonso de Albu-querque (cognominado “Affonso o Gran-

de”) avassala o Reino Mexica para Portugal,tornando-se o primeiro Vice-Rei do Méxi-co. Em presença de Albuquerque, o Tlatoa- n  Motecuhzoma II jura vassalagem a DomManuel o Venturoso. Esse monarca lusoiria se tornar posteriormente conhecido naEuropa pelo epíteto de “Senhor dos SeteMares”. Entre os mexicas, Dom Manuel écognominado de “O Rei dos Reis”.

Oito anos mais tarde, Fernão de Maga-lhães atinge o Oceano Pacífico e estabeleceo primeiro contato direto dos portuguesescom o Tahuantinsuyu (Império Inca). Osemissários do Inca Huayna Capac (1450-1525) trocam presentes com os portugue-ses. No comando de uma pequena comiti-

 va, Magalhães é recebido na corte do SapaInca em Cusco nas Alturas.

Afonso deA lbuquerque 

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 A diplomacia e as políticas lusasem relação aos povos e culturasavassaladas neste cenário alter-

nativo diferem sobremaneirada forma como que os caste-lhanos lidaram com essa gra-

 ve quest o em nosso contextohistórico. Sobretudo no que

se refere aos grandes impériospré-cabralinos. Em vez de destruir

t a i s impérios, os lusitanos os avassala-riam, à semelhança do que realmente fize-ram com os reinos da Península Indiana denossa linha histórica. Aliás, de certo modo,a conquista dos grandes reinos das Cabrá-lias teria sido mais tranquila e amena para osportugueses do que a conquista da Índia.

Para manter os vínculos de lealdade comseus novos vassalos, já em 1511, cerca dequinhentos teuclahto  (nobres heredit rios) e

teteuctin  (lordes) mexicas e acolhuas,fi

lhos damais elevada nobreza da Tríplice Aliança de Anáhuac, são levados para Portugal afim dereceber educação cristã. A finaflor das no-brezas mexica e acolhua se assombra ao de-sembarcar em Lisboa a Branca após mesesa bordo das caravelas de seus suseranos. Em

 verdade, não obstante o fato de receberemeducação esmerada e tratamento condizen-te às suas posições de fidalgos, esses teteuctin constituem de fato reféns de luxo. Sua esta-da na Europa garante que os tlatoqu mexi-cas e aliados nem sequer cogitem se revoltar

contra El-Rei.Quando enfim regressam a Anáhuac al-

guns anos mais tarde, esses jovens mexicase acolhuas já se encontram lusitanizados obastante para servir em postos de coman-do intermediário nos exércitos de El-Rei. Jáas fidalgas mexicas se tornam aptas a des-posar oficiais lusitanos. Talvez até mesmoalguns dos maiores comandantes das TrêsCabrálias, como Affonso de Albuquerque e

 Vasco da Gama, ousassem desposar as maisormosas e bem-nascidas dessas beldades

ameríndias.Se, ao contrário dos conquistadores cas-telhanos nas Américas, os suseranos portu-gueses nas Cabrálias, em vez de obliteraremos Impérios Inca e Asteca, alistassem seus

 vassalos lusitanizados para auxiliar a metró-pole a travar suas guerras no Novo Mundoe algures, é de se supor que, a médio pra-zo, representantes das hierarquias nativasandinas e mesoamericanas acabassem portravar contato umas com as outras. Dessescontatos, adviria uma troca de experiênciasecunda.

Se os portugueses de fato possuíssemas Três Cabrálias e se tornassem senhoresabsolutos de todo o ouro asteca e da pratainca, é de todo provável que tal proeza pro-

 vocasse despeito nas demais potências eu-

ropeias, sobretudo, a inveja de Castela. Poroutro lado, sem as conquistas americanas, éde se supor que a união entre Aragão e Cas-tela se visse em dificuldades após a morteda Rainha Isabella. Admitindo que a Es-panha lograsse se manter unida, talvez ummonarca descendente dos Reis Católicosarmasse uma esquadra para tentar se apo-

derar de algumas possessões lusitanas noNovo Mundo. Se tal ocorresse, os infantese marinheiros incipientes de Castela teriamque enfrentar os veteranos lusos e, quiçá,mexicas, arregimentados por Affonso de

 Albuquerque e Vasco da Gama.Com o tempo, é possível que os lusos se

 vissem tentados a influir em contendas tra- vadas por seus vassalos. Munidos de cava-los, pólvora, espadas de aço e conselheiroslusos, os exércitos do Tlatoani MontezumaII conquistariam vitórias decisivas sobre os

tarascas. O Reino Tarascatl iria se tornarEstado vassalo do Império Culhua-Mexica.Embora o soberano Tangaxoan III pudes-se até ser mantido no trono tarascatl, seriaobrigado a pagar tributos pesadíssimos à

 Tríplice Aliança Tenochilitão-Texcoco-Tla-copão. Do outro lado dos Andes, é de todopossível que forças lusitanas e/ou lusitani-zadas desempenhassem papel relevante naguerra civil fratricida travada no ImpérioInca entre os irmãos Atahualpa e Huáscar.

Com tantas batalhas a travar no NovoMundo, tantas conquistas e desco-

bertas a empreender, com-preensvel que o caminhomarítimo para as n-dias só fosse desbra-

 vado lá pela terceiraou quarta década do séculoXVI. A pen nsula indiana seriaprovavelmente atingida ap s atravessia do Oceano Pací-fico, por uma esqua-dra largandode um porto

qualquer dacosta oeste daCabrália doSul. Então,quando osnavegadorespor ugueses en-fim chegassem àsÍndias, desembarca-riam em Calicute ouCochim na qualidadede senhores leg timosdo Novo Mundo,embaixadores deEl-Rei de Por-tugal, o Rei dosReis, Senhor dosSete Mares; re-

presentantes do maior império marítimo dahistória.

Essa epopeia magnífica nas Cabrálias ealgures jamais cairia no esquecimento, pois

 João de Barros, vero Tito Lívio lusitano, pu-blicaria nos primeiros anos da segunda me-tade do século XVI, sua obra monumental,

D cadas de Cabr lia .

GersonLodi-Ribeiropublicouduas noveletas naversãobrasileiradaAsimov’s: aFChard“Alienígenas Mitológicos”eahistóriaalternativa“AÉticadaTraição” queabriuas

portas dosubgêneronofantásticolusófono. FinalistadoSidewiseAwards (2000) comoconto“Xochiquetzal”; autordas noveletas premiadas “OVampirodeNovaHolanda”(PrêmioNova1996) e“AFilhadoPredador” (Nautilus,1999— publicadana“Sci Fi News Contos”), das coletâneas“Outras Histórias...”, “OVampirodeNovaHolanda, OutrosBrasis, Taikodom: Crônicas” e“As Melhores Histórias deCarlaCristinaPereira”, edos romances “Xochiquetzal:umaPrincesaAstecaentreos Incas” (históriaalternativa)e“AGuardiãdaMemória” (FCerótica— PrêmioArgos 2012). PresidentedoClubedeLeitores deFicçãoCientí ficanos biênios 1999-2001e2001-2003. Editor dasantologias “PhantasticaBrasiliana”, “ComoEraGostosaaMinhaAlienígena!”, “EróticaFantástica1”, “Vaporpunk”,“Dieselpunk” e“Solarpunk”.

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Esta é uma questão que, mesmo na segundadécada do século vinte e um, ainda é mui-to discutida na academia, nos jornais e nasrevistas da moda, e está sempre sob o olharda mídia – seja na pauta do dia dos jorna-listas especializados em tecnologia, seja nascolunas de cotidiano, bem-estar e até saúde,

onde a questão do livro digital e do aparelho de leitura digital(ou leitor digital, conforme o chamaremos de agora em dian-te nestas páginas) não raro provoca espanto e desconfiança,

como se esse tipo de objeto técnico fosse algo maléfi

co ou, namelhor das hipóteses, algo cuja utilização requer muito cuida-do, e deveria ser supervisionado por adultos, ou melhor: poradultos especializados.

Mas acho que esta revista é o último lugar onde esta per-gunta deveria ser feita. Afinal, nós, leitores e escritores de fic-ção científica, pensamos em modos alternativos de leitura hátempos. Das bobinas de shigawir  de Duna aos implantes cere-brais dos livros cyberpunks, passando pelos PADDs de StarTrek   (e essa s a pontinha de um imenso iceberg), a ficçãofantástica literária e cinematográfica nos oferece uma pletorade artefatos de leitura criados para facilitar a nossa vida. Porque deveríamos sequer pensar duas vezes quando finalmentenos é oferecida a chance de botar as mãos num dispositivoque pode armazenar centenas de livros e nos permite alternarentre diversos livros sem sair do lugar mais rápido que um

computador desktop ou mesmo um notebook, com todos osbenefícios (como efetuar uma busca por determinadas pala-

 vras ou fazer anotações no próprio texto sem riscar as palavrasou manchar o papel)?

 A história dos meios de leitura é fluida; ela nunca foi (tro-cadilho intencional) escrita na pedra. Das tabuletas de argilados sumérios aos papiros egípcios e pergaminhos iluminadosmedievais, e quase finalmente, aos códices (ancestrais diretosde nossos livros físicos atuais) a humanidade sempre tentouaprimorar a maneira de ter um acesso melhor à palavra escrita.

or mais estranho que possa parecer aos ouvidos e olhos dehoje, nem todos gostavam da ideia de um suporte escrito parao registro da palavra. Platão pode ter sido o primeiro, ao me-nos na história registrada do Ocidente, a sugerir que escreverera sinal do declínio da civilização, pois ao por palavras em ummeio de transmissão físico, perderíamos nossa capacidade dememorizar – e assim a transmissão oral da história chegariaao fim. Platão não estava totalmente errado, mas A Ilíada AOdisseia , de Homero (ainda que se dispute ao autoria dessasobras e a existência de um poeta com esse nome, mas a anti-guidade dessas narrativas não é disputada), já foram desde en-tão traduzidas para o modo escrito, e depois disso para o meioimpresso (e hoje, para o meio audiovisual, graças ao cinema eà internet). Essas histórias não se perderam para nós, mesmodepois de dois mil e quinhentos anos.

arafraseando Emily Dickinson, um livro é um livro é umlivro é um livro. Será que ele realmente precisa estar contidoentre as capas do códice? Por mais que eu tenha amor a umlivro físico, com sua textura e seu cheiro (sim, assumo o feti-che, se é que isso é fetiche), e o nome desta coluna é tanto umahomenagem quanto uma referência ao famoso livro de AnneFadiman, Ex-Libri  (que adoro e releio volta e meia – em sua

 versão física, vejam bem), ainda assim tenho mais amor peloque seu interior encerra. Sou um arúspice de livros: leio as fra-ses como um adivinho da Roma Antiga lia o futuro nas entra-

nhas dos animais sacrificados; eu retiro as tripas de parágrafosdo corpo do livro e decifro seus significados ainda quentes,fumegantes. s vezes os devoro. Outras, os compartilho comoutros, pois senão onde está a graça, onde o prazer?

O que sou, ao fim e ao cabo, antes mesmo de ser escritor, éPADDs de Star Tre

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um leitor de histórias. His-tórias contadas por pessoasdesde tempos imemoriais,por homens e mulheresque usaram seus cérebros,suas vozes, seus corpos,suas imaginações, paracontar a outros homens emulheres coisas que viramouviram, sentiram ou sim-plesmente pensaram – poisesse é o poder da mente.

Então, quando finalmen-te essas histórias começa-ram a ficar disponíveis emormato digital, também eu

me tornei disponível paralê-las assim, tamanha a mi-nha curiosidade. Não foi

amor à primeira vista, mascer amen e começou com

ma grande fascinação: sempre senti isso por computadores.esde a adolescência, nos tempos de escola técnica, (quando

comprei meu primeiro computador, um TK-82C made in Bra- il  um an logo do Sinclair brit nico) rapidamente me acos-

tumei a ele, e depois disso ao MSX Gradiente, e depois final-mente a um PC 286, meu primeiro com sistema operacional

 Windows, seguido pelo 386, pelo Pentium e o mundo da Web – mas sem abrir mãos dos livros de papel.

E foi assim que me tornei fã do livro digital, ou e-book, queurante anos só podia ser lido nos desconfortáveis formatose HTML ou PDF (ou em códigos ligeiramente melhor elabo-

rados e mais confortáveis dentro de CD-ROMs), para, a partir

e 2007, começarem a ser substituídos universalmente por ou-tros tipos de arquivo com formatação mais elegante como oePUB, o .MOBI e o kf8 (este último criado em 2011 para sersado com o Kindle Fire).Nesta coluna, a intenção é falar não de títulos específicos

embora isso possa ser feito de vez em quando para ilustrarm exemplo); o que pretendo é falar um pouco sobre e-books

e e-readers a partir da experiência de um escritor que é usuárioávido desses leitores (possuo três, sem contar os aplicativospara celulares). Aqui vocês lerão um pouco sobre minhas des-cobertas, alegrias, decepções, reflexões. Boa leitura.

apaEx-Li ris

de Anne Fadiman

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Nos últimos anos, as editoras brasileiras têmcorrido atrás do seu histórico atraso em relação aosclássicos da literatura fantástica. Por isso, autorescomo Howard, Lovecraft e Dunsany apareceramnas prateleiras, A companhia negra  de Glen Cookfinalmente teve uma edição nacional e, impulsionadopela série da HBO, George R. R. Martin se tornouum fenômeno de vendas no país. A obra de J. R. R. Tolkien tem sido constantemente reeditada, comedições especiais em lançamento simultâneo com oresto do mundo. Porém, ainda faltam muitas obras,séries completas que estão longe do público. Coma chegada de Mago A prendiz  a Saída de Emergênciaestreia no Brasil preenchendo uma grande lacuna.

Obra: Mago - Aprendiz Autor: Raymond E. FeistGênero: Literatura FantásticaEditora: Saída de Emergência

 Tradução: Cristina Correia

Preço: R$ 39,90

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Foi só em 1982 que publicou seu pri-meiro livro, Magician , que con a o co-meço da Guerra da Brecha. O romancetornou-se um sucesso de vendas, ga-nhou três sequências diretas ( Silverthorn ,A Darkness at Sethanon e Magician’s En 

 Àprimeira vis-ta, Midkemiapode pare-cer com ummundo comoaqueles que

estamos fa-miliarizados a ver em leituras e filmes. A vida é durapara os camponeses e servos, nobresdisputam o poder – às vezes na pon-ta de uma espada – elfos vivem semi-isolados nas florestas e anões explo-ram minas. Toda essa sensação de pazse quebra quando Pug, o aprendiz demago de Crydee, e seu amigo Tomas,um jovem soldado, encontram um es-tranho navio naufragado. Sem saber,os dois revelam um plano de invasãoque irá colocar todo o seu mundo emperigo e começar a terrível Guerra doPortal.É assim que começa uma das mais

importantes séries da literatura fantás-tica mundial. Com vinte e cinco livroslançados (e alguns contos e históriascurtas), Raymond E. Feist tornou-sem dos escritores mais vendidos do

gênero contando as desventuras dos

ois amigos em meio ao turbilhão quemuda todo o seu planeta. Participame batalhas épicas e encontram estra-has criaturas, ao mesmo tempo em

que procuram desvendar o mistérioque trouxe os tsurunai ao seu mundo.

 A série, chamada de Riftwar Cycl  – (Ci-clo da Guerra do Portal), foi encerradaem 2013 com o lançamento mundial

e Magician’s En   fechando um ciclo detrês décadas de mais de 15 milhões deexemplares vendidos.

ode parecer impossível, mas todo essesucesso começou por acaso. RaymondE. Feist, filho adotivo do produtor decinema Felix Feist, criou o seu univer-so como cenário para os jogos de RPG

(Role Playing Games) de seu grupo deamigos na faculdade, ainda na década

e 1970. Inspirado pelas aventuras dospersonagens e pelo universo que os en-

 volvia, começou a rascunhar o seu pri-meiro romance no começo da década

e 1980.

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e deu origem a todo um ciclo deistórias, espalhadas por livros,

quadrinhos e jogos para compu-tador.

aymond E. Feist foi tãoem-sucedido que, no décimo

aniversário da publicação de‘Magician’, lançou uma edi-ção especial, dividindo o livroem dois com – muito – mate-rial extra. E é essa a edição, apreferida do autor, que é lan-çada pela Saída de Emergên-cia como ‘Mago: Aprendiz’ e‘Mago: Mestre’.

O segredo do sucesso da sériee Feist, que a fez atravessar

três décadas e ainda atrair leito-res hoje em dia, parece simples.

Os livros combinam uma tra-ma envolvente, bem detalhadae construída, com um cenáriocoeren e que, ao mesmo em-po que nos é conhecido, guardamuitas novidades e surpresas.

as talvez seu grande trunfosejam os personagens. Seja nacidadela de Crydee, na cidade deKrondor, nos campos de escra-

 vos de Kelewan ou atravessandoas minas de Mac Mordain Ca-

al, são eles que nos pegam pelamão e fazem a história aconte-cer ao seu redor. Suas emoçõese problemas são reais, convin-centes e suas personalidades sãomuito humanas, mesmo quan-

o estamos falando de serese outros mundos. São sempre

personagens carismáticos, pro-tagonistas ou não, que transitamcom falhas e qualidades. Mesmoentre os inimigos, os tsurani, épossível encontrar pontos deidentificação.

 Acompanhamos esses perso-agens no desenrolar da guer-

ra que se aproxima. Com eles, vamos conhecendo a estranharaça dos tsurani, alienígena em

m mundo que convive comtrolls, goblins e kobolds. Des-cobrimos as terríveis brechas eseu poder de desafiar o tempoe o espaço (o que dá um gos-tinho de Ficção Científica à

saga, já que é comum nesse gê-ero as histórias sobre os con-tatos, nem sempre pacíficos,entre duas raças de planetas

iferentes).

UM MUNDO RICO E COMPLEXO

 A história começa em Crydee,mas logo se espalha por toda aMidkemia e chega a Kelewan,

ão só nos dois primeiros li- vros, mas na grande série quese sucede. Há vários lugares deinteresse:

Crydee: A cidade de Crydeeé sede do ducado de mesmo

ome. É um posto avançado doeino das Ilhas, no seu extremoeste, na costa do Mar Sem Fim.

Foi em suas praias que omas eug descobriram o naufrágio dem navio desconhecido.

Elvandar: A principal cidade él- ca fica escondida no meio do

Coração Verde, a grande floresta

ao norte do continente de Tria-gia. Totalmente composta porárvores gigantescas ligadas porpontes verdes, é protegida de

invasores por encantamentos ecriaturas como dríades, lobos e

sos.lha do Feiticeiro: Já foi conhe-

cida como ‘Insula Beata’, porémepois que o mago Macros,Negro, fugiu para lá, os ma-

rinheiros passaram a evitá-la.Seus altos penhascos são enci-

mados por um castelo, de cujatorre saem arcos de energia eruídos medonhos. Nunca mais

inguém viu o feiticeiro ou sabeseu destino, já que o único si-

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 Talvez depois de tudo isso ainda fique a pergunta “vale apena ler um livro que saiu há mais de trinta anos?”.O bom de um clássico é que ele não envelhece. Estásempre atual, sempre tem algo novo a dizer para umanova geração de leitores. Atualmente, a série de Ray-mond E. Feist traz de volta uma fantasia mais aberta,em que magos fazem bolas de fogo, dragões falam e te-

souros mágicos podem mudar a vida de alguém – para obem ou para o mal. Além disso, Mago: A prendiz Mago:Mestr  são livros que falam sobre crescimento, transfor-mação e as dores da mudança, que sempre vêm com aidade. E Raymond E. Feist tratou desse tema com umapropriedade que fez seus livros ainda serem tão relevan-tes, mesmo trinta anos depois.

nal de vida são os raios e uma única janela iluminada docastelo.Krondor: a cidade na costa do Mar Amargo é a sede doducado governado pelo Príncipe de Krondor, o herdeirodo Reino das Ilhas. Com isso, tornou-se uma das mais im-portantes cidades da parte oeste do reino, crescendo cada

 vez mais. O palácio, que fica no centro da parte murada,chama a atenção, pois fica no ponto mais alto da cidade.Mac Mordain Cadal: a mina abandonada fica debaixo dasmontanhas conhecidas como Torres Cinzentas. Um gran-de rio subterrâneo percorre a mina, que se conecta compassagens ainda mais antigas e inexploradas. Poucos seaventuram a atravessá-las, já que são habitadas por criatu-ras terríveis. Quem se arrisca, dificilmente consegue sair.

O N D E D E S C O B R I R M A I S S O B R E O A U T O R :

 — midkemia.wikia.com — crydee.com — elvandar.com

a o  a e  u  

b o  ri   ...  e  o g i e  

u   r  q   t   se  c ia  

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cc   i   e  ,, co t   u ... pr   v  a  ,, 

j t   o r u  s  ii a .  re ,, d  

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s   ,, a  r  

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o   e u c   ss

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o .....  a r i   l d  tal  o  o  l zi ......

  o v    l   u  s   ,,to r s   ..... e   a   l   i

a m r ca   o  e  o   ..

Ana Cristina Rodrigues, 30 e mais algunsanos é escritora, historiadora, editora,tradutora, professora e funcionáriapública. Comvários contos publicados,

tentafinalizar umromance. Tuita como@anadefinisterra e seu blog é http://talkativebookworm.wordpress.com/

O   1

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  A rústica cidade de Crydee é um posto avançado, na frontei-ra ocidental do Reino. Está localizada na foz do Rio Crydeejunto ao Mar Interminável, no trecho conhecido como Cos-ta Extrema. Em seus primeiros anos, era um forte keshiano,mas foi conquistada e transformou-se em uma fortaleza doReino, um ponto vital de defesa. Tudo o que, anteriormen-te, era a velha província de Bosania do império keshiano, àexceção das Cidades Livres de Natal, tornou-se o Ducadoe Crydee. Muitos dos maiores heróis de Midkemia podem

chamar Crydee de lar – os mais famosos deles são Pug, To-mas, Arutha e Martin do Arco.

O Coração Verde é a parte mais profunda das grandes flo-restas cercadas pelas Torres Cinzentas e pelo Rio Crydeea leste e a oeste, pelo Lago do Céu ao norte e pela CostaExtrema ao sul. O Coração Verde é considerado um lugare trevas e presságios, e desde que foi descoberto tornou-se

um local de grandes perigos. A maioria teme os domíniosa Irmandade das Trevas, ou Moredhel, que vivem em suasmais profundas clareiras. Os Moredhel da floresta, emborasejam um povo perigoso de se encontrar, não têm exata-mente o mesmo nível de agressividade testemunhado emseu clã da montanha ao norte.

 As Torres Cinzentas são uma cordilheira que se estende dosul a partir do Lago do Céu até as Cidades Livres. Antes

a invasão dos Tsurani, as Torres Cinzentas eram o lar de

uma grande população de Moredhel. Os Anões do Oeste,sob o estandarte de Dolgan Tagarson, da linhagem Tholin,chamam as Torres Cinzentas de lar. Há minas, cavernas etúneis antigos sob essas montanhas. Muitos foram cavadospelos Anões, enquanto procuravam ferro e ouro. Algunssão naturais, criados quando as montanhas nasceram. Eoutros já estavam lá quando o povo Anão chegou às Tor-res Cinzentas, cavados só os deuses sabem por quem.

Ilha do Feiticeiro está localizada no Mar Amargo, entreas ilhas de Queg e Krondor; é um lugar misterioso e ater-rorizante para os marinheiros. Lar de Macros, o Negro,considerado por alguns o maior feiticeiro que o mundo jáconheceu. No ponto mais alto da ilha, um castelo negro –uma coisa de aparência malévola com quatro torres e mu-ros de pedra – recorta-se contra o céu. O castelo é a fontede terríveis arcos de energia, raios prateados que sobemalto no céu, desaparecendo por entre as nuvens, acompa-

nhados por zunidos barulhentos que ferem os ouvidos.Uma luz azul brilha pela janela de uma de suas altas torres,mirando o oceano.

Krondor é o lar tradicional do herdeiro legítimo do tro-no do Reino das Ilhas. Localizado na costa leste do Mar

 Amargo, é a capital do Reino Ocidental. Antigo entrepostocomercial da cidade keshiana de Bosania, tem uma longa eturbulenta história, em que numerosos príncipes e duquesbatalharam pelo controle da cidade.

ea, na página seguinte, o mundo de Midkemi

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Rillanon é a capital do Reino Oriental, e também a capitalde todo o Reino das Ilhas, às vezes, é citada como “A Ci-dade do Rei” e “A Joia do Reino”. Rillanon ergue-se comoum amontoado de campanários altos, pontes graciosamentearcadas, e estradas que se curvam gentilmente, espalhadasno alto de montanhas onduladas. Sobre torres heroicas,estandartes e bandeirolas esvoaçam ao vento, como se acidade celebrasse o simples fato de sua própria existência.

 A cidade-ilha foi construída sobre muitas montanhas, comdiversos riachos descendo para o mar. Parece aos visitantesser uma cidade de pontes e canais, tanto quanto de torrese campanários. As construções são revestidas de blocos depedra coloridos, muitos de mármores e quartzo, dando-lhesuma suave cor branca, azul ou rosa. Os paralelepípedosdas ruas são regularmente limpos, e mesmo as sarjetas sãolivres de lixo e entulhos vistos em outras cidades. Um riocorre diante do palácio, de modo que a entrada foi cons-

truída sobre uma ponte alta que forma um arco por sobrea água até o pátio principal. O palácio é uma coleção deimensas construções ligadas por grandes saguões que se es-parramam no alto da encosta no centro da cidade. A cons-trução é revestida de pedras de muitas cores, que lhe dãoum aspecto de arco-íris. Muito da beleza majestosa de queRillanon goza hoje em dia foi obra do rei louco, Rodric.

 

Elvandar é localizada nas grandesfl

orestas ao norte doCoração Verde. Desde tempos remotos, é o lar dos Elfos(Eledhel), protegida por feras e magia contra todos aquelesque se aproximam sem convite. O centro de Elvandar éuma cidade construída inteiramente com árvores gigantesligadas por pontes altas em forma de arco. Muitas dessasárvores têm folhagem prateada, branca ou dourada. Oselfos são um povo alto e gracioso cujas vidas naturais po-dem durar séculos. São uma das raças nativas mais antigasde Midkemia. Eram servos dos Valheru – os Senhores dosDragões – cujos grandes poderes abriram portais para ou-tros mundos durante as Guerras do Caos, permitindo queraças de humanos, anões, goblins e outras entrassem emMidkemia. Os elfos e seus primos distantes, os Moredhel,oram dizimados no conflito das Guerras do Caos e luta-

ram para sobreviver no mundo depois que os Valheru desa-pareceram. Os Moredhel escolheram um caminho sombrioe os elfos seguiram seu caminho na direção da luz. Os elfossão governados pela Rainha Aglaranna.

O Reino das Ilhas, também conhecido simplesmente

como “O Reino”, foi um dia um restrito à ilha de Rilla-non, mas cresceu e dominou os reinos das ilhas vizinhas, eexpandiu-se para o continente. A família conDoin gover-nou o Reino por centenas de anos. Dannis foi o primeiroconDoin a ser coroado Rei de Rillanon. Era um líder tribal

que unificou os povos da ilha. Dois séculos depois, seudescendente, Delong, o único rei a ser chamado “o Gran-de”, trouxe o estandarte de Rillanon para o continente coma conquista de Bas-Tyra. O conflito entre o Império doGrande Kesh e sua subsidiária, a Confederação Keshiana,levaram ao recuo das tropas keshianas de seus territóriosno norte. O Reino das Ilhas agarrou esta chance paraexpandir-se fundo a oeste, abraçando as terras do Mar Amargo pela Cordilheira das Torres Cinzentas até o MarInterminável. O avô do Duque Borric, o filho mais jovemdo Rei, levou os exércitos do Reino ao oeste e estabeleceuo Reino Ocidental. O Reino foi governado pela DinastiaconDoin por várias gerações. Embora reconhecidos comouma única nação, o Reino tem duas personalidades distin-tas e é, praticamente, dois estados unidos. Ao leste, a sededo governo é a magnífica cidade de Rillanon, mas Krondormarca o começo do Império Oriental e governa as terras aoeste de Crydee.

O Império do Grande Kesh está localizado ao sul do Rei-no, ocupando a maior parte da região sul de Triagia. É amaior entidade política do continente. O Império é vastoe inclui muitos povos e culturas diferentes. Grande Kesh éprovavelmente a nação mais cosmopolita em Midkemia. Ocontrole poderoso que o Império tem sobre suas terras epovos mantém a estabilidade necessária diante de tamanhadiversidade. Do centro do poder na antiga Cidade Imperialdo Kesh, nas margens do Overn Profundo, o Império égovernado por “aquele/aquela que é chamado de Kesh” –

uma Imperatriz ou Imperador que goza de statu  divino.

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Não escrevofantasia; escrevoromanceshistóricossobre um lugarimaginário. Pelomenos é como

enxergo. Sempre tive uma imaginação viva. Lia histórias de aventura quandoera criança; Robert Louis Stevenson éuma das maiores influências na minha

escrita. E você simplesmente nãoencontra algo como Os Três Mosqueteiros  ouCapitão Blood  hoje em dia – de formaque cabe à ficção científica e à fantasiapreencher a lacuna.

Cresci em um ambiente familiar emque a imaginação era encorajada, mashoje em dia se ouvem pessoas dizendoàs crianças: “Pare de sonhar acordado epreste atenção!” Crianças espertas sãopostas nas aulas de ciência, não em arteou música. Não se escuta “Ei, temos um

gênio aqui, dê-lhe um violino, um pincel,uma caneta.” Há um senso comum,atualmente nos Estados Unidos, de quearte é o mesmo que frivolidade. Pessoas“sérias” não ganham a vida escrevendolivros. Bem, eu ganho. Eu sou, por muitasorte e alguma habilidade, um contadorde histórias remunerado, embora tenhasido programado para pensar que deveriaser um cientista, médico ou advogado.De alguma forma, apesar dos grandesesforços do Sistema Unificado de Escolasda Cidade de Los Angeles, ainda consegui

me tornar escritor, um tecedor de contos,um criador de mundos.

Midkemia é um mundo virtualcriado por um bando de amigosda Universidade da Califórnia de

San Diego quase quarenta anosatrás. Criamos pela diversão, comopassatempo. Foi lá pela época emque Dungeons & Dragons era umafebre. Mas D&D era subdesenvolvidopara nossos gostos, e decidimos nos

 valer de nosso conhecimento emhistória medieval e nosso amor pelafantasia para criar um mundo parajogo, mais completo: Midkemia.Criamos personagens, países, alianças

políticas e disputas, um sistema demagia, um panteão de deuses – umlugar maravilhoso e mágico quenão existia em lugar nenhum excetoem nossas próprias cabeças. Nós otrazíamos à vida quando nos reuníamosregularmente (toda noite de quinta-feira por um tempo, depois todas asnoites de sexta-feira), mestrando oujogando com personagens. Jogadorescompreendem este tipo de criaçãode mundos, mas para muitas pessoas

poderia parecer algo estranho. E talvezseja, mas na minha opinião, não é maisestranho do que andar com carrinhosde golfe na chuva, colecionar cadapublicação de cada LP que os Beatles jálançaram, ou comprar cada selo utilizadopelo Serviço Postal dos Estados Unidos.Mais tarde, meu amigo Steve Abramssugeriu que eu contasse a história decomo Greater Path Magic [A Mágicado Caminho Superior] (Não sabe o queé? Leia os livros!) chegou a Midkemia,do que resultou meu primeiro romanceMago , publicado em 1982. No intuitode entrar em conflito com o universoque havíamos criado, ambientei Mago ,o primeiro dos romances da Guerra doPortal, 500 anos antes do nosso jogo.

Escrevi a história sobre Midkemia queos Friday Nighters haviam criado.

O que nunca imagináramostodos aqueles anos atrás era que essemundo iria adquirir vida própria alémde qualquer coisa que poderíamossonhar, que Midkemia encontraria seucaminho para casas de todo mundo

 – não apenas nossos apartamentosde estudantes. Eu não começara aescrever então, e a possibilidade de um

jogo de computador era nula, já que ocomputador pessoal não existia ainda.Criamos Midkemia apenas para nossadiversão. Os livros, jogos e outrosprojetos em curso são todos parte deminha tentativa de compartilhar comleitores e jogadores meu amor por esteexcêntrico e impossível mundo criadopor “pobres famintos” estudantes degraduação. Qualquer beleza única emaravilhamento advindos desse mundo éo legado daqueles criadores originais; sou

meramente um contador de histórias.E é esta a essência do meu trabalho.Não estou tentando produzir Arte(“A” grande). Estou tentando tocar asemoções, trazer ao leitor um mundofantástico e exótico. Amo aventura ecoisas assustadoras no escuro, e atosheroicos, princesas adoráveis queprecisam ser salvas (ou talvez não,conforme as circunstâncias demandem).Meu trabalho é uma aventura, e foiprojetado para mostrar a você o queas pessoas fazem em circunstâncias

adversas e ambientes fabulosos. Meuobjetivo é entreter e surpreender, e nãoconheço nenhum lugar mais divertidoe surpreendente do que o maravilhosomundo de Midkemia.

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24 //BANG!

Mago foi publica-do em 1982 e deuorigem a uma sé-

rie de livros e aum universo que já apareceuem diversos formatos. O quemudou na Fantasia nessas trêsdécadas? Como isso refletiunuma série que foi escrita du-rante todo esse tempo?REF: Para mim, é difíci l avaliaro que mudou na Fantasia nes-sas três décadas, já que estouocado no meu trabalho e não

na indústria de entretenimen-

to, mas sou um observadorcomo qualquer um. O sucessode filmes e jogos aumentou deuma forma totalmente nova ointeresse do público em geral.De Harry Potter a A Guerra dosTrono , o gênero fantástico temalcançado uma audiência muitomaior do que jamais teve, prin-cipalmente fora do círculo dosãs de fantasia a que estava res-

trito na década de 1960.

O livro chega ao Brasil já nasua “edição preferida”. Noque isso beneficia os leitoresbrasileiros, que só tiveramcontato com seu universo

através de Betrayal at Krondor ,o jogo para PC? Aliás, foi omeu primeiro contato, o que

me fez procurar saber maissobre a série.REF: Bem, essa é a única ver-são que está sendo traduzidaatualmente. E como o nomeimplica, é o texto que eu pre-firo, já que na edição originaltive que cortar um grandetrecho de material, que pudeacrescentar dez anos depois.Logo, o benefício – se é esteo termo – seria que o leitor

brasileiro teria em suas mãos otexto completo, não sua versãocondensada.

Com a recente explosão da li-teratura fantástica, surgirammuitos novos nomes. Algumque tenha chamado a atençãopela influência recebida doslivros de A Saga da Guerra doPortal ?

EF: Sinceramente, não pen-so nisso. Acabei de voltar da

 Austrália, onde alguns jovensescritores disseram terem sidoinfluenciados por mim. Isso ébom, mas ser uma influênciano trabalho de alguém faz com

que eu me sinta velho. Prefiropensar que, se tive algum im-pacto, foi o de tocar em um

 “ ”que já estava lá.

Magician’s End [O F im do Mago]foi realmente o capítulo finaldo Ciclo? Quais os seus pla-nos como escritor, agora queMidkemia já não é um desafio?REF: Sim, Magician’s End [O Fim do Mago] é o último livrode A Saga da Guerra do Portal.

 Atualmente não tenho planos

para Midkemia, já que estoutrabalhando em uma nova sé-rie, em um novo universo. Issonão quer dizer que não irei vol-tar a Midkemia, mas que se issoacontecer, não teremos maishistórias da Guerra do Portal.

O senhor tem alguma históriapreferida entre todas as quecontou sobre Midkemia e asguerras? E algum personagemmarcante, que tenha dado or-

gulho de tê-lo criado?REF: É como ter filhos, vocêama a todos apesar de suasdiferenças. De todos os meuslivros, alguns foram mais di-

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 vertidos de serem escritos, enquantoutros foram mais recompensadorese outras formas. Adorei trabalhar

em colaboração e cada um dos au-tores me deu dicas e ideias sobre oprocesso criativo que eu não teria de

utra forma. Acho que os persona-gens são vistos de for-ma diferente pelo es-critor e pelos seus lei-tores. Entendo por quemeus leitores se ligam

emocionalmente a umpersonagem – e aceitoisso como um fato. Maspara um escritor elessão meios para atingir

m fim, para fazer aistória progredir e adi-

cionar elementos dramáticos. Algunssão mais divertidos de serem escritos,como Amos, Jimmy e Nakor, mas nãotenho orgulho de nenhum em espe-cial.

 Atualmente, muitos jovens tornam-seleitores ao entrarem em contato comlivros que foram adaptados para ou-tras mídias, sobretudo o cinema, mastambém jogos. Como o senhor vê as

adaptações? Há alguma possibilida-de de vermos Pug, Tomas e outrospersonagens de Midkemia nas telasdo cinema?REF: Perguntam muito sobre isso.

 Acontece que as pessoas não enten-dem bem como funciona a indús-

tria de entretenimen-to. Nós estamos sem-pre conversando compessoas da indústriado cinema, TV e de

jogos, então a pos-sibilidade das adap-tações está semprepresente – mas só secomercialmente fizersentido.

E finalmente, o que o senhor es-pera do público leitor brasileiro?Somos fãs muito dedicados quan-do nos apaixonamos por autores eséries!REF: Isso é tudo o que um escri-

tor pode querer. Espero que meusleitores brasileiros achem o meutrabalho tão bom e divertido quequeiram ler mais! Obrigado!

R  AYMOND E. FEISTFeist é um dos nomes maisimportantes da história daliteratura fantástica. Nasceuno Sul da Califórnia e,atualmente, vive em SanDiego. Foi também emSan Diego que se formou,com honras, em Ciências daComunicação em 1977.

 Tendo sido traduzido emmais de trinta países, Mago  foio seu primeiro livro e servede base para uma vasta obraque tem conquistado, aolongo dos anos, as listas debestsellers do New York Times  e do Times of London .Quando não está escrevendo,Raymond E. Feist é umcolecionador de DVDs,estudioso da história dofutebol americano, fã deilustração e um grandeapreciador de bons vinhos.

Espero que meusleitores brasileiros

achem o meutrabalho tão bome divertido quequeiram ler mais!

I lustração de Martin Deschambault  

Detalhe da capa dosegundo volume, MagoMestre, nas livrariasem 2014

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 Zezinho e Em ília chegaram à v aranda sorrindo, indiferentes à lam a que

empoçav am no piso de ladrilhos fl orais. Sob a luz v ermelha do crepúsculo,

a sujeira nas roupas pareciam manchas de sangue.

 – Seus capetas! V ão já tomar banho! – gritou V ó Benta, sacudindo o braço

 pelancudo. – Primeiro v ocê, Em ília! Isso lá é brincadeira de menina! – orde-

nou com o ar maternal desfi gurado pela raiva.

 A garota estav a imunda. R estos de capim agarrav am -se às meias coloridas,e chegav am até os cabelos louros. Prov av elmente seguira o prim o numa das

explorações pelas matas do sítio.

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28 //BANG!

 – A culpa é dele, vó! – Emília apon-tou um dedo de Judas para o menino.

 – Não me interessa! – Vó Benta sus-pirou, coçando as pálpebras por baixodos óculos. – Vai logo, Emília, a janta táquase pronta!

Zezinho abaixou a cabeça e aguar-dou um esporro de proporções bíblicas.

 A avó inclinou-se, falando calmamente: – Garoto, presta atenção... – O tomcou suave, quase o mesmo da mulher

atenciosa que o garoto tanto adora- va. – Você poderia ter se machucado. A floresta tá cheia de espinho e capimnavalha. – Ela afagou-lhe a franja, der-rubando um carrapicho que se prendeunas sobrancelhas grossas do menino. –

 Agora limpa os pés no tapete e toma umbanho. Eu fiz cozido.

 Zezinho imaginou o gostoda carne e dos legumes der-

retendo na língua. Vó Ben-

ta era uma cozinheira de

mão cheia e fi cava feliz em

entupir os netos de comida

até as amídalas. Naquele

tempo, expressões como

“alimentação balanceada”

e “nutrição saudáv el” eram

tão exóticas quanto um

 McDonalds numa aldeia

 Xingu. 

 – Tem milho, vó? – inquiriu Emília.

 – Ah tem! – confirmou Vó Benta – Milhos enormes que o Seu Pedrinhotrouxe. Ele guardou os melhores paramim.

 – Oba! – disse Emília, correndocom rara satisfação para o chuveiro.

Zezinho arrastou os pés no capa-cho e entrou na casa aconchegante.Quase tudo era feito em madeira de leie azulejos barrocos. Um útero acolhe-dor, típico das zonas rurais mais prós-peras.

Com um sorriso, Vó Benta retor-nou aos afazeres. Era uma senhoragrande, cheia de carne abraçando ossosmastodônticos, entretanto, movia-secom delicadeza; nem rangia as tábuas

corridas no assoalho, enquanto cruza- va o pórtico da cozinha rústica.

Zezinho subiu as escadas em dire-ção ao quarto. Quando segurava a ma-çaneta para entrar, algo lhe chamou aatenç o.

Nos fundos do corredor, o quarti-ho proibido jazia entreaberto. A por-

ta pintada de branco sempre estiveraaferrolhada com um cadeado – intocá- vel, graças às advertências da avó, po-rém, hoje, estava livre, empurrada pela

risa de verão. Vovó disse que ali ficava o depósi-

to da família. Um lugar exclusivo paraadultos, não crianças.

Ponderando se deveria ceder àcuriosidade, decidiu correr o risco.

Ah, que mal pode fazer O menino esgueirou-se sorrateira-

mente, tomando cuidado para não pi-

sar numa tábua solta. A dona da casatinha ouvido de tuberculoso e escutavatraquinices a quilômetros de distância.

Colocou a cabeça para dentro daresta, deixando a escuridão do cômo-o guilhotinar seu pescoço. Um tímidoaixo de sol penetrava por um buracoo telhado e iluminava um baú rústico.efletidos na luz, grãos de poeira gra-

 vitavam como minúsculos cinturões deasteroides.

Para um menino de dez anos, uma

arca iluminada pelo sol significava a in-terferência do destino – um convite àaventura. Embora fosse um baú ordi-

ário, Zezinho só pensava numa pos-sibilidade:

Tesouro Entrou esbaforido e se arrependeu

quase instantaneamente; estacou deterror, imaginando alguma lagartixa

as sombras. Tinha pavor de répteis,e seus piores pesadelos envolviam umlagarto gigantesco que o perseguia na

oresta. Tentando reduzir o pânico, pro-

curou por um lampião. Tateou velhasotografias, roupas cheias de traças,

entre outros cacarecos. Por fim, en-controu. Convenientemente, também

avia fósforos. Acendeu a luminária,tomando o cuidado de fechar a portaatrás de si.

 Ajoelhou-se em frente à enigmáti-ca caixa. Um adesivo com letras meioapagadas indicava que o baú pertenciaao Tio Sinésio.

Zezinho jamais o conhecera pes-soalmente, mas ouvira lendas a respei-to. Tio Sinésio foi um herói da Guerra

o Paraguai, condecorado pelo pró-prio Duque de Caxias. Segundo as

ofocas nos jantares de Natal, faleceralouco, abandonado num sanatório.

 Abriu o baú. As dobradiças ga-iram como um cão ferido. Zezinho

cerrou os dentes e apertou as pálpe-ras, esperando que a careta tivesse a

habilidade sobrenatural de extinguir oarulho. Esperou dois minutos em si-

lêncio. Como não detectou os passoscontrariados da avó, prosseguiu.O conteúdo da arca emanava um

dor de coisa velha, proibida . Um mistoe mofo e naftalina que não era inteira-

mente desagradável. Viu uma foto des-otada de Tio Sinésio. Zezinho acha-

 va que fotografias de finados sempretinham um ar assombrado, como se afigura fosse piscar ou sorrir a qualquermomen o.

Mas o medo diminuiu ao surpre-ender-se com as semelhanças físicas

que compartilhava com aquele mítico Tio-avô. Herdaram as mesmas sobran-celhas grossas, juntas sobre os olhos.Um bigode fino conferia ao homemm ar respeitoso, severo.

Explorou o tesouro um poucomais, e achou uma velha farda do exér-cito esfarrapada. Medalhas e condeco-raç es ornamentavam os cortes nos

mbros. O traje emanava uma tristezaprofunda. Era a prova de que um diaalguém o vestira, e agora, nem mesmo

seu cheiro permanecia no mundo.Um objeto fino e elegante lhe des- viou o olhar. Como todas as crianças

aquela fase, jamais conseguia prestara atenção em alguma coisa por muitoempo.

Era um cachimbo de bambu fina-ente trabalhado. Uma peça feita

mão. Entalhes de pica-paus amareloormavam um arabesco em espiral

que convergia para o pito. Embaixo dcachimbo, encontrou um diário enca

ernado em couro. Tirou o cadernorepousou ao lado.

Quando seu avô, o Visconde, estava em casa, gostava muito de fumacachimbo na vasta biblioteca da família. Zezinho apreciava o aroma acre dtabaco, mesmo quando lhe provocav lágrimas e tosse.

Homens fumavam, então, ele tamém deveria fumar, afinal tinha quasnze anos. Já não era mais um mole

que. A fumaça deixara o avô forteimponente, e Zezinho queria ser com

ele, para poder entrar na bibliotecahora que bem entendesse.Pegou os fósforos desajeitadament

e acendeu o resquício de tabaco socadali dentro. Um gosto de flores mortas

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relva seca encheu-lhe a boca. A garganta incendiou-se, pr - vocando uma tosse convulsiva...

Mas ao invés de exalar fumaça, um torvelinho de pétal srancas partiu de seus lábios, espiralando pelo ar, animad s

por um titereiro invisível.Zezinho ficou encantado. As pequenas folhas saía ,

azendo-lhe cócegas no céu na boca. Tragou novamente, eessa vez soltou um punhado de mariposas coloridas, que

cintilavam os espectros do arco íris nas asas.O cachimbo era mágico! Mal conseguia conter a excitação. Precisava descobrir

mais sobre o artefato! Apagou a chama com medo que vóBenta sentisse o cheiro. Mas cheiro de quê? Não havia f -maça, só o fôlego criador da natureza. Um perfume de ter amolhada depois da garoa. Afinal, de onde veio o cachimb ?Se havia alguma resposta para a charada, certamente estaria

as linhas daquele pequeno caderno.Curioso, abriu o diário e começou a ler:

Relatório de campanha, Agosto de 1866.

Naqueles dias de inferno, afl oresta brincava conosco. O ar quentee úmido só alimentava a sensação de que todo aquele verde era ummonstro baforando em nossas nucas. Nem os pássaros cantavam na- quelas bandas. E ra sempre silencioso, não o silêncio silvestre da natu- reza, mas a calmaria predatória que antecede o ataque...

capitão Sinésio Monteiro bebeu um gole de água namoringa. O líquido rescindia a barro e minério de ferro.O calor da mata era sufocante, e por mais que tragasse

toda a garrafa, não conseguia compensar o banho de suorque colava suas costas à farda encardida.

Mosquitos orbitavam ao redor de seu cabelo negro, dei-ando-o ainda mais irritado. Era o líder da companhia. Nãopoderia se dar ao luxo de perder o controle – não depois do

esaparecimento do Cabo Aurélio.Os homens estavam irrequietos, varrendo olhares hesi-

tantes para a floresta. Sabia que eles não procuravam inimi-gos.

Era a própria mata que os intimidava.Numa inspeção inocente, parecia apenas um bosque co-

mum, como tantos outros. Não obstante, uma investigaçãominuciosa fazia o animal perdido em seus genes lhe aguçar

s instintos, pressentindo na quietude uma ameaça oculta.Não havia os sons subjacentes da vida silvestre, nem mesmom único criquilar de grilo. Aquela vegetação era amaldiçoa-a, temida até pelos mais estúpidos filhos da natureza.

Foram deslocados para aquele fim de mundo, próximoa um afluente da Bacia da Prata. Os soldados de FranciscoSolano rondavam o lugar, tentando estender as fronteiras

o Paraguai, e abrir caminho até o Atlântico. Os rumoresiziam que o ditador queria tomar o Rio Grande do Sul, e já

cercara a província de Corrientes, na Argentina.Sinésio jamais permitiria que a campanha de Solano

prosseguisse. As ordens do Alto Comando foram expressas:guarnecer os pontos estratégicos até o último homem tom-

ar. E não eram muitos. A febre amarela sepultara metade

o contingente. Restaram cinquenta e três soldados, umatropa ínfima para confrontar uma legião de gringos.Mas não se tratava de vencer ou morrer; tratava-se de

resistir com bravura. Militares burocratas não se destacavampela inteligência ou senso de praticidade. Para os coronéis,

era f cil sacrifi-c -l   em nomeda  i . Dif  ícil eralevantarem os traseiros flácidos desuas escrivaninhas, e manter atrio-tismo com uma bala de chumbo f umegando nas entranhas.

 Antes de ser iludido por essenacionalismo irracional, Sinésioora um homem de teoria, não de p ática.

Lecionava literatura e gramática em Taubaté.Perdido na selva, tão longe da civilizaç o, a antiga fleumaintelectual cedera ao selvagem. Se a esposa o visse agora,certamente teria dificuldades r hecê-lo: pele r-tida em sol, sujeira, e ferida. O bigode – outrora apar do com elegância máscula – ag ora integrava uma barba ere-mítica.

Cuspiu no chão e olhou para os homens em atividade.O acampamento vivia uma rotina indolente. A comida n o chegava com frequência, e os soldados precisavam s

. -

dos, o índio Carlos Cupiaçaba – Cuca para os íntimos – es-tava sobrecarregado. Além de ensinar os outros a capturaranimais e pescar em riachos barrentos, também rastreava osinimigos para a tropa. Era o único capaz de ler os sinais dohomem branco nos elementos da natureza.

Falando no Diabo, Cuca e mais dois homens voltavamda mata com uma expressão sombria. Há dois dias pro-curavam indícios do Cabo Aurélio, desaparecido duranteuma vigília noturna. Ninguém sabia o que lhe acontecera. Anica evidência de que existira alguma vez nesse mundo de

Deus foi a faca que ele largara nos limites da selva. – Nadinha dele, Capitão – Disse o soldado de pele ver-

melha, aproximando-se. – Desci o rio dois quilômetro maisOtávio e Praça Ribeiro, e não achamo o cabo. A essa alturadeve di tá todo carcomido pelos bicho. Tem monte di onçanessas banda.

Sinésio espantou os mosquitos, dizendo: – Não achou nada mesmo? Nem a medalha de identi-

ficação? – Não. – O índio coçou a cabeça, olhando para as botas.

 – Mas achamo um troço meio esquisito preso, lá nas preda do rio.

Uma mão fria dedilhou a nuca do capitão. – Que coisa esquisita, como assim?Sinésio fitou os homens atrás de Cuca. Eles fingiam que

não sabiam do que o índio falava. Saíram de fininho, pro-curando algo para fazer entre as barracas do acampamento.

O índio manteve-se em silêncio. Revirou os olhos, comose buscasse as palavras corretas nos céus.

 – Fala, homem! – explodiu Sinésio. Não precisava demais suspense nos nervos em frangalhos.

Cuca levou um susto, explicando: – Se voismicê quisé, posso leva tu lá pá vê. – Ofereceu

com seu português campestre. – Nóis num teve coragemde ih lá prá confiri.

Capitão Sinésio largou a moringa e inquiriu: – Estamos esperando o quê? – E saiu na frente, ajeitan-

do a bandoleira do rifle nas costas.Ele e Cuca voltaram para as matas com passos rápidos.O ritmo da jornada tinha pouco a ver com determinação.Estavam com medo de que a noite preta e maligna caíssesobre eles, antes de retornar ao acampamento.

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as que Diabo é aquilo? – inda-gou Sinésio, ao apontar parama coisa brilhante nas rochas

do rio.O sol da tarde parecia uma gema e

lançava chamas sobre o objeto de suacuriosidade. O Capitão não conseguiadiscernir o que era, pois o objeto re-fletia a luz, que se fragmentava numouriço cintilante.

 – Eu que num vô lá discobri! – dis-se Cuca, sombreando a fronte com am o.

 A apreensão de Cuca era um in-dicativo de perigo. Sin sio aprena confiar nos instintos do soldCuca estava tão intimamente liganatureza quanto um bebê ao corumbilical. Conseguia interpretarsons, e mais importante: os silênciosda floresta. Nenhum pássaro piava

nas árvores, dando a entender que aregião era indigna de receber seus ni-nhos.

O capitão andou de um lado paraoutro na esperança de que o ângulo de

 visão pudesse deter o reflexo da luz,mas não adiantou. Teria que ir lá.

 – Me espera aqui! – ordenou Siné-sio.

Usando o rifle como muleta, o ca-pitão avançou de rocha em rocha, en-caixando a baioneta entre as fendas.

Conforme se aproximava, os galhosde uma amendoeira – que se projetavapara fora da margem – iam eclipsan-do o sol. O brilho reduziu um pouco,delineando as características do objeto.

 Tinha algo de vagamente familiar. Asformas remetiam à cabeça, braços epernas, mas estavam imóveis.

Olhou para trás e o índio se limita- va a vigiá-lo em silêncio.

Sinésio pulou para outra pedrterpondo-se entre a luz e a coisa.

Era uma árvore em forma humNa verdade, a julgar pelos detalhes,recia mais uma escultura. Uma estátuaperfeita de madeira. Cabelos e barbareproduzidos com folhas; mãos e pésfeitos com minúsculos ciprestes; dedosde raízes.

Sinésio estreitou a distância e fi-cou impressionado com o detalhismoda estátua: as linhas de expressão norosto fariam inveja à mais sensível obraprima de Michelangelo. Órbitas preen-chidas por duas amêndoas entalhadas

simulavam um olhar de surpresa...Ou de horror.Notou que o brilho se originava

num retângulo de metal preso ao pes-coço da estátua. Parecia uma medalha

de identificação. Com um frio sopra-do no estômago, Sinésio nem preci-sou chegar perto para entender o que

 via. Aquela árvore era o Cabo Aurélio.

epois de contarem aos soldados oque tinham visto, Sinésio e Cucapermaneceram quietos o resto da

tarde. Esperavam que, ao ignorar o as-sunto, pudessem refazer a realidade aosseus caprichos, e trazer Cabo Auréliosão e salvo da floresta.

O calor diurno foi cedendo lugar aosereno, que anunciava sua presença nos

 ventos glaciais, soprados do Oeste. Atarde extinguiu-se rapidamente, com alua no horizonte afogando o astro reinuma poça de sangue.

Sentados ao redor da fogueira, ou-

 viam – com evidente desânimo – asbravatas de Alemão, um soldado valen-te, enorme, oriundo do Paraná.

 – Acho que estamos caindo numatática de guerra! – disse Alemão, quebebia uma cachaça no gargalo. – Osparaguaios estão nos rondando, rindoda nossa cara! Tão querendo nos assus-tar! Devem ter esculpido aquele troço ecolocado a medalha!

 – Acho que você está certo! – con-cordou Sinésio, levantando-se de um

tronco de mangueira tombado. – So-mos adultos. O que é mais provável?Que alguém enfeitiçou o Cabo e o - vori fi cou , ou que somos um bando deborra-botas caindo nas artimanhas doinimigo? – Girou nos calcanhares, bus-cando apoio nos olhares reticentes dossoldados.

 Alemão tinha mais barriga do quecérebro, mas sua teoria parecia absolu-tamente plausível.

ercebeu que o medo escuro dealguns foi lentamente penetrado por

uma faixo luminoso de razão. Algunsriram forçadamente, dispostos a con-ter o pânico que marchava sobre suasespinhas numa fila de insetos fantas-magóricos.

O único que parecia à vontade era Alemão, fosse pela embriaguez, fossepela falta de imaginação.

 – Quer saber? Vou provar que vo-cês estão se borrando sem motivo!

 – Alemão começou a caminhar rumoà floresta. – Não existe diabo, fantas-

ma, nem mula sem cabeça! – O gigantepegou o revólver e o colocou embaixoda pança suada, prendendo-o no cósda calça. Estava sem camisa. O troncooleoso refletia as chamas da fogueira.

eudo.o àdão

os

, in-

ana.-

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Os soldados observavam o espetáculo de bravura infan-til, enquanto Sinésio berrava:

 – Soldado, volta pra cá agora!  Alemão ignorou a advertência, balbuciando o quanto to-

dos eram covardes. O capitão começou a seguí-lo. – Alemão, isso é uma ordem! Volta pra cá agora! – Fica manso, capitão! – respondeu o soldado. – Tu vai

 ver que num tem nada naquelas árvores. – Vou só dar umamijada! – E continuou andando.

Diabo!  Sinésio trincou os dentes. Não podia ser desmoralizado

diante de uma tropa com fome, medo e sede. O que viria aseguir? Um motim?

 – Alemão, se você não der meia-volta, vou atirar! – Siné-sio apontou o rifle para as costas do insubordinado.

O paranaense ignorou. Parou nas raízes de uma fron-dosa amendoeira e começou a abrir as calças, cantarolandoalguma coisa que se perdeu no vento. Ele nem ouvira aameaça ou simplesmente não a levara a sério.

Espantados, os homens assistiam ao conflito. Algunstinham um brilho febril no olhar, desejando secretamente

que Sinésio consumasse a ameaça para lhes entreter a noite.Sinésio mirava o Golias louro. O dedo transpirava na

curva do gatilho, adquirindo a rigidez de um vergalhão. Seatirasse agora, o disparo desabrocharia uma rosa vermelhana carne adiposa do paranaense.

Um milhão de coisas passavam em sua cabeça naque-le instante. Talvez estivesse apenas arranjando um motivopara alvejar um inimigo que fosse palpável, e descontar afrustração de estar onde não queria. Lembrou-se de comoera se deitar numa cama quente e desfrutar o abraço tenroda esposa; do som musical das risadas dos filhos; do caféfumegando nas manhãs de domingo; de seus romances en-

cadernados em couro; das aulas que aplicava na escola...Não valia a pena.Simplesmente não valia.

 Abaixou a espingarda, olhando para o distraído Alemão,que tirava água do joelho...

E foi quando alguma coisa  puxou o gigante para a mata.Foi tão repentino, que Sinésio piscou os olhos, achando

que fora vítima de uma ilusão de ótica, então, começou a ventar – não o vento soprado pela natureza, o ulular sinistroque anunciava a morte.

Era o mesmo vento que soprava na noite em que o Cabo Aurélio desapareceu.

Os homens levantaram de seus lugares, pegando as ar-

mas. Prestavam atenção no farfalhar dos galhos. Uma or-questra de corações em pânico formava uma sinfonia detambores dentro de seus peitos amedrontados. Fitaram assombras recortadas da mata, apontando os rifles e revól-

 veres. – É eles... – disse Cuca enigmaticamente. – Eles quem? – perguntou Sinésio, com todos os pelos

do corpo eriçados feito lanças. – Os Sinhoresdu vento.O Capitão fez uma careta confusa e o índio continuou:

 – Nem tudo qui nasci da terra é coisa di Deus, capitão. Às veis , a natureza prova sangui dos homi e gosta. Esse ven-

to num é coisa normal. É um vento di raiva, di vingança... Apavorado, um dos homens atirou a esmo para dentroda mata.

 – NÃO! – gritou Cuca. Mas os tiros espocavam maisaltos que sua voz.

Num ato reflexo, todos os outros soldados imitaram oatirador.

 – Cessar fogo! Cessar fogo! – berrava Sinésio. As munições acabaram e no intervalo da recarga, o ca-

pitão ordenou: – Eu mandei parar, caralho! Os homens obedeceram trêmulos, suando em profusão.

 A fumaça de pólvora rescindia no ar, criando um nevoeirocinzento.

O vento havia parado. Tudo ficou mortalmente quieto. As folhas estavam imóveis novamente.

E foi nesse momento que uma aberração escarlate saiuda mata.

Sinésio e os soldados apontaram as armas, preparadospara abater a criatura.

Mas não era um monstro.Era Alemão.Esfolado vivo da cabeça aos pés, ele parecia uma cari-

catura retirada de um livro de medicina. Músculos e ner- vos em carne viva brilhavam contra a fogueira, lustrandocinturões de gordura. Ele caminhava tropegamente, com a

banha incontida escorrendo pelo tórax descarnado. Cadacentímetro do corpo ardia tão hediondamente que ele nemconseguia falar.

 Alemão caiu de costas na relva, encarando o luar comolhos catatônicos.

Os soldados correram para acudí-lo; prestavam atençãoem murmúrios pronunciados por dentes sem lábios.

 – Chá... a...chi – disse Alemão quase sem força –chá-a-chi

 – Meu Jesus, quêque éisso? –choramingou um dos sol-dados.

Lutando para controlar o horror que ameaçava devo-

rá-lo, Sinésio aproximou-se, tentando decifrar as palavras. – Chá-chi... chá-chi – murmurava o paranaense sem pa-rar.

Ele estava dizendo “tá aqui”, mas a boca sem lábios nãoconseguia moldar as palavras adequadamente.

O que estava aqui?  A resposta veio numa cacofonia de gargalhadas malig-

nas. O ar preencheu-se de um coro de vozes estridentes, rin-do em diferentes tons. Pareciam se comunicar num idiomasem palavras, onde somente as notas vocálicas tinham signi-ficado. Havia uma ordem subliminar naquele caos de risos.

E eles vieram em toda a sua fúria.Saindo de trás das árvores, velozes como panteras, com

olhos amarelos faiscando sua inumanidade, vultos mais ne-gros que a própria noite saltaram sobre os soldados.

Sinésio simplesmente não conseguia entender o que es-tava vendo. As criaturas corriam de quatro, com os braçosdianteiros apoiados em posição de flexão militar, pois elasnão tinham pernas; a metade inferior do corpo afinava-senuma cauda curvada para o alto, onde um apêndice em for-ma de pinha oferecia um contrapeso.

O Praça Jarbas foi atingido violentamente por uma dascaudas. Houve um estalo de ossos quebrando, quando amandíbula dele foi arrancada. A língua ficou pendurada nosmúsculos, se contorcendo como uma lagarta.

Um dos monstros colocou-se de pé feito uma naja emposição de bote, e – segurando uma zarabatana com asmãos – soprou um espinho envenenado.

O dardo atingiu Cuca bem no meio do rosto.O índio caiu para trás com as mãos nos olhos. Deba-

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tia-se, enquanto a toxina mágica agiano sangue, convertendo cada célula deseu organismo em madeira. Sinésio fezmenção de socorrê-lo, mas o amigo jáestava tão inanimado quanto a estátuade Cabo Aurélio, presa nas rochas dorio.

Sinésio assistia a tudo congelado deterror. Apenas testemunhava o massa-

cre. Os músculos se recusavam a obe-decer ao alarme de fuga que tilintava nocérebro.

Uma das bestas começou a girar orabo flexível, deslocando o ar acima daprópria cabeça. Ela atraía folhas secaspara formar um pequeno redemoinho.O tufão – do tamanho de uma pessoa

 – assobiava ameaçadoramente, então, aera chicoteou o rabo, lançando aquela

boleadeira de vento no meio do con- ito.

O furacão envolveu o soldadoBraga, capturando-o numa armadilharodopiante. Ele começou a levitar noolho da diminuta tempestade, quando,repentinamente, as folhas que giravamem velocidade subsônica lhe fatiaram apele. A vida foi espirrada de seu corpo,num jato vermelho.

Eles não tiveram a mínima chance. A chacina durou menos de dois mi-

nutos. No final, só restava o moribundo Alemão, e Sinésio, cujas lágrimas ver-tiam horror sobre as maçãs do rosto.

 Já havia se entregado à morte. Amente estava prestes a involuir até àsimplicidade de uma criança, no cantoescuro do quarto.

 As criaturas – pelo menos uma dú-

zia delas – formaram um círculo ao re-or de Sinésio. Eram machos e fêmeas,

que mantinham distância com movi-mentos cautelosos.

 A consciência de Sinésio relutava emaceitar a terrível realidade traduzida pe-los olhos. As monstruosidades tinham

  tronco e a cabeça impossivelmen-te humanos. Eram atléticos, delinea-

os por uma musculatura obsidiana,tão rígida quanto carapaça de escarave-lho. Ideogramas tribais espalhavam-sepelo torso e rosto, pintadas com a seivaescarlate de pau-brasil. Os olhos eramamarelos, cortados por íris reptilianas.

 Todos, sem exceção, cultivavam uma vasta cabeleira crespa, trançada emdreadlock com caniços de bambu.

Um deles, bem maior e mais forteque os outros, se aproximou. Caminha-

 va com as mãos, exibindo a gigantesca

cauda escorpiana em toda a imponên-cia. Sinésio encolhia em baixo da som-bra, humilhado perante aquele ídolo domais puro ônix.

O Senhor do Vento andou ao re-or, estudando-o com arrogância, sem

esconder o ar de supremacia. Deveriaser o líder, pois uma coroa de madeira

 vermelha lhe ornava o topo do crânio. – Ocê nem reagiu... – disse a criatu-

ra numa voz gutural, que resvalava en-tre presas pontudas. – ... Num vali nem

a pena matá um covarde que nem tu.Sinésio mal ousava olhá-lo; estavaapavorado demais para encarar aquelasendas elípticas.

O líder parou na frente dele. Tirouas mãos do cascalho, apoiando-se so-bre a cauda grossa semienroscada. Comuma das garras, pegou uma zarabatananum cinto de palha, e com a outra, umpedaço cônico de bambu.

O capitão orou em silêncio, aguar-ando o espinho de arvori fi caçã, en re-

tanto, isso não aconteceu. O monstroencaixou o cone na ponta da zarabata-na e transformou a arma em cachimbo.

Sinésio ousou uma espiada. Do altoa cauda, a criatura devia medir quatro

metros de altura.O líder sugou a piteira, tragando a

erva, e baforou um enxame de moscas varejeiras.

Numa situação confortável, Siné-sio tentaria racionalizar o que acabara

e ver, porém, diante de todo fantásti-co ocorrido, o cachimbo que produzia

 vida era um pormenor insignificante.Ele jogou o cachimbo aos pés docapitão e disse:

 – Ocê vai vivê pra conta o qui cê viuaqui, homi branco. Vai falá di nóis pra

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s jamais pise di novoO monstro apontoucachimbo no chão. –qui isso aqui num foi

ram as costas a Siné- se retirar. Dessa vezadas nas mãos. Des-rpenteando a caudainuoso.

 Metade delas já hav ia

desaparecido nas sombras,

quando num impulso,

Sinésio chorosamente per-

guntou:

 – Por Deus... Quem são

v ocês?

, olhando por cimaosos.mi pra tudo, até pa-nde. – Ele dirigiu umpelado Alemão, queltimas palavras nesse

-chi... chá-chi...

versão dos fatos. Fuimando e chegaram a meão havia provas que meum dos juízes acreditouito aquilo com meus ho- ão eram de balas, pare- s ou outra coisa. Minhau a aposentadoria e umfi m da guerra.

e, nada mais que a ver- 

pavorado, Ze-zinho largou o

iário.Naquela noite,

pediu para dormiro quarto da avó, te-

mendo os estranhosha-ch  que povoariamus pesadelos, duran-anos.Por muito tempo,

a longa vida, acor-  gritos aprisionadoslembrar a razão dos

to, a mente humanasuprimir lembranças,

quando eram demasiadamente intole-ráveis. Seu inconsciente adaptou-se, ge-rando mecanismos que suavizaram a vi-

 vacidade daquele relato, até que no fim,tudo não passava de uma lenda pueril,sem qualquer traço de malevolência. Oinsólito cedera lugar ao mundano, im-pondo sentido no inacreditável. Na ca-

eça de Zezinho, as caudas dos mons-tros foram transformadas em pernassaltitantes, suas carapaças em pele escu-ra, as gargalhadas diabólicas ganharam

tom de risadas travessas, e a coroa depau-brasil virou um gorro vermelho.

O menino Zezinho cresceu, e tor-ou-se o homem José Bento. Ele foi es-

tudar e graduou-se em Direito, quandopassaram a chamá-lo apenas de Doutor.

Contudo, jamais esqueceu aqueleiário, e décadas mais tarde voltaria ao

sítio para relatar sua versão da história,

assinando-a com seus dois últimos so-renomes:

Monteiro Lobato.

Gabriel Réquiemnasceu no Rio de Janeiro, em26de dezembro de 1978. Profissional de Marketing ecolaborador do site Nós Geeks, divide seu tempoentre a literatura fantástica e sua paixão pelacultura pop. Estreou naficção como conto “Oúltimo apóstolo” da antologia “Névoa – contossobrenaturais de suspense e de terror”, ondehomenageia uma de suas grandes influências:H.P Lovecraft.Atualmente, vive no Rio de Janeiro coma esposaVivian e conclui seu primeiro romance.Fale como autor:[email protected].

tua laia, pra qui cêni nossa terra. –para a zarabatana-Eis aí tua prova disó ho.

 As criaturas desio e começaramnão estavam apoilizavam em pé, snum movimento s

 Metade d 

esaparecid 

quando num

inésio chor 

guntou:

 Por Deu

v ocês?

O líder parouos ombros pode

 – Ocês dão nquilo que num int

lhar para o escamurmurava suasmundo:

 – chá-chi... ch

Essa éa minh  julgado pelo A lto C acusar de traição. N incriminassem e nen que eu poderia ter fe mens. Os ferimentosciam de animais, on sobrevivência garanti monte de medalhas n 

Essa éa verda dade...

se

em sdaria coa garganta, se

temores. No entatinha meios para

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Sem nunca perder aumildade e a capacidadee agradar aos fãs e de dar

centenas de autógrafosurante horas, dizia-me ques editores tinham a tarefa

de controlar a multidão, mas ele nuncaalava “não” a um fã, “Safaa, você tem

que ser o policial malvado, e eu sou opolicial bonzinho”. Verdade seja dita,não é fácil ser o “policial malvado”no meio de uma sessão de autógrafosintensa, em uma cidade que nunca viratantos jovens na fila de um lançamento,à espera que aquele simpático senhorde barba rabiscasse para a posteridadeos seus livros. George confessava-nosorgulhoso e radiante: “há jovens quenunca tinham vindo a um eventoliterário e esta foi a sua primeira vez”.

Era bem visível a satisfação e o prazerque lhe dava o convívio com os fãs.Nos nossos passeios pela cidade,conversávamos muito sobre suaescrita e Westeros. Ele bem via omeu entusiasmo quando começavaa especular sobre alguns possíveisgrandes segredos das Crônica  (eu tentei,mas falhei, em obter a confirmaçãoda identidade da mãe de Jon Snow)e limitava-se a sorrir benignamente,escondendo no brilho dos olhos todosos seus planos sobre as vidas de Tyrion,

 Jon, Daenerys, Arya ou Jaime.Contou-nos, em uma noite, que acabarade ler um livro magnífico sobre aHistória de Jerusalém e ficara espantadocom a violência e crueldade descritas:

“os leitores queixam-se de meus livros,mas se tivessem lido as coisas queli nesse livro, pensariam que o meumaterial é para crianças”. A Históriamedieval sempre o impressionara pelabrutalidade e crueza, e a assimilaçãodesses eventos do passado tornou suaprosa mais real e profunda.

Mas nem tudo era só Crônica .Contou-nos de seu tempo comoroteirista em Hollywood e dasdificuldades em lidar com algumasestrelas de TV que, quanto maisfamosas tivessem sido no passado,mais dificuldade tinham em aceitar oseu declínio e ofertas de trabalho na

 TV. Hoje, raro é o ator que não aceitade bom grado ter uma participaçãoem uma série de sucesso, tal tem sidoa qualidade dos dramas e comédias,

superando largamente a ofertacinematográfica. George sabe dasorte que tem em ter produtores tãoempenhados em se manterem fiéis aoespírito dos livros e são muitos os atoresmaravilhosos que conferiram uma novadimensão às suas personagens. Tenhoalgum receio em lhe confessar queacho alguns protagonistas infinitamentesuperiores na V como ywin Lannisterou Varys, mas, bem no fundo, acho queele sabe.Sempre me interessei muito pelo

processo de escrita do famoso autor. Éuma saga de uma enorme complexidade,centenas de personagens e casas, e nãoé fácil manter o controle sobre umacriação tão vasta. Sei que teve muitas

ificuldades na transição de O Festimdos Cor vo  para A Dança dos Dragões,riginando um hiato de cinco anos.

Pergunto-lhe se o processo de escritae O Ventos de Invern  j se tornou maisácil e rápido, ao que responde de forma

incerta. Martin domina com perfeiçãos grandes arcos da sua história e dos

protagonistas, mas os detalhes tornam-seuma batalha diária, e não é raroreescrever várias vezes a mesma cena atéestar satisfeito com o resultado final.Confesso que, quando li os seus contose ficção científica e o seu primeiro

romance A Morte da Lu  fiqueiespantada com o romantismo e aorte sensação de nostalgia e perda.

Longe estava o sarcasmo e a crueldadeas Crônica . Também me encantouseu enorme talento para o gênero

o horror presente em vários contoscomo o favorito e inesquecível “Reis de Areia”. Martin domina essa capacidade

e incutir sentimentos de medo ourepulsa no leitor (quem não senteisso ao ler cenas de Gregor Clegane

u da companhia de mercenários queconfronta Jaime e Brienne?).Li no outro dia um ensaio na Internetque discordava do título “O Tolkienamericano” atribuído a GRRM.Perdia muito tempo em comparaçõesliterárias minuciosas com o mundo de

 Tolkien. Na verdade, acredito hoje queesse título encaixa com perfeição, nãotanto pela faceta literária de ambos osautores, mas pelo impacto universal dassuas personagens e histórias na cultura

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po . Já não basta saber sobre Frodo ea destruição do anel de Sauron. É

ecessário também compreender asreferências a A Guerra dos Trono , ema pessoa não quer correr o risco de

passar como ignorante. Martin entrouo cânone popular como apenas J. R.. Tolkien tinha conseguido antes dele.

E é por isso que, diante de um autortão popular, senti alguma apreensão emsaber que tinha de entrevistar de novo Tolkien americano para aBang Brasil  

É um autor que já realizou inúmerasentrevistas e torna-se praticamenteimpossível não cair na repetição, masGeorge é incansável e a entrevista portelefone e emai  decorreu sempre com amaior amabilidade e descontração.

 

 Trabalhei durante dez anos na área detelevisão e do cinema (mais ou menosentre 1985 e 1995). Durante esse período,cada vez que apresentava o primeiroesboço de um roteiro a uma produtorau a um estúdio, ouvia sempre a mesma

resposta: “George, adoramos o trabalho,mas é grande e caro demais. Ultrapassariaez vezes o nosso orçamento.” Então,

lá começava eu a cortar, a resumir, auntar personagens, a eliminar cenas. Por

 m, acabava tendo um roteiro passívele ser filmado, mas isso nunca foi umprocesso que me agradasse. Por isso,quando regressei à prosa, em A Guerrados Trono  estava decidido a escrever algoenorme, com milhares de personagens,repleto de cenários fantásticos, batalhasgrandiosas e efeitos especiais que só umlivro consegue conter. Num romance

o temos que nos preocupar comrçamentos nem com calendários delmagens. Só estamos limitados pelaossa imaginação.

 

Sou um escritor lento, assíduo emeticuloso. Alguns escritores sãoarquitetos, que planejam o seu livrointeiro antes de escreverem a primeirapalavra. Outros são jardineiros, queplantam a semente, a regam (com sangue,suor e lágrimas) e a veem crescer. Soumuito mais um jardineiro do que um

arquiteto. Sigo as minhas personagens aténde elas me levam, e, às vezes, é até umnal mortal. Depois, preciso voltar atrás

e rever. Mas em ficção, as personagenssão tudo.

 

 A construção de um mundo é umdos principais elementos da fantasiaépica… pelo menos da fantasia épicaque vem no seguimento da tradiçãode Tolkien. O “mundo secundário”

nde a história se situa acaba muitas vezes por se tornar ele próprio umapersonagem. Para um fã de fantasia,a Terra Média, a época Hiboriana ouNárnia são épocas tão reais e vivascomo o Oriente Médio e a Idade da

Pedra ou a África. Criar um mundoassim implica muito tempo e muitoesforço… mas, uma vez criado,passamos a ter um universo inteirocheio de histórias por contar.

 

É um privilégio fazer parte destageração de autores, há talentosincríveis como Patrick Rothfuss,

 Joe Abercrombie, Daniel Abrahame sinto-me muito feliz pelo sucessodos meus livros ter possibilitado arevelação de tantos novos talentos.

 

Wild Card   um produto do seu tempo.Naqueles anos, houve uma revoluçãonas Histórias em Quadrinhos e sugiramobras de grande maturidade comoWatchmen  de Alan Moore e The Dark Knight Return  e Frank Miller.WilCard  acompanhou essa abordagem maisrealista dos super-heróis e colocou-osno nosso mundo onde envelhecerame foram transformados pelos eventos.Lembro-me de ler as aventuras doHomem-Aranha quando andava naescola e de Peter Parker entrar para afaculdade ao mesmo tempo que eu. Maseu depois me formei e Peter Parker ficoudurante muito tempo formando-se epreso à imagem de um rapaz de vintee poucos anos. Isso nunca fez muitosentido para mim e era nosso desejo

distanciarmo-nos disso em Wild Card .

 

 Trata-se de uma coletânea dos aforismosde Tyrion Lannister e não terá qualquerinformação nova relativa à personagem,

sendo a minha prioridade nestemomento terminar as Crônica . Foi aminha editora britânica que teve a ideiade criar esta edição para servir comopromoção de Natal. Achamos que seriaum presente bonito para os fãs da saga.

 

 Anos atrás, em um texto que escrevipara um livro de fotografias de autores,eu disse o seguinte: “A melhor fantasiaé aquela que é escrita na linguagem dossonhos. É tão viva como os sonhos, maisreal do que o real… pelo menos por ummomento… aquele longo momentomágico antes do despertar. A Fantasiaé prata e escarlate, azul-índigo e anil,raiada de ouro e lápis-lazúli. A realidadeé de madeira prensada e de plástico feitode lama castanha e de um verde pardo.

 A fantasia tem sabor de habanero  e demel, de canela e cravo-da-índia, de carne

 vermelha exótica e de vinhos tão docescomo o Verão. A realidade são feijões e

tofu e, no fim, apenas cinzas. A realidadesão as casas de stripteas  de Burbank,asfilas de chaminés de Cleveland, umparque de estacionamento em Newark.

 A fantasia são as torres das Minas Tirith

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(de J. R. R. Tolkien), as velhas pedras deGormenghast, as paredes de Camelot. Aantasia voa nas asas de Ícaro, a realidade

naSouthwest A irline . Por que que osnossos sonhos ficam bem menoresquando finalmente se tornam realidade?Penso que lemos livros de fantasia paraencontrarmos de novo as cores. Paraexperimentar sabores fortes e picantes,ouvir as canções que as sereias cantavam.Há qualquer coisa de velho e de

 verdadeiro na fantasia que fala para algode profundo que existe em nós, para acriança que sonhou que um dia iria caçarnas florestas da noite, banquetear-sedebaixo das ravinas de uma montanha,e encontrar um amor que durasse parasempre em algum lugar ao sul do reinode Oz e a norte de Shangri-la”.

 

uma grande fidelidade e aprecio muitoesse esforço, mas não tenho planos

defi

nidos caso a série me alcance.Nenhuma decisão foi tomada. Estouazendo todos os esforços possíveis para

que a série não me alcance, e escrevoo mais rápido que posso. Mas eu souapenas responsável pelos livros e apenasposso responder por eles. David Benioff e Weis tomam as decisões que achammais convenientes para a série.

 

Penso que a maioria das pessoas procuraentretenimento nos livros, certo tipo deescapismo. Não querem ter que ler sobre

 violência e morte, e aceito essa decisão,

mas não estou interessado em escrevernais “felizes para sempre”. Não é esseo tipo de livro que me interessa. Já disseantes que faria um final agridoce, muitoà semelhança deO Senhor dos Anéis.Os

obbits regressam, Sauron é derrotado,mas as feridas de Frodo nunca saram eserá sempre assombrado pelas trevas doanel.

 

É muito lisonjeador. Penso que os livrosalam da universalidade da fantasia… um

gênero que nos toca a todos, qualquerque seja o país onde nascemos ou alíngua que falamos.

 

 Adoraria visitar o Brasil um dia desses.evo dizer que estou com a minha agenda

cheia até 2016 ou 2017, mas, se for possível

m dia concretizar uma visita, certamenteterei todo o prazer em conhecer os meusleitores brasileiros.

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2 // BANG!

A enas doisanos depois,após descobrirque Joe Hillera discípuloe sangue de

meu adorado escritor e mestre doterror Stephen King foi que deci-i dar uma chance ao novato. Foi

preconceito, eu sei, mas que feliz-mente pude corrigir. Não possoizer que Joe lembra King; ainda

que andem lado a lado no estilo, Joe compõe ideias com roupa-gem própria, sem apoiar-se no paipara se au opromover, an o quecita em diversas entrevistas AlanMoore e Neil Gaiman como seusavoritos na adolescência (imagi-

no se King teria sentido ciúmesao saber disso).

 Antes de lançar A Estrada daNoite , antes mesmo até de estou-rar como escritor, Joe Hill ganha-

 va a vida com histórias curtas,e um dos últimos trabalhos noanonimato foi um roteiro paraa revista Spider-Man Unlimited,um dos vários títulos da MarvelComics. O enredo não era lá mui-to bom, era até bem genérico (pa-lavras do próprio Hill), mas rece-beu a arte de Seth Fisher (falecidoem 2006) e acabou parecendo

muito melhor. Vender suas nove-las não estava se mostrando umatarefa fácil, então imaginou se seuuturo não estava naquele ramo

alternativo. Não seria de todo

L cke & Key conta a hist riaa fam lia Locke e sua adap-

tação na velha Keyhouse, umamansão localizada em Lovecraft,Massachusetts. Após o assassina-to do pai, os irmãos Tyler, Kinseye Bode, junto à mãe Nina, tentam

refazer suas vidas em uma novacidade, na tentativa de deixar ostraumas do passado enterrados.Infelizmente, não será algo fácil,

 A primeira vez que vi o nome de Joe Hill foi emuma prateleira do Extra, na instigante capa de

A Estrada da Noite ( Heart-Shaped Box , 2007). Emuma era de tomos grossos, confesso que duvidei

 – à primeira vista – de que poderia me interessarpelo conteúdo daquelas poucas páginas. Bastouuma conferida na sinopse e uma rápida folheada

para sentir algo, em algum lugar de minhamente, sussurrando: – Compre.

Vocênão vai se arrepender. Não comprei.

mal; afinal, a nona arte era umae suas maiores paixões, especial-

mente graças a Brian K. Vaughane Frank Miller, dois de seus rotei-ristas favoritos, descobertos porele entre seus 20 e 30.

Nessa tentativa de encontrar seulugar no mundo, Hill teve algunstrabalhos recusados – normal para

quem se aven ura em ornar-seescritor, roteirista e derivados. AMarvel, inclusive, recusou dois:um foi Baby Hulk (inspirado pelaraiva de seu próprio filho, na épo-ca com dois anos e cheio do vigorinfantil e cruel dessa espécie), e outro foi Locke & Key, sobre uma

 velha mansão cheia de chaves má-gicas. A história foi recusada, masnão esquecida. Joe ficou com elana cabeça, e passou noites em cla-ro criando toda a sorte de chavese suas “especialidades”.

 A IDW Publishing, uma em-presa de quadrinhos norte-ame-ricana, procurou Joe quando seusegundo romance, Fantasmas doS culo XX   (  0th Century Ghost   lançado originalmente nos Esta-os Unidos em 2007, e no Brasil

em 2008), começou a conquistarprêmios. Estavam interessadosem transformar contos de auto-res cul   em quadrinhos. Joe falou

e seu projeto engavetado sobrechaves mágicas, que poderia sercontado em apenas seis edições, eeles compraram. Nunca sonhariaque a série chegaria tão longe.

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pois, além das doloro-sas cicatrizes da tragé-dia, os Locke desco-brirão que Keyhousepossui um moradordisposto a tudo paraconseguir o que deseja.

otular a série comoterror seria ultrajante,pois há muito maisao longo das páginasilustradas pelas mãoshabilidosas do talento-so Gabriel Rodriguez.Há drama, suspense,romance, cada qual seencaixando como umachave na fechaduracerta. O desenvolvi-mento dos persona-gens acontece gradual-

mente, como deve ser.Nada de personalida-des rasas ou mal traba-lhadas. Como em todaboa história que se pre-ze, s o os personagensos responsáveis pelocarisma de Locke &Key. Seria muito maisfácil conduzir uma vanrepleta de adolescen-tes bêbados, drogados

e ninfomaníacos atéKeyhouse, e fazê-losse perder, um a um, emalgum canto da casa,onde encontrariamuma miríade de chavescom poderes distintos,e transformar tudonum slashe   teen pipo-ca. Evolução de personagem praquê, se pode-se jogar sangue pratodo lado e deixar peitos à mostraem uma correria desenfreada pela

 vida? Fique tranquilo, não há nadadisso aqui.

 Assim como há crescimentocomum, há também crescimentoforçado. Deixe-me explicar esteltimo: existe uma chave com o

poder de abrir cabeças – literal-mente. Esse “procedimento” dáacesso às memórias da pessoa, emalgo que permito-me intitular paídas maravilha . As lembranças têmformas e correm livres pelo inte-

rior de uma cabeça oca. É pos-sível tanto vê-las como pegá-laspara observar detalhes mais mi-nuciosamente. Imagine você quehá traumas tão vinculados em seu

ser que te impedem de progre-dir, de enfrentar o medo. Agorapense na possibilidade de tirar,definitivamente, essa memóriade sua cabeça, e prendê-la dentrode uma garrafa ou apenas jogá-lana privada e dar a descarga. Vocênão o faria? Isso é evolução for-çada.

 Joe Hill trabalha com domíniosobre o medo do desconhecido,e não me refiro apenas ao sobre-natural. Uma família que, de re-pente, teve o pilar da família ar-rancado de forma brutal de seumeio, e precisa reaprender a ser

amília; crianças chegando emuma nova cidade, afastadas darotina aconchegante e obrigadasa recriar laços com outras pes-soas, e, pior, consigo mesmas;

uma garota traumati-zada pela vida e porseus próprios precon-ceitos, diante da pos-sibilidade de se rela-cionar com um rapazpela primeira vez; ocaçula, ainda em pos-se da coragem infan-til, descobrindo umnovo mundo atrás deportas mágicas. rans-mitir determinadossentimentos é missãoprimordial dos escri-tores, e nem todos oconseguem em cen e-nas de páginas de umlivro. Nesse quesito, oeito de Hill é pleno,

e estamos falando de

quadrinhos. Quais-quer discussões sobre

motivo do sucessode seus romances ter-minam aqui.

 

o posso compa-

rar Locke & Keycom a história publi-cada em Spider-ManUnlimited, a qual pa-receu melhor do querealmente era graças auma bela arte, e o mé-rito de Joe é indiscutí-

 vel, mas seria injustiçanão citar Gabriel Rodriguez comoa outra metade responsável peloque a série se tornou. Gabriel nãosomente desenhou, mas ajudou

 Joe a criar. Exceto por pontosespecíficos, Joe não descrevia emmuitos detalhes o aspecto visu-al do quadro, mas era detalhistaem termos de informações quequeria transmitir em certas cenas.

 Joe era bem específico quanto aossentimentos dos personagens, sualinguagem corporal, o clima ne-cessário para a cena. Então, entre-gava o roteiro para Gabriel, comoum desafio, e com a licença para

modificar elementos que fun-cionariam melhor visualmente.Gabriel fez a lição de casa direiti-nho. Seu estilo é bastante distinto,e nota-se em Locke & Key uma

Rotulara série como

terror seriaultrajante,pois hámuito maisao longodas páginasilustradaspelas mãoshabilidosas

do talentosoGabrielRodriguez.

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linguagem visual própria. É comoalguém quando lê um trecho dealgum livro de Stephen King esabe, de algum modo, que é dele.

 As ilustrações de Gabriel para a

série pertencem à série, ponto. Éuma arte diferente de qualquerutro quadrinho mainstream . É

possível sentir a delicadeza notraço, o capricho, o respeito paracom o leitor, em trazer um traba-lho lapidado em seus mais indis-pensáveis detalhes. Aqui o imper-ceptível ganha destaque.

Passei minutos demais em di- versos pontos analisando cadacentímetro dos desenhos, e ascapas são um show à parte. Porexemplo, a capa da segunda edi-ção do arco Head Games mostraa cabeça do caçula, Bode, em per- l, com uma espécie de radiogra- a colorida exibindo seu cérebroividido em várias seções, cada

uma dedicada ao que habita acabeça de uma criança: mãe, qua-rinhos, meus brinquedos, luga-

res em que consigo subir, lugaresem que não consigo subir, TV, epor aí vai. O leitor lê uma a uma

e imagina as histórias escondidaspor trás de cada seção, até se darconta de que se esqueceu de irireto à história principal. Outra

grande sacada se dá na página de

apresentação da equipe, geral-mente entre a primeira e quartapáginas. Em vez do típico rotei-rista: fulano, desenhista: beltranoem fontes e posições frias, os

omes são dispostos em tom derincadeira, como, por exemplo,gravados no tronco de uma árvo-re, com direito a coração talhado,u como ingredientes no rótuloe uma bebida. São particularida-es que podem passar desperce-idas para olhos desatentos, mas

que mostram a qualidade do quese tem em m os.

Como em qualquer história, o vilão sempre corre o risco de pa-recer caricato se não for dosado.

 Joe conseguiu criar um com ca-risma suficiente para carregar otítulo. Inicialmente apresentadocomo uma linda garota no fundoe um poço – que não conse-

gue esconder sua verdadeira faceiante de um espelho – e passan-o para um rapaz de traços an-róginos e, ainda assim, bastante

masculino, é um dos personagensmais bem desenvolvidos. Suasações não se justificam somente

pelo mal; há toda uma históriapor trás de seu intento. Os dedosolheiam ávidos, tomados peloesejo de descobrir os mistérios.areço exagerado em minha aná-

lise, mas sei bem do que falo. Lo-cke & Key é mais do que apenasquadrinhos. No Eisner Awardse 2009, foi indicado como Me-

lhor Série Limitada, enquanto Joe

ill foi indicado como MelhorEscritor. A série venceu o BritishFantasy Award ainda em 2009como Melhor Comic ou GraphicNovel, o Eisner Award de 2011como Melhor Escritor (Joe Hill),e foi indicada como Melhor Edi-ção Única, Melhor Série Contí-ua e Melhor Desenhista. Em

2012, ganhou o British Fantasy Award como Melhor Comic ouGraphic Novel.

 

Em 2011, no San Diego Co-mic-Con International, foi

exibido um teaser do que seria oepisódio Piloto de uma série tele-

 visiva baseada no roteiro de Joeill. À primeira vista, a novida-

e foi recebida com entusiasmo,mas, à medida que tudo (elenco,efeitos, adaptação) era processa-o e avaliado pelos fãs e pela mí-ia, a possibilidade de aquilo fun-

cionar foi minguando, até perdera força e, até hoje, não há notícias

O leitor lêuma a umae imaginaas histórias

escondidaspor trás decada seção,até se darconta de quese esqueceude ir diretoà históriaprincipal.

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positivas sobre o projeto. Particu-larmente, para transpor Locke &Key em toda sua totalidade, seriapreciso uma produção mais HBOe menos ABC, o que se nota aoassistir ao vídeo de divulgação. Oelenco só é reconhecido quandoprestamos atenção ao sexo e

idade. Fisicamente não possuem delidade alguma com os perso-nagens criados por Gabriel e Joe.Kinsey, na HQ uma garota compiercings e dread  se ornou umapatricinha que pratica natação.Nina, a mãe alcoólatra e depres-siva, transmite calor materno, oposto da original. Seria muito

bom ter uma série de Locke &Key, mas se for pra pisar na jacadessa maneira, é melhor continuarapenas como um desejo longín-

quo.Os efeitos não são dos piores,

mas, comparados às mais recen-tes produções, como o citado AGuerra dos Trono ou mesmo ThWalking Dea    est o mais para666 Park A venue . Se eu disser queesta última foi cancelada, talvez

 você entenda parte do motivode minha crítica. O plot segue

primeiro arco, Welcome toLovecraft, e não parece se dis-

tanciar muito dos quadrinhos. A adaptação manteve a tragédiado início da série, mas escolheupor contá-la em flashbacks; nãoatrapalha a narrativa, e a tornaainda mais dramática. Infeliz-mente – ou seria felizmente? – o

 vídeo não saiu do pouco mais dedois minutos. Talvez, com o lan-çamento de Horns (adaptaçãocinematográfica do livro homô-nimo, lançado em 2010 e tradu-zido no Brasil como O Pacto)pelas produtoras Mandalay Pic-tures e Red Granite Pictures, edependendo da repercussão, ointeresse em levar Locke & Key,seja para o cinema ou TV, se rea-cenda no peito de algum produ-or compe en e.

O terror presente na série é efi-ciente. Não se apoia unicamenteno sentido visual, mas no psico-lógico. Keyhouse possui seus de-mônios, mas os Locke, e também

utros personagens vinculados aopassado da mansão, como desco-brimos no decorrer das páginas,escondem os seus próprios. Estardiante da possibilidade de utilizar

 Tiago Toy é escritor de literatura fantástica e criadorda saga Terra Morta, considerado o primeiro romancede zumbis nacional de sucesso, lançado em2011.

Oprimeiro livro da série, subintituladoFuga, dominouo 1º lugar de Mais Vendidos de Horror da Amazon.Atualmente, Tiago trabalha na revisão do segundovolume a sair em2013, na produção do roteiro deuma HQ, e na organização da coletâneaTerra Morta –Relatos de Sobrevivência a umApocalipse Zumbi. Tiago

 Toy tambémé colaborador do portal de HorrorBoca doInferno e contista presente na lista de Mais Vendidosda Amazon.about.me/tiagotoyfacebook.com/terramortaoficial

chaves mágicas para se livrar deproblemas, inimigos, ou tornar a

 vida um pouco mais fácil, mes-mo a custos altos, é assustadorpor si só. O caminho mais rápidopara uma solução pode não ser

certo, e uma vez que se decidasegui-lo, é preciso encarar as con-

sequências. Então chega-se ao verdadeiro terror. A última edição de Locke &

Key está prevista para outubroe 2013, fechando o arco Alpha

& Omega e, consequentemen-te, a série. Joe e Gabriel plane-jam partir para outros projetos,mas afirmam o desejo de voltara Keyhouse para mais diversão.Segundo a dupla, há 300 anos dehistória para explorar lá. Inclusi-

 ve, Joe conta que há uma histó-

ria passada durante a SegundaGuerra Mundial, quando o sub-terrâneo sob a mansão era usadocomo ponto de observação sub-marino, que pretende contar emum arco de seis edições. Tenhocerteza de que a IDW manteráa porta aberta para a dupla. Essanão precisará de nenhuma chaveespecial.

Eis o convite para entrar emKeyhouse e descobrir as chaves

mágicas escondidas em suas en-tranhas. Aliás, estou curioso: qualchave você gostaria de encontrar?

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arco a vapor trouxe-nos deConstantinopla até à cos-ta da ilha de Prinkipo, ondedesembarcamos. Não erammuitos os passageiros. Havia

uma família polonesa, pai,mãe, filha e o noivo desta, eós dois. Oh, sim, e não pos-

so esquecer-me de que, quandoá estávamos na ponte de madeira queliga o Chifre Dourado a Constantino-pla, juntou-se a nós um grego, um ra-paz bastante jovem. Era provavelmenteum artista, a avaliar pela pasta que traziaebaixo do braço. Os cabelos longos,

pretos e ondulados, flutuavam-lhe atés ombros, o rosto era pálido e os olhos

negros estavam profundamente enter-rados nas órbitas. O rapaz despertou

meu interesse desde o início, princi-palmente pela sua delicadeza e conheci-mentos das condições locais. Só que fa-lava demais e acabei me afastando dele.

 A família polonesa era bem maisagradável. O pai e a mãe eram pes-soas bondosas e simpáticas, o noivo, ummoço jovem e bonito, de modos diretose refinados. Dirigiam-se a Prinkipo parapassar os meses de Verão por causa da

lha, que se encontrava um pouco aba-tida. A bonita e pálida moça ou estava

se recuperando de uma doença grave ou,então, uma doença séria estava chegando

a ela. Apoiava-se no noivo quando ca-minhava e ficava sentada com bastanterequência para descansar, enquanto

uma pequena tosse seca e persistenteinterrompia os seus murmúrios. Sempre

que tossia, o seu acompanhante paravaatenciosamente a caminhada. Ele olha- va sempre para ela com um ar de com-paixão sofredora, mas ela lhe devolvia olhar e dizia:

 – Não é nada. Estou feliz!Eles acreditavam na saúde e na feli-

cidade.Por recomendação do grego, que

se separou de nós assim que chegamos

ao cais, a família instalou-se no hotel dacolina. O encarregado do hotel era umrancês e todo o edifício estava confortá-

 vel e artisticamente equipado, seguindoestilo francês. Tomamos o café da manhã juntos

e, quando o calor do meio-dia esmore-ceu um pouco, decidimos subir para ascolinas, onde, no bosque de pinheirossiberianos, nos deliciamos com a vis-ta. Mal tínhamos acabado de encon-trar um lugar adequado para nos ins-talarmos quando o grego reapareceu.Cumprimentou-nos levemente, olhouao redor e sentou-se a poucos passose nós. Abriu a pasta e começou a de-

senhar. – Acho que ele se sentou proposita-

damente de costas para as rochas paraque não pudéssemos ver os seus dese-nhos – disse eu.

 – E nem precisamos vê-los – disse ojovem polonês. – Temos à nossa frente

paisagem suficiente para admirar. – Umpouco depois, acrescentou: – Parece-meque está nos retratando como uma es-pécie de pano de fundo. Bem, deixe-opara lá!

 Tínhamos realmente paisagem sufi-ciente para olhar. Não existe canto domundo mais bonito ou mais feliz do quePrinkipo! A mártir política, Irene, con-temporânea de Carlos Magno, viveu ali

durante um mês, quando estava no exí-lio. Se eu pudesse ali viver durante ummês, viveria feliz com as memórias da-quele lugar para o resto dos meus dias!

 Jamais esquecerei aquele único dia quepassei em Prinkipo.

O ar era tão límpido como um dia-mante, tão suave e meigo que a nossaalma pairava nele, elevando-se na dis-tância. À direita, para lá do mar, eleva-

 vam-se os acastanhados picos asiáticos;à esquerda, ao longe, estendiam-se as

 violáceas costas íngremes da Europa. A vizinha Chalki, uma das nove ilhas do Arquipélago do Príncipe, erguia-se comas suas florestas de ciprestes até uma al-

tura pacífica como um sonho lamento-so, coroada por uma grandiosa estrutu-

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ra eles cujas mentesum asilo para aq estava doentes.

O rmara agitava-se sua-r de vemente e ibia todas as cores, comouma opala brilhante. Ao longe, o marera branco como o leite, depois rosado;entre ambas as ilhas, brilhava em tonsalaranjados e, por baixo de nós, era ma-ravilhosamente azul-esverdeado, comouma safira transparente. Era resplan-decente em sua própria beleza. Não seavistavam grandes navios – apenas duaspequenas embarcações com a bandeirada Inglaterra corriam velozes ao longo

da costa. Uma delas era um barco a va-por do tamanho de uma torre de vigia,a outra tinha cerca de doze remadorese, quando os seus remos se erguiamda água simultaneamente, caíam delespingos de prata derretida. Os golfinhosconfiantes nadavam ao redor e mergu-lhavam com longos e arqueados voosà superfície da água. O céu azul eraocasionalmente cruzado pelas calmaságuias que planavam, medindo a distân-cia entre os dois continentes.

 Toda a encosta que se estendia por

baixo de nós estava coberta de rosei-ras carregadas de rosas cuja fragrânciainundava o ar. A música viajava até nósatravés do ar límpido, vinda do café per-to do mar e ligeiramente abafada peladistância.

O efeito era encantador. Ficamos to-dos sentados em silêncio, deixando queas nossas almas embebessem comple-tamente aquela imagem do paraíso. Ajovem polonesa estava deitada na relva,com a cabeça apoiada no colo do noivo.

Seu rosto pálido, oval e delicado, estavaligeiramente tingido com uma cor suavee de seus olhos azuis começaram a cairsubitamente lágrimas. O noivo enten-deu, curvou-se e beijou cada uma das

l grimas. A m e dela comoveu-se tam-m e chorou, e eu – at eu – senti uma

ha pontada.estraui, o corpo e a mente t m de – A

 murmurou a moça. – Queelhorarta!erra feliz e

  que não tenho inimi- – Deus sabe vesse, seria capaz degos, mas se os

i! – exclamou o pai comerdo -los ala.a voz tr m

amos mais uma vez em sil ncio.E fi

amos todos com uma disposiçãostaravilhosa – todo o cen rio era indes-

critivelmente doce! Cada um de nós sen-tia um mundo de felicidade dentro de sie todos partilharíamos a felicidade com

 resto do mundo. Todos nós sentíamos

 mesmo – e, por isso, ninguém pertur-ou ninguém. Mal tínhamos reparadoo grego que, passada cerca de umaora, se levantara, fechara a pasta e comm ligeiro aceno de cabeça anunciara a

sua partida. Nós ficamos.Finalmente, depois de várias horas,

quando, ao sul, a distância se começava atingir de um tom violeta escuro, tão ma-

gicamente bonito, a mãe recordou-nosque estava na hora de partir. Levanta-mo-nos e caminhamos até o hotel com

s passos soltos e descontraídos quecaracterizam as crianças despreocupa-

as. Sentamo-nos sob a bonita varandacoberta do hotel.

 Tínhamos acabado de nos sentarquando começamos a ouvir sons de bri-ga e impropérios. O nosso grego estavaiscutindo com o encarregado do hotel

e nós ficamos escutando, por pura diver-s o.

 A diversão não durou muito tempo. – Se eu não tivesse mais hóspedes

 – rosnou o encarregado, subindo os de-graus na nossa direção.

 – Mas me diga, por favor, senhor –pediu o jovem polonês quando o fun-cionário se aproximou –, quem é aquelecavalheiro? Como ele se chama?

 – Oh! Quem sabe como se chamasujeito? – resmungou o encarregado,

lhando venenosamente para baixo. –Nós chamamos-lhe de o Vampiro.

 – É um artista?

 – Mas de rico ofício! Ele só desenhacadáveres. Assim que alguém morre emConstantinopla ou aqui na vizinhan-ça, ele tem, no próprio dia, um retratocompleto do falecido. O sujeito pinta-oscom antecedência e nunca se engana – écomo um abutre!

 A velha mulher polonesa gritou as-sustada. Em seus braços, repousava a

lha, branca como a cal. Tinha desmaia-o.

Em um só impulso, o noivo desceu

s degraus. Com uma mão agarrou ogrego e, com a outra, a pasta dos dese-nhos.

Corremos atrás dele. Os dois ho-mens rolavam pela areia. O conteúdo dapasta espalhou-se por todo o lado. Numos desenhos, feito a carvão, estava a jo-

 vem polonesa, de olhos fechados e comuma coroa de murta na cabeça.

 Jan Neruda (1834 – 1891) nasceu emPra-ga e foi umjornalista, autor e poeta checo,umdos representantes mais notáveis doRealismo Checo, assimcomo membro da“Escola de Maio”.

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Se perguntarmos ao grande público o queé o Fantástico, certamente, não haverámuita dificuldade na resposta e nos exem-plos: são histórias de coisas que não exis-tem e trata-se do gênero mais frequentenas grandes bilheterias do cinema, da baseda maioria das Histórias em Quadrinhose é aquele que domina grande parte daslistas dos livros mais vendidos em quasetodo mundo. Contudo, a origem dessegênero (que, a princípio, era “apenas”literário) é, e sempre foi, muito discutidae questionada, e seus limites não são tãoóbvios assim.

Muitos críticos e historiadores li-

terários atribuem ao romance gótico O

Castelo de Otranto  (1764), do inglês Horace Walpole (1717-1797), a origem do gêne-ro; outros dizem que foi somente com ocontista alemão E. T. A. Hoffmann (1776-1822) que o fantástico começou de fato,já no início do século XIX; e outros ainda,acreditam ter sido o romanceO DiaboEnamorado , do francês Jacques Cazotte(1719-1792), publicado pouco depoisdo livro de Walpole, o primeiro textofantástico propriamente dito. Por fim, há,inclusive, quem diga que o gênero sempreexistiu; segundo essa vertente, ele derivariadiretamente das grandes narrativas épicas,tais como A Ilíada  eA Odisseia , de Home-

ro, o livro As Mil e uma noites  e a epopeiadeGilgamesh . Entretanto, sem entrar nessadiscussão, é inquestionável que foi no finaldo século XVIII e no século XIX que ogênero fantástico ganhou os contornos

que lhe atribuímos hoje e uma definiçãopossível e bastante abrangente: fantásticoé uma narrativa que subverte e/ou ex-trapola as regras e limites daquilo a quechamamos de Realidade.

No Brasil, essa questão torna-seum pouco mais simples, uma vez que ésomente no século XIX que a literatura,de fato, brasileira se consolida. Em outraspalavras, o fantástico brasileiro nascepraticamente ao mesmo tempo que anoção de literatura nacional, quando, apósa independência, os primeiros românticosbrasileiros conquistaram seu espaço e a li-teratura fantástica stricto sensu , nascida com

o romantismo gótico do final do séculoXVIII, na Europa, ganhaformas mais definidas.

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No início, as manifestações do fantásticoeram poucas. Raros são os textos comelementos fantásticos antes de 1850,pois, naquela época, o Brasil (e por con-

sequência, sua literatura) ainda estava seestabilizando enquanto nação e, por isso,s textos da primeira metade do século

XIX são, sobretudo, obras de inspiraçãoacionalista e ufanista, ou mesmo regio-alista, no intuito de exaltar a identidadeacional e buscar as nossas raízes histó-

rico-culturais. Contudo, alguns român-ticos herdeiros do romantismo góticoá davam mostras de um ainda invisívelantástico brasileiro.

U M S O N H O

Salvo relatos esparsos de mitos e lendase nosso folclore, talvez a primeira ma-ifestação propriamente fantástica na

literatura brasileira tenha se dado com conto “Um sonho”, do esquecido

 Justiniano José da Rocha (1812-1863),político, jornalista e escritor romântico.Seu conto “Um sonho”, publicado em11 de janeiro de 1838, no jornalO Cro- nista  traz a hist ria de Maria e Teodora,avó e neta, que vivem pobremente emresidência que parece ter sido bela e rica,

m dia. A menina nada sabe de seus paisaté que, em seu leito de morte, Mariaresolve contar o segredo de suas origens:

 Teodora erafilha de Tereza, filha únicae Maria, que fugiu da casa materna e

seguiu uma vida de excesso e devassidão. Anos depois, Maria, que sempre procu-rara pela filha, recebe uma carta de Te-reza pedindo-lhe que venha encontrá-la.

 A moça, antes tão bela, é achada sujae envelhecida, à beira da morte. Poucoantes de morrer, entrega a pequena filhaà mãe. Isso tudo Maria conta a Teodoraantes de falecer. Mais alguns anos sepassam e Teodora se deixa corrompere segue os passos da mãe. Fraca e infec-tada pela tuberculose, é acometida peloremorso. Então, uma noite, o fantasmae Tereza aparece para a filha e diz: “não

quiseste seguir os conselhos de tua avó,preferiste o exemplo de tua mãe: poisem! venho aplaudir-te; daqui a três dias

estarás comigo... no inferno”. A moçaacorda desesperada e dá-se conta de quetudo foi somente um sonho, arrependi-

a, jura a si mesma que mudará de vida.Contudo, passados os três dias, Teodoracessa de existir.

O conto, portanto, lança a dúvida see fato o fantasma apareceu para Teodo-

ra, ou se tudo não se passoue um sonho. A aparente

coincidência suscitada pelamorte da menina intensi- ca a hesitação do leitor,

hesitação que torna o texto verdadeiramente fantástico,segundo a teoria de Tzvetan

 Todorov, autor de Introdução àLiteratura Fantástica .

N O I T E N A T A V E R N AÉ, porém, com Manuel

 António Álvares de Azeve-o (1831-1852), que o fan-

tástico de fato ganha forçano Brasil, ainda que compoucos elementos verda-eiramente brasileiros.

Considerado o maior

expoente do chamadoultrarromantismo, Álvarese Azevedo tinha em Lor-e Byron (1788-1824) seu

grande mestre e, por isso,trouxe não apenas muitoo romantismo melancó-

lico inglês para suas obras,mas também a atmosferagótica de terror, mistérioe sonho, este último talcomo se viu no conto de

 Justiniano. Azevedo morreu cedo,antes de completar 21anos, mas foi autor de umabra relativamente extensa,

permeada por elementossobrenaturais tipicamenteantásticos, como se vê emNoite na taverna , seu nico livro de contos.

Essa obra conta a história de umgrupo de boêmios que, após uma orgia,narram suas aventuras dramáticas esurpreendentes aventuras amorosas. Ashistórias estão repletas de crimes e per-

 versões desde homicídios até necrofilia,antropofagia, fratricídio, incesto e infanti-cídio, inferindo aos contos um ar trágicoe macabro, típico do romance gótico.

 Apesar disso, dentre todas as narrativaso livro, a única que traz de fato o sobre-

natural é o conto “Solfieri”.Ele começa com a visão de uma

bela noite enluarada, Solfieri passeiapelas ruas de Roma quando vê ao longeuma sombra que par ec  ser uma mulher

chorando. A cena é teatral: luzes se apa-gam, a lua desaparece, começa a chover.Solfieri tenta seguir a sombra em meio àescuridão e, de repente, percebe estar emum cemitério. Sem saber como adormece 

acorda pela manhã aindano cemitério e as únicas“provas” de que tudo nãooi apenas um sonho são

as urzes quebradas junto aum túmulo. A cena acabae permanece a dúvida. Umano depois, o rapaz retornaa Roma e novamente sedepara com o insólito: emum templo vazio encontraa mesma moça que jul-gara ver no ano anteriorabandonada em um caixãoaberto; tudo leva a crer queela está morta, mas, inexpli-cavelmente, ela acorda. Nãose pode saber ao certo seestava morta e por milagreacordou, ou se estava vivae seria enterrada enquanto

ormia; esta dúvida entrema explicação sobrenatu-

ral e uma explicação lógicapossível é ainda corrobora-a pelo fato de Solfieri estar

ébrio quando a encontra. Ao fim, ele a salva, mas amoça acaba morrendo.

M A C Á R I O Já na peça Macári   fan-tástico está presente desde

o começo e permanece emtodo o texto que se iniciacom a chegada de Macárioa uma estalagem. Lá, pedea ceia e descobre que seuburro fugiu levando consi-go suas bagagens. Enquan-to come, entra o “desco-

nhecido”. Desconsolado por ter perdidoo cachimbo – que estava junto na baga-gem que o burro levava – e por não ter

 vinho na taverna, Macário se queixa aodesconhecido, que prontamente tira umagarrafa das vestes e dá-lhe outro ca-chimbo; quando Macário pede-lhe fumorecebe a resposta: “É uma invençãonova. Dispensa-o.” O jovem agradece epergunta o nome do desconhecido quese nega em dizê-lo. Cria-se, então, umsuspense em torno de sua identidade,mas ao fim ele admite ser o diabo. E paradesconcerto do leitor, Macário não sesurpreende com essa revelação.

Um tempo depois, já na casa deSatã, os dois conversam frente a uma

janela; bebem, fumam. Ouve-se um gritoagourento ao longe; o diabo comentaque é meia-noite. O diabo leva Macáriopara o campo e adverte que ele deve dor-mir. O rapaz acorda sobre um túmulo,

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despertado por Satã, que lhe pedeque conte o que sonhou; Macáriodiz que sonhou com uma mulherpensativa que caminhava nuaentre cadáveres e que os tomavanos braços. Ouve-se, então, novogrito; Satã diz que é “o últimosuspiro de uma mulher que mor-reu”. O jovem treme de medo,e pergunta de quem é o suspiro,ao ouvir de que é de sua mãe jámorta, começa a chorar e Satã arir. Macário pede que o outro váembora, este vai, não sem antesdizer que pela manhã Macário ochamará de volta. Acaba a cena.

 Tal como em Noite na ta- rn a atmosfera fant stica se

intensifica e o horror, frente aoque lhe é narrado, surpreende oleitor. Novamente se está, como

no conto de Solfieri e no de Jus-tiniano, no âmbito do fantásticonírico. E o fantástico apenas se

intensifica na cena seguinte, quan-do Macário acorda na estalagemnde conhecera Satã. A moça

da estalagem lhe informa queaz horas que tenta acordá-lo; ao

 vê-la, Macário faz perguntas sobre burro e sobre o desconhecido;

ela lhe responde que o burro estáamarrado na baia, que ninguém

lhe fez companhia à noite e queele não deixou a estalagem um sómomento e conclui, benzendo-se:“Se não foi por artes do diabo, osenhor estava sonhando.” Alivia-do, Macário chega à conclusãode que tudo não passou de umsonho, mas eis que vê uma mar-ca no chão; mostrando-a para amoça esta se assusta e diz: “Umpé de cabra... um trilho queiman-do... Foi o pé do diabo! O diaboandou por aqui!” Desta formatermina o primeiro episódio, demodo que, assim como em rela-ção ao sonho que teve no cemité-rio, Macário fica sem saber se seuencontro com o diabo realmenteaconteceu. Sonho dentro do so-nho. O relato da moça, a presençado burro, tudo leva a crer queoi apenas um sonho, porém, há

a marca no chão – assim comohavia marcas ao redor do túmulona narrativa de Solfieri.

O fantástico retorna nasltimas páginas do livro, quando,Macário se reencontra com Satã.

 Ambos se dirigem a uma “salaumacenta”, e veem através da

anela uma orgia. A peça terminacom as duas personagens ouvin-o os homens que conversam láentro.

O C O N D E L O P Oara além de seus textos em pro-

sa, Álvares de Azevedo tambémse valeu do fantástico em alguns

poemas, como em O Conde Lopo ,longo poema narrativo, ou, comopreferem alguns, longo “romancemetrificado”.

O livro conta a história dasaventuras do conde. Em uma daspassagens mais interessantes, eleestá num jardim, meio ébrio, nãose sabe ao certo se dormindo, eentão eis o primeiro acontecimen-to estranho: surge um fantasma.Os dois conversam e o fantasmase revela uma moça, ou uma síl- de, e o conde lhe cobre de per-

guntas. Mas “a visão não falou” e vão juntos para a beira de um lago

nde se encontram com um bar-queiro e para pagar-lhe os serviços conde dá-lhe um rico colar. Oarco se lança às águas e a sílfide

começa uma canção belíssima.Mas, inesperadamente, a músicacessa, a donzela desaparece, tudose esvai, o conde percebe quetudo não passou de um sonho.

Em outro trecho, vê-se umacavalgada, um corcel infernal guia-o pelo conde; logo, juntam-se a

ele outros cavaleiros. Percebe-se,então, que estes parecem estar

mortos e pelo cheiro, ele concluique são fantasmas. Tudo o quese sabe é que o conde se juntou aantasmas nesta horrível cavalgada

silenciosa, pois embora muitotenha tentado falar, por falta deresposta se calou. Cansado pelacavalgada, o conde cai; ouve-se osom das gargalhadas dos fantas-

mas; com esforço, consegue sairdo alcance das patas dos cavalos.E exausto, desmaia, não comoum morto, mas como um bêbado.

 Acordou um tempo depois sen-tindo as pernas serem puxadas,“abriu os olhos turvos – viu emtorno/ Um batalhão de folgazõesespíritos/ Diabinhos pigmeusd’olhos brilhantes”. “Ergueu-semaldizendo a noite aziaga”; ouviuuma risada aguda e avistou ao lon-ge outro fantasma, que lhe vendotremer de horror foi com ele falar.O fantasma queixa-se de frio eentão oferece guarida ao rapaz emseu túmulo de pedras. O CondeLopo, entretanto, logo o deixae caminha até uma Igreja ondesoavam os sinos da meia-noite.Novamente, meia-noite. Conti-nuando em sua errante caminha-da, chega a um banquete, no qualtodos os convivas estão mortos.Isso, curiosamente, agrada-lhe;

senta-se com eles e toma parasi uma taça de vinho, porém, aoprovar, sente o gosto de sangue;com isso já não mais lhe agrada acena; acha-a pavorosa. Eis que se

Inesperada- mente, a mú- sica cessa, adonzela desa- parece, tudose esvai, oconde percebeque tudo nãopassou de umsonho 

O Pesadelo, Fuseli

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levanta um fantasma pútrido, que outrora fora uma mulher, econvida-o a dividir-lhe o leito; o conde não aceita, inesperada-mente os fantasmas em coro repetem: “À dança! à dança!” e,ormando um círculo em torno do conde, começam a dançar,

e tanto dançam e giram que o conde sente vertigens. Tudo seissipa.

O livro continua assim por muitos trechos, nesse imensopercurso entre o sonhar e o despertar que confunde o leitor

e suscita o fantástico. O Conde Lopopode ser cotejado com osutros textos de Azevedo, pois em todos há a possibilidadee explicação natural dos sonhos, como havia em Macário , em

“Solfieri” e no conto de Justiniano, mas ainda assim, perce-be-se o elemento fantástico tão caro a Álvares de Azevedo.

 A S B R U X A SPassando, então, a outro texto emblemático, encontramos otambém ultrarromântico Fagundes Varela (1841-1875) que noseixou seu conto “As Bruxas”. Publicado muitos anos depoise sua morte, “As Bruxas” traz outro tipo de fantástico, no

qual há a certeza do elemento sobrenatural. Neste conto, umgrupo de marinheiros é encantado por bruxas que chegam

 voando em suas vassouras. Já no navio, as bruxas, transfor-madas em belas mulheres, seduzem-nos e o grupo parte em

 viagem para mundos estranhos, onde os jovens colhem plantastípicas. Quando voltam, elas retomam a aparência grotesca e

 voam em suas vassouras. No dia seguinte, mostram as plantasque trouxeram ao capitão que, surpreso, conclui que em umasó noite haviam ido à Índia e voltado.

Neste conto, não há o sonho propriamente dito, porém,tal como em Macári u “Solfieri” o elemento sobrenaturalaparece à noite, e somente à luz do dia é que se conseguequestioná-lo e, neste caso, confirmá-lo.

O F I M D O M U N D OPor fim, como um último exemplo do fantástico onírico valelembrar o conto “O Fim do Mundo”, de Joaquim Manuel deMacedo (1820-1882).

Mais conhecido como o autor de A Moreninha  Macedooi autor de alguns textos significativos para o fantástico brasi-

leiro. Em 13 de Junho de 1857, quando havia rumores de queum grande cometa colidiria com a terra, Macedo publicou noJornal do Commerci  o conto “O Fim do Mundo”. Texto aleg -rico, de viés pseudocientífico e bastante político, traz a históriao homem que resolve fugir do fim do mundo criando uma

escada imaginária com os bancos do país, na base da escadaestá o Banco do Brasil e acima dele os bancos menores. Comisso, consegue se refugiar na Lua e voltar à terra após a passa-gem do cometa. Já na Terra, descobre que todos os seres estãomortos e que é o último homem do planeta. Ao fim, acorda ecomemora que o mundo não acabou.

 

Se por um lado Álvares Azevedo foi muito importante por tersido um dos primeiros a tratar largamente do gênero fantástico

no Brasil, por outro, não se preocupou em dar ares nacionaisa seus textos que se passavam todos na Europa ou em locaisimaginários. Com Fagundes Varela, um tema como as viagensàs Índias vem à tona, algo muito mais próximo ao imagináriobrasileiro da época, ainda de maneira tímida.

 Já com Macedo, e seu conto“O Fim do Mundo” o Brasil setorna palco dos acontecimentosinsólitos e das aventuras do últimohomem da terra. Mas o fantásticode Macedo não se limita a esteconto. Ainda na década de 1860,publica o livro A Luneta Mágica  

outra história de viés alegórico,ambientada no Brasil, livro que foiconsiderado o primeiro romanceantástico brasileiro.

 A L U N E T A M Á G I C AO livro conta as aventuras de Simplí-cio, um rapaz quase cego que sonhaem enxergar. Por isso, procura oReis, um vidraceiro, que, após muitotentar, percebe que nenhuma de suaslentes pode ajudá-lo. Com pena deSimplício, Reis o apresenta ao armê-

nio, um mágico europeu com quemtrabalha. O armênio promete-lheentão uma luneta, mas adverte quese olhar por ela por muito tempo

 verá o que há de pior no mundo. A luneta acaba lhe trazendoinfelicidade e uma série de infortúnios e, depois de um tempo, eleretorna ao armênio que lhe faz uma nova luneta, desta vez, comlentes capazes de mostrar apenas o bem. Todavia, novamente,essa luneta lhe traz problemas, pois, enxergando somente o bem,Simplício passa a ser enganado por todos. No fim, o armêniolhe presenteia com a luneta do bom senso com a qual Simplíciopode ver o mundo em sua totalidade, com seu lado bom e seu

lado mau.

D A N Ç A D O S O S S O SDe modo muito diferente, Bernardo Guimarães (1825-1884), último dos românticos de que iremos falar, também retratou Brasil. Mas outroBrasil. Em seu conto “Dança dos Ossos”,

publicado no livro Lendas e Romance  em 1871, temos um “cau-so” típico das regiões rurais do país. Nesta história, Cirino, um

 velho barqueiro, conta ao narrador a fatídica vida de JoaquimPaulista, assassinado, à traição, no meio da mata, por um anti-go pretendente de sua namorada, e, em seguida, Cirino contacomo veio a se encontrar com o fantasma de Joaquim. O casoé que a alma de Joaquim Paulista permanecia vagando e as-sombrando a redondeza, pois seu corpo não fora devidamenteenterrado e seus ossos se espalharam pelo local. O conto trazalguns elementos da narrativa de horror de fantasmas, mas, aomesmo tempo, tem um veio de humor satírico, tal qual o con-to “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”, do escritor americano

 Washington Irving (1783-1859), com o qual se assemelha emiversas passagens.

O R G I A D O S D U E N D E S Já em “Orgia dos Duendes”, um longo poema narrativo,Guimarães conta a história de uma espécie de sabá, ondebruxas, duendes, um lobisomem, uma mula sem cabeça,

iversos diabinhos, um crocodilo e alguns sapos se reú-nem frente a uma fogueira para danças macabras enquantocontam as histórias de suas perversões para sua rainha. Aofim de vários horrores, a orgia dos duendes acaba. O diaamanhece, os pássaros cantam, pareceria ter sido um sonho,

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se uma bela donzela virgem não tivesseassistido a tudo escondida nas sombrasde um arvoredo.

C O N T O S A M A Z Ô N I C O SEm caminho semelhante, o escritor rea-lista Inglês de Sousa (1853-1918) compôs

eu Contos Amazônico  publicados em1893. Neste livro, tal como Guimarãesez em “Orgia dos Duendes”, o autor

brincou com o folclore nacional e mitosamazonenses que resultaram em contoscomo “Acauã” e “O Baile do Judeu”.

O primeiro conta a história do Ca-pitão Jerônimo Ferreira que, certa vez,perdido na floresta encontrou uma meni-ninha em uma barca, a qual deu o nomede Vitória. Levou-a consigo e a crioucomo irmã legítima de sua filha Aninha.Quando cresceram, Vitória tornou-se

uma criatura estranha de hábitos escusose Aninha tornou-se quieta e melancólica,ainda que bela. No dia do casamento de

 Aninha, Vitória não apareceu; porém,durante a cerimônia, Aninha começou aconvulsionar e a gritar “Acauã, Acauã”,nome de uma ave de rapina da região. OCapitão desesperado olhou ao redor e viupor um instante Vitória que logo desapa-receu, e então um grito agudo foi ouvidono telhado, Aninha parou de se mover.“Todos compreenderam a horrível

desgraça. Era o Acauã!” Com este finalenigmático, o conto termina deixando aoleitor a tarefa de imaginar se Vitória era

 Acauã ou se foi Aninha quem se tornouo pássaro.

 Já o conto “O Baile do Judeu” éaquele tipo de texto que não se mostraantástico até quase o final. A história

começa com os preparativos da festa dojudeu que convidou todas as pessoas dasredondezas, inclusive Dona Mariquinhas,uma bela senhora recém-casada com otenente-coronel Bento de Arruda. Emmeio à festa, surge um estranho de golaalta e chapéu que lhe tira para dançar.Chegam a desconfiar que se trata de Lulu

 Valente, um dos pretendentes que DonaMariquinhas tivera quando solteira. Adúvida permanece e o casal começa arodopiar assustadoramente rápido. Preo-cupado, o tenente-coronel se levanta parapará-los; no entanto, neste mesmo instan-te, o estranho deixa cair o chapéu e comassombro todos veem que há um furoem sua cabeça como o boto do mito. Ele,

então, se precipita pulando no rio, levan-do Dona Mariquinhas consigo.

 

 A ficção científica, que nada mais édo que uma das possíveis variantes dofantástico, difundiu-se no século XIX,sobretudo, a partir das obras de Júlio Ver-

ne (1828-1905), seu principal precursor.No Brasil, Júlio Verne foi muito lido etambém muito traduzido. E até imitado.Outros ainda fizeram obras à sua maneira,como é o caso de Augusto Emílio Zaluar(1825-1882), escritor português natura-lizado brasileiro, autor do romance Dr.Benignu  publicado em 1875 e consideradoo primeiro livro de ficção científica brasi-leiro.

O livro conta a história de Dr. Benig-nus, um cientista que busca transcendên-cia espiritual através do conhecimento

científico e do recolhimento. Para tanto,parte com sua família para regiões desabi-tadas e inicia uma vida de naturalista. Emmeio às suas pesquisas, encontra uma ca-

 verna onde indícios levam-no a crer queo sol é habitado por uma espécie de vidainteligente. Por fim, um dos habitantesdo sol entra em contato com o doutor econta-lhe que eles o estão observando eque ele deve continuar suas pesquisas emsua busca espiritual.

D E M Ô N I O S Já o conto “Demônios”, do escritor na-turalista Aluísio de Azevedo (1857-1913),publicado em 1893, traz à literaturabrasileira toda a carga cientificista do fimdo século ao contar a história do últimocasal de humanos na terra que, inespera-damente, desperta em meio a um mundomorto e em decomposição. Inicia-seentão um processo de involução, no qualas personagens vão voltando a estadosprimitivos, passando de homens a bichos,de bichos a vegetais, e então a minerais,para por fim cessarem de existir. Oconto, muito bem elaborado, transmitecom maestria toda a carga de horror daspersonagens no início, mas depois vai

tratando astransforma-ç es comnaturalidade,à medida queelas perdema capacidaderacional.

O textotermina como despertardo narradorque percebe

“Demônios”traz àliteratura brasileiratoda a carga cienti fi cista dofi mdo século ao contar a históriado último casal de humanosna terra que, inesperadamente,desperta em meio a um mundo

morto e em decomposição 

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 A S E G U N D A V I D APor fim, no conto “ASegunda vida”, temos orelato de um homem quealega ter morrido, subidoaos céus e, por ter sido amilésima alma do grupoque o recebeu, foi escolhi-o para reencarnar e viver

uma nova vida. Não haviapção, tinha de reencarnar,

mas poderia escolher como viria, e ele escolheu revivercom todo o conhecimentoque tivera na vida anterior.

 Tudo isso conta José Maria,homem reencarnado, ao

monsenhor Romualdo, que,esconfiado, não tira oslhos de José Maria temen-

o que este esteja louco. Ohomem então continua seurelato e conta que o sabernão lhe trouxe felicidade,tornou-se desconfiado, me-roso, covarde e conforme

narrava se tornava mais de-sesperado, agressivo e agi-tado. Em dado momento,

 José conta que sonhou comDiabo e que o Diabo riae sua péssima escolha e

e sua juventude perdida. José então se levanta ante opadre que começa a recuare com olhos ensandecidos

 José Maria lhe declara quenão há como escapar. O

conto termina com o som de espadas epés e a ação em suspenso.

achado, portanto, inovou em di- versos pontos: trouxe o tema da loucuraque estava em voga na Europa, sob apena de Guy de Maupassant (1850-1893)e Robert Louis Stevenson (1850-1894)para seus contos fantásticos. O fato éque o tema da loucura vinha substituin-do o sonho como explicação para osobrenatural, uma vez que possibilitavatextos mais elaborados e suscitava a dú-

 vida do leitor. Por outro lado, Machadotambém inovou ao escrever contos in-sólitos como “Uma visita de Alcibíades”nos quais não há explicação coerentenem dentro nem fora da narrativa, demodo que é o desconcerto do leitor antea aceitação da personagem que cria essa

nova poética do absurdo que irá se de-senvolver no século XX e dará origem adiversos subgêneros fantásticos.

que tudo não passou de um sonho, talqual acontecia nos textos de Álvares de

 Azevedo e nos contos de Justiniano e Joaquim Manuel de Macedo, reforçando,

ovamente, a importância do tema dosonho para a literatura da época. Seme-lhante ao texto de Macedo quanto aotema do fim da humanidade, o conto de

 Aluísio se distingue, porém, por ser natu-ralista e não alegórico, preocupado comoestava em mostrar o caráter científico eão político da vida dos últimos habitan-

tes da Terra.

 

aralelamente a todas essas publicações,como não poderia deixar de ser, Macha-

o de Assis (1839-1908), talvez o mais versátil dos autores brasileiros do século

IX, escrevia contos e mais contos dogênero fantástico. Em estilo variado,

achado compôs textos alegóricos, satí-ricos, de horror e de humor, ou mesmoabsurdos, antecipando o que faria FranzKafka (1883-1924) ou mesmo Italo Cal-

 vino (1923-1985) anos depois.Dentre sua vasta produção des-

tacam-se os contos “As Academias deSião”, “Uma visita de Alcibíades”, “A

greja do Diabo”, “A Segunda vida”, “Omortal”, “O Esqueleto”, “Mariana”, “Oanjo Rafael”, “O Capitão Mendonça”,“A vida eterna”, “O país das quimeras”,“O anjo das donzelas”, “Os óculos de

edro Antão” e “A mulher pálida”, aléme, é claro, o romanceMemórias Póstumade Brás Cuba  que, embora não tragaenhum acontecimento propriamenteantástico em seu enredo, parte de uma

premissa sobrenatural: a história da vidae Brás Cubas contada por ele mesmo,epois de morto.

Dentre os contos, destacaremos al-guns para demonstrar a diversidade emaestria de Machado. Comecemospelo célebre “A Igreja do Diabo”.

 A I G R E J A D OD I A B ONesse conto, o Diabo, enfadadoo Caos em que vive e de ter sido

sempre relegado ao segundo plano,resolve fundar uma Igreja pró-pria. Sobe, então, aos Céus

para contar tudo a Deus.eus lhe diz que pode

tentar e o Diabo vem a Terra. Assim, a Igreja

o Diabo é fundada

e ele começa a pregar os vícios e a condenar as virtudes. Sua nova religiãologo se espalha por todoo mundo e, pela primeira

 vez, ele conhece o sucesso;entretanto, sua alegria durapouco, pois percebe quealguns humanos passarama praticar suas antigas

 virtudes, às escondidas.Revoltado, sobe aos Céusnovamente para questionarDeus, que, simplesmentelhe responde que assimcontraditória é a naturezahumana.

U M A V I S I T AD E A L C I B Í A D E S

 Já em “Uma visita de Al-

cibíades”, Machado brincacom uma ideia absurda:e se uma personagem dopassado simplesmenteentrasse por nossa porta?Como reagiríamos? Noconto, o desembargadorX escreve ao chefe depolícia da corte o que lhesucedeu quando ninguémmenos do que Alcibíades, ogrande general grego, saiu

das páginas das crônicasdo passado para visitá-lo.Felizmente, o desembarga-dor era versado em gregoantigo e assim consegueconversar com o general.

 Alcibíades se mostra surpreso com asnovidades pelas quais o mundo passoudesde sua época e o desembargadorconta-lhe tudo em uma estranha atitudeque parece aceitar a visita insólita. Ao

m, Alcibíades morre de um ataque,inconformado com as roupas da época.E o desembargador se desespera por

não saber o que fazer com ocadáver vestido à maneiragrega caído em sua sala.

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Por fim, para concluir este breve panorama, escolhemos falarda novela “O Sapo”, de Nestor Victor (1868-1932), publicadano livro Signo  em 1897. Nestor Victor ficou conhecido comoo mais importante crítico do movimento simbolista. Amigofiel de Cruz e Sousa (1861-1898), cuidou de publicar as obrasdo poeta após sua morte com uma dedicação ímpar. Talvez porisso, a própria obra poética e ficcional de Victor tenha perma-necido esquecida, como é o caso desse brilhante livro Signo e,sobretudo, da novela “O Sapo”.

Neste conto, um jovem rapaz, em uma atitude tipicamentedecadentista, alheia-se da sociedade de maneira radical até quese vê transformado em um sapo horrível com manchas amare-las e verdes. Escrito em linguagem expressionista, como aconte-cia com muitas das obras em prosas do simbolismo, “O Sapo”lembra de imediato o livro A Metamorfos  de Franz Kafka quesó viria a ser publicado em 1915. O conto de Victor, portanto,parece uma espécie de conto kafkiano, escrito antes de Kafka e,

por isso, pareceu a escolha ideal para finalizar este panorama.nfelizmente, tivemos de deixar de fora muitos nomes im-

portantes, tanto de autores, como Afonso Arinos (1868-1916),como de obras dos autores citados. Tentamos destacar os textosque nos pareceram mais importantes e representativos dentrodo gênero fantástico em seus primórdios, retendo-nos, portan-to, apenas ao século XIX, no intuito de evidenciar as origens etransformações pelas quais o gênero passou em suas primeirasdécadas até se consolidar e se diversificar, de Justiniano a Nestor

 Victor, do relato onírico ao absurdo, passando pelo “causo”,pela lenda folclórica e pelo tema da loucura, de maneira a mos-trar como o fantástico se tornou no século XXI um dos gêne-

ros mais lidos e comentados, no Brasil e no mundo.PARA SABER MAIS:

BATALHA, Maria Cristina.O Fantástico Brasileiro – ContosEsquecidos . Rio de Janeiro: Caetés, 2011.

CAUSO, Roberto de Sousa. Ficção Cientí fi ca, Fantasia e Horror noBrasil – 1875 a 1950. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

MATANGRANO, Bruno Anselmi e RODRIGUES, AnaCristina. Insolúsitos: Narrativas Insólitas Luso-brasileiras – SéculoXIX. Rio de Janeiro: Llyr Editorial (no prelo).

 TAVARES, Braulio. Páginas de Sombra – Contos FantásticosBrasileiros . Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.

 TAVARES, Braulio. Páginas do Futuro – Contos Brasileiros de FicçãoCientí fi ca . Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011.

Bruno Anselmi Matangrano é bacharel emletras (português e francês) e mestrandoemLiteratura Portuguesa pela FFLCH-USP. Editor e contista, dedica-se, sobretudo, àliteratura fantástica, policial e ao movimento simbolista nas literaturas brasileira,portuguesa e francesa.

Fotos: Lucas Anselmi

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m  e   l r i   s e   - c   u  o u   n  

a –   te , a s   v  a a   e-a r l a a-

e e  e l   er ii i   ar r en  e r t ri e   reen e  

i   o i te.....   e   i am  u st -s  ,  ii a es d   s c s r liz p -

  sa  s ur a os i v  o , c   p s-r   l a  ta   i  i o  

e   f  r s  , e s  q et p  u   a a ..  d  u   s ti  

i o f    s   ,--l   ,, o o q ue 

e   . a e   .. aa  -   e i   el   s es,  t   rand  i   c a   a id ç   o- 

 , e   s a  u ho , a o i c   i o  

i   ,  e ,  ii i  i   gi

i   rr   o r r o d ri  o   , e  s a ci i -

  u , a q  s d i  

r i s  c aa   i

u a   s c i a m e in   n --i   e ich s  d r es r .. o e ai b lant o g a v   p r   d , u a  rr -  mi ti is   a  o s  e n o  s p  

t s el i sa s e   e al d   sse   , on s h as n   o  

ar:: e   s ,,  m q uinas a a e  t o e te   o n s   r ig ra   n ic s e e e  

pa elh s n is e   e n r c nh  agi   m   ra d mi ada el a  p  r  ..

o   a e   n s n s 9   q ue  s rgir   a r  b   nc m s c  pio r su :

A   , ich e o r c , -   1  ), d   s p e e ,  o re u  , l   

19 9 , e . ... Jet  , come a r i a n i  gla ra it riana  lter ati va  , a u  

an ica u , co   o c  d P ies , h   r i  m  esten   e   i p rio  r  a d   li es  s re .  ar  ca a  o   o as cic s a rcad n

s balh   e e e , ra si   ,rn n   sp ,

o  m   s i   o e i a   i -l e o  st  u   s r  o a -  raba h a r f n cr   o  a  

a  c e r e  ..  L   e - , c   i -

   A

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 João Seixas nasceuemViana do Castelo,Portugal, em1970. Licenciado emDireitoe advogado, é tambémcrítico na área dofantástico e publicoucontos e ensaiosemdiversos suplementos, revistas e

antologias portugueses.

 

r   l  ,  ), F M   in hll , ; Na han  r  1 4   ) e da 

r s rie e v si a  Th e Wild Wilme es ] (1965-19 9 ..  e g

q ui o ra caracter i a u re ndentee i es rada: o s m u k   que nos apre-senta o passad ideali ado de uma In-gla rra, e, sobre udo, de uma Londres,

r f u ris a, um subg nero  tipica-en  am ricano.

 Em 1987, o mundo da FC estav a aindare verberando com os ecos  da re volu-ç o b r u k   q ue W illiam Gibson de-sencadeara em 1984 com Ne ur om ancer  O b r k  era o mov imento  literário iconocl stico e irreverente da moda, e  como tal, era exig ente com os autoresue o integrav am; entre eles contava-se

K. W. Je er que,  juntamente com imPo ers e James Blaylock, eram pratica-men e os  nicos a escrev er num outro subg nero do qual eram reis e senho-r s. A rev ista Lo cu   ref eria-se aos seus

tos como uma forma “go nzo-histo- i  l   de escrita  de fantasia. Nas suas

gi as debatia-se qual dos três come-a a praticar rimeiro esse modo de

sc ita e Jeter, de forma mais ou menos

jocosa, submetia o seu M rlock N i gh   apreciaç o editorial, referindo-se a elecomo  uma “ an asia vitoriana”. Ele

considerava que poderia vir a ser a grande modaliter ria seguinte, desdeue “   r um  r  ót ul  l t    d u a para  P o- 

 , ck u pr  óprio.l b    ol og ia

; steampunks,al  z.... .. ..  s livros  des-es a o es

T    nu iGa   [   O Por o d An -is]  (1983 d    we

u ul u  (198   ) L  K l in   M  hi    ( 99 , 

bo de l ck; In f  l   D 

1 87), de  e ro a o 

n cleo dur  d u  m imag i rio iriaa c ns l dar-se e for a  superior no 

s p rfeito e dos os t ulos s  - punk  Th Diff E  in   [A M quinaD ferencial]  (1990), de Gibson e Ster-ling , os pais do cy be rpunk  que aqui pre-figuram uma Londres industrial, go ver-nada por  uma meritocracia científica chefiada por Lord Byron e enriquecidapor inteligências artificiais baseadas nocomputador  dif erencial proposto porCharles Babbag e em 1822; é uma Lon-dres poluída, sa ída das páginas de Di-ck ens, cuja influência sobre a imagética do g ênero é impossív el exagerar. É, decerta forma, um mundo representado de f orma  inesquecí vel nas pranchas com que Kevin O’Neill ilustrou  o  f a-buloso Th eLe ague of Ex tr aord in ar yGen- tl em   [A Liga Extraordin ria], de AlanMoore (1999-2000 ) a obra-prima st eam- 

pu nk  em termos de graphi cno vel .Normal e justificadamente excluí-

do do c none st eamp unk , Pavan  (1968),

e Keith Rober s, um conjun o deis ias in erligadas apresen a-nos, 

f  r a rt n e (e precurs r  ,o ro la o d  m eda, no q  al  ma 

i c ien cnol gi   do  apor fi g uracom  me r   o a ras  o in elec al ein r  q e  ria  er  advin  d  e

iunfo da In venc v el rm  a do li   s anh l sobr   I g er-

a  El abe h .. S a e t ca a ora de ra a n o cl ra en ee

a v    d es   al umae su s agens, eada en e dre s rodov  ri a po  r – uma e  d  e ecn l iia avança a eun o er ul a o na re vas e

prolongada Idade M dia –   d i ouuma marca indelé vel no  imagi rioposterior. Assim, e ao fim de q  en a anos de desenvol vimento, o s  m  k traduz uma consciência crítica d r -gramada obsolescência da  tecnol iamoderna, aplicando-o retroativ a en-te ao período da história europeia q  e construiu o mundo em que hoje vimos. Fazendo a ponte entre as orig   

a FC e a História Alternativa, o s  - pu nk  parece manifestar um prof undo 

escontentamento com o presente e aesist ncia do fu uro; ao regres r srig ens do mundo moderno   ido  Iluminism oi o n is a, a -

lizando a estética do g ner   t r rio que sempre ranspor u a c a  riun

al desse mesmo mu ,  FC,  ob ---terand   um u o, sforma  mprotesto  por e   i n , p rzes injusto, em m  ancial  ri tiv    ocom imensos v  os plorarr   amiríade de  fu uros q    unca f  am,um n mer nfini   a   rr -zo, aind por desbra r. 

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1

 

a   o  aio  s a   ..  po  

t   l i-o f orte q   f    se expandi  rorm a  v  ri   a ultu   naci na a 

i ria  p s..m pr eir  l   B si   io  as o u C n e-

 , u   io i   iv idid  p   s a   dad  

apo a o des olv ime to  da c t ra st  mpu k   r i o....  n m l ”  ref  ci  a ao conceitos ge ” aç nicas.. Es es onselhos organi p -

les r ,  enc s,, promovem cul ura  e   eiras  e ol   rksh o  nd i br   s mp  k 

  pr d ir omi  bols   c il , culos at  c mput dores com o vis al tr turista.

l m d mais, h o S  T, um podcast v oltado p a os f s de  S ea nk .. es n ado por Bruno Alciolly,on m en r is as com au ores na ionais e internacionais, ex-

plic e   br   g    dic  d   e procurar para se inteirars r ovi ento.

 Brasil aderiu li era ura st  u k , primeiro, com umacole nea da Editora Tarja, chamad “S eampunk – hist rias deum  a o ex raordin rio”, que e  como f oco:

“Uma antítese das visões utópicas da Ficção Cientí fi ca demeados do século XX , nas quais futuro éigual a evoluçãosócio-cultural. O Cyberpunk éum subgênero dafi cção quetrabalha a ideia de que, se nossa sociedade seguir seu cursoatual, o futuro próximo seráum lugar onde o capitalismopredatório impera ao lado alta tecnologia e o nível devida geral épéssimo. Daío nomecyber, da tecnologia

avançada, do ciberespaço, onde muitas das estórias seambientam, epunk , da visão negativa em relação aodesenvolvimento social, da degradação do indivíduo.” 

eD pois dela surgiram ain a ou r s li vros do g nero. “Va-orpun  elat st  mp u k pu i  dos sob as  o rd ens de Sua  

Ma  ad le de  contos fant sticos base-ad   v i   S punk ndo como f oco Brasil ePortug a . A   rin e a Isabe   uma pirata a rea en-lquan o esc   lu   c n ra quinas aut nomas por

em r os.I e essou? O release da obra:

Com força mundial, a estéticasteampunk vem angariando cada vezmais fãs brasileiros e portugueses.Seu apelo visual e o rico conteúdoinspirados no século XIX são ocombustível certo para a produçãode uma literatura que pode serintensa, mas também descontraída.Descubra o que oito autoresmaquinaram nesse intricando

conjunto de engrenagens que é 

a imaginação. O steampunknasceu como um gênero literário,mas ganhou vida própria e dominou amoda e as artes plásticas, tornando-secada vez mais conhecido. Se a culturada era vitoriana virou inspiraçãopara essa estética, em Vaporpunk– Relatos steampunk publicados sobas ordens de Suas Majestades, osorganizadores Gerson L odi-Ribeiro

e Luis Filipe Silva imaginaram essaépoca tão distinta sob a ótica brasileirae portuguesa, repleta de inovaçõestecnológicas e acontecimentos inusitados.Com a presença de renomados autoresdafi cção especulativa dos dois países,Octavio A ragão, Flávio Medeiros, EricNovello, Carlos Orsi e o próprio Gersonpelo Brasil; Jorge Candeias, YvesRobert e João Ventura por Portugal;a coletânea traz oito noveletas movidasa vapor, disputas políticas, personagensfamosos e armas engenhosas. Tudo issoregado a muita aventura e surpresas,porque, mais do que repensar o gênero,Vaporpunk éum convite para conhecerum mundo alternativo, e o que Brasile Portugal poderiam ter sido comtamanhas novidades.

as se o ist ria n o e  tie leitu a f a r , aind o r an

e  fa t si  a Baronato de S oa ::Canç o S l i . c too  JRobe to V  ira  e lica el  a -t ra  rr co.

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Desde o nascimento os BneiShoah são treinados para fazeremparte da Kabalah, a elite doexército do Quinto Império.Sacerdotes, Profetas, Guerreiros,Amaldiçoados, eles não conhecemoutros caminhos, apenas aimplacável luta pela manutençãoda ordem estabelecida. Depoisde dois anos servindo o exército,Sehn Hadjakkisfi nalmentetem a chance de voltar para casae cumprir uma promessa feita

na infância: casar-se com seuprimeiro e verdadeiro amor, MayaHawthorn.Entretanto a traição de seumelhor amigo põe Sehn peranteum dilema: cumprir a promessa àamada ou rumar a um trágicoconfronto, sabendo que isso poderá destruir não só o que jurou amar eproteger, mas aquilo que aprendeucomo a verdade atéentão.

P r m, Editora Estronhoraba ho m dois  livros o

g  nero a bos coletâneas ecom e ti as mais  direcio-

das.  O  rimeir deles or-nizado por  a ia   Ruiz seam   t  mp in k   em  comoaior ac racter stica ser  uma

lo ia escrita e organiza-a  ob  olhar  f eminino. Seusr ona ens e cen rios são

r b   ui s adoras, vi -  p muit  vaporisttt ru o a  vamp r s, corv os,

poe as  , mazonas  e uma v er-ss    v  porizada e cl ssicos

e  o   e  fa ...  A --  n , or z d   r 

celo Amado, R   C id  e atiana Ruiz  in itul  Ex   hi nj   

a  apre e a pss ...

  o   e ,,n u or   v   n a  e   ,,  u  o s   ,,

r  s  a ,

– a   ..  n  u

r r  a . ..

Os calendários são simplesmenteignorados por aqueles que

combatem pelo bem ou pelo mal,numa guerra sem vencedores.A s grandes batalhas distribuemlouros entre os dois lados, emuma dança milimétrica dabalança. Mas esse equilíbrioesteve ameaçado em uma épocaem que a elegância do vestuáriodas senhoras e cavalheirosconvivia, não sem uma pontade contradição, com o peso e

a estranheza dos acessórios eequipamentos utilizados poruma civilização que começavaa descobrir as maravilhas datecnologia.

A njos e demônios escolheramaquele tempo, utilizando-se detodos os artifícios armamentose equipamentos possíveis, e

encenaram algumas das maisterríveis batalhas de que ahumanidade jápresenciou. Decon fl itos e duelos isolados aconfrontos sangrentos entre osexércitos das trevas e da luz.

Para encerrar,  a  cultura Steam-punk   não  é  apenas literatura  emúsica. Ela é um conceito, umresg ate aos  velhos hábitos  do

ca valheirismo vitoriano, deixan-do de lado o preconceito contraa mulher e o neg ro. Nas av en-turas do “retrofuturismo” hespaço para garotas heroínas e a escravidão é, quase sempre, mal

 vista.ara  aqueles  que desejam

saber mais s bre o movimen-to Steampunk, o que não faltaé material gratuito.  Se  você émulher e adora moda, também

 vai gostar dos sites  de modae dão referências para se

 vestir  melhor ou apresentamoportunidades para nov as ves-timentas.

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A C rt   c beu muitas cr ticasen usi smadas d   d  uma série depu l es e jornais,  ui entre vistado naelevis , o ii maior festi l de

ci ma d mund , rl inal   vo oulii vro como melhor r  de fantasia que 

 veri  s r adap ada par me nesse ano.inda com muita admi ç que encaro a f m   A C rt d A e o .. 

o m  pare m h ..Q o revi  iv r ,

queria cria   ma fan asic m um  sociedad  e em 

d dis an d  sr d cio is lf me ie  r ...

  ca rri uelh r c nh cia ra a da la rra it ria a e ge r a,a e -m   z  perf   id   o r e oo .... 

i s   e o  de  r a  se  u ica   rre   u gi o 

i s crtic   ei

m padrão... O meu liv ro não tinha sido recebido apenas comoantasia q ue retrata uma cultura

alterna va… Era considera oseampunk . Na altura, pareceu-meser uma efiniç o b via uma

 vez ue o me livro tinha rob s vidos a vapor, irig  v eis,carruag ns i a es vi orianas e

r sse t v a  u re ra o a tern tiv   a soc e de do s culo XIX ,

cu p indo as caracter stica d  p un k .. Mas juro q ue n o me

r e  que o lii vr  q  e es a va crev endo f os e  l  o ais o

a av n ura de fa as a...

  r   c -s n  a his ri  e  m ra  e e ça

e   eeend  un   e ue e osti  l

e muito es rr , lo me so  para n s  , med da q ue a bos enfre a forças  l  v  las eassassin s com obje iv  s sinis r s..Os nossos her s m d  e fugirde udo e de  o s  n  s nd  

em que co  fi

r..  ma h s r aque poder a e  r funcionad ecom c v leir s e espadas es ill  de Geor e R  .. .  a ti  n edo seu mara il os   u o 

i rer el.. ,  a ve d ,, AC r assa--s a  r  nu f  uro is p   iui o

il ni s  , s cc  d  Idade d   e   ideserem a a a   os  n sa

a ua ex st ci   ...  A  afi   o  

co ac lia –   minh   e rrna   – a s r i  a o 

con e   urop xi  a r nça –

n mi  o –, ss m 

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StephenHunt é umautor deficção cien-tí fica e fantasia que vive atualmente noReino Unido. Antes de se tornar escritor,

trabalhoucomedição de conteúdospara aweb , incluindo oFinancial Times .

Os seus livros já forampublicados noCanadá, Reino Unido, EUA, e foram

traduzidos para mais de doze línguas.A Corte do Ar  é o primeiro livro

de sua sériesteampunk  centradaemuma Inglaterra vitoriana

alternativa.

separando as fronteiras. E, como se issonão fosse ruim o suficiente, a Espanha tornou-se um deserto e é controlada porum Império de engenheiros genéticosmaléficos.

Quando entreguei A C rt d  A r aomeu editor, o fenômeno do st ea mp unk ainda não tinha grande força –  existiamapenas alguns li vros retratando realidades 

la ternativ as v itorianas, como a magníficabr de William Gibson,A Má quin  Dif r n a , ou a HQ de Alan Moore, AL i a  E x  or in ia .. Mas as inesperadas 

ndas ele v da d  A C r  d  A a e ç da i prensa que o livro

u con ven eram  odos que aquit va alg o u  valia a pena investigar. 

D s e ent o, escrevi mais cinco li vros,ota i ando seis liv ros na minha s rie

 J ck  liana. Se s anos da minha v idaue tud mudou r dicalmente. O

r   e a dei a popularizar temo a as d  e uu res.. E não s isso.s  nk afastou-s- e e su s ra zes 

ist icc evoluiu, proporcionando i irrre o insp ada  a ontraculturae se  u  a  

 v  i ss s iee a e der a – –e caç , stress   r ,, i d de ons  com adr es est it c s ai s  

r tetura feia   e i  no st r eol gias e ca s....

e r  s ara  o emqu oco   re v  ão

a vapor, podemos encon rar quase o ad s s caus s que condu iram  s

desi ua dade  s socia  s sie de uculminaram no movimento punk  do  anos 70 dos Sex Pistols e nas bo as D  Ma rt en . 2007 foi o ano em que o sistemabancário iniciou o seu colapso gradual,prov ocando desempreg o em larga escala

e males econômicos num meio em q ue s cidadãos deixaram de confiar em seuspolíticos e instituições como a polícia, igreja, sindicatos, bancos e todo o resto. Como se isso não bastass , tivemos de lidar com instabilidade pol ítica,empreg os exportados para a China,alterações climáticas, motins e guerrasno Irã e Afeganistão.

Por tudo isso, não surpreendeque, nos últimos anos, muitos jovensdesencantados – assim como algunsmais v elhos como eu – optaram por

se afastar de nossa sociedade estérile violenta e olhar para um passadoimag inário q ue nunca existiu, no q ualdamas e cavalheiros cortejam-se uns ao utros com boas maneiras e vestuário 

requintado, droides movidos a vaporservem-nos cocktail  de absinto, e cientistas de casacos de couro produzemmanualmente objetos para nossamaravilha e deleite.

Este mundo pode nuncater existido fora de nossas

imaginações, mas talvez fossemelhor ter existido. Não sei qualserá a evolução do steampunk  daqui para a frente, mas mesinto feliz por ter feito partede sua origem, e tenho umaintensa curiosidade pelo seufuturo. Assim como A Corte doA r  transformou a minha vida ecarreira, suspeito que o futurodo steampunk  nos irá surpreender

de formas que não conseguimosprever.

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stava-se em 1953 e AlfredBester vencia a única catego-ria de ficção (na modalidadede romance) do primeiro

e todos os prêmios Hug comO Homem Demolid . Os marcianos

esciam em uma América rural in-suspeita a convite de George Pal,Quartermass salvava a Humani-ade de um alienígena vegetal e  milionário Donovan era salvo

e condenado perante audiênciasesconfiadas da ciência. Estreava

na Espanha Luchadores del Espaci   uma coleção de pulpfi ction ; a Itáliaadiantara-se um ano com a Urania  e aPresence du Futu entraria no anoseguinte no poderoso mundo da

Ficção Científi

ca (FC) francesa. Vivia-se a Guerra Fria, um mun-o de terror atômico, cheio de es-

piões e ameaças veladas, de perse-guições anticomunistas e descon- ança generalizada na capacidadeo Homem em sobreviver às suas

próprias criações. Ainda assim,alava-se de futuros gloriosos, de

contatos com seres de outras Ter-ras e de colonização galáctica naspáginas da Astoundin  Magazine of Fantasy and Science Fiction   Galax .Estava-se a quatro anos do lança-mento do primeiro satélite fabrica-o por mãos humanas, oSputnik 1  

que deu início à atualmente desig-nada Era Espacial, e a dezesseis daprimeira viagem tripulada à Lua.

Estava-se em 1953, e, aindaantes de terminar este movimenta-o ano, nasceria uma nova coleção

portuguesa que ficaria nas vitrinesurante cinco décadas, apresenta-

ria autores de FC ao público lusi-

tano e atravessaria o oceano paracontaminar o paladar dos leito-res brasileiros. Uma coleção cujonome evocava tradição, epopeia eaven ura: a Argonauta .

 A viagem a que nos propomosfazer é uma de memórias e teste-munhos, pois é a única desloca-ção temporal permitida à espéciehumana. Convocamos autores eapreciadores, procuramos na in-

ternet e nas estantes lá de casa, ereunimos todos aqui, para um bre-

 ve desabafo, para que nos contemas suas experiências e, nestas, des-cobrirmos o reflexo das nossas.Convocamos também a editora,que lamentavelmente se escusou.

 Não importa – só oslivros importam.

 

A

ntes de mais nada, os dados

biográficos: deu-se à luz emNovembro de 1953 e reme-teu-se ao silêncio em 2006, emmês incerto. De mãe, a EditoraLivros do Brasil, e, de pai, Antó-

nio de Souza-Pinto, o fundador da empresa. Durou

562 números ininterruptos com periodicidade mensal(exceto nos últimos anos em que foi irregular), mais acrescento em 1968 do rar ssimo n.º 130-A ( Estaçãode T r nsit  – Way Station , de Simak) . Continha essen-cialmente FC, mesclada com alguma Fantasia, e erarelativamente atual: perto de quarenta títulos forampublicados apenas com um ano de diferença ao da res-pectiva edição original estrangeira, e aproximadamenteuzentos com um máximo de cinco anos. Para a co-

leção, contribuíram centena e meia de autores e meiacentena de tradutores oficiais. Vendia-se em Portugal eno Brasil, não obstante uma indicação na ficha técnicaque proibia este ato na “República Federativa do Bra-sil”. E, se considerarmos uma dimensão média de 250páginas por livro, estamos perante 140 mil páginas deliteratura Fantástica e anos de leitura.

Nenhuma outra coleção de FC atingiu no espaçolusófono tal dimensão, importância e longevidade, nemcontribuiu, até hoje, para a formação básica de váriasgerações de apreciadores do gênero.

Se há fator que una os apreciadores é aquele momen-to ou circunstância em que a A rgonaut  en rou emsuas vidas e que se torna uma memória acalentada

e contada com os detalhes de quem descobriu um se-gredo valioso. Cada qual conta a sua história, mas são os

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  // BANG!

mesmos os pontos de união,são familiares os motivos ques integram na comunidade.

Pode ter origem na reco-mendação de um amigo ouamiliar: “uma tia minha, quecolecionava a Argonauta, con- tou-me ao jantar sobre um lago

de alcatrão, em um planeta per- dido na periferia da Galáxia,onde residia um computadorque guardava o registo das ‘al- mas’ de toda a espécie humana[e que] estaria defendido pormilhares de morcegos gigantes ” João Barreiros).

Surge por acidente, porestar-se ali, naquele instante,iante do mostruário de uma

livraria e deparar-se com a capacuja ilustração, título ou autor

espertam lembranças deutras leituras ou imprimem

promessas de mundos mara- vilhosos: “uma bela manhãemSesimbra, com o calor jáaper- tando, entrei numa daquelaspapelarias/ tabacarias que naaltura ainda vendiam livros eeis que numa vitrine de arame,daquelas que rodam sobre umeixo, deparo com uma série delivrinhos que de imediato atra- 

em o meu jovem olhar ” (Ricar-o Loureiro).Por vezes, a sedução de-

mora: “houve um livro da  Ar-onau a que sempre exerceu uterrível fascínio sobre mim  A Ár-

 vore Sagrada [n.º 224], um doslivros de meus pais, publicado aquiem 1972, e que eu me lembro de seruma presença constante [pela casa].Nunca li o livro, mas cresci fascina- do pela capa – melhor dizendo, pelacontracapa – onde uma gigantescaiguana verde estáprestes a devorarum astronauta de imaculado brancque paira sobre ela,fi lmando-a, con- tra um céu de um laranja intenso   João Seixas).

O rosto sorri-nos e dá umapiscadela: “nessa bela manhães- colhi mais por virtude da capa quemostrava um vaivém espacial – naaltura ainda um protótipo, os primei- ros voos seriam 3 anos mais tarde –,dirigindo-se a um planetoide âmbar,

visivelmente arti fi cial, do que porconhecer o nome do autor de algumlugar, o livr Exilados da Terran.º 249), de Ben Bova  (Ricardooureiro).

 A sensação do primeiro con-tato transpõe oceanos: descobri aColeção Argonauta em Janeir o d1977, em plena Rodoviária Novo Rio,quando estava prestes a embarcar numaviagem de férias para o interior do esta- do. Como se tratava de um romance dClifford D. Simak, meu autor predileto,não hesitei em adquirir o livrinho de capaprateada, n.º 227, O Outro Lado do

 Tempo (Enchanted Pilgrimage ) Gerson Lodi Ribeiro).

 Atravessa gerações: um bo- cado difícil recordar coisas desses tempoiniciais, jálávão 60 anos – quando saiu

o número 1 em 1953, tinha eu 22 anoe cursava Arquitetura, e lembro-me deque o primeiro livro que comprei foi o n.º7, Inconstância do Amanhã (To-morrow Sometimes Comes ), dF. G. Rayer, livro que me deixou entãpositivamente fascinado, e depois disspassei a ser um consumidor assíduo dacoleção ” (António de Macedo).

Espalha-se por territórios eculturas: “conheci a coleção Argo- nauta por volta dos 12 ou 13 anos,

na Livraria Pedrosa, em minhacidade natal (Campina Grande,Estado da Paraíba). Era uma ex- celente livraria, atépara os padrõesde hoje” (Bráulio avares).

Planta sementes no espíritoo leitor: “Quando, depois de ler

 A Nebulosa de Andrómeda,pedi ao meu pai mais livros do mes- mo gênero, aconteceram duas coisas.Por um lado, fi quei sabendo queexistia uma coisa chamada fi cção

cientí fi ca. Por outro, tive nas mãos omeu primeiro Argonauta” (JorgeCandeias).

O primeiro contato abre a por-ta que não se volta a fechar: “para

mal dos meus pecados e do di- nheiro dos almoços e lanches es- colares, aColeção  Argonau-ta, argutamente, mantinha nasprimeiras páginas uma lista comos últimos números publicados enas últimas páginas uma peque- na amostra do volume seguinte

da coleção. Tudo isto servido comuma periodicidade mensal ” (Ri-cardo Loureiro).

Cria um vício de que não sequer fugir: “depois do primeiro,veio o segundo, e logo o terceiro ”(Jorge Candeias).

Deixa na alma, gravadosa fogo, o nome de mundos eautores, tão irreais e desconhe-

cidos a princípio, como tãorapidamente familiares: o pri- meiro livro da Argonauta que li foiOs Frutos Dourados do Sol, deRay Bradbury [n.º 55], de quem eu

 játinha lido alguns contos em antolo- ga  (Br ulio avares).

Evoca-se aquela aventuratão íntima, mais tarde, com otoque de nostalgia e prazer darecordação de uma descober-ta que não retorna: “[A histó- ria contada pela minha tia] era adoOrtog , do escritor francês KurtSteiner (A ndréRuellan), um do

primeiros livros da Argonauta [n.º66]. L i-o com um arrepio crescentede horror, porque, aos meus olhoinocentes de então, o livro era bemsinistro. Depois descobri nas estante

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minha imaginação, des fi lava aquilo quemilhares de fãs de FC conhecem como osentido do maravilhoso ( ense of won-er ). Vastas naves enfrentavam-se embatalhas cruéis e planetas recheados dealienígenas malévolos eram bases secretasde Impérios do Mal    (Ricardo Lou-reiro).

Como eles, encontrei a Argo- nau , ou es a meencontrou, depoise ter descober-

to a existência deFicção Científica.Pertenço à gera-ção das capasprateadas, cujo“tom metálico (Ricardo Lou-reiro) marge-ava desenhos

enigmáticos,raramente ilus-trativos de umacena do livro,mas compos os“invariavelmentde fotomontagense/ ou colagens comnaves, planetas eestranhos sói    (Ricardo Loureiro).

 A edição de entrada foi O Númerdo Monstro – 1.º volum , do Heinlein

[n.º 294], mas admito que poderiater sido qualquer outra. Heinleinera o autor que melhor conheciao conjunto de exemplares na

 vitrine de uma tabacaria de praia. Ali, tão mansa-mente pousados,como pepitasnum concurso degarimpagem. “Oprazer da descober- ta pela primeira vezde livros-chave dogênero éuma expe- ri ncia tão intensaque équase compa- rável àda descober- ta do sexo (JoãoSeixas). Porquees es encerramas chaves domistério. Aindahoje, sempreque passo pelaloja que substi-

tuiu este local,recordo-me.Estava-se no tempo das es-

colhas: as bibliotecas suburbanasu escolares não adquiriam Fic-

ção Científica e a mesada não dava paratanto. O que nos é negado alimenta antima vontade. Exemplar a exemplar,ui adquirindo, e lendo, o que estava dis-

ponível. A coleção tinha, já, quase trintaanos, mais do dobro da minha idade – eeu, que andara tão distraído no limbo,tardando em nascer.

Como qualquer boa coleção que sepreze, e, em particular, numa de tãolonga duração como a Argonauta  é

possível demarcar períodos.O mais óbvio será quanto ao for-

mato. Desde o primeiro número, apre-senta-se como livro de bolso com uma

dimensão regular de duzentas páginas,um pouco menor que os livros em papeljornal americanos, o que é mantido até àdecisão da editora, em 2004, de aumen-tar ligeiramente o tamanho com o n.º553 Grande Roda – The Big Wheel  de

 William Rollo) e seguintes – uma decisãomal recebida pelos apreciadores , talvezem parte pela transformação radical dasilustrações num estilo quase abstrato querepresentou um retrocesso face à revo-lução de cores e imagens chamativas em

 voga no mercado editorial. Mas até en-t o, aA rgonaut  arriscou periodicamentea mudança – que por vezes se estranha-

 va, mas que acabava por ser bem-vinda – de alterar a composição das capas, deintroduzir estilos e técnicas de imageme de criar um corpo consistente de ilus-tradores de reconhecido mérito e ímparnuma coleção de FC publicada em Por-tugal até aos dias de hoje.

O primeiro foi Cândido Costa Ri-beiro, que ilustrou as capas do n.º 1 ao32 ( Robinsons do Cosmos – Les Robinsons dCosmo   de Francis Carsac), conhecidoartista plástico e designe   gr   fico portu-guês que se radicou no Brasil no final da

 vida e cujas inclinações surrealistas terãoinfluenciado os desenhos fortemen-e simbólicos daquela sequência. Mas

será com o n.º 33, o agora famosíssimoFahrenheit 45 , de Bradbury (em 1956,apenas três anos após o lançamento doromance original e traduzido por Má-rio Henrique-Leiria), que se dá início àcontribuição de Lima de Freitas, um dos

mais conhecidos pintores e desenhistasportugueses do século XX e figura mar-cante na vida da coleção.

Freitas vem trazer um dinamismoe uma riqueza de composição a obras

da minha própria casa mais uns três ouquatro Argonautas. Peguei num.Mis-são Interplanet ria, do Van Vogt[n.º 9]. L i-o às escondidas, por baixdo lençol, com a lanterna acesa. E, claro,voltei a morrer de medo, porque os mons- tros nele descritos eram verdadeiramenteassustadores. Mais tarde descobri todoos livros do Stefan Wul e ele foi, durantemuitos anos, um dos meus autores favori- o  (Jo o Barreiros).

 A inocência deu lugar ao en-cantamento, e este perdura poruma vida: “Galactic Patrol, de E.E. ‘Doc’ Smith com o apropriado títu- 

lo dePatrulha Galáctica n.º 270),e com uma despropositada nave USSEntreprise na capa: foi este o livrque verdadeiramente iniciou o dilúvio deFC para mim. A li, perante os olhos da

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de autores tão distintos comoHeinlein, Simak e Versins, emarca presença até 1975, dan-do a última capa ao n.º 221( Eclipe Total – Total Eclips   de

 John Brunner). Este impres-sionante volume de trabalhorivaliza com o ritmo dos tradu-tores e faz da coleção uma ver-dadeira fábrica de produção deFC – com o encargo adicionalde que o pintor tinha de ilustrartambém a edição mensal da re-

 vista correspondente de litera-tura policial. Lembro-me bem demeus pais partilharem o trabalho de

prateada: título e autor voltam a autonomizar-se e aominar o terço superior da capa, impressas sobre um

tom cinzento brilhante, relegando a ilustração para umaideia de “janela”, talvez como recuperação da ideia daentrada num mundo maravilhoso. Começando no n.º225 ( Em Busca do Futuro – Quest for the Futur , e Van

 Vogt), vai durar até ao n.º 300 ( O Mistério de Valis – Vali– 1º volum  de Dick), a partir do qual a margem cinzentaé substituída por uma azul. As ilustrações são, primei-ro, da mão de Manuel Dias, numa breve incursão após

ima de Freitas, e, logo após, de António Pedro, o qual vai assegurar o rol impressionante de centenas de capasentre o n.º 254 s Vozes de Marte – I Sing the Body Elec- tri , de Bradbury) e o último. Refira-se que, apesar doexpressionismo e ocasional simbolismo dos desenhos,é por vezes um desafio conseguir relacioná-los com abra que ilustram ou sequer com uma cena particulara narrativa...

 A partir do n.º 333, desaparecem a margem e o con-ceito de janela, voltando à ilustração que domina a capa,à qual se sobrepõem o título e o autor, composição que

 vai permanecer até ao formato derradeiro que acima semencionou.

ler os livros de FC e policiais que omeu pai tinha que ilustrar. Era umritmo razoavelmente forte, dois livropor mês, mas a minha mãe era fa- nática devoradora de policiais e liatudo num instante para contar aomeu pai algum pormenor marcanteque o inspirasse numa capa  (Josde Freitas).

 A contribuição de Frei-tas atravessa alguns períodosdistintos de composição dascapas: até o n.º 100, a ilustra-ção surge isolada do títuloe do nome do autor, que aencimam. Mas com o 101.º( Nova Ameaça de Andrômeda– Andromeda Breakthrough   deFred Hoyle e J. Elliot), títuloe autor passam a incorporar, ea influenciar, o corpo dodesenho (veja-se o casodo n.º 136, Ave Marciana –A Far Suns e , de EdmundCooper).

É evidente que esteespaço se torna, também,um laboratório para o ar-tista: O meu pai passou nessaaltura (anos 70) a fase de fazer

capas a partir de fotos, um método ex- perimental que aparentemente granjeoubastante popularidade, embora eu pes- soalmente não apreciasse tanto, compa- 

rado com algumas capas mais antigaque ele tinha feito: umas mais estranhae abstratas (lembro-me da doS ndico,de Cyril Kornbluth, ou a do omemDemolido, de Bester, mais brutaisexpressionistas), outras mais realista

 Tempo das Estrelas, de Hein- lein, por exemplo). Mas as fotos dura- ram algum tempo, e por elas passaram opedaços dum foguete Apolo que eu tinhaconstruído com [ele] aos 7 anos, uma es- tátua dum amigo nosso emO Planeta

Neutral, umafi gura de um astronautaque eu tinha comprado na França, emO Ponto Ômega, e que reapareceu

Os Homens das Estrelas o ,por exemplo, na Vampiro, a minhatia Jenny (dinamarquesa) fazendo-se deMiss Marple!  (Jos de Freitas).

 A fase seguinte da coleção,talvez a que mais a marcou, é a  

Se o aspecto é o fator de mudança mais óbvio, tam-ém quanto ao conteúdo a Argonaut  eve os seus

períodos distintos – ainda que mais duradouros.Primeiramente, pelas obras escolhidas. A coleção

á partida com um autor pouco conhecido: Archibaldontgomery Low, engenheiro e pesquisador inglês que,

além de dezenas de ensaios, escreveu apenas quatroromances de ficção para jovens, e nenhum dos quaisentrou no cânone da FC. Mesmo assim, a aventura es-pacial de Perdidos na Estratosfer drift in the Stratospher   parece perfeitamente adequada para atrair desde logo aimaginação dos leitores.

Será o evoluir dos títulos que faz suspeitar da au-

sência de um critério editorial sólido guiando a escolha. A primeira década é marcada por um predomínio

os “grandes nomes” – Asimov (usando seu próprioome ou o pseudônimo Paul French), Bradbury, Hein-

lein, Clarke – em, aproximadamente, um sexto dos li-

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[1] Vale a pena desvendar a rocambolesca históriatal como contada por João Vagos em http://colec-caoargonauta.blogspot.pt/2011/09/n-130-estacao-de-transito.html.[2] J. J. Vagos conclui o inventário pessoal dos títulosno 552.º com as seguintes palavras de desânimo:“úl- 

tima edição [...] no formato tradicional. A partir deste número,aumentaram o tamanho dos livros e também o preço, tendo sidopublicados apenas mais dez números, que jánão coleccionei.Para mim, a  Colecção Argonauta terminou neste número”(http://coleccaoargonauta.blogspot.pt/2011/08/n-552-os-vigilantes-do-imaginario-2-pat.html).

[3] A questão das preferências, aliás, será um dosapanágios menos felizes da coleção, ainda que, maistarde, se manifeste sobre outros autores – Simak eBlish, por exemplo.[4] O primeiro francês foi Jimmy Guieu, logo non.º 5, uma presença pontual.

[5] Entre outros: Carsac, Russel, Aîné, Wul, Steiner,Hougron, com obras agora clássicas na FC fran-cesa.[6] Excertos retirados da apresentação deste volu-me no n.º 99, presumivelmente da autoria do pró-prio organizador.

uís Filipe Silva (blog.tecnofantasia.com) é auor português de «OFuturo à Janela» (Prémioaminho de Ficção Cientí fica), «Cidade da Car

ne», «Vinganças» e (comJoão Barreiros) «Terrarium- UmRomance emMosaicos» e aémevários contos, críticas e artigos empu icaçõesportuguesas, rasieiras e internacionais. Como

antoogista, organizou«Vaporpunk – ReatosSteampunk Pu icaos so as Or ens e Suasajestades» (comGersonLodi-Ribeiro) e «Osnos de Ouro da PulpFictionPortuguesa» (comuís Corte Real.

 vros, pertencendo os restantes aautores da época pul  (Leinster,Siodmak, Van Vogt)3 e obras reco-nhecidas no gênero ( O Cérebro deDonovan , Slan  Mundo de Vampiro ;em suma, uma aposta evidente napopularidade.

 A presença regular , a partiro n.º 22 ( V igilância Sideral – LeÉtoiles ne s’en Foutent Pa , de Pierre

acontece ao lado da erradicação debras de origem não inglesa do ca-

tálogo – sendo a última o n.º 107( O Império dos Mutantes – La MortV ivant  de Stefan Wul). As exce-ções pontuais representadas pelorancês Barbet (n.ºs 251 e 258),

pelo polaco Lem (n.º 264) e pe-los russos irmãos Strugatski (n.ºs307 e 308) explicam-se facilmen-te: foram traduzidos a partir dasedições americanas, com todos osproblemas de fidelidade inerentesà tradução de traduções...

á pelo menos um caso con- rmado de influência de um co-

laborador na seleção das obras: omeu pai frequentemente sugeria os títuloa traduzir, embora isso normalmentenão fosse creditado (José de Freitas).Lima de Freitas foi também res-

ponsável por organizar e traduzirs contos do n.º 100, uma antolo-

gia comemorativa que reuniu umaquantidade notável de histórias, algumadas quais foram consideradas das me- lhores, como ‘Flores para A lgernon’, epenso que a primeira história traduzida

para português de Love- craft, Jorge Luis Borgeombreando com ArthurClarke, Efremov e Bra- dbur y  (Jos de Frei-

tas). Efetivamente,a apresentaç oeste número éastante explíci-a “num volumduplo de mais dequatrocentas pági- nas, posto àvendapelo preço de umvolume simples, onº 100 daCole-ção Argonauta

oferece um pano- rama completo daevolução da Fic- 

ção Cientí fi ca, desde Júlio Verne até os Astronautas. Entre centenas deautores, entre milhares de obras, fo- ram selecionados os mais belos contodos escritores mais representativos emtodo o mundo, formando uma anto- logia de características absolutamenteinéditas entre nós  destinado aoque já se mostrava ser um pú- blicofi el e, até, entusiástico .

Se é natural que diferentesapreciadores tenham diferen-tes preferências e que orientemas seleções para as obras queconhecem (e que são capazese ler), também decorre que

a ausência de um crivo edito-rial coerente tenha contribuí-o para manter e até salientar

certos defeitos de produçãoque foram prejudicando a co-

leção e que, eventualmente,antecipou-lhe o fim num con-texto de crescente competitivi-ade em que tais falhas já não

eram perdoáveis pelos leitores.

Alguns dos“grandes nomes”que marcaram a

coleção Argonauta.

Asimov, Bradbury,Arthur C. Clarke,

Leinster e Heinlein.

 Versins), de autores francófonos5,representando um terço das es-colhas dos primeiros 100 núme-ros – além das presenças pontuaise Onochko (russo)

e Čapek (checo) –, anuncia uma in- versão da tendênciapró-americana, queapenas surpreen-e se, em vez de a

entendermos comouma aposta invulgarna FC europeia, con-siderarmos que advémo uso de tradutores

mais familiarizados coma língua francesa.

Esta desconfiança con-solida-se se notarmos que aentrada de Eurico da Fon-

seca para a função de tra-utor, e a sua continuidadeurante centenas de títulos,

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m Fa hr enheit 4 51 , e B db ,  un u lu   toonde seus habitante   elicida e com m scara. Quando

esta cai, revela-se a s i , o dese ero   viv    um mundo anes-tesiado, a apatia e c f  r s  per   d  que se encarregade apagar da  m i   os ind duo   das as r as q ue compõem oquotidiano. e s  re v l a a il e e l nad  do sistema, desapa-rece da ot e  v damos se ess es  realmen  c ou um dia a sernossa vizi ha..

D s   ira o   o s am q  alquer i id e cu ural porquesa em qu ,e ani las, t s ruin o efic e e em ria de ump .. u  M a , eir p  d de ay Brad-

r , e desperta a ar  a ve dad   a nov ndo,  g raçasa ri  que conseg    op ss o  o tica e cultural.. Se me-

o s  iv ros   abe  ue a i or  o ris  de perd os.  a e  y   a l o po vo d   ilmen-

  u   isti i o l çada p  B din de Y  rath. r   e e atrav  s da ri . R esist ,, br n-do-s  e e su   tri ..  en nsula d   a   uas   n  

ra   s  s os e t iros Br    Y g    o  e B -badio . Stev a   l o r d ni , f    r   or e i   r pe de

 um a o ov pa   .. orgu sa Tigana, suas  s s to res, manch s   ele a,n o se c ntentando apenas o   ua u ç o, dec  t m m eli

nar sua emória, lançando u  f  t ç  p ra que nen  h  Penín u  jamais se lembre de u possa se  o i- .anenses relembram a d

-   mais nin m.. s   t  fi  de  i ana at  des pare   e o....

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Publicado em 1990, Tigana , de Guy Ga vriel Kay, não foi sua

primeira obra de f antasia. Ele jtinha lançado a e ior en e atrilogia de Fi   

r ç o ol i   as c Ti -  q u  K  y c n rou

ra i e o lo que rnar ams as obras t o f a s amadas

todo o mund   f  sia his-t rica.

Kay pega determ d s  v s históric s  rea si e assi a-os 

ao e  mun o  e a a. N o sr a d ma era r c nstituiç  

mas de uma pes uis  cuidad sado per odo hist c u ,

aproveitan o os el r s ele-me o que  ve   d randesemas a seus livr s. O resul-ado fi a   .

Em O ees  deA l -Rassan   md s romances favoritos de u -os de  seus fãs, Kay v ai  bu arns aç a his ória medieval

peia n tem   a  se -ça dos árabes em Por ugal e na Es anha. As figuras do guerrei-ro  spanhol El Cid e do poetada cidade portuguesa de Silves,

Ibn Ammar, servem de inspi-ração para a própria criação dautor, as, atra v s de suas  vívi-das rs na en , a transiç o deuma p  ou ra rode a dea i   e cer  

sua mais aclama as.ode e ,  emo-

  a e e   r j   o s e, ou,, ao

tor criar al  s -ra il osas e co le   a  seus vros.. 

prosa a  c  tr   l  ou   e

e  

e a s  ..  n   i

 a nt  sa  

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s.. o h   a as e n oe a i a..

 q   melho  r ee res ta   s  p rf l r c   d u a gura de um

ar ?o   ev n ’Asoli  m  das persoa ns apresen a as no in cio do livro e 

ser ele que nos conduzirá na primeiraparte ela  Pen nsula da Palma e-sentar os acontec entos po icos ehistóricos. Um jov em sí vel e m stalentoso que, ao descobrir a verdadeacerca de suas origens, nunca mais voltaa ser o mesmo.

  ele, conhecemos  outras fi-guras formam, na aparência, umamera companhia de músicos. No in ício o livro, descobrimos q  e os  músicos

têm uma identidade  q ue  ondem detodos e uma missão  que pretendem esempenhar a todo custo. Todos eles azem parte de um grupo secreto de 

conspiradores e rebeldes que  planejaerrubar os feiticeiros e libertar Tigana,

sua pátria subjugada e amaldiçoada, dasgarras de Brandin.

 Alguns são jov ens, outros nem tanto,as o os sentem intensamente a perda

e sua terra natal. Alguns ainda desejam ir os erros do passado ou preser-

  poucas memórias  familiares que  stam.

 As  mu eres são tão importantesquan   s homens em Ti gana . Como 

eles, lutam por sua liberdade e dignida-e, apaixonam-se (às vezes pelas  s o-as  s ), e, muitas v ezes, podem su-

r - os, demonstrando uma coragem e sacrif  ício imensos, estando sempre dis-postas a dar a v ida para pag ar o preçoe san e.

 t  pa n   foc d  a na a de Chiara   a i t -

e ceu sua corte c n ada atravéss olh de Di n , bela mulher

ue oi ra a e r n rios do i Bran  e que rap ente se to ou

  e suas a ante  s  v  ritas e   eio  sai h  ..  A his i  d   ianora é

e le a de so i  , da, upla iden-ad , ang s i   is e as ensas. Seu

do c  em shb ack  e log oescobrim   s v  rdad iros objetivos.la e te unh  do imenso poder de

  e eus súditos e seu boboh , arrogância e frieza, masb seu charme e sensualidade.

N s sabemos logo  no in ício do livroque ele é o vilão, mas, à medida q ue a

a i a i ,, ndi mter com e e t a-s   e

u simpl s  an ago   seconseguimos compreende   e i ses osto pela morte do filhoue l u a cometer tamanh trocida-e  ontr igana. Al er co de Barbad   feiti-

o e mantém a Palma  b seu do-nio. Oposto de Brandin, é um senhor

e erra bárbaro, talvez a figura  maisnidimensional na obra de Kay. Apenas

 v   a Pen ínsula como um meio para atin-gir m fim, e tudo  o onagl ria  poder no Imp rio de arbadior.

Do l do op sto, Alessan,  o  príncipee Tig ana,  é o  s sto her i de quem 

se espera a redenç o a vinga a, masé uma figura que g anha um dimens ocada vez mais humana  e menos heroi-ca. Constantemente atormentado por

úvidas, jurou livrar a Penínsul dos fei-ticeiros tiranos, porém, ainda q ue tenha companheiros tão leais  como De vin, Catriana e Baerd, o príncipe cresceu emex ílio  e em constante fuga, ato a-o pela memória de uma Tig ana que j  ão existe e de um pai corajoso que se 

tornou uma lenda e um mártir para os tiganenses. Para piorar as coisas, Alessan sabe q ue, para  l ançar a vitória, terá de cometer atos q uestioná veis. Sua relaçãocom o feiticeiro Erlein propic a alguns

os episódios morais e ticos i esa- antes do livro.É difícil escolher uma úni a cena de-

cisiva do li vro ntre tantas –  o q ue dizer o  mag nífico  cap ítulo do “merg ulho o anel” ou a Noite das Flamas com os

 Andarilh s da Noite? Mas de uma coisaão h  d : o leitor ficará certame  

marc o pelos momentos  finais estabra  onumental, em que Kay t ou

a decisão contro versa quando  ev elam dos g randes s redos da s .  s a

ao leitor av aliar se essa decisão f   odo  o  sentido  diante dos temas  -

cipais do li vro: a perda da identid , a ving ança, o desejo por liberdade e esco-lha pessoal, a necessida e de compaixão. 

ois afinal é o próprio Alessan que ad-mite: Ne ss e mund o em  q ue  n os e nc on tr amos,p ns o ueé pr ecis o te r co m ai xão ac im a detudo , ou e starem os t od os s ozin ho . Se  vocêunca leu Guy Ga vriel Kay, posso asse-

gurar que está nas mãos de um ex ímiocontador de histórias,  q ue  o  f ará viverma autêntica montanha-russa de emo-

ç es.

 APenínsula da Palma partilha

uma língua comum e estádividida em nove províncias:Senzio, Certando, Corte, BaixaCorte (a antiga Tigana), Asoli,Chiara, Tregea, Astibar e Ferraut.

 A parte oriental é dominada por Alberico, ao passo que o ladoocidental é dominado por Brandin,que reina a partir da ilha de Chiara.Duas luas orbitam em torno daterra onde os habitantes veneramuma tríade de deuses, um deus eduas deusas.

 Ao contrário de fantasias maistradicionais, não imperam criaturasmíticas ou outras raças. A únicacriatura sobrenatural que figura nahistória é uma riselka  cuja apariçãotraz presságios. A magia existe naPenínsula, mas não é disciplinadanem é ensinada, e muitos de seuspraticantes são forçados a esconderseus talentos dos tiranos ou searriscam a uma sentença de morte.

Muito ao estilo da antiga Itáliamedieval, que era formada porestados que constantementeguerreavam entre si, assim éapresentada a Península. Osconflitos internos permitiram afácil conquista dos territórios,simultaneamente, mas de modoindependente, pelos dois feiticeirosque estabeleceram uma balançaprecária de poder.

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 Antes de publicarseu primeiro ro-

mance, The SummerTree , você foi con-

 vidado por Chris-topher Tolkienpara editar O Sil- 

marillion , de J. R. R Tolkien, consideradouma obra-prima por muitos de seus fãs.Foi uma decisão deliberada escrever ATapeçaria de Fionavar , sua primeira trilo-gia de fantasia, na tradição de Tolkien?Uma homenagem a um escritor queinfluenciou tão intensamente o gênero?

 de q alquer a, obrigado pors a  e v s a.  u ra er ter a opor-tuni   e r l algumas reflexõescom meus  .Fi onava n o foi exatamente uma

homenagem, mas sim uma tentati va deregressar às mesmas raízes, à capacidadede moldar uma fantasia. Na época, amaioria dos escritores de fantasia q ue eu conhecia estava se afastando da di-mensão épica em direção a uma obraminimalista, deixando os grandes épicospara escritores que imitav am cinicamen-te Tolkien como forma de obter suces-so comercial. Não era meu desejo q ue um g ênero tão forte em mito, lenda e folclore acabasse dessa forma. Fi on avar foi um desafio que impus a mim mes-

mo, utilizando alg uns desses elementos,as cri o personag ens mais moder-

as  i duzindo sexualidade e temasco dade de escolha ou o preço (ou fardo) do pode .

Tigana  foi o primeiro romance no qual você encontrou sua voz criativa. Sei quenão lhe agrada muito o termo “FantasiaHistórica”, mas, ao recriar determina-dos eventos históricos em um cenáriode fantasia, você acabou por criar umconjunto de obras único e forte. EmOs Leões de A l-Rassan  há um grande

fascínio pelo declínio da presença dosmouros em Portugal e na Espanha. EmA Song for A rbonne , foi a cruzada albi-gense na Provença Medieval que captoua sua imaginação. Em Tigana , você seinspirou na Itália Medieval. TambémConstantinopla e a China foram objetosde estudo em romances recentes. Afantasia permite-lhe maior liberdade emexplorar os principais temas do livro?Suponho que hoje em dia me sinta maisconf ortável com o termo “Fantasia

istórica”, pois as pessoas gostam derótulos e categorias. Tenho imensasrazões para trabalhar com o que um crítico chama de “história com um pen-or para o f antástico” e escre vi ensaios

e discursos sobre isso (quem lê inglês 

GUY GAVRIEL KAY é um autor canadense que se iniciou no mundo literário ao ser convidado por Christopher Tolkienpara editar O Silmarillion , de J. R. R. Tolkien. É o autor da trilogia de fantasia A Tapeçaria de Fionavar  e das obras de fantasiahistórica L ions of A l-Rassan, A Song for A rbonne , The Sarantine Mosaic  (dois volumes). Os livros Under Heaven  e River of Stars , desua mais recente série, passam-se no Império da China. Tigana  é uma de suas obras mais aclamadas. Seu trabalho encontra-setraduzido em 21 línguas e recebeu numerosas nomeações e prêmios ao longo de sua carreira.

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o  e ntr g    es s x a“ r  de ..br ea ii s.

c .  rica , q emradi r ca em eal s o m gico, acho ue oc m ree dem elh r  omo estes

lig ros desvios da realidade podem na verdade iluminar ainda mais o nossomundo e a Hist ria. Além disso, -asia permite-me u   m maio   m -

ro de ferramentas para duzir o le

 Verifiquei em seu site a bibliografia que você consultou para a pesquisa deTi- gana , e a maioria dos livros centram-sena Itália Renascentista ou na IdadeMédia. O que o atrai tanto no passadoda Europa e o que o cativa tanto para omelhor e o pior da ascensão e declíniode Impérios?Como você provav elmente devesaber, meus dois últimos romances

exploraram a História chinesa, nosséculos VIII e XII, por isso não estoue maneira nenhuma “casado” com a

Europa. Mas admito q ue me sinto fas-cinado por sua História desde os meus8 anos, quando fiz uma viag em pelauropa. Dou-lhe razão quando aponta

uitos de meus liv ros ocorrem eme o s de mudança política, religiosau  itar. A tensão que essa transição

caus   s rsonagens origina um gran-e im to.

Em Tigana, a magia desempenha o pa-pel principal na eliminação da identida-de e memória. O legado dos tiganensese o caminho que eles têm de percorrerlembrou-me do livro de Amin MaaloufAs Identidades A ssassinas . A identidadeconduz sempre à loucura e à violência?

o, r m   o. q uestõese  dentida e e u r s o ou per-a  o e e m t importantes ao 

longo da Hi t ria. Tiranos e nq  s aores se pre i a

ma s certa de reduzi  a i nminuir a identidade a aç o ocu-ad . A raf   d e autoria o mar o p t eorg eeferis, pre is e e s bre aquil  

e pe n a: lem a oso passado  od n   es ru r; mas nos

e brarm s pou   ode.

Sei que você já se referiu à Primaverade Praga [tentativa de liberalização daChecoslováquia do domínio da União

Soviética em 1968, que terminou nessemesmo ano com a invasão de Pragapor tanques soviéticos] como um dosacontecimentos históricos que inspira-ram Tigana . O povo de Tigana sofre o

mesmo tipo de jugo político e tirania. Após várias décadas, a tirania política ea financeira continuam a ser um tema

 vital em todo o mundo. Vinte e trêsanos antes de sua primeira publicação,

 você previa que os temas de Tigana  refletissem tão profundamente o estadopresente do nosso mundo?

o ho tendência a pen nisso emmos de “previsões”, sendo a minha

er ectiva a de um historiador. Tiga oi escrito como uma fantasia em parte

p rq ue, ao ser escrito dessa forma,sob e um país fictício, rn r-sea his ria de muitos outros lu ares em iferen tempos. Eu adoro este para-oxo: o cenário de  tasia faz m qu

leitores do mundo in iro me pergun-tem, ao longo dos anos: “V oc escreveusobre nós?”

 Você é conhecido por criar persona-gens masculinas e femininas muitocomplexas: Alessan, Jehane, Dianora,

 Ammar ibn Khairan, para nomear sóalgumas. Até mesmo os seus vilõesafastam-se dos clichês habituais. O fei-ticeiro Brandin de Ygrath é o opressorde Tigana, mas também vai muito alémdisso. Pode partilhar conosco alguns deseus segredos sobre o processo de cria-ção destas personagens?Não diria que tenho segredos.. S ponh

que seja tudo uma quest de t o,paciência e aversão a uma sim  ca-ção excessiv a das coisas. Co o lei or,aprecio livros  ue me of ereçam per-sona ns complexas e maduras, e nãoeróis ou vilões óbv ios. Por isso tento

escrever  s livros q ue gostaria de ler. Tam  s o muita curiosidade pel  min s ersonagens secundárias, ue-o  a er mais sobre elas à medid   e

rgem, por isso tento dar-lhes a ma pr fundidade.

 A riqueza de Tigana  reside não só naspersonagens fascinantes e no enredo,mas também nos detalhes de cadaregião e cultura. Como você integra apesquisa na sua escrita? Quando estálendo um livro de História, reconheceimediatamente os elementos que iráassimilar em sua obra?É uma boa perg unta. A resposta curta ão, pois à medida q ue leio e pesq uiso

são as coisas pequenas e inesperadas que muitas v ezes captam meu olhar, 

mas também acontece de eu fazerma nota que acaba por nunca entraro liv ro. Também pode acontecer deutras coisas irromperem de minhasotas enquanto o livro está tomando

orma.. uma das raz es r uei lesmen e empregar

sad re :: ho que ser -ri fa -lo, l res i  aq ui r ar  e meu l o. i r   mi

enquan o o mold ..

Em que você está trabalhando nomomento? Quais são os seus futurosplanos de publicação?

 Terminei agora o ou  para o meu livromais recente, Rivr of  Star  por isso ini-ciei a fase de ler e pensar (e praguejar!)so   ual será o tema de meu próximoli r . r so sempre de um pouco detempo antes de começar a escrever, emparte porque não quero repetir os te-mas e estilo do ltimo livro.

Esta é a sua primeira publicação no

Brasil. O que gostaria de dizer aos seusleitores brasileiros para convencê-losa ler Tigana ? Como ex-estudante deDireito e advogado, como defenderia asua causa?

 Ah! Preciso de uma boa g arrafa de uís-que de malte para ser verdadeiramen-te persuasivo. A verda e q e na parece er ido boas ven as e impactoem odo o mundo. orno -se  ma 

bra i o ante para le  em s m  Coreia do Sul nia,

i a r cia. Sin o-me honradoe prof  a ente grato. Os tema  o li ro, bem como as personagens,

to ar rofundamente muitas s a minha esperança é que o

esmo aconteça no Brasil. Assies e ! 

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duardo Spohr é hoje umnome popular entre os

nerds brasileiros. A história de seu suces-

so já é conhecida. Tudocomeçou quando ganhou um concursoliterário que lhe permitiu publicar 100exemplares de seu primeiro romanceA Batalha do Apocalipse . O autor propôsuma parceria a seus amigos do site JovemNerd que venderam em sua loja on-linetodos os livros em uma questão de ho-ras. Dos 100 exemplares, rapidamentepassou de 4 mil cópias.

O sucesso de sua edição de autor cha-mou a atenção da Editora Record que,em 2010, o convidou para publicar ABatalha do Apocalipse . Mas a escrita nãoficou por aí. Em maio deste ano, Edu-ardo lançou Anjos da Morte , o segundo

 volume da série Filhos do Éde  e preparao terceiro e último, Paraíso Perdido. O re-conhecimento tem sido global: já publi-cou em vários países europeus e é umdos escritores brasileiros convidados afazer parte do time de futebol que irádesafiar o time de escritores alemães naFeira Internacional de Frankfurt, onde oBrasil é, este ano, o convidado de hon-ra. Apesar de ter uma agenda lotada, oautor, superamável, arranjou tempo paraconversar com a revista Bang! e partilhar

umas dicas preciosas com os nossos lei-ores.

Seu pai era piloto de aviões e você viajoumuito com ele por todo o mundo. Essainfância e adolescência em constante in-teração com outras culturas influencia-ram a mitologia que criou em seus livros?De certa forma, sim. Não que as viagenstenham influenciado diretamente no ce-nário de fantasia que eu descrevo em mi-nhas obras. O que elas (as viagens) meproporcionaram foi a convivência comculturas e povos muito diferentes, o que

me fez compreendê-los e respeitá-los.Essa postura, de respeito e compreensão,me ajudou a, mais tarde, estudar váriasmitologias, crenças e tradições sem pre-conceitos, com um olhar aberto, amploe interessado.E foi com esse olhar interessado que euescobri que todas as histórias mitológi-

cas seguem um mesmo padrão univer-sal, padrão que também é adotado pormuitas obras populares, no cinema, nashistórias em quadrinhos, na literatura, noteatro. Esse “padrão”, conhecido como“a jornada do herói”, tanto nos cativaporque está baseado em etapas narrativasque são metafóricas e que podem ser ob-servadas em nossa própria vida – todosnós, de uma forma ou de outra, já assu-

mimos papéis arquetípicos, já passamospor situações difíceis, já morremos e re-

nascemos (metaforicamente, é claro).

Em que medida a leitura de HQs e os jo-gos de RPG influenciaram a criação deseu próprio mundo ficcional?Sem dúvida tanto os quadrinhos quantos jogos de RPG representaram influên-

cias essenciais no meu trabalho. No pri-meiro caso, o que mais me inspirou fo-ram as revistas da Vertigo, um selo adultoa DC Comics.Eu costumava ler histórias de super-he-

róis desde pequeno, mas foram nomescomo Neil Gaiman, Alan Moore, GarthEnnis e títulos como Sandman , Hellblazer Preache  que mais me inspiraram. Neil

Gaiman e Alan Moore, por exemplo,oram, ao meu ver, os grandes responsá-

 veis por trazer afilosofia aos quadrinhosnorte-americanos. Já publicações comoHellblazer   Preache  me interessavam porexplorar personagens anjos e demônios,assunto que sempre me fascinou.

O RPG é uma ferramenta de criati- vidade fascinante, que proporciona aomestre do jogo a possibilidade de inven-tar uma história e testá-la imediatamentecom seu grupo de jogo, que o ajudará aampliá-la e enriquecê-la.

O RPG também pode ajudar um escri-

Por Sa aa Di

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tor a criar personagens ricos. Qua-se todos os personagens dos meuslivros foram criados por amigosmeus em sessões de RPG – assim,sempre que, ao escrever um capí-tulo, eu tinha dúvidas sobre comom personagem deveria agir, eu

pensava em como o jogador agiriaao controle do personagem, e atés diálogos soavam mais consis-

tentes, menos artificiais.O RPG é uma ferramenta de

criação coletiva, que auxilia o es-critor em seu trabalho, trabalhoesse que em circunstâncias nor-mais seria um bocado solitário.

De onde vem esse intenso fascí-nio pelo Apocalipse e pelo corpus  mitológico do Velho e do Novo

 Testamento que deu origem ao

Spohrverso?Estudei em uma escola católica,  z catecismo e primeira comu-hão, e cresci dentro da tradição

cristã. Talvez o fascínio venha daí,mas eu diria que o meu fascínio,e fato, é por todas as crenças, re-

ligiões e mitologias. A tradição judaico-cristã é

aquela com que mais convivemoso mundo ocidental, é a que mais

conhecemos e a que mais temos

contato, por isso talvez eu a tenhaescolhido como tema principalas minhas histórias.Em relação ao fim do mundo,

está muito ligado à minha infân-cia. Cresci nos anos 1980, e com aiminência de um confronto nucle-ar durante a Guerra Fria os livros,  lmes e até músicas destacavamastante esse tema, de como seriam mundo devastado, destruído

pela ação dos homens, um planetaa ponto de acabar, desprovido deesperanças.

EmParaíso Perdido  de John Milton,a grande figura literária é Satanás,sendo Deus uma figura ausentee não tão carismática quanto Lú-cifer. Em sua obra, A Batalha doApocalipse , Deus está adormecidoe são os arcanjos e outras figurascelestiais que se tornam protago-nistas e movem toda a ação. Ofascínio de todos nós por pro-

tagonistas que são anti-heróis,exilados, rebeldes é uma formade refletir na ficção as própriasimperfeições e dúvidas da Huma-nidade?

realidade. De fato, a grande maioriaos heróis são rebeldes, de uma formau de outra, figuras que se rebelaram

contra um sistema vigente. É o caso de Jesus, que desafiou tanto os romanosquanto os sacerdotes judeus; é o casoe Buda, que decidiu largar a sua no-

breza para seguir seu caminho; é o casoe Maomé, que se insurgiu contra as

poderosas famílias de Meca iniciando ajihad; é o caso de Luke Skywalker, quese revoltou contra o Império Galáctico;é o caso dos robôs de Isaac Asimov,que lutavam contra sua própria progra-maç o, etc.

 Assim como esses heróis (da reali-ade e da ficção), nós também temosentro de nós o desejo de nos rebelar-

mos contra as imposições sociais. Noundo, o que queremos é escolher o

nosso próprio destino, queremos es-colher uma atividade profissional quenos dê prazer e satisfação, enquantoa esmagadora maioria das pessoas nomundo são obrigadas a trabalhar emempregos de que não gostam, às vezesinfluenciadas pelos pais, pelos parentes,por amigos ou pela própria sociedade.

É esse grito heroico dado pelos per-sonagens descritos acima que nós de-sejamos dar, por isso tais figuras tantonos inspiram, pois tiveram a coragem

e não ceder às imposições sociais eseguir os princípios que acreditavam,mesmo diante da morte.

Quanto à questão do Deus adorme-cido, é também uma metáfora. Todasas pessoas têm um potencial divino, opoder de fazer coisas incríveis, mas, às

 vezes, esse potencial está adormecido.Está em nossas mãos despertar essepotencial, escolher nossa trilha.

Recentemente, você lançou no Bra-sil Anjos da Morte, que segue a históriade Denyel, um querubim exilado, quetestemunha a história bélica e sangui-nária europeia do séc. XX. O que osurpreendeu mais em sua investigaçãoda Europa no tempo das duas Guerras,da Guerra Fria e da queda do Muro deBerlim e nas viagens recentes que fez?

 Toda guerra é terrível, mas estudá-lasnão deixa de ser uma atividade fasci-nante. O que mais nos impressiona nas guerras é a incrível capacidadeo ser humano em se adaptar às situações mais extremas. O homem,

embora individualmente frágil, é uma máquina de sobrevivência, um

ser que fará tudo o que estiver ao seu alcance para resistir às mais durasprovaç es.Impressiona também, ao estudar as guerras, como, no momento do

esespero e da morte, o ser humano é capaz de se superar, para o beme para o mal. É nesses momentos que a nossa natureza aflora, mostra a

Todas aspessoas têmum potencial

divino, o poderde fazer coisasincríveis, mas às vezes essepotencial está adormecido.Estáem

nossas mãosdespertar esse

potencial,escolher nossa

trilha.

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sua face verdadeira. É nesses momentos que nos tornamosheróis, monstros, santos e selvagens.

Costumo dizer que existem três níveis de pesquisa. Oprimeiro nível é por meio da internet, que dará ao escri-tor uma visão geral sobre o assunto. O segundo nível depesquisa é a leitura e o estudo de livros – é necessário lerlivros completos sobre o tema que o pesquisador deseja seaprofundar. Finalmente, o terceiro e mais profundo nível

de pesquisa é a visita ao local – no caso de Anjos da Mort    visitei os sítios históricos das duas grandes Guerras e daGuerra Fria.

 Visitar o local antes de escrever sobre ele enriquece a nar-rativa, e muito, porque dá ao autor uma experiência nãoapenas intelectual (que pode ser assimilada por livros), masprincipalmente uma experiência sensorial, fazendo comque o escritor conheça não apenas os fatos, mas as sensa-ções e emoções que o lugar proporciona. Em um romance,essas sensações serão transmitidas para o leitor por meio do

protagonista, que é o fio condutor da trama.

 Ablon e Denyel são duas de minhas personagens favoritas. Um é um

anjo renegado e condenado, outro é um querubim exilado e recrutadocomo anjo da morte. Qual o segredo de um escritor para criar umapersonagem memorável e carismática para os leitores?Primeiramente, agradeço pelo elogio e fico feliz que tenha gostado dospersonagens. Bom, não sei se existe um segredo específico nesse caso,mas acho que todos os aspectos da produção literária devem ser genuí-nos para o autor – não que ele deva acreditar naquela história de fanta-sia, claro que não, mas ele deve acreditar que aqueles aspectos possame fato existir dentro do mundo fictício que ele criou.Os personagens, feitos de tinta e papel, devem ser, no momento em

que o autor está escrevendo e bolando seus capítulos, “reais” para ele;evem ter atitudes coerentes com o que a história propõe.

É importante também que o personagem tenha características mar-cantes que o definam. Ablon, por exemplo, é um herói inabalável, en-quanto Denyel é um malandro incorrigível. Eu, pelo menos, gosto detrabalhar com arquétipos universais. Os arquétipos universais são pa-rões de personalidade comuns a todos nós, e por isso nos identifica-

mos com eles tão facilmente.

 Você ministra um curso de “Estrutura Literária”. Que desafios apresen-ta o seu trabalho como professor e como concilia com o seu trabalhode escritor?É sem dúvida um trabalho que me exige muito, mas não há nada maisprazeroso. Lecionar é para mim uma atividade incrível. Não só aprendocom os meus alunos como me torno amigo deles. Cada turma é umanova experiência e um novo grupo de colegas que se forma.

 A fantasia e aficção científica escritas em português (brasileiro ou euro-peu) podem vir um dia a rivalizar com a fantasia anglo-saxônica?Difícil fazer projeções para o futuro. De qualquer maneira, não achoque exista, por parte dos autores, essa necessidade de rivalizar com es-critores nativos de outras línguas. Eu mesmo nunca pensei sobre isso.Creio que a maior vontade de um autor (se não é, deveria ser) é escrevera sua própria história, para que ela seja lida, sem pensar se ela será pioru melhor que o trabalho de um colega. Penso que, enquanto artistas,

não precisamos nos preocupar em fazer melhor do que ninguém – pre-cisamos, sim, fazer o melhor possível, o melhor que podemos, sem pen-

sar em competição ou rivalidade.

Sei que leu muitos livros portugueses de fantasia e ficção científica nadécada de 1980 que eram importados para o Brasil. Hoje, o Brasil temuma oferta muito diversificada de publicações e muitas editoras (gran-

Brinco com osmeus colegas,

tambémautores defantasia, que

passamosum, dois anosescrevendo umlivro, e o leitoro devora emuma semana, às vezes emum dia. Sendoassim, o leitorvai procuraroutros livros,

e ébomque o faça,

porque dessa

forma eleiráadquirire ampliar

o hábito daleitura.

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Escreva todo dia, nem que sejaum pouco. Se você parar pormuito tempo, terá de voltar para serecordar onde parou, dando início aum processo sem fim.

Organize-se, separando o seumaterial em pastas, físicas ou

 virtuais.

Estabeleça um horário paraescrever, crie uma rotina.

 Tenha um roteiro de todoss capítulos, do primeiro aoltimo, antes de começar a

escrever o seu livro. Assim você não se perde e evita os

“brancos criativos”.

 Trabalhe com pequenasmetas. Foque-se em seubjetivo mais imediato,

caminhe de capítulo emcapítulo.

Procure conquistar os seusleitores antes de conquistara editora, pois se você tiverleitores, as editoras virão atrásde você – enquanto o contrárionão é necessariamente verdade.

 Apresente o seu material damelhor maneira possível,tanto graficamente quantointelectualmente – bemrevisado, escrito de forma clara.

Se as editoras não aceitaremo seu original, não desista,continue tentando publicarnem que seja de formaindependente.

Procure escutar as críticas e tentar

melhorar com elas, em vez de acharque seu trabalho é perfeito e intocável.Somos humanos, cometemos erros esempre podemos melhorar.

rocure agir de formaespontânea. Seja vocêmesmo. Seja verdadeiro.Não compre brigas, nãoinvente números nemtente ser quem você não é.

des e pequenas) têm descoberto autoresbrasileiros e traduzidos, bem como lança-do coletâneas e romances. Como encaraeste boom  atual de fantástico no Brasil?Encaro da melhor maneira possível. Ésempre bom ter muita oferta de literatu-ra no mercado. O bacana desse ramo (oramo literário) é que não existe competi-

ção entre os autores. Brinco com os meuscolegas, também autores de fantasia, quepassamos um, dois anos escrevendo umlivro, e o leitor o devora em uma semana,às vezes em um dia. Sendo assim, o leitor

 vai procurar outros livros, e é bom que oaça, porque dessa forma ele irá adquirir e

ampliar o hábito da leitura.Faço questão de sempre em minhas

palestras e conversas com o público di- vulgar o trabalho de outros autores paraquem estiver presente – se mais pessoaslerem os nossos livros, todos sairemos

ganhando.

O que os leitores podem esperar de seupróximo livro, Paraíso Perdido , que encerraa série Filhos do Éden ?Gosto de trabalhar com várias camadasem meus livros. É claro que se trata delivros de aventura, onde há lutas e muitaação, mas penso que um romance deveir além disso, deve incluir também umacamada mais profunda, sem soar lento,aborrecido ou professoral. Em minha

primeira obra, A Batalha do Apocalips  além da trama e dos combates, exploreitrês assuntos que muito me interessam:

losofia, história e mitologia.Quando comecei a desenvolver a tri-

logia Filhos do Éden , resolvi que cada livroocaria um desses aspectos. O primeiro

deles, Filhos do Éden: Herdeiros de A tl ntida  é mais filosófico, questiona os aspectosda vida e a para onde vamos depois quemorremos. Já o segundo, Filhos do Éden:Anjos da Mort , uma obra totalmente his-tórica, com uma forte carga de pesquisa.O terceiro, Filhos do Éden: Paraíso Perdid ,então, será um livro que mergulhará fun-do nos aspectos mitológicos, tanto da mi-tologia judaico-cristã quanto da mitologianórdica.

O que Anjos da Mort  teve de realida-de, Paraíso Perdid  ter de fantasia, e leva-rá a série a um nível acima. Herdeiros deA tl ntid  teve como cen rio o Brasil, emAnjos da Mort  os personagens viajarampelo mundo e em Paraíso Perdid  será a

 vez de explorar outros planos e dimen-

s es.

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