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REVISTA DO ITAÚ PERSONNALITÉ N O 18 | MARÇO DE 2012 | ANO 5 CLAUDIO EDINGER | RAMON DE PAULA | TELMA SOBOLH | GILVAN SAMICO CLAUDIO EDINGER “Sou um escritor. Busco fazer fotografia como poesia da luz” RAMON DE PAULA TELMA SOBOLH GILVAN SAMICO EXEMPLAR DISTRIBUÍDO NAS AGÊNCIAS PERSONNALITÉ PERSONNALITÉ

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Revista do itaú PeRsonnalité no 18 | maRço de 2012 | ano 5

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como poesia da luz”

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PERSONNALITÉ

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nesta edição: claudio edinger |severino ramos | Maurício ria | raMon de paula | taináBodanzky | Marcos prado |vargas | guilherMe Toldo |pecTor | gilvan samico | aria| iris helena | João castilhotaruk | Fernanda FeiTosa zières | santiago calatrava |ger | norman Foster | renaTaMaria raduan | João miguel| daniel Benevides | ricardonaldo Bressane | FaBio BrisTarling | eduardo styJer |roz | Felipe goMBossy | liano | marcelo correa | MarlosdaBul | victor aFFaro | josé

plínio Fróes | juan Tuñas souTo |gouveia | José machado gló-müller | cacá diegues | laís luiz zanin | Thiago Bráz | ana telma soBolh | clarice lis-no suassuna | Berna reale| virgílio neTo | romy rocz-| zaha hadid | philippe Ma-Frank o. gehry | richard ro-vanzeTTo | mariana aydar || didi Wagner | adriana setti calil | raFael garcia | ro-solla | mario gioia | cássioMilly lacoMBe | rosane Quei-luBamBo | lorenzo giorda-Bakker | nelson mello | ra Fael BenTo | veridiana scarpelli

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EDITORIAL

A lguém já disse que viver é uma arte – e esta edição que você tem em mãos (seja impressa, seja no iPad) transpi-

ra arte da melhor qualidade. Nossa primeira revista do ano conseguiu reunir fotos de Claudio Edinger enquadradas no sertão da Bahia e as obras de Gilvan Samico, um dos princi-pais artistas vivos do país. Cercado por suas xilogravuras no casarão antigo onde vive, em Olinda, Samico, que tem fama de não falar muito com a imprensa, ficou das três da tarde às dez da noite revelando suas histórias para a dupla de re-portagem da Revista Personnalité. A edição traz ainda uma matéria sobre o resultado do garimpo dos curadores do pro-grama Rumos, que seleciona um time de promessas da arte nacional nas cinco regiões do Brasil.

Fechando os quatro personagens principais da edição, fomos para Washington fotografar e entrevistar o engenheiro Ramon de Paula, que trabalha na Nasa e é um dos responsá-veis pelas missões espaciais em Marte. Em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, acompanhamos a rotina da pedagoga Telma Sobolh, que há 16 anos dirige o grupo de voluntários do hospital Albert Einstein e vem mudando para melhor a qualidade de vida da comunidade.

A satisfação de reunir esse eclético quarteto e investir em outras reportagens – como a que fizemos no norte da Espanha, listando as vinícolas que possuem construções assinadas pelos mais badalados arquitetos do mundo – fica ainda maior com os desdobramentos possíveis no site itaupersonnalite.com.br/re-vista, no iPad (baixe gratuitamente o aplicativo na Apple Store) e na fan page no Facebook em facebook.com/revistapersonnali-te. Nesses meios, você encontrará novas e mais amplas seleções de fotos, vídeos exclusivos e uma interação que só os canais digitais permitem.

Um abraço e boa leitura!

Andre SapoznikItaú Personnalité

obra do artista pernambucano gilvan samico,

um dos quatro personagens principais desta edição:

A chAve de ouro do reino do vAi-não-voltA (1969)

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Colaboradores

A Trip Editora, cons ci en te das questões am bi en tais e sociais,

utiliza papéis Suzano com certificado FSC

(Forest Stewardship Council) para impressão deste material.

A Certificação FSC garante que uma

matéria-prima florestal provenha de

um manejo considerado social,

ambiental e economicamente adequa-

do. Impresso na Log & Print Gráfica e

Logística S.A. – Certificada na Cadeia

de Custódia – FSC

Editor Paulo Lima Diretor Superintendente Carlos Sarli Diretor Editorial Fernando Luna Diretora de Criação Ciça Pinheiro Diretora de Criação Adjunta Micheline Alves Diretora Comercial Isabel

Borba Diretora de Eventos e Projetos Especiais Proprietários

Ana Paula Wehba Diretor de Núcleo Tato Coutinho Diretora de Desenvolvimento de Negócios Adriana Naves Diretor Financeiro

Renato B. Zuccari Diretor de Redação Décio Galina Editora Isabel

de Barros Projeto Gráfico e Direção de Arte Elizabeth Slamek

Editora de Arte Kiki Tohmé Produtor Executivo Alex Bezerra

Departamento Comercial Publicidade Diretor de Publicidade

Heitor Pontes Diretor de Planejamento e Marketing Publicitário

Rogério Rocha Key Accounts Flávia Marangoni, Karina Dutra e

Paulo Paiva Key Account Digital Marco Guidi Segmentos Gerente de Publicidade Kiki Pupo Executivos de Publicidade Claudia Atala,

Marcelo Milani e Vivian Viviane Assistentes Bruna Ortega e Sharon

Ajzental Coordenadora de Publicidade Vanessa Soares Projetos Especiais Renata Vieira Assistente de Publicidade Nathália

Rodrigues Representantes DF Alaor Machado MG BOX Private

Media — Rodrigo de Freitas PR Raphael Müller RJ GSB MIDIA

RS e SC Ado Henrichs BA Romário Júnior Interior de SP Daniel

P. Paladino Argentina Adolfo Scavuzzo Pesquisa de Imagens

Aldrin Ferraz Pesquisador Fernando de Almeida Assistente de Biblioteconomia Daniel de Andrade Estagiária Daniela Almeida

Produção Gráfica Walmir S. Graciano Produtora Gráfica Mariana

Pinheiro Produtora Gráfica Júnior Jessica Oseki Assistente Tráfego Comercial Carolina Velloso Tratamento de Imagens Roberto

Longatto e Roberto Oliveira Revisão Ecila Cianni (coordenação)

– Adriana Rinaldi, Cristiane Garcia e Janaína Mello Projetos Especiais e Eventos Diretora Ana Paula Wheba Assistentes Pedro

Toledo e Mariana Beulke Editora de Arte Camila Fank Comercial Trade e Circulação Diretora Daniela Basile Supervisora do Trade

Thais Meneghello Assistente de Trade Fábio Pinheiro Gerente de Circulação Adriano Birello Assistentes de Circulação Aline

Trida e Vanessa Marchetti Projetos Digitais Diretor de Midias Eletônicas de Custom Publishing Beto Macedo betomacedo@

trip.com.br Diretor de Negócios Digitais Jan Cabral jancabral@

trip.com.br Núcelo de Vídeo Coordenação Ana Rosa Sardenberg

Videomakers Vinicius Nora e Marco Paolielo Produtora Camila

Nunez Estagiário Ivanildo Ferreira Colaboraram nesta edição

Adriana Setti, Cássio Starling, Daniel Benevides, Eduardo Styjer,

Fabio Brisolla, Milly Lacombe, Mario Gioia, Rafael F. Garcia, Ricardo

Calil, Ronaldo Bressane e Rosane Queiroz (texto) Claudio Edinger,

Felipe Gombossy, Lia Lubambo, Lorenzo Giordano, Marcelo

Correa, Marlos Bakker, Nelson Mello, Rafael Dabul e Victor Affaro

(fotos) Veridiana Scarpelli (ilustração) Ana Hora e Mariana Haddad

(produção) Comitê Itaú responsável por esta edição Fernando

Chacon, André Sapoznik, Cristiane Portella, Danielle Sardenberg,

Ligia Benavente e Mariana Couto de Arruda Colaboradores

Fernando Rodrigues, Marcello Barcelos, Maria Pestana e Mariana

Salles – DPZ Propaganda

Capa Claudio Edinger fotografado por Ana Edinger

Revista Personnalité é uma  publicação trimestral da Trip Editora

e Propaganda em parceria com o Itaú Personnalité. Endereço para

Correspondência: rua Cônego Eugênio Leite, 767, 05414-012,

São Paulo, SP. E-mail: [email protected]

www.tripeditora.com.br

expediente

Crítico de cinema da Folha de S.Paulo, RICARDo

CALIL já passou pelas redações do Jornal da Tarde,

Gazeta Mercantil, StarMedia, iBest e UOL. Orgulhoso

pai de Teresa e Julieta, há dois anos dirigiu seu

próprio documentário, Uma noite em 67, em

parceria com o amigo Renato Terra. Nesta edição,

escreveu sobre os cinco melhores filmes de ficção

científica da história. “Fazer a matéria foi um prazer,

porque conversei sobre cinema, meu assunto

preferido, com cinco pessoas que admiro muito.”

Após estudar fotografia, pintura, desenho e

história da arte em Florença e em Los Angeles, o

carioca MARLoS BAKKER voltou ao Brasil e abriu

seu próprio estúdio, em São Paulo. Nos últimos 15

anos, fotografou para diversas revistas e agências

de publicidade, além de projetos pessoais, como

o “Não perturbe”, em que ele vem, há dois anos,

retratando pessoas dormindo em suas casas.

Nesta edição, foi o responsável por fotografar a

pedagoga Telma Sobolh. “Ela foi extremamente

gentil e fácil de trabalhar.”

Formada em arquitetura e urbanismo pela

USP, a paulistana VERIDIANA SCARPELLI

desenhava móveis e objetos antes de se dedicar

exclusivamente à ilustração. Hoje, aos 33 anos,

ela prepara seu primeiro livro, uma publicação

só de imagens cujo personagem principal é um

porquinho. Nesta edição, fez a arte da matéria

sobre Clarice Lispector. “Ela é uma daquelas

pessoas que têm várias camadas, oferecem

diversas leituras, instigam. Foram essas muitas

facetas que nortearam minhas ilustrações.”

Há três anos, LIA LuBAMBo saiu do Brasil e foi

para Nova York estudar fotografia. Agora, de

volta a Recife, sua cidade natal, investe em uma

agência. Formada em jornalismo, se entregou

às câmeras ainda na faculdade e hoje tem na

gaveta o projeto de um livro com personalidades

pernambucanas. Nesta edição, foi a responsável

pelas fotos do gravurista Gilvan Samico.

“Fotografá-lo foi de uma alegria indescritível:

ele nos recebeu de forma muito carinhosa,

mostrando todos os cantinhos do seu sobrado.”

Há 12 anos, a paulistana ADRIANA SETTI trocou

São Paulo por Barcelona. Desde então colabora com

diversos veículos brasileiros e chegou a escrever o

livro Mala e cuia, um guia para quem quer morar na

Europa. Sua meta de vida é passar cinco meses por

ano viajando, algo que já vem cumprindo há meia

década. Nesta edição, ela escreveu a matéria sobre

vinícolas de design. “É uma coletânea de lugares e

impressões que acumulei ao longo de várias viagens

pelo norte da Espanha.”

O pesquisador de audiovisual e crítico de cinema

CáSSIo STARLING já foi editor do Mais! e da

Ilustrada. Formado em filosofia, o mineiro mora em

São Paulo há 18 anos e atualmente se dedica a uma

mostra sobre o cineasta Douglas Sirk, que passará

por São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Para a

Revista Personnalité ele mergulhou no universo

de Clarice Lispector. “Li seus principais romances

quando era jovem, mas só agora enxerguei, sob o

mito literário, a mulher que descobriu na escrita um

modo de reencantar o mundo.”

Com quatro livros no currículo, MILLy LACoMBE

está focada na biografia da deputada Mara

Gabrilli. Carioca, trocou a praia por Sampa aos 10

anos e, antes de abraçar a carreira de escritora,

passou pelas redações da Trip, do Portal Terra,

da Marie Claire, do SportTv e da Record. Nesta

edição, escreveu o perfil de Telma Sobolh, chefe

do Voluntariado do Hospital Albert Einsten. “Telma

é desses seres humanos cuja jornada acaba por

inspirar e emocionar. Entrevistá-la foi comovente.”

Colaboradores

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Natural de Besançon, uma pequena cidade no

interior da França, DANIEL BENEVIDES formou-

se em arquitetura pela USP, já teve uma banda

de rock, foi VJ, redator e atualmente é editor de

comunicação da editora Cosac Naify. Entre os

projetos futuros estão: plantar uma árvore, escrever

um livro e ter outro filho – ele já é pai de Maria,

16 anos. Nesta edição, escreveu sobre o fotógrafo

Claudio Edinger. “Nem parecia entrevista, mas um

encontro com um velho amigo.”

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cá entre nós

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Renata tomou gosto pelas panelas por influência

da avó. E com ela aprendeu receitas como gemada,

bolo de fubá e brigadeiro. Nos anos 1990, aos

13 anos, ganhou seu primeiro emprego: fazer

entradinhas no restaurante aberto por sua mãe,

a decoradora Silvia Camargo, em Ilhabela. Aos 16

anos, Renata recebeu o prêmio de Melhor Chef de

Ilhabela. Foi conhecer outras culinárias. Estagiou na

França e na Espanha e voltou inspirada para abrir o

seu Marakuthai, primeiro em Ilhabela e, desde o ano

passado, também em São Paulo. Focada na cozinha

contemporânea, Renata montou um menu guiado

pelos sabores de vários países, entre eles Brasil e

França. Mas é o sabor tailandês que se faz presente

nos seus pratos. Conheça as preferências da jovem

chef, hoje com 23 anos.

Aos 23 anos, Renata comemora dez de carreira. Chef do restaurante Marakuthai, ela divide com a Revista Personnalité dicas e descobertas

_ Renata Vanzetto, chefágua na boca

seis perguntas:1. o que dá água na bocaLimão! Adoro limão!

2. três ingredientes que nunca faltam na sua cozinha Limão, azeite e pimenta.

3. quais são os temperos mágicos• Folha de limão – poucas pessoas usam, mas

tem um sabor incrível.

• Nam Pla – um molho de peixe tailandês que

pode substituir o sal.

• Capim-santo – erva bem brasileira que dá um

toque diferente ao prato.

4. a novidade gastronômica que a surpreendeu

Não foi uma coisa nova e, sim, uma velha: uma

máquina de sorvete antiga.

5. o seu acessório de cozinha no momentoEstou apaixonada pelos pimenteiros elétricos

com luzinhas, iguais aos do chef Jamie Oliver.

6. um livro de receitasEscoffianas brasileiras, do Alex Atala.

uma receita:lótus (Salada de macarrão de arroz)

Ingredientes:

10 g de macarrão de arroz

10 g de repolho roxo picado bem fininho

30 g de peito de frango cortado em tiras e

puxado no azeite

1/5 de maço de agrião

suco de 1/2 limão

2 colheres de sopa de azeite extravirgem

1 colher de café de gengibre picado

1 colher de café de pimenta-dedo-de-moça picada

1 colher de sopa de gergelim branco

1 colher de sopa de gergelim preto

1 colher de sopa de castanha-de-caju picada

Modo de preparo:

Cozinhar o macarrão em água fervendo por

apenas 2 minutos. Lavar com água fria. Misturar

todos os ingredientes num bowl e temperar com

sal a gosto.

O marakuthai faz parte do Menu

Personnalité, uma seleção de restaurantes

parceiros. Conheça quem faz parte desta lista:

www.itaupersonnalite.com.br/experiencia

> Gastronomia > Experiências Exclusivas >

Menu Personnalité

cá entre nós cá entre nósvIAgEm, gAstrONOmIA E CulturA – CONvIDADOs EspECIAIs AbrEm suAs prEfErêNCIAs | pOr Rosane Queiroz

Com seu trio de jazz Hammond Grooves, que reúne guitarra, bateria e órgão,

Daniel Daiben leva aos palcos um repertório de soul e bossa, sempre com uma

sonoridade de jazz. O guitarrista relembra composições de norte-americanos

como Jimmy Smith, Wes Montgomery, George Benson, entre outros.

Para a Revista Personnalité, Daniel rememora os artistas e os álbuns que marcaram suas descobertas musicais

_ DanIeL DaIBen, guitarrista e radialista trilha sonora

1. “biquíni de bolinha

amarelinha”, ronnie cord

É a minha primeira lembrança

musical, tinha entre 3 e 4 anos

e passava todas as tardes na

casa de minha avó ouvindo os

compactos de minha tia.

2. trilha sonora da

novela Dancin’ Days

Ganhei de aniversário a trilha

sonora em 1978 e ela tinha

Chico Buarque (“João e Maria”),

Genesis (“Follow You, Follow

Me”) e o que eu chamava de “a

música do robô”, que era Dee D.

Jackson (“Automatic Lover”).

3. “i love it loud”, kiss

Anos 1980, e a TV anunciava a

vinda de uma banda com uns

caras maquiados: o Kiss! Foi meu

primeiro vinil de rock.

4. “the Jack”, ac/dc

Quando tinha 13 anos, veio o

Rock in Rio 1 e eu fui impactado

por tudo. Mas uma banda falou

mais alto: o eterno AC/DC. Anos

depois descobri que AC/DC é

blues pesado.

5. “echoes”, pink floyd

Depois da pancadaria, veio

a calmaria. As músicas

intermináveis do Pink Floyd

tocaram meu coração.

6. “amor”,

secos e molhados

O Pink Floyd me abriu o ouvido

para a música brasileira. Aos 19

anos, me apaixonei pelo primeiro

álbum dos Secos e Molhados.

7. “killing in the name”,

rage against the machine

Em 1993 me mudei para São

Paulo para estudar rádio e TV e

logo já estava trabalhando na

89 FM (a antiga Rádio Rock).

Essa música me lembra a época.

8. “green onions”,

booker-t and the mg’s

Já em 1997 descobri o blues: a

dor da música negra, o som do

órgão Hammond e este grupo

de Memphis.

9. “hi heel sneakers”,

Jimmy smith

Mergulhando no soul e no blues,

me encantei pelo jazz. Como eu

sentia mas não conseguia tocar,

decidi estudar pra valer. Na escola

Groove, entendi a música, o que

me levou a criar o programa Sala

dos professores, na Eldorado.

10. “thunderwalk”,

george benson

Aos 11 anos, quando assisti ao

Benson num programa, pensei:

“Ele canta tudo o que toca na

guitarra!”. Hoje, percebo que era o

contrário. Ele toca o que canta de

boca. É daí que vem o balanço.

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cá entre nós

Apaixonada por Trancoso, na Bahia, onde tem casa desde pequena, Mariana Aydar fala de sua passagem pela Bolívia e do desejo de conhecer Cabo Verde

_ MaRIana ayDaR, cantorasonhos

PRóxIMA PARADA: cabo verde, 2013

“Quero muito conhecer cabo verde. Sou fã da música de

lá e gosto da cantora Mayra Andrade. Acho que nossos

países têm muitas semelhanças culturais. Já vi fotos lindas

da ilha e estou me programando pra conhecer em breve.”

JORNADA INESQuECíVEL: bolívia, 2007

“Fui gravar meu segundo clipe no salar de uyuni, na Bolívia.

Foi uma aventura. Chegamos em La Paz, pegamos 12 horas de

ônibus a menos 15 graus. Vimos paisagens maravilhosas pelo

caminho e, ao chegar, era branco para todos os lados.”

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A diretora Maria Raduan, que lança em abril o documentário Vale dos esquecidos, fala sobre o filme Entre dois amores, de Sidney Pollack

_ MaRIa RaDuan, documentarista

a primeira vez “Não me lembro exatamente quando foi a pri-

meira vez que assisti a Entre dois amores, mas

eu devia ser bem pequena. Sei que desde então

assisto todos os anos. O filme é lindo, mostra uma

África intocada, selvagem. E um grande amor.”

momento guardado“Estive na África em 2010, mais especifica-

mente no Quênia, onde se passa o filme. Vi

a mesma natureza intocada que o [diretor]

Sidney Pollack mostrou. Esta foto minha é

com uma integrante da tribo que também

é mostrada no filme. Sonho que a natureza

sobreviva aos homens.”

cena poderosa“A clássica cena em que o casal [forma-

do por Meryl Streep e Robert Redford]

sobrevoa em um monomotor amarelo a

savana africana. A trilha sonora do John

Barry é incrível.”

o filme da minha vida

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“Cinema para mim é a captura do olhar através do amor, da intimidade.” Assim o ator João Miguel explica a escolha da foto acima: não uma imagem do próprio, mas dos olhos do cineasta Glauber Ro-cha (1939-1981) através da câmera de sua ex-mulher, a também diretora Paula Gai-tán. “É puro romance. A fotógrafa, apai-xonada, captou o olhar do seu homem.”

A imagem foi um presente de Paula para João, que a colocou em sua casa no Rio. “Parece o olho de um bicho, de um dragão. Traz urgência e delicadeza. É muito cinematográfica”, diz o ator, acima de tudo um admirador de Glauber. “Ele teve a coragem de criar uma obra com tamanha força estética que é discutida dentro e fora do Brasil até hoje.”

Aos 42 anos, João se define como um eterno buscador. Nascido em Salvador, é ator desde criança, foi palhaço de circo e se tornou um homem do teatro. Há oito anos descobriu as telonas. “Vivo intensamente os ciclos, com o cinema foi assim”, diz ele, que hoje acumula 21 fil-mes, sendo o primeiro, Cinema, aspirinas e urubus, do diretor Marcelo Gomes, em 2005. Pela atuação, João Miguel ganhou o primeiro prêmio de Melhor Ator do Festival do Rio.

Só este ano são três longas na fila para o lançamento: Beira do caminho, de Breno Silveira, A hora e a vez de Augusto Matraga, de Vinícius Coimbra (vencedor do Festival do Rio em 2011), e Xingu, de Cao Hamburger, que chega ao circuito

nacional no dia 6 de abril. O filme parece ter tocado fundo João, que quando falou com a Revista Personnalité estava prestes a voar para o parque para uma exibição especial. “Foram três meses morando no Centro-Oeste. Isso me interessa no cine-ma, esse deslocamento, o espaço coleti-vo, onde a interação é fundamental.”

No Parque Indígena do Xingu, a maior reserva indígena do mundo, João viu muito do povo brasileiro. O riso, segundo ele, vem do índio. “Não é exótico, é real. Nós somos um povo misturado”, diz ele, que cita a urgência de olhar para a nação como um todo. E é com essa necessidade do olhar que João segue a sua vida. “Sou ator por-que sou apaixonado por gente.”

PrestígIo | JOãO mIguEl

POR Isabel de Barros

O ator baiano João Miguel expressa, através do olhar do diretor Glauber Rocha, sua paixão pelo cinema e pela vida

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Sertão em

coreS

Por Daniel Benevides fotoS Claudio Edinger

O fotógrafo Claudio Edinger passou os últimos sete anos enquadrando a vida e a fé no interior

da Bahia. “É o coração do Brasil, é o centro, meio misteriosa e mística, o coração do coração”

as fotos desse ensaio são do livro de bom jesus a milagres de claudio edinger

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Personnalité

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Personnalité claudio edinger

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Personnalité claudio edinger

“não existem respostas, só

perguntas. acho que a

fotografia é uma grande

pergunta”

Não dá pra ser artista de fim de semana. Morei cinco anos lá. Assim que o Sid Vicious [baixista da banda punk Sex Pistols] matou a namorada Nancy eu me mudei pra lá”, conta, rindo, deixando claro que o sanguinário fait-divers nada teve a ver com sua decisão.

A mencionada meditação é algo central em sua vida, assim como a família. Seguidor do guru indiano Paramahansa Yogananda desde que leu a Autobiografia de um iogue, ainda bem jovem, ele é capaz de meditar por sete horas seguidas. Já esteve na Índia três vezes, experiência que lhe rendeu uma exposição. Outra grande experiência de vida foi a que teve com a avó Mina. Judia da Letônia, ela salvou-se por pouco dos campos de concentração nazistas.

No trem que a conduzia com os familiares e vizinhos ao destino fatal, ela foi jogada pela janela e conseguiu escapar, vindo refugiar-se no Brasil. Morando com a filha, Dascha, mãe de Claudio, e o neto, ele próprio, no mesmo amplo apartamento em que Claudio ainda vive, na rua Maranhão, em São Paulo, muitos anos depois ela desenvolveu Alzheimer. E foi tentando lidar com aquela doença que Edinger resolveu dar um passo decisivo em sua carreira.

Viveu cerca de 20 dias em um quarto de enfermeiro no Juqueri, na época o maior centro de doentes mentais da América Latina, com 3.500 internos. A inusitada convivência resultou no livro mais ousado e elogiado de sua carreira, Madness/Loucura (1997). “Fiquei vários dias em estado de choque. Via o pessoal defecando na cama, comendo fezes, acorrentado... Na Índia dizem que o louco paga suas dívidas, seu carma, sem adquirir novas. Enfim, são crianças que nunca cresceram.”

Se a experiência humana foi um aprendizado, o aspecto artístico também foi marcante: “Foi um grande passo em direção ao meu estilo. Foi muito pensado, deliberado. Pensei as fotos com flash em pleno dia, com câmera quadrada. Usava filme de grão fino, para poder ver o poro da pele da pessoa, o que era muito importante. E o flash era para colocá-los num

palco, por assim dizer. A maior carência deles é amor. Só 5% recebe visitas regulares. Minha presença sempre foi muito bem-vinda”.

o coração do braSil

Formado em economia no Mackenzie, o hoje solteiro Edinger, não fumante e não bebedor (desde as experiências exageradas na adolescência) se casou duas vezes: primeiro com a fotógrafa americana Pamela Duffy e, depois, com a joalheira Cristina Cunali, com quem teve sua única filha, aos 50 anos. Ana, hoje com 8 anos, mudou muito sua visão – a capa do novo livro é uma menina sentada num sofá. “Ela pegou o melhor vestido dela e sentou assim desse jeito, é uma coisa mágica”, conta. “O lugar conversa com você. Mas tem de ser um negócio que acontece na hora, do contrário não sai.”

Ao falar de Andaraí, cidade de 14 mil habitantes, onde fez muitas das fotos do último trabalho, poetiza: “É o coração do Brasil, é o centro, meio misteriosa e mística, o coração

do coração, e tem muito a ver com meu trabalho, pois fotografia é síntese. E o foco seletivo que tenho usado é uma síntese dentro da síntese, é a nossa busca, a busca de todo artista, é quando a gente tem visões da alma e sabe quem a gente é de fato”.

O resultado não nega. Assim como em outros trabalhos recentes, feitos em Paris, Veneza e Rio, Edinger marca seu estilo com o uso do foco seletivo, “uma brincadeira com o real”, como diz. E assim continua sua “busca incessante da identidade e da transcendência”, sempre se mantendo à margem do mercado comercial, fazendo só o que acredita e gosta, procurando o que lhe desperta a sensibilidade de artista e humanista. “O filósofo Francis Bacon dizia que a função do artista é aprofundar o mistério. É isso, não

existem respostas, só existem perguntas. A fotografia é uma grande pergunta.”

s e fosse preciso escolher duas palavras para definir o fotógrafo Claudio Edinger, elas bem poderiam ser

jovialidade e transcendência. A explicação para a primeira está na cara: longos cabelos loiros, olhos claros, vivos e abertamente curiosos, um irredutível bigode gaulês e uma expressão permanente de boas-vindas ao mundo. À primeira vista, o fotógrafo nascido carioca, mas logo transformado em paulistano, parece um simpático surfista da Califórnia, ou um hippie bonachão, que acabou de sair de Woodstock. De fato, Claudio morou na Califórnia nos anos 1980 e se considera meio hippie mesmo, um feliz tocador de música indiana no harmônio.

Cinco minutos de conversa depois, a segunda palavra vai ganhando também sua explicação. Muito culto (cita naturalmente, sem afetação nenhuma, Barthes, Susan Sontag, Manoel de Barros, Cézanne...), Claudio, 13 livros lançados, dezenas de exposições no Brasil e no exterior, 15 prêmios importantes e um romance no currículo (Um swami no Rio, Annablume, 2009), não se limita a tirar grandes fotos, mas é também um profundo pensador da fotografia como expressão de busca do eu. “A fotografia te permite o que mais nada te permite. Quando é forte, quando é pra valer, a fotografia se aproxima da poesia, é absolutamente transcendente. É como uma árvore – se a foto é boa, suas flores não murcham. Assim, me considero um escritor, procuro fazer fotografia como poesia da luz.”

Nessa busca, seu trabalho se transforma em algo raro na fotografia brasileira, como lembra a fotógrafa Claudia Jaguaribe. “Ele tem uma produção de cunho documental, mas sempre muito envolvido, sempre algo que ele vivencia profundamente – não há muita diferença entre sua vida e seu trabalho, o que é bastante incomum no Brasil.” Prova desse envolvimento é o livro De Bom Jesus a Milagres, que será lançado em maio, quando o fotógrafo completa 60 anos, junto com uma exposição no MIS, em São Paulo. Claudio passou os últimos sete anos visitando o sertão da Bahia. Ele enquadrou a rotina dos lugarejos entre Milagres e Bom Jesus da Lapa, cidade banhada pelo São Francisco, a 796 quilômetros de Salvador e com aproximadamente 67 mil habitantes. “Escolhi essa região por ser determinante na cultura brasileira”, comenta Claudio. “O que de melhor se escreveu no país veio do sertão; não do litoral. É só pensar em Guimarães Rosa e Euclides da Cunha.” O curador e fotógrafo Eder Chiodetto destaca que o que chama sua atenção no estilo de Claudio é

a forma original com que ele resolve cada ensaio. “Ele busca um novo conceito estético a cada nova empreitada. Foi assim com as fotos que fez do Chelsea Hotel, os trabalhos Loucura e Carnaval, e o ensaio sobre a cidade do Rio de Janeiro, seu primeiro trabalho com o foco seletivo.” Já o marchand Renato Magalhães Gouvêa, com quem o fotógrafo trabalha há seis anos, aponta Claudio como um dos responsáveis pelo aquecimento do mercado de fotografia no país. “Ele também trouxe alguns dos melhores fotógrafos para expor aqui, como o italiano Vitali e o cubano radicado nos Estados Unidos Abelardo Morell.”

a importância da meditação

A imersão notada no trabalho recém-concluído na Bahia é uma marca da produção de Claudio desde os primeiros ensaios, feitos em Nova York, onde morou por 20 anos: viver a fundo o assunto a ser fotografado, conhecer de dentro a comunidade que quer apresentar em seus retratos. Foi assim, por exemplo, com a segunda grande exposição que montou, em 1978, no International Center of Photography, sobre os judeus ortodoxos do Brooklyn nova-iorquino, com os quais viveu por dois anos (a primeira foi sobre o Edifício Martinelli, no Masp, em 1975). Seu primeiro livro, de 1983, que ganhou elogio no The New York Times e recebeu a Leica Medal of Excellence, em que retrata os excêntricos habitantes do Chelsea, o mítico hotel, também foi feito assim. “Passei três anos fotografando todo dia, de manhã até a noite. Era como escrever um romance. O grande lance é a edição. Eu ‘reli’ esse livro umas 25 vezes até publicar. Quem medita tem essa coisa da tenacidade, da disciplina.

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entrevista com Claudio Edinger

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Por Fabio Brisolla, do Rio de Janeiro Fotos Marcelo Correa

o esPanhol juan tuñas comendo o Prato mais Famoso

do cosmoPolita: Filé à oswaldo aranha

Sobreviventes de uma época em que o Rio de Janeiro era a capital do Brasil,

cinco endereços tradicionais da cidade abrem suas portas para o passado – e

fazem sucesso no presente

Chega de saudade

Bar e restaurante Cosmopolitatravessa do mosqueira, 4

Sempre atrás da caixa registradora, o espa-nhol Juan Tuñas Souto disserta sobre o Filé à Oswaldo Aranha, prato mais famoso de seu estabelecimento. Segundo ele, na dé-cada de 1930, um cliente sempre pedia seu filé-mignon grelhado decorado com alho fa-tiado e frito. A combinação acabou incorpo-rada ao cardápio e o prato recebeu o nome deste assíduo frequentador: o diplomata Oswaldo Aranha (1894-1960), respeitado político da época em que o Rio era a capital da república e o Bar e Restaurante Cosmo-polita, um ponto de pessoas influentes.

Localizada a poucos metros dos Arcos da Lapa, a modesta casa de 90 lugares conti-nua a funcionar no mesmo local e preserva a atmosfera que a consagrou. “Quando cheguei aqui, a Lapa não era esse tumulto”, pondera Seu Juan, 73 anos, que desembar-cou em solo carioca no ano de 1954. Nascido em Santiago de Compostela, ele conheceu Raymundo e Manuel Rodrigues Martinez, que fundaram o Cosmopolita em 1926. Seu Juan trabalhou na casa nos seus primeiros dez anos no Brasil, como lavador de pratos e garçom. Passou por outros restaurantes e retornou como sócio em 1999. Em 2011, a tradicional casa recebeu reconhecimento oficial: o prefeito do Rio, Eduardo Paes, assinou um decreto que conferiu a 12 bote-quins o título de Patrimônio Cultural Cario-ca, incluindo na lista o Cosmopolita.

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sCenarium antiquerua do lavradio, 36

O mineiro Plínio Fróes é um dos respon-sáveis pelo processo de revitalização da Lapa, região berço da boemia carioca e notável pelo projeto do Aqueduto da Carioca, datado de 1723.

No começo da década de 1990, enquanto a Lapa enfrentava uma fase decadente, com muitos de seus casarões centenários abandonados, Plínio aceitou ser sócio de um espaço dentro de uma casa de antiguidades da rua do Lavradio, loteada por boxes de vários vendedores. O movimento era fraco. Até, em 1994, a jornalista Danuza Leão, na época co-lunista social do Jornal do Brasil, reco-mendar o programa a seus leitores. Na véspera da publicação, Plínio fez uma faxina em seu ponto de venda. “Naquele dia vendemos tudo o que não vendemos o ano inteiro. Recebemos um novo pú-blico, que não passava por lá”, lembra. O empresário criou então uma feira de antiguidades ao ar livre no primeiro sábado de cada mês. “Houve um efeito multiplicador. Os imóveis degradados ganharam novos usos, viraram bares, atrações noturnas”, cita ele, que hoje é também dono de três concorridas casas de música alinhadas na Lavradio, entre elas o Rio Scenarium. Hoje, Plínio é dono de todo o antiquário, que ganhou o nome de Scenarium Antique e funciona no mesmo local. “Tenho um carinho especial por este lugar. Criei uma ofi-cina de restauração para recuperar os móveis antigos”, diz. “Muitas peças que seriam descartadas voltam ao mercado totalmente recuperadas. Essa é uma for-ma de preservar a nossa cultura.”

o mineiro Plínio Fróes em seu antiquário

na rua do lavradio, na região da laPa

Feira de antiguidadePraça Xv

Realizada aos sábados no centro do Rio, debaixo do viaduto da Perimetral, a feira de antiguidades da Praça XV reúne 490 expositores e ofertas variadas. À primei-ra vista, a banca de José Machado Gló-ria, 51 anos, não desperta curiosidade. Sobre sua mesa de madeira estão pastas e caixas de papelão lotadas de fotogra-fias. Um amontoado que exige paciência do cliente. Em meio à desordem, no en-tanto, existe um acervo surpreendente: de fotos da Revolta dos Marinheiros, ocorrida no Rio, em 1964, a retratos dos ex-presidentes Getúlio Vargas e Jusceli-no Kubitschek. A lista inclui ainda artis-tas do rádio, como Silvio Caldas.

Glória, como é conhecido, abre um sorriso ao revelar como consegue esse material: “É no lixo mesmo!”. Quase 80% das fotos de sua banca são compra-das de catadores do aterro sanitário de Gramacho, na Baixada Fluminense. “Já encontrei no lixo fotografias de Marc Ferrez e Augusto Malta”, diz o vendedor, citando dois consagrados fotógrafos que retrataram o Rio no início do século 20.

O preço de cada reprodução varia: um retrato de Getúlio custa em torno de R$ 50. “Acho que tenho mais de 500 fotografias só do Getúlio. A maioria veio do lixo”, diz Glória, que destaca o valor de seu trabalho. “A foto te trans-porta para um outro tempo. E, dessa forma, a memória que iria se perder acaba sendo preservada.”

o sorriso de glória na sua banca de Fotos

antigas na Feira da Praça Xv

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o garçom severino ramos aPonta Foto de vinícius de moraes

com tom jobim, os dois se conheceram no villarino

Casa Villarinoavenida calogeras, 6-b

O garçom Severino Ramos, 55 anos, é chamado de Marlon Brando por seus clientes. “Quem inventou esse apelido foi o Barretão”, diz, citando o produtor Luiz Carlos Barreto. Na opinião até do próprio Severino, ele se parece muito com o ator de O poderoso chefão na fase dos cabelos brancos. No meio da conver-sa, faz questão de frisar: “Você pode me chamar de Marlon mesmo”.

Marlon é garçom do restaurante Villarino, fundado em 1953 e situado quase em frente à Academia Brasileira de Letras, no centro do Rio. A posição estratégica rendeu uma clientela de es-critores, como Luiz Alfredo Garcia-Roza e Luis Fernando Veríssimo. “Cheguei a mostrar um poema que eu escrevi para a Nélida Piñon. E ela gostou, viu?”, diz, orgulhoso. Funcionário do Villarino há 26 anos, Marlon não chegou a atender o cliente que trouxe fama à casa: o poeta Vinicius de Moraes, que ia tomar seus tragos – o Villarino, naquela época, funcionava como uisqueria. O célebre encontro com Tom Jobim, em 1956, que rendeu a primeira parceria da dupla (a produção da trilha sonora para a peça teatral Orfeu da Conceição), ocorreu no Villarino. O restaurante é citado inclusi-ve no livro Rio bossa nova – Um roteiro lítero-musical, de Ruy Castro, que lista os endereços relacionados ao gênero. A foto de Vinicius, cercado por amigos em uma das mesas da casa, permanece como lembrança. Assim como dezenas de outras fotos, de clientes famosos e anônimos. “Isso aqui é uma família. Por isso, o Villarino é especial”, define.

Baratos da riBeirorua barata ribeiro, 354

Maurício Gouveia é um sujeito inquieto. Aos 33 anos, ele administra o sebo Ba-ratos da Ribeiro, nome que surgiu como um trocadilho sobre o endereço da loja, situada na rua Barata Ribeiro, em Copa-cabana. Referência na cidade, o Baratos reúne 20 mil livros e 7 mil LPs. Maurício não precisa mais sair em busca de novos acervos, os próprios clientes entram em contato. Com frequência, ele arremata raridades, como o LP da banda de rock Jethroll Tull. “O disco, cinza, pertenceu a um cara que trabalhou na fábrica onde o álbum foi produzido. É feito de níquel. Fiquei com ele, nem botei pra vender.”

O lugar poderia ser apenas um ponto de venda de livros usados e discos de vi-nil, mas vai além. O interesse de Maurício pelos frequentadores do sebo resultou no “Baratos Explica”, um ciclo de palestras baseado na experiência profissional de pessoas que passam por lá quase todos os dias. “Descobri que um cliente apaixo-nado por discos de rock’n’roll dos anos 70 era professor de grego da UFRJ (Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro). Ele aceitou participar e vai falar sobre mitos gregos”, explica ele, que, pouco antes de conceder esta entrevista à Revista Per-sonnalité, passou meia hora ouvindo a história de vida de um falante cliente.

Com as vendas on-line de livros e vinis antigos, o mercado de sebos no Rio vem diminuindo gradativamente. A so-brevivência, na opinião do dono do Bara-tos da Ribeiro, está associada à criativida-de. “Consegui promover uma agitação e, graças a esses eventos, o sebo conquistou um espaço na vida cultural do Rio.”

maurício gouveia manuseia livros antigos

em Frente ao sebo baratos da ribeiro

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entrevista com severino ramos

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Claudio EdingEr pergunta:

ramon dE Paula responde: Já estamos a ponto de ter carros autônomos [que

trafegam sem condutor], eles estão em demonstração. Agora, carro que voa... vai demorar um pouco mais!

Quando teremos carros voadores?

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Por Rafael Garcia, de Washington Fotos Victor Affaro

Nosso homem emmarte

Paulista de Guaratinguetá, o engenheiro Ramon de Paula aprendeu eletrônica desmontando motores e rádios em casa. Hoje, coordena programas da Nasa que levam jipes robóticos para passear no planeta vermelho

Ao lAdo, Foto FeitA PelA missão mArs reconnAissAnce orbiter

(2006) mostrA A crAterA hAle, no sul de mArte; nestA PáginA,

rAmon de PAulA, nA nAsA, em wAshington

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Personnalité ramon de Paula

Q uando Ramon de Paula chegou aos Estados Unidos em 1969, as manchetes dos jornais americanos estampavam

os esforços do programa Apolo, projeto que conseguiria levar astronautas à Lua pela primeira vez em julho daquele ano. Finalizando o segundo grau e tentando uma vaga no curso de engenharia, o jovem de 17 anos ainda não imaginava que uma década e meia depois estaria trabalhando na instituição responsável pela façanha espacial: a Nasa.

Hoje, às vésperas de completar 60 anos, o paulista que nasceu em Guaratinguetá e cresceu em Pirassununga precisa contar muitas histórias para explicar como se tornou um dos executivos do programa de exploração de Marte na agência espacial americana. Ao todo, Ramon já participou da coordenação de quatro missões de espaçonaves robóticas para o planeta vermelho. Fato inimaginável em 1976, ano em que a sonda Viking 1 se tornava o primeiro objeto humano a pousar em solo marciano e o recém-formado engenheiro eletrônico ainda não tinha paixão pelo ofício que levaria seu trabalho tão longe. “A área espacial ainda não era um interesse direto para mim”, conta. “Eu tinha interesse em eletrônica e em comunicação. Na juventude, costumava desmontar motores, ventiladores, rádios e outros aparelhos para entender como funcionavam.”

O gosto pela engenharia era, de certa forma, herdado do pai, militar da aeronáutica que, em 1969, foi nomeado para servir na Comissão Aeronáutica Brasileira (CAB), nos EUA. “Eu estava consertando um gravador, e tinha ligado o rádio na Voz do Brasil para um teste”, recorda Ramon. “Em certo momento, o locutor começou a anunciar os escolhidos do governo para a comissão, e ouvi o nome do meu pai.” Do dia para a noite, a família trocou a rotina de Pirassununga (SP), base da Academia da Força Aérea, por Washington. “Logo que cheguei aqui, acompanhava muito as notícias sobre o programa Apolo, mas, quando as Vikings pousaram, eu estava mais preocupado com meus trabalhos na universidade, que tomavam 100% do meu foco. Continuei lendo as notícias, mas não estava tão ligado em saber o que estava acontecendo em Marte.”

A família voltou para o Brasil dois anos depois. Ramon ficou em Washington e terminou o bacharelado em engenharia na Universidade Católica. Hoje, 41 anos depois, tem dificuldade de falar português sem misturar palavras. “Passei muito tempo estudando naquela época, you know”, diz Ramon, com um sotaque que mistura o acento do interior paulista com inglês

acima, Ramon com o pRojeto da missão maRs phoenix (2008);

e em fRente à sede da nasa, em houston

americano. Um ano antes de terminar o curso, um amigo lhe pediu para ajudar três brasileiras, filhas de um militar em missão nos EUA, que estavam interessadas em conhecer a universidade. Foi quando conheceu Haydée, com quem se casaria em 1974.

O destino começou a colocar a rota do paulista na direção do planeta vermelho quando ele decidiu mudar de especialidade. Em 1976, Ramon estava completando um mestrado em engenharia nuclear, na Universidade da Califórnia em Berkeley, mas o mercado de trabalho na área estava ruim. “Naquela época, existia uma grande ação pública contra a energia nuclear”, conta. “Decidi mudar de área.”

Retornando a Washington, ingressou num doutorado em optoeletrônica, especialidade que o qualificou a projetar giroscópios, dispositivos responsáveis por orientar aviões e espaçonaves. Trabalhou no Laboratório de Pesquisa da Marinha, na indústria aeroespacial e, em 1985, foi para o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, o JPL, em Pasadena, na Califórnia. Seu primeiro projeto na agência espacial foi desenvolver um giroscópio para a sonda Cassini, destinada a Saturno. O dispositivo não embarcou, mas o trabalho mudou a perspectiva sobre o desenvolvimento de tecnologia de ponta.

Não há seguNda chaNce

“Trabalhar na Nasa é uma vida, é preciso dar muita atenção à confiabilidade daquilo que você está projetando”, diz ele. “É diferente de projetar um telefone celular: um produto que precisa ser barato o suficiente para que as pessoas o comprem, e que pode ser levado ao conserto se estiver quebrado. Essa opção não existe no caso de uma sonda espacial.” Acostumado a cumprir missões onde não há segundas chances, Ramon deixa transparecer nas conversas seu jeito analítico e a obsessão por detalhes, pré-requisitos para o posto que ocupa. O trabalho na Nasa também despertou no engenheiro um lado sonhador: o gosto pela exploração. A busca de lugares inexplorados, em sua opinião, é uma forma de retorno às origens. “Nós, humanos, queremos entender de onde viemos”, diz. “Marte e a Terra eram planetas parecidos quando se formaram. Os dois, porém, foram se diferenciando, e Marte perdeu os mares e a água que possuía.

Queremos investigar a possibilidade da existência passada da vida lá. Isso nos ajudaria a entender a história da origem da vida na Terra.”

O trabalho no JPL ensinou a Ramon que o ímpeto explorador precisa ser equilibrado com as limitações da engenharia e dos orçamentos. Ganhando experiência nisso, voltou à capital americana para trabalhar no quartel-general da Nasa. Com mulher e dois filhos, atravessou o país de costa a costa pela quarta vez. Em Washington, participou do desenvolvimento de tecnologias de ponta, como comunicação a laser, e depois ingressou na divisão de exploração de Marte. “Faz parte do trabalho representar os projetos com a diretoria da Nasa, a Casa Branca e o Congresso dos Estados Unidos”,

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Personnalité ramon de Paula

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conta. “Trabalhamos para o presidente, mas precisamos de aprovação da Casa Branca, do Capitólio e do conselho-geral da Nasa para levar as missões adiante.”

Quando não está trabalhando, Ramon dedica boa parte do seu tempo à família. Sai do trabalho direto para casa, para jantar com a mulher. No caminho, às vezes desce do metrô algumas paradas antes para caminhar. O filho mais velho, Ramonzinho, 28 anos, tem síndrome de Down. “Quanto mais energia dedico em fazer coisas com ele, mais energia recebo de volta”, afirma. “Durante o inverno, vamos a lugares no oeste de Maryland para praticar cross-country ski juntos.” Já no verão, pai e filho andam de bicicleta ou caminham na beira do rio Potomac. Marcus Vinicius, o caçula, seguiu carreira em administração de empresas internacionais. Morou nos EUA todos os seus 25 anos, mas fala português muito bem, graças às aulas caseiras com o pai. Ramon diz ter ficado orgulhoso quando, na última vez que a família veio ao Brasil, o filho bateu boca em português com um flanelinha que tentava extorquir seu dinheiro no Rio. Do país, que visita a cada um ano e meio, Ramon tem saudades da família, dos amigos, da natureza e da feijoada.

No campo profissional, o engenheiro da Nasa soube lidar com as crises da agência. Na década de 1990, a agência seguia uma estratégia apelidada de “faster, better, cheaper” (mais rápida, melhor e mais barata). A ideia era lançar missões de exploração ousadas sem gastar os rios de dinheiro como o programa Viking, que custara mais de US$ 1 bilhão em 1976. Essa política teve sucesso durante um tempo, sobretudo com o pouso da missão Pathfinder, em 1997, mas começou a dar sinais de desgaste. Em 1999, a Nasa perdeu o contato com o Mars Climate Orbiter, um satélite de observação do planeta. Um mês depois, outra nave, a Mars Polar Lander, falhou em sua tentativa de aterrissagem em solo marciano. Dois projetos que custaram US$ 326 milhões e anos de trabalho.

Em meio à crise que havia se instalado, a Nasa decidiu reavaliar sua estratégia de exploração de Marte. Foi então que Ramon ingressou no programa, primeiro ajudando com a reorganização e, depois, assumindo o cargo de executivo do projeto da Mars Reconnaissance Orbiter, uma sonda lançada

em 2005. “Nós aprendemos que o processo de o ‘mais rápido’, ‘melhor’ e ‘mais barato’ não estava

bem definido e tivemos que aprimorar a nossa filosofia de trabalho”, conta. “Tivemos que impor mais disciplina, rigor e supervisão nas fases críticas dos projetos para diminuir o risco das missões.”

Durante a revisão, vários problemas foram encontrados no projeto da Mars Surveyor 2001 Lander, uma sonda de aterrissagem. A duras penas, a Nasa cancelou essa missão e concentrou esforços na Mars Odyssey, outro satélite de observação. Decisão certa. “A Odyssey chegou em 2001 e segue mandando resultados científicos”, diz o engenheiro. Após as mudanças de procedimento, o programa de exploração de Marte retomou sua trilha de sucesso com o pouso dos jipes robóticos Spirit e Opportunity, em 2004. A Mars Reconnaissance Orbiter chegou ao planeta em 2006, e hoje ajuda a escolher locais de pouso para as missões de aterrissagem, como o Phoenix e o MSL. Mais tarde, parte dos dispositivos da Surveyor Lander foi incorporada à Phoenix, sonda que decolou em direção a Marte em 2007. Quando a espaçonave estava se aproximando do objetivo o clima era de apreensão. Qualquer falha da Phoenix na

travessia da atmosfera marciana poderia aniquilar uma década de trabalho. “As pessoas na missão chamavam isso de ‘os sete minutos de terror’”, comenta Ramon. “Esse era o tempo que a espaçonave ficaria sem fazer contato com a

Terra e usaria sistemas automáticos para o pouso.” Um dia antes da tentativa de pouso, Ramon conheceu Nilton Rennó, brasileiro especialista em ciências atmosféricas com quem trabalhou naquela missão e em outras duas. “A tensão era enorme”, lembra Nilton. “O Ramon representava o quartel- general da Nasa dentro da missão e o papel dele era assumir a responsabilidade pelo que fosse acontecer.” Ao pisar em Marte, a Phoenix enviou seu primeiro sinal. Os técnicos na sala de controles no JPL explodiram de emoção como em um estádio de futebol. “Fiquei impressionado com a competência do Ramon”, diz Nilton. “Desde então, ele virou um mentor para mim.” James Graf, gerente da missão Mars Reconnaissance Orbiter, também elogia Ramon. “Na época, tínhamos de nos recuperar e precisávamos ter muito cuidado ao prosseguir. Ramon teve um papel fundamental nisso.”

A próxima tentativa de pouso em Marte está na missão Mars Science Laboratory, que inclui um jipe robótico quase do tamanho de um fusca, o Curiosity, equipado com dez instrumentos científicos diferentes. Ramon assumiu a coordenação executiva desse projeto temporariamente, entre 2008 e 2010, quando sérios problemas técnicos e um estouro de orçamento quase comprometeram a missão. Ele e seus colegas, no entanto, conseguiram salvar a sonda, que decolou em 2011 e chega a Marte em agosto deste ano. A pressão pelo sucesso é grande. Quando as Vikings desceram em Marte pela primeira vez, a Nasa ainda tinha esperança de encontrar seres vivos lá. Hoje, o objetivo declarado não é mais esse, mas o Curiosity está equipado para achar moléculas orgânicas. “Seria uma grande descoberta”, diz Ramon. Para ele, mesmo que Marte seja estéril, entender as condições da ausência de vida lá é crucial para entender a presença de vida na Terra. “Será que estamos sozinhos no universo?”, se questiona o pragmático e católico Ramon. “Não acreditar que haja vida em outros lugares é muita arrogância do ser humano. Com um universo infinito é muito difícil e prepotente de nossa parte achar que nós somos os únicos.”

_ As quatro missões robóticas de Ramon

1. mars odyssey (2001)

em órbita no planeta, usa suas câmeras para investigar a dis-

tribuição de gelo e a atividade vulcânica na superfície. trans-

mite à terra informações dos jipes spirit e opportunity.

2. mars reconnaissance orbiter (2006)

Apontou a localização de gelo em muitas regiões do pla-

neta e fotografou vales e cordilheiras que se formaram por

meio do fluxo de água líquida. Ajuda a escolher locais de

pouso para sondas de aterrissagem.

3. mars Phoenix (2008)

Aterrissou numa região polar e analisou amostras de solo e

ar. observou a formação de neve na região e mostrou que a

água é um componente importante na atmosfera marciana.

4. mars science Laboratory (2012)

com pouso previsto para agosto, leva ao planeta o jipe-robô

curiosity, capaz de detectar moléculas orgânicas e de investi-

gar se o ambiente do planeta é (ou já foi) favorável à existên-

cia de seres vivos.

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Por Ricardo Calil

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“Qual é o seu filme favorito de ficção científica?” Ao responderem essa pergunta, os cinco convidados ligados ao cinema – Laís Bodanzky, Cacá Diegues, Tainá Muller, Marcos Prado e Luiz Zanin – foram muito além de suas preferências cinematográficas

A ficção de cAdA um

2001 – Uma Odisseia nO espaçO (1968), por Tainá muller

A atriz gaúcha Tainá Muller sempre foi uma menina precoce. Aos 3 anos, ela assombrava a família ao conseguir ler o jornal sozinha. Aos 10, enquanto apren-dia tricô com a mãe diante da TV, assistiu a 2001 – Uma odisseia no espaço (1968) do começo ao fim. “Fiquei hipnotizada e amedrontada com aquelas imagens criadas pelo [cineasta inglês Stanley] Ku-brick”, lembra. “Ele desconstrói a linha do tempo, apaga a fronteira entre pas-sado e futuro, vai do micro ao macro, do osso jogado por um macaco a uma nave espacial. Não entendi na época, mas foi o suficiente para dar uma pirada.”

Ao longo dos anos – e de uma bem-sucedida carreira de atriz, que vai de Cão sem dono (2007) a Tropa de elite 2 (2010), Tainá assistiu a 2001 mais seis vezes. E, a cada revisão, começou a entender mais. “Depois fui ler O tao da física [do austríaco Fritjof Capra] e percebi que ciência e espiritualidade, física e metafísica, têm vários pontos em comum. É algo que já estava ali no filme, mas que só entendi com o tempo.” Para Tainá, o mundo está caminhando a passos rápidos em direção à fantasia futurista criada por Kubrick. “Como em 2001, a ciência moderna está em busca do elo perdido que ajudaria o homem a entender as grandes questões da huma-nidade. Aquele filme é muito mais do que ficção científica”, afirma Tainá.

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“Pegava até mal falar que eu tinha gosta-do. Mas, claro, para mim, não é um filme sobre o comunismo, e sim sobre os riscos de uma desumanização das pessoas.”

Diretor de clássicos do cinema bra-sileiro, como Chuvas de verão (1978) e Bye Bye Brasil (1979), Cacá garante que, depois de várias revisões, Vampi-ros de almas resistiu ao tempo. “Apesar de retratar muito bem o ambiente dos Estados Unidos dos anos 50, acho que o filme tem algo a dizer sobre o mun-do de hoje”, diz. “Já não existe mais a paranoia de uma invasão alienígena ou comunista, mas a paranoia com o fim do mundo nunca esteve tão na moda. E o cinema de ficção científica acompanhou essa mudança: deixou de lado os ETs e focou nas catástrofes ambientais.”

star Wars (1977),por Laís Bodanzky

Como grande parte das meninas de sua geração, a cineasta Laís Bondanzky fi-cou assombrada ao assistir a Star Wars (1977) no cinema e sonhou em se trans-formar na heroína do filme, a princesa Leia (Carrie Fischer). Mas, como talvez nenhuma outra garota brasileira daque-le final de anos 70, ela teve a chance de transformar seu sonho em realidade. Poucos meses depois, Laís, então com 8 anos, acompanhava as filmagens de Os Mucker (1978), dirigido por seu pai, o cineasta Jorge Bodanzky (do clássico Iracema, uma transa amazônica). Era um drama de época baseado em fatos reais, sobre uma seita religiosa de imi-grantes alemães que foi massacrada por tropas do governo federal, no interior

VampirOs de almas (1956), por cacá diegues

O Brasil dos anos 1960 era um país po-larizado ideologicamente: as pessoas eram de esquerda ou de direita. O ci-neasta Cacá Diegues era de esquerda. Vampiros de almas (1956), o clássico de ficção científica dirigido por Don Siegel, era uma obra de direita. Para muitos críticos de cinema, o filme sobre uma invasão alienígena aos Estados Unidos, feito na Guerra Fria, era uma metáfora sobre os perigos de uma ocupação co-munista; os extraterrestres eram sovie-tes intergalácticos.

Quando Cacá Diegues viu o filme pela primeira vez na Cinemateca Francesa, ficou surpreso ao se descobrir encantado.

do Rio Grande do Sul, no século 19.Certo dia, Jorge convidou Laís a

participar de uma cena como figurante. Ela pediu que a cabeleireira fizesse dois coques laterais em seu cabelo, para re-produzir o penteado de sua heroína fu-turista. “O curioso é que funcionou como um cabelo de época e, ao mesmo tempo, me senti a própria princesa Leia.”

Depois de muitas revisões, o Star Wars original, dirigido por George Lucas, permanece o filme de ficção científica preferido de Laís – e hoje ele é também um dos favoritos de suas duas filhas. “Acho que uma parte do futuro anunciado pelo Star Wars se concreti-zou. Eu vejo o design de gadgets como o iPhone ou o iPad e lembro das naves espaciais brancas e clean.”

Laís acredita que a mistura de ex-periências da infância – de um lado, as

grandes aventuras hollywoodianas; do outro, obras autorais como as de seu pai – começou a moldar seu gosto cinemato-gráfico, refletido em seus próprios filmes, como Bicho de sete cabeças (2001), Chega de saudade (2007) e As melhores coisas do mundo (2010).

“Hoje eu revejo Star Wars e me inte-resso pelo subtexto psicológico e mitoló-gico criado pelo Lucas, inspirado no livro Poder dos mito, do [escritor americano] Joseph Campbell: a história do garoto [Luke Skywalker] dividido entre o lado lu-minoso e o lado negro da Força, que sem saber se volta contra o próprio pai [Darth Vader]”, conta.

“Mas o que me emociona é a possibi-lidade de experimentar outra realidade. E o Star Wars faz com que o espectador sinta que está naquela aventura. Estou naquela nave. Eu sou a princesa Leia.”

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sOlaris (1972),Por Luiz Zanin

Na hora de escolher seu filme de ficção científica preferido, o crítico de cine-ma Luiz Zanin ficou balançado entre 2001 - Uma odisseia no espaço (1968) e Solaris (1972), filme do russo Andrei Tarkovsky que é visto como uma espé-cie de resposta – ou talvez uma rima – ao clássico do inglês Stanley Kubrick. Mas ele acabou cravando a segunda opção. “Solaris teve um impacto emo-cional mais profundo em mim”, afirma o crítico do jornal O Estado de S. Paulo e presidente da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).

Quando viu o filme pela primeira

vez, Zanin ainda não trabalhava com cinema. Era psicanalista, tal como o protagonista do filme russo. Baseado no livro do polonês Stanlislaw Lem, Solaris fala sobre uma estação espacial cuja missão é atrapalhada por miste-riosos problemas emocionais de seus tripulantes. Para resolver a situação, um psicólogo é enviado ao local, mas ele também entra em crise, especialmente ao reencontrar ali um antigo amor que havia se suicidado anos antes.

“É mais um filme sobre a memória do que sobre o futuro”, afirma Zanin. “É claro que Solaris faz um retrato muito interessante de um futuro distópico, de-sesperançado, em que a máquina evolui a ponto de sair do controle – algo que muitas vezes lembra o nosso presente.

Blade rUnner – O CaçadOr de andrOides (1982),por marcos Prado

“I’ve seen things you people wouldn’t be-lieve. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I’ve watched C-beams glitter in the dark near the Tannhauser Gate. All those moments will be lost in time, like tears in rain. Time to die.”

O diretor e produtor cinematográfico Marcos Prado recita, de cabeça, as frases da cena mais marcante de Blade Runner – O Caçador de androides (1982), clássico de Ridley Scott baseado em conto de Phi-

Mas o mais importante é essa questão de evocar, através das lembranças, aquilo que desapareceu – tema muito caro à psi-canálise e que, na época, fazia parte das minhas preocupações intelectuais.”

Depois de algumas revisões, já como crítico de cinema, Zanin destaca a lingua-gem do filme, feita de longos planos sem cortes e muitas vezes silenciosos – que marcam a obra de Tarkovsky. “Ele nunca quis dar respostas prontas ao espectador. Seus filmes são sempre enigmas.”

Zanin não se lembra de quando viu Solaris pela primeira vez. “Foi em algum momento dos anos 80.” Ele tam-bém não lembra se chegou a escrever sobre o filme. “É até engraçado não lembrar. Como o próprio Solaris mostra, a memória às vezes nos trai.”

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lip K. Dick. É o momento em que o re-belde replicante Roy (Rutger Hauer), um androide feito à imagem e semelhança do homem, mas com um tempo predetermi-nado de vida, se despede de seu caçador, o detetive Deckard (Harrison Ford), logo após salvá-lo da morte.

A memória do carioca Prado – pro-dutor dos dois Tropa de elite e premia-do diretor do documentário Estamira (2005) e do inédito Paraísos artificiais, com estreia em abril – não deixa dúvi-das: Blade Runner é sua ficção científica preferida. “Eu já vi mais de 20 vezes, em todas as versões. Tenho ele na cabeça”,

garante. “A primeira foi quando o filme estreou, eu tinha 20 anos. Fiquei chapado com o visual meio retrô, meio futurista, a trilha sonora do Vangelis, o romance entre Deckard e uma provável replicante e, sobretudo, com a grande questão co-locada pelo Ridley Scott: o que nos torna realmente humanos?”

Para Prado, o homem está longe de criar um ser artificial, mas as grandes metrópoles do mundo estão parecidas com a Los Angeles do filme. “É a mesma violência, poluição, o mesmo caos de pessoas automatizadas pelo consumismo. Aquilo já não é ficção científica. É real.”

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e assista trechos dos filmes

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Por Eduardo Stryjer

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Vida a longo prazoTrês promessas brasileiras com menos de 20 anos contam como o esporte mudou o planejamento de suas vidas para os Jogos do Rio de Janeiro, em 2016

Thiago Bráz, salto com varaThiago Bráz, 18 anos, já sentiu o gosto de ganhar uma medalha olímpica. Em 2010, o paulista nascido em Marília conquistou a prata nos Jogos Olímpicos da Juven-tude, para atletas de 14 a 18 anos, em Cingapura. Na ocasião, recebeu o prêmio das mãos do lendário saltador ucraniano, Sergey Bubka. “Fiquei emocionado. Foi um momento inesquecível”, relembra.

Mas sua trajetória no atletismo nem sempre foi vencedora. Aos 12 anos, ele foi apresentado ao esporte pelo seu tio, mas antes resolveu tentar a vida no basquete. Aos 14 anos, Thiago voltou atrás, iniciou os treinos no salto com vara e entrou para a equipe Rede, onde ficou meses sem salário. Até que Fabiana Murer, campeã mundial da modalidade, resolveu aju-dar o atleta. “Foi ela quem me pagou o primeiro salário e continuou ajudando mesmo quando comecei a receber”, diz

Thiago, que recebia R$ 500 por mês da atleta. Valendo-se do lema “depois da tempestade vem a calmaria”, Thiago vive um novo momento. “Muitas coisas boas estão acontecendo devido à Olimpíada”, diz o pupilo de Murer e atleta do Clube BM&FBOVESPA.

Thiago ainda prefere não falar muito de Rio 2016. O foco atual, diz, “é o Mun-dial Juvenil de Barcelona”, que acontece-rá em julho. O que não quer dizer que um trabalho a longo prazo não esteja sendo feito. Para ele, o segredo é dar um passo por vez. “São as pequenas metas do dia a dia que nos tornam atletas confiantes.”

Humilde e consciente de seu poten-cial, o atleta acredita: “Temos tudo para conquistar uma medalha para o país. Em cada treino penso no que devo melhorar até atingir a perfeição”.

Baixe a Revista Personnalité no iPad e

assista um dia de treino de Thiago Bráz

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ana Vargas, canoagemDe Iturama, Minas Gerais, a Primave-ra do Leste, Mato Grosso. Foi graças à mudança da família que Ana Vargas, 15 anos, descobriu a canoagem. “Foi amor à primeira vista, me identifiquei na hora”, conta ela, que sempre praticou esportes na água, devido ao incentivo do pai, Cláudio Vargas, professor de natação. Um de seus pontos fortes, aliás, é a força nos braços, incomum para uma atleta da sua idade.

Aos 12 anos veio a certeza de que a mineira teria um futuro promissor. Ana eliminou uma atleta olímpica e con-quistou seu primeiro título brasileiro na categoria slalom – o competidor soma pontos ao cruzar balizas num percurso de até 300 metros. “Até esse dia não acreditava que poderia chegar tão longe ou até mesmo viver do esporte.” Desde então vive em Foz do Iguaçu, Paraná, ao lado da mãe e da irmã, também canoísta.

guilherme aBreu Toldo, esgrimaO primeiro nome que se vê no ranking do site da Confederação Brasileira de Esgri-ma é de Guilherme Abreu Toldo. Aos 19 anos, o gaúcho é o atual líder brasileiro da categoria juvenil na arma florete e a promessa nacional da esgrima na Olim-píada de 2016, no Rio. “Estou apreensivo por ser algo novo, por ser na minha casa”, afirma o atleta, que administra os senti-mentos para não perder o foco. “Não pos-so me desligar um segundo, pois as opor-tunidades não aparecem duas vezes.”

Filho de professores de educação física, Guilherme descobriu a esgrima graças ao primo, Tiago Amaral, que já praticava. “Gostei logo de cara da combi-nação de agilidade e força. É fascinante”, revela ele, que há mais de uma década mantém o florete em punho, categoria que tem como regra o toque da arma ape-nas na região do tronco – peito, barriga e costas. Treinando pelo mesmo clube que o lançou, o Grêmio Náutico União, em Porto Alegre, e patrocinado pela Petro-bras, Guilherme ganhou duas medalhas de bronze no último Pan-Americano, em Guadalajara, no México – e determinou a quebra de um jejum de 36 anos do país sem medalhas no esporte.

De olho em 2016, o atleta não encara a esgrima como um trabalho: “Me divirto, não é um peso, mesmo porque as coisas foram acontecendo naturalmente”. Sorte a sua, já que sua rotina não é fácil. Essa entrevista, por exemplo, foi feita via Skype em um intervalo suado dos rígidos treinos na Itália, onde Guilherme está há três meses. São dois turnos por dia de exercícios de deslocamento, aulas indivi-duais e combate.

Quando está no Brasil, a flexibili-dade é ainda menor devido ao curso de ciências biológicas que faz na PUC-RS, embora já tenha perdido 40% das aulas por conta das viagens que participa. “A dificuldade me inspira, se fosse fácil não teria esse comprometimento nos estudos e treinos. Faz três anos que não tenho verão no Brasil, mas por outro lado estou correndo atrás de um sonho, de uma Olimpíada, de aumentar o nível do Brasil na modalidade”, diz ele, que tem como pontos fortes a defesa e o contra-ataque. Com uma jornada longa pela frente, Gui-lherme treina não só esgrima, como tam-bém a paciência. “Planejamento, treino e precaução no dia a dia para evitar lesões” são suas regras até lá.

Ana deixou Mato Grosso para ficar próxima às correntezas da hidrelétrica de Itaipu. Motivo? Integrar a equipe brasileira de canoagem – 11 atletas que dispõem de alojamento, alimentação e treinamento especializados.

A agenda da atleta quase não tem tempo para lazer: Ana vai à escola, almo-ça, treina, descansa, treina novamente e, à noite, ainda cumpre sessões de alonga-mento. “Tudo é muito regrado, mas nun-ca pensei em desistir”, diz ela, que parti-cipa da Olimpíada de Londres, este ano, mas já treina de olho em 2016. “Através da canoagem conheci lugares, pessoas e aprendo coisas novas a cada dia, como posso parar de praticar?” Segundo a atleta, o técnico italiano Ettore Ivaldique tem papel fundamental na preparação mental para as grandes competições. Até o Rio de Janeiro são quatro anos e Ana garante que está tranquila para disputar a Olimpíada em sua terra. “Temos plane-jamento e tempo suficiente.”

“não acreDitava

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tão lonGe ou mesmo viver Do esporte”, Diz ana varGas

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vocêAcreditA em vidA inteligente forA dA terrA?

Ramon de Paula pergunta:

Telma Sobolh responde:Sim, acredito. Esse não deve ser um privilégio único da Terra.

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Por Milly Lacombe Fotos Marlos Bakker

ENTRE DOIS MUNDOSÀ frente dos voluntários do hospital Albert Einstein, em São Paulo,

Telma Sobolh trabalha para encurtar a distância entre Paraisópolis e os bairros ricos que a cercam. Depois de 16 anos de trabalho, a região

apresenta índices sociais comparáveis aos dos Estados Unidos

telma sobolh observa a comunidade de ParaisóPolis,

onde trabalha desde 1985

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Personnalité telma sobolh

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t elma Sobolh estava em seu quarto sem ter o que fazer quando o telefone tocou. A casa do Morumbi,

bairro nobre paulistano, era grande e ela sabia que não precisaria correr para atender: os funcionários fariam isso e viriam chamá-la se necessário. A fase não era boa, estava melancólica devido a uma enorme frustração profissional: ela e a irmã tinham acabado de fechar a escola recreacional que fundaram e que o Plano Collor tratou de afundar. Talvez por isso, não tenha se animado quando vieram chamá-la para atender o telefone.

Era um amigo, médico da pediatria assistencial do hospital israelita Albert Einstein, onde trabalhava seu marido. Telma, então com 37 anos, escutou o pedido dele para que ajudasse na arrecadação de casacos para crianças carentes. Pensou que a atividade poderia tirá-la daquele estado tristonho e saiu recolhendo roupas: deu telefonemas mil, foi à casa de amigas, pediu ajuda às amigas das amigas. Depois de quase duas semanas, o mesmo amigo ligou, agora implorando para que ela parasse. Não estava dando conta de distribuir na mesma velocidade que ela arrecadava.

No ano seguinte, Telma foi convidada para trabalhar no Programa Voluntariado do hospital, fundado pelas mães, mulheres, irmãs e amigas dos médicos e empresários que idealizaram o Albert Einstein. Era 1985 quando chegou. Lá, ela fazia todo tipo de trabalho: de caixinhas de chocolate para serem vendidas na lojinha a distribuição de alimentos em comunidades carentes.

Envolveu-se tanto com o programa que, em 1996, ano em que seu marido foi convidado a assumir a presidência do hospital, Telma acabou também convidada a encarar a chefia do Voluntariado. Topou o desafio sem saber que mudanças nas leis de filantropia do Brasil colocariam o programa em uma situação complicada.

CRESCER OU MORRER

O primeiro – e grande – impasse da Telma no Voluntariado do Einstein foi resolvido em apenas dois segundos. Entre crescer e continuar a ter o status de filantropia ou deixar de existir, Telma tomou a decisão: “Cresceremos”.

A partir daí, o Voluntariado deixaria de ser apenas um programa de atendimento médico que funcionava quase exclusivamente dentro do hospital para se estender até a favela de Paraisópolis, que se agigantava dia a dia nas cercanias do hospital.

Telma contratou uma médica sanitarista e começou a correr a pé por Paraisópolis em busca de uma propriedade. A tarefa era dura porque ela havia prometido ao hospital que não haveria nenhum custo extra. Resolveria o problema organizando bazares, promovendo shows e até vendendo sucata hospitalar. Paralelamente, encomendou estudos para que um detalhado mapeamento da comunidade fosse feito. Quando o levantamento foi concluído, Telma havia comprado uma casinha dentro da comunidade que tratou de pintar de laranja, a cor predominante nas construções locais (só três anos depois, já com as casas adjacentes compradas, pintaria o complexo de branco), e tinha em mãos um escaneamento de quais as doenças mais comuns na favela, onde havia e não havia água encanada, onde havia acúmulo de lixo...

Nessa época, Telma trabalhava das sete da manhã às oito da noite. Estava tão envolvida com o Voluntariado que não percebeu o casamento acabando.

CURSO EM HaRvaRD

Quando começou o trabalho em Paraisópolis, Telma entendeu que seria necessário chamar os líderes dali para uma conversa. Descobriu os líderes naturais – a parteira, a benzedeira, o verdureiro que deixa pagar depois, o homem

depois de 11 anos de trabalho, em 1996, telma foi convidada

a encarar a chefia do

voluntariado do einstein

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Personnalité telma sobolh

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coordenador de projetos Voluntariado, que começou como office boy do projeto e hoje é seu braço direto, está de malas prontas para um curso em Harvard.

“OS vERDaDEIROS HERóIS”

Telma tem em mãos estudos sobre a importância da chegada do Voluntariado do Einstein na comunidade (leia box na página 58), porém ainda não teve tempo de consolidá-los. Mas sabe que tipo de impacto a comunidade teve sobre ela.

Aos 61 anos, conheceu uma solidariedade que, segundo ela, “só existe lá”. Um dia, passando pelo ambulatório, viu uma senhora esperando por atendimento amamentando duas crianças, uma em cada peito. Como eram muito diferentes, ficou curiosa e foi falar com ela. Soube então que um deles era seu filho e o outro, filho da vizinha que estava trabalhando. “Os verdadeiros heróis nascem nessas coletividades e essa é uma lição que jamais esquecerei.”

Hiperativa e risonha, filha de um comerciante e de uma dona de casa, a paulistana Telma diz ter tirado dos pais importantes lições de vida. “Meu pai me deixou o entendimento de que precisamos ter prazer na vida; minha mãe, que entrou na faculdade de direito aos 54 anos, me passou a certeza de que apenas a busca pelo conhecimento pode nos fazer evoluir”, diz.

voluntários), atende 12 mil crianças por ano no ambulatório e 7 mil pessoas nas atividades socioeducativas – o que representa 21% da comunidade, que tem 80 mil habitantes e é a segunda maior favela de São Paulo. Em 2011, um total de 315 mil ações foi realizado, entre atendimentos médicos e socioeducativos (é preciso preencher uma ficha cadastral e ser morador da comunidade para ser atendido). Debora Rocha, 30 anos, líder administrativa, que nasceu e mora na comunidade e trabalha com Telma há 11 anos, conta como a chegada do programa mudou a vida no local: “Os participantes apoderaram-se de direitos desconhecidos, pleitearam direitos relacionados a saúde e qualidade de vida, conquistaram atividades sociais e culturais, algumas voltadas para geração de renda”.

O trabalho de Telma ganhou visibilidade no mundo todo quando o complexo em Paraisópolis virou notícia por ter conquistado o selo ISO 9001 de qualidade, norma internacional que estabelece requisitos para o sistema de gestão da qualidade (SGQ) de uma organização. Ela, que já tinha recepcionado o ministro da Saúde da Inglaterra, passou a receber mais e mais visitantes estrangeiros – inclusive alunos de Harvard. Sabendo do interesse internacional, lutou para que ele se transformasse em uma via de duas mãos. Conclusão: Lidio Moreira, 30 anos,

da farmácia que não cobra para dar injeção – e os eleitos e se reuniu com todos para explicar que não pretendia trabalhar para eles, mas com eles – uma distinção que entendia ser fundamental. Um dia, numa dessas visitações, não notou o solo escorregadio e estatelou-se no chão, indo parar dentro do córrego. Imunda, mas vendo que não havia se machucado, começou a rir.

O trabalho que começou apenas com o ambulatório em seis meses ganhou também atividades socioeducativas. Telma notou que as crianças chegavam ao ambulatório desnutridas, saíam tratadas e voltavam depois de 20 dias com os mesmos sintomas. Era urgente distribuir conhecimento. Montou um mutirão e começou a bater de porta em porta para angariar moradores para as mais variadas atividades: curso de culinária, aulas de capoeira, aulas a respeito de prevenção de gravidez… Aos poucos, eles foram chegando e, ao longo do tempo, Telma incluiu no programa cursos de capacitação em parceria com o Senac e a Payot (marca de cosméticos). “Começamos atendendo crianças e elas logo cresceram. Era importante dar a elas uma chance profissional.”

Hoje, o Complexo Telma Sobolh ocupa seis terrenos em Paraisópolis e comemora 13 anos de existência. O Voluntariado do Einstein tem 400 funcionários (sendo 160

telma em família: com os netos henrique e helena; comemorando

seus 50 anos ao lado das amigas e voluntárias; e com os filhos,

luciana, tamara e rubens, e a nora, carolina

telma em ação: autografando seu livro voluntariado, a

possibilidade da esperança; e em paraisópolis, cercada de

cestas básicas prontas para serem distribuídas, em 2009

“começamos atendendo

crianças e elas cresceram. era

importante dar a elas

uma chance profissional

com cursos de capacitação”

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Personnalité telma sobolh

58 na página ao lado, a entrada do complexo telma sobolh

em paraisópolis. acima, vida nova na comunidade garante

o sorriso das crianças

_ Paraisópolis: índice de qualidade de vida comparável ao dos Estados Unidos

Índice comumente usado para avaliar a qualidade

de vida de uma população, o coeficiente de mor-

talidade infantil (cmi) é um bom medidor para

entender o impacto do trabalho da equipe de

telma sobolh em Paraisópolis. dados da secreta-

ria de saúde do município de são Paulo mostram

que entre 2000 e 2007 o distrito de vila andrade,

onde se localiza a Paraisópolis, saiu dos piores

cmis do município para estar entre os melhores.

o cmi local, que era de 18,1 por mil nascidos vi-

vos, saltou para 8,2 por mil, número que pode ser

comparado ao de países como eua (6 por mil) e

Polônia (7 por mil). no mesmo período, o cmi da

cidade de são Paulo foi de 15,8 por mil para 12,2

por mil. o trabalho do voluntariado do einstein na

comunidade começou em 1998 e, atualmente, tem

quatro braços: o departamento que funciona den-

tro do hospital, o complexo de Paraisópolis, uma

parceria com o hospital público de m’boi mirim e

uma casa para idosos na vila mariana.

Telma cursou pedagogia na PUC e casou cedo com Reynaldo Brandt, que se tornaria um dos mais renomados neurocirurgiões do país. Juntos, tiveram três filhos (atualmente com 37, 35 e 30 anos) e impulsionaram o Voluntariado do Einstein para outro patamar. Hoje, Telma mora sozinha em um apartamento pequeno, mas grande o suficiente para abrigar os dois netos. “Antes, morava numa casa enorme que me dominava completamente. Hoje, eu é que domino o apartamento”, diz, rindo.

Quando tem tempo, gosta de viajar. Já foi para Mianmar, Vietnã, Camboja, Egito. “Tenho uma liberdade que não pensei que um dia poderia ter”, comenta. Outro dia, conta, almoçou na casa de uma família na comunidade e à noite estava com amigos jantando em um dos restaurantes mais finos da cidade. “A comida do almoço estava muito melhor do que a do jantar”, confessa, deixando escapar certo orgulho.

Mas Telma não é apenas uma senhora dócil e sorridente. Quando é preciso, sabe morder. Como mordeu, uma vez, quando o rico proprietário de um pedaço de terra invadido em Paraisópolis passou por ela em um restaurante da cidade. “Ele veio todo pimpão dizer que queria me doar a terra. Perguntei se o IPTU estava em dia, e ele me disse que não estava, mas que, como ia me dar, a conta era minha. Virei uma fera. ‘Então o senhor quer me doar a sua dívida, isso sim!’.” Lidio Moreira conhece bem esse ímpeto: “Ela briga até com os seguranças e técnicos de manutenção caso se depare com coisas malcuidadas. Corre de um lado para o outro todo santo dia, faz questão de oferecer a essa população o que o Einstein tem de melhor”.

Qualquer dissabor político é logo esquecido quando Telma vê um caso de superação dentro da comunidade. “Não é raro você notar uma criança toda encolhida durante a atividade e depois saber que ela foi estuprada. E aí, quando você volta e percebe a criança brincando e sorrindo, totalmente integrada, tudo vale a pena.”

Ela diz não saber até quando fará o que faz porque a cada dia que passa tem menos estômago para politicagens, mas sabe que continuará a brigar por justiça como puder. Pergunto se ela se sente feliz e Telma pensa antes de dizer: “Se morresse hoje, iria sabendo que fiz o que pude. Tenho um gosto bom de missão cumprida, mas também o entendimento que não fiz nada além do que deveria ter feito com tudo o que me foi dado”.

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Por Cássio Starling Carlos Ilustrações Veridiana Scarpelli

Vinte e cinco anos após a morte de Clarice Lispector, dez hábitos que definem a mais enigmática escritora brasileira

“Q ue mistério tem Clarice”, inda-gou Caetano no verso de uma

canção. A mulher de olhar felino e pene-trante, vinda de lugar distante, produziu uma obra feita de meandros e profundi-dades, única em sua dicção de estrangei-ra bem brasileira. Bastou juntar as duas metades para que a escritora Clarice Lis-pector fosse confundida com a esfinge, criatura mítica, enigmática e irresistível.

Antes de desembarcar com a família em Maceió, em março de 1922, Clarice era chamada de Chaya, nome que em hebraico significa “vida”. A menina nas-ceu em 10 de dezembro de 1920 numa aldeia da Ucrânia e era bebê quando a família judia fugiu do caos e do antisse-mitismo e veio parar no Brasil.

Ela passou a infância no Recife e, na adolescência, mudou-se para o Rio, onde formou-se em direito. Mas aos 13 anos de idade “tomou posse da vontade de escre-ver”, como definiu seu destino.

Perto do coração selvagem, seu pri-meiro romance, publicado em 1943,

anuncia na escrita e na narrativa a in-subordinação aos cânones literários da época. No entanto, em vez de reduzir o modernismo à rebeldia, Clarice construiu uma obra a partir da afirmação radical da subjetividade, condição sine qua non de toda a experiência humana, e por meio dela projetou uma espiritualidade além dos dogmas religiosos.

Além de imensa contista, Clarice al-cançou o ápice da criação na forma longa do romance, em livros como A paixão se-gundo G.H. e A hora da estrela, nos quais pôs a nu a solidão.

Antes de se dedicar com mais exclusi-vidade à produção literária e à educação dos dois filhos, Pedro e Paulo, Clarice foi casada, de 1943 a 1959, com o diplomata Maury Gurgel Valente. Por força das obrigações dele como funcionário do Ita-maraty, ela viveu quase todo esse período fora do Brasil, na Itália, Suíça, Inglaterra e nos Estados Unidos.

De volta ao país, ela encontrou no jornalismo recursos para subsistir, es-

manias de esfinge

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timulada pelos amigos escritores que dependiam do mesmo procedimento, enquanto a literatura era gestada de ma-neira paralela, quase subterrânea. Como cronista de jornal, sua produção entre 1967 e 1973 projetou, desde a intimidade, os dilemas de uma sociedade que oscilava entre a submissão ao autoritarismo e o desejo de liberdade.

Sua assinatura se popularizou ainda mais com as peripécias melancólicas de Macabéa, protagonista de A hora da estrela, romance que Clarice publicou poucas semanas antes de ser internada em decorrência de um câncer. A morte, na manhã de 9 de dezembro de 1977, a converteu definitivamente em um dos nomes mais admirados, pesquisados e influentes da cultura brasileira.

Recentemente, o trabalho conduzido por seus biógrafos devolveu ao público uma personalidade instável e sedutora. “O que mais me impressionou pesqui-sando Clarice foi o amor que as pessoas têm por ela”, diz o americano Benjamin Moser, que escreveu a biografia Clarice (Cosac Naify). “As pessoas a amam como se fosse a melhor amiga. E, de certa forma, ela é: uma pessoa que consegue comunicar o que somos, como amamos, nascemos e morremos. Alguém que entra pelo coração, não pela cabeça.”

Para trazê-la para mais perto, Revis-ta Personnalité escolheu dez facetas de Clarice que poucos conhecem.

Quarto em chamasComo todo mundo, Clarice tinha manias. Algumas inofensivas, como datilografar com a máquina de escrever no colo. Ou-tras, de risco, como fumar na cama sob o efeito de soníferos.

Numa noite de setembro de 1966, ela acordou com o quarto em chamas. Gravemente ferida com queimaduras de terceiro grau, ficou três dias entre a vida e a morte. Por pouco não teve a mão direita amputada. Só saiu do hospital depois de três meses, após enxertos e sessões de fisioterapia que lhe devolve-ram parcialmente os movimentos e ela pôde voltar a datilografar.

1

2

3

4 5o zelo (ou excesso de) com a aparência A atenção à aparência não se resumia aos momentos em que a escritora se dis-farçava sob heterônimos para colaborar para jornais como colunista dedicada a assuntos de mulheres. Ela nunca se des-cuidou da imagem e costumava causar forte impressão. Um repórter america-no, por exemplo, escreveu: “A senhora Lispector é uma ruiva estonteante do-tada do carisma de uma estrela de cine-ma, capaz de iluminar todo e qualquer aposento no qual ela entre”.

Ao fim da vida e a despeito da saúde debilitada, Clarice fez questão de se manter atraente, contratando um ma-quiador que a visitava todo mês. Gilles realçava o tom louro das sobrancelhas, aplicava cílios postiços e destacava a in-confundível linha dos lábios. Sua fideli-dade foi testada por chamados da cliente em horários fora do padrão, como no meio da noite. Às vezes, ele a encontrava sedada. Mas fazia o trabalho mesmo as-sim, superando o desafio de pregar cílios postiços enquanto ela dormia.

a colunistaMuita gente achava que seu nome era pseudônimo. Apesar de nem se compa-rar com Fernando Pessoa, recordista de heterônimos, Clarice também escreveu disfarçada de outras. Sua escrita literária, considerada complexa e cheia de segre-dos, saltitou fora dos livros em assuntos bem mais epidérmicos, dando truques infalíveis de como usar maquiagem ou compartilhando soluções caseiras que deixam uma bolsa gasta parecendo nova.

Em vez do respeitável nome civil, ela se travestiu de Teresa Quadros e Helen Palmer, mulheres tão ficcionalmente verdadeiras como a Lóri ou a Macabéa de seus romances. Mais de verdade ainda era a modelo e atriz Ilka Soares. “Só para Mulheres”, coluna sobre modos e modas assinada por Ilka no Diário da Noite, era de fato inteirinha escrita por Clarice.

Atrás desses pseudônimos, a es-critora produziu colunas para jornais cariocas entre 1952 e 1960, misturando deliciosas ironias sobre a condição fe-minina com dicas infalíveis para a mu-lher moderna não perder a majestade do lar nem parecer jeca quando preci-sasse subir nos saltos.

a paixão animalDesde o primeiro livro, toda sorte de bicho ocupou lugar especial em suas páginas. Cavalos, saguis, galinhas e até a incontornável barata de A paixão segundo G.H. atestam o fascínio, o gosto por essas criaturas que ela definiu como “uma das formas mais acessíveis de gente”.

No dia a dia, essa afinidade tinha a fidelidade de Ulisses, um cão vira-lata que ganhou status de personagem e até de narrador. Para ela, o companheiro era “um pouco neurótico”, mas muito especial, pois “fuma cigarros, toma uís-que e Coca-Cola”.

Numa crônica, Clarice ofereceu uma razão irrefutável para tanto afeto. “A quem não conviveu com um animal falta um certo tipo de intuição do mundo vivo. Quem se recusa à visão de um bicho está com medo de si próprio”, cravou.

a aversão social“Não tenho qualidades, só tenho fragili-dades”, confessou em carta à amiga Olga Borelli. Enquanto o temperamento que-bradiço ajudou a fortalecer a ficção, as dificuldades de convivência fomentaram a fama de “excêntrica”.

Não era raro que entre amigos as atitudes de Clarice contrariassem os pa-drões elementares da sociabilidade.

Regularmente ia almoçar aos domin-gos na casa do escritor Autran Dourado, mas durante os encontros tomava uma pílula para dormir e caía no sono.

Às vezes, a fobia funcionava bem como recurso para se livrar de situações exasperantes, como aconteceu ao desa-parecer durante um seminário de teoria literária. Quando a localizaram, expli-cou: “Aquela discussão toda me deu tan-ta fome que eu vim para casa e comi um frango inteiro”.

“A senhorA Lispector é umA ruivA

estonteAnte dotAdA do cArismA de

umA estreLA de cinemA”

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Após seis Anos, seu AnAListA,

esgotAdo, sugeriu que

pArAssem A terApiA

a análise “terminada”O grau de introspecção atingido por Clarice na literatura ecoava ou recebia contrapartidas da fidelidade com que frequentou divãs.

Em meados dos anos 1960, ela chegou a ter sessões diárias de uma hora, com exceção dos fins de semana, sem atrasar ou faltar a nenhuma. Depois de seis anos, seu psicanalista, sentindo-se esgotado, sugeriu que suspendessem a terapia.

Ele a descreveu como “uma figura fantástica, uma mulher generosíssima, mas não era fácil conviver com ela. Era uma pessoa com uma carga de ansieda-de que poucas vezes eu vi na vida. Viver era, para ela, nessa medida, um tormen-to. Ela não se aguentava. E as pessoas também não a aguentavam. Eu mesmo, como analista, não aguentei”.

a preocupação financeiraSobreviver como mulher separada, com filhos para cuidar, e ter de enfrentar re-sistências editoriais à sua literatura de-safiadora deram mais que motivos para ver crescer rugas na testa. Enquanto seu sonho era ficar rica para poder se dedi-car apenas à escrita, na vida prosaica ela se obrigava a improvisar como jorna-lista, tradutora e até ghost-writer para cobrir as despesas.

A crise maior veio no início de 1974 com o fim abrupto da coluna de crôni-cas no Jornal do Brasil. Na turbulência, Clarice chegou a tentar vender a amigos o retrato dela feito pelo pintor italiano Giorgio de Chirico em Roma, em 1945.

O jeito foi apelar para as traduções, que os editores encomendavam apesar do tratamento descuidado que a escri-tora dava à tarefa, movida pela necessi-dade de fazer volume.

congresso do alémA mitologia de uma Clarice misteriosa, quase sobrenatural, tirou substância da mescla entre a opacidade de seu texto literário e a imagem insólita, marcada por traços eslavos e voz de erres acentuados.

Em seu humor típico, Otto Lara Re-zende avisou a uma escritora canadense em visita ao Brasil para ter cuidado. “Não se trata de literatura, mas de bruxaria”, alertou. Se ela usasse chapéu pontudo e voasse numa vassoura ninguém duvida-ria que fosse mesmo bruxa.

Nem foi preciso recorrer a esses apetrechos quando a imprensa sedenta de bizarrices anunciou a participação da autora no Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, realizado na Colômbia em agosto de 1975.

Para decepção geral da nação, Cla-rice avisou na primeira frase ter pouco a dizer sobre magia. Pediu que a plateia escutasse a leitura, em inglês, de seu conto O ovo e a galinha. De volta ao Bra-sil, resumiu: “Acho que o público, muito heterogêneo, teria ficado mais contente se eu tivesse tirado um coelho da carto-la. Ou se caísse em transe”.

a vozLogo no primeiro romance publicado, no início dos anos 1940, os críticos reconhe-ceram na escrita da autora uma estranha voz, uma atmosfera estrangeira da lin-guagem que distinguia seu texto de tudo o que havia sido publicado até então na literatura brasileira.

Na pessoa dela, essa distinção soava exótica, devido ao sotaque marcado por erres guturais, característica comum aos filhos de imigrantes judeus no Brasil.

Ela chegou a buscar solução com um amigo fonoaudiólogo, mas depois de um tempo o médico soube que a pronúncia ia e vinha. Deixaram para lá depois que ela assumiu que era um recurso pessoal, um detalhe do qual ela preferiu não se desfazer.

a carenteNem era preciso a perspicácia profissio-nal dos psicanalistas para observar em Clarice um “enorme déficit materno e paterno”. As pessoas que se tornaram próximas logo descobriam como ela também podia se tornar um poço sem fundo de carências.

Como era insone, dormia cedo, mas acordava de madrugada e dava longos telefonemas em busca de alívio para suas tensões e angústias.

Esse detalhe da personalidade, con-tudo, não a impedia de ser generosa e atenciosa ou até de se devotar a relações maternais, como a que estabeleceu com Andréa, uma garota de 9 anos que ela adotou como filha espiritual.

Mas o tipo de demanda afetiva de Clarice se explicita na resposta que deu a Ziraldo numa entrevista, quando ele lhe perguntou “o que é um amigo?”.

“Uma pessoa que me veja como eu sou. Que não me mistifique. Que me per-mita ser humilde.”

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Telma Sobolh pergunta:

Como a arte aproxima as Classes soCiais?

Gilvan Samico responde: A arte melhora o homem. Desde que você se dedique

com persistência, a arte pode transmitir uma mensagem de paz e de amor para as pessoas – e essa distância entre

classes naturalmente diminui. Simples assim.

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“Mestre de si mesmo e discípulo de ninguém.” Assim Ariano Suassuna define o amigo Gilvan Samico. Um dos maiores gravuristas vivos, o retraído pernambucano ganha aos 83 anos o primeiro livro dedicado a sua vida e obra singulares

Por Ronaldo Bressane, de Olinda fotoS Lia Lubambo

oEnigma Samico

Samico com a matriz da gravura fruta-flor

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Personnalité

Cada matriz multiplica-se em 120 exemplares, mais as 12 cópias do artista. O processo demora um ano, ou vários anos: o próprio Samico imprime exemplar por exemplar, nem todos de uma vez. Samico, que detesta a palavra “cópia”, diz que todo exemplar é único, tal como único é o preço para todas as obras – vendidas por ele mesmo: o artista é avesso a marchands ou galerias. Assim tem vivido – “e muito bem” – nos últimos 40 anos.

Em sua impressionante sala, ornada com dezenas de obras suas, incluindo as raras pinturas, Samico conta que mora nesta casa desde 1965; no século 17, o sobrado de três andares teria sido erguido por João Fernandes Vieira, herói da Restauração Pernambucana que expulsou os holandeses – segundo o gravador, “um herói sem nenhum caráter”. Começou a gostar de desenho aos 17 anos, quando achou um caderno com ilustrações de estrelas de Hollywood e teve o súbito desejo de copiar aquilo tudo. Mais tarde, ao vencer um prêmio no XVI Salão do Museu do Estado de Pernambuco, foi a São Paulo estudar com o gravador paulista Lívio Abramo; na fila de pegar o ita (embarcação que fazia a rota Nordeste-Sudeste), conheceu um de seus raros pares, Francisco Brennand – homem tão esquivo e de obra tão exclusiva quanto Samico. Brennand lhe deu dicas preciosas, que lhe possibilitaram mais tarde viver sete anos no Rio de Janeiro, onde trabalhou no escritório de Aluísio Magalhães,

s amico levanta um martelo e requisita meu smartphone: “Me dê essa desgraça, homem, me dê, por favor, vou

acabar com seu sofrimento!”, ordena. E solta uma gargalhada profunda: era a enésima vez que o aparelho desligava sozinho, interrompendo nossa conversa nele gravada. O smart Samico não tem sequer e-mail, detesta computador e só fala ao telefone amarrado. “Sou arcaico”, orgulha-se. Quando a Revista Personnalité bateu à sua porta – um sobrado de 300 anos vizinho ao mosteiro de São Bento, em Olinda, Pernambuco –, esperava encontrar um ermitão. Relatava-se que o lendário gravador é muito tímido, não gosta de dar entrevistas e mal fala com a própria mulher. Quase tudo verdade, como o leitor saberá à frente. Porém, talvez mais à vontade pelo fato de conhecer a fotógrafa Lia Lubambo desde “pirraia”, como dizem em pernambuquês, Samico abriu-se. A começar pela oficina em seu quintal, onde plaina e lixa as madeiras que usará em suas obras – ora reunidas, pela primeira vez em seus 83 anos e 60 de carreira, na classuda edição Samico (editora Bem-Te-Vi). O livro será lançado junto com o vernissage da exposição na galeria Estação, em São Paulo, dia 30 de maio.

“Está vendo essa madeira? É amarelo-cetim. Quase todas as matrizes são nela”, descreve, enquanto abotoa a camisa branca. Ele veste bermuda em tecido cru – e crocs cinzentos. “Pequiá-marfim eu também usava, só que entrou em extinção, só achei esse resto aqui num armazém, com prego e rachadura. Elas vêm da Amazônia. Só que agora o amarelo-cetim também entrou em extinção... Menina, vai cair daí!”, adverte a fotógrafa Lia, equilibrada num pé só sobre um degrau. “Rapaz... é muita muriçoca, né? Desculpe”, diz, estapeando-se, à caça dos terríveis mosquitinhos dos vastos quintais de Olinda.

Gilvan Samico passa uma imagem de extremo vigor, lucidez e esperteza aguda. Ele se orgulha de demonstrar: detém o controle total de sua produção. O processo passa pela invenção de enormes máquinas de impressão e dos próprios instrumentos (como uma goiva que não deixa que o fio da madeira enrole e encubra o desenho enquanto a superfície da placa é cortada) até a mistura da tinta (com pouco óleo, para aderir foscamente ao papel). Vai também da escolha e limpeza da madeira, passando pela ilustração – uma gravura pode resultar de cem desenhos diferentes, e cada desenho leva uns 20 dias –, à lenta aplicação das goivas e dos buris aos veios da peça; segue-se o tingimento de áreas da matriz, e, afinal, a gravação sobre uma folha de papel japonês de inalteráveis 1 metro por 60 centímetros.

o processo de criação de uma gravura

demora um ano. cada

matriz multiplica-se

em 120 exemplares

na página ao lado, fruta-flor, 1998

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Personnalité GilVan saMiCo

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um dos maiores designers gráficos brasileiros. No Rio, fez amizade com os mestres gravadores Osvaldo Goeldi e Iberê Camargo. Afastava, no entanto, a identificação de sua arte com a política; ao contrário de colegas que combatiam a ditadura e propunham uma arte participativa, preferiu uma “arte atemporal” – até hoje, define-se como “apolítico”.

hiStóriaS bíblicaS E lEndaS indígEnaS

Mas foi um encontro com Ariano Suassuna (leia box ao lado com depoimento) que determinou o norte de sua obra. Procurado por Samico, o paraibano, autor de O auto da Compadecida, já estabelecido como um dos grandes do teatro nacional, sugeriu ao gravador que explorasse o universo da xilogravura sertaneja. “Foi um coice de mula!”, ele diz, que culminou com sua entrada no Movimento Armorial – de que também participaram o artista plástico Brennand, o escritor Raimundo Carrero e o Quinteto Armorial. A iniciativa de Suassuna previa um tratamento erudito e altamente estetizante da cultura popular nordestina – em especial a literatura de cordel ao lado de histórias bíblicas e lendas indígenas. Em 1965, já estabelecido em Olinda e casado com a dançarina Célida, filhos Marcelo e Luciana a tiracolo, faturou mais prêmios e rumou para a Espanha, onde passou alguns anos tristes; com banzo de Pernambuco e descontente com o expressionismo onipresente no

cenário da gravura, não fez uma única peça. Mas a temporada rendeu amizades com artistas catalães e com o conterrâneo João Cabral de Melo Neto – o poeta era cônsul em Barcelona. “Tomamos um porre histórico, uma vez. Mas nossa conversa era complicada... o camarada João, como eu, não era muito de falar”, lembra.

Nos anos 1970, a arte de Samico foi responsável por “dar a cara” ao Movimento Armorial na medida em que tornava sua arte cada vez mais direta e misteriosa. Já em 1966, com O banho de Suzana (baseado no primeiro conto de detetive da história, narrado no Livro de Daniel), Samico dinamita perspectiva, volume e profundidade. Passa a aplicar figuras em um único plano, à maneira egípcia, ao mesmo tempo em que introduz espelhismos, duplos e signos religiosos e pagãos que se tornaram sua marca. Reduz cenas e personagens ao contorno, elimina detalhes, busca a síntese, refuta qualquer naturalismo ou referência local. Muitos símbolos são recorrentes à obsessão: pássaros, ondas, flechas, barcos, círculos, estrelas de Lampião, dragões, leões, árvores, peixes, bois, luas, flores – e serpentes. “Uma vez colocaram o Roberto Carlos num hotel aqui”, conta Samico, “e quando ele viu uma obra minha no quarto mandou tirar. O homem tem medo de cobra!”, gargalha. O Rei pode não gostar, mas Samico adquiriu status internacional: foi convidado para duas Bienais de Veneza e tem obras no acervo do MoMA de Nova York.

As interpretações para as obras de Samico são inúmeras – quase sempre insuficientes. “As soluções plásticas fornecem as metáforas mais diversas”, escreve o crítico Weydson Barros Leal, autor do livro sobre Samico. “As figuras, inexplicáveis à luz da lógica, fazem com que perdamos o contato com toda fabulação conhecida de onde a ideia possa ter partido, e chegamos a uma mitologia muito particular.” Embora exista indicação de drama ou narrativa – motivada pelas severas divisões do retângulo –, não há tempo ou espaço evidentes. Talvez pela ameaçadora presença do preto e dos contrastes violentos entre esparsas áreas coloridas, esses estranhos diagramas, mapas e calendários estão longe de ser decorativos: habita esses espaços e personagens uma imóvel perturbação.

Para o crítico Jacob Klintowitz, Samico é um inventor de mitos. “O artista vai ao inconsciente coletivo, onde navegam os arquétipos, e, ali, pesca imagens imantadas de complexas significações, que reelabora a partir de suas referências particulares”, afirma. O crítico e artista Frederico Morais analisa: “Samico faz uma operação de limpeza do espaço gráfico, simultaneamente à introdução de um tempo fora do tempo. A figura humana é um logotipo, a natureza é reduzida à estrutura. É um mundo lavado, que encaramos como que pela primeira vez”. Para Morais, a extrema economia criativa, que faz com que Samico só produza uma obra por ano, indica a vontade de realizar uma gravura impecável.

_ “Mestre de si mesmo e discípulo de ninguém”Por ariano Suassuna

"a obra de samico foi decisiva para o estabelecimento da

poética do movimento armorial. ele me procurou no início da

década de 1960, com a cortesia e a humildade que sempre

o caracterizavam, pedindo-me uma orientação. eu lhe disse

para mergulhar no universo mágico do romanceiro popular

nordestino. ao longo dos anos seguintes, samico sempre

referiu-se a esse encontro demonstrando a generosidade de

seu caráter e a ausência de vaidade. Foi dali, de um simples

conselho, que ele partiu em sua viagem iniciática – mas já tinha

vários requisitos: a força para desaprender as cosmovisões

alheias, que nos são impostas pela massificação cultural; o tino

para distinguir as vozes ilegítimas de sua família espiritual; a fé

em si mesmo, para desbravar, muitas vezes a golpes de facão, a

vegetação cerrada e espinhenta que surgia à sua frente, abrindo

as próprias veredas no território áspero e tirano da beleza; a

tenacidade para perseverar em seu caminho, mesmo quando

os arautos de uma pseudovanguarda o julgavam anacrônico

e arcaico. É um raro caso de um artista superior, mestre de si

mesmo e discípulo de ninguém."

acima, detalhes do entalhe e da impressão da matriz da gravura

fruta-flor; mãos de samico entalhando a madeira com suas goivas

(a gravura fruta-flor está na pág. 71)

acima, samico mostra um desenho para seu

projeto atual, a agonia de ícaro

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na página ao lado, criação – o sol, a lua, as estrelas (2011); nesta

página, de cima para baixo, a criação das sereias (2002) e Via-láctea

– constelação da serpente (2005)

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Personnalité GilVan saMiCo

“Na técnica, tudo é transparente: não há truques, macetes”, diz. Morais aponta que, ao dividir a gravura em “compartimentos”, onde figuram guerreiros, mulheres, pássaros, serpentes, bandeiras, cometas e rios, o artista os “prende”, como se em tempos congelados e interconectados. “Trata-se de um autor de uma obra de extrema qualidade, de características muito singulares. Um dos mais importantes artistas brasileiros da segunda metade do século 20”, resume Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca de São Paulo. “Samico trabalha com um imaginário extremamente sofisticado, mistura signos de várias culturas. É um equívoco relacionar seu trabalho somente ao cordel, que é apenas uma de suas fontes.”

Tudo muito bonito, só que Samico recusa explicações. Religioso? É cético. Transe? Nada, só existe muito trabalho. Psicanálise? Jamais. “Tenho aí um livro de Jung – mas sou um homem de ação; ler me dá vontade de dormir!” Mostra um desenho em que está trabalhando. “Esse projeto se chama A agonia de Ícaro. Houve uma exposição no Rio da obra de Tom Jobim e fui convidado a fazer uma pintura em cima de uma das composições dele, O boto. O quadro foi vendido, mas a ideia ficou: por que não fazer uma gravura sobre isso? Aí, de vez em quando vêm... vêm umas coisas que a gente não sabe. Por que é que de repente me deu vontade de botar um Ícaro aí? De repente não me interessava mais falar em boto e sereia, e sim no deslumbramento de Ícaro. Aí vou apagando, colocando... nunca parto de um esquema definido”, explica.

E por que repetir os elementos? “Às vezes me pergunto: me repito? Mas isso é parte de minha caligrafia – a lua, a serpente, o pássaro, a estrela. Tenho que me virar com os mesmos

elementos. Sou só um encantador de serpentes, e cada dia fica mais difícil domesticá-las”, afirma Samico – que acredita ainda não ter chegado à obra-prima. “Quero morrer trabalhando nas minhas doidices”, desafia. Perguntado sobre se acredita em Deus e na vida após a morte, galhofa: “Você está forçando a barra com essas perguntas!”, ri e nos convida para um café.

Enquanto negocia pelo telefone com uma galerista de São Paulo, Samico explica os motivos da súbita loquacidade. “Uma vez o Rubem Braga veio aqui fazer uma entrevista para a TV, e de repente eu não conseguia responder suas perguntas. Como ele também era ruim de conversa, ficamos os dois nos encarando em silêncio. Acho que foi daí que veio essa fama”, conta. A mulher, Célida, voltando da aula de ioga e dança criativa – aos 82, é a mais longeva professora em Pernambuco – confessa que, 20 anos atrás, ele mal falava com ela. “E casal lá precisa falar?”, ri. Enfim, Samico indica: a culpa é do rádio. Das sessões de radioterapia que fez ano passado, para curar um câncer na bexiga. “Depois do tratamento, acho que fiquei radioativo!”, brinca.

Por conta da saúde fragilizada e da obsessão com Ícaro, o artista sai pouco, ao contrário de tempos atrás, quando descia as vielas de Olinda sem hora para voltar. E bebe, ainda? “É um convite? Você bebe

o quê?”, levanta-se, indo buscar um vinho chileno. E mais uma garrafa viria. E mais causos, mais lendas por trás das obras. À despedida, ao som dos sinos do mosteiro de São Bento, saímos certos de que, mesmo loquaz, Samico falou, nos enrolou e não revelou nada: mas deixou gravado na memória, com humor, seu mistério fora do tempo.

acima, a árVore da Vida e o infinito azul (2006); na página ao

lado, samico entre algumas de suas obras, à sua direita:

criação – o sol, a lua, as estrelas (2011)

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SAFRA RENOVADA

Por Adriana Setti, de Barcelona

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L a Rioja e Ribera del Duero, duas das principais regiões vitivinicultoras

do norte da Espanha, consolidaram uma tendência que atrai cada vez mais turistas para a região: o casamento en-tre enologia e design de vanguarda. Ter-reno tão fértil para as uvas tempranillo quanto para a criatividade dos maiores nomes da arquitetura contemporânea, as áreas colecionam obras de sir Nor-man Foster, Zaha Hadid, Philippe Ma-zières, Frank O. Gehry, Santiago Cala-trava, Richard Roger, entre outros. Um time de craques que soma quatro prê-mios Pritzker, o Oscar das pranchetas.

Em La Rioja, a febre arquitetônica adquiriu caráter epidêmico depois que o arquiteto valenciano Santiago Calatrava materializou uma das mais revolucionárias vinícolas da Espanha. Concebida com um custo aproximado de 15 milhões de euros, a Ysios emerge dos vinhedos que cercam o vilarejo de Laguardia. A bodega faz um dueto improvável com o centro antigo da ci-dade murada, enquanto o desenho do teto da vinícola joga com o contorno da Sierra Cantabria. “Calatrava trans-formou um edifício funcional em uma imagem inesquecível: uma onda feita de madeira e alumínio que mimetiza a serra e simboliza o processo de trans-formação da uva em vinho”, escreveu o britânico Michael Webb em seu livro Adventurous Winery Architecture (algo como “Aventuras em Arquitetura de Vinícolas”, editora Images Publishing, sem tradução ao português).

Formada por ruelas delimitadas por casas de pedras e 625 habitantes, a cidade de Gumiel de Izál, na província de Bur-gos, a 170 quilômetros ao norte da Espa-nha, também passou por uma revolução em sua rotina devagar quase parando.

O circuito de enoturismo na Espanha investe em arquitetos renomados para revitalizar suas marcas. “O país é o centro de inovação em design de vinícolas”, diz o especialista britânico Peter Richards

a vinícola de ysios, em laguardia, leva a assinatura do arquiteto

santiago calatrava e teve o custo aproximado de 15 milhões de euros

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assinatura do britânico Richard Rogers, autor do Centre Pompidou de Paris e ganhador do Pritzker de 2007. Com um orçamento de 36 milhões de euros, a estrutura em forma triangular é co-berta por placas de madeira laminada, apoiadas sobre arcos parabólicos que formam cinco abóbadas entrelaçadas. O edifício funciona como um ornamento high-tech para uma colina coroada com um castelo medieval. O resultado é um show de contraste entre o antigo e o contemporâneo, ao qual os habitantes da Espanha profunda estão cada vez mais habituados.

No entanto, o empreendimento pioneiro na região de Ribera del Duero é a vinícola Hacienda Monasterio, que, no início dos anos 1990, saiu na dian-

teira contratando o francês Philippe Mazières para desenhar uma nova sede na localidade de Pesquera del Duero (também em Ribera del Duero). Notório por ter dado forma a vinícolas como a Château Margaux, da região francesa de Bordeaux, o arquiteto rompeu com os traços clássicos que o alçaram ao pedes-tal e elaborou um edifício modernista, arejado, com enormes painéis de vidro, num esforço de integrá-lo ao máximo à paisagem local. Estava inaugurada uma nova era. Em 2004, Mazières repetiria a dose com a vinícola Viña Real, uma co-lossal tina de madeira e aço que repousa sobre uma colina nos arredores de La-guardia, em La Rioja. “Ainda que outras regiões produtoras, como Napa Valley, na Califórnia, e Bordeaux, na França,

O diferencial por essas bandas de ar pro-vinciano são as novas instalações da vi-nícola Portia: uma estrutura futurista em forma de flor, moldada em aço, concreto, madeira e vidro. Obra de 25 milhões de euros em uma área de 11.300 metros quadrados, a bodega leva a assinatura do arquiteto britânico sir Norman Foster, autor de projetos globalmente célebres, como o aeroporto de Pequim. A emprei-tada representa a estreia de Foster no mundo do vinho.

Na vinícola Portia, os materiais utilizados estão diretamente relacio-nados ao processo de produção: o aço dos depósitos, a madeira dos barris, o vidro das garrafas. Para mergulhar nesse mundo até então desconhecido, a equipe de Foster participou de duas

colheitas de uvas e acompanhou de perto as etapas de produção, da fer-mentação à armazenagem. “Foi nossa primeira vinícola, então não tínhamos nenhuma pré-concepção de como deve-ria funcionar”, conta sir Norman Foster para Revista Personnalité. “Tivemos uma oportunidade de começar do zero, tendo o vinho e as paisagens de Ribera del Duero como pontos de partida, o que nos levou a apostar em materiais vinculados às tradições regionais, além de incorporar espaços públicos abertos para a paisagem, que servissem para aprimorar a experiência dos visitantes.”

Antes de Foster conceber a obra em Ribera del Duero, a região já era fa-mosa graças à nova sede da Protos, em Peñafiel. Concluído em 2008, ele leva a

em gumiel de izál, sir norman Foster criou uma estrutura em

Forma de Flor, moldada em aço, concreto, madeira e vidro, na

vinícola portia: obra estimada em 25 milhões de euros

na Foto menor, a vinícola viña real, em laguardia, obra do

arquiteto philippe mazières. acima, a vinícola protos, de

richard rogers, em peñaFiel

a equipe de norman

Foster participou

da colheita da uva

para criar a obra de

portia

estejam experimentando novas for-mas de arquitetura, a Espanha é, sem dúvidas, o ponto-chave do boom de inovação em design de vinícolas”, comenta o britânico Peter Richards, crítico de vinhos, apresentador do programa Saturday Kitchen, do ca-nal BBC, e autor do livro Wineries with Style (“Vinícolas com Estilo”, editora Mitchell Beazley, sem tra-dução no Brasil), em que analisou o

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Ainda que a crise econômica mun-dial de 2008 (cujas consequências para a economia espanhola foram e ainda es-tão sendo fortíssimas) tenha diminuído o ritmo da revolução do design das viní-colas espanholas, novidades devem ser anunciadas em breve. Marca catalã co-nhecida por seus cavas, a Freixenet tem em mãos o projeto de uma nova vinícola na cobiçada Laguardia, à espera de um momento econômico mais favorável. O autor é o revolucionário arquiteto japo-nês Toyo Ito. A julgar por sua sede de inovação – a torre do hotel Porta Fira em Barcelona, de sua autoria, arrebatou o importante prêmio Emporis como o mais impressionante e funcional arra-nha-céu do mundo –, o melhor pode estar por vir.

aspecto de 13 bodegas espanholas. “Um edifício vanguardista tem potencial para atrair mais visitantes, criar uma imagem moderna para a marca e deixar um legado para o futuro, além de, even-tualmente, incrementar as vendas de vinho”, completa.

TOquE FEmiNiNO

Após o furor causado por Calatrava, La Rioja voltaria a balançar em 2006, sob a batuta de Marqués de Riscal, que desembolsou 60 milhões de euros na remodelação de sua comissão de frente. Anexo à vinícola, na pacata Elciego (a 5 quilômetros de Laguardia), o canadense Frank O. Gehry – prêmio Pritzker em 1989 – desenhou um hotel adornado por uma gigantesca escultura de placas curvilíneas de titânio que faz lembrar o Guggenheim de Bilbao, sua obra-prima espanhola. Em tons lilás, rosado e dou-rado, as ondas representam as três varia-ções do vinho produzido in loco: tinto, rosé e branco. O hotel-butique Marqués de Riscal The Luxury Collection integra um complexo denominado Cidade do

Vinho, que também inclui um spa de vinoterapia da marca francesa Caudalíe e um restaurante comandado pelo chef Francis Paniego, que acaba de ganhar a sua primeira estrela no Guia Michelin.

Pouco tempo depois da abertura do hotel concebido por Frank O. Gehry, os milhares de visitantes atraídos pelo complexo da Marqués de Riscal ganha-ram mais uma atração para incluir no roteiro: o visual repaginado da vinícola Lopez de Heredia Viña Tondonia, em Haro, a 35 quilômetros de Elciego. Com a reforma, a bodega ganhou uma buti-que em forma de decantador desenhada pela iraniana Zaha Hadid. Com a leveza e o efeito “líquido” tão característico da arquiteta, a nova estrutura serve de em-balagem para um antigo stand moder-nista de madeira utilizado pela marca na exposição universal de 1910, em Bru-xelas. Radicada em Londres, a genial Hadid foi a primeira mulher a receber o prêmio Pritzker, em 2004, e figura como um dos nomes mais celebrados da atualidade por obras arrebatadoras como a ópera de Guangzhou, na China.

FranK o. gehry usou lilás, rosa e dourado

para lembrar

os vinhos tinto, rosé e branco

a butique da vinícola lopes de heredia vinã tondonia, desenhada

pela arquiteta zaha hadid, tem Formato de um decantador

no alto, o hotel da vinícola marqués de riscal,

assinado pelo arquiteto canadense FranK o. gehry

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Por Mario Gioia

Para onde vai a jovem produção de arte contemporânea brasileira? Os curadores da mostra Rumos Artes Visuais apontam caminhos ao selecionar para a Revista Personnalité um artista de cada região do país

O nOrte da arte nO Brasil

notas públicas, da série “lembretes”

(2011): obra da paraibana iris helena

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A missão não é nada simples: mape-ar o que existe de mais original e

significativo na produção de arte con-temporânea brasileira. Se fosse em um país pequeno, a tarefa já seria complexa, mas, em se tratando de Brasil, o traba-lho ganha uma proporção continental.

Esse foi o desafio da equipe do Rumos Artes Visuais 2011-2013. A mostra inau-gural, com a participação de 45 artistas, se estende até abril no Itaú Cultural, em São Paulo. O tom geral da exposi-ção é o risco. Obras experimentais, a maioria realizada por artistas pouco

conhecidos no circuito e originários das várias regiões do país, compõem o recorte pouco conformado que está em cartaz na instituição paulistana.

O processo foi comandado por Ag-naldo Farias, que assinou a curadoria da 29ª Bienal de São Paulo.

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nOrdeste: iris Helena, ParaíBa

A paraibana Iris Helena, que já ganhou um prêmio de menção honrosa no projeto Energias na Arte (2010), abre o espaço do Itaú Cultural, logo ao lado do painel em que é explicado o projeto Rumos Artes Visuais. Notas públicas se destaca pela sua materialidade trivial: lembretes do tipo post-it. Neles, é impressa uma imagem digital, típica da agitação dos grandes centros. “A parte mais importante do meu processo está na observação da cidade, no registro das suas transformações. O que vem a seguir são associações muito simples, que procuro fazer entre o que foi registrado e o suporte em que este material será depositado, para potencializar a minha visão da malha urbana”, diz ela.

“você não sabe o

quanto sonhei em participar do rumos”, diz berna

reale

no alto, o homem (2012) e a mulher (2011),

de berna reale (na foto menor)

nOrte: Berna reale, Pará

Berna Reale é um bom exemplo de artista com produção instigante, não conhecida no eixo Rio-São Paulo e cuja inclusão num projeto como o Rumos Artes Visuais pode efetivamente ser muito útil na trajetória. A performance Quando to-dos calam, que tem registro fotográfico apresentado no último subsolo do espaço expositivo da mostra, traz a artista nua, com carne crua exposta em seu corpo, na frente do mercado Ver-o-Peso, em Belém, rodeada de urubus. A força da performance dialoga com a série fotográ-fica na qual Berna ironiza alguns clichês e ícones de identidade nacional.

“Você não imagina o quanto sonhei com isso, o Rumos. Inscrevi-me em três edições, incluindo esta. Iria mesmo de-sistir se eu não entrasse, pois sei que meu

trabalho não é o que buscam de artistas da região Norte. Não tenho um trabalho voltado para questões locais ou regio-nais”, conta a artista paraense. “O projeto, por meio de seus seminários, diálogos, acompanhamentos, dá ao artista uma oportunidade de crescimento profis-sional. No meu caso, houve a preciosa e decisiva curadoria do Paulo Miyada. Ele foi preciso quando devia ser e silencioso quando a decisão tinha de ser tomada por mim. Então, esse trabalho é resultado de um processo conjunto.”

sudeste: JOãO CastilHO, Minas Gerais

Se Berna foi uma descoberta, a pro-dução do mineiro João Castilho já é mais conhecida: ele já recebeu prêmios como o Marc Ferrez (2010) e o Conra-do Wessel (2008), dois dos principais

morte súbita (2012): cena da videoinstalação

do artista mineiro João castilho

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Os assistentes de Agnaldo ganharam a denominação de curadores-viajantes e tiveram contato direto com os artistas em seus ateliês. A experiência dessa jor-nada foi relatada no catálogo do projeto. “Se pensarmos que a exposição só tem 45 artistas, temos de levar em conta que todo o processo de mapeamento, com o contato com os artistas em numerosos locais e espaços, é mais importante do que a mostra em si”, afirma Luiza Pro-ença, uma das curadoras-viajantes.

O trabalho de seleção revelou-se ár-duo. Foram recebidas 1.770 inscrições, a grande maioria da região Sudeste, 1.095 (62% do total). Entre os esco-lhidos, o Rio de Janeiro foi o estado que mais teve participantes: 11 nomes. São Paulo veio logo atrás, com oito

artistas, seguido pelo Rio Grande do Sul, com sete. A itinerância do Rumos leva o evento para outras capitais em 2012, ainda a serem definidas. A última exibição será no ano que vem, no Paço Imperial, Rio de Janeiro.

Para Ana Maria Maia, uma das as-sistentes de Agnaldo Farias, o Rumos Artes Visuais tem mais fôlego que mapeamentos semelhantes, mas não se pautou por estabelecer um con-ceito que norteia toda a diversidade presente nos mais de cem trabalhos apresentados na exposição. “Seria mui-to pretensioso de nossa parte tentar traçar uma linha comum a obras tão distintas.” A Revista Personnalité con-versou com um representante de cada uma das cinco regiões do Brasil.

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88 89 na página ao lado, a última aventura (2011), da gaúcha romy

pocztaruk; acima, obra sem título (2011), do brasiliense virgílio neto

morando fora de São Paulo, pra mim é fundamental participar.”

sul: rOMy POCztaruk,

riO Grande dO sul

A viagem foi a mola mestra da obra foto-gráfica da gaúcha Romy Pocztaruk exi-bida na mostra. “Desde 2010, já trabalho com lugares abandonados, que chamo de ruínas urbanas. A última aventura foi um trabalho desenvolvido especificamente para o Rumos. O projeto previa uma viagem por alguns trechos da estrada Transamazônica. A ideia inicial era pro-duzir fotografias relacionadas a cenas de conquista, como a primeira vez que o homem pisou na Lua”, conta a artista. “Mas, durante a viagem, a proposta se transformou. Me deparei com lugares, como Fordlândia, e pessoas que não es-perava encontrar e conhecer. Achei então

em fotografia no Brasil. Neste caso, o interessante é o artista exibir projetos que dificilmente seriam absorvidos pelo mercado, como em Morte súbita, videoinstalação de forte teor político e que recolhe situações de violência exibi-das na internet. “Se quase tudo em meu trabalho é meio trágico e violento, não o é de imediato. Tudo se dá num jogo de mostrar e ocultar. Em Morte súbita, isso aparece também. A instalação não tem começo e fim, mas tem três momentos. Um seria o momento que precede o tiro, com a câmera muito lenta e a situação se revelando. Outro seria o momento depois do tiro, com a câmera voltando à velocidade normal. E o outro é a imer-são dos vídeos em cores pertencentes a eles mesmos, que é uma pausa, uma morte, uma ocultação”, explica o artista, representado pelas galerias Zipper, em São Paulo, e Celma Albuquerque, em Belo Horizonte. “O Rumos é um dos mais importantes programas de artes visuais para jovens artistas. Num cená-rio tão competitivo, como o que vem se tornando o circuito de artes plásticas, e

que lidar com esses encontros inespera-dos seria bem mais interessante para a produção do trabalho.”

CentrO-Oeste: VirGíliO netO, Brasília

O brasiliense Virgílio Neto tem no desenho o seu principal vetor poético. “Envolve registro, memória e apropriação de imagem. Os desenhos do Rumos são feitos a partir de um acervo imagético que tenho acumulado nos últimos anos: imagens de livros, internet, desenhos de ilustração, obras de outros artistas. Com essas imagens, vou recriando um mapa-paisagem repleto de novas narrativas e ressignificações daquelas imagens”, diz ele sobre a obra.

Rumos Artes Visuais 2011-2013

Itaú Cultural: Av. Paulista, 149. Até 22 de abril.

_ Produção contemporânea ganha espaço na SP Arte

Se o rumos Artes Visuais carrega o tom de

risco, a SP Arte cada vez mais se sedimen-

ta como uma vitrine essencial para a pro-

dução de arte contemporânea no país, que

ainda vive um momento de grande visibili-

dade também no âmbito internacional.

Para a diretora da feira, Fernanda

Feitosa, a SP Arte está virando um evento

cultural que transcende a ideia de algo

ligado apenas às transações comerciais do

meio. “A SP Arte em 2012 alcança maturi-

dade como evento cultural. Não se trata só

de uma feira comercial. Acho que ela está

se aproximando de um festival de arte, em

que um conjunto abrangente de agentes

e atividades que dizem respeito ao fazer e

pensar artístico se reúne”, afirma Fernan-

da. Tal crescimento cultural da feira inclui a

presença de um núcleo editorial, formado

de publicações do Brasil e internacionais.

outra novidade é o LabCuratorial, proje-

to que irá dispor quatro propostas curatoriais

no edifício. A seleção fica a cargo de Adriano

Pedrosa, que assinou a mais recente edição

da Bienal de Istambul, e rodrigo Moura, um

dos curadores do Instituto Inhotim, um dos

principais centros de arte contemporânea do

Brasil, em Brumadinho (MG).

Quase 20% da feira terá seu espaço

reservado a galerias do exterior. Entre elas,

a celebrada White Cube, do reino Unido,

em sua primeira incursão nacional. outras

galerias importantes confirmaram presença,

como as espanholas La Fabrica e Fernando

Pradilla e a portuguesa Filomena Soares.

“o momento vivido pela arte brasileira é

muito bom, de sobriedade e consolidação.

Acredito realmente que a feira seja parte

importante desse processo que estamos

vivenciando e responsável pelo engrande-

cimento da arte brasileira. o que estamos

fazendo aqui está ecoando no exterior, pela

qualidade e profissionalismo da arte produ-

zida mostrada aqui”, comenta Fernada.

SP Arte: Pavilhão da Bienal. Parque do Ibira-

puera. De 10 a 13 de maio.

“o rumos é um dos mais importantes programas

de artes visuais para

Jovens artistas”, diz João castilho

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primeira pessoa | didi wagner

A escultura da série “Escada”, do artista baiano (de alma mineira) José Bento, dá forma às palavras da apresentadora Didi Wagner

_ Caminho Certo

“Esta obra, que dei de presente de aniversário para o meu marido, é emblemática, pois traz um conceito de família que explica muito do meu jeito de ser: a ideia de estarmos juntos, em qualquer situação. Em 2009, o Fred [Wagner] precisava tomar decisões importantes e a tensão era máxima! Procurei uma maneira de mostrar que, independente da escolha, eu estaria ao lado dele. A escada diz exatamente isso: ‘Não importa para qual lado a gente for, subindo ou descendo, estaremos juntos’.”

Por Rosane Queiroz

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foto de claudio edinger em lençóis,

no sertão da bahia (2005)