RIOS URBANOS, MICROBACIAS E SUAS GENTES - Juliana da ...

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[Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 22381627, Ano V, No 9, fevereiro de 2015 [ RIOS URBANOS, MICROBACIAS E SUAS GENTES 1 Juliana da Rocha Silva 2 [email protected] Selene Herculano 3 [email protected]r Eu queria o rio como minha vó conta que era, bem limpo, para eu poder nadar.” Diego, 11 anos “A degradação ambiental é um processo social correlacionado com a desigualdade”. Mauro LEONEL, 1998 Apresentação: Este texto resultou de uma pesquisa na modalidade Bolsa de Desenvolvimento Acadêmico (2013-2014), que buscou inicialmente traçar a história social de algumas das microbacias urbanas e periurbanas da microregião de Niterói e São Gonçalo, sua ocupação e intervenções técnicas realizadas, debatendo com a população residente e com representantes da gestão pública propostas de renaturalização, seus impasses e desafios. A proposta integral da pesquisa previa três etapas: (1) estudo da literatura sobre rios urbanos, usos e a população em torno; (2) levantamento histórico de intervenções passadas de engenharia e de gestão sobre rios urbanos e microbacias em organismos públicos de engenharia, prefeitura, centro histórico e outros; (3) entrevistas com a comunidade local, gestores públicos e ambientalistas, a fim de obter conhecimento da realidade, das expectativas e das propostas em relação aos seus rios. Neste artigo mostramos alguns resultados da pesquisa documental, projetos e mapas e das entrevistas realizadas com residentes sobre sua percepção e vivência dos rios de sua ambiência, tendo como foco a região da microbacia do Rio Alcântara, na área de influência da cidade de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Com o adensamento urbano nas margens das microbacias em geral, as águas fluviais passaram a receber esgotos, matas ciliares e manguezais foram devastados e áreas de 1 Trabalho final para o PIBIC, Universidade Federal Fluminense, 201314. 2 Graduanda do curso de Ciência Ambiental da UFF 3 Docente da UFF – www.professores.uff.br/seleneherculano e Coordenadora do LACTA - Laboratório de Estudos de Cidadania, Territorialidade e Ambiente – www.uff.br/lacta

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[ RIOS URBANOS, MICROBACIAS E SUAS GENTES1

Juliana da Rocha Silva2 [email protected]

Selene Herculano3 [email protected]

Eu queria o rio como minha vó conta que era, bem limpo, para eu poder nadar.” Diego, 11 anos

“A degradação ambiental é um processo social correlacionado com a desigualdade”. Mauro LEONEL, 1998

Apresentação: Este texto resultou de uma pesquisa na modalidade Bolsa de Desenvolvimento Acadêmico (2013-2014), que buscou inicialmente traçar a história social de algumas das microbacias urbanas e periurbanas da microregião de Niterói e São Gonçalo, sua ocupação e intervenções técnicas realizadas, debatendo com a população residente e com representantes da gestão pública propostas de renaturalização, seus impasses e desafios. A proposta integral da pesquisa previa três etapas: (1) estudo da literatura sobre rios urbanos, usos e a população em torno; (2) levantamento histórico de intervenções passadas de engenharia e de gestão sobre rios urbanos e microbacias em organismos públicos de engenharia, prefeitura, centro histórico e outros; (3) entrevistas com a comunidade local, gestores públicos e ambientalistas, a fim de obter conhecimento da realidade, das expectativas e das propostas em relação aos seus rios. Neste artigo mostramos alguns resultados da pesquisa documental, projetos e mapas e das entrevistas realizadas com residentes sobre sua percepção e vivência dos rios de sua ambiência, tendo como foco a região da microbacia do Rio Alcântara, na área de influência da cidade de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Com o adensamento urbano nas margens das microbacias em geral, as águas fluviais passaram a receber esgotos, matas ciliares e manguezais foram devastados e áreas de

1 Trabalho final para o PIBIC, Universidade Federal Fluminense, 201314. 2 Graduanda do curso de Ciência Ambiental da UFF 3 Docente da UFF – www.professores.uff.br/seleneherculano e Coordenadora do LACTA - Laboratório de Estudos de Cidadania, Territorialidade e Ambiente – www.uff.br/lacta

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[ várzeas, naturalmente sujeitas a inundações cíclicas, foram reconceituadas como áreas insalubres, perigosas, aterradas e ocupadas pela parte da população mais pobre e sem acesso aos terrenos aedificandi, por portos e fábricas industriais impactantes. Vários rios metropolitanos “morreram” (rios Hudson, Tietê); o rio Cuyahoga, em Cleveland, pegou fogo pelo acúmulo de poluentes industriais. A engenharia civil urbana e os administradores públicos passaram a ver os rios como problemas, a manilhá-los, cobri-los e contê-los em canais cimentados. O movimento ambientalista desde os anos 90 passou a pugnar pela renaturalização dos rios urbanos e pela sua defesa dos rios contra os projetos de transposição, retificação, canalização, etc. O recrudescimento atual das enchentes tem feito com que essa proposta ambientalista de renaturalização ganhe força e a cidade de São Paulo começou a considerá-la com seriedade. A crise hídrica e a seca dos mananciais que abastecem as grandes cidades tornaram a ideia de despoluição das microbaciais para seu uso local uma necessidade. Os rios não são isolados, compõem bacias, microbacias e capilaridades. As microbacias urbanas precisam também ser renaturalizadas. As propostas em curso consideram as microbacias? O que dizem os planos diretores a respeito? O que os moradores dessas áreas pensam e fazem a respeito? A pesquisa concentrou-se no Rio Alcântara, que corta o município de São Gonçalo. Introdução:

Ao longo da existência humana, o homem utiliza recursos naturais para se manter

vivo, produzir tecnologias e aumentar seu conforto, sendo a água fator essencial para a conservação da vida e manutenção da economia. As grandes civilizações tiveram seu início nas margens de rios e não existe um só sistema de engenharia que não utilize a água4.

Da disponibilidade mundial de água, 97,50% estão em oceanos, 2,493% encontram-se em lugares de difícil acesso como regiões polares e aqüíferos e apenas 0,007% são água doce, disponível para o consumo humano5. Segundo dados do World Resources Institute, as perspectivas indicam um cenário de severa escassez de água até o ano de 2050. A FAO, Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, estimou em 40 litros (dois baldes) a disponibilidade diária de água para cada habitante do planeta (CAUBERT; 2008).

O Brasil possui 13,7% da água doce superficial disponível no mundo, onde 80% desses 13,7% localizam-se na região amazônica e somente 20% atendem 93% da população brasileira. (Ferreira et al.,2008; Agencia Nacional de Águas). Na Região Hidrográfica do Atlântico Sudeste, o estado do Rio de Janeiro tem o Rio Paraíba do Sul como responsável por 80% do fornecimento de água e 20% da produção de energia elétrica para a área metropolitana do Grande Rio. Embora essa região tenha elevada disponibilidade de água, o consumo excessivo de água para irrigação, a ocupação urbana desordenada do território e a 4 SILVA, 2006 apud FERREIRA et. al., 2008 5 ONU,2008).

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[ insuficiência do sistema de saneamento tem gerado problemas de poluição hídrica. Abacia sofre com exploração de areias, urbanização desordenada, despejo de esgoto doméstico industrial e agrícola in natura em seus rios. (FIOCRUZ, ESNP, s.d; apud FERREIRA et. al., 2008)

O reflexo do consumo acelerado e descartes de resíduos sobre os corpos hídricos vem contribuindo para a degradação do meio ambiente e da qualidade das águas afetando assim a saúde e o bem estar da população e as atividades sociais e econômicas relacionadas.

Após o longo interregno entre o Código das Águas dos anos 30 e a Política Nacional de Meio Ambiente, de 1981, ganhou contornos um novo marco regulatório para a questão hídrica, a partir da Resolução CONAMA 020/1986, que tratou da gestão da qualidade da água e controle da poluição dividindo a água em classes e parâmetros físicos, químicos e biológicos. Essa resolução foi revogada pela Resolução 357/2005, que classificou as águas em doces, salobras e salinas e cada uma delas de acordo com sua propriedade e uso que se destinam, determinando de quem é a competência para estabelecer condições de seu enquadramento. A Lei Federal 9.433/1997 instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e seu sistema de gerenciamento (SINGREH), que tem como organismos integrantes o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; a Agencia Nacional de Águas, os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; os Comitês de Bacias Hidrográficas; as Agências de Água; os órgãos dos poderes públicos federal, estadual do Distrito Federal e municipal cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos.

Na relação entre rios e cidades, um dos maiores problemas é resolver as questões relacionadas ao mau uso e à ocupação desordenada da faixa marginal dos rios, levando em conta a dinâmica das bacias de drenagem e ocupação dos seus leitos. Um dos grandes desafios é organizar a população em bacias hidrográficas, conscientizando a sociedade das noções espaciais das bacias, as relações e comportamento com a água, tratando-se de um processo lento de construção e mudança cultural que envolve trabalho educativo, de caráter socioambiental (FERREIRA et. al., 2008).

Nas áreas urbanas os rios sofrem com modificações, ocupação irregular e desordenada da faixa marginal, degradação, confinamento em canais de concreto, sendo assim eliminado da paisagem, tornando-se elemento do sistema de drenagem, recendo tudo que é descartado pela sociedade.(ALMEIDA e CARVALHO)

“Os rios urbanos são aqueles que, dialeticamente, modificam e são modificados na sua inter-relação com as cidades. E a partir dessa interação, surge algo que é, ao mesmo tempo, natural e cultural, orgânico e artificial, sujeito e objeto, algo híbrido por que não é mais natural, mas também não se transformou ao ponto de deixar de carregar em si a Natureza.” (ALMEIDA e CARVALHO)

Com a rápida urbanização, as pessoas passaram a ocupar a cidade sem que o

planejamento territorial acompanhasse o forte crescimento. O alto valor do solo urbano, levou a população mais carente a ocupar leitos de rios de maneira irregular, os rios também serviram de deposito de descarto pela sociedade. Eles sofreram com degradação ambiental, contaminações e foram sendo escondidos pelas construções. A falta de investimentos e

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[ estrutura em suas margens, levou a população a enxergar o rio com um problema e não uma fonte de possibilidades, tanto culturais , de renda , lazer, como de consumo e uso da água, um valioso recurso natural. São Gonçalo e a importância de seus rios na sua economia e desenvolvimento. O município originou-se nas terras da sesmaria pertencentes a Gonçalo Gonçalves, dando início ao que mais tarde seria a cidade de São Gonçalo D’Amarante. Com uma economia então baseada no cultivo de cana-de-açúcar, o município de São Gonçalo se destacou no período do império sendo um dos maiores produtores agrícolas: além de cana-de-açúcar, a criação de gado e cultivo de milho aumentaram a ocupação do solo.(BRAGA, 1998) São Gonçalo na fase da riqueza agrícola teve lavouras nos espaços que são atualmente os bairros de Engenho Pequeno, Galo Branco, Alcântara, Sacramento, Pacheco, Itaoca, Columbadê e Guaxindiba. Com o primeiro núcleo de habitantes formado, o município de São Gonçalo começava o desenvolvimento de uma economia própria, crescendo assim a margens de caminho de charretes, carro-de-boi, cavalos e mais tarde ás margens das ferrovias. (BRAGA, 1998). O transporte marítimo foi o grande impulso para o desenvolvimento do município, através dos portos de Maruí, Neves e Madama que, junto com os portos fluviais de Guaxindiba, Alcântara e Aldeia, que transportavam carvão e lenha, foram elementos básicos para a comunicação entre todos os seus portos para transporte de mercadorias, pessoas e produtos produzidos na localidade e levados aos portos de Niterói e Rio de Janeiro. São Gonçalo na época de desenvolvimento possuía em média 14 portos em grande atividade. (BRAGA, 1998 e BRAGA,2006)

Em 1920, o transporte fluvial entrou em decadência, e como o município não possuía portos que permitissem a atracação de embarcação de grande calado, e com o início da navegação a vapor ligando Niterói ao Rio de Janeiro a população gonçalense passou a locomover-se até Niterói por meio terrestre e depois seguir o trajeto até o Rio de Janeiro de barcas. (BRAGA, 1998) Hoje os poucos portos existentes servem apenas para atracadouro de embarcações de pequeno porte, barcos de pesca que ainda hoje representa uma fonte de renda para o município.(BRAGA, 1998)

O município já foi fonte de exploração e comercialização de água mineral pelas empresas: Estância Hidromineral São Gonçalo Ltda, localizada no Rocha e iniciada em 1940, mas tarde vendidas e denominadas São Sebastião - a fonte alcalina e São Jorge - a fonte magnesiana, em 1942 teve inicio a exploração de uma nova fonte, comercializada por Água Mineral Itaí em Santa Isabel. No final do século XX essas fontes foram extintas devidas à poluição em suas nascentes, embora suas águas já não fossem mais comercializadas devido a poluição.(BRAGA, 2006).

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Quando suas fazendas foram loteadas, os rios passaram a ser grandes receptores de esgoto doméstico e industrial e alguns foram retraçados, lagoas foram aterradas e rios ressecados.(BRAGA, 2006).

O Rio Alcântara e a Bacia do Guaxindiba

Inúmeros rios deságuam na Baía de Guanabara, que recebe em média, mais de 200 mil litros de água a cada segundo. As maiores bacias são as dos rios Guapi/Macacu, Caceribu, Iguaçu/Sarapui, Estrela/Inhomirim/Saracuruna, Guaxindiba/Alcântara, Meriti/Acari, Canal do Cunha, Canal do Mangue, Bomba, Imboaçu, Suruí, Roncador, Magé e Iriri, que juntos formam a Região Hidrográfica da Baía de Guanabara. (NEGREIROS, 2002).

A região onde se encontra a bacia do Guaxindiba/Alcântara era coberta pela Mata Atlântica. Com a chegada dos europeus nas terras dos índios tamoios ou tupinambás no início do século XVI, iniciou-se seu processo de destruição/urbanização. Esta bacia, com uma área de aproximadamente 144,60km² (JICA, 94 apud NEGREIROS, 2002 ), situa-se na porção leste da Baía de Guanabara, ocupada pelos municípios de Niterói, São Gonçalo e uma pequena parte de Itaboraí, na região da bacia hidrográfica, atravessam diversas rodovias, destacando a Região dos Lagos.

Essa bacia hidrográfica é formada pelos rios Guaxindiba e o seu principal afluente, o rio Alcântara . O rio Guaxindiba, com cerca de 29 km, nasce no bairro Anaia, em São Gonçalo, e atravessa os bairros de Sacramento, Barracão e Marambaia, antes de desaguar na Baía de Guanabara, no seu trecho inferior, percorre parte da maior área preservada de manguezal da Baía de Guanabara – a Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim.

O Rio Alcântara é um importante afluente do Rio Guaxinbiba. Seus principais contribuintes são o Rio Sapê, que nasce no Sapazel, e o Rio Pendotiba, que nasce na Serra Grande, ambos localizados no município de Niterói. O encontro dos dois rios no município de São Gonçalo recebe o nome de Rio Maria Paula, que mais a jusante recebe contribuição do Rio das Pedras, que nasce no Morro do Castro. O Rio das Pedras ao desaguar no Rio Maria Paula, no bairro do Colubandê, passa a se chamar Rio Colubandê. Só ao atravessar a RJ-104, recebe o nome de Rio Alcântara. Antes de desaguar no Rio Guaxindiba, o Rio Alcântara ainda recebe contribuição do Rio Mutondo na sua margem esquerda. Por fim, o rio Guaxindiba, deságua na Baía de Guanabara após atravessar o manguezal e a Área de Proteção Ambiental Guapimirim, que abrange os municípios de Magé, Guapimirim e São Gonçalo. (VIANNA, 2004).

O rio Alcântara era possivelmente chamado de rio “Mariguoy” nome na língua dos tupinambás ou tamoios, da nação Tupi-Guarani, índios habitantes da região. “Mryoy” ou “Mariguoy” tem como formação: mary( espinheiro) – guo (caranguejo)-y(rio), isto é, rio dos caranguejos dos espinheiros.O rio serviu de limite entre o rico português João Carrasco em 1568 e seu vizinho, Gonçalves Aguiar em 1579. (MOLINA, EVADYR, 1996)

“Rio de confronto com o outro Guaxindiba, das terras de Gonçalves Aguiar doados em 28.3.1579’ 1.000 braças ao longo e 2.000 de comprido do Rio Guaxindiba e o Rio Maryoy...’ Citado também na sesmaria de

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Manoel de Lima de 9.6.1734’ sobejos pelo rio de Mariguhy, adiante de N. Senhora da Luz’. Na sesmaria de João Carrasco de 3.7.1568’...” cortando por um rio por nome Mariguoy..”(MOLINA, EVADYR, 1996)”.

Imagem 01: Mapa da época. Disponível no livro: São Gonçalo no século XVI(SILVA e MOLINA, 1995).

Com cerca de 25 km de extensão, o rio Alcântara nasce na Serra Grande, na região compreendida pelo município de Niterói, onde estão as áreas mais preservadas junto a Mata Atlântica, e seus principais afluentes são os rios Colubandê, Areal e Mutondo. (NEGREIROS, 2002).

Na bacia, predomina o uso do solo urbano, os rios são usados como despejos de esgotamento sanitário doméstico e industrial não tratados, suas margens são quase todas ocupadas por população de baixa renda, quadro típico da regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, com ocupação desordenada e problemas sociais e ambientais. Os rios tem partes canalizadas e muitos trechos são cobertos, conduzindo águas de péssima qualidade. As

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[ águas chegam ao baixo curso da bacia muito poluídas, contribuindo para a degradação dos manguezais e da Baía de Guanabara.

Com extensão aproximadamente de 25Km, o rio conta com uma diversidade de

acontecimentos em sua margem. Na sua margem do lado esquerdo e direito no centro do bairro do Alcântara, o rio é cercado por condomínios. Mas a jusante, quando o rio passa pelo bairro de Trindade, observa-se mais construções de condomínios que foram embargados/abandonados, possivelmente devido a área sofrer com alagamentos.

Fotos da autora

Foi no ano de 2010, durante as chuvas intensas que ocorreram entre os dias 5 e 6 de

abril, que o rio recebeu uma grande carga de precipitação que, misturadas à poluição e sedimentos, acabou por inundar o bairro de Alcântara. O comércio local e residências foram inundados6.

Imagem: Rua Antônio Alves Imagem: Rua Dr.Alfredo Backer

6 Imagem obtidas em:http://alcantaraonline.blogspot.com.br/2011/08/rio-alcantara-abril2010.html

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[ No mesmo ano foram realizadas obras de limpeza e de recuperação de drenagem

Hoje o rio sofre com processos de assoreamento, onde é possível constatar a formação de pequenas ilhas em seu leito, que incluem até o crescimento de uma bananeira no local.

Foto da autora Segundo reportagens de jornal local à época, a população solicita que o rio seja drenado e manilhado7. Fomos então entrevistar alguns de seus moradores para nos certificarmos desta propositura.

7 http://www.ofluminense.com.br/editorias/cidades/voce-faz-noticia-rio-alcantara-sofre-com-processo-de-assoreamento

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[ Entrevistas A pesquisa se propôs a entrevistar moradores, estudantes, comerciantes e demais conhecedores da região, para que de fato fosse construído um olhar sobre o Rio Alcântara a partir da percepção de quem o conhece e o tem como cenário e ambiência de vida. Nesta primeira fase, conversamos com jovens estudantes e moradores. Foram entrevistas abertas, livres, deixando à vontade do entrevistado revelar pontos negativos, positivos, reclamações, sugestões etc. O único requisito foi que qualquer detalhe, seja ele o menos importante pudesse ter espaço e visualização. Eis algumas delas:

Bárbara - Estudante de Direito da Universidade Salgado de Oliveira - 20anos. Moradora e estudante da região.“Bom, acho que o Rio Alcântara pode ter sido maravilhoso antigamente, mas agora só tem poluição. Não vejo benefícios, as pessoas só jogam lixo. Até animais!!! Virou um valão mesmo.Na verdade uma lixeira, infelizmente!” Caio, 20 anos – Morador de um dos condomínios à margem do Rio Alcântara no bairro do Alcântara. “O rio é poluído, grande parte da poluição acredito ser de lixo orgânico porque quando o rio sobe demais ou ele é limpo a vegetação cresce muito rápido, então aquela terra deve ser fértil por algum motivo e também você consegue ver garça comendo alguma coisa que possivelmente pode ser lixo orgânico, animal ou não. Apesar de estar muito poluído, acho que o rio ainda tem muita biodiversidade. Muito plástico agarrado, construções que limitam. (...) Na enchente de 2010, a parte de trás do meu condomínio alagou.(...) É um rio que você pega pelo “Google Maps” e observa que é grande. Reza a lenda que meu pai na época dele pescava no rio, meu pai hoje vai fazer 46 anos.” Diego – 11anos- Morador da região. “O rio é muito sujo, precisa cortar o capim e fazer tratamento na água. Eu queria o rio como minha vó conta que era, bem limpo, para eu poder nadar.” Daiany - Estudante de Ciência Ambiental da UFF - 21 anos. “Eu acho que um ponto a se destacar, é a falta de ação do governo para tomar medidas necessárias para melhoramento das condições ao redor do rio. Mas acho que principalmente, a população em si, não tem consciência do tamanho do problema que acaba causando para si mesmo. E a falta de informação por parte dela. Eles fazem isso com muita ‘naturalidade’, usam o rio como um verdadeiro lixão. O governo tem que tomar atitudes sim, até mesmo de informação, entre

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outras coisas, mas precisa haver colaboração muito grande por parte da população”.

Em reunião na AGLAC-Acadêmica Gonçalense de Letras, Artes e Ciências, no dia 19/09/2013, em homenagem ao 123 anos de emancipação política de São Gonçalo e 434 anos de história, comemorada oficialmente no dia 20/09, foram realizadas apresentações que procuraram lembrar um pouco do passado da cidade. Entre os relatos, Paulo Souto 63anos, relembrou um período de sua vida aonde ainda era possível se banhar nos rios, e comenta que banhava-se no Rio Alcântara. Outros relataram perdas de automóveis quando das chuvas de 2010, em enchente que chegou a alcançar o primeiro andar de alguns dos prédios. Conclusão Os rios são um patrimônio público, uma ligação que todos compartilham na sociedade, porque todos precisamos de água limpa para a manutenção da vida. Em grande parte dos rios urbanos, as zonas de recarga são pavimentadas e coberta por construções, o que impossibilita a água infiltrar no solo e alimentar o lençol freáticos. Muitas vezes associamos a poluição apenas ao lixo sólido, que nos é perceptível, mas existem outras formas de poluição como despejos de substâncias tóxicas por indústrias, carros, como o nitrogênio e fósforo que vem dos combustíveis. Um rio sujo passa a ser visto pela população como um fator-problema. Infelizmente a maioria dos rios urbanos não é bem vista pela sociedade e pelos gestores e assim suas margens deixam de ser um lugar de convívio, lazer e qualidade de vida para a população ao seu redor. Embora a água seja a matéria mais preciosa, sua fonte é buscada o mais longe possível enquanto que a água do fluxo local das microbacias é percebida apenas como um problema. Uma das questões está na jurisdição dos rios, cujo trajeto vai além das divisões político-econômicas dos recortes municipais e estaduais.

Os moradores entrevistados tem uma perspectiva fatalista, resignada e saudosista, lamentando a sujeira, relatando perdas, mas não mencionam ou vislumbram nenhuma ideia ou iniciativa comunitária para tentar reverter a situação. Invocam a responsabilidade da autoridade pública, da qual todavia não esperam grande coisa. À exceção de Daiany, aluna de Ciência Ambiental e que em razão do seu estudo atentou para a necessidade também de uma atitude de colaboração por parte da população, nenhum outro jovem entrevistado aventou para a possibilidade de renaturalização de seu rio, a não ser o menino Diogo, acima citado, mas em tom de sonho impossível: “Eu queria o rio como minha vó conta que era, bem limpo, para eu poder nadar.”

Também não encontramos nos relatos menção à atuação das escolas locais, que não tomam os seus rios como tema de estudos integrados, não estimulam seu conhecimento como passo para uma proposta de atuação comunitária (como foi o caso de rios objetos de educação ambiental em outros locais (Seminário Revitalização de rios no mundo e Projeto

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[ Manuelzão). A solução percebida se atém a obras de engenharia que manilhem os rios, fazendo-os desaparecer e criando solos para os usos urbanos.

Mauro Leonel, em seu livro A morte social dos rios (1998), chama nossa atenção para a ligação óbvia mas da qual não nos damos conta, entre o ecológico e o social. Matamos os rios matando a sociedade e vice-versa. Ele enfatiza um aspecto todavia otimista, pelo qual a natureza não seria impedimento se o sistema social (econômico, político e simbólico) mudasse:

“Não há obstáculo ecológico que não se acompanhe de um obstáculo social, assim como não há força natural que se imponha a um grupo humano fora de um quadro de sistemas econômicos, políticos e simbólicos. Os fatos ecológicos são, assim, indissociáveis dos fatos sociais, e são, em ultima análise, fatos sociológicos”.(LEONEL,1998, p.XXVII)

Espera-se que o trabalho possa atingir e contribuir para uma nova forma de enxergar os recursos hídricos de uma comunidade, os benefícios e serviços ambientais que podem ser oferecidos, como atividades de lazer, usos da água e paisagístico. REFERÊNCIAS: ALMEIDA, L. Q.de , CARVALHO, P. F. de. A negação dos rios urbanos numa metrópole brasileira. Grupo de Pesquisa Análise e Planejamento Territorial – GPAPT Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego, Publicação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense e do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamengo.v.2n.2 jul./dez.2008- Editora Essentia. BRAGA, Maria Nelma Carvalho. O município de São Gonçalo e sua história - 2ºedição, total, ver. e ampliada- Niterói, RJ: Nitpress, 1998. CAUBET, Christian Guy. A água, a lei, a política... e o meio ambiente. 2004. COSTA, A. J. F. da. Projeto de recuperação e manejo dos recursos naturais em microbacias hidrográficas. Programa Gestão Pública e Cidadania. Versão em formato pdf, finalista do ciclo de premiação em 1999. FARAH, M. F. S., BARBOZA, H. B. Novas Experiências de Gestão Pública e Cidadania. Editora FGV, Coleção FGV Prática, Rio de Janeiro, 2000. FERREIRA,M.I.P. et al. Políticas públicas e gerenciamento de recursos hídricos. Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego, v.2n.2 jul./dez.2008- Editora Essentia. FERREIRA,M.I.P. et al. Recursos hídricos: água no mundo, no Brasil e no estado do Rio de Janeiro. Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego, v.2n.2 jul./dez.2008- Editora Essentia. FERREIRA,M.I.P. et al.Gestão da água no Brasil: aspectos jurídicos e institucionais. Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego, v.2n.2 jul./dez.2008- Editora Essentia.(págs 59 e 63)

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[Revista  VITAS –  Visões  Transdisciplinares  sobre  Ambiente  e  Sociedade  –  www.uff.br/revistavitas ISSN  2238-­‐‑1627,  Ano  V,  No  9,  fevereiro  de  2015  

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