risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres ...

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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa RISCO E MODIFICAÇÃO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECÇÃO DO AMBIENTE Carla Amado Gomes Dissertação de doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas (Direito Administrativo) Lisboa 2007 RISCO E MODIFICAÇÃO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECÇÃO DO AMBIENTE

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  • Faculdade de Direito daUniversidade de Lisboa

    RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVOCONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE

    Carla Amado Gomes

    Dissertao de doutoramentoem Cincias Jurdico-Polticas(Direito Administrativo)

    Lisboa 2007

    RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVOCONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE

  • Faculdade de Direito daUniversidade de Lisboa

    RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVOCONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE

    Dissertao de doutoramentoem Cincias Jurdico-Polticas(Direito Administrativo)

    Lisboa 2007

    Carla Amado Gomes

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    CARLA AMADO GOMES

    Edio da Autora

    www.facebook.com/carlamadogomes

    e-mail: [email protected]

    Edio digital (e-book)

    Lisboa - Setembro de 2012

    ISBN: 978-989-98015-0-9

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    CARLA AMADO GOMES

    NOTA PRVIA

    1. H mais viagens que destinos. Se esta uma verdade verdadeira na vida em geral, -o mais intensamente quando aplicada ao (meu) percurso de investigao em particular. Um objectivo de investigao pode desdobrar-se em mirades de temas, interesses, curiosidades, cuja pesquisa to sedutora como distractiva do motivo principal. O texto que ora se publica e que constitui a minha dissertao de douto-ramento, revela essa atraco por subtemas a que tentei, com alguma dificuldade, conferir uma unidade que reflectisse a minha viso sobre um problema do Direito Ad-ministrativo geral (a modificabilidade do acto administrativo) a partir de premissas muito particulares sobre o problema do objecto do Direito do Ambiente (conjunto de normas relativas gesto racional dos bens ambientais naturais), atravs de um fac-tor transversal ao Direito: o risco. A benefcio do leitor, espero que as viagens empre-endidas ao longo do texto o seduzam para os destinos de investigao esboados...

    2. A tese foi objecto de discusso pblica em 12 de Fevereiro de 2007. Aos Srs. Professores Rui Medeiros e Paulo Otero, arguentes do trabalho, desejo reeditar os agradecimentos que expressei na altura, no s pela sua presena que prestigiou as provas , como pela leitura atenta e crtica que fizeram da tese. Foi especialmen-te gratificante para mim prestar provas perante Professores que me acompanharam durante a licenciatura e o mestrado e que sempre me manifestaram o seu apoio e es-tmulo opo de vida acadmica por que envederei. Permita-se-me que sobreleve dois: o Sr. Prof. Doutor J. M. Srvulo Correia, mais que meu orientador de tese, foi a pessoa que me incentivou a redigir o primeiro texto (sobre impugnao de regula-mentos), na sequncia da oral de melhoria de nota na disciplina de Contencioso Ad-ministrativo, no ano lectivo de 1992/93 que com ele (e com o Professor Paulo Otero) realizei; o Sr. Prof. Doutor Jorge Miranda, que com o brilho das suas aulas me cativou para o Direito Pblico desde o 1 ano do Curso, e com a sua estima e sabedoria tem constitudo o anjo da guarda na minha curta carreira.

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    3. Tive, alm dos apoios referidos, a sorte e o privilgio de contar com a aju-da de muitos outros Professores e colegas que a exiguidade deste espao me no permite nomear. H, contudo, pessoas que no posso deixar de referenciar, pela amizade e apoio que me manifestaram sempre: o Sr. Professor Joo Caupers, leitor atento e crtico dos meus primeiros textos; o Sr. Dr. Joo Martins Claro, leitor e questionador dos meus ltimos textos, de entre os quais esta tese; o Sr. Professor Vasco Pereira da Silva, responsvel pelo meu interesse pelo Direito do Ambiente, incansvel crtico das minhas posies, vivo nos debates e carinhoso nos incenti-vos; o Sr. Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, por toda a confiana, amizade, estmulo que me dedicou e dedica.

    No mbito desta dissertao, foram ainda determinantes para os mritos que possua, o Dr. Antnio Arajo, cujas sugestes de leitura se revelaram preciosas; o Prof. Doutor Jorge Reis Novais, que me tentou demover da tese negativista do direito ao ambiente e s fortaleceu a minha convico (!); a Filipa Calvo, com quem passei muitas horas ao telefone a debater os dilemas da modificao do acto administrativo... E todos aqueles que me ouviram amigos, colegas, alunos e nunca deixaram de me conceder uma palavra de estmulo e solidariedade na tra-vessia do deserto que constitui a redaco de uma tese de doutoramento.

    4. Agradecimentos institucionais devo: ao Conselho Cientfico da Faculdade de Direito de Lisboa, que me concedeu dispensa de servio docente com vista elaborao da tese; Fundao Calouste Gulbenkian, que me atribui trs bolsas de curta durao que subsidiaram trs agradabilssimas expedies bibliogrficas a Heidelberg; ao Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law de Heidelberg, pelas excelentes condies de investigao que me propor-cionou nos Agostos de 2001, 2002 e 2003; s Bibliotecas da Procuradoria Geral da Repblica, do Tribunal Constitucional, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, da Faculdade de Direito de Lisboa, nas pessoas dos seus responsveis e funcionrios, pela simpatia e solicitude que me dispensaram e dispensam.

    5. Qualquer investigao pode ser aperfeioada ad aeternum. No entanto, as-sumindo embora as imperfeies deste trabalho, a minha obrigao de acadmica impe a sua publicao. O texto corresponde, no essencial, quele que foi objecto de discusso, ressalvada a definio da figura da reviso do acto administrativo. As observaes formuladas pelo Professor Paulo Otero levaram-me a trabalh--la um pouco mais; contudo, estou ciente de que as definies existem para ser constantemente melhoradas, gozando dos influxos quer da reflexo terica quer dos desafios da vida prtica, que levam as noes muito alm da imaginao dos tericos e prticos do Direito... No ser a ltima palavra, mas foi a formulao possvel em finais de Fevereiro de 2007, data do envio do texto para a editora. a este momento que devem reportar-se, pois, os retoques, legislativos, doutrinais e outros, que a dissertao mereceu.

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    Introduo

    1. Apresentao do tema e das razes da sua escolha

    O ambiente um assunto que, pelas piores razes, entrou no mundo jurdico nos anos 70 do sculo passado e tem-se mantido na moda desde ento. Debatem--se saciedade problemas como a destruio da camada de ozono, a gesto da gua potvel, a desertificao dos solos, o desaparecimento de milhares de espcies, ani-mais e vegetais. Realizam-se conferncias, promovem-se manifestaes, celebram--se convenes sobre a proteco do ambiente. Criam-se Ministrios e servios espe-cializados com vista prossecuo de polticas de conservao da natureza, gesto de recursos naturais, de promoo dos valores ambientais. No h jornal, dirio ou semanrio, nem revista de actualidades que dispense uma rubrica sobre a proteco do ambiente. At a indstria cinematogrfica se vem rendendo ao tema, com filmes mais intimistas (como Gorillas in the mist, 1989) ou mais populares (The day after tomorrow, 2004). Os juristas, na dupla qualidade de profissionais do Direito e de cidados, no lhe poderiam ser indiferentes.

    Em Portugal, a adeso Comunidade Europeia, formalizada pelo Tratado de Adeso de 12 de Junho de 1985, constituiu o impulso determinante para a adopo de polticas de proteco do ambiente apesar de a Constituio de 1976 ter sido uma das pioneiras na consagrao do direito ao ambiente e na qualificao da proteco do ambiente como uma tarefa estadual (mais claramente a partir de 1982, data em que passou a integrar o elenco do artigo 9). No entanto, apesar de se terem verificado melhorias acentuadas, estamos longe de ter alcanado metas assinalveis, como o demonstram as frequentes notcias sobre descargas poluentes em rios, sobre destruio de espcies protegidas, sobre a larga ultrapassagem do compromisso de reduo das emisses de gases com efeito de estufa, no mbito do Protocolo de Quioto...

    A proteco do ambiente uma tarefa em vrios sentidos larger than life: no s porque se projecta ad infinitum, durante o tempo em que a espcie humana con-seguir sobreviver no planeta Terra numa dimenso intergeracional , como tam-

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    1 Esta primeira incurso aconteceu na sequncia de um convite do Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva para assegurar uma aula do 1 Curso de Ps-Graduao em Cincias Jurdico-Ambientais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no ano lectivo de 1998/99. Dessa aula resultaria o trabalho As operaes materiais administrativas e o Direito do Ambiente (1 ed., Lisboa, 1999), no qual, a pp. 20 segs, se tratou a figura do direito ao ambiente, ento ainda vislumbrando na norma constitucional um direito-dever.

    bm porque implica uma reconverso dos modelos de desenvolvimento econmico, hoje, j, numa tentativa de os conter em face da depauperao dos recursos naturais gerada pelo seu funcionamento desregrado. Esta segunda dimenso intrageracio-nal obriga os operadores a abdicar das tradicionais margens de lucro em favor da incorporao de tcnicas de minimizao dos efeitos poluentes, e os cidados a reorganizar os seus hbitos de vida e de consumo, num esforo de interiorizao dos valores ambientais. A revoluo de mentalidades , destarte, o primeiro passo para uma poltica ambiental bem sucedida.

    Esta foi uma das razes que nos levou a desconfiar da frmula do direito ao ambiente, quando em 1999 nos debrumos tentativamente sobre o Direito do Am-biente1. A seduo provocada pela dimenso subjectiva avanada no artigo 66/1, 1 parte, da Constituio, afigurou-se menos eficaz para promover a alterao compor-tamental que o Direito do Ambiente demanda. Conceder um direito e estabelecer a responsabilidade primacial das entidades pblicas no tocante proteco ambien-tal pareceu-nos um passo seguro no sentido da desmobilizao dos cidados para tal desgnio, apanhados na letargia do Estado providncia e confiantes na assuno do protagonismo sempre por terceiros.

    As suspeitas iniciais, quase intuitivas, foram-se confirmando progressivamente medida que a investigao avanava. Ento, mais do que o contexto sociolgico, eram as premissas jurdicas a falhar, na qualificao do alegado direito ao ambien-te. A constatao do esvaziamento de tal posio jurdica encontrou, todavia, uma contrapartida na verificao do preenchimento do segundo segmento para que o artigo 66/1 da Constituio aponta: o dever de proteco do ambiente. Com efeito, se verdade que a ausncia de objecto especfico resulta na inexistncia do direi-to (embora no vede a configurao de um interesse de facto), j o dever suscep-tvel de diferentes nveis de densificao, consoante o grau de risco ambiental que a actividade do sujeito envolver.

    Afigurando-se mais que justificada a actualidade e interesse da problemtica da proteco ambiental, foroso confessar que a primeira das razes da construo do tema desta dissertao foi a convico da necessidade da desmontagem da ilu-so de ptica que representa a frmula bem intencionada, de resto do direito ao ambiente, e da refocalizao da posio jurdica a que alude a 2 parte do n 1 do artigo 66 da Constituio. Ambas as questes tm consequncias prticas e ju-rdicas: a desconsiderao do direito ao ambiente, por um lado, faz sobressair os direitos que lhe esto subjacentes, recentrando os conflitos e as pretenses na sua dimenso subjectiva e permitindo discernir tais hipteses dos verdadeiros exemplos de tutela ambiental, que se prendem com a preveno, cessao e ressarcimento de ofensas a bens ambientais naturais, com as consequncias substantivas, proce-dimentais e processuais que tal diferenciao, enquadrada sob a perspectiva do interesse de fruio de bens colectivos, acarreta.

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    2 Cfr. a obra de referncia de P. BERNSTEIN, Against de Gods: the remarkable story of risk (1996).3 U. BECK, Risk society. Towards a new modernity (1992).4 Cfr. A. BIANCHI, Managing the risk of international terrorism, in REDP, 2003/1, pp. 151 segs.

    Por outro lado, a insistncia na ptica do dever de proteco do ambiente no s mais consentnea com a lgica de solidariedade que deve presidir ao aproveita-mento comunitrio racional dos bens ambientais naturais lgica essa expressamen-te enunciada na Lei Fundamental [vide a alnea d) do artigo 66/2 da Constituio] e da promoo de uma atitude de cidadania responsvel que a acompanha, como se revela mais adequada a explicar o contedo das posies jurdicas dos particulares, consoante as actividades que desenvolvam, relativamente preservao do meio natural e ao aproveitamento racional dos bens que o compem.

    O fenmeno do risco surge, assim, naturalmente interligado com a questo da conformao das posies jurdicas que veiculam a utilizao, directa ou indirecta, dos bens ambientais por entidades pblicas e privadas. Porque o risco uma grande-za ineliminvel numa sociedade livre e democrtica, e a preveno do risco ambien-tal se agigantou em tarefa pblica desde finais do sculo passado, a conformao administrativa de actividades que impliquem risco de leso de bens ambientais na-turais, desenvolvida externamente atravs da actividade autorizativa, apresenta-se como a forma preferencial de concretizao dinmica dos deveres de proteco do ambiente a cargo dos operadores econmicos.

    O tema do risco, embora no alheio ao Direito (pense-se, desde logo, na rea dos seguros), sobretudo caro aos economistas, que utilizam a avaliao do risco como instrumento de compreenso do funcionamento dos mercados financeiros2. Tambm os socilogos lhe tm dedicado especial ateno, depois de Ulrich Beck ter inventado a sociedade de risco sucessora da sociedade industrial , caracterizada pela globalizao do risco3. O 11 de Setembro (de 2001) e a revelao de um terrorismo tentacular conferiram absoluto protagonismo ao problema da avaliao dos riscos para a segurana das pessoas4, embora crises alimentares (europeias) como a da do-ena das vacas loucas ou do frango com toxinas j tivessem feito soar o alarme, com menor espectacularidade. Mais recentemente, a devastao provocada pelo fu-raco Katrina reavivou o debate sobre os efeitos da destruio da camada de ozono, enfatizando a dimenso global do risco ambiental.

    A anlise do tema do risco que empreendemos nesta dissertao tendencial-mente jurdica. H pontuais apreciaes sociolgicas introduzidas numa tentativa de realar os dilemas enfrentados pelas autoridades investidas na responsabilidade de gerir riscos pblicos e praticamente nenhumas referncias teoria econmi-ca. A preterio de obras de doutrina anglosaxnica em favor do recurso doutrina alem encontra a sua explicao, precisamente, no enfoque predominantemente jurdico adoptado pelos juspublicistas germnicos, ao contrrio do discurso de teoria econmica utilizado por autores britnicos e norte-americanos discurso que no dominamos.

    Ensaiar um enquadramento jurdico da preveno do risco tecnolgico esse que nos interessa, em razo dos desafios que coloca relativamente lgica tradicio-nal de preveno de perigos, naturais ou outros, assente em regras de experincia,

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    estudo de precedentes e anlise estatstica exigiu uma abordagem do princpio da precauo. Qualquer que seja o enunciado do princpio, o substracto que lhe est subjacente prende-se com a preveno antecipada e alargada dos riscos tec-nolgicos, a qual convoca a interveno de especialistas, fomenta a abertura do procedimento autorizativo participao pblica, induz o reforo dos princpios da imparcialidade e proporcionalidade como fundamentos da deciso. O princpio da proporcionalidade assume um relevo especial, na medida em que a incerteza que envolve os procedimentos que desembocam em decises autorizativas de concretiza-o de deveres de proteco do ambiente deve ser sopesada de forma a no aniquilar as faculdades do titular da autorizao salvaguardando, todavia, na medida do tec-nicamente possvel, os bens jurdicos, pblicos e privados, para cuja tutela aponta a norma habilitante.

    A segunda razo que presidiu construo do tema da dissertao foi, des-tarte, a vontade de articular a proteco do ambiente, enquanto tarefa simultane-amente pblica e privada, com o problema da gesto do risco atravs da concreti-zao de deveres de no agresso e de promoo da qualidade dos componentes ambientais naturais. Partindo-se de uma postura que faz primar a liberdade sobre a segurana sendo certo que este conflito se far sentir mais agudamente no plano da salvaguarda da sade e no tanto do ambiente , pretendemos iluminar a relao de amor/dio entre a sociedade tecnolgica e o risco, que apela, em primeira linha, tomada de posio do legislador no sentido de delimitar as fronteiras entre risco tolervel e intolervel e, em segunda linha, interveno da Administrao no que toca operacionalizao dos critrios de gesto do risco escassamente enunciados na norma habilitante.

    A nfase na dimenso do dever de proteco do ambiente, cruzada com o tema da preveno do risco, conduziu-nos figura da autorizao rectius, ao modelo da proibio sob reserva de permisso como instrumento de conformao das facul-dades contidas no direito de iniciativa econmica privada/de investigao cientfica e de obrigaes vrias de proteco do ambiente que lhe esto acopladas. E a enun-cimos a questo central deste trabalho: que estabilidade detm uma autorizao ambiental emitida com base em pressupostos de facto envoltos em incerteza? A per-gunta dilacerante, na medida em que o acto autorizativo, entendido na perspec-tiva tradicional, traduz uma mera confirmao administrativa da conformidade do exerccio de uma determinada actividade com o interesse pblico, tornando-o imu-ne a quaisquer alteraes, objectivas ou subjectivas, invocadas pela Administrao. Hoje, todavia, o fenmeno do risco introduz no campo dos actos autorizativos uma dose de instabilidade que os faz perder o seu estatuto de intocveis.

    A terceira razo desta investigao ou a primeira, uma vez que, quer a trans-lao do direito ao ambiente para o dever de proteco do ambiente, quer a an-lise do fenmeno do risco, funcionam como premissas da equao final prende-se, destarte, com a necessidade de enquadrar juridicamente uma dinmica de reviso dos deveres de proteco do ambiente nsitos nos actos autorizativos ambientais em razo da ecloso de novas formas de risco ou de novas tcnicas da sua gesto, pass-veis de imposio unilateral ainda que com eventuais contrapartidas ao titular daqueles. A fuga ao regime da revogao previsto no Cdigo do Procedimento Ad-ministrativo sempre que a lei habilitativa nada estabelea a ttulo especial leva--nos ao encontro do instituto da alterao das circunstncias, consagrado no Cdigo

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    Civil depois de uma ressureio promovida pelo Direito Administrativo, sob a veste da teoria da impreviso.

    Dir-se- que um longo caminho para alcanar tal desfecho. Que o passeio pela teoria dos direitos fundamentais (rectius, dos deveres), empreendido na Primeira par-te, e o excurso pela matria da avaliao e gesto do risco, desenvolvida na Segunda parte, poderiam ter sido compactados. Que a proteco do ambiente serve como pre-texto para analisar questes que respeitam teoria geral do Direito Administrativo, como o papel do Estado na preveno de riscos, o ascendente do Executivo no plano da gesto do risco, as mutaes procedimentais que o fenmeno do risco induz, as transformaes sofridas pela figura da autorizao, enfim, o regime da revogao dos actos administrativos. Que a investigao , por isso, insusceptvel de uma delimitao clara, abrindo caminhos especulativos mais do que fechando equaes problemticas.

    Tudo isso ser, de certa forma, verdade. Mas a opo foi consciente ou seja, no foi uma surpresa desvendada no percurso da investigao, quando o demasiado ca-minho percorrido impossibilitava a inverso/correco do sentido da mesma , e teve, desde o incio, um objectivo primordial (e alguns acessrios): o da concepo de um sistema explicativo da instabilidade da relao jurdica ambiental e do mecanismo de operacionalizao dessa mutabilidade (eventualmente transponvel para outras reali-dades maxime de idntica natureza, como a sade pblica ou o patrimnio cultural).

    Julgamos, salvo melhor opinio, ter concretizado tal desgnio, com vista ao qual foi foroso empreender uma investigao transversal, com todo o estmulo e dese-quilbrio que tal opo implica. Estmulo, dado que o resultado alcanado se destaca de qualquer outro j elaborado, revelando uma especfica compreenso do Direito do Ambiente e dos matizes que introduz na teoria geral do Direito Administrativo. Desequilbrio, em virtude do tratamento desigual das matrias, umas vezes mais, ou-tras vezes menos aprofundado. Esperamos, no entanto, ter conseguido despertar e demonstrar o interesse, terico e prtico, dos temas abordados, e estar a contribuir para a sua discusso futura.

    2. Da sequncia adoptada

    A investigao, como j avanmos, est dividida em trs Partes, cada uma com dois captulos (finalizados por breves snteses). Na Parte I, quisemos desvendar a ver-dadeira natureza das posies jurdicas acolhidas pelo artigo 66/1 da Constituio. Tal tarefa seria dispensvel caso as concluses se revelassem idnticas s dos autores que at agora se tm debruado sobre a questo. Mas, no s a nossa posio surge isola-da no contexto nacional embora no, como se ver, ao nvel comparado , como a acentuao da tnica do dever e a degradao do direito subjectivo em mero interesse de facto tm consequncias no plano da compreenso da realidade ambien-tal e dos sujeitos e formas da sua proteco. A eventual exaustividade argumentativa prende-se com a necessidade de fundamentar uma posio claramente minoritria, embora seja a nica que, em nossa opinio, confere sentido til, quer ao artigo 66/1 da Constituio, quer ao imperativo de tutela ambiental que decorre desde logo do ar-tigo 9/e) da Lei Fundamental (e tambm do n 2 do artigo 66 citado), estabelecendo a responsabilidade partilhada de preservao e promoo da qualidade dos componen-tes ambientais naturais. Esta descodificao ser levada a cabo no Captulo I.

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    5 J. CASALTA NABAIS, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1998 (Parte I).

    O Captulo II versa sobre as caractersticas do dever de proteco do ambiente. Tentmos identificar o fundamento, o(s) objecto(s), os sujeitos, a(s) estrutura(s) do dever fundamental de proteco do ambiente, descrevendo de seguida os traos essenciais do regime a que se submete este dever. Sendo um tema bastante tratado em obras estrangeiras e tendo merecido a ateno recente de CASALTA NABAIS na sua dissertao de doutoramento5 , as nossas observaes limitaram-se a procurar contextualizar o tema em sede especificamente ambiental.

    Identificada a verdadeira natureza das posies jurdicas envolvidas em relaes jurdicas de Direito do Ambiente, cumpria apresentar o vilo da histria, respon-svel pela instabilidade existencial de que tais relaes padecem. Na Parte II, entra em cena o risco. O Captulo I dedica-se a tentar definir-lhe os contornos maxime, na dimenso ambiental e a explicar porque se tornou a antecipao de riscos uma tarefa inalienvel do Estado hodierno. Impossvel seria ignorar aqui a controvrsia gerada pela emergncia do princpio da precauo, que coloca todas as entida-des encarregadas da gesto de riscos pblicos perante o dilacerante dilema: deve a segurana preferir liberdade? A resoluo rectius: anlise dos termos desta equao ocupa a parte final do Captulo e permite fazer a ponte com o seguinte.

    No Captulo II apresentam-se as solues possveis para alcanar patamares acei-tveis de preveno de riscos. tcnica, principal responsvel pela pulverizao de riscos no domnio do ambiente (e no s), exigem-se respostas para atalhar aos novos riscos pela mesma gerados. A invaso dos procedimentos de avaliao e gesto dos riscos pela tcnica vai colocar delicadas questes em sede de legitimao das deci-ses, quer no plano interno com a necessidade crescente do recurso a especialistas na elaborao da lei e na sua aplicao pela Administrao gestora de riscos , quer, surpreendentemente (ou no) no plano externo, sempre que tais tarefas influam na regulao do comrcio internacional, e/ou da concorrncia, no espao comunitrio.

    A deciso sobre o risco afronta um dos pilares do Estado de Direito o princpio da reserva de lei em vrias frentes: no s se verifica uma deslocalizao da deci-so sobre o risco, como uma desmaterializao da lei enquanto sede densificante dos critrios pelos quais se h-de pautar a Administrao no sentido da melhor preveno de riscos pblicos. Esta evoluo afigura-se difcil de inverter, mas no impossvel de controlar. As compensaes que recensemos so de duas ordens: por um lado, no plano interno, a acentuao da vinculao administrativa aos princpios da igualdade (nomeadamente, na elaborao de directivas que fixem com a estabilidade e segu-rana possveis os parmetros tcnicos a observar na emisso das decises autoriza-tivas conformadoras de deveres de proteco do ambiente) e da proporcionalidade (balanceando a incerteza em ateno aos valores em presena). Por outro lado, no plano externo, a afirmao das obrigaes de legitimao procedimental da deciso em cenrios de incerteza e da admissibilidade de controlo jurisdicional da mesma, conquanto limitado.

    O Captulo termina com uma breve enunciao das fases do procedimento das Risikoentscheidungen, realando a sua caracterstica mais original: a revisibilida-de. o mote para a parte final da investigao.

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    Na Parte III fechamos o crculo. Depois de ter demonstrado que a proteco do ambiente se constri a partir da tnica do dever e que a conformao dos deveres de proteco do ambiente se desenvolve sob pressupostos de incerteza, restava analisar o instrumento que mais nitidamente expressa o equilbrio instvel entre a necessi-dade de salvaguardar a gesto racional dos bens ambientais naturais e de garantir um nvel de desenvolvimento econmico compatvel com as aspiraes das popula-es. Dedicamos ento o Captulo I figura da autorizao ou, como se ver, figura que traduzir a adopo de uma poltica de proibio sob reserva de permisso, essencial preservao ambiental e s peculiaridades procedimentais induzidas pelo imperativo de ponderao dinmica do contedo dos deveres de proteco do ambiente. A instabilidade da relao autorizativa provocada pelo risco, bem como a natureza do bem jurdico em presena, incrementam a complexidade do procedi-mento autorizativo e acentuam a necessidade de banir, totalmente, se possvel, as decises silentes.

    Uma vez demonstrada a incapacidade de manuteno da crena na intangibili-dade das decises autorizativas emitidas num cenrio de incerteza, abordaremos, no Captulo II, a questo da compatibilizao entre a necessidade de adaptao do contedo dos deveres de proteco do ambiente aos novos factores de risco emer-gentes durante a vida da autorizao e a confiana depositada pelo titular desta na regulao inicialmente estabelecida. Depressa nos apercebemos da impossibilidade de compreenso desta realidade atravs dos cnones tradicionais, muito apegados ainda noo de actos constitutivos de direitos apesar das vrias investidas doutrinais contra a resistente frmula. Urgia encontrar uma soluo de recurso, na falta de uma tomada de posio do legislador relativamente ao estreito regime de revogao consagrado na lei procedimental administrativa.

    Chegmos a tal sada atravs da extenso da teoria da impreviso ao domnio dos actos administrativos. Depois de termos procedido identificao histrica da separao entre poder de modificao unilateral e impreviso, conclumos que a segunda, porque recupera um instituto de aplicao transversal (ao Direito Privado e ao Direito Pblico), o qual introduz um mecanismo de reposio da equidade em sede contratual mas se funda, essencialmente, num princpio de congruncia entre a regulao jurdica e o facto da vida, plenamente aplicvel no domnio das decises autorizativas, dando vida figura da reviso. O Captulo termina com um esboo do regime desta noo e algumas notas sobre o controlo jurisdicional da competncia revisria administrativa.

    Finalizamos a investigao com a formulao de breves consideraes conclu-sivas, no alheias s incertezas semeadas ao longo da exposio. O sistema que en-saiamos no ser o nico e no contm, decerto, as solues ltimas. Ou no fosse este um caminho acadmico

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    Parte I

    Direito ao ambiente ou dever de proteco do ambiente?

    Captulo IO(s) sentido(s) do direito ao ambiente

    0. Preliminares

    A ideia de um direito ao ambiente fruto do despertar ecolgico6 de finais da dcada de 60 do sculo XX7. Foi um despertar violento do sonho de abundncia que pontificara at a, para um cenrio de degradao e escassez dos recursos na-turais, que acidentes como a contaminao da baa de Minamata por resduos in-dustriais, o derrame de petrleo proveniente de uma plataforma de extraco, na Califrnia, ou os naufrgios dos petroleiros Torrey Canyon, Arrow e Zoe Colocotroni, todos eles causadores de danos graves nos ecossistemas marinhos, vieram desen-cadear. A crena na natureza como fonte inesgotvel de utilidades desvanecia-se, dando lugar a uma preocupao crescente com a preservao dos bens ambientais, suporte essencial da vida no planeta.

    6 A. KISS, La protection de lenvironnement en Europe, in AE, XXX (1982), pp. 75 segs, 76. 7 Para uma perspectiva da pr-histria do Direito Internacional do Ambiente, que remonta ao final

    do sculo XIX, A. KISS e D. SHELTON, International Environmental Law, 2 ed., Nova Iorque, 2000, pp. 55 segs (caracterizada pela elaborao de tratados sectoriais, cujo objectivo primordial era o aproveitamento econmico conjunto de alguns bens ambientais).

    8 T. R. FERNNDEZ RODRGUEZ, El medio ambiente en la Constitucin espaola, in DocA, n 190, 1981, pp. 337 segs, 337.

  • RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE16

    CARLA AMADO GOMES

    Surgia uma nova causa mundial, mobilizadora de uma opinio pblica arrancada do torpor dos mornos anos 60 por acontecimentos to profundamente convulsivos como a guerra do Vietname ou as crises acadmicas, cujo smbolo foi o Maio de 68, em Frana. O ambiente era propcio a fazer da proteco do ambiente uma nova forma de estar na vida, expresso de uma certa rebeldia8 directamente apelante capacidade de transcendncia de cada pessoa9. Paralelamente, os novos Estados sados dos movimentos descolonizadores invocaram a proteco do ambiente como sinnimo de incremento da qualidade de vida das suas populaes, inserindo o di-reito ao ambiente no amplo espectro do recm-descoberto direito ao desenvolvi-mento.

    Foi, portanto, num contexto de grande entusiasmo e comoo colectiva, que o ambiente entrou no mapa jurdico. Tal penetrao contribuiu, em primeira linha, para a discusso e elaborao de uma lista de deveres dos Estados que permitisse travar a degradao em curso e prevenir a ecloso de mais danos, de consequncias irreversveis para os ecossistemas e, consequentemente, para a Humanidade: deve-res de cooperao no sentido de evitar a poluio transfronteiria, desde logo, aos quais se juntaram vrias outras vinculaes, de contedo mais ou menos preciso, e de eficcia questionvel.

    unanimemente reconhecido que a proteco do ambiente implica, mais do que tomadas de posio formalmente relevantes, uma verdadeira revoluo de mentali-dades susceptvel de alterar o modus vivendi de milhes de pessoas acomodadas na crena da infinitude dos bens naturais e das utilidades que estes proporcionam, mor-mente nos Estados desenvolvidos. Em face desta realidade, sentiu-se a necessidade de actuar tambm ao nvel do indivduo, integrando-o num movimento global de luta por uma causa maior que a (sua) vida, sensibilizando-o para a realidade do dever de conservao do ambiente. Mas a dimenso subjectiva que levou a melhor, muito por fora da aliana entre ambiente e qualidade de vida e do peso simblico que tal acar-retava para populaes carenciadas, foi a do direito. O direito ao ambiente torna-se pea essencial da estratgia de reinvindicao de melhores condies de vida por parte dos Estados menos desenvolvidos e, simultaneamente, arma de contestao de minorias polticas nos Estados desenvolvidos10. O sentido desta locuo, contudo, ilusrio e tem gerado alguns equvocos, quer no plano do Direito Internacional, quer no plano dos ordenamentos internos, que convm esclarecer.

    1. O direito ao ambiente no mbito do Direito Internacional Pblico

    A ateno primeira s questes da proteco ambiental foi prestada no plano internacional, em virtude da crescente sensibilizao dos Estados para a preven-o das situaes de poluio transfronteiria, especialmente marinha e atmos-frica11. perspectiva de resoluo de conflitos de vizinhana a que corresponde-

    9 G. CORDINI, Diritto ambientale comparato, Pdua, 1997, p. 54 10 Cfr. V. PEREIRA DA SILVA, Verdes so tambm os direitos do Homem, in Portugal-Brasil, Ano 2000,

    Coimbra, 1999, pp. 127 segs, 129.11 Cfr. A. KISS, Direito Internacional do Ambiente, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp. 147 segs,

    151 segs.

  • 17RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE

    CARLA AMADO GOMES

    12 Cfr. P. CANELAS DE CASTRO, Mutaes e constncias do Direito Internacional do Ambiente, in RJUA, n 2, 1994, pp. 145 segs, 149 segs; P.-MARIE DUPUY, O en est le Droit International de lEnvironnement la fin du sicle?, in RGDIP, 1997/4, pp. 873 segs, 875.

    13 Referimo-nos Declarao de princpios sobre a luta contra a poluio do ar, de 8 de Maro de 1968, Declarao de princpios sobre a luta contra a poluio da gua, de 6 de Maio de 1968, e ao Acordo europeu sobre a reduo da utilizao de detergentes no biodegradveis, de 16 de Setembro de 1968.

    14 As consequncias da realizao desta Cimeira foram mltiplas, quer no que concerne aco da Organizao das Naes Unidas que veio a convocar, de 10 em 10 anos, novas Cimeiras mundiais dedicadas proteco do ambiente, as quais geraram inmeras Declaraes e Acordos internacionais , quer no tocante actuao de outras organizaes internacionais, de que se destacam a Organiza-o para a Cooperao e Desenvolvimento da Europa (OCDE) e, muito especialmente, a Comunidade Econmica Europeia. Cfr. A. KISS, La protection..., cit., passim.

    15 Leiam-se os sete considerandos da Declarao, que oscilam entre a constatao da gravidade do estado de degradao ambiental do planeta (veja-se o considerando 3), e a convico da existncia de perspectivas vastas para a qualidade do ambiente e a criao de uma vida feliz (considerando 6).

    16 P. WEIL, Vers une normativit relative en Droit International?, in RGDIP, 1982, pp. 5 segs, 18, 19.

    ram estas iniciativas localizadas12, sucedeu-se uma abordagem mais abrangente, com a aprovao, no ano de 1968, no seio do Conselho da Europa, de trs impor-tantes documentos relativos proteco da gua e do ar13. A percepo global do problema ambiental sobretudo na perspectiva da progressiva escassez de recursos no confronto com as previses de crescimento demogrfico nos pases menos desenvolvidos levou a que o Conselho da Europa decretasse o ano de 1970 como Ano de proteco da Natureza, e justificou a convocao, em 1972, da Conferncia de Estocolmo pela Assembleia Geral das Naes Unidas [atravs da Resoluo 2398 (XXIII), de 3 de Dezembro de 1968], acontecimento que cons-tituiu a cimeira pioneira na abordagem para-mundial das questes da proteco ambiental14.

    A atitude dos Estados neste primeiro momento de comoo da comunidade internacional em torno da causa ecolgica, plasmada no consenso que deu ori-gem ao texto da Declarao de Estocolmo (de 1972), oscila entre o alarme e a utopia15. Por um lado, a questo do esgotamento irreversvel de certos recursos naturais e as dificuldades de sobrevivncia que tal situao criaria gerou a per-cepo de uma emergncia ambiental. A ateno dos Estados concentrou-se nas vertentes da preveno (da poluio marinha, precisamente, no princpio 7, e mais genericamente no princpio 24, 2 parte) e da responsabilizao (princpios 21 e 22), tendo ambas por pressuposto um dever de cooperao baseado no prin-cpio da boa-f.

    Por outro lado, a tomada de conscincia do problema foi acompanhada de uma crena, algo ingnua, de que se estava a viver um momento histrico (considerando 6); de que a humanidade poderia (deveria) iniciar uma nova etapa de desenvolvimento civilizacional ultrapassando os egosmos sagrados em prol da busca do bem comum16; enfim, em que o Homem, sem deixar de utilizar os recursos, o passaria a fazer de modo mais racional, na medida em que no s isso

  • RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE18

    CARLA AMADO GOMES

    17 A insistncia na tnica do equilbrio entre desenvolvimento econmico e proteco do ambiente deve-se sobretudo, em Estocolmo, necessidade de fazer concesses aos Estados menos desenvolvi-dos, que temiam que a nova preocupao com os temas ecolgicos pudesse constituir um entrave (e uma causa de excluso da ajuda dos Estados mais ricos) ao seu progresso tcnico e econmico cfr. L. B. SOHN, The Stockholm Declaration on the human environment, in HILJ, vol. 14, 1973, pp. 423 segs, 466.

    18 G. BNAR, Vers des droits de lHomme de la quatrime dimension, in Les droits de lHomme laube du XXIme sicle, Liber Amicorum Karel Vasak, Bruxelas, 1999, pp. 75 segs, 110.

    19 Note-se que a primeira associao entre proteco do ambiente e desenvolvimento foi feita em 1969, no artigo 13/c. da Declarao das Naes Unidas sobre o progresso social e o desenvolvimento cfr. J. SYMONIDES, The human right to a clean, balanced and protected environment, in Diritti delluomo e ambiente. La partecipazione dei cittadini alle decisioni sulla tutela dellambiente, a cura di Teresa Tonchia, Pdua, 1990, pp. 239 segs, 241, nota 2.Vincando a aliana entre o Direito Internacional do Ambiente e a noo de desenvolvimento no

    dealbar dos anos 70 do sculo XX, R. GIL SARAIVA, A aposta no desenvolvimento sustentado. Breve perspectiva, em especial no mbito do Direito Internacional, Dissertao em Cincias Jurdico--Internacionais, indita, FDL, Lisboa, 2001, pp. 92 segs.

    20 Segundo R. GIL SARAIVA (A aposta..., cit., pp. 135 segs), a expresso direito ao desenvolvimento foi pela primeira vez utilizada nos trabalhos da Comisso Pontifcia Justia e Paz, em 1964.

    21 De acordo com o princpio 4, 2 parte, A conservao da natureza, especialmente da flora e da fauna silvestres, deve portanto assumir lugar importante no planeamento do desenvolvimento econmico.

    22 Cfr. M. BEDJAOUI, Le droit au dveloppement, in Droit International. Biln et perspectives, II, coord. de M. Bedjaoui, Paris, 1991, pp. 1247 segs, 1259 segs.

    asseguraria a sua sobrevivncia no planeta, como melhoraria a sua qualidade de vida (princpios 2, 4 e 8)17. Em suma, era preciso repensar o mundo18.

    1.1. Ambiente, qualidade de vida e desenvolvimento (sustentado): de Estocolmo ao Rio

    Pode afirmar-se que a primeira abordagem global da questo ambiental apostou na associao entre qualidade do ambiente e qualidade de vida19, promovendo as-sim, quer a ideia de direito ao desenvolvimento20 muito em voga na poca, por fora da ecloso dos movimentos independentistas que geraram a vaga descoloniza-dora , quer a tomada de conscincia da importncia do comportamento de cada pessoa na alterao da situao de degradao progressiva do meio ambiente. Esta concepo ntida no princpio 1 da Declarao de Estocolmo, que proclama que o homem tem um direito fundamental liberdade, igualdade e a condies de vida satisfatrias, num ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem--estar, cabendo-lhe o dever solene de proteger e promover o ambiente em prol das geraes actuais e vindouras.

    A Declarao de Estocolmo, ligando os termos desenvolvimento e responsabili-dade, acentuou a perspectiva da proteco ambiental como base de um desenvolvi-mento econmico equilibrado21 em que, por um lado, a cada Estado reconhecida soberania sobre os recursos situados no seu territrio, mas em que, por outro lado, essa soberania limitada por uma obrigao de gesto racional e prospectiva (prin-cpio 21)22. Na verdade, a necessidade de proteco do ambiente, cruzada com uma ideia embrionria de desenvolvimento sustentado, surge como uma restrio so-berania do Estado sobre os recursos naturais situados no seu territrio, conforme se

  • 19RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE

    CARLA AMADO GOMES

    23 T. SCOVAZZI, Considerazioni sulle norma internazionali in materia di ambiente, in RDI, 1989/3, pp. 591 segs, 595.

    24 A constatao da necessidade de ajuda s novas economias dos Estados recm-nascidos da desco-lonizao levou a Organizao das Naes Unidas a produzir um conjunto de Declaraes tendentes consciencializao da comunidade internacional em torno de uma atitude de solidariedade para com aqueles novos Estados. Os documentos fundadores da N.O.E.I. so: a Declarao relativa instaura-o de uma Nova Ordem Econmica Mundial, de 1 de Maio de 1974, o Programa de aco relativo instaurao de uma Nova Ordem Econmica Internacional, da mesma data, e a Carta dos Direitos e Deveres econmicos dos Estados, de 12 de Dezembro de 1974. A mensagem principal que pode retirar-se destes documentos a de que a paz mundial corre risco,

    a mdio ou longo prazo, caso se perpetuem as desigualdades econmicas entre os Estados, as quais comprometem, em ltima anlise, o estatuto jurdico de autonomia recm-adquirido pelos Estados menos desenvolvidos. Sobre a N.O.E.I., vejam-se V. ABELLN HONRUBIA, Algumas consideraciones sobre el nuevo orden econmico internacional, in RFDUC, n 13 (monogrfico), 1987, pp. 213 segs; B. STERN, A Nova Ordem Econmica Internacional, ICEP, 1988, passim.

    25 T. SCOVAZZI, Considerazioni..., cit., p. 603.26 J. JUSTE RUIZ, Derecho Internacional del medio ambiente, Madrid, 1999, p. 25.27 Cujo nome oficial Comisso Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento sustentado (criada

    em 1983 e presidida por Gro Bruntland). O Relatrio produzido por esta Comisso em 1987, de ttulo Our common future, foi encomendado pela Assembleia Geral das Naes Unidas e destinou-se a fazer um ponto da situao do estado de conservao dos recursos naturais, e a estabelecer um conjunto de princpios de actuao dos Estados no domnio da proteco do ambiente, no sentido de preparar a Conferncia do Rio.

    28 Neste sentido, M. PALLEMAERTS, La Confrence de Rio: Grandeur et dcadence du Droit Inter-national de lEnvironnement?, in RBDI, 1995/1, pp. 175 segs, 185 segs; R. GIL

    decidiu no caso Trail Smelter (1938/41), verdadeira pedra miliar do processo de formao da norma sobre proibio de poluio transfronteiria23.

    Alm disso, a preocupao de proporcionar s populaes dos Estados mais des-favorecidos melhores condies de vida atravs de incentivos e auxlios melhoria da qualidade ambiental era tambm um sinal de abertura aos princpios da Nova Ordem Econmica Internacional24, e denotava uma tentativa de incrementar a jus-tia social global atravs do objectivo da proteco e promoo ambientais (cfr. os princpios 9, 10, 11, 12, 20, 23 da Declarao de Estocolmo). Segundo SCOVAZZI, no s verdade que um desenvolvimento que exceda as capacidades dos recursos naturais danifica o ambiente, como no menos certo que um ambiente degradado impede o desenvolvimento. No s verdade que os conflitos, internos e interna-cionais, destroem o ambiente, como tambm inquestionvel que um ambiente deteriorado gera conflitos25. Impe-se, pois, contribuir para a instaurao de uma pax ecologica26.

    plausvel, desta feita, a constatao de que a noo de desenvolvimento sus-tentado, emergente dos trabalhos da Comisso Bruntland27 (que esto na origem, por seu turno, da Resoluo da Assembleia Geral da ONU 44/228, de 22 de Dezembro de 1989), tem o seu embrio na Declarao de Estocolmo28. Vejam-se, por exemplo: a afirmao de que a maior parte dos problemas da degradao ambiental so provo-cados pelo subdesenvolvimento (considerando 4); o apelo a uma concepo integra-da e planificada do desenvolvimento, que permita conciliar este com a necessidade de prevenir a degradao ambiental (princpios 13 e 14); enfim, o incentivo a um desenvolvimento qualitativo atravs da concesso de auxlios aos pases menos de-senvolvidos para poderem implementar tecnologias limpas (princpio 12).

  • RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE20

    CARLA AMADO GOMES

    29 No mesmo sentido, o artigo 30 da Carta das Naes Unidas sobre os Direitos e Deveres Econmicos dos Estados (aprovada pela Resoluo 3281 da Assembleia Geral, de 12 de Dezembro de 1974): The protection, preservation and the enhancement of the environment for the present and future genera-tions is the responsibility of all states. All states shall endeavour to establish their own environmental and developmental policies in conformity with such responsibility. SARAIVA, A aposta..., cit., p. 234.

    30 Neste sentido, N. SINGH, Right to the environment and sustainable development as a principle of international law, in SD, 1988/1, pp. 45 segs, 51, 52; A. CANADO TRINDADE, Derechos de soli-dariedad, in Droit International. Biln et perspectives, II, coord. de M. Bedjaoui, Paris, 1991, pp. 63 segs, 70; M. MELO ROCHA, A avaliao de impacto ambiental como princpio de Direito do Ambiente nos quadros internacional e europeu, Porto, 2000, p. 29.

    31 Qualificao da autoria de KAREL VASAK Le droit international des droits de lhomme, in RCADI, 1974/IV, pp. 333 segs, 344. Na sistematizao de G. PECES-BARBA MARTNEZ (embora o autor no se manifeste especialmente apologista da tese das geraes de direitos), tratar-se-ia mesmo de um direito de quarta gerao sendo a primeira a dos direitos individuais, de inspirao liberal; a segunda, a dos direitos polticos, de inspirao democrtica; a terceira, de inspirao socialista, a dos direitos sociais; e finalmente, a quarta gerao, caracterizada pelo valor da solidariedade (Derecho y derechos fundamentales, Madrid, 1993, pp. 317, 318).

    32 A. CANADO TRINDADE, Derechos de solidariedad, cit., p. 64.33 Tecendo incisivas crticas noo de geraes de direitos, A. CANADO TRINDADE, Derechos de

    solidariedad, cit., pp. 64 segs; P. ALSTON, A third generation of solidarity rights: progressive de-velopment or obfuscation of international human rights law?, in NILR, vol. 24, 1982, pp. 307 segs, 316 segs; P. MEYER-BISCH, Dune succession de gnrations un systme des droits humains, in Les droits de lHomme laube du XXIme sicle, Liber Amicorum Karel Vasak, Bruxelas, 1999, pp. 333 segs, 338 segs; JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, IV, 3 ed., Coimbra, 2000, p. 24.

    O acento tnico do desenvolvimento colocado na ideia de responsabilidade ecolgica: dos Estados, em primeira linha, que tm o direito de utilizar mas tambm o dever de proteger os bens ambientais situados nos seus territrios, e de se auxiliar mutuamente no intuito, quer de prevenir a degradao ecolgica, quer de a mini-mizar e combater coordenadamente (princpio 21)29. Das pessoas, em segunda linha, incutindo-lhes a ideia do dever de preservao do ambiente atravs da afirmao dos direitos dignidade e ao bem-estar (princpio 1). Estes deveres, de Estados e cidados, decorrem da frmula, no nomeada mas pressentida, de desenvolvimento sustentado, entendido este como a capacidade de satisfao das necessidades da gerao presente sem comprometimento da capacidade de satisfao das neces-sidades das geraes vindouras (na formulao posterior, constante do Relatrio Bruntland).

    O direito ao ambiente assume assim, no contexto do princpio do desenvolvi-mento sustentado, uma bvia dualidade: por um lado, apresenta-se como uma ex-tenso do direito vida, ligado preservao e promoo das condies bsicas de existncia fsica das pessoas, ou seja, numa vertente subjectiva, a ttulo de direito individual30; por outro lado, configura-se como um apelo conservao e promoo dos bens naturais enquanto suportes do meio ambiente em que o homem se integra e sob a forma de ndices de qualidade de vida, i.e., numa vertente comunitria, a ttulo de interesse de utilizao de bens colectivos.

    Esta ambivalncia valeu ao direito ao ambiente a reconduo, por alguma dou-trina, aos chamados direitos de terceira gerao31. Descontada agora a fantasia32, cientificamente inadequada, de tal categorizao33, certo que h na consagrao do direito ao ambiente concretamente na sua dimenso colectiva uma novida-de relativamente aos direitos at a considerados (na perspectiva internacionalista,

  • 21RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE

    CARLA AMADO GOMES

    V. PEREIRA DA SILVA fala de um equvoco na utilizao da expresso, uma vez que ela deve traduzir, no uma luta de geraes (em que as novas se substituem s velhas), mas antes um convvio de geraes de direitos do Homem Verdes so..., cit., pp. 130, 131.

    34 Idnticas caractersticas revestem outros direitos que a doutrina identifica com esta categoria de novos direitos do Homem e dos povos, tais como o direito paz, ao desenvolvimento, autodetermi-nao cfr. H. GROS ESPIELL, Introduction, in Droit International. Biln et perspectives, II, coord. de M. Bedjaoui, Paris, 1991, pp. 1238 segs, 1241; D. URIBE VARGAS, La troisime gnration des droits de lhomme, in RCADI, 1984/I, pp. 359 segs.

    35 V. PEREIRA DA SILVA, Verdes so..., cit., p. 130.36 KAREL VASAK, Le droit..., cit., loc. cit.; A. CANADO TRINDADE, Derechos de solidariedad, cit.,

    passim; G. PECES-BARBA MARTNEZ, Derecho y derechos..., cit., p. 318 (este autor trata aprofun-dadamente a questo da solidariedade como valor superior do ordenamento jurdico actual, na obra citada, a pgs. 294 segs).

    37 H. GROS ESPIELL, Introduction, cit., pp. 1243 segs.38 Cfr. J. RIVERO, Dclarations parallles et nouveaux droits de lhomme, in RTDH, 1990/4, pp.

    323 segs, 324.39 Neste sentido, R. PELLOUX, Vrais et faux droits de lHomme. Problmes de dfinition et de

    classification, in RDPSP, 1981/1, pp. 53 segs, 68; P. ALSTON, Les nouveaux droits de lHomme: il est ncessaire dlaborer de nouvelles procdures pour leur proclamation, in RCIJ, n 34, 1985, pp. 62 segs, 62.

    40 Na realidade, o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 1966, j aludia, no artigo 12.1, ao direito a gozar de um elevado nvel de sade fsica e mental, devendo os Estados promover a melhoria das condies de higiene no trabalho e do meio ambiente. O ambiente surge aqui, no entanto e bem, em nossa opinio , como contexto e no como direito.

    41 No artigo 24: All peoples shall have the right to a general satisfactory environment favorable to their development.

    direitos civis e polticos, por um lado, e direitos sociais, por outro lado). Consiste tal inovao no facto de o direito ao ambiente incidir sobre bens cuja apropriao individual impossvel; de o aproveitamento das utilidades destes bens, embora com reflexos ao nvel da vivncia individual, s em comunidade ser realizvel; de a proteco dos bens naturais resultar de um esforo comum34.

    A considerao do direito ao ambiente como direito do Homem resulta da neces-sidade de repensar a posio do indivduo na comunidade perante os novos desafios colocados pelas modernas sociedades, escreve PEREIRA DA SILVA35. A locuo direito ao ambiente traz consigo uma inteno pedaggica, de iniciao do indivduo numa nova forma de viver em comunidade. Por isso, e no confronto com as categorias de direitos j existentes, comummente rotulado de direito de solidariedade36, ou direito de vocao comunitria37. H tambm, no entanto, quem considere que se verifica uma sloganizao do direito ao ambiente38, constituindo esta aproximao aos direitos do Homem o resultado de consideraes puramente polticas, ligadas onda de simpatia gerada pelos movimentos descolonizadores e ao encorajamento da ajuda aos Estados recm-nascidos, atravs do alargamento do leque de direitos liga-dos melhoria da qualidade de vida das populaes, geralmente precria39.

    Contudo, a pureza do direito ao ambiente vrias vezes proclamado aps a sua primeira apario na Declarao de Estocolmo40, em documentos tais como a Carta Africana dos direitos do Homem e dos Povos, de 198141, ou o Protocolo adicional Conveno Americana dos direitos do Homem, no domnio dos direitos econmicos,

  • RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE22

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    42 O artigo 12 deste instrumento internacional dispe que Everyone shall have the right to live in an environment free of pollution and to have access to basic urban services, especially a safe water supply and sewerage services.

    43 J a Declarao sobre os Deveres bsicos dos povos e governos asiticos, de 1983, revela uma abor-dagem original, na medida em que configura a proteco do ambiente como um dever e no como um direito: It is the duty of government and of the people to judiciously manage and use the nations natural resources to preserve them for future generations, to prevent environmental and atmospheric degradation (artigo 3).

    44 A expresso de Mario Menndez, apud C. GUTIRREZ ESPADA, La contribucin del Derecho Internacional del medio ambiente al desarrollo del Derecho Internacional contemporneo, in ADI, vol. XIV, 1998, pp. 113 segs, 181.

    45 M. PALLEMAERTS, La confrence..., cit., p. 188.46 Cfr. S. BELL e D. McGILLIVRAG, Environmental Law, 5 ed., Londres, 2000, p. 44; G. FIEVET, R-

    flexions sur le concept de dveloppement durable: prtention conomique, principes stratgiques et protection des droits fondamentaux, in RBDI, 2001/1, pp. 128 segs, 139 segs.

    47 Em especial sobre a Cimeira do Rio, M. TALLACHINI, Earth Summit 92, in RIDH, 1992/2, pp. 527 segs;48 Cfr. M. PALLEMAERTS, La confrence..., cit., p. 188.49 Embora, como sublinha L. B. SOHN, com muitas cautelas de terminologia, designadamente no que

    concerne adopo da States shall form The Stockholm Declaration..., cit., p. 513.

    sociais e culturais, de 198842-43 , a sua faceta de horizonte tico e reivindicativo44 do Homem renovado pela intuio do seu lao indissolvel com o meio ambiente, foi--se esbatendo medida que os Estados mais desenvolvidos se aperceberam das srias implicaes que a assuno de uma atitude ecologicamente amiga teria para os seus objectivos de crescimento econmico.

    Com algum desencanto, pode dizer-se que a ligao entre ambiente e desenvol-vimento (sustentado) foi perdendo a inocncia ao longo da dcada de 80 do sculo XX. Enquanto na Declarao de Estocolmo, os direitos soberanos dos Estados sobre os seus recursos naturais se situam num contexto ecolgico, que condiciona de al-guma forma as modalidades do seu exerccio, na formulao da Declarao do Rio, esse contexto foi atenuado pela aluso a polticas de desenvolvimento econmico, que funcionam como contra-peso45. O sentido do princpio do desenvolvimento sus-tentado atinge uma ambiguidade mxima, transformando-se numa noo primordial-mente econmica46.

    Com efeito, a Cimeira do Rio de 1992, tambm realizada no mbito da ONU e que teve por misso promover a elaborao e ratificao de um conjunto de instru-mentos internacionais de proteco sectorial do ambiente, traduz o despertar dos Estados desenvolvidos para as implicaes da assuno indiscriminada de obrigaes de proteco do ambiente47. Na Declarao do Rio, a subalternizao do objectivo da proteco ambiental especialmente visvel, desde logo ao nvel do artigo 2, que reconhece aos Estados o direito de explorar os seus recursos de acordo com a sua poltica ambiental e, num aditamento pleno de sentido, nos termos da sua poltica de desenvolvimento48. utopia de Estocolmo que apresentava o desenvolvimento econmico como veculo de promoo da qualidade ambiental (cfr. o princpio 8)49 , sucedia-se o realismo do Rio.

    Continuando embora a estabelecer uma estreita relao entre direito ao am-biente e direito qualidade de vida, a Declarao do Rio conferiu ao primeiro um novo matiz, marcadamente economicista. Leia-se a nova frmula, constante do ar-tigo 1, que refere um direito a uma vida s e produtiva, em harmonia com a na-tureza. A qualidade ambiental enquanto pressuposto de uma vida com qualidade

  • 23RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE

    CARLA AMADO GOMES

    50 M. PALLEMAERTS, La confrence..., cit., p. 183.51 P.-MARIE DUPUY, O en est..., cit., p. 889.52 Na expresso de P. BIRNIE e A. BOYLE, a integrao entre objectivos econmicos e ecolgicos atra-

    vs da ideia de desenvolvimento sustentvel visa alcanar a balanced view of environmental needs within competing priorities International Law and the environment, 2 ed., Oxford, 2002, p. 87.

    53 Leia-se a anlise de S. DOUMB-BILL (Droit International et dveloppement durable, in Les hommes et lenvironnement, tudes en hommage A. Kiss, Paris, 1998, pp. 245 segs, max. 251 segs) que, defendendo embora o carcter mobilizador do princpio, no deixa de reconhecer a sua ambi-guidade e aleatoriedade. Ou atente-se nas reflexes de G. FIEVET, Autor que aponta para o carcter dinmico da ideia de desenvolvimento sustentado, muito mais um resultado da compatibilizao de princpios do que, de per si, um princpio consolidado Rflexions..., cit., pp. 143 segs. Neste lti-mo sentido, v. tambm D. VANDERZWAAG, The concept and principles of sustainable development: Rio-formulating common law doctrines and environmental laws, in WYAJ, 1993, pp. 39 segs, 41 segs, e L. PARADELL-TRIUS, Principles of International Environmental Law: an overview, in RECIEL, n 9, 2000, pp. 93 segs, 98.

    54 P.-MARIE DUPUY O en est..., cit., p. 887.55 M. PALLEMAERTS, La Confrence..., cit., p. 182. No mesmo sentido, C. GUTIRREZ ESPADA, La

    passa a resultado eventual da actividade humana, dependente das opes de poltica econmica dos Estados. Tal orientao decorre desde logo do princpio 4, que en-trelaa ambiguamente a proteco do ambiente e o processo de desenvolvimento, condenando implicitamente qualquer poltica de ambiente que no seja compatvel com os imperativos do crescimento econmico50.

    O direito ao ambiente revela-se, assim, no plano do Direito Internacional, como um refm do desenvolvimento econmico. Paradoxalmente, o conceito de desenvol-vimento sustentado, inominado em Estocolmo mas subjacente lgica de interde-pendncia entre a proteco do ambiente e a criao de condies, presentes e fu-turas, de realizao da justia social ao nvel global, ganha nome e exposio no Rio, mas esvazia-se da inteno primordial algo ingnua, reconhea-se , adivinhada no texto de 1972 e mais tarde confirmada no Relatrio Bruntland. O desenvolvimento sustentado, esse rasto ziguezagueante (como o apodou P.-MARIE DUPUY51), dir-se--ia mesmo ter perdido o sentido de mxima de actuao em sede ambiental, para se transformar numa frmula (conjuntural) de sntese da ponderao dos interesses52, geralmente antagnicos, da proteco do ambiente e do crescimento econmico53.

    Na verdade, havendo embora algumas referncias dispersas ao desenvolvimento sustentado ao longo da Declarao do Rio, no possvel induzir delas nenhuma no-o coerente sobre a substncia do princpio, precisamente porque inexiste con-senso real sobre esse conceito no seio da comunidade internacional. Esta , alis, a razo porque P.-MARIE DUPUY advoga que o princpio deve ter uma enunciao ca-sustica , o que corresponde a negar-lhe a natureza de princpio 54. Esta apreciao reforada pela anlise de PALLEMAERTS, ao escrever que a leitura da Declarao do Rio e dos seus trabalhos preparatrios revela-nos que existe uma confuso semn-tica crescente e por vezes mesmo deliberadamente alimentada entre os conceitos de proteco do ambiente, desenvolvimento sustentado, desenvolvimento tout court e crescimento econmico55.

    O desenvolvimento sustentado corresponde a uma certa ideia de justia distri-butiva no plano internacional, a qual, para ter alguma eficcia, pressupe uma dupla projeco: num plano intrageracional global (que envolveria a concesso de auxlios

  • RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE24

    CARLA AMADO GOMES

    contribucin..., cit., pp. 176 segs; G. CORDINI, Diritto ambientale..., cit., pp. 35 segs, max. 46; P. BIRNIE e A. BOYLE, International Law..., cit., pp. 95 segs

    56 Sobre a tenso entre as ideias de solidariedade intra e intergeracional, leia-se o dilogo crtico entre A. DAMATO, E. WEISS e D. GNDLING em trs artigos reunidos sob o ttulo Agora: What obliga-tions does our generation owe to the next? An approach to global environmental responsibility, in AJIL, Vol. 94, 1990, pp. 190 segs.

    57 A. DOLIVEIRA MARTINS, O desenvolvimento sustentvel e o regime dos cursos de gua interna-cionais, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor J. Silva Cunha, Coimbra, 2005, pp. 39 segs, 40.

    58 E. PISANT, Dveloppement et environnement, nouvel ordre et coopration, in Lvnement europen, ns 23/24, 1993, pp. 209 segs, 210.

    59 Seguimos a exposio de M. PALLEMAERTS, La confrence..., cit., pp. 202 segs. Leiam-se tambm as consideraes de C. GUTIRREZ ESPADA, La contribucin..., cit., pp. 184 segs, e de S. JOHNSON, Did we really save the Earth at Rio?, in The Earth Summit: The United Nations Conference on Environ-ment and Development (UNCED), London/Dordrecht/Boston, 1993, pp. 3 segs. Numa perspectiva mais optimista (mas essencialmente descritiva), A. KISS e D. SHELTON, International..., cit., pp. 74 segs.

    aos pases mais pobres, por um lado, e a assuno de uma atitude mais activamente racional no aproveitamento dos recursos, por outro lado), e numa vertente inter-geracional (na perspectiva da salvaguarda do direito sobrevivncia das geraes futuras) ainda que no revistam a mesma natureza vinculante56.

    Esta dimenso, carregada de sentido filosfico mas pouco operativa enquanto noo jurdica, flui claramente da definio de A. DOLIVEIRA MARTINS, quando afir-ma que o desenvolvimento ser sustentvel, por um lado, na medida em que no traduza uma viso puramente utilitarista e imediatista, ajustando-se antes reali-zao constante do Bem Comum e traduzindo uma ponderao de valores como os da justia e da solidariedade (intra e inter-societria) (...). Neste sentido, o conceito de desenvolvimento sustentvel um conceito ao mesmo tempo ontolgico e deontol-gico, impondo limites de entendimento e de valorizao positiva dos fenmenos de desenvolvimento. Aponta mesmo e afinal, para um modelo de vida das sociedades actuais que seja mais equilibrado57.

    Ora, da Conferncia do Rio emergiu uma realidade que desmente categorica-mente esta aspirao de justia, tendo ficado provado que sem partilha e sem re-voluo cultural e ideolgica, o ambiente e o desenvolvimento constituem ambies contraditrias58. Com efeito, a Declarao do Rio acaba por acentuar a tenso entre o princpio do desenvolvimento que de sustentado s tem o ttulo... e a neces-sidade de gesto racional dos recursos ambientais, olhada com desconfiana pelos Estados mais desenvolvidos maxime, pelos Estados-Unidos da Amrica , mais pre-ocupados com a manuteno do western way of life das suas populaes. A pretexto de alcanar o consenso sobre um conjunto de pontos fundamentais na definio de uma estratgia mundial de luta contra a degradao ambiental, o que se conseguiu no Rio foi estabelecer um catlogo de frmulas derrogatrias das obrigaes de pro-teco do ambiente ento esboadas.

    Esta anlise desencantada facilmente comprovada pela breve apreciao de alguns compromissos (em grande parte assumidamente desprovidos de fora vin-culante) firmados na sequncia da Conferncia do Rio59. No caso da proteco das florestas, a dependncia das polticas de desenvolvimento econmico de cada Estado e a total remisso para a sua legislao interna esvaziam qualquer inteno efectiva de proteco dos interesses ambientais. No domnio da conservao da diversidade

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    CARLA AMADO GOMES

    60 M. PALLEMAERTS, International Law and sustainable development: any progress in Johannesburg?, in RECIEL, 2003/1, pp. 1 segs, 2.

    61 Cfr. M. PALLEMAERTS, International Law..., cit., pp. 7, 10 e 11.62 Neste sentido, L. BOISSON DE CHAZOURNES e M. MBENGUE, La Dclaration de Doha de la Confrence

    Ministerielle de lOrganisation Mondiale du Commerce et sa porte dans les relations commerce/environnement, in RGDIP, vol. 106, 2002, pp. 855 segs, max. 875, 876. Ver tambm, sobre a tentativa de harmonizar proteco do ambiente e liberdade de trocas internacionais, S. GAINES, International trade, environmental protection and development as a sustainable development triangle, in RECIEL, 2002/1, pp. 259 segs, passim.

    biolgica, todas as obrigaes das partes esto condicionadas por uma clusula de reserva do possvel e oportuno. E no campo da luta contra a deteriorao da ca-mada de ozono, o artigo 2 da Conveno-Quadro sobre as alteraes climticas d o mote, estabelecendo que a reduo das emisses deve ser gradual, de modo a que os ecossistemas se possam adaptar naturalmente s alteraes climticas, a que a produo alimentar no fique ameaada e a que o desenvolvimento econmico possa prosseguir numa lgica de durabilidade.

    Acresce a este quadro a constatao, expressamente assumida na Resoluo da Assembleia Geral da ONU 55/199, de 20 de Dezembro de 2000 instrumento que convoca a quarta conferncia mundial sobre o ambiente, em Joanesburgo, realizada em 2002 da genrica inefectividade dos compromissos do Rio60. Na realidade, a Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Sustentado limitou-se a instar os Estados a aprofundar o seu comprometimento com a causa da proteco do ambiente, con-vidando mesmo numa atitude de resignao realista adopo de cdigos de conduta e instrumentos no vinculantes como alternativa s situaes de impasse. O desenvolvimento sustentado, esse macro-princpio aglutinador de objectivos de tutela ambiental ficou, mais do que nunca, conotado com uma certa retrica am-biental imobilista e com um activismo comercial em ascenso61.

    Enfim, se a proteco ambiental (quase envergonhadamente, dir-se-ia) as-sumida como um objectivo por parte dos Estados, essa tarefa surge perigosamente relativizada em funo de outras metas. Afirmando publicamente o interesse na pre-servao do ambiente, os Estados no desejam comprometer-se em termos absolu-tos, deixando sempre uma margem de manobra suficiente para a conciliao com ou-tros fins. Exemplo recente e particularmente sintomtico o da Declarao de Doha, proferida no seio da Organizao Mundial do Comrcio pela Conferncia Ministerial, a qual pretende servir de guia de orientao para todas as negociaes de acordos regionais multilaterais que envolvam o binmio ambiente/comrcio, no sentido de o colocar sobre a gide do princpio do desenvolvimento sustentado. Alm da con-trovrsia sobre o valor jurdico da Declarao (trata-se de uma recomendao ou de uma deciso?), e da sua articulao com o Acordo de Marraqueche ( derrogatria, meramente interpretativa, ou complementar deste?), a doutrina sublinha a subtil mas firme afirmao da primazia dos objectivos do livre comrcio sobre a proteco ambiental, claramente expressa no pargrafo 6 da Declarao62.

    , por isso, foroso concluir que a insustentvel leveza da grande parte dos compromissos ambientais muitos, tais como declaraes e cartas de princpios de

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    63 Cfr. T. SCOVAZZI, Considerazioni..., cit., p. 606; A. KISS, Environnement et dveloppement ou environnement et survie?, in JDI, 1991/2, pp. 265 segs, 277 segs; P.-MARIE DUPUY, Soft law and the international law of the environment, in Michigan JIL, 1991, vol. 12, n 1, pp. 420 segs, passim; B. REILLY, Clear and present danger: a role for the United Nations Security Council in protecting the global environment, in Melbourne ULR, 1996, pp. 763 segs, 766 segs; J. JUSTE RUIZ, Derecho..., cit., pp. 44 segs.

    64 Cfr. R. GIL SARAIVA, A aposta..., cit., p. 244.65 Resoluo 37/7 da Assembleia Geral da ONU, de 28 de Outubro de 1982.66 M. PALLEMAERTS, La confrence..., cit., p. 193.67 Uma sntese do estado da questo na qual se revela an increasing trend to deny the existence

    of the human right to a clean environment pode ver-se em M. A. FITZMAURICE, International pro-tection of the environment, in RCADI, 2001-I, pp. 13 segs, 305 segs.

    68 Indeed, ones environmental human right is likely to be of a different nature altogether, depend-ing on where one is located, in the North as against the South, in a developing country or a developed nation G. HANDL, Human rights and protection of the environment: a mildly revisionist view, in Derechos humanos, desarrollo sustentable y medio ambiente, Braslia, 1992, pp. 117 segs, 130. V. tambm H.-JRI UIBOPUU, The internationally guaranteed right of an individual to a clean envi-ronement, in CLY, 1977/1, pp. 101 segs, 111 segs.

    alcance mundial, incorporados em normas de soft law63, a volatilidade do prin-cpio do desenvolvimento sustentado64, o relativismo geogrfico da efectividade da proteco do ambiente, aliados a uma posio jurdica intensamente permevel ao conceito metamorfoseante de qualidade de vida, pem em causa a seriedade da proclamao de um direito ao ambiente.

    1.2. Direito ao ambiente: uma frmula vazia?

    Num espao de vinte anos, o direito ao ambiente adquiriu cambiantes comple-tamente antagnicas. Se a Declarao de Estocolmo o colocava num contexto eco-cntrico prolongado pela Carta Mundial da Natureza, aprovada pela Assembleia Geral da ONU65 , a Declarao do Rio faz dele um smbolo do antropocentrismo delirante, quando afirma que os seres humanos esto no centro das preocupaes relativas ao desenvolvimento sustentado66. Onde a Declarao de Estocolmo acen-tuava o dever de preservao dos recursos numa lgica de integrao harmnica do Homem no meio ambiente, a Declarao do Rio aposta na vertente do aproveita-mento dos bens ambientais de acordo com as exigncias das polticas de crescimento econmico. Enfim, se a Declarao de Estocolmo aliava direito ao ambiente e digni-dade da pessoa, a Declarao do Rio entrelaa direito ao ambiente e produtividade dos indivduos.

    Perante to amplo leque de concretizaes significantes, no admira que o di-reito ao ambiente se afigure de caracterizao difcil diramos mesmo: incarac-terstico67. Para alm das oscilaes conjunturais, que tm que ver, sobretudo, com o contexto econmico-geogrfico de cada Estado (embora aqui esteja mais directa-mente em causa o quantum, no o quid)68, a ideia de um direito ao ambiente como

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    69 Cfr. R. PELLOUX, Vrais et faux..., cit., pp. 59, 60 e 67, 68; J. RIVERO, Dclarations parallles..., cit., pp. 324 e 326. Para uma sntese das persistentes ambiguidades, constrangimentos e tenses associadas ao direito ao ambiente, no plano internacional, PAULA PEVATO, A right to environment in International Law: current status and future outlook, in International Environmental Law, I, coord. Paula Pevato, Trowbridge, 2001, pp. 309 segs, 312 segs.

    70 A impreciso da frmula direito qualidade de vida, que se manifesta, quer numa dimenso objectiva, quer numa dimenso subjectiva, torna impossvel a definio, mesmo aproximativa, do seu substracto. Isto na medida em que a qualidade de vida de um indivduo ou de uma comunidade depende, em termos puramente objectivos, de condicionalismos econmicos, geogrficos, culturais. Por outras palavras, h tantas noes de qualidade de vida quantos os Estados, regies, comunidades (cfr. R. MARTN MATEO, La calidad de vida como valor jurdico, in RAP, 1988, pp. 51 segs, max. 56 segs; v. tambm, do mesmo autor, Tratado de Derecho ambiental, I, Madrid, 1991, pp. 100 segs).Mas mais: o perigo da eleio de um conceito de qualidade de vida advm da sua dimenso subjecti-

    va. Dentro da mesma comunidade, a cada indivduo deve ser reconhecido um direito a escolher o seu padro de qualidade de vida uma espcie de caminho para a felicidade , enquanto expresso da sua autonomia intrnseca (por exemplo, para alguns ter telemvel pode ser sinnimo de qualidade de vida; para outros, a qualidade de vida pode revelar-se exactamente no oposto). Em ltima anlise, a imposio de um conceito abstracto de qualidade de vida, destacado do homem concreto e do incon-tornvel respeito pela sua dignidade, pode ser expresso de um camuflado totalitarismo.

    71 G. HANDL, Human rights..., cit., pp. 120 segs.

    posio jurdica de vantagem de carcter individual, conforme notam PELLOUX e RIVERO, apresenta obstculos estruturais de vulto69.

    Em primeiro lugar, de identificao do bem jurdico protegido pelo direito: o direito ao ambiente materializa-se no direito vida ou no direito integridade fsica (na vertente do direito sade), ambos direitos de personalidade clssicos, plena-mente implantados no plano do Direito Internacional, que o absorvem e lhe anulam a autonomia. Em segundo lugar, e em consequncia do que acaba de se afirmar, de identificao do titular da prestao do direito: se o direito ao ambiente um aliud relativamente ao direito vida de cada indivduo, ento o seu objecto h-de estar para alm da esfera do homem isolado e encontrar-se- no plano comunitrio o que vai de encontro carga simblica das suas origens e corresponde ideia de qua-lidade de vida. Em terceiro lugar, se o direito ao ambiente se traduz num direito qualidade de vida, ento estamos perante uma obrigao de resultado de cada Esta-do, em concreto, para com os membros da comunidade que o integram de resto, de contedo tendencialmente impreciso , mas no diante de uma posio jurdica tipicamente caracterizada e individualmente invocvel70.

    Tambm HANDL tece duras crticas ao conceito, quer numa perspectiva terica, quer no plano puramente prtico71. Do ponto de vista terico, considera que o direito ao ambiente no pode ser assimilado a um direito individual por lhe faltar a caracte-rstica da inalienabilidade, prejudicada pela sua relatividade intrnseca: a conserva-o do ambiente um objectivo entre muitos, tendencialmente preterido em favor do crescimento econmico ou da preservao do emprego. No que toca apreciao da sua real implantao ao nvel da prtica dos Estados, HANDL alerta para a vagui-dade das expresses utilizadas nos instrumentos internacionais, bem como para a sua falta de vinculatividade, concluindo que o direito ao ambiente no obteve at

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    72 Refira-se que a (in)determinabilidade do contedo do direito um problema que se repete relativa-mente aos direitos econmicos, sociais e culturais em geral, cuja concretizao depende de mltiplos factores cfr. Y. YOKOTA, Reflections on the future of economic, social and cultural rights, in The future of international human rights, coord. de B. Weston e S. Marks, Nova Iorque, 1999, pp. 201 segs. No caso do direito ao ambiente, o problema agrava-se porque a determinao do quantum da prestao individual impossvel, em virtude da natureza colectiva do bem.

    73 G. HANDL, Human rights..., cit., p. 128. De entre os casos mais significativos, citem-se o caso Lpez Ostra c. Espanha, proc. 16798/90 (deu por provada a violao dos direitos vida privada e familiar, e inviolabilidade do domiclio, consagrados no artigo 8 da Conveno, em virtude de emisses de cheiros de uma estao de tratamento de resduos contgua habitao do recorrente), decidido pelo Tribunal Europeu em 9 de Dezembro de 1994, e o caso Hatton e outros c. Reino Unido, proc. 36022/97 (deu igualmente por provada a violao dos direitos nsitos no artigo 8 da Conveno, postos em causa pela poluio sonora provocada pelos voos nocturnos do aeroporto de Heathrow), com deciso de 2 de Outubro de 2001. Uma listagem de casos apreciados pelo Tribunal Europeu, em que o preenchimento do contedo do direito ao ambiente se deu atravs da remisso para outros direitos (de personalidade e de propriedade) pode ver-se em M. DJEANT-PONS, Le droit de lHomme lenvironnement, droit fondamental au niveau europen dans le cadre du Conseil de lEurope, et la Convention Europenne de sauvegarde des droits de lHomme et des liberts fondamentales, in RJE, 1994/4, pp. 373 segs, 374 segs; M. DE SALVIA, Tutela dellambiente e Convenzione europea dei Diritti dellUomo: verso una ecologia del diritto?, in RIDU, 1989/3, pp. 432 segs, 434 segs.

    74 H.-JRI UIBOPUU, The internationally..., cit., pp. 106 segs.75 E. BLUEMEL, The implications of formulating a human right to water, in ELQ, 2004/4, pp. 957

    segs (a pp. 967 segs, reconduz este direito aos direitos vida e sade, bem como a deveres do Estado no sentido de os promover).

    76 Apesar da militncia, acaba por ser esta a concluso a que chegam M. THORME ao reconhecer que, por muito que se deseje conferir substracto ao direito ao ambiente, o seu preenchimento se faz por recurso a direitos j consagrados, como a vida, a integridade fsica ou a propriedade (Esta-blishing environment as a human right, in DJILP, 1991/2, pp. 301 segs, 319 segs) , W. P. GORMLEY (Autor que acentua a inseparabilidade entre the right to live e the right to living, este ltimo consubstanciado na garantia de um ambiente saudvel The legal obligation of the international community to guarantee a pure and decent environment: the expansion of human rights norms, in GIELR, vol. 3, 1990, pp. 85 segs, 110; do mesmo autor, v. tambm The right to a safe and decent environment, in IJIL, 1988/1, pp. 1 segs, 23, 25), e D. SHELTON, Human rights, environmental rights and the right to the environment, in SJIL, vol. 28, 1991, pp. 103 segs, 129 segs (quando analisa a apli-cao do direito ao ambiente pelas instncias internacionais, sempre mediada por outros direitos).

    agora um ndice de realizao efectiva minimamente satisfatrio72. O Autor refere ainda que as instncias judiciais internacionais nomeadamente, o Tribunal Euro-peu dos Direitos do Homem providenciam uma tutela do direito ao ambiente por ricochete, ou seja, mediatizando a proteco do seu indefinvel substracto a partir, sobretudo, de direitos de personalidade73.

    precisamente o direito vida que, para UIBOPUU, confere alguma dimenso ao alegado direito ao ambiente74 este, de resto, o radical de subdireitos ao ambiente que despontam pontualmente, como o alegado direito gua75. A vagui-dade dos termos empregues nos instrumentos internacionais, a dependncia de cir-cunstncias naturais, sociais, econmicas e polticas, a dificuldade de determinao do contedo do direito, levam o Autor a considerar que a garantia das mnimas con-dies de vida aos indivduos em termos de standards e no de limites precisos a nica possibilidade de operacionalizar o propalado direito ao ambiente, cujas existncia e invocabilidade se afiguram, assim, extremamente duvidosas76.

    Posta em causa a dimenso operativa porque, quer a dimenso simblica, sobretudo quando contextualizada na dcada de 70 do sculo XX, quer a dimenso

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    77 An empty formal shell, assim lhe chama G. HANDL, Human rights..., cit., p. 131.78 A. KISS, Le droit la conservation de lenvironnement, in RUDH, n 12, 1990, pp. 445 segs, 448.

    tambm este o sentido til que HANDL descobre para o direito ao ambiente Human rights..., cit., p. 141.Alguns exemplos de direitos procedimentais constantes de instrumentos de Direito Internacional so

    referenciados por T. SCOVAZZI, La partecipazione del pubblico alle decisioni sui progetti che incidono sullambiente, in RGA, 1989/3, pp. 485 segs, 485 segs (ponto 1).

    79 Aprovada pela Resoluo da Assembleia da Repblica 11/2003, in DR-I, de 25 de Fevereiro de 2003, pp. 1315 segs.

    80 Por isso M. A. FITZMAURICE (International..., cit., p. 328), depois de proceder a uma anlise dos direitos procedimentais relacionados com a defesa do ambiente, especialmente no mbito da Conven-o de Aarhus, sublinha que tais direitos no reflectem necessariamente a existncia de um direito ao ambiente.

    81 Cfr. M. DJEANT-PONS, Linsertion du droit de lhomme lenvironnement dans les systmes rgionaux de protection des droits de lhomme, in RUDH, 1991/11, pp. 461 segs, pp. 467 segs (esp. nota 44).

    82 esta a (nos seus termos coerente) linha argumentativa de K. BOSSELMANN, kologische Grun-drechte, Baden-Baden, 1998, pp. 265 segs. Problemtica, como alis reconhece, a evoluo de uma perspectiva emocional e tica para uma dimenso jurdica, a ultrapassagem da retrica pela concre-tizao do direito (pp. 287 segs, max. p. 301).

    83 PAULA PEVATO, A right..., cit., p. 318.

    pedaggica, so inegveis de um direito ao ambiente enquanto direito quali-dade de vida, convm explorar outras vertentes possveis da assero antes de lhe negar qualquer sentido til e de sobre ela lanar o antema de frmula vazia77. nesta perspectiva que KISS, numa tentativa de o destacar dos direitos clssicos e de justificar a sua autonomia dogmtica, acentua a sua componente essencialmente procedimental78, a qual comportaria os direitos informao, participao em procedimentos decisrios com incidncias ambientais, e ao recurso dessas decises em caso de vcio de forma ou quando delas resultem prejuzos (confronte-se, alis, o princpio 10 da Declarao do Rio, que aponta justamente para esta dimenso procedimental, bem como a Conveno de Aarhus79). Recorde-se, no entanto, que os direitos informao, participao na vida pblica, proteco jurisdicional, so reconhecidos, enquanto instrumentos de aplicao geral80, na grande parte das convenes e declaraes internacionais dedicadas aos direitos do Homem81.

    verdade, como sublinham muitos jusinternacionalistas, que o direito ao am-biente, nascido em Estocolmo e reproduzido em vrios instrumentos de Direito In-ternacional (em regra, Cartas de Direitos), normalmente em estreita aliana com as noes de sade e qualidade de vida, tem consagrao formal expressa. No pode iludir-se, to-pouco, a vertente procedimental da proteco jurdica ambiental e o papel que os particulares so chamados a desempenhar, atravs dos direitos de par-ticipao de que j se deu conta. E nem deve escamotear-se a importncia da acei-tao de um direito de acesso justia para prevenir, minimizar ou ressarcir danos ecolgicos82. Porm, todas estas situaes jurdicas so formalmente destrinveis de um direito ao ambiente, embora possam ser exercitadas em prol da salvaguarda de valores ambientais. A ligao de direitos substantivos, como o direito vida; e adjectivos, como a informao ou o acesso justia causa ambiental no suficiente para justificar a existncia e operacionalidade real de uma pleasant--sounding formulae, eminentemente poltica83, como o direito ao ambiente. As

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    84 A. KISS, Le droit..., passim.85 Sobre a dimenso colectiva de alguns novos direitos do homem e inerentes problemas de legi-

    timidade para a sua invocao , v. a sntese de K. BOSSELMANN, kologische..., cit., pp. 294 segs.86 Esta vertente de solidariedade comunitria, aliada controvrsia gerada em torno da noo de

    direito ao ambiente, leva E. BROWN WEISS a preconizar a adopo da frmula de direitos plane-trios (planetary rights) para designar estas novas realidades In fairness to future generations: International Law, common patrimony and intergenerational equity, s/local, 1989, pp. 116, 117.

    87 J. SYMONIDES, The human right..., cit., p. 246.88 Neste sentido, KAREL VASAK, Le droit international..., cit., p. 344; G. HANDL, Human rights...,

    cit., p. 133.89 Esta subordinao da aco individual realizao do interesse colectivo caracterstica dos di-

    reitos de solidariedade. Como afirma A. YOUSSOUFI, les droits de la troisime gnration sont, par dfinition, des droits la participation, em que lindividu est un citoyen responsable et actif, et non un sujet passif en qute perptuelle dune protection ou dune assistance Rflexions sur lapport de la troisime gnration des droits de lHomme, in Les droits de lHomme laube du XXIme sicle, Liber Amicorum Karel Vasak, Bruxelas, 1999, pp. 427 segs, 431, 432.

    palavras podem inventar um direito, mas no bastam para o manter vivo.A valncia do direito ao ambiente , a nosso ver, outra, e passa pela respon-

    sabilizao de cada um pela tarefa global de conservao do ambiente sublinhe--se que a primeira formulao do direito ao ambiente, no princpio 1, 2 parte, da Declarao de Estocolmo, assenta nessa premissa. KISS parece, alis, aludir a esse aspecto, quando sugere a substituio da locuo direito ao ambiente por direito conservao do ambiente84.

    Na lgica dos chamados direitos colectivos85, como o direito paz, ao desen-volvimento, autodeterminao, o direito ao ambiente envolve um interesse de fruio dos bens ambientais, aliado a um dever de conservao dos mesmos, num contexto de solidariedade comunitria86. A necessidade de proteco do ambiente investe cada indivduo na dupla qualidade de credor e devedor87: um dever de cada pessoa, cujo cumprimento reverte, quer a favor de si prpria, quer a favor dos res-tantes membros da comunidade, existentes e futuros. O interesse na preservao e promoo da qualidade dos bens ambientais pressupe uma certa concepo de vida em comunidade, ou seja, um interesse de realizao comunitria, solidria88.

    Assim, a operatividade do direito ao ambiente no se traduz na possibilidade de exigir do Estado uma qualquer prestao a ttulo individual, mas antes de o levar a desempenhar a tarefa da proteco e promoo da qualidade dos bens ambientais em benefcio de todos os membros da comunidade. Tal frmula contrape, na rea-lidade, uma operatividade substantiva nula a um simbolismo mximo: sem se con-substanciar num direito a uma prestao precisa, incorpora um sentido pedaggico deveras relevante, na medida em que, atravs de um artifcio lingustico, convoca as pessoas para, responsavelmente para consigo e solidariamente para com os res-tantes membros da comunidade, preservarem o seu suporte existencial natural89. Ou seja, alicia-as para o cumprimento de um dever mascarando-o de direito individual clssico.

    A maior adeso provocada pela frmula do direito justifica-se ainda em virtude da desconfiana de grande parte da doutrina jusinternacionalista perante a ideia de dever. Apesar de a Declarao Universal dos Direitos do Homem no ser alheia a esta figura que acolhe nos artigos 28 e 29 , os autores tendem a considerar a inte-grao de deveres em Cartas de Direitos como uma tentativa dos Estados no sentido

  • 31RISCO E MODIFICAO DO ACTO AUTORIZATIVO CONCRETIZADOR DE DEVERES DE PROTECO DO AMBIENTE

    CARLA AMADO GOMES

    90 Veja-se A. EIDE, Human rights require responsibilities and duties, in Les droits de lHomme laube du XXIme sicle, Liber Amicorum Karel Vasak, Bruxelas, 1999, pp. 581 segs.

    91 Neste sentido, T. McCARTHY, Human rights and human duties: do we need a declaration of hu-man responsibilities? Some observations, in Les droits de lHomme laube du XXIme sicle, Liber Amicorum Karel Vasak, Bruxelas, 1999, pp. 655 segs, 668.

    92 A. KISS justifica esta resistncia justamente com o argumento da extrema impreciso do contedo do direito ao ambiente Peut-on dfinir le droit de lHomme lenvironnement?, in RJE, 1976/1, pp. 15 segs, 18.

    93 Referncias mais detalhadas a estas propostas (que no passaram disso) podem ver-se em M. DJEANT-PONS, Linsertion..., cit., pp. 465 segs.

    94 No one should be exposed to intolerable damage or threats to his health or to intolerable impair-ment of his well-being as a result of adverse changes in the natural conditions of life (artigo 1/1). O texto integral da proposta pode consultar-se em The right to a humane environment. Proposal for an additional Protocol to the European Human Rights Convention, in Das Recht auf eine menschen-wrdige Umwelt. Beitrge zur Umweltgestaltung, Heft 13, Berlin, 1973.

    de enfraquecer os direitos j existentes. Com efeito, esse foi o grande argumento utilizado por acadmicos e organizaes no-governamentais para atacar o projec-to de Declarao Universal sobre as responsabilidades humanas (1998), que inclua princpios tais como a no-violncia, o respeito pela vida, a tolerncia, a justia, a solidariedade: a consagrao de tais princpios serviria apenas para legitimar in-tervenes restritivas dos Estados na esfera de direitos dos seus cidados90.

    No concebvel, no entanto, uma comunidade internacional de Direito em que aos cida