Roberto Veras - Considerações sobre a filosofia de Nietzsche

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    Investigao Filosfica: vol. 3, n. 2, artigo digital 5, 2012.

    Consideraes sobre a filosofia de Nietzsche

    Roberto Veras

    Universidade Federal de Campina Grande

    RESUMO: Este artigo intenta analisar o prlogo Assim falou Zaratustra de 1885,

    no obstante, apresentar seus mais variados temas de maneira fundamental, que,

    de certa forma, proporcionam uma coeso conceitual para a compreenso do

    sistema filosfico nietzschiano.

    Palavras-chave: alm-do-homem. morte de Deus. niilismo. ltimo-homem.

    ABSTRACT: This article attempts to analyze the prologue of 1885 Thus SpakeZarathustra, however, presenting its wide range of subjects in a fundamental way,

    that somehow provides a conceptual cohesion to the understanding of Nietzschean

    philosophical system.

    Keywords: beyond-man. death of God. nihilism. last-man.

    I

    A filosofia proposta por Nietzsche (1844-1900) tem como principal objetivo

    a desconstruo do pensamento metafsico clssico ocidental, cujos conceitos e

    valores so estabelecidos de maneira universal, que no suportam modificaes.

    Assim, o filsofo alemo vai perceber que se faz necessria uma genealogia parasabermos onde foi o ponto de partida desse problema.

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    Segundo Nietzsche, o homem do mundo antigo, ou seja, o grego, foi o

    primeiro a estabelecer essa dicotomia de perspectivas de compreenso da

    realidade, isto , sua diviso e oposio entre a exaltao da razo e a

    negao dos sentidos. Em outras palavras, a figura mais emblemtica Plato, que

    apresenta o mundo sob duas perspectivas distintas: sensvel e inteligvel. Segundo

    Nietzsche, essa desvalorizao do mundo emprico causa uma negao da vida

    porque os pensadores do mundo grego clssico tinham como principal objetivo o

    enquadramento da realidade como pressuposto para o verdadeiro conhecimento

    de maneira racional; isto , apenas no campo ideal e imaterial. Dessa forma, ofilsofo alemo admite uma impossibilidade da razo como condio de aceitao

    da realidade de maneira plena e concreta.

    Dessa maneira, o pensamento nietzschiano vai se caracterizando por ser

    uma forma de stira e de ironia em relao s figuras mais importantes da histria

    da humanidade como, por exemplo, a figura de Scrates e Jesus Cristo. Para

    Nietzsche, eles foram modelos de homens covardes, fracos e decadentes. Os

    filsofos so isso sim, os decadentes da helenidade, o movimento de oposio o

    gosto antigo, ao gosto nobre [...]. (NIETZSCHE, 1987, p. 124 grifo do autor) Isso

    porque esses homens viveram de maneira racional; ou melhor, enquadraram a

    realidade do mundo em elementos puramente racionais, deixando para trs as

    experincias vividas que so fundamentais no pensamento nietzschiano. Para o

    filsofo alemo, a maneira de fazer filosofia no buscando a verdade,

    encontrando um fim absoluto para cada pergunta; antes de qualquer coisa

    conhecer as experincias naturais, conhecer atravs do corpo sendo assim,

    proporcionando uma verdadeira reflexo no pela verdade, mas pelos valores.

    O modelo de filosofia proposta por Nietzsche mostra-se ante os mltiplos

    aspectos da natureza. As propriedade exclusivas da sensibilidade apresentam-se

    como elemento fundante para uma filosofia direcionada ao campo emprico; assim,

    o homem tende a criticar a ideia de razo e de verdade imposta pela metafsica

    clssica, como a ideia de Deus que se torna elemento norteador na vida humana.

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    Ao longo desse seu confronto com o conjunto da herana cultural de nossa

    tradio, Nietzsche forjou conceitos e figuras do pensamento que at hoje

    impregnam nosso vocabulrio e povoam nosso imaginrio poltico e artstico. Por

    exemplo, as noes de Apoio e Dionsio, transformadas em categorias estticas; os

    conceitos de vontade de poder, de alm-do-homem (bermensch), de eterno

    retomo, de niilismo e da figura da morte de Deus. (GIACOIA, 2000, p.07)

    Os conceitos produzidos pelo elemento da racionalidade substituiro o

    mundo puramente verdadeiro. Dessa maneira, Nietzsche critica a razo e o produto

    dela: a verdade. Assim, o homem torna-se o nico possuidor do elemento da razo,no qual ele mesmo consegue convencionar o mundo por meio dos seus conceitos e

    da linguagem. A maneira de filosofia proposta por Nietzsche tem como grande

    diferencial as imagens produzidas por meio de metforas e figuras de linguagem.

    Essa caracterstica foi marcante no desenvolvimento de seu pensamento, uma vez

    que vai de contraposio aos argumentos obtidos apenas pelos critrios da razo.

    Todo conhecimento tem interesse: na medida em que eu pratico alguma ao

    objetiva, ela se torna interessada pelo meu corpo, isso porque conhecer

    interpretar.

    Para a conservao do homem, surge a linguagem, instrumento tal que

    promove certo grau de segurana diante das adversidades da vida. O intelecto,

    como um meio para a conservao do indivduo, desdobra suas foras mestras no

    disfarce; pois este o meio pelo qual os indivduos fracos, menos robustos, se

    conservam [...] (NIETZSCHE, 1983, p. 45)

    Com isso, percebemos que o exerccio da linguagem tem grandes influncias

    sobre o ser humano, na medida em que ele se comporta como um ser mais

    fragilizado. O homem, por conseguinte, consegue proporcionar e manipular certas

    verdades para conservar-se. Para que isso seja possvel, o elemento da linguagem

    estabelece relao direta com a verdade que fixada de maneira obrigatria e

    universal. Sendo assim, aqueles que no obedecem a essa certa conveno que a

    metafsica da linguagem prope como sendo verdadeira podero sofrerconsequncias sobre sua conservao em determinada situao. Essas pessoas

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    sero discriminadas e passaro e existir como um rebanho, no qual, os manejos de

    certas verdades ocasionam um adestramento de intelectos.

    Ento, podemos afirmar que a linguagem produto de criao humana, cuja

    principal finalidade dar segurana as suas descobertas, porque o homem conhece

    aquilo que produz; assim, os conceitos so frutos do trabalho humano que

    proporcionam uma verdade, na qual ele poder ter garantia em suas afirmaes

    denominadas de verdade.

    Da, o homem consegue estabelecer as primeiras leis sobre verdade e

    mentira. A linguagem torna-se o grande mecanismo no desenvolvimento dasatividades do homem, causando, assim, uma necessidade de relaes pacficas e de

    acordos propostos pelo intelecto.

    II

    Dessa maneira, a linguagem torna-se produto da razo; por conseguinte, ela

    apresenta-se como uma metafsica da certeza, isto , dos impulsos voltados para a

    verdade. Esse movimento desde Plato pode ser percebido como resultado de uma

    duplicao das coisas, ou seja, os mundos so divididos causando assim uma

    valorizao do mundo ideal e uma desvalorizao do mundo material. Para

    Nietzsche, esse movimento pode ser caracterizado como niilismo.

    O que podemos denominar de niilismo? Em poucas palavras, o niilismo

    pode ser compreendido como uma desvalorizao de valores que so estabelecidos

    por certos paradigmas ou por certas convenes. Tambm chama-se niilismo todo

    o consolo metafsico retirado do sujeito, cuja raiz fundante para a conduta da

    vida. A corroso, a desvalorizao, a morte do Sentido. [...] Os valores tradicionais

    depreciam-se; princpios e critrios absolutos dissolvem-se. [...] A superfcie, antes

    congelada, das verdades e dos valores tradicionais est despedaada e torna-se

    difcil prosseguir o caminho [...]. (PECORARO, 2007, p.07)

    Para o filsofo alemo, o niilismo tem grandes dimenses principalmenteem sua poca, mas esse problema havia sido detectado por ele no mundo antigo.

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    Segundo Nietzsche, o conceito de niilismo possui algumas subdivises que

    permitem uma maior compreenso de seu aspecto filosfico.

    O niilismo pode ser ativo, passivo ou radical. O primeiro tipo de niilismo tem

    uma perspectiva positiva, uma vez que, com a negao de valores, tem-se a

    possibilidade de uma nova abertura de caminho para novos elementos fundantes,

    no qual sero reerguidos para uma nova dimenso da realidade. Esse tipo de

    niilismo pode ser caracterizado como algo positivo, isto , por meio da

    desconstruo de todos os valores que norteavam o campo das aes de

    determinada cultura, pode-se agora construir novos preceitos que possibilitamuma nova concepo de vida.

    Por outro lado, o niilismo na sua forma passiva de maneira fraca e esgotada.

    Esse tipo de niilismo mostra-se como um modo conformado de entender os valores

    propostos e estabelecidos, sobretudo, no campo metafsico, cuja importncia est

    nos preceitos morais que esto vinculados cultura ocidental.

    Na sua forma mais complexa, surge o niilismo radical, no qual a base

    totalmente negativa. Sua posio em relao ao mundo no compreensvel,

    porque sua posio no oferece movimentos satisfatrios para o desenvolvimento

    de valores, muito menos de aes que venham a melhorar a vida do sujeito.

    O niilismo ativo aparece em circunstncias relativamente bem mais

    favorveis. O simples fato de que a moral seja sentida como superada pressupe

    um grau aprecivel de cultura intelectual; esta, por sua vez, um relativo bem-estar.

    [...] o niilismo passivo: enquanto sinal de fraqueza: a fora do esprito pode estar

    cansada, esgotada, de maneira que os objetos e os valores e dos fins [sobre o qual

    repousa o poder de uma cultura] se dissolve, ainda que os diferentes valores

    estejam em guerra: decomposio na medida em que tudo o que reconforta, cura,

    tranquiliza, atordoa, passa para o primeiro plano, sob diversos disfarces: religioso,

    morais, polticos, estticos etc. [...] O niilismo radical a convico do carter

    absolutamente insustentvel da existncia [...]. (NIETZSCHE, 2003, p. 11-15 grifo

    do autor)

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    Para Nietzsche, o niilismo tem uma possibilidade de abertura para novas

    formas de valorizao da cultura ocidental. Segundo ele, a negao da vida e do

    corpo, como havia sido apresentada antes, estabelece critrios que podem ser

    seguidos. Os preceitos morais do Cristianismo, que norteavam a conduta de vida do

    homem ocidental, com o advento do niilismo, esto despedaados. O homem nega

    todos os valores cristalizados como sendo universais e finalizados. Para o sujeito,

    abrem-se novos caminhos e novas dimenses para o melhoramento da vida e da

    cultura em geral.

    O Deus do Cristianismo, com a proposta do niilismo, vai perdendo foras eficando desestabilizado em relao a sua tbula de regras morais que serviam

    como modelo de conduta para o homem. Com a morte de Deus, todas essas

    normas metafsicas vo sendo substitudas pelos novos valores pautados no

    sujeito. O prprio povo responsvel pela morte de Deus, na medida em que seus

    valores metafsicos vo sendo substitudos por outros preceitos apenas com

    nomenclaturas diferentes.

    Contudo, [...] Deus intil, j que ele nada quer. [...] Todo juzo de valor

    emitido sobre o mundo leva finalmente a uma calnia da vida. Julga-se apenas

    aquilo que , em relao ao que deveria ser reino do cu, ideias eternas ou

    imperativo moral (CAMUS, 2010, p. 88-89). Assim, o homem pode-se dizer criador

    de sua prpria conduta moral, porque o Deus que era ponto de referncia em

    relao ao que poderia ser feito ou no, este Deus, no existe mais. Todas as

    possibilidades de inovao esto em aberto.

    Com isso, o filsofo alemo prope uma filosofia da revolta. O Cristianismo,

    com seu modelo moral, estabelece promessas metafsicas que nunca podero ser

    comprovadas como, por exemplo, reino do cu ou a vida eterna. Para Nietzsche,

    tudo no passa de consolos metafsicos que no possuem condies de

    sustentarem uma moral para o sujeito.

    O reino dos cus est imediatamente a nosso alcance. Ele nada mais do

    que uma disposio interior que nos permite colocar os nossos atos em contatocom esses princpios o que nos pode dar a beatitude imediata. [...] A partir do

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    momento em que o homem no acredita mais em Deus, nem na vida imortal, ele

    torna-se responsvel por tudo aquilo que vive, por tudo que, nascido da dor, est

    fadado a sofrer na vida. a si prprio, e somente a si prprio, que cabe encontrar a

    ordem e a lei. (CAMUS, 2010, p. 89)

    Portanto, assim como Camus, podemos perceber a proposta que Nietzsche

    estabelece com o niilismo de maneira ativa; isto , abrindo novos valores

    estabelecidos pelo homem moderno de sua poca. O Deus cristo no possui

    influncia moral na conduta de vida da cultura da sociedade ocidental, cabe ao

    homem mostrar sua nova construo de valores, institudos por si mesmo.

    III

    No Assim falou Zaratustra - 1885, o filsofo alemo mostra vrios temas

    filosficos que j estavam em curso anteriormente em suas obras. Na primeira

    parte, a inverso pardica ocorrida entre o Zaratustra de Nietzsche, que sobe a

    montanha aos trinta anos e vai morar na solido, torna-se mais evidente, uma vez

    que o filsofo alemo tenta exibir uma relao crtica ante o Cristianismo e o

    Platonismo.

    Assim, o foco principal nessa obra tentar estabelecer novas perspectivas

    culturais, nas quais o homem consiga prosperar, atuando, principalmente, no

    aspecto tico e moral. Por que, entretanto, Nietzsche usa o nome do profeta

    Zaratustra em sua obra? [...] o que Nietzsche observa que Zaratustra foi o

    primeiro a pregar um dualismo e um moralismo que, recebidos depois, como

    herana, da Bblia e da Grcia, impregnaro toda a nossa cultura. (SUFFRIN, 2003,

    p.33)

    Dessa forma, a noo entre bem e mal foi estabelecida pelo Zaratustra

    profeta, cujo dualismo e cuja valorizao de preceitos morais, ficaram sendo

    resgatados pela cultura ocidental, que, por conseguinte, utilizou-se para o

    fortalecimento de suas doutrinas.

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    No Zaratustra de Nietzsche, o carter de inverso pardica encontra-se em

    vrias situaes, como, por exemplo: So dez anos que sobes minha caverna: e j

    se te haveriam tornado enfadonhos a tua luz e este caminho, sem mim, a minha

    guia e a minha serpente. (NIETZSCHE, 2000, p. 33) A primeira figura que

    percebemos a imagem da caverna, a qual Plato apresenta no livro VII da

    Repblica, como sendo um lugar de escurido e de sombras, que no proporciona a

    verdade, apenas iluses. Em termos mais especficos, podemos compreender a

    crtica que o filsofo alemo direciona para o Cristianismo e, antes disso, contra os

    filsofos antigos. A figura de linguagem proporcionada no Zaratustra apenas umamaneira de compreenso da realidade, na qual o homem, de maneira experimental,

    consegue apenas conhecer as coisas apenas no mbito sensvel. As realidades

    oriundas do campo ideal, que, segundo Nietzsche, no proporciona o conhecimento

    verdadeiro, apenas so reflexos de nossa razo que descaracterizada em seu

    estilo filosfico.

    Essa maneira de pensamento Nietzsche vai criticar: o mundo dos

    verdadeiros conhecimentos aquele no qual vivemos, isto , o mundo da

    sensibilidade. A negao do mundo real deixa o homem no estado de niilismo. Para

    o filsofo alemo, deve-se primeiramente valorizar os critrios impostos pelo

    corpo, no podemos estabelecer uma duplicidade dos mundos sem conseguimos

    conhec-los.

    Segundo Plato, existe um outro mundo, mundo das Ideias, das coisas em si,

    em relao ao qual este mundo sensvel no tem mais consistncia que uma

    sombra; e o conhecimento, o verdadeiro saber, ultrapassa a simples opinio,

    justamente porque no se refere ao mundo sensvel, mas se relaciona com o mundo

    inteligvel, no qual o sensvel apenas um vago reflexo. Ora, o pensamento de

    Zaratustra situa-se alm e tem seu ponto de partida aqum dessas oposies

    sensvel/ inteligvel, opinio/saber. Ele recusa a oposio entre alm e aqum,

    inteligvel e sensvel, ele os reconcilia. (SUFFRIN, 2003, p. 42)

    Assim, a maneira filosfica de Nietzsche mostra-se como uma maneiraharmoniosa cujo seu principal objetivo a inverso pardica entre os conceitos

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    elaborados durante a histria da filosofia ocidental, a qual se tornou base para a

    constituio de valores.

    O processo metodolgico do filsofo alemo continua com a exposio da

    morte de Deus, isto , o prprio processo de niilismo que j estava em curso

    durante suas obras se apresenta como sendo uma finalizao da ideia de Deus

    perante o homem que cultuava na floresta uma figura j destruda. [...] Zaratustra

    falou assim ao seu prprio corao: Ser possvel? Esse velho santo, em sua

    floresta, ainda no soube que Deus est morto! (NIETZSCHE, 2000, p. 35).

    Para Nietzsche, o niilismo poderia abrir novas perspectivas e oportunidadespara o desenvolvimento de novos valores e para uma possvel renovao na cultura

    do homem ocidental na sua maneira de ser, pensar e agir. Com isso, o filsofo

    alemo prope mostrar a figura do homem moderno que poder ser superado pelo

    alm-do-homem, mas como podemos entender esse novo homem? A partir da

    explicao do homem moderno.

    O homem moderno o sujeito de sua poca, este, por sua vez, encontra-se

    no estado de iluminismo; sendo assim, o homem moderno est entregue s outras

    formas que compem o pensamento metafsico, ou seja, para ele, as ideias

    absolutas de liberdade, fraternidade e igualdade substituem os valores

    estabelecidos anteriormente pelos homens. Apenas acontece uma modificao de

    termos, cujo objetivo sempre ser de valores estabelecidos fixamente como modelo

    a serem seguidos.

    O ltimo-homem a caricatura que Nietzsche faz do homem moderno, o

    homem do presente, o ltimo representante da humanidade decadente que no

    quer ir mais alm e gaba-se de uma coisa que lhe traz felicidade: a cultura

    (Bildung). Nietzsche descreve o ltimo homem, no Zaratustra, como aquele homem

    do presente que, de posse da tcnica, convence-se da possibilidade da conquista da

    felicidade por meio de uma planificao humana (JULIO, 2007, p. 88-89).

    O ltimo-homem tende a conservar-se. Ele busca em sua estagnao de

    hbitos algumas utilidades que proporcionam um ciclo de conservao de sua

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    integridade, como, por exemplo, dialtica, conceitos e linguagem, pois esses

    elementos favorecem o homem moderno diante das adversidades da vida.

    Por outro lado, o alm-do-homem mostra-se como sendo o homem que no

    se conforma com seu estado de conservao da espcie: para ele, nunca se chega a

    uma finalidade. A busca por novas superaes sempre constante.

    Fantasma cuja sombra espectral oblitera a fulgurao solar do Alm-do-

    Homem, ele faz sua apario, no prlogo de Zaratustra, sob a figura sinistra do

    ltimo Homem, a derrisria duplicao invertida da auto-superao humana. No

    entanto, essa tenebrosa ameaa no constitui seno o resultado adventcio dopensar e do agir daqueles mesmos representantes da moderna Aufklrung que o

    homem louco encontrara reunidos, em sacrlega confraria, na praa do mercado: os

    arautos da crena no progresso infinito do conhecimento, que deveria conduzir ao

    domnio do homem sobre a natureza e humanizao das relaes entre os

    homens. (GIACOIA, 2001, p. 14)

    O alm-do-homem nietzschiano apresenta-se como forma de superao do

    ltimo homem, ele mostra-se como uma oposio em todos os aspectos que

    envolvem o modelo de homem moderno da poca de Nietzsche. Assim, o objetivo

    do alm-do-homem (bermensch) de superar uma cultura estagnada em seus

    valores cristalizados e, para tanto, torna-se aquilo que por meio de de uma

    superao de si mesmo, e de todos que estabelecem uma cultura baseada no

    enfraquecimento da vida.

    IV

    Conseguimos compreender nesse trabalho que a filosofia proposta por

    Nietzsche pressupe toda uma reflexo crtica em torno da filosofia proposta pelos

    gregos, isto , o homem antigo passou a enquadrar o mundo no seu modelo

    racional, no proporcionando, assim, uma compreenso emprica da realidade.

    Seus aspectos culturais e morais cristalizaram-se, passando, assim, a impor certos

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    limites para a conduta da vida do homem, algo que Nietzsche no aceitava como

    subterfgio moral.

    A figura do alm-do-homem faz a filosofia nietzschiana mostrar-se como

    sendo mal compreendida na cidade em que Zaratustra o anunciava. O ltimo-

    homem no compreendeu a mensagem que o anunciador do alm-do-homem

    estava a mostrar. So inteligentes e sabem de tudo o que aconteceu: assim, sua

    chacota no tem fim. [...] E olha para mim rindo e, rindo ainda me odeiam. H gelo

    no seu riso. (NIETZSCHE, 2000, p. 41-42)

    Dessa forma, o fracasso pedaggico de Zaratustra fica evidente, na medidaem que ele tenta estabelecer uma nova perspectiva cultural na sua poca. Na

    tentativa de apresentar o alm-do-homem, os homens modernos no querem saber

    dessa novidade, deixando o Zaratustra desmotivado para sua revelao.

    Em sntese, podemos afirmar que o projeto filosfico executado no Assim

    falou Zaratustra de 1885 tem como principal foco sua ironia diante das promessas

    da tradio, bem como seu acesso inovador s questes do corpo como fonte de

    acesso a uma verdadeira forma de filosofar.

    REFERNCIAS

    CAMUS, A. A afirmao absoluta. In: ______. O homem revoltado. Traduo de

    Valerie Rumjanek. 8. ed. Rio de Janeiro/ So Paulo: Record, 2010.

    GIACOIA, O. Nietzsche. So Paulo: Publifolha, 2000. (Folha Explica)

    _____. O caos e a estrela. Impulso. vol. 12. n 28. Piracicaba: Universidade Metodista

    de Piracicaba, 2001.

    JULIO, J. Sobre o prlogo do Zaratustra. Cadernos Nietzsche. n 23. So Paulo:

    GEN, 2007.

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    NIETZSCHE, F. Sobre a verdade e Mentira no sentido extra-moral. In: ______. Obras

    incompletas. Traduo de Rubens Rodrigues Torres. 3. ed. So Paulo: Abril

    Cultural, 1983. (Coleo Os Pensadores).

    ______. Crepsculos dos dolos. In: ______. Obras incompletas. Traduo de Rubens

    Rodrigues Torres. 4. ed. So Paulo: Nova Cultural, 1987. (Coleo Os Pensadores).

    ______. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ningum. Traduo

    de Mrio da Silva. 11. Ed. Rio de Janeiro: civilizao brasileira, 2000.

    ______. O niilismo europeu. Traduo de Noli Correia de Melo Sobrinho. Comum.

    Rio de Janeiro: v.8. n 21. p. 5-23, Jul/Dez 2003.

    PECORARO, R. Niilismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. (Coleo Passo-a-passo;

    77).

    SUFFRIN, P. O Zaratustra de Nietzsche. Traduo de Lucy Magalhes. Rio de

    Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

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