Robin Jones Gunn - Série Cris & Ted 01 - Até Amanhã

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Cris & Ted Nos Anos da Faculdade 1 - Até Amanhã Robin Jones Gunn Título original: Until Tomorrow Tradução de Ana Carolina Vilela Editora Betânia, 2004 Digitalizado por deisemat

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Cris & Ted

Nos Anos da Faculdade

1 - Até Amanhã

Robin Jones Gunn

Título original: Until TomorrowTradução de Ana Carolina Vilela

Editora Betânia, 2004Digitalizado por deisemat

Revisado por deisemat

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Robin Jones Gunn adora contar histórias. A prova disso veio cedo, assim que ela entrou para a escola. Na ocasião sua professora fez a seguinte observação em seu boletim: “Embora Robin ainda não domine as habilidades matemáticas básicas, ela prende a atenção de todos os coleguinhas com as divertidas histórias que conta na hora em que a turma se reúne no tapete da sala”.

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Quando sua primeira série de livros para crianças com idade entre um e três anos foi lançada, em 1984, Robin não fazia a menor idéia de que passaria a escrever romances. No entanto os projetos foram crescendo de tal forma que o presente volume já é seu 49º livro publicado. Dentre suas muitas publicações, estão a Série Cris e a Série Selena, que juntas já venderam mais de dois milhões de exemplares em todo o mundo, tendo sido traduzidas em várias línguas.

Robin e o marido, Ross, trabalham com jovens, há mais de vinte e cinco anos. Já moraram em muitos lugares, dentre eles a Califórnia e o Havaí. Atualmente vivem no Oregon, nos Estados Unidos, com os filhos adolescentes e o cão Hula.

Você pode visitar o site da autora no seguinte endereço: www.RobinGunn.com

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Para Luanne que, quando tínhamos vinte e um anos, virou-se para mim e disse: “Que tal viajarmos para a Europa nas próximas férias?” E lá fomos nós. (Até hoje guardo as flores que pegamos em Adelboden, Lulu.)

Para Laurie, que dividiu conosco sua loção refrescante e os poucos chumaços de algodão que tinha, durante aquela noite quente e abafada no albergue em Paris.

Para Carol, que nos fez rir sem parar no trajeto até a estátua da Pequena Sereia em Copenhague.

Para Laraine, que nos fez procurar até achar o melhor sorvete de Florença. (Você se lembra, Lola? Você disse que o sorvete Amaretto, da sorveteria Vivolli era espetacular.)

E para Chuck, que me disse para fechar os olhos, ao entrarmos na Gruta Azul. Obrigada pela pizza que comemos na estação de Roma naquela noite. Acho que ainda lhe devo essa!

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“Os velhos amigos estão sempre presentes, quando o coração se mantém jovem.”

- Robin Jones Gunn

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Era junho. A luz da aurora nem sequer havia pintado no céu, trazendo consigo a promessa de um novo dia, e Cris Miller já se encontrava de pé, correndo apressadamente pelas ruas de pedra da cidade de Basel, na Suíça. Dando passos largos, a jovem dobrou a esquina em direção à estação de trem, notando que o ritmo de seu coração achava-se mais acelerado que o de suas pernas.

Desta vez não vou chorar ao encontrar o Ted.No último Natal, quando fora visitar a família

na Califórnia, Cris desabara a chorar ao ver o rapaz. Ele simplesmente ficara parado em sua frente, como se não soubesse direito o que fazer com ela. O choro, que na hora parecia não

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acabar mais, fez com que Cris se sentisse frágil e sem jeito diante dele.

Hoje sou uma pessoa bem mais forte do que era no Natal. Não vou chorar.

Já no final da rua, virou à esquerda. Mais seis quarteirões e estaria na estação.

E desta vez não vou deixar a Katie me convencer a fazer coisas que não quero. Se é para eu, o Ted e ela nos darmos bem durante as próximas três semanas em que viajaremos pela Europa, então, tudo terá de ser decidido em conjunto.

Cris apertou os longos cabelos castanhos com as mãos, para ver se ainda estavam muito molhados. Havia tomado um rápido banho de manhã bem cedo. Foi então que se lembrou de que dali a um mês comemoraria seu vigésimo aniversário. E, aos vinte anos, deveria enfrentar a vida como uma mulher forte e independente, certo? Era o que pensava.

Está na hora de tomar uma posição quanta à minha vida. Não vou deixar que a Katie fique

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sempre determinando o que devo e não devo fazer.

Tomar decisões nunca fora o ponto forte de Cris, e por isso mesmo ela estava disposta a mudar. Começaria tudo de novo, da estaca zero, e mostraria aos amigos o quanto havia mudado e amadurecido durante o ano que passara estudando na Suíça.

Pensava ainda no assunto quando sentiu no ar o delicioso aroma de pão fresquinho vindo de sua confeitaria - ou Konditorei - predileta, que ficava no final da rua. Aquele era um lugar especial, e caminhar até lá todos os sábados pela manhã tornara-se um hábito para Cris. Era uma forma de se “recompensar” pelo empenho durante mais uma difícil semana de aulas na universidade e de trabalho no orfanato, onde era voluntária.

Uma “recompensa” bem melhor chegará no trem das 6:15h, diretamente do aeroporto de Zurique, pensava, sorrindo. E a primeira coisa que eu, o Ted e a Katie vamos fazer será vir aqui

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a essa Konditorei. Vou oferecer-lhes algumas das deliciosas quitandas suíças.

Levantando o rosto, Cris inspirou o delicioso aroma mais uma vez. Parou por uns instantes e fez rapidamente uma trança frouxa no cabelo, prendendo-a com um passador que colocara no bolso da calça. Afinal o céu começara a clarear, exibindo uma tonalidade lilás - acinzentada, e nas árvores os passarinhos cantavam alegremente.

Já no último trecho do trajeto, Cris caminhava apressadamente, com passos ligeiros. Ao chegar, olhou para os dois enormes leões de pedra, que guardavam a entrada da Bahnhof de Basel e, estampando um sorriso no rosto, entrou e foi conferir o quadro de horários. Ted e Katie chegariam dentro de sete minutos, na plataforma quatro. Cris correu em direção ao local, pois queria estar presente para receber seus melhores amigos assim que descessem do trem.

Para sua surpresa, a estação achava-se bastante movimentada e barulhenta, em

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comparação com as ruas por onde andara pouco antes. Chegando ao local indicado, Cris se pôs a esperar os amigos, tomando o cuidado de se posicionar mais ao centro, para que pudesse avistá-los independentemente de que lado descessem. Poucos minutos depois, o trem apontou na estação.

Uma multidão de executivos, homens e mulheres, desembarcou. Por um momento, Cris teve a impressão de ter ouvido um gritinho familiar em meio ao ruído de passos apressados que se ouvia. Olhou para um lado e para o outro, esperando ver a qualquer momento um vulto do cabelo leve e acobreado de Katie em meio a toda aquela gente. Contudo não viu ninguém. Cris se virou então para ver se por acaso os amigos estavam na outra ponta do trem. De repente, foi como se tudo ao seu redor girasse em câmera lenta. Não sabia se aquela tonteira fora provocada por uma redução súbita do nível de adrenalina, que estivera alto quando caminhava para a estação, ou se era a multidão apressada que a estava deixando assim. Mas de uma coisa

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estava certa: os penetrantes olhos azuis que a pouco avistara só poderiam ser de uma pessoa.

- Ted! exclamou ela, pronunciando o nome que há cinco anos guardava no coração.

Abrindo caminho em meio à multidão, correu em direção ao seu surfista louro predileto.

Ao avistá-la, Ted tirou o mochilão das costas e puxou Cris pelo braço, trazendo-a para bem perto de si. Em questão de segundos lá estava ela, envolvida nos braços dele, o olhar de Ted fixo no dela e seus lábios a poucos centímetros de distância.

- Kilikina! murmurou o rapaz, beijando-a logo em seguida.

Cris se derretia toda sempre que Ted a chamava pelo seu nome havaiano. Derretia mesmo, completamente. Tudo isso mais a ternura do beijo dele, e pronto! Era demais para ela; não conseguia resistir. Não demorou muito, as lágrimas começaram a descer-lhe pelo rosto.

Ted se afastou com uma expressão um pouco hesitante.

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- Oi, disse ela, secando rapidamente a face molhada.

- Oi, respondeu Ted, dando um sorriso largo, que mostrava suas covinhas.

Seu queixo, firme, achava-se áspero em consequência da barba por fazer. Seu hálito cheirava a chocolate.

-sem tempo pra fazer a barba? perguntou Cris em tom de brincadeira, passando os dedos pelo queixo do rapaz.

Usando o polegar, Ted enxugou a última lágrima que restara no olho esquerdo de Cris. Parecia analisar a expressão do rosto dela, como se tentasse descobrir os mistérios escondidos por trás daqueles olhos azul-esverdeados, tão singulares e brilhantes.

- Tudo bem com você? perguntou ele, erguendo as sobrancelhas.

Cris acenou que sim e sorriu carinhosamente.- Prometi pra mim mesma que não iria chorar,

disse.

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- E eu prometi pra mim que não iria beijá-la, disse Ted com um sorriso maroto.

Seus olhares se achavam completamente envolvidos um no outro. Por um momento Cris teve a sensação de que Ted pôde enxergar todos os seus sentimentos, até mesmo aqueles que guardava no mais profundo do coração. E em meio a toda aquela barulheira, uma forte paz tomou conta do seu ser. Era com se uma certa tranquilidade pairasse sobre eles, como um manto invisível. Ficaram ali parados, de mãos dadas, curtindo um ao outro. O olhar de Ted parecia tentar decifrar o que se passava no coração de Cris. Ela, por sua vez, perguntava-se se passaria o resto da vida fitando aqueles olhos azul-prateados.

Foi então que uma voz masculina, com sotaque italiano, interrompeu-os.

- Desculpe atrapalhar vocês, Ted. Mas é que meu carro não pode ficar muito tempo estacionado.

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Era Antônio, um amigo italiano que estivera na Califórnia fazendo intercâmbio. Cris se afastou de Ted, surpresa em ver o rapaz.

- Cristiana, que bom ver você! Está surpresa em me ver aqui? perguntou ele, pondo a mão sobre os ombros dela e dando-lhe um beijo em cada face.

Cris quase perdeu o equilíbrio.- O quê... como...?Mas antes mesmo que pudesse terminar sua

pergunta, ouviu um gritinho que só poderia ser de sua melhor amiga.

A sempre-exuberante Katie foi logo abrindo caminho, passando por Antônio e dando um abraço em Cris. Entretanto, ao se movimentar, a armação de sua mochila acertou em cheio a testa da amiga.

- Ai! exclamou Cris.- ”Ai!”? Faz meses que não nos vemos e tudo

que você tem a me dizer é “ai!”?

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- Ai e oi! disse Cris, dando um abraço um pouco menos exagerado em Katie. Você está tão bonita!

- Você também! exclamou a outra.- Vocês sabiam que o Antônio iria aparecer

por aqui? perguntou Cris.- Sim, respondeu Katie.Seus olhos verdes pareciam brilhar.- Ficamos sabendo dois dias antes de viajar.Cris olhou para Ted, que deu um sorriso.- O Antônio conseguiu de irmos acampar com

ele na Itália.- Acampar? perguntou Cris.- Podemos conversar no caminho, disse

Antônio.Em seguida, pegou a bagagem de Katie e

carregou-a para a jovem.- Meu carro é aquele ali, principiou ele,

apontando para a porta a que deveriam se dirigir.

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Ted acomodou o mochilão nas costas e pegou a mão de Cris, puxando-a consigo para fora da estação. Katie, por sua vez, agarrou-se ao braço de Antônio com tanta força, que parecia que nunca mais iria soltá-lo. Foram andando na frente, em ritmo acelerado, guiando o grupo até a saída.

- Então quer dizer que vamos acampar? perguntou Cris.

- Sim. O Antônio tem todo o equipamento necessário. Já está tudo ajeitado.

- E a Escandinávia?- Que é que tem a Escandinávia? perguntou

Ted.- Achei que iríamos primeiro lá.Ted parou.- Você me disse isso? É que achei que não

tínhamos nada programado ainda. Foi por isso que combinei de acampar com o Antônio. Mas, se você me disse isso e eu não recebi seu e-mail a tempo, me desculpe.

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Cris não queria bancar a chata e começar a brigar com Ted. Não ali. Não naquela hora.

- Não, você tem razão. Ainda não tínhamos nada programado. Não faz mal.

Cris não conseguia raciocinar direito. Se bem se lembrava, Ted havia dito que começariam viajando pela Noruega, visitando os países mais ao sul, até chegarem à Itália. Contudo agora já não tinha certeza. Talvez a idéia tivesse sido de Katie, e não de Ted.

Antônio os levou até o carro, uma pequena van branca, parada do outro lado da rua num local proibido. Abriu a porta lateral, e Cris notou que o pára-choque dianteiro estava bem amassado.

- Dêem uma mão aqui! disse o rapaz, puxando uma pesada bolsa de lona cinza, que se achava no centro da van, num espaço onde não havia bancos. Isto aqui vai lá em cima.

Os quatro tiraram todo o equipamento de camping de dentro do veículo e o puseram em cima da van, cobrindo tudo com uma lona

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especial. Em seguida prenderam a carga com cordas bem firmes.

- Como foi que vocês dois planejaram tudo isso? perguntou Cris a Ted, procurando mostrar-se tranquila.

- Por e-mail, respondeu Ted, empurrando sua mala e a de Katie para dentro do veículo e entrando em seguida.

Na parte traseira da van havia um banco e, dos lados, pequenos armários embutidos na lataria. No centro, não havia nada; somente as bagagens.

- E aí? Vamos nos divertir a beça ou não vamos? disse Katie, dando um abraço animado em Cris e indo se assentar lá atrás ao lado de Ted.

Cris acenou sem muito entusiasmo. Sentou-se no banco da frente e apertou o cinto de segurança. Foi a conta! Instantes depois, Antônio meteu o pé no acelerador e, dando apenas uma olhadinha para trás, arrancou, cantando os pneus ao sair. Cris agarrou-se às extremidades do banco, procurando manter o equilíbrio.

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Antônio gritava em italiano com os outros motoristas e descia as ruas rápida e bruscamente. Lá de trás, Katie gargalhava histericamente porque, num dos sacolejos do carro, acabou sendo arremessada contra Ted.

- Antônio, gritou ela, ainda não estamos na Itália! Faça-nos o favor de nos manter vivos pelo menos para podermos chegar lá?

Antônio olhou-a pelo retrovisor e deu um sorriso. Diminuiu a velocidade e pela primeira vez deu seta antes de convergir na principal avenida que saía da cidade. Estavam indo na direção oposta ao campus universitário, onde Cris morava.

- Antônio, temos de ir na outra direção. A universidade fica pra lá, disse Cris.

- Não, já estive em Basel antes. Esta aqui é a rodovia que pegamos pra ir pra Itália.

- Não é isso que estou dizendo! Não podemos ir pra Itália agora! exclamou Cris em pânico, praticamente aos berros.

- E por quê?

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- Porque eu não trouxe nada! Minha bagagem não está aqui!

Antônio disse algo em italiano, que parecia um pedido de desculpas, entrou de repente numa rua à direita e parou. Olhou para Cris e, com um olhar amigo, perguntou simplesmente:

- Pra que lado vamos?Com Antônio ao volante, não demoraram

muito para chegar ao campus. Durante o trajeto, Cris se acalmou e procurou pensar racionalmente.

- Vamos ficar esperando aqui, disse Antônio, estacionando novamente num local proibido.

- Na verdade não estou exatamente preparada para viajar, disse Cris, olhando para Ted e Katie, como se buscasse o apoio deles. Não sabia que iríamos para a Itália, quero dizer, minha mala está quase pronta, mas vou precisar de um tempinho para terminar de juntar minhas coisas.

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- Quero ver seu quarto, disse Katie ao sair da van. Vamos, gente, vamos todos conhecer o quarto dela.

- O pessoal aqui é meio chato com relação ao estacionamento, disse Cris a Antônio.

- Então vamos esperar aqui, caso seja preciso dar umas voltas no quarteirão enquanto esperamos, sugeriu Ted.

- E nós vamos rapidinho, gritou Katie, seguindo Cris em direção ao prédio.

Cris correu até o quarto e abriu a porta.- Nossa! Seu quarto é bem menor do que

imaginei! disse Katie, olhando em redor. Espere só até chegar setembro, quando estaremos na Rancho Corona. Você vai ver! Os quartos de lá são duas vezes maiores do que este e são apenas para duas pessoas, e não três. É bem melhor!

- É, mas aqui também é legal, disse Cris na defensiva.

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Katie parecia admirada com a reação de Cris. Aproximou-se da amiga e deu-lhe um aperto carinhoso no braço.

- Ah, eu sei que é, Cris. Não se zangue comigo. O que estou dizendo é que vai ser bem melhor quando estivermos todos juntos na mesma universidade, semestre que vem. Você não acha?

Cris acenou vagarosamente. Nada estava saindo do jeito que imaginara. Era para estarem assentados a mesa da confeitaria, tomando café e comendo doces, enquanto discutiam sobre o roteiro de viagem. Em vez disso, estavam prestes a sair desvairadamente rumo à Itália, no foguete-móvel do Antônio.

- Então... disse Katie batendo uma mão na outra, que mais você precisa pegar? Posso lhe dar uma ajuda.

- Esta aqui já está pronta, respondeu Cris, apontando para a bolsa de lona no canto do quarto. Mas ainda tenho de pôr algumas coisas na mochila.

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De repente, Katie abraçou Cris fortemente, quase impedindo a amiga de respirar.

- Dá pra acreditar que estamos aqui, no seu quarto, conversando uma com a outra como se nos falássemos todos os dias?! Cris, nós estamos na Suíça!

- É, acho que estamos, né?Katie se afastou, pondo as mãos na cintura.- Tudo bem, Cris. O que deu em você? O que

há de errado?- Nada. Estou apenas tentando pensar no que

preciso pôr na mala.Cris pegou a frasqueira e começou a colocar

nela alguns objetos que estavam sobre a mesa.-se você estivesse chateada com alguma

coisa, você me contaria, não é mesmo?- Claro.Katie pegou um dos guias turísticos que

estavam sobre a escrivaninha.- Você não ‘tá pensando em levar isto, ‘tá?

perguntou.

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- Alguns, sim; pelo menos um.- Mas eles são grandes demais, disse Katie.

Além disso, não precisamos de guias turísticos. Estamos numa aventura! Pra que ficar andando com eles de um lado para o outro parecendo turistas?

Ignorando o comentário da amiga, Cris pegou o guia que estava no topo da pilha e enfiou-o na mochila.

- Estou pronta. Vamos?Katie saiu carregando a bagagem de Cris e

comentou que esta estava bem mais leve do que a dela.

- Só espero que não esteja levando coisas “de menos”. Não estou conseguindo pensar em mais nada que tenha de levar, disse Cris, cerrando firmemente os lábios e tentando pensar no que poderia estar esquecendo.

Ted e Antônio estavam esperando na van, o motor já ligado. Ted havia passado para o banco da frente.

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Entrando no carro, Cris se assentou no banco de trás e disse:

- Estava pensando... quem sabe não damos uma parada ali na Konditorei antes de pegar a estrada? É a melhor confeitaria de Basel e não é muito longe daqui. Poderíamos aproveitar também para discutir melhor nosso roteiro.

- Eu não estou nem um pouco com fome, disse Katie ao entrar van. Vocês estão, meninos?

Ted deu de ombros.- Neste caso, pé na rua! foi decidindo Antônio.- Você quer dizer pé na estrada, né, Antônio?

disse Katie aos risos, dando um tapinha nos ombros do rapaz.

- Isso mesmo. Pé na estrada. Lá vamos nós!Com um solavanco, Antônio se pôs a

caminho, enquanto Cris ajeitava o cinto de segurança, apertando-o bem. Ao passarem ligeiros pela confeitaria, rumo à rodovia A-2, que os levaria para a Itália, na direção sul, Cris olhou pela janela. Fazia semanas que estava sonhando em ir com Ted à Konditorei. Um ano e meio

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atrás, quando estavam em Londres, os dois haviam caminhado de mãos dadas pelas ruas, até chegarem à uma pequena confeitaria. Sentaram-se num banco mais reservado, bem ao fundo, e abriram o coração um para o outro. E naquela conversa, concluíram que não estavam prontos para assumir um compromisso mais sério.

Já havia se passado mais de um ano desde então.

Em seus sonhos e também nos momentos em que passava assentada sozinha à mesa da Konditorei, Cris imaginava como seria a conversa que ela e Ted teriam ali, tomando chá e comendo scones*. Deu um suspiro profundo, deixando o ar sair vagarosamente dos pulmões. Sentia-se preparada para avançar no relacionamento com Ted, tornando-o mais sério do que nunca.

E se o Ted não estiver pronto para dar esse passo? E se só eu estiver disposta a assumir um compromisso mais sério? Bem, pelo menos eu acho que estou preparada.

* Quitanda tipicamente inglesa, um misto de bolo, biscoito e pão de minuto. (N. da T.)

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Sentia-se tão fragilizada naquele momento, que não sabia se podia fiar-se em seus sentimentos, em seus pensamentos. Agora só tinha certeza era de que seu cinto de segurança estava apertado ao máximo e de que eles estavam a caminho da Itália.

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Katie se acomodara no ninho que fizera com as bolsas e malas no centro da van. Tagarelava o tempo todo, falando do quanto era incrível estarem viajando juntos. Cris sorria para a amiga, acenando com a cabeça de quando em quando. Seu olhar, no entanto, dirigia-se o tempo todo para Ted, à sua frente. Ficava só imaginando o que estaria se passando na cabeça dele ou, mais importante ainda, em seu coração.

O que você realmente sente por mim, Ted? Você me ama? De verdade?

Com pesar, Cris se lembrou novamente de que não teria mais a oportunidade de se assentar juntinho com Ted para conversarem tranquilamente, no local onde ela mais gostava de refletir sobre a vida. Agora eram todos parte do grupo; da turma. E se Ted estivesse em seu estado normal, iria manter o espírito de equipe durante toda a viagem. Ou seja, daria atenção igual a todos. Cris tinha certeza disso. Ted era como um cão golden retriever -sempre fiel e

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disposto a conviver bem com todo mundo; e, de modo geral, satisfeito com a vida, apesar das circunstâncias. E Cris sabia que não valia a pena bancar a chata e ficar discutindo o tempo todo.

- Ei, Antônio, exclamou Katie. Pra onde exatamente estamos indo?

- Italia. Mi Italia, respondeu o rapaz teatralmente. Vou levá-los à minha área de camping predileta. Vocês vão adorar. À noite, centenas de “baxinins” saem das matas e comem tudo que encontram no acampamento. É por isso que a gente tem de fechar bem as barracas.

- Acho que você deve estar se referindo aos guaxinins, disse Katie. Duvido que existam “baxinins” na Itália!

- É. Isso mesmo, disse Antônio, olhando para Katie pelo retrovisor. Guaxinins. Tem razão. Que seria de mim se não tivesse você pra me ensinar a falar as palavras corretamente?

- Pode admitir, Antônio. Você estava com saudades de mim.

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- Admito que estava com saudades de você, Katie, disse Antônio para todo mundo ouvir.

- Vamos, confesse que não consegue viver sem mim, continuou Katie.

- Não consigo viver sem você.Essa era uma brincadeira típica entre Antônio

e Katie. Na Califórnia, costumavam provocar um ao outro dessa maneira o tempo todo. E, de certa forma, houvera uma pitada de romance entre os dois - ou pelo menos era isso que Katie achava. Mas será que o sentimento de fato existira ou Antônio estava apenas agindo como um italiano romântico? Vendo os dois, Cris desejava que ela e Ted pudessem expressar seus sentimentos um pelo outro tão abertamente como eles. Só que de maneira sincera, e não na brincadeira como Katie e Antônio faziam.

Será que algum dia o Ted me dirá que não consegue viver sem mim?

- Ele é louquinho por mim! exclamou Katie, virando-se para Cris e rindo até as orelhas.

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- Ah! exclamou ela, aproximando-se de Cris. Se eu e o Antônio resolvermos nos casar está semana, você aceitara ser minha madrinha, não?

- Mas é claro, respondeu Cris baixinho, sem muito entusiasmo.

Para ela, casamento era coisa séria, e não assunto para ficar fazendo piadinhas. No dia em que convidasse Katie para ser sua madrinha, Cris não estaria fazendo uma brincadeira -seria para valer.

- Parece um sonho, não parece? disse Katie rindo. Mas não estou nem aí se for um sonho. Se for, por favor, não me acorde! Nunca estive tão feliz em toda a minha vida! Estou delirantemente alegre!

Antônio e Ted mantiveram um papo animado entre si, durante as horas seguintes em que atravessaram a Suíça, rumo à Itália. Cris não conseguia ouvi-los, uma vez que as janelas do veículo estavam abertas e havia muito barulho. Katie aproximou seu “ninho” da amiga e se pôs a contar-lhe todas as novidades dos amigos da Califórnia, nos mínimos detalhes.

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Ouvindo-a, Cris foi aos poucos se acostumando com a idéia de estarem indo acampar. De fato a viagem não começara do jeito que ela gostaria, mas agora eles já se achavam na estrada. Sendo assim, ela estava disposta a agir com espírito de equipe, em vez de estar o tempo todo mal-humorada, bancando a coitadinha.

Durante o trajeto, pararam apenas uma vez para abastecer, ou, como diria Antônio, para colocar “petróleo” na van. Afinal chegaram. Na área em que ficariam, havia um grande espaço para armarem as barracas, sob a sombra de altas árvores que circundavam o local. Cris não tinha a mínima idéia de onde estavam. Contudo ficou surpresa ao ver que a terra era bastante semelhante à que estava acostumada a ver nas montanhas que rodeavam a universidade. Era estranho pensar que os Alpes passavam também pela Itália.

O ar fresco parecia encher de ânimo os quatro acampantes, que descarregavam a van e começavam a montar as barracas. Brincalhona

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como sempre, Katie havia traçado uma linha na terra com o calcanhar.

- As meninas ficam deste lado, e os meninos, do outro, determinou ela.

- Só tem um probleminha, Katie, disse Cris. A “cozinha” ficou do lado dos rapazes.

Katie deu a volta pela extremidade da linha que riscara no chão.

- Muito bem, pessoal, este é o caminho da cozinha. Todos os acampantes esfomeados devem passar por aqui.

Em seguida foi até o caixote que Antônio trouxera e o abriu.

- Certo, certo. Estou vendo aqui algumas xícaras, uma cafeteira e uma frigideira. Mas onde foi que você escondeu a comida, Antônio?

- Bem ali! respondeu Antônio acenando com a cabeça, enquanto pregava no chão a última estaca da barraca.

- Não estou vendo nada. Só árvores.- A geladeira fica logo depois das árvores.

Venha comigo, vou lhe mostrar, disse o rapaz

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colocando o braço sobre os ombros de Katie e levando-a consigo por uma estreita trilha.

Ted estava amarrando uma rede entre duas árvores quando parou e olhou para cima, ouvindo atentamente.

- Ouça só isso, disse ele a Cris.Cris sabia do que ele estava falando. Fechou

os olhos então e se pôs a escutar o som do vento balançando as folhas na copa das árvores. Aquela brisa lhe trouxe várias recordações. A mais forte delas era de quando estavam numa estação de trem na Espanha e uma brisa semelhante balançou as folhas das palmeiras. Naquele dia, um ano e meio atrás, Ted colocara uma pulseira de chapinha de ouro em seu pulso, em que estava gravada a expressão “Para Sempre”. Com os olhos ainda fechados, Cris correu os dedos pela chapinha de ouro, o rosto voltado para o céu.

- Elas estão nos aplaudindo, Ted, disse ela, com um sorriso singelo.

- Bravo! respondeu o rapaz, com voz fraca.

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Ao abrir os olhos, Cris notou que Ted havia se deitado na rede. Estava balançando tranquilamente, com as mãos entrelaçadas sob a cabeça.

- Pelo visto você conseguiu mesmo amarrar essa rede, hein?! Muito bem! exclamou Cris, aproximando-se dele.

- E você tinha dúvidas de que eu conseguiria?- Não, você é um amante da natureza!

Poderia ser a pessoa mais entendida em redes do mundo! disse Cris, puxando a rede para perto de si e soltando-a em seguida.

A rede balançou bem alto, fazendo ecoar um rangido à altura do nó que Ted fizera. De repente, uma das cordas se rompeu, e Ted caiu no chão, junto com a rede, fazendo barulho.

Cris se segurou para não explodir de rir da cena e foi rapidamente ver se Ted estava bem. Ele parecia assustado, mas não se machucara.

- Sinto muitíssimo, disse Cris, soltando uma risadinha. Você ‘tá legal?

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Mas antes mesmo que o rapaz pudesse responder, Katie chegou, correndo entre as árvores. Antônio vinha logo atrás.

- Não tem comida nenhuma no tal lugar. A “geladeira” de que o Antônio falou é, na verdade, uma lagoa! Ou seja, vamos ter de “pescar” nosso jantar.

- Legal, disse Ted, levantando-se e limpando a terra que ficara em suas costas. Trouxe as varas de pescar, Antônio?

- Sim. Temos tudo aqui: varas, anzóis... respondeu o rapaz.

- E o que vamos comer enquanto isso? perguntou Katie.

- Carne seca! sugeriu Ted.- Do que você me chamou? perguntou Katie,

virando-se para Ted.Cris teve vontade de rir novamente, mas a

julgar pela expressão de raiva no rosto de Katie, concluiu que era melhor ficar calada.

- Não a chamei de nada. Estava apenas dizendo que trouxe um pouco de carne seca.

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Está lá na van, dentro da minha mochila. Sirva-se à vontade.

Ted e Antônio se agacharam perto da caixa que continha os apetrechos para pesca. Estavam preparando uma vara de pescar desmontável. Ted vasculhava uma caixa plástica onde havia anzóis e iscas.

- Você precisa e de um bom cappuccino, disse Antônio a Katie, ao vê-la passar por eles como uma oncinha.

- Acontece que não vi nenhuma lanchonete no caminho de volta da lagoa, replicou a jovem ironicamente.

- Tem um pouco de café aqui, disse o rapaz, erguendo uma pequena caixa que estava entre os outros equipamentos.

-será que tem alguma coisa pra comer também? perguntou Katie.

- Não, só café. Ei, Cris, que tal ajeitar uma fogueira? Eu e o Ted vamos ver se conseguimos pescar alguma coisa.

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Os rapazes saíram e Cris se pôs a juntar alguns gravetos.

- Não estou com vontade de tomar café, disse Katie, em tom de reclamação. Você ‘tá?

- Não, mas estou com fome. Se eles não conseguirem pescar rápido, vamos ter de atacar a carne seca do Ted.

- O que houve com a rede? perguntou Katie, dando uma olhada na extremidade da corda.

- Eu empurrei o Ted um pouco mais forte do que devia e a corda se rompeu.

- Não, ela não se rompeu. Está perfeita. O nó é que deve ter soltado. Também, duvido que o Ted entenda de nós tanto quanto eu. Esta corda ‘tá precisando de um nó especial da Katie.

Katie foi ajeitar a rede, e Cris foi colocar alguns galhinhos na pilha de gravetos que juntara. Depois, voltou para o mato em redor para catar mais. Conseguiu puxar uma tora de bom tamanho para perto da fogueira e, então, foi procurar no caixote algo que pudesse servir de grelha. Estava tudo ali na caixa. Cris cantarolava

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enquanto montava a “cozinha”. Quando os rapazes voltassem, só teriam de riscar um fósforo.

- Sabe o que isto me lembra, Katie?- Não, o quê? disse a outra sem abrir os olhos.Havia se acomodado na rede de Ted.- Você se lembra de quando fui fazer um café

da manhã para o Ted na praia e as gaivotas apareceram e comeram todo o bacon e os ovos que eu tinha preparado?

Katie não fez nenhum comentário.Cris então caminhou até a rede, que era

grande o suficiente para comportar duas pessoas. Parecia que as cordas e os nós estavam bem amarrados. Os raios dourados do sol da tarde penetravam por entre as folhas das árvores, e Katie havia virado o rosto a fim de aproveitar todo o calor que irradiavam.

- Arreda aí que estou entrando! disse Cris, empurrando as pernas de Katie levemente.

- Mesmo que eu quisesse, não conseguiria me mexer aqui dentro, respondeu a outra, com os

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olhos ainda fechados e as mãos cruzadas sobre a barriga.

Cris subiu na rede, procurando evitar que ela balançasse muito.

- É bastante confortável aqui, disse ela, deitando-se com a cabeça para o lado oposto à de Katie.

- Só você não me acertar o rosto com o pé, está tudo bem, disse Katie com voz fraca.

Foi o último comentário que Cris se lembrava de ter ouvido, quando escutou a voz de Ted chamá-la a alguns metros de distância.

- Tem alguém com fome por aqui?Cris fez um esforço para abrir os olhos,

pesados de sono. A claridade da tarde já se havia ido, e começara a escurecer. Cris conseguiu enxergar a silhueta de Ted, que estava parado, segurando um peixe de aproximadamente trinta centímetros de comprimento. Sentia o cheiro da fumaça que vinha da fogueira. Virou-se, então, e viu que Antônio estava acendendo o fogo.

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- Katie, eles já voltaram. Acorde! disse Cris, dando um tapinha na perna da amiga.

Foi então que percebeu o quanto seu corpo estava duro. Estava tensa e com frio. Cris saltou da rede com cuidado e caminhou até a fogueira, arrastando os pés. Chegando lá, pôs-se a aquecer as mãos perto das pequeninas chamas.

- Em algumas áreas de camping aqui na Europa é proibido fazer fogueiras, disse Antônio. Mas aqui é permitido. A fogueira ficou do tamanho certo, Cris. Grazie.

- Não há de quê.- Quanto tempo a gente dormiu? perguntou

Katie com um bocejo, juntando-se aos outros.- Pelo menos umas duas horas, respondeu

Cris, bocejando também. Ainda bem que vocês conseguiram pegar alguma coisa. Foi difícil?

- Não, só demorou um pouco, respondeu Ted, limpando o peixe com um canivete.

Cozinhar o peixe também foi um pouco demorado. Ainda não haviam terminado de comer, e as estrelas já estavam todas no céu,

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como se os observassem lá de cima. Enquanto juntavam os pratos, Antônio foi preparar café em sua chamuscada cafeteira de acampar.

Cris sorriu. Agora sim aquilo estava com cara de férias de verão.

Desde que completara quatorze anos, Cris havia se reunido com os amigos em torno de uma fogueira na praia, no sul da Califórnia, todos os verões. Juntos, sob as estrelas, eles cantavam louvores, assavam marshmallows e falavam de suas dificuldades e alegrias uns com os outros.

Estar ali, acampando com seus melhores amigos, sob o céu limpo, trouxe-lhe uma sensação que há muito não experimentava. Na universidade, tinha vários amigos, com os quais saia para conversar e tomar café nas noites de sábado. Contudo não era a mesma coisa que estar ali com Ted, Katie e Antônio. Com estes, Cris compartilhava de algo muito mais profundo e gostoso; algo diferente de tudo o que experimentava com os outros amigos. Naquele momento, ela sentia que podia simplesmente

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fechar os olhos, dar um passo rumo àquele céu estrelado e ser tragada pela eternidade.

- Venha cá, disse Ted, chamando Cris para se assentar mais junto dele.

Cris encostou a cabeça sobre os ombros de Ted e sentiu todo o corpo aquecer. Lembrou-se de uma frase que ouvira tempos atrás. Era alguma coisa do tipo “Deus está nos céus, e tudo vai bem no mundo”. Era isso que ela sentia. Tudo ia bem entre ela e Ted. Estava tudo certo. E ela podia sentir a presença de Deus bem de perto.

Cris começou a murmurar baixinho uma canção. Pegando o tom, Ted se pôs a acompanhá-la, e os quatro começaram a cantar. A voz deles ecoava pela mata em redor, erguida em louvor. Aquele cujo sopro agitava as folhas na copa das árvores e cujos sussurros zuniam pela terra, onde estavam assentados.

À medida que foi escurecendo, Cris começou a tremer. Ted a envolveu com os braços, trazendo-a para perto de si. Juntos, cantavam baixinho e cutucavam com varas longas as brasas que haviam restado na fogueira.

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- Vou buscar meu casaco, disse Cris, afastando-se de Ted afinal. Alguém quer que eu traga alguma coisa da van?

Foi então que se lembrou de que seu casaco ficara pendurado atrás da porta de seu quarto.

- Ah, não! exclamou. Por acaso alguém trouxe um casaco extra?

- Você não trouxe casaco? Que tipo de acampante você é? disse Katie, em tom de repreensão.

Cris entendeu o comentário como uma crítica e, de repente, todo aquele clima especial que se formara evaporou-se no ar.

-se você bem se lembra, tive de fazer minha mala na correria. Não tive todo esse tempo para pensar no que precisava trazer para acampar.

- Foi mal, disse Katie.Entretanto, para Cris, não parecia que Katie

estava realmente pedindo desculpas.- Ei, Cris, eu tenho um suéter aqui, disse

Antônio, caminhando em direção à van.

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O rapaz pegou uma blusa de lã, tricotada à mão, que havia sido pisoteada no chão do veículo, e jogou-a para Cris.

- Você não vai precisar dela? perguntou a jovem.

Cris deu uma cheirada na blusa e se arrependeu de tê-la aceitado. Cheirava como se houvesse sido usada como forro para gaiola, pano para enrolar peixe e, por último, trapo para limpar a sola da bota de algum fazendeiro.

- Tome aqui um cobertor, disse Antônio, jogando para ela mais uma peça de lã fedorenta.

- Vocês não trouxeram sacos de dormir? perguntou Cris.

Entretanto logo se arrependeu de ter dito aquilo. Detestava quando parecia uma menina americana mimada, incapaz de se adaptar à maneira mais simples dos europeus de levar a vida.

Katie também demonstrou-se surpresa com a quantidade limitada de cobertores: apenas um por pessoa.

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- Vocês estão falando sério? Isso é tudo que vamos ganhar? Vocês não trouxeram colchões infláveis? E travesseiros?

- Use um suéter, sugeriu Ted.Era óbvio que Cris não iria deitar o rosto

naquela blusa fedorenta do Antônio.Ted se levantou e, de repente, tudo o que

havia restado da intimidade que desfrutaram juntos naquela noite desapareceu. O rapaz espreguiçou-se e soltou um bocejo.

- Vou pegar um desses cobertores, então, se você tiver mais um, Antônio. Boa-noite, Cris. Boa-noite, Katie, disse ele, indo para a barraca masculina.

- Boa-noite, responderam elas em coro.Cris entrou na barraca e procurou aproveitar

da melhor forma a blusa e o cobertor fedorentos que Antônio lhe emprestara. Abriu o suéter e usou-o para forrar o chão, deitando-se sobre ele. Depois, cobriu-se com o cobertor de lã, ajeitando-o em torno de si como se fosse um saco. Pegou um short limpo e dobrou uma

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camiseta, fazendo-os de travesseiro. Contudo não deu certo. Sentia tanto frio que não conseguia pegar no sono.

Katie, no entanto, logo “apagou”. Vendo-a dormir, Cris ficou irritada. Queria ter uma chance de perguntar à amiga como ela estava se sentindo em relação a Antônio e se havia algo mais entre eles, além das brincadeiras que faziam um com o outro. Entretanto, agora, teria de esperar até o dia seguinte.

Da barraca masculina, armada do outro lado da linha que Katie traçara, ecoava o ronco continuo de Antônio. Pelo menos Cris achava que era Antônio quem estava roncando.

E se for o Ted? Como seria se eu fosse casada com um cara que roncasse assim? Nunca conseguiria dormir!

Foi então que Cris ouviu o som de um pequeno galho se quebrando, do lado de fora da barraca. Congelou de medo. Será que são ladrões? Será que estão querendo roubar nosso equipamento? E se eles conseguirem ligar a van

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sem a chave e nos deixarem aqui? Será que devo gritar?

Mais um galho se quebrou. Cris pegou o braço de Katie e começou a chacoalhá-la.

- Acorde, Katie Você ouviu o barulho?- Ahn?- Ouça, disse Cris, sussurrando.- É só os meninos roncando. Vá dormir, ‘tá

bem?- Não, não é som de ronco. Tem alguma coisa

lá fora. Escute só!Katie acendeu a lanterna e Cris

imediatamente a tomou dela, desligando-a.- Não acenda a lanterna, Katie!- Ai, Cris, larga dessa bobeira! disse Katie,

estendendo as mãos na escuridão e tateando a barraca, até encontrar a lanterna nas mãos de Cris. A idéia é espantá-los com a luz.

Katie abriu a barraca e colocou a cabeça para fora, iluminando a escuridão em redor. De repente, pôs a cabeça para dentro, recobrando o fôlego.

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- Cris, você não vai acreditar no que vi.

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- O que é? perguntou Cris, sentindo o coração disparar.

- Você tem de ver isso. Venha cá, disse Katie, chegando para o lado.

Cris juntou-se a ela, colocando a cabeça para fora, na escuridão. Foi então que o feixe de luz da lanterna passou por algo próximo à fogueira, que fez a luz se refletir na direção delas como se fossem dezenas de pequeninos refletores redondos.

- São os “baxinins” do Antônio, disse Katie.- Nossa, ele não estava brincando! Veja só

quantos guaxinins! O que eles estão comendo?- Restos mortais de peixe.- Argh!-será que o Antônio deixou as sobras lá fora

de propósito? perguntou Katie, iluminando em redor com o fraco feixe de luz.

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Cerca de dez guaxinins franzinos estavam ali, devorando o pequeno banquete diante deles, indiferentes à tentativa de Katie de espantá-los.

- Mas que bando de guaxinins malvados!- Talvez fosse melhor não agitá-los com a luz,

sugeriu Cris.- Por quê? perguntou Katie, dando uma

risada. Você ‘tá com medo de que eles venham atrás de nós, quando terminarem com as tripas, e nos ataquem, arranhando a barraca até conseguirem entrar?

- Não, mas ficaria mais tranquila se eles fossem embora. Será que podemos fechar a barraca de novo? ‘Tá fazendo um frio congelante!

Katie botou a cabeça para dentro e fechou a barraca.

- Bem, faça-me um favor e só me acorde de novo se for alguma coisa com mais de um metro e oitenta de altura, ‘tá bom? disse ela, entocando-se debaixo do cobertor. E de

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preferência com cabelo escuro, olhos castanhos e muita grana, acrescentou.

Cris não conseguiu ficar séria. Por mais contrariada que estivesse, Katie nunca perdia o senso de humor.

- Quer dizer então que esse é seu mais novo padrão de beleza para o homem dos seus sonhos? Você sabe que o Antônio quase preenche os requisitos, né? Só não tem a altura.

- E o dinheiro, acrescentou Katie.- Quê? Então você não acha que a família dele

é rica?- Olha, pode me chamar de louca, mas, na

minha opinião, só quem é muito pobre mesmo sai pra acampar sem levar sacos de dormir e comida.

- Acho então que somos bem miseráveis, não é mesmo? comentou Cris, encolhendo-se toda sobre a blusa de lã e enrolando-se no cobertor como se fosse um casulo, na esperança de que assim se sentiria mais aquecida.

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- E como estão as coisas entre você e o Antônio?

- Bem.Cris ficou em silêncio, esperando que Katie

entrasse nos pormenores. Vendo que a amiga ficara calada, cutucou:

- Você acha que pode rolar algum sentimento entre vocês dois, como no verão passado?

- O que há entre a gente é só uma brincadeira, Cris, disse Katie em voz baixa. Não represento nada demais pra ele, e você sabe disso. Não tem nada a ver.

- E como você se sente em relação a isso?- Esta é minha vida, Cris. Sou a colega de

todo mundo, mas não sou o amorzinho de ninguém, disse ela, acomodando-se melhor. Mas não quero falar sobre rapazes agora. Estou muito cansada mesmo. Podemos dormir?

- Claro, respondeu a outra.Cris queria sentir-se aquecida o suficiente

para poder dormir. Cobriu a cabeça com o

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cobertor e pôs-se a esfregar uma perna na outra, a fim de se aquecer.

Pelo ritmo constante da respiração de Katie, via-se que ela havia pegado no sono. Cris ficou horas acordada, tremendo de frio. Sabia que não deveria deixar os pensamentos correrem solto, mas, mesmo assim, permitiu que eles passassem por sua mente. Pensava em Ted. Pensava em qual seria a próxima etapa no relacionamento deles. Pensava em casamento e também nas palavras exatas que ela lhe diria quando finalmente tivessem uma chance de levar uma conversa séria e íntima.

Ao amanhecer, Cris estava se sentindo exausta. Queria poder cair em sono profundo. No entanto seus amigos, madrugadores, já estavam de pé, tentando convencê-la a se juntar a eles para tomar o café especial do Antônio.

Cris acabou indo na deles, afinal. Pelo menos o café poderia acordá-la, pensava. Ao sair da barraca, com o cobertor enrolado nos ombros, ela mal podia acreditar no quanto se sentia suja e malcheirosa. Aboca estava com um gosto ruim,

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os olhos, remelentos. O cabelo se achava todo despenteado e embaraçado e, além disso, Cris sabia que o mau cheiro da blusa de lã, com que dormira a noite toda, havia passado para sua roupa.

Ted se abaixou e pegou a cafeteira sobre a grelha. Ao contrário de Cris, o rapaz estava com uma aparência limpa e cordial.

- E aí, como você ‘tá? perguntou ele, estendendo uma xícara de café para Cris.

Cris respondeu com um gemido e depois deu uma goladinha no café, procurando não fazer careta. O café especial de Antônio devia ser o café mais forte e espesso que Cris já provara em toda a vida. Se houvesse uma colher ali, poderia tê-lo “comido”, como se fosse um creme. Além disso, Antônio colocara tanto açúcar, que o café mais parecia uma sobremesa do que propriamente uma bebida.

- Acho que com isso eu acordo, disse ela, notando que o cabelo de Ted estava molhado. O de Antônio também estava. Vocês não me falaram que havia chuveiros aqui. Onde ficam?

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Antônio deu um sorriso maroto, que iluminou todo o seu rosto.

- Por ali, disse ele, apontando para a trilha que passava pelas árvores. É no mesmo lugar onde fica a comida.

- Muito engraçadinho, disse Katie.Os raios de sol pareciam se derramar por

entre as folhas das árvores, como se fosse mel. Katie estava assentada num toco, sorvendo seu café, banhada por aquela luz matinal.

- A água está muito fria? perguntou Cris.Ted e Antônio se entreolharam.- Está refrescante, disse Ted.Cris sabia exatamente o que Ted queria dizer

com “refrescante”.- Tem problema se eu usar esta vasilha para

esquentar um pouco d’água? perguntou Cris, abaixando-se para pegar uma panela já bem velha.

Ao fazê-lo, notou um pedaço de cabeça de peixe caído ali na terra.

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- Ei, vocês deixaram os restos de peixe aqui fora de propósito para os guaxinins ontem à noite? Esses animaizinhos parecem ser bem malvados por sinal.

- Escutei você e a Katie conversando com eles ontem na calada da noite, disse Ted.

- A gente não estava falando com eles, e sim sobre eles. Há uma enorme diferença entre uma coisa e outra, afirmou Katie.

Cris deu outra golada no café. Se Ted estava acordado, escutando as duas conversarem sobre os animaizinhos intrusos, então era Antônio quem estava naquela roncação toda, deduziu. De certo modo, só de saber aquilo já se sentia bastante aliviada.

- Qual é a programação de hoje? perguntou.Na verdade o que ela gostaria de dizer era:

“Quando é que vamos fazer as malas e dar o fora daqui?”

- Bem, eu e o Antônio estávamos indo arrumar alguma coisa para o café, disse Ted. Querem vir conosco?

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- Claro! Vocês vão de carro até a cidade? perguntou Cris.

Tomar café numa lanchonete exótica, à beira da estrada, seria ótima idéia, pensava Cris. Só que ela estava muito suja para ir daquele jeito. Espero que não se importem de me esperar dar uma arrumadinha.

Antônio começou a rir.Eles vão pegar café lá na geladeira, disse

Katie. Você não acha que um peixinho fresco cairia bem agora de manhã?

- Bem, nesse caso, então, acho que vou ficar por aqui me aquecendo perto da fogueira. Passei a noite congelando de frio!

- Pelo visto você não dormiu bem, comentou Antônio.

- Não mesmo.Katie resolveu ir com os rapazes. Logo que se

foram, Cris correu para a barraca e roubou o cobertor de Katie. Seguiu em direção à rede, que se achava sob um enorme feixe de luz. Poucos minutos depois lá estava ela, toda enrolada

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naquele áspero cobertor de lã, embalando-se num profundo sono.

Quando voltaram com o peixe, Cris escutou-os discutindo se deveriam ou não acordá-la. No entanto se sentia tão sonolenta que nem sequer tinha forças para responder. Então continuou cochilando, mesmo com todo o aroma de peixe frito exalando pelo ar.

Cris só foi acordar do pesado sono horas depois, com o barulho de uma panela de metal caindo no chão. Com os olhos ainda embaçados de sono, viu um gato nojento rondando os utensílios de cozinha, à procura de algum resto.

- Saia já daqui! gritou ela.Em seguida, desenrolou-se dos cobertores e

saltou da rede. O tempo havia esquentado e, apesar de o sol já ter-se deslocado, deixando a rede na sombra, Cris suava dentro do apertado casulo em que se enfiara.

- Katie? Ted? Antônio? chamou.Não obteve resposta.

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Notou então um pedaço de papelão apoiado em frente à barraca feminina. Ao que parecia, seus amigos haviam escrito um bilhete usando um raminho queimado. Tudo que o aviso dizia era “Fomos escalar”.

- Muito bem, pessoal, murmurou Cris. Vocês saem e me deixam aqui, sozinha no meio deste deserto, com um bando de animais selvagens rondando a área atrás de restos de peixe.

Entretanto a sensação de “abandono” não durou muito, uma vez que Cris estava decidida a tomar um banho. Ao abrir a barraca, sentiu o intenso e terrível odor do suéter de lã agredir-lhe o rosto. Puxou-o então e pendurou-o sobre um galho de árvore baixo, para ver se o vento dava uma arejada nele. Depois, voltou à barraca e vestiu o maiô, juntando todos os outros objetos de que precisaria para tomar um banho bem refrescante. Assim, pôs-se a caminhar rumo à “geladeira”.

Para sua surpresa, o lago ficava perto dali. Os troncos das árvores em redor eram tão espessos, que de lá das barracas nem dava para avistar a

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lagoa. Cris notou que dois barcos navegavam sobre as águas cintilantes. Um deles era um velho barco a remo, feito de madeira, conduzido por dois garotos que, aparentemente, estavam pescando. O outro era de pesca, em alumínio, provido de um pequeno motor externo. Fazia uma barulheira enorme ao deslizar pelo lago, deixando um rastro de espuma na água. À direita de Cris, havia uma pequena ponte.

Amarrando a toalha na cintura, Cris correu até a ponte e notou que um estreito riacho corria sob ela, desaguando no lago. Duas crianças boiavam sobre uma câmara-de-ar, levadas pela correnteza numa vagarosa viagem rumo à lagoa.

-Ciao! exclamou uma delas para Cris.Ela acenou e sorriu.Caminhando pela margem do riacho, Cris

chegou a um pequena baía de cascalho, aquecida pelo sol. Tocou a água, não muito profunda, e notou que estava morna. Então, pisando com cuidado e respirando fundo, entrou na água, afundando-se em seguida. A sensação de frescor, ao mesmo tempo que lhe causava um

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choque, era-lhe bastante agradável. Cris se pôs a boiar com o rosto voltado para o sol.

Sinto-me como se fosse um desses amantes da natureza! A sensação é exatamente como Ted a descreveu: refrescante.

Cris desfez a longa trança e apanhou o sabonete e o xampu. Esbaldando-se nas águas rasas, pôs-se a cantarolar, enquanto se cobria de espuma. Perto dali, um pequeno passarinho marrom pousou num galho baixo e ergueu a cabeça, olhando para Cris como se tentasse entender o que ela estava fazendo. Com movimentos suaves, Cris se inclinou para trás, mergulhando os cabelos na água, para enxaguá-los. A correnteza que passava ali, vinda do rio, puxava fortemente suas madeixas.

Sinto-me como se estivesse numa velha pintura a óleo que há na biblioteca da universidade. Aquela em que os cupidos estão esvoaçando em redor da cachoeira e as mulheres se acham enroladas em trajes de tecido leve, cor de marfim, banhando-se num lago.

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Naturalmente Cris não avistou nenhum cupido voando por ali ao sair do riacho e secar-se. Entretanto, ao caminhar de volta ao camping, sentia uma maravilhosa sensação pulsar dentro de si. Estava refeita, aliviada.

Os outros ainda não haviam retornado quando ela chegou à barraca. Então, depois de se trocar, Cris aproveitou para dar uma boa penteada no cabelo, deixando-o secar ao vento, naquele sol maravilhoso. Ouviu um som de crianças gargalhando, vindo de uma outra área de camping não longe dali. Aquilo a fez se lembrar das criancinhas que moravam no orfanato de Basel, onde ela trabalhava.

Ficou balançando vagarosamente na rede por um bom tempo. Pensou em sua vida, no futuro, nas esperanças e nos sonhos que tinha - algo a que não se dera ao luxo de fazer durante todo o semestre letivo. Fez uma avaliação da experiência que estava tendo na faculdade em Basel, pensando também no quanto o trabalho no orfanato a desgastara emocionalmente.

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O que estou fazendo de errado, Deus? Meu desejo é servir ao Senhor e, de fato, achei que o trabalho no orfanato seria uma maneira de fazê-lo. Mas sinto-me tão desgastada! Será que servir ao Senhor é pra ser assim mesmo? Desgastante?

A única resposta que ouvia às suas indagações era o barulho do vento passando pelos galhos das árvores.

E o Ted, Senhor? Qual será o próximo passo pra nós dois? Será que ele ainda sonha em viver numa ilha deserta, servindo ao Senhor como tradutor da Bíblia para tribos não-alcançadas? Será que só eu estou pensando em me casar algum dia?

Cris sabia que o Senhor estava ouvindo as indagações de seu coração. Nunca tivera dificuldade em crer que Deus escutava, via e conhecia todas as coisas. Olhando para o céu azul-claro, riscado por leves e finas nuvens brancas, Cris murmurou:

Mas, agora, falando sério. O Senhor consegue me enxergar vivendo numa ilha tropical? Quero dizer, tomar banho de rio foi o máximo que já

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experimentei em termos de “desconforto”. O Senhor não está mesmo planejando que eu viva assim para resto da vida, ‘tá?

Cris tentou se convencer de que tomar banho de rio não é lá tão horrível assim. Na verdade, era até um pouco exótico. Daí ficou imaginando como seria dormir todas as noites numa rede, como aquela em que estava se balançando. Pensou em como seria comer peixe todos os dias. Peixe e manga. Ted gosta de manga.

Cozinhar ao ar livre é divertido. E eu bem que gosto de ficar olhando as estrelas à noite. Mas tem algo que não aguento nesta vida: as coisas se sujam rápido demais. Fica tudo fedorento. Também não suporto ficar com fome, como estou agora.

Cris foi atrás da carne seca que Ted havia trazido e comeu o restante. Depois, correu os olhos pela área de camping. Era um lugar deserto, afastado de tudo. Aos poucos, foi começando a se sentir cada vez menos empolgada com a idéia de passar a tarde inteira sozinha. A mata em redor, com os passarinhos

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curiosos e os guaxinins selvagens, já não lhe parecia mais tão encantadora. Durante meses Cris estivera cercada de pessoas, tanto na escola quanto no orfanato. Sua rotina era cheia e seus horários, bastante apertados. Várias vezes desejara poder passar uma tarde assim, sem nada para fazer, livre para ficar sozinha, pensando na vida e sonhando acordada. Entretanto agora queria que seus amigos voltassem. Aquele lugar estava ficando sossegado demais para ela.

Apenas para ter o que fazer, Cris começou a juntar os vários galhos que estavam no chão, dando uma boa arrumada no local. Depois, acendeu a fogueira e desceu até ao riacho, onde encheu uma grande vasilha de água, voltando para o acampamento em seguida.

Quem sabe eu não consigo aprender a ser uma mulher mais “da selva”, que gosta dessas coisas naturais? Nem é tão ruim assim.

Depois de esquentar a água, lavou a frigideira, as quatro xícaras e os garfos. Toda vez que ouvia algum ruído, por menor que fosse,

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olhava em volta, na esperança de que os amigos estivessem voltando da escalada. Mas nada de eles regressarem. Ao cair da tarde, Cris já estava começando a ficar com raiva e também com medo.

Por que eles resolveram me deixar sozinha este tempo todo? Acho que deveríamos estabelecer algumas regras aqui, como, por exemplo, nunca deixar alguém sozinho no acampamento o dia inteiro.

Foi então que ouviu alguns passos vindos da mata. Pensando em se tratar de seus “amigos”, Cris foi logo se preparando para passar um belo de um sermão neles, por terem deixado-a ali sozinha o dia todo, aflita da vida. Contudo os passos não eram de Ted, nem de Antônio, nem de Katie. Quem se aproximava era um homem de chapéu xadrez, trajando um pesado suéter de tricô, como aquele que Cris pendurara no galho da árvore. O homem carregava consigo uma fieira de peixes, de tamanho mediano. Ao se aproximar, cumprimentou Cris em italiano.

- Ciao, respondeu ela sem muita expressão.

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Ela pensava que, se agisse com naturalidade, como alguém que estivesse sozinha ali por opção, e demonstrasse que tinha plena noção do que estava fazendo, ele simplesmente passaria pelo acampamento, sem parar para mexer com ela.

Entretanto ele parou e novamente se dirigiu a ela em italiano.

Cris pensou rápido. Durante o semestre letivo ela havia aprendido que em casos assim o melhor era responder em alemão.

- Ich verstehe nicht, disse ela, o que significava “Não entendo”.

O homem se aproximou da fogueira, perto de onde Cris estava assentada, e repetiu o que havia dito, dessa vez usando frases maiores e mais gestos.

- Ich verstehe nicht, disse ela rapidamente.No entanto o homem não desanimou e

continuou falando. Tirou dois peixes da fieira e puxou o suéter com as mãos, como se quisesse chamar a atenção de Cris para o agasalho.

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Depois, colocou os peixes na frigideira que Cris lavara.

- Não entendo o que você diz, replicou Cris.Então, fazendo mais alguns gestos, o homem

tirou mais um peixe da fieira e o colocou na panela. Depois, deu uns tapinha no peito e ficou olhando para Cris, como se esperasse uma resposta dela.

- Danke, foi a única coisa que lhe veio à cabeça.

Talvez ele estivesse apenas sendo um homem generoso, dividindo sua pesca do dia, uma vez que, evidentemente, ela na tinha nada para o jantar. Ou pelo menos era isso o que Cris pensava. Lembrando-se então de como dizer “obrigado” em italiano, acrescentou:

- Grazie.- Prego, respondeu ele, acenando com a

cabeça.Depois o homem soltou mais algumas

palavras, bateu novamente no suéter e se pôs a caminho.

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Cris se assentou, petrificada. Apenas seus olhos se movia indo das costas do homem para o pescado na panela. O cheiro característico de peixe pairava em torno dela. Mas era mais do que cheiro de peixe. Era um forte odor de pescado, misturado com cheiro de forro de gaiola e sola de bota de fazendeiro.

Ah, não! Cris deu um pulo e correu rapidamente para o lado de trás da barraca, próximo de onde começava a trilha. Olhou em redor, no local em que pendurara o fedorento suéter de Antônio. Entretanto ele já não estava lá.

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4

Antes mesmo que Cris pudesse sair correndo atrás do pescador, a fim de exigir que lhe devolvesse o catinguento agasalho de Antônio, ela ouviu a voz de Ted, que vinha lá da mata, chamar-lhe.

- Ei, Cris! já acordou?Cris correu pela trilha e encontrou Ted no

meio do caminho, atirando-se nos braços dele. Entretanto o abraço não durou nem dois segundos. Dando um empurrão em Ted, ela exclamou, contrariada:

- Onde é que vocês estavam? Me deixaram aqui sozinha! Veio um cara aqui e levou o suéter do Antônio em troca de alguns peixes, sem que eu entendesse nada do que estava acontecendo!

Ted parecia observar o cabelo dela, que estava solto pela altura dos ombros e que, por ela ter corrido de um lado para o outro, achava-se bagunçado e rebelde.

- Você está cheirosa, comentou ele.

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- Você prestou atenção em alguma coisa que eu disse?

- Sim, o cara foi embora e deixou três peixes. Já começou a limpá-los?

- Não, respondeu ela, olhando para Ted sem acreditar no que estava ouvindo.

- Venha cá, vou lhe ajudar. O Antônio e a Katie devem chegar dentro de alguns minutinhos.

- Onde vocês estavam?- Acabamos perdendo o rumo durante a

escalada, respondeu Ted com um sorriso.- Ficaram perdidos?- Mais ou menos.- Como assim, Ted? Como é que alguém pode

ficar “mais ou menos” perdido? Ou você está perdido ou não!

Ted colocou o braço sobre os ombros dela, envolvendo-a. Parecia estar se divertindo com os comentários raivosos de Cris e agia como se nada de errado houvesse acontecido.

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Foi então que Cris começou a perceber o quanto estava cheirosa em comparação a Ted. O rapaz começou a limpar os peixes e, quando Katie e Antônio chegaram e se assentaram junto à fogueira, Cris percebeu o quanto era desagradável e inútil ser a única pessoa limpinha e cheirosa do grupo.

Então, contou a Antônio a história do suéter e dos peixes, pedindo desculpas.

O rapaz caiu na gargalhada.- Você deveria ter batido o pé e só aceitado

se fossem cinco peixes no mínimo. Foi minha avó que fez aquela blusa. Da próxima vez, mostre seus dedos assim e diga “Cinque”.

- Foi sua avó que fez o suéter? Ai, Antônio, estou me sentindo péssima agora!

- Não se sinta. Aquele suéter já era velho. Ela sempre faz um novo pra mim no Natal.

- Na verdade, isso foi uma “coisa de Deus”, Cris! exclamou Katie. Já pensou o tempo que levaríamos até conseguir pescar algum peixe pra jantar? Isto aqui é perfeito. Voltamos da escalada

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e a comida ‘tá pronta. Quero dizer, quase pronta. Arranjada, pelo menos.

Katie continuou falando, narrando toda entusiasmada as aventuras que haviam vivido durante a maravilhosa escalada. Estava certa de que tinham andado no mínimo uns cinqüenta quilômetros e dizia que nunca mais toparia sair para andar com aqueles dois malucos.

- Você é que fez certo de ficar aqui e dormir o dia inteiro, Cris. Pode crer. Estou exausta e faminta. Esse negócio de viver dependendo da natureza é muito demorado, né? Sobrou alguma carne seca?

- Não, eu comi tudo.- E quanto tempo vai demorar para o peixe

ficar pronto?- Não muito, respondeu Antônio, abanando o

fogo e colocando na fogueira mais alguns gravetos que Cris juntara.

- Já que vocês estão famintos, a gente podia deixar isto aqui e ver se acha alguma coisa pra comer na estrada, sugeriu Cris. Os guaxinins

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ficarão felizes se deixarmos o peixe aqui pra eles.

- Em que estrada?- Ué, na estrada que iremos pegar para o

local onde passaremos a noite.Ouvindo aquilo, os três largaram o que

estavam fazendo e olharam para Cris. Estudando a expressão do rosto deles, ela disse:

- Ou vocês estão pensando em passar mais uma noite aqui?

- Mas é claro, respondeu Antônio em tom decidido. Estou de folga do serviço até sábado. Podemos passar mais quatro noites aqui.

Vendo que nem Katie nem Ted se mostravam contrários à possibilidade de passarem o resto da semana acampados, Cris resolveu ficar quieta, mais por espanto do que por qualquer outro motivo. Ficou calada durante toda a refeição. Ted havia lhe emprestado sua blusa de moletom azul-marinho, que tinha um capuz. Cris se aconchegou junto a Ted, com o capuz na cabeça de forma a esconder o rosto do olhar do rapaz.

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Cantava juntamente com os outros, mas sem muito entusiasmo. Mal conseguia imaginar o que seria passar mais cinco dias de suas três semanas de férias ali, com aqueles bichinhos mascarados rondando à meia-noite à procura de restos de peixe, enquanto ela se virava de um lado para o outro no chão duro, tremendo de frio.

Cris foi dormir trajando a blusa de Ted, com o capuz ainda na cabeça. Pelo menos aquilo ajudava a manter o corpo aquecido. No entanto, sem o suéter fedorento para servir de forro, Cris sentia a aspereza do chão e, além disso, passava muito mais frio do que na noite anterior. Deitada, ouvia a respiração de Katie, que ecoava num ritmo constante.

Foi então que começou uma briga lá fora. Era um bando de gatos, verdadeiros “garis noturnos”, que disputava com uns guaxinins a sobra de peixe da noite. Cris chorava baixinho, deixando as minúsculas lágrimas escorrem pelo rosto. Aquelas não eram as férias que sonhara passar com os amigos. Mas, como é que poderia dizer isso a eles quando, aparentemente, era a

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única que achava que continuar acampando não era lá uma idéia tão boa assim?

Virou-se para o outro lado, rolando sobre o chão da barraca. Sentia-se desconfortável. Estava de meia e, para se aquecer, pôs-se a esfregar um pé no outro.

No fim das contas, acho que não faço muito o tipo “mulher da selva”, não.

O vento começou a soprar mais forte, fazendo a lona lateral da barraca se levantar e abaixar repetidamente. Com ele vieram as nuvens e, de repente, uma chuva fortíssima começou a cair. Com a ventania, a água entrava na barraca por um pequeno rasgo que havia na lona, próximo à cabeça de Cris. Poucos minutos depois, seu capuz estava completamente encharcado.

- Agora, chega! gritou ela, levantando-se e abrindo a barraca energicamente.

- O que foi? resmungou Katie. Será que você não consegue esquecer os guaxinins e dormir?

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- Katie, está caindo um pé-d’água! Estou ensopada! Eu é que não fico aqui! Vou dormir na van!

Correndo sob o aguaceiro, Cris chegou à van. Abriu a porta lateral com um empurrão e entrou, fechando-a em seguida. Depois instalou-se no banco de trás.

Por que não pensei nisso ontem à noite? É bem mais quentinho aqui dentro.

A chuva continuava caindo, tamborilando fortemente sobre o teto do veículo. Mas agora Cris estava segura, sequinha e praticamente aquecida ali dentro. Puxou o áspero cobertor até o queixo, pensando que finalmente conseguiria dormir de verdade.

Foi então que alguém abriu a porta.- Arreda aí, que eu to entrando! A água

inundou nossa barraca! exclamou Katie, saltando para entrar no veículo.

Na manobra, acabou esmagando o dedo indicador de Cris contra a estrutura metálica inferior do banco.

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- Ai! gritou Cris.- O que foi?Contudo, antes mesmo que Cris pudesse

responder, a porta se abriu novamente e Ted entrou.

- Pelo visto, vocês tiveram a mesma idéia.Antônio, que estava logo atrás, debaixo

daquele temporal, gritou:- Vamos, pessoal! Arredem aí pra eu entrar!- Vocês dois estão ensopados, disse Katie.Ted virou a lanterna que trazia consigo na

direção de Cris. As lágrimas rolavam-lhe pelo rosto, enquanto ela apertava com força o dedo machucado, pressionando firmemente os lábios.

- Você ‘tá legal? perguntou ele.Cris apenas meneou a cabeça. Não conseguia

falar.- Machucou a mão? perguntou Ted, erguendo

o queixo.Cris acenou que sim. Ted pegou a mão dela e

a iluminou com a lanterna. Antônio entrou na

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van, e todos fixaram a atenção sobre o dedo de Cris. Embora ela sentisse o dedo latejar muito, seu aspecto era normal. Não estava inchado nem roxo. Não havia nenhum corte. Estava apenas doendo muito, como o resto de seu corpo e de suas emoções. Olhando-a daquele jeito, seus amigos a faziam se sentir como uma “mulher da selva” nota zero. Um verdadeiro fracasso.

- Vai sarar, disse ela baixinho, tirando a mão do foco de luz.

- Nesse caso, já que estamos todos reunidos, o que vamos fazer? perguntou Antônio.

Cris recostou-se no banco traseiro, fazendo o máximo para não começar a chorar de dor. Ted se acomodou no chão, apoiando as costas nas pernas dela. Entretanto Cris não queria que ninguém pegasse ou encostasse nela naquela hora. Nem mesmo Ted. Não demorou muito o cheiro de meia molhada e bota mofada começou a se exalar por todo o pequeno e apertado recinto. Cris sabia, no entanto, que, se abrisse uma das janelas, o vento traria a chuva para dentro da van.

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- A gente podia contar histÓrias de suspense, sugeriu Katie. Ou então jogar xadrez. Vocês já jogaram xadrez em duplas? Podemos jogar homens contra mulheres. O que acha, Cris?

Cris não estava a fim de jogar nada. Para ela, aquilo não era uma “festinha da camisola” improvisada, como os outros aparentemente pensavam ser.

- tem outra lanterna aqui, em algum lugar, disse Antônio tatEando desajeitadamente os armÁrios embutidos na lataria do veículo.

Ted virou-se para Cris e disse:- Ouça o som da chuva. Não é incrível? Do

que você se lembra ao ouvir este som?Vendo que Cris permanecera calada, Ted

continuou:- Vou lhe dar uma dica. Pense num jipe

conversível e numa chuvarada repentina.Antônio acendeu uma lanterna maior,

iluminando todo o interior da van. Ao ver a expressão do rosto de Cris, sob o feixe de luz, Ted ficou surpreso.

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- O que foi? Disse alguma coisa que não deveria?

- Não, respondeu Cris, procurando mostrar-se menos séria.

- Então, qual é o problema? perguntou Ted, envolvendo os joelhos dela com o braço.

Demonstrava estar sinceramente preocupado com ela.

- Não é nada.- Ora, ora, Cris. É claro que tem alguma coisa

incomodando-a, disse Katie. Todo mundo aqui conhece você bem o suficiente. Não adianta tentar esconder. Ande, diga-nos o que é.

Cris hesitou. Detestava sentir-se daquele jeito. Segurando o dedo, que ainda doía muito, soltou afinal:

- Na verdade eu não estou exatamente curtindo esta chuvarada toda da forma como vocês estão. E, para ser sincera... acho que não dou conta de tudo isto.

- Disto o quê? perguntou Katie, tentando fazer com que Cris continuasse.

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- Disto!- De acampar? Antônio arriscou um palpite.- É, acampar e tudo o mais. Quero dizer,

vocês adoram esta aventura toda de viver em contato com a natureza e tal, mas é a primeira vez que acampo de barraca na minha vida! Detesto ser o bebezão do grupo, mas ‘tá sendo uma barra pesada pra mim! Estou aqui com frio, molhada e com fome. Mas pra vocês ‘tá tudo muito bom, uma maravilha! Vocês estão animados a continuar aqui até o fim da semana ou até mesmo para o resto da vida, pelo que vejo!

Todos os olhares estavam fixos em Cris.- Sinto muito, mas não era bem isto que tinha

pensado em fazer, quando combinamos de viajar pela Europa.

Cris olhou para Ted novamente e percebeu que era melhor aproveitar o embalo e continuar falando.

- A gente só tem três semanas pra ver tudo aqui na Europa. Apenas três semanas! Agora, se

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vocês estão a fim de passar uma semana inteira aqui nesta chuva toda, comendo peixe, tudo bem, mas vou falar uma coisa: não tenho a facilidade que vocês têm.

Cris sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Eram lágrimas quentes, intensas. Fez força para não chorar.

- Sinto muito por estar agindo assim, mas a sensação que tenho é de que vocês se divertiriam muito mais se eu não estivesse presente. Quero dizer, vocês foram escalar sem mim. Poderiam muito bem ter vindo acampar aqui na Itália sem mim também e deixado para se encontrarem comigo no caminho para a Noruega ou qualquer coisa parecida.

- É isso que você quer fazer? Ir pra Noruega? perguntou Katie.

- Tanto faz Noruega ou qualquer outro lugar. Achei que você queria ir pra lá, respondeu Cris, levantando a voz. Não foi você que mandou um e-mail, falando que queria ver um fiorde e conhecer o país da sua bisavó?

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- Sim, eu ainda quero ir lá uma hora dessas, mas não estou com pressa, disse Katie.

- Mas é isso que vocês não estão entendendo. Não dá pra gente decidir de uma hora pra outra ir pra Noruega num dia e chegar lá pela hora do almoço. A gente tem de descobrir o horário dos trens. Em alguns é preciso até reservar os lugares. E se quisermos parar no caminho pra conhecer alguma outra cidade? Temos de ter um roteiro. Não entendo por que não podemos montar um!

- Mas quem disse que não podemos? Podemos montar um, sim, disse Ted.

- Três semanas não são esse tempo todo que vocês está imaginando, falou Cris, acalmando-se.

- Então, aonde você ‘tá pensando em ir? perguntou Katie. Vamos, sugira um roteiro pra nós.

- Não pensei em nada ainda.- Nem a gente, disse Katie, na defensiva. É

por isso que estamos deixando as coisas

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acontecerem naturalmente. Acampar aqui com o Antônio é uma oportunidade única!

- Não, disse Antônio, levantando a mão e balançando a cabeça. Cris tem razão. Na verdade, a “oportunidade única” é muito mais do que simplesmente ficar aqui acampado, curtindo as árvores e a lagoa. Vocês têm de conhecer a Capela Sistina e a Torre Eiffel. Há muito o que se ver aqui na Europa, bem mais do que isto aqui. Cinco dias é tempo demais num só lugar com tantos outros pontos turísticos pra se conhecer. Vamos partir amanhã de manhã, ‘tá bem?

- Antônio, interferiu Cris rapidamente, eu não quis diz que temos de partir já. Só estava dizendo que a gente precisa de um roteiro, só isso. Temos de trabalhar em equipe.

Por um momento, reinou o silêncio entre eles. O som da chuva batendo no teto da van fez Cris perceber o quanto falara alto, ao tentar defender seu ponto de vista.

- E pra onde você gostaria de ir depois que sairmos daqui perguntou Ted a Cris.

- Não faço muita questão do lugar.

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- Ora, ora, Cris, disse Katie. Não é possível que você não tenha nenhuma idéia em mente, depois de dar toda essa injeção de ânimo na gente.

- Então ‘tá. Se tivesse de decidir por nós, diria que gostaria de conhecer outras partes da Itália, disse Cris com certa prudência.

- Eu também, replicou Ted.- Então estamos conversados, disse Antônio,

batendo uma mão na outra. Assim que a chuva parar, desmontaremos as barracas e vocês irão conhecer mais da Itália. Mi Itália! Vocês vão amar isto aqui.

Cris sentiu-se melhor ao ver que os outros pareciam concordar com Antônio.

Só que a chuva não parou pela manhã. Então os quatro acampantes se puseram a desmontar as barracas ensopadas, debaixo da chuva, num verdadeiro trabalho de equipe. Amarraram as barracas no teto da van e arrastaram a caixa de madeira, que continha os equipamentos de camping, até a parte traseira do veículo, amarrando-a ao pára-choque em seguida.

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Estavam cansados e com fome. Cris se sentia completamente ensopada. Nenhum deles havia trazido nada que fosse impermeável e pudesse servir de capa. Não tinham nem mesmo um saco plástico. Trocaram de roupa na van, um de cada vez, e lá se foram, atravessando a enlameada estrada de terra que levava até a rodovia, ao som dos roncos do motor.

- Vamos ver se a gente para no primeiro lugar que tiver comida, pediu Katie. Qualquer tipo de comida ‘tá bom.

Ao atingirem a rodovia, Antônio aumentou a velocidade.

- A gente come na minha casa. Minha mama servirá um lanche pra nós com o maior prazer. Vocês vão gostar muito dela.

- Com certeza, Antônio, disse Katie. Mas quanto tempo vai demorar pra chegarmos à sua Pizzeria Mama Mia?

- Legal isso que você falou, Katie, disse Antônio sorrindo. Pizzeria Mama Mia. Ficou engraçado. A gente chega lá daqui a uma hora. Não é muito longe.

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Durante o percurso, passaram por montanhas verdinhas, de formato arredondado, e por campos enormes, cobertos de girassóis. Depois que deixaram o sopé das montanhas, a chuva deu uma trégua, ficando apenas um leve nevoeiro por onde a luz do sol vez por outra penetrava. Para Cris, no entanto, o tempo demorava a passar. Ela olhava pela janela da van e via os raios de sol trespassarem as nuvens, incidindo sobre as vinhas que margeavam a estrada. A luz dava as folhas um tom de verde forte, bem brilhante. Por alguma razão a beleza daquela paisagem pastoril trazia-lhe um certo alívio, um bem estar interior, o que lhe foi muito bom. Afinal de contas, ela ainda se sentia um pouco culpada por ter ficado tão irritada forçando todo mundo a fazer as malas e ir embora por sua causa.

Cris olhou para o dedo machucado e notou que estava roxo. No entanto não era apenas seu dedo que doía. Sentia que sua emoções também haviam sido feridas.

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Enquanto isso, Ted dormia, estirado no banco traseiro. Katie havia se deitado no chão. Cris invejava a facilidade dos dois de se deitar em qualquer lugar, em qualquer posição, e simplesmente pegar no sono. Por mais que tentasse, ela não conseguia dormir. Observando-os, Cris notou que o braço de Ted caíra para o lado e agora repousava sobre o ombro de Katie, uma vez que ela havia se deslocado para mais perto do banco. Naturalmente Ted e Katie não tinham a intenção de se “tocarem” de forma tão “íntima”, mas o fato é que estavam se encostando um no outro. E Cris não gostava nada de ver Ted e sua melhor amiga tão “juntinhos”. A todo momento virava-se e ficava olhando para eles.

- É aqui que você mora? perguntou Cris a Antônio ao saírem da rodovia principal e pegarem a estrada que levava à cidade.

- Não, mas não fica muito longe daqui. Este aqui é o município de Cremona.

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- Parece ser bem antigo, disse Cris, observando atentamete uma enorme torre que se destacava acima dos telhados das casas.

- Chamam-na de Torrazzo, que significa “torre alta”, disse Antônio apontando para a torre. Foi construída no século XIII.

- É muito bonita, comentou Cris.- Minha família é parente da família Amati,

daqui de Cremona, afirmou Antônio, todo orgulhoso, como se aquilo fosse algo importante.

Ao ver que Cris não fizera nenhum comentário, disse:

- Ah, vocês, americanos! Garanto que não sabem quem foi Amati, não é mesmo?

- Infelizmente não, disse ela.- Talvez você já tenha ouvido falar do

discípulo de Amati, chamado Stradivari. Minha mãe pôs meu nome de Antônio Stradivari em homenagem a ele.

- Foi esse que inventou o violino? Os violinos estradivários? perguntou Cris.

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- Si! Então você já ouviu falar nele! Mas na verdade quem inventou o violino mesmo foi um tal de Andrea Amati, que era da minha família. Stradivari apenas aperfeiçoou o instrumento. Os dois moraram aqui em Cremona. Stradivari já fabricava violinos aqui mais de três séculos atrás e até hoje a produção continua. Músicos do mundo inteiro vêm aqui pra comprar violinos.

Era a primeira vez que Cris se sentia empolgada por estar na Itália. Era justamente essa instigante mistura de história e atualidade que ela desejava desvendar e desbravar durante a viagem.

- ‘Tá vendo aquela rua ali? continuou Antônio. Trabalho num restaurante lá, perto de uma catedral. Sempre falo para os turistas que Antônio Stradivari fez 1.200 violinos artesanalmente e que minha mãe escolheu meu nome em homenagem a ele. Ninguém acredita.

- Não acreditam que ele fez 1.200 violinos ou que sua mãe pôs seu nome em homenagem a ele?

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- As duas coisas. Eles acham que estou inventando moda.

- Bom, eu acredito em você, Antônio. E acho tudo isso aqui muito impressionante, disse ela, estirando-se para pegar uma última visão da catedral.

Depois de passarem por um trecho de curvas, na estreita estrada em que seguiam, atravessaram uma ponte larga, que cruzava um rio bem extenso. Em seguida, pegaram uma outra estrada muito mal conservada. Seguiram nela até chegarem a uma casa de fazenda, de paredes brancas e telhado vermelho, tudo muito simples. O lugar lembrava a Cris as fazendas do Wisconsin, onde havia sido criada.

Ao se aproximarem, Antônio deu uma buzinada, que acordou Katie e Ted. Da porta lateral da modesta casa, uma senhora acenava e mandava beijos para eles. Cris sorriu para ela.

Depois de serem apresentados à mãe de Antônio, e de trocarem uma série de cumprimentos calorosos, os quatro foram levados até a pequena cozinha. Estavam todos

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imundos e famintos. Ao entrarem, sentiram no ar um delicioso aroma, de dar água na boca. A mãe de Antônio gesticulava sem parar, indicando que era para Cris, Ted e Katie se assentarem à mesa. Enquanto isso, conversava em italiano com o filho, falando rapidamente.

Cris foi logo gostando da mãe de Antônio. E gostou da cozinha também. O assento das cadeiras era feito de palha entrelaçada, e a madeira era pintada de azul-escuro. Na parede que ficava de frente para Cris, havia uma prateleira de madeira toda adornada, pintada no mesmo tom das cadeiras. Nela ficavam alguns pratos de cerâmica, em tons de branco, azul e amarelo vivos, e um jarro de servir água, nas mesmas cores.

Antônio continuava conversando em italiano com a mãe, falando os dois ao mesmo tempo, enquanto ela juntava alguns ingredientes aqui e ali.

Cris teve vontade de rir da cena. Quanta barulheira e agitação só por causa do filhinho

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querido e de seus três amigos, naturalmente exaustos!

- Minha mãe ‘tá dizendo que vocês podem ir tomar um banho, se quiserem, enquanto ela prepara uma massa pra nós. Quer que eu traga sua mala? perguntou Antônio, olhando para Cris.

- Sim, por favor. Gostaria muito de tomar um banho. Tem certeza de que sua mãe não se incomoda?

Cris sabia que a mãe de Antônio não se importaria. Talvez ela não estivesse gostando era daquele povo todo imundo em sua cozinha limpa e arrumadinha.

- Vou primeiro, pode ser? disse Cris, olhando para Ted e Katie.

Se sua figura estivesse um pouquinho parecida com a de seus amigos, com certeza o banho lhe faria um bem tremendo.

Antônio levou Cris até o banheiro. O piso era de cerâmica e a banheira tinha um aspecto curioso. Era pequena e funda, e havia uma espécie de cano ligado a ela, que Cris deduziu

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ser o chuveiro. Demorou um pouquinho até descobrir como ela funcionava, mas conseguiu. A água quentinha escorrendo-lhe pela cabeça mais parecia um sonho. Cris ensaboou-se rapidamente e depois se trocou, vestindo uma das últimas peças limpas que lhe restavam.

Ao sair do banheiro, avistou Katie, que estava esperando à porta.

- Eu e o Ted acabamos de lavar algumas roupas. Adivinhe onde eles lavam roupa?! Lá no quintal, numa tina enorme, onde há uma daquelas tábuas antigas de esfregar roupa. Depois a gente pendura tudo num varal amarrado entre duas árvores. Não é engraçado?

Foi então que Cris notou que Katie estava toda molhada.

- Ah, eu e o Ted fizemos uma guerrinha de água, disse Katie notando o olhar da amiga. É claro que eu ganhei. Você tem de ver como ele ficou. Nem ‘tá precisando de banho mais.

Katie parecia bem alegre. Cris deixou a amiga entrar no banho e foi até o quintal para lavar as roupas. Ted estava se secando ao sol, assentado

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numa cadeira, ao lado de Antônio. Pareciam dois velhos conversando. Recostando-se em sua cadeira, Antônio comentava sobre como o tempo estava agradável e limpo em comparação com a região das montanhas, onde haviam acampado. Ted demonstrava estar completamente à vontade, fazendo alguns comentários sobre o tempo também.

Quando a Katie ‘tá por perto ele brinca de guerrinha de água, né? Mas quando eu chego, ele nem me vê e fica aí assentado, conversando sobre o tempo. Estou me sentindo a própria chata aqui. Foi por minha causa que viemos embora. Talvez o tempo lá no acampamento até já esteja aberto e agradável, e nós poderíamos estar lá, lavando as roupas no riacho. Será que estraguei tudo?

Cerca de uma hora e meia depois, todos já estavam de banho tomado e assentados à mesa da cozinha, saboreando um verdadeiro banquete. Ted elogiava sem parar a massa, enquanto Katie servia o tempo todo um pouco mais de linguiça. Já Cris gostara mais do ravióli.

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Antônio traduzia os comentários e elogios dos amigos para a mãe. Ela sorria e gesticulava, indicando que era para eles comerem mais e mais e mais!

Cris já não aguentava dar mais nem uma garfada. Mesmo assim, ainda havia bastante comida na mesa.

- Antônio, você poderia perguntar à sua mãe se nós podemos ajudá-la a arrumar a cozinha e guardar o que sobrou?

Antônio traduziu a pergunta de Cris para a mãe, mas esta foi logo dizendo, por meio de gestos, que era para eles irem lá para fora e deixarem a cozinha por conta dela.

- A gente pode pelo menos lavar a louça, sugeriu Katie.

A mãe de Antônio aceitou a ajuda e, então, os quatro se enfileiraram, a fim de lavar e secar os pratos de cerâmica azul e amarela e todas as outras vasilhas. Com todo aquele bando na pia, lavando a louça às gargalhadas, não demorou muito para que tudo ficasse limpo. Ao terminarem, Cris teve a impressão de que a mãe

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de Antônio estava feliz ao ver que o bando deixaria sua pequena cozinha em paz.

Depois do almoço, os quatro foram descarregar e lavar todo o equipamento de camping, usando uma mangueira e uma escova de esfregar, própria para limpeza pesada. Ficaram a tarde toda lavando e esperando as peças se secarem ao vento, para então guardarem tudo de volta nas caixas. Durante o processo, Cris observou que Katie e Ted trabalharam juntos quase o tempo todo. Quando terminaram, ele desafiou a amiga para um jogo de xadrez e os dois foram se assentar à sombra das árvores. E lá ficaram, olhando atentamente para o tabuleiro, em concentração total.

-será que posso ajudar sua mãe a preparar o jantar? perguntou Cris afinal, cansada de observar Ted e Katie jogando.

- Acho melhor não. Ela não fica muito à vontade quando tem alguém na cozinha, respondeu Antônio.

O sol já estava quase se pondo quando o pai de Antônio chegou do campo, onde trabalhava

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arando a terra. Cris teve a impressão de que ele era um homem severo. Ou então, deveria estar bastante cansado. Era mais baixo do que Antônio, porém mais musculoso. Animado, ele convidou os amigos do filho a se juntarem a ele à mesa e se pôs a fazer-lhes perguntas, pedindo a Antônio que traduzisse, enquanto comiam.

- De quem você herdou olhos tão lindos? perguntou ele a Cris. Do seu pai ou da sua mãe?

- Não sei muito bem. Acho que é uma mistura dos dois, respondeu ela, sentindo o rosto corar.

- Meu pai disse que são os olhos mais lindos que já viu, disse Antônio. E ele tem razão.

Cris abaixou a cabeça, procurando manter o olhar fixo no prato. Tinha a impressão de que todos a encaravam. Em seguida, virou o rosto e, olhando rapidamente para o pai de Antônio, disse timidamente:

- Molte grazie, signore.- Ahh! exclamou o pai, surpreso em ouvir um

agradecimento tão educado em italiano.

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Falou mais algumas palavras rapidamente e deu um tapinha no braço de Antônio, todo brincalhão. Depois apontou para Cris e bateu novamente no braço do filho.

- Que foi que ele disse? perguntou Cris com certa cautela.

Antônio parecia constrangido. Soltou alguma coisa em italiano e, em seguida, seu pai e sua mãe olharam para Ted, surpresos.

Ted sorriu para Antônio, sem entender.- O que você disse a eles? Que foi que eu não

“pesquei” aqui? perguntou o rapaz.Olhando para o prato, Antônio traduziu para

os amigos o que o pai dissera. Além do inglês, recorreu à gesticulação.

- Ele me perguntou por que eu ainda não pedi a Cris em casamento. Aí eu expliquei pra ele que ela é sua namorada.

Cris olhou para Ted. É agora, Ted. Vamos lá. Diga a todos que você é louco por mim e que não consegue viver sem mim. Vamos, quero ouvir você dizer isso.

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Ted hesitou por alguns momentos. Cris sabia que ele ainda precisava definir muitas áreas de sua vida. Era por isso mesmo que lhe dissera várias vezes que ela poderia ficar à vontade para “dar um tempo” no relacionamento e voltar quando bem entendesse. E tanto ele quanto ela haviam feito isso. Mas será que ele estava preparado para definir, ali na frente de todos, pelo menos uma dessas áreas de sua vida? Se estivesse, tudo que teria de fazer era afirmar que Cris era de fato sua namorada.

Todos os olhares estavam em Ted. Cris apertava fortemente os lábios, esperando a resposta dele.

- Por favor, diga a seu pai que me sinto lisonjeado com a pergunta dele, disse Ted afinal, erguendo o queixo, como costumava fazer.

O que ele quer dizer com isso?

A princípio, o pai de Antônio pareceu surpreso com a vaga colocação de Ted. Entretanto depois deu um largo sorriso e acenou com a cabeça. Com uma boa gargalhada, sacudiu o dedo

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olhando para Ted e soltou animadamente uma porção de palavras em italiano.

Cris não tinha certeza se queria ou não ouvir a tradução.

- Meu pai disse que você aprendeu cedo o segredo de tudo, que é deixar a mulher sempre na dúvida.

Ah, isso mesmo. Deixar a mulher sempre na dúvida é a especialidade do Ted. E como é que fica nosso relacionamento? Obviamente não numa posição tão boa quanto eu imaginava.

Cris sentiu um aperto no coração. Era uma sensação antiga, que ela conhecia bem.

Não faça isso, Cris. Não se deixe afogar em depressão. O Ted não ‘tá rejeitando você. Só ‘tá agindo do jeito normal dele, sem assumir nenhum compromisso. Já faz cinco anos que vocês desfrutam de uma amizade muito especial; uma amizade que é para sempre. Por enquanto você tem de se contentar com isso.

Lá no fundo, no entanto, Cris queria bem mais do que a simples amizade de Ted.

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5

Na manhã seguinte, Cris acordou com um sonido de buzina, que vinha lá do portão. Curiosa para ver quem era, pulou da cama e foi até a janela, que se achava entreaberta, pisando com cuidado sobre o tapete para não fazer barulho. Katie continuava dormindo. Abrindo a cortina branca de renda, viu que um táxi estava parado à porta da casa.

Um rapaz italiano alto e elegante, aproximadamente da idade de Antônio, pagava ao motorista. Trajava calça jeans escura, de corte reto, e uma camisa social branca, com as mangas dobradas. Tinha cabelo escuro e era muito simpático. Da janela, Cris observava atentamente o rapaz desconhecido.

- Ciao! gritou ele.Possivelmente vira Cris na janela, ao se virar.

Acenou com uma das mãos, ergueu sua maleta com a outra e dirigiu-se em direção a ela. Cris por sua vez afastou-se rapidamente e fechou a cortina, escondendo-se dele.

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Saltou até a cama de Katie e deu uma chacoalhada na amiga, que dormia.

- Katie! sussurrou ela. Acorde!- Ahn? balbuciou a amiga, parecendo um

pouco contrariada, como sempre ficava de manhã cedo.

- Katie, você tem de vir aqui ver esse cara. Acho que sua encomenda de moreno alto e bonitão acabou de chegar!

- Do que você ‘tá falando?- Venha, levante-se! disse Cris, puxando a

amiga pelo braço. Rápido! Antes que ele entre!- Por que será que você não consegue me

deixar em paz quando estou dormindo? disse Katie, soltando um suspiro profundo.

Foi então que ouviram uma voz. Assustada, Cris deu um pulo, dando as costas para Katie. O rapaz desconhecido estava bem ali, na janela do quarto. Como não havia tela de proteção, ele simplesmente terminara de levantar o restante do vidro e abrira a cortina com as mãos.

- Ciao! disse ele.

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Katie soltou um grito, ao que o rapaz começou a rir e a falar com elas em italiano. Constrangida, Cris envolveu-se com os braços, procurando esconder sua camisola. Rapidamente soltou sua frase de emergência:

- Ich verstehe nicht.Então o rapaz lhe respondeu alguma coisa em

alemão.- Quem é este cara e afinal, o que ele ‘tá

dizendo? perguntou Katie, segurando o braço de Cris.

O rapaz soltou outra risada.- Agora já sei quem vocês são. São as amigas

americanas do Antônio, não é mesmo? disse ele em inglês. Ouvi falar de vocês. É você que é a Cristiana?

Cris acenou com a cabeça.- E você deve ser a Katie. Ciao, Katie.- É, sou eu. Oi! disse ela, puxando o lençol até

o pescoço. Foi então que alguém bateu à porta, interrompendo aquele desagradável momento. Era Antônio, que entrou no quarto e foi logo

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conversando em italiano com o rapaz desconhecido, mexendo bastante com as mãos.

- Já conhecem meu primo Marcos? perguntou Antônio às duas.

- Sim, mais ou menos, respondeu Katie.- Ele ‘tá indo pra Roma. Vocês querem

aproveitar e ir com ele?Dez minutos depois, lá estava Cris na

cozinha, assentada à mesa, tomando uma xícara de café forte e comendo uns pãezinhos redondos, que por dentro eram macios e, por fora, crocantes. Ao lado dela, os outros conversavam animadamente, parte em inglês, parte em italiano e, naturalmente, os planos para a próxima etapa da viagem iam surgindo.

Marcos havia chegado à cidade de trem, bem cedinho. Para aproveitar o tempo, resolvera fazer uma visitinha para os tios. Como estava indo para Roma, onde faria uma entrega a um dos clientes de seu pai, os três amigos de Antônio poderiam ir com ele. Ficou combinado então que, depois do serviço, Marcos os levaria para conhecer alguns pontos turísticos da cidade.

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- Acho melhor fazermos as malas. Algumas de minhas roupas ainda estão no varal, disse Katie ao constatar que o trem partiria dentro de uma hora.

Cris olhou de relance para Marcos e percebeu que ele olhava para ela. Era mesmo um rapaz simpático. Cris desviou rapidamente o olhar, sentindo o rosto corar de constrangimento. Já era a quarta vez que olhava na direção dele e, em todas as vezes, o pegara olhando fixamente para ela.

- Você pode vir aqui um pouquinho? perguntou Katie, levantando-se da mesa e puxando Cris pelo braço.

- Claro.Cris se levantou e pôs a xícara e o prato sujos

na pia, embora a mãe de Antônio lhe dissesse que não precisava se incomodar.

- Grazie, disse Cris a ela.A senhora deu-lhe então um beijo no rosto, e

Cris retribuiu amavelmente, dando-lhe também um beijinho e agradecendo novamente em

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italiano. A garota já não se sentia constrangida com aquele gesto, pois durante sua estadia na Europa tinha se habituado àquele costume.

Katie hesitou um pouco e apenas acenou firmemente com a cabeça.

- Obrigada pelo café, disse em seguida.As duas foram saindo da cozinha e Cris olhou

rapidamente para Ted. Ele estava olhando para ela. Ela correu os olhos em redor, passando-os rapidamente por Marcos. Ele não estava apenas olhando para Cris. Estava observando cada movimento que ela fazia.

Assim que as duas saíram pela porta dos fundos e se distanciaram da janela da cozinha, que estava aberta, Katie pegou Cris pelo cotovelo e a puxou até o varal.

- Afinal de contas, qual é a sua, Cris?- Como assim? Não estou fazendo nada de

mais.Cris estava impressionada com a expressão

no rosto de Katie. Parecia enfurecida!

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- Ah, está sim! Você ‘tá dando em cima do Marcos bem na frente do Ted! Onde é que você ‘tá com a cabeça? Nunca a vi fazendo isso, Cris!

- Do que você ‘tá falando?- Do que eu estou falando? perguntou Katie

levantando as mãos, como se não acreditasse no que ouvira. Estava todo mundo assentado à mesa, conversando, e você lá no seu canto, pondo pedacinhos de pão na boca e lançando altos olhares para o Marcos toda vez que dava uma mordidinha.

- Eu não estava fazendo isso!- Estava sim, pode acreditar! Era exatamente

isso o que você estava fazendo. E depois dava um gole no café e fingia que não tinha reparado nos olhares dele. Será que você percebeu que o Ted estava bem ali, vendo toda aquela cena?

- Katie, eu não estava dando em cima de ninguém! disse Cris em voz baixa, olhando em redor para ver se por acaso havia alguém por perto. Não sei o que passou pela sua cabeça ou o que você ‘tá pensando agora, mas eu não estava fazendo nada disso!

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Katie meneou a cabeça, discordando.-se você não estava fazendo nada, então esse

deve ter sido o caso mais forte de azaração inconsciente que já vi em toda a minha vida. Quero dizer, eu sou a primeira a reconhecer que o cara é extremamente gato, mas espera aí! Dava até pra sentir um certo calor entre vocês dois.

A afirmação de Katie deixou Cris desconcertada.

- Eu não senti nenhum “calor”!- Como você é ingênua, Cris!- Não sou, não!- Então, faça-me um favor, disse Katie,

dirigindo-se para o varal e puxando suas roupas, já secas. Não faça isso!

- Não faça isso o quê? Cris estava começando a ficar nervosa.

- Não invente mais um Rick Doyle na nossa vida. Não agora. Você não é boba!

Balançando o cabelo, Katie virou-se e bateu em retirada, carregando um monte de roupas

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nos braços. Cris permaneceu parada, boquiaberta. Não estava acreditando no que ouvira.

Por que ela falou tudo isso? Ela sabe que ter gostado do Rick foi um grande erro que cometi. Mas já faz quantos anos, uns quatro? Além do mais, por que ela ‘tá dizendo isso se ela fez a mesma bobagem quando se apaixonou por ele?

Puxando as roupas do varal com força, Cris caminhou de volta para casa, passando pela porta da frente. Não queria trombar com ninguém na cozinha. Foi direto para o quarto de hóspedes e fechou a porta firmemente ao entrar. Katie estava a alguns poucos centímetros de distância, enfiando as roupas na mochila.

-seus comentários foram muito maldosos e injustos, protestou Cris. Por que você ‘tá com raiva de mim? Sim, porque, se não estivesse, não agiria assim.

- Eu não estou com raiva de ninguém, respondeu a outra, ainda guardando rapidamente os pertences. Que tal se a gente deixasse isso pra lá? Daqui a pouco todo mundo

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estará pronto para partir e não quero que fiquem parados nos esperando, só porque estamos aqui discutindo.

Cris estava com tanta raiva que mal podia raciocinar. Não acredito nisso! Por que ela ‘tá agindo assim?

Katie fechou o mochilão e o empurrou em direção à porta, sem olhar para Cris.

- Vou esperar lá fora com o resto do pessoal, disse.

Cris se assentou na quina da cama e olhou fixamente para a calça jeans que estava sobre seu colo, procurando se acalmar. Conhecia bem a amiga que tinha. Forçar Katie a conversar, quando ela não estava com vontade, seria um erro terrível, e ela sabia disso.

Por que será que ela disse tudo isso? Será que eu estava dando em cima do Marcos inconscientemente? Será que ele estava mesmo olhando pra mim do jeito que a Katie falou? E será que Ted achou que eu estava dando em cima do Marcos?

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Naturalmente Cris percebera o olhar fixo de Marcos para ela durante o café da manhã. Mas aquilo não significava que ela estava jogando charme para cima dele, significava?

O Ted nunca lança esses olhares pra mim. Será que estou me sentindo como a coitadinha da história só porque o Ted não tomou uma posição com respeito ao nosso relacionamento ontem à noite? Eu queria tanto que o Ted me olhasse assim, como o Marcos me olhou hoje de manhã!

De repente, alguém bateu à porta, interrompendo os pensamentos dela.

- Pode entrar!A porta se abriu e, para a surpresa de Cris,

Marcos adentrou o quarto, exibindo um sorriso. Seus penetrantes olhos castanhos foram direto aos olhos de Cris.

- Precisa de ajuda?- Não, obrigada, respondeu ela, sentindo o

coração bater forte. Eu dou conta de carregar. Só mais um minutinho e estarei pronta pra ir.

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- Não faz mal, eu espero e levo a bagagem pra você.

Cris socou as roupas dentro da mochila e fechou-a. Sentia-se um pouco apreensiva.

- Pode deixar que eu levo isso pra você, disse Marcos, aproximando-se de Cris e estendendo a mão para pegar a bagagem.

Cris se afastou. Sentia-se constrangida e apreensiva com aquela situação. Afinal, Marcos agia como se tivesse total liberdade para invadir a privacidade dela.

- Obrigada, respondeu.Em seguida pegou a bolsa e deu uma olhada

na cômoda, para ver se não estava esquecendo nada.

- Vou esperar lá fora com o resto do pessoal, disse então, saindo do quarto e deixando o peso maior para Marcos carregar.

Quando Cris chegou, Ted e Katie estavam colocando a bagagem na parte traseira da van de Antônio, que estava limpinha. Cris se despediu da mãe dele, dando-lhe mais um beijo

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no rosto, e foi logo se apossando do banco da frente. Certamente não queria ficar lá atrás com Katie e Marcos, sabendo que Ted estava na frente, com Antônio.

Seguiram numa estrada acidentada, com Antônio ao volante. Durante todo o percurso, Cris não deu uma olhada sequer para trás. A culpa é toda minha. Tudo porque eu fui fazer aquela cena lá no acampamento. Se estivéssemos lá, não estaríamos indo para Roma, acompanhados de um cara que me deixa tão apreensiva. A Katie não estaria chateada comigo e o Ted não estaria agindo como se eu não existisse. Pelo menos o Antônio não fechou a cara pra mim.

- Você gosta de Roma? perguntou Cris a Antônio, tentando puxar papo.

- Sim, gosto muito, mas não vou acompanhar vocês.

- Não vai?- Não, respondeu Antônio. Estou meio sem

grana pra viajar.

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Foi então que Cris se deu conta de que o acampamento não havia custado nada para eles. Até mesmo as refeições tinham sido de graça.

- E se fizéssemos uma vaquinha e lhe déssemos parte do dinheiro?

- Pelo visto você ‘tá triste porque eu não vou com vocês, né? Isso é muito legal de sua parte, Cristiana, disse ele, desviando a atenção da estrada e sorrindo para Cris.

- É uma pena, disse ela, voltando a atenção para a estrada, na esperança de que o rapaz fizesse o mesmo.

Era engraçado, mas com Antônio Cris nunca ficava sem jeito. Ele podia ser supercarinhoso e até dar uma de conquistador para cima dela, que ela não ficava constrangida. Ela não entendia o porquê. Quando ele estivera na Califórnia, tratara assim todas as garotas que conhecera. E elas gostaram tanto, que até o apelidaram de “italiano romântico”. Mas com Marcos era diferente.

Por quê? Será que é porque o Marcos é extremamente simpático? É claro que ele sabe

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que é um rapaz bonito. Será que ele espera que todas as mulheres caiam de amores aos pés dele? Ou será que eu é que sou o problema? Será que não estou, de certo modo, tentando ganhar um pouco mais de atenção? O que ‘tá acontecendo?

Antônio estacionou a van num local proibido próximo à estação de trem e desceu para ajudar a descarregar a bagagem, deixando o motor ligado. Cris se sentia triste por eles não terem escolhido ficar para desbravar a cidade de Cremona.

- Cristiana, disse Antônio, chamando Cris para o outro lado da van, longe dos outros. Enquanto você estava fazendo a mala, contei para o Ted e para a Katie que, quando voltei da Califórnia, falei para o Marcos sobre a minha decisão de dedicar a vida a Cristo. Mas ele me disse que não estava pronto para dar o mesmo passo. Acho que a ida de vocês a Roma é uma “coisa de Deus”, como diz a Katie. Foi por isso que viemos embora do acampamento. Para que vocês tivessem a oportunidade de mostrar o amor de Deus para o

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Marcos, como mostraram a mim. Assim, tenho certeza de que ele aceitará a Cristo em breve.

Cris sentiu um frio no estômago.- Queria muito que você viesse conosco!- Quem sabe você não passa aqui de novo

antes de voltar para os Estados Unidos? Será sempre bem recebida, disse ele dando-lhe um beijo em cada face.

- Muito obrigada, Antônio.Cris sentiu os olhos se encherem de lágrimas.- Grazie.- Prego, respondeu ele. Estarei orando por

vocês.- E eu estarei orando por você, amigo! Ciao!- Arrivederci, disse ele, entregando-lhe a

bagagem. Em seguida correu para despedir-se dos outros.

Foi aí que Cris se deu conta do quanto Antônio estava sendo desprendido. Ela sabia que Antônio havia estudado na Califórnia graças a um tio generoso que lhe custeara as despesas, provavelmente o pai de Marcos. Estava na cara

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que a família de Antônio levava uma vida bastante simples. O acampamento havia sido a viagem de férias dele. Uma viagem bastante barata, diga-se de passagem. Então, quando Cris reclamou do lugar, e eles resolveram vir embora, as férias de Antônio terminaram, apesar de ele não ter dito nada que passasse essa impressão. Ah, se ela não tivesse aberto a boca!

Cris se dirigiu juntamente com os outros para a estação e ficou observando, enquanto Marcos providenciava um modo de trocarem as passagens por bilhetes de primeira classe, para que pudessem viajar todos juntos. Para tanto, Cris, Katie e Ted teriam de inteirar o valor da passagem. Marcos ofereceu-se para pagar a diferença, mas Ted foi logo dizendo que era melhor que eles próprios pagassem. Cris entrou na conversa e fez questão de pagar sua parte. Marcos afinal concordou e cada um deles pagou então pelo próprio passe.

- É... comentou Katie baixinho com Cris, ao caminharem apressadamente até a plataforma

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de embarque. Quando você deixou claro como as coisas deveriam ser, ele parou de insistir.

Cris apertou os lábios, procurando não explodir de novo com a amiga.

-será que poderíamos parar com isso, Katie?- Isso o quê?- Esse negócio de ficar uma cutucando a

outra. Não estou a fim de brigar com você.Katie abaixou o rosto e Ted chamou as duas

para o embarque.- ‘Tá bem, disse Katie, andando

apressadamente em direção ao trem.Ao embarcarem, Cris procurou se esquecer

dos problemas entre ela e Katie, bem como das outras coisas que estavam lhe incomodando. Só de embarcar já começava a se sentir empolgada. Adorava viajar de trem pela Europa e há tempos estivera esperando ansiosa por essa parte da aventura.

Cris foi logo dando um jeito de se assentar ao lado de Ted. As poltronas eram acolchoadas e confortáveis. Katie e Marcos estavam assentados

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numa poltrona igual, de frente para Cris e Ted. Os quatro viajavam numa cabine pequena, mas privativa. Acima das poltronas havia uma prateleira, onde colocaram a bagagem.

- Quanto tempo levará pra chegarmos a Roma? quis saber Katie.

- Cerca de cinco horas, respondeu Marcos.- Tudo isso? perguntou Katie.- Podemos fazer uma parada em Florença, se

vocês quiserem. Meu compromisso com o cliente do meu pai é só amanhã de manhã.

- Eu trouxe um guia turístico, disse Cris, apanhando a bolsa. Posso dar uma lida nas atrações de Florença e depois a gente decide se passa ou não por lá.

- A gente não precisa de guias turísticos, disse Katie. O Marcos pode nos dar todas as dicas.

- Posso dar uma olhada no guia? perguntou Ted.

Cris se sentiu aliviada ao ver que Ted estava do lado dela. Poderiam ficar juntos ali lendo tudo

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sobre as fantásticas atrações que os esperavam nas maravilhosas cidades italianas. Pelo menos assim poderiam descobrir um pouquinho da história por trás de todos os pontos turísticos que visitariam.

Exibindo seu sorriso mais meigo, Cris entregou-lhe o guia torcendo para que ele entrasse no clima e ficasse ali bem juntinho dela, lendo sobre as atrações. Aquilo seria a prova viva para os outros de que ela e Ted se achavam juntos e unidos, e que ela não estava dando em cima de Marcos - nem inconscientemente nem de qualquer outro jeito que imaginassem.

Ted pegou o guia da mão de Cris e agradeceu-lhe em seguida. Era um livro grosso, de capa flexível. Depois colocou-o entre a cabeça e o vidro da janela.

- Perfeito! murmurou ele, fechando os olhos. Acordem-me quando chegarmos lá.

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6

- Vocês é que mandam, disse Marcos, olhando fixamente para Cris. Querem parar em Firenze primeiro ou ir direto para Roma?

- Não sei. O que você acha Katie? perguntou Cris, querendo mesmo era que Marcos parasse de olhar para ela.

- Ir direto para Roma, talvez. Não faz muita diferença pra mim.

- Há muitas obras de arte que poderíamos ver em Florença, como a estátua de Davi, de Michelangelo.

- Então você ‘tá querendo parar em Florença pra ver a estátua de um cara pelado? perguntou Katie.

Marcos riu.- Claro que não, Katie. Você não entendeu o

que eu quis dizer, exclamou Cris com impaciência.

- E o que exatamente você quis dizer?

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- Só estava dizendo que podemos nos arrepender depois de não ter parado em Florença enquanto era tempo.

- Tudo bem, pra mim tanto faz. Qualquer coisa serve. A única cidade que faço questão de visitar é Veneza. É lá que as pessoas andam de gôndola, não é?

- Isso mesmo, disse Marcos. Eu moro lá, em Venezia.

- Você mora lá? perguntou Katie, surpresa.Marcos acenou com a cabeça.- E tem água na porta da sua casa? Você sai

de casa naquela gôndolas? continuou ela.- Claro que sim. Veneza é formada de ilhas,

mais de cem delas. Tem água na porta da casa de quase todo mundo. Meu pai é dono de uma joalheria que fica perto da Piazza San Marcos. Chama-se Carlo Savini Joalheiros. Se vocês forem até Veneza, não deixem de dar uma passada lá. Não se esqueçam: Carlo Savini.

- Deve ser um lugar legal. A gente tem de ir a Veneza! disse Katie.

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- Podemos ir depois de Roma, sugeriu Cris.- Isso. Depois de Roma e daquela outra

cidade que vocês mencionaram.- Florença, disse Cris, empregando o nome

traduzido da cidade.- Firenze, disse Marcos em seguida,

corrigindo-a.- Tem um lugar que eu gostaria muito de

visitar aqui na Itália, disse Cris. Não sei onde fica, mas é possível que seja em Veneza.

-se for, saberei na hora, disse Marcos. Qual é o nome?

- A Gruta Azul. Já ouviu falar?- Claro, mas não fica em Veneza. É na ilha de

Capri.- Onde fica isso?- Ao sul. É na direção que estamos indo. É só

pegar o hidroplano em Sorrento ou Napoli. Fica a poucas horas de Roma. Mas o melhor é ir pela manhã, porque à tarde fica muito cheio e não vale muito a pena.

- Bom saber, disse Cris. Valeu a dica.

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-se quiserem, podem ir hoje à noite mesmo, sugeriu Marcos. Os hotéis em Capri são dos mais caros em toda a Itália! Mas conheço um lugar onde vocês podem se hospedar. Daí vocês pegam o primeiro barco turístico que estiver saindo para a Grotta Azzurra. Depois vão pra Roma, e eu encontro vocês à tarde.

- Parece uma boa idéia.Agora Katie não vai poder achar que estou

dando bola para o Marcos. Afinal de contas, estou é dando um jeito de fugir dele.

- Que Gruta Azul é essa? perguntou Katie. E por que você quer tanto ir lá?

- É uma espécie de caverna. Alguém me falou dela certa vez, explicou Cris. Disseram que você entra nela numa espécie de barquinho e a luz do sol reflete lá dentro, dando à água um tom de azul bem diferente.

- Ah, agora me lembro de já ter ouvido falar desse lugar, disse Katie. Não era um conhecido nosso que tinha ido lá e que depois ficou falando sem parar do lugar?

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- O Rick Doyle, disse Ted, sem abrir os olhos nem fazer qualquer outro movimento que denunciasse que estava acordado.

- Isso mesmo! exclamou Katie, olhando para Cris com um brilho nos olhos.

Depois, chegou mais perto da amiga e deu-lhe um tapinha na perna.

- O Rick ligou pra você daqui da Itália, no seu aniversário. Lembro de você me contar isso. Aliás, foi por isso que ele a levou pra jantar num restaurante italiano no dia em que começaram a namorar. Sim, porque quando você completou dezesseis anos, de estava aqui na Itália.

Em certas horas, Cris desejava que Katie sofresse uma amnésia. Mas, infelizmente, a garota parecia se lembrar de todos os detalhes que Cris lhe contara tantos anos atrás. E, por alguma razão, era como se algo a incitasse a narrar cada pormenor da história, justo na frente de Ted e Marcos.

- E aí o Rick foi conhecer a Gruta Azul pela manhã, no dia do seu aniversário, continuou ela. Você estava em Maui. Depois ele lhe telefonou e

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disse que a água era da cor dos seus olhos. Foi daí que eu fiquei sabendo dessa tal Gruta Azul.

Ted abriu um olho e virou-se para Cris, que olhou para ele. Ela sabia que não tinha nada a esconder dele, mas, mesmo assim, sentia que Katie a havia colocado numa situação constrangedora.

- Quer dizer que o Rick estava aqui na Itália quando ligou pra você?

Cris acenou com a cabeça. Em seguida, percebeu que Marcos estava novamente olhando para ela.

- Acho que ele tem razão, disse Marcos. Seus olhos são mesmo da cor da água da Gruta Azul.

Que negócio é esse que os homens italianos tem com os meus olhos?

- Muito bem, então, disse Ted, consertando a postura e em seguida devolvendo o guia turístico para Cris. Acho que teremos de ir a essa tão falada Gruta Azul e comparar nós mesmos as cores.

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Cris não sabia se ele estava com raiva ou se estava apenas brincando com ela.

- Vou ver se descubro onde é o vagão-restaurante e compro algo pra beber, disse Ted, levantando-se. Alguém mais quer beber alguma coisa?

- Eu vou com você, disse Cris.Estava feliz de finalmente poder ficar um

pouco a sós com Ted.- Esperem aí! disse Katie, juntando-se a eles.Cris não gostou muito da intromissão da

amiga, mas ficou calada. Será que você não percebe que eu quero ficar a sós com ele, Katie? Até agora não pudemos ter sequer um tempinho de privacidade nesta viagem!

Cris ia na frente, andando pelo estreito corredor. Katie e Ted seguiam logo atrás. Cris só se virou para vê-los quando chegaram ao vagão-restaurante do trem.

O restaurante era bem mais luxuoso do que a lanchonete do trem em que Katie e Cris haviam viajado na Inglaterra, um ano atrás. Em vez de

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algumas poltronas e um simples barzinho, onde se serviam os lanches, ali havia mesas forradas com toalhas e até garçons uniformizados para acompanhar os passageiros até as mesas e servi-los. Cris havia estado num vagão-restaurante como esse nas férias passadas, quando ela e sua amiga Selena viajaram para a Suíça a fim de conhecer a Universidade de Basel.

Cris foi a primeira a se assentar. Ted sentou-se de frente para ela e Katie se sentou ao lado dele, em vez de se assentar ao lado de Cris. Ted inclinou-se sobre a mesa e disse:

- Quer dizer então que você é a garota da Gruta Azul, hein?

Cris não sabia direito o que dizer. Aproximou-se de Ted então e passou os dedos no queixo dele, onde uma pequena barbicha crescia.

- E você ‘tá querendo dar uma de homem das cavernas, né?

- É, achei que seria legal deixar a barba crescer. O que acha? perguntou ele, inclinando-se para trás e virando-se de um lado para o outro, para que Cris pudesse avaliar melhor.

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- Acho que vai demorar um pouco pra aparecer, disse ela com certa cautela.

O pêlo da barba de Ted era tão claro que mal dava para perceber a barbicha. Só ficava visível mesmo quando a luz batia no rosto dele. Cris observara que, na maior parte do tempo, era como se o rosto dele estivesse levemente manchado ou não houvesse sido lavado pela manhã.

- Quando fizer uma semana, pergunte-me de novo.

Ted riu.- Já tem um mês que não faço a barba!- Ops! Foi mal! disse Cris, rindo com ele.- Acho que deixar a barba crescer não é muito

a minha praia, disse Ted, passando os dedos pelo queixo.

- Por que você não deixa um cavanhaque? sugeriu Katie, aproximando-se e passando a mão no queixo dele.

- Acha que ficaria bom? perguntou ele.

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- Com certeza, concordou Cris. É só você raspar tudo isto aqui e deixar esta parte intacta.

Cris aproximou-se de Ted e passou novamente a mão na suave penugem que crescia no queixo dele.

- Os pelinhos daqui são até um pouco mais escuros, disse.

- Mesmo? perguntou Ted, tentando ver seu reflexo na colher.

Continuou olhando e indagou:- Vocês duas estão querendo ir à ilha de

Capri?- Eu quero, respondeu Cris.- Claro, concordou Katie. Quer dizer então que

montamos um roteiro?- Acho que sim, respondeu Ted, colocando a

colher sobre a mesa.Depois pediu uma água mineral para o

garçom que os estava atendendo. Cris pediu água também. Indiferente, Katie disse ao garçom:

- Pode ser o mesmo pra mim, então.

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O garçom olhou para ela, confuso. Parecia não haver entendido o que ela dissera. Então, Ted fez o pedido pelo grupo:

- Tre aqua minerale.Cris ficou admirada de ver Ted falando em

italiano e olhou para ele, toda orgulhosa.- Na verdade o italiano parece bastante com o

espanhol. Acabei aprendendo algumas frases de emergência quando viajei pra Espanha, no ano passado.

- Muito bem, então, disse Katie. Quero saber corno se pergunta “Onde é o banheiro?”.

- Saindo por aquela porta, à esquerda, respondeu Ted. Passamos por ele quando estávamos vindo pra cá.

- Mas isso não resolve meu problema, Ted, disse Katie. Estou falando sério. Quero aprender todas as frases que você souber. Quando não consigo me comunicar, fico apreensiva!

- É, e eu fico apreensiva é quando você consegue se comunicar, comentou Cris em voz baixa.

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- Como disse? perguntou Katie, aproximando-se de Cris, os braços apoiados sobre a toalha branca.

Cris hesitou por uns instantes. Depois concluiu que, em se tratando de amizades, a melhor medida era a sinceridade.

- É que está sendo muito difícil pra mim não ficar com raiva de você, Katie. E está sendo assim o tempo todo.

- Por quê? Que foi que eu fiz?- Primeiro você me pega lá no quintal da casa

do Antônio depois do café, e me vem com todas aquelas acusações. Mas acho que você deve estar percebendo, pelo modo como as coisas estão andando, que suas “impressões”, na verdade, não tinham fundamento.

Katie balançou a cabeça, como se estivesse ponderando o que Cris estava dizendo.

- É, eu ainda vejo algo em potencial, mas acho que você tem razão. Realmente não parece ser aquilo que eu estava pensando.

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- Posso assegurar-lhe que, pelo menos da minha parte, não tem nada a ver, disse Cris, lançando um olhar para Ted.

- Era pra eu estar entendendo a conversa de vocês? perguntou ele.

- Não, respondeu Cris rapidamente, indo direto ao segundo assunto. E a propósito, você passou dos limites com relação à história do Rick, Katie.

- Por quê? O que eu disse de mais? O Ted não ficou chateado, ficou Ted?

Ted meneou a cabeça negativamente.- Todo mundo passa por etapas diferentes na

vida. Alguns relacionamentos duram, outros, não. A vida é assim.

Para Cris, aquela avaliação era um pouco realista demais, mesmo partindo do Ted. Parecia que ele poderia estar se referindo a um outro relacionamento dela, que houvesse durado mais tempo do que as poucas saídas que ela dera com o Rick.

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Talvez ele esteja se referindo à amizade dele com o Rick. Eles dividiam o mesmo apartamento com mais alguns rapazes enquanto estavam na faculdade e, depois disso, nunca mais se encontraram.

-será que você poderia abrir caminho pra eu passar, Katie? pediu Ted. Volto logo.

- Não, senhor. Só quando você me ensinar aquela frase em italiano.

- Mas eu não sei falar aquilo em italiano.- Então, azar o seu. Vai ficar preso aqui.Cris, que observava a cena, notou um sorriso

maroto despontando no rosto de Ted. Era a mesma cara que ele e seu amigo Douglas faziam um para o outro, quando planejavam pegar uma garota e jogá-la no mar. Ted esticou a mão por debaixo da mesa e Katie imediatamente cedeu.

- Pare de apertar meu joelho, disse ela, batendo nele e soltando uma risadinha.

Como é que ele sabia que o joelho da Katie era tão sensível? Eu não sabia disso!

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Ted se retirou e foi andando, em meio aos balanços do trem.

- Katie, eu estou falando sério com relação aos comentários de hoje de manhã; sobre eu estar dando bola para o Marcos, continuou Cris.

Não sentia que tinha dito tudo o que queria, uma vez que ela e Katie tiveram de conversar em códigos na frente de Ted.

- Fiquei muito chateada com o que você falou e não queria que continuássemos nesse clima durante a viagem.

- Tudo bem, respondeu a outra. Que mais você quer me dizer antes que o Ted volte? Porque se você não tiver mais nada pra jogar na minha cara, assim, aos gritos, eu tenho algo que gostaria de falar pra você.

- Katie, ninguém ‘tá gritando aqui.- Tudo bem, tem mais alguma coisa que você

quer falar comigo, sem ser aos gritos?- Não.O garçom chegou com as garrafas de água

mineral. A conta estava sobre a bandeja.

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- Pode deixar, disse Cris, tirando o dinheiro do bolso e colocando-o sobre a bandeja.

O garçom lhe deu o troco e ela agradeceu em italiano.

- Da próxima vez eu pago, disse Katie. Você quer ouvir minha observação então?

- Sim.Cris estava falando sério. Sempre valorizava

muito as opiniões de Katie. Contudo nem sempre gostava delas de imediato.

- Muito bem; disse Katie, inclinando-se para a frente. Primeiro, acho que tenho de te contar que eu e o Ted levamos uma longa conversa no avião. Estávamos falando sobre o acampamento e comentamos que somos o tipo de pessoa que gosta de atividades ao ar livre, etc. E ele estava me dizendo que não tinha certeza se você iria topar ir para o mato, ficar em contato com a natureza, essas coisas. Aí eu disse que ele não precisava se preocupar, porque você aguentaria qualquer coisa que viesse.

- Acho que já provei o contrário, né?

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- Não esquente, continuou Katie. Eu e o Ted já conversamos sobre isso ontem, enquanto lavávamos as roupas. Você estava no banho.

- Vocês ficaram falando sobre mim de novo?Katie passou a mão pelo cabelo, sacudindo-o

na frente de Cris, como se quisesse espantar qualquer mal-entendido que a amiga pudesse estar formulando na cabeça.

- Estava dizendo a ele que deveríamos ser mais compreensivos com você e procurar não fazer coisas que fossem exigir muito sacrifício de sua parte. Aí ele falou que talvez você ainda estivesse estressada por causa das aulas e do trabalho no orfanato. Nós dois sabemos o quanto esse semestre foi pesado pra você.

- Bom, quer saber de uma coisa? Não sei se gosto da idéia de você e o Ted ficarem me analisando quando não estou por perto.

- Calma, Cris. Não foi nada demais. Você devia era ficar feliz porque o Ted se sente à vontade pra conversar comigo sobre você.

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Cris não estava muito certa se concordava com aquilo. Deu mais alguns goles na água mineral e, sem muita vontade, continuou ouvindo a amiga.

- Posso ser sincera? No fundo eu acho que você ‘tá esperando muito de si mesma, de mim e do Ted nesta viagem. Sei lá, você tem muitas expectativas. Se não for isso, então diria que o problema é que você ‘tá vivendo demais no passado.

- E o que você quer dizer com isso?- Acho que você está tendo umas lembranças

meio malucas da nossa viagem pra Inglaterra e, de alguma forma, vivendo tudo de novo. Se pensar bem, você verá, Cris. Só que aquela viagem não tem nada a ver com esta!

- Tem razão. Não tem nada a ver mesmo.Nem era possível comparar as duas viagens.

Cris sabia disso. Haviam ido para a Inglaterra com um grupo de pessoas, para um treinamento missionário. Na época ela estava namorando o Douglas, o melhor amigo de Ted, porque fazia tempos que o Ted havia sumido de sua vida. Ou

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pelo menos era o que ela achava na ocasião. Depois Cris acabou percebendo que ela e o Douglas não eram ideais um para o outro e que Trícia era a mulher perfeita para ele. Então terminaram o namoro na primeira semana da viagem. Agora, um ano e meio depois, Douglas e Trícia estavam casados.

- Realmente não vejo nada em comum entre as duas viagens, disse Cris.

- É exatamente isso que estou tentando lhe dizer, falou Katie. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. As circunstâncias hoje são totalmente diferentes, novas. Você não deve deixar que seu subconsciente fique comparando as circunstâncias que ‘tá vivendo hoje com os desafios que enfrentou naquela época. Nem deve ficar achando que o que aconteceu lá irá se repetir agora, só porque você ‘tá de novo na Europa com seu amigos!

Cris só foi entender o raciocínio de Katie quando a amiga soltou a última frase. Uma verdadeira alfinetada.

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- Quero dizer, não vai acontecer nada entre você e o Ted. Vocês não vão terminar, nem nada parecido.

Foi então que alguém abriu a porta do restaurante. Era Ted. Marcos vinha logo atrás.

- Voltei lá pra buscar o guia turístico e o convenci a se juntar a nós pra montarmos um roteiro para os próximos dias.

Marcos sentou-se ao lado de Cris, e Ted, ao lado de Katie.

O coração de Cris palpitava com tanta força que ela podia até ouvir as batidas. As palavras de Katie ecoavam em sua mente, seguindo o ritmo das batidas de seu coração. Não vai acontecer nada entre você e o Ted, vocês não vão terminar, nem nada parecido.

Aos poucos, as pequeninas pegas daquele quebra-cabeças começaram a se encaixar na mente de Cris. Quando tinham se encontrado na estação, Ted parecera contente ao vê-la e até lhe dera um beijo doce. Só que, depois disso, ele mal encostara nela. Só mesmo quando se

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assentaram juntos em volta da fogueira no acampamento.

Além do mais o Ted não assumiu diante do pai do Antônio que eu era a namorada dele. Por quê? Será que ele descobriu que não temos nada a ver um com o outro? Afinal, ele adora essa coisa de curtir a natureza, e eu entro em pânico só de ver que ‘tá chovendo!

Cris se lembrava da estadia na Inglaterra e de como percebera claramente que ela e o Douglas não formavam um casal perfeito. Será que Ted havia chegado à mesma conclusão a respeito dela?

Será que ele ‘tá apenas esperando a hora certa pra me dizer isso? Se o conheço bem, ele só terminaria comigo em definitivo se tivesse certeza de que Deus o estava mandando fazer isso...

Foi então que Cris começou a prestar atenção a uma série de fatos. Primeiro, Ted já estava quase terminando a faculdade. Faltavam apenas algumas matérias. Ela e ele estavam até planejando estudar na Universidade Rancho

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Corona no semestre seguinte. Dentro de um ano, ele estaria com vinte e quatro anos e já formado. Já estaria mais do que na hora de pensar em casamento.

Mas onde é que ‘tá escrito que ele tem de se casar comigo? Eu fui sua namorada da adolescência. Hoje ele é homem feito, sem dúvida nenhuma. Já tem até barbicha. O Ted pode conseguir a mulher que quiser. Por que ele deixaria de se casar com uma moça que gosta de curtir a natureza, e que é assim, descontraída, como ele? Que é divertida, companheira... Alguém como...

De repente o coração de Cris disparou, mexendo com todos os seus sentidos. Seu olhar estava fixo em sua melhor amiga, assentada à sua frente.

Alguém como... Katie.

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7

Cris passou o resto da viagem para Roma sentindo-se totalmente desanimada. Assentados à mesa, os amigos conversavam e faziam planos. Ela, porém, mal opinava. Quando discutiram sobre a possibilidade de não passar por Florença e seguir direto para Nápoles, ela apenas acenou com a cabeça, concordando com a sugestão.

Na verdade, sentia-se profundamente abalada só de pensar que Katie poderia ser uma opção melhor para Ted, assim como Trícia havia sido para Douglas. Quando aquele abalo emocional cessou afinal, parecia que todas as peças de sua vida haviam aterrissado no local errado. Naquele momento, Cris fazia um enorme esforço para recolher o que não fora estilhaçado, empenhando-se em encontrar um local seguro no coração, onde pudesse alojar seus sentimentos.

Por que ele teria me beijado lá na estação de trem de Basel se, no fundo, está pensando em terminar comigo?

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Cris se lembrou então do que Ted lhe dissera, logo que ela lhe falou que não queria ter chorado. “E eu prometi pra mim que não iria beijá-la”. Foi isso que ele disse. No fundo, ele não queria me beijar. Talvez ele esteja só esperando o fim das férias pra terminar tudo comigo.

Sentindo-se ainda amuada, Cris se lembrou da guerrinha de água de Katie e Ted. Lembrou-se de vê-los jogando xadrez, as cabeças apoiadas uma na outra; e de como ele sabia direitinho onde pegar no joelho dela. Será mesmo que algum sentimento estava rolando entre os dois bem ali na sua frente, e ela não havia enxergado as “pistas”?

Katie, Marcos e Ted almoçaram, mas Cris nem sequer tocou na comida. Depois do almoço, voltaram para a cabina na primeira classe. Cris permaneceu quieta, enquanto os outros discutiam sobre as atrações turísticas que visitariam. Entre estas estavam alguns dos museus e igrejas que Cris destacara no guia turístico. Era exatamente aquilo que ela havia desejado o tempo todo: montar um roteiro,

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trabalhar em equipe. E lá estavam eles. Mesmo assim, só seu corpo se achava presente. Ela não parava de observar Katie e Ted, para ver se dariam alguma outra pista de estarem interessados um no outro.

Ao desembarcarem em Roma, Marcos os conduziu até a plataforma onde pegariam o próximo trem.

- Você tem de vir conosco, Marcos, disse Katie, puxando o rapaz. pelo braço. A viagem não vai ser a mesma sem você, continuou ela, balançando a cabeça e dando um sorriso.

- ‘Tá aí, boa idéia, por que não? respondeu o rapaz. Vou com vocês até Nápoles e, quando vocês forem pra Capri, pego o trem e volto pra Roma.

Cris achou que Marcos mudaria de idéia ao ver que a primeira classe do trem estava toda reservada. Contudo o rapaz não desistiu, e lá se foram os quatro na segunda classe, que era completamente diferente da primeira. Ficaram em pé boa parte do trajeto, até que Marcos avistou dois assentos vazios numa outra cabina.

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Quando foram ver, os “lugares” eram na verdade um espacinho de cerca de trinta centímetros. Depois de Marcos muito insistir, Katie e Cris se espremeram no pequeno espaço, enquanto ele e Ted permaneceram em pé no corredor. Ao lado de Cris uma mulher dormia, segurando no colo uma grande cesta de palha, que cheirava a alho. Em dado momento, a sacola tombou no colo de Cris, e o cheiro forte de alho misturado ao odor de transpiração foi ficando cada vez mais intenso. Cris tapou o nariz com a mão e ficou respirando com dificuldade. Ninguém sugeriu que se abrisse a janela. Todos pareciam satisfeitos. Afinal, Cris não aguentou mais. Levantou-se e falou para Katie que precisava tomar um pouco de ar fresco.

- Vou com você, disse Katie.Os rapazes seguiram as duas até que

acharam uma janela aberta no corredor. O trem balançava sem parar. Katie foi a primeira a soltar uma gargalhada.

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- Que que é isso?! O que você estava pensando, Marcos? Queria nos fazer perder a vontade de viajar de trem de vez?

- É por essa razão que é melhor pagar um pouco mais para viajar na primeira classe, disse ele.

- Quantos quilômetros ainda faltam? perguntou Ted. Não me importo de viajar em pé aqui, isto é, se vocês não se importarem também, claro.

- É possível que o cobrador nos peça pra sair, mas enquanto ele não aparecer, podemos ficar, disse Marcos, olhando as horas em seguida. Devemos chegar a Nápoles em menos de uma hora. Como este trem não faz escalas, a viagem deve durar exatamente duas horas.

Cris estava em pé perto de sua bagagem, os braços cruzados, apoiados na parte superior da janela aberta. A agradável brisa da tarde, que batia em seu rosto, até lhe ajudava a pensar melhor. Ted estava bem ao lado dela. Se quisesse, poderia envolvê-la nos braços, ou

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talvez chegar pertinho e sussurrar-lhe alguma palavra carinhosa ao ouvido.

Mas, não. Ele se afastou um pouco; o suficiente para que não encostasse nela. Sua atenção estava em Katie que, naquele momento, importunava Marcos, pedindo-lhe que a ensinasse frases em italiano que lhe pudessem ser úteis durante a viagem. Atento, Ted repetia as frases com ela. Marcos parecia estar se divertindo bastante, dando uma de professor particular dos dois. E parecia gostar muito da companhia de Katie também.

Cris ficou se lembrando de que Marcos praticamente ignorara Katie durante a manhã. Agora, no entanto, ela contava com dois superadmiradores, e Cris se sentia deprimida.

Todo relacionamento tem de ser uma via de mão dupla. O Ted não ficaria interessado em Katie a não ser que ela demonstrasse por ele. E pelo que vejo, ela ‘tá bem interessada, não? Deve ser por isso que ‘tá dando uma de bonitinha-engraçadinha pra cima do Marcos

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agora. Deve estar querendo mostrar ao Ted o quanto ela é interessante.

Continuou observando a cena. Estava tão confusa e machucada que naquela hora era fácil imaginar qualquer coisa.

Uma coisa foi você sair com o Rick, depois de nós dois termos namorado, Katie. Mas pelo menos você esperou até que terminássemos o namoro.

Cris passou o dedo na sua pulseira de ouro, em que se achava gravada a expressão “Para Sempre”. Ted havia lhe dado a pulseira numa noite de ano-novo, fazia quase cinco anos. Na ocasião ele lhe dissera que, independentemente do que acontecesse a eles no futuro, eles seriam amigos para sempre.

Será que essa história dele com a Katie vai ser parte do “independentemente do que acontecer”? Será que finalmente chegou a hora de dizermos um para o outro que somos “apenas amigos”? Será que daqui a um ano e meio o Ted e a Katie estarão casados como o Douglas e a Trícia?

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Cris nunca imaginara que algum dia fosse se sentir tão arrasada. De todas as coisas que Katie lhe dissera no restaurante, numa ela tinha razão: aquele semestre fora bastante pesado. Em suas cartas aos pais, Cris demonstrava estar contente e animada. Além disso, quase todas as anotações que fizera no diário demonstravam um certo otimismo. Mas a razão é que ela só escrevia quando se sentia bem.

Na maior parte desses dez meses na Suíça, sua rotina havia sido assistir às aulas, dar tudo de si no trabalho que realizava com crianças carentes do orfanato e, depois, voltar para o quarto e dormir em cima dos livros.

Essa era uma das razões por que era tão importante para Cris caminhar até a Konditorei, todos os sábados pela manhã. Era sua maneira de se recompensar por ter aguentado firme mais uma semana de trabalho, sem entrar em pânico total.

Cris se perguntava se parte do que estava sentindo nos últimos dias era mesmo o efeito de tantos meses vivendo sob estresse, com uma

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agenda sempre cheia de compromissos e obrigações. Fazia tempos que não separava um período para se divertir e descansar. Nem sabia mais o que era isso. Não sabia mais se portar como namorada de ninguém. Talvez Katie tivesse razão ao dizer que suas expectativas em relação a si mesma e aos amigos fossem mesmo muito elevadas. Talvez toda aquela paz que sentira envolvendo-a na estação, quando Ted chegara, fosse apenas fruto de sua imaginação. Talvez seu relacionamento com Ted não fosse mesmo para além da amizade. E, se fosse esse o caso, Cris achava que tinha de saber da verdade agora, e não no fim da viagem.

- Ted, disse ela, pondo a mão levemente sobre os ombros do rapaz.

Ele se virou e ela prosseguiu:- Podemos conversar um pouquinho?- Claro, respondeu ele, encostando-se no

peitoril da janela, de costas para Katie e Marcos.Cris se sentia um pouco sem jeito. Não havia

planejado direito o que dizer, ou por onde começar.

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- Na verdade estava querendo conversar com você num outro lugar. Será que podemos?

- Claro, respondeu ele.Ted pegou a mochila e colocou-a nos ombros.- Marcos! Katie! Eu e a Cris vamos dar uma

ida ali no outro vagão por uns minutos. Se acontecer de o trem parar e ficarmos separados, onde devemos nos encontrar?

Marcos passou as coordenadas para Ted, explicando que ao desembarcarem deveriam ir direto para o ônibus que os levaria até o porto. Chegando lá, deveriam comprar as passagens para Capri. Aconselhou-os ainda a viajarem de hidroplano, e não de barco, uma vez que a viagem de barco levaria o dobro do tempo. Por último, lembrou-os de que Nápoles poderia ser um lugar muito perigoso para turistas e que deveriam tomar bastante cuidado com a bagagem.

- Entendido, disse Ted. Quando descermos do trem, então ficaremos esperando vocês.

Marcos fez ainda mais uma recomendação:

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- Quando chegarem a Capri, procurem o hotel Villa Paradiso. O dono de lá é amigo do meu pai. Não se esqueçam de dizer que conhecem o filho de Carlo Savini. Certamente ele fará um preço legal pra vocês.

- Valeu, disse Ted.Ted e Cris abriram caminho pelo corredor do

trem, carregando as enormes mochilas nas costas. Pelo visto, não encontrariam nenhum cantinho desocupado para conversar. Já estavam quase desistindo e resolvendo voltar quando avistaram, no último vagão, um espacinho no corredor.

Cris colocou o mochilão no chão e se pôs a forçar a janela até que ela abriu, deixando entrar uma corrente de ar. O trem passava agora por um campo de oliveiras já bem velhas. Algumas tinham troncos largos, de uns noventa centímetros de diâmetro, bastante deformados e retorcidos. Uma pequena vila, situada na encosta das montanhas, começava a pintar no cenário, à medida que o trem convergia para a esquerda. Cris ficou observando as belas casas brancas ao

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longe, com seus telhados vermelhos. Imaginava que de perto elas deveriam ser bem mais antigas e humildes do que pareciam. Ou pelo menos foi o que constatara na casa de Antônio.

Cris voltou o rosto para a janela, deixando que a corrente de ar secasse o suor em seu rosto.

- Como você ‘tá? perguntou Ted.Cris virou-se para ele e disse:- Ted, preciso lhe perguntar uma coisa.- Sim?- Eu sei que você vai me dar uma resposta

sincera, disse ela, olhando para o semblante calmo e seguro do rapaz.

Hesitou por alguns instantes antes de prosseguir.

- Eu sou sempre sincero com você, disse ele.O vento soprou na direção dele, levantando-

lhe o cabelo curto e clareado pelo sol.- Eu sei disso. E quero muito poder ser

sempre sincera com você também.

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- Então me diga, o que ‘tá acontecendo? perguntou ele, dando-lhe toda a atenção.

Por um momento, Cris desviou os olhos do olhar penetrante de Ted. Não sabia direito o que dizer. Durante anos tinha sido ela quem sempre perguntara se eles eram “mais do que amigos” um do outro. Era ela quem sempre queria saber em que pé estava o relacionamento dos dois e o que Ted esperava dela. Ao que se via, ele não sentia necessidade de saber de nada disso. Enquanto Cris precisava de um planejamento, Ted parecia satisfeito em levar a vida na base da aventura.

Cris falou então a primeira coisa que lhe veio à mente.

- A Katie me disse que minhas expectativas em relação a mim mesma e a vocês dois são muito altas. Você também acha isso?

- Talvez, respondeu ele.- Como assim?

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- Acho que antes de dizer se suas expectativas são altas ou não, preciso saber quais são elas, não acha?

- ‘Tá, tudo bem, deixa pra lá. O que eu realmente quero saber é se você acha que nós mudamos. Você acha?

Ted fez uma pausa e acenou vagarosamente com a cabeça.

- Quero dizer, será que mudamos muito? Mudamos demais. Ou talvez não tenhamos mudado exatamente, mas passado a agir um com o outro mais como realmente somos por dentro? E será que a pessoa que somos hoje é completamente diferente da que éramos cinco anos atrás? Ou até mesmo da que seremos daqui a cinco anos?

Ted passou a mão pela barbicha que crescia em seu queixo.

- Poderia repetir o que acabou de dizer?Cris olhou para os dedos. Suas unhas

estavam todas quebradas por causa do acampamento. Olhou para o hematoma que se

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formara em seu dedo indicador. Por dentro, Cris se sentia tão machucada e ferida como suas mãos.

- Ted, você quer terminar nosso namoro? perguntou ela em voz fraca, sem olhar para ele.

Ted nada respondeu. Cris entendeu então que seu silêncio queria dizer apenas uma coisa. Engoliu seco. Se não fosse o que ela estava pensando, então ele teria respondido imediatamente que não queria terminar. Todas as suas esperanças se foram então. Levantando o rosto vagarosamente, ela olhou para Ted. O rosto dele estava voltado para a janela. Cris notou que ele engolia em seco várias vezes.

Ted permaneceu em silêncio. Tudo o que se ouvia era o barulho do trem nos trilhos.

- Bem, se você não se importar, gostaria de conversar sobre isso depois, falou ele afinal.

Cris não conseguiu conter as lágrimas que brotaram em seus olhos.

- Tudo bem, foi o que conseguiu dizer.

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Várias pessoas transitavam pelo corredor, forçando Cris e Ted a saírem dali.

- Talvez fosse melhor voltarmos para o vagão onde a Katie e o Marcos estão, sugeriu Cris, pegando a mochila.

- Tudo bem, respondeu Ted.Para Cris, cada passo dado parecia mais difícil

e pesado que o anterior. Pensava nas opções que tinha diante de si. Assim que chegassem em Nápoles, ela poderia pegar o trem da noite para Basel e estar de volta pela manhã, em seu quarto, segura; de volta à sua rotina e tudo o mais que lhe era familiar. Poderia mergulhar de cabeça em seu trabalho no orfanato e, assim, se esquecer dos problemas. As criancinhas precisavam e gostavam dela. Por que ela continuaria viajando com Ted e Katie quando nenhum dos dois precisava dela ou desejava sua companhia?

Cris sentiu um frio no estômago. De que me serviram, todos esses anos, Deus? Será que todo esse tempo junto de Ted não passou de uma brincadeira? De um teste emocional? Pelo visto

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tomei bomba no teste, né? Parece que ultimamente só tem sido assim.

O trem começou a perder velocidade, e cada vez mais passageiros se punham de pé nos estreitos corredores, com suas bagagens. Pouco tempo depois a passagem já se achava tão cheia, que era quase impossível se mexer. Por dentro, Cris se sentia da mesma forma. Presa, impedida de prosseguir; desconfortável, à espera do inevitável.

Logo que o trem parou e as portas se abriram, Cris foi empurrada para a plataforma de desembarque por toda aquela gente. Ficou esperando os amigos, desviando-se do fluxo de passageiros que desciam do trem ruidosamente. Ted estava bem ali, ao seu lado. Ficaram os dois olhando atentamente em redor, à procura de Marcos e Katie. Não trocaram nem sequer uma única palavra. Enquanto esperavam, uma multidão de pessoas transitava por eles, mas não havia sinal dos amigos.

-será que eles desceram antes de nós e foram direto para o ônibus? perguntou Cris.

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- Podemos dar uma olhada, respondeu Ted, dirigindo-se para a saída.

Seu tom de voz baixo não revelava nenhuma emoção.

Será que ele ‘tá sofrendo com está situação tanto quanto eu? A gente tem de conversar! Isto ‘tá doendo demais em mim!

Ted descobriu um ônibus que ia para o porto e, enquanto esperavam a hora do embarque, ficaram procurando Katie em todas as partes. Por fim o motorista lhes disse que, se quisessem ir naquele ônibus, teriam de embarcar naquele minuto, ou então, esperar o próximo.

-será que a Katie pegou o ônibus anterior a este? O que vamos fazer agora? perguntou Cris.

- Provavelmente ela achou que nos já tivéssemos ido para o porto, disse Ted. Vamos neste ônibus mesmo.

Durante o trajeto, Cris e Ted não conversaram nem olharam um para o outro. O veículo estava lotado e, portanto, tiveram de ir em pé. Cris olhava pela janela, na esperança de que Katie

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aparecesse correndo atrás do ônibus, acenando e gritando para eles.

Ao chegarem ao porto, no entanto, não avistaram nem Katie nem Marcos.

-será que devemos voltar pra estação? perguntou Cris.

- Acho que não. Pode ser que, quando voltarmos, ela esteja vindo pra cá e aí é que vamos nos desencontrar mesmo, respondeu Ted. Acho melhor ficarmos por aqui e esperar. Ela ‘tá com o Marcos. Não vai acontecer nada. É possível até que já tenham ido pra Capri e já esteja a caminho do hotel agora. Vou ver se compro alguma coisa pra comer. ‘Tá com fome?

Cris não conseguia entender como Ted podia sentir fome em meio a uma situação tão tensa. Ela sentia o estômago doer, mas não era de fome, e sim de nervosismo.

Foram até uma pizzaria e ficaram esperando na fila, cercados de uma barulheira ensurdecedora. Nas ruas o som das buzinas propagava-se sem parar, aliado ao estridente chiado dos freios dos ônibus e ao ruído

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provocado pela multidão de pessoas que circulava por lá, muitas delas gesticulando bastante ao conversarem umas com as outras.

Cris continuava olhando em redor, na esperança de avistar a amiga. Quando chegou a vez de pedirem sentiu o estômago revirar. Estava apreensiva demais para comer. Contudo, estava aprendendo durante a viagem que o melhor era comer enquanto houvesse comida por perto.

As fatias de pizza, abarrotadas de mussarela derretida, vieram enroladas em papel, o que fez com que o queijo grudasse neste. Os dois caminharam até uma esquina e puseram as mochilas no chão, usando-as como assento. Embora estivessem um pouco afastados do principal fluxo de pedestres, de lá conseguiam avistar o ponto de ônibus. Ficaram comendo calmamente e olhando com atenção em redor à procura de Katie.

- Você ouviu quando o Marcos comentou sobre este queijo no trem? perguntou Ted.

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Cris balançou a cabeça. Não se lembrava de ter ouvido nada sobre queijos. Durante toda a viagem só conseguira pensar nos próprios sentimentos. Estivera, e ainda estava, completamente absorta em si mesma.

- Ele disse que a comida do sul da Itália é a melhor do país e que o queijo aqui é feito de leite de búfala.

- Sério? perguntou Cris.Agora é que tinha perdido a fome de vez. Ted

acenou com a cabeça, dando uma enorme mordida no segundo pedaço de pizza.

- É gostoso, não acha? disse ele sem muito entusiasmo.

Parecia que estava tentando puxar um papo diferente com Cris, a fim de adiar a conversa que realmente precisavam ter.

- O que vamos fazer se não acharmos a Katie? perguntou Cris, dando sua contribuição para mudar o assunto e evitando, assim, a tal conversa pendente.

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- Vou dar uma olhada no guichê que vende as passagens de hidroplano. De repente o atendente pode se lembrar de ter visto uma moça ruiva na fila, disse Ted, levantando-se. Você se importa de ficar aqui?

- Não, de maneira nenhuma.Mas Cris se importava sim. Não queria que

Ted a deixasse, nem naquela hora, nem nunca. Vendo-o se afastar, Cris sentiu um aperto no coração. Era como se ele estivesse indo embora para sempre. Engraçado, porque, quando Douglas havia saído de sua vida, ao terminarem o namoro na Inglaterra, Cris experimentara uma estranha sensação de alegria. Tinha certeza que havia tomado a decisão certa. Com Ted, porém, era diferente.

Mas também eu e o Ted ainda não discutimos se vamos terminar ou não. O namoro ainda não acabou oficialmente.

Cris continuava observando o fuzuê de pessoas que transitavam por ali, quando notou um homem se aproximar, resmungando qualquer coisa em italiano. Trajava roupas bem velhas e

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rasgadas. Cris se levantou, disposta a dar no pé, mesmo que para isso tivesse de carregar a mochila de Ted também, que ficara com ela. Simplesmente não estava muito a fim de lidar com pedintes.

- Ei, Cris! exclamou Ted, quando ela já ia colocando a mochila dele nas costas. Vamos embora!

Ted correu até ela e pegou a mochila.- O último hidroplano com destino a Capri já

partiu e nós o perdemos. Mas tem um barco saindo agora. Temos de correr para pegá-lo! Venha!

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- Mas, e a Katie? gritou Cris, enquanto corriam desembestados em direção ao barco.

Ted corria na frente. Vendo que o grande barco estava prestes a partir, deu um assovio estridente, para que não recolhessem a prancha de embarque. Acenou, balançando os dois bilhetes no ar, e entrou correndo no barco, deixando um dos empregados do porto irritado. Cris entrou logo atrás.

- Ufa! Esta foi por pouco! exclamou ele, dirigindo-se à ala dos passageiros.

Cris o seguia.- Você acha que a Katie pode estar neste

barco? Perguntou ela, recobrando o fôlego.- É possível. Mas meu palpite é que nós não a

vimos descer no meio da multidão. Provavelmente ela pegou o hidroplano. Talvez o Marcos até tenha ido com ela para o hotel.

Cris se lembrou de como Katie, Ted e Antônio haviam ficado “mais ou menos” perdidos durante

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a escalada, poucos dias antes. Sabendo disso, não tinha muitas esperanças de que Katie já estaria no hotel, à espera deles.

- Vou dar um giro pelo convés pra ver se a encontro, disse ela.

- Ótimo. Vou ficar aqui, vigiando a bagagem. Parece que tem um lugar vago perto daquela janela.

Cris não esperava que Ted se oferecesse para acompanhá-la, principalmente porque, se ele fosse junto, teriam de carregar as malas. Mesmo sabendo disso, sentiu-se desolada ao vê-lo se assentar na última fileira de bancos, colocando as mochilas no espacinho que sobrara ao lado dele.

Cris sentiu o corpo doer ao sair pelo convés, à procura da amiga. Sabia que, quanto mais ela e Ted adiassem a conversa sobre o término do namoro, mais ela sofreria.

Katie não estava em lugar nenhum.Cris resolveu se assentar num banco ali fora,

onde não estava ventando muito, em vez de

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voltar e contar a Ted que Katie não se encontrava a bordo. Envolveu-se toda com os próprios braços, procurando se aquecer e se consolar ao mesmo tempo. Dali, Cris avistava as luzes de Nápoles, que começavam a se acender ao longo da baía de onde haviam partido. Bem ao longe; uma cadeia de montanhas altas e íngremes, salpicada de casas de veraneio e antigos monastérios, circundava a cidade. Ao Sul erguia-se o vulcão Vesúvio, com seu aspecto impetuoso e imponente. Cris se lembrava de ter ouvido Marcos falar sobre ele, embora não houvesse prestado muita atenção à conversa. Marcos sugerira inclusive que visitassem as ruínas de Pompéia, antiga cidade do Império Romano que havia sido destruída pelas lavas do vulcão, atualmente inativo.

Olhando a distância, o vulcão não lhe inspirava o menor perigo. E a baía de Nápoles, com seu formato de meia-lua, parecia uma verdadeira terra encantada, repleta de luzes que cintilavam naquele céu de primavera, que começava a escurecer. De onde Cris estava, não

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era possível avistar o trânsito pesado, nem m mendigos bêbados, tampouco o corre-corre das ruas da cidade.

Foi então que Cris se lembrou de quando completara dezesseis anos. A lembrança era forte e parecia bastante viva em sua memória. Rick havia lhe telefonado de algum lugar ali na Itália, quem sabe dali, de Nápoles, ou até mesmo de Capri. Cris havia ido a um luau com sua família, no Havaí. Depois de abrir os presentes, ela e Ted se assentaram na sacada, ou lanai, do apartamento do Tio Bob. Ficaram a sós por alguns momentos, observando a lua, que brilhava no Oceano Pacífico. Cris se lembrava de que Ted havia se assentado junto dela e segurado sua mão, correndo os dedos pela pulseira gravada “Para Sempre”. Na ocasião, ele lhe chamara a atenção para a ilha de Molokai.

Diferentemente das inúmeras luzes que Cris observava em Nápoles naquele momento, em Molokai apenas duas luzes piscavam juntas como se fossem estrelas, uma ao lado da outra, na beira do mar. Naquela noite, Ted havia feito mais

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uma de suas famosas analogias. Ele dissera que, olhando a distância, não dava para decidirmos com qual das duas luzes gostaríamos de ficar. Era preciso que nos aproximássemos cada vez mais e mais, para então conseguirmos enxergar melhor cada uma delas. Só então teríamos como decidir se o que tínhamos diante de nós era o que realmente desejávamos.

De repente, uma profunda e forte sensação de culpa tomou conta de Cris. Durante esse tempo todo, o Ted tem se aproximado cada vez mais de mim e, agora que consegue enxergar quem eu realmente sou, descobriu que não sou o que ele quer.

Cris não aguentou ficar nem mais um minuto ali, olhando para as luzes de Nápoles que cintilavam no céu, como se debochassem dela e dos sonhos que ela nutrira e nos quais acreditara. Sonhos de que ela e Ted ficariam juntos para sempre. Levantou-se então e se pôs a andar mais uma vez pelo convés, com passos largos e firmes, até que chegou a um lugar onde não havia ninguém próximo ao parapeito.

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Parou ali. Uma voz martelava em sua cabeça, como se a desafiasse, em tom de insulto, a arrancar a pulseira do braço e jogá-la ao mar. Afinal, era melhor que ela própria se livrasse da jóia antes, em vez de esperar que o próprio Ted a tirasse de seu pulso mais tarde. Abatida, Cris abriu o fecho da pulseira e segurou-a em suas mãos, fitando as águas escuras do mar.

Ela sabia que a expressão “Para Sempre” gravada na chapinha representava muito mais do que a simples amizade entre ela e Ted, que seria para sempre. Era também um símbolo do compromisso que ela firmara com o Senhor. Quando Cris se convertera, cinco anos atrás, prometera a Deus que aquele compromisso era para a vida toda, e não apenas para aquele período de férias. Era uma promessa eterna, de que ela sempre colocaria sua confiança em Deus e o amaria mais do que a qualquer coisa ou pessoa.

Cris sentiu as lágrimas descerem, molhando-lhe as mãos fechadas. O vento batia forte em seu

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cabelo, desmanchando-lhe a trança frouxa e fazendo-a tremer de frio.

Pelo visto, eu te decepcionei, não é, Senhor? Não estou confiando em ti de todo o meu coração e não estou te amando mais do que a qualquer coisa ou pessoa. Estou completamente absorta em mim mesma, em meus pensamentos, minhas necessidades e meus desejos. Perdoa-me, Senhor. Transforma meu coração. Entrego tudo a ti, meu Deus.

Foi então que Cris sentiu uma agradável brisa passar por ela. Era como se de repente o barco tivesse entrado num corredor de ar quente. Entretanto a brisa não parecia vir do Mediterrâneo. Antes, a sensação era de que ela vinha de trás. Cris virou-se para olhar, mas não viu ninguém. Não havia nenhum superaquecedor virado para ela. Mesmo assim, continuava a sentir a agradável corrente de ar a lhe envolver, acalmando suas emoções.

Já ia se virando novamente para o mar, a fim de terminar sua oração, quando avistou Ted. Ele estava assentado na ala dos passageiros, perto

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de uma janela, a poucos metros dali. Cris não se dera conta de que, ao andar pelo convés, acabara ficando bem à vista dele.

No entanto Ted não estava olhando para ela. Examinando-o mais atentamente, Cris pôde perceber que ele estava de olhos bem fechados. Seu rosto achava-se voltado para o céu e seus lábios moviam-se rapidamente.

Ele também ‘tá orando.Cris ficou a observá-lo por mais alguns

momentos, ainda envolvida naquela suave corrente de ar quente. Então abriu a mão e examinou a pulseira de ouro que segurava.

Estou falando sério, Senhor. A promessa que te fiz é pra sempre. Quero fazer a tua vontade. Se o Senhor quiser que eu e o Ted fiquemos juntos, ficarei feliz. Mas, se a tua vontade for nos conduzir por rumos diferentes, ainda assim serei grata a ti. De verdade. Confio no Senhor. Tú és o meu primeiro amor e eu te amo mais do que a qualquer outra coisa. Meu futuro está em tuas mãos, não nas minhas.

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De repente, Cris percebeu que o mal-estar que sentira pouco antes começara a passar e que ela já podia respirar melhor. Notou ainda que seu queixo doía, de tanto bater os dentes de frio.

Aqui estamos, Senhor. Somos apenas duas pessoas minúsculas neste mundo, imersas em nossos confusos e complicados sentimentos. Mesmo assim, o Senhor olha pra nós. Tú te importas e estás conosco. Eu sei que tú estás comigo. Posso sentir tua presença bem pertinho de mim agora. É quase como se eu pudesse sentir-lhe soprar tua brisa sobre mim. Continue soprando sobre mim, Senhor.

De repente, o barco deu um sacolejo, como se houvesse passado por uma lombada no meio do mar. Com o movimento brusco, Cris se desequilibrou, e a pulseirinha de ouro voou de suas mãos.

- Não! exclamou Cris a plenos pulmões, caindo de joelhos logo em seguida, o rosto voltado para o chão.

Justo na hora em que a pulseira já ia caindo, um vento soprou, balançando o cabelo de Cris

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fortemente e jogando-o em seus olhos, impedindo-a de enxergar por alguns instantes. Tirando o cabelo dos olhos, Cris se pôs a procurar a pulseira pelo chão, desesperadamente.

Contudo já era tarde demais. A pulseira não estava ali.

- Cris! chamou Ted.Ela se virou e viu que Ted vinha em sua

direção, carregando as bagagens. O rapaz, então, largou tudo no chão e ajoelhou-se ao lado dela.

- ‘Tá tudo bem com você?Cris não conseguia falar nada. Não conseguia

chorar. Não podia sequer pronunciar algum som. Ted ficou olhando para ela, esperando que ela dissesse alguma coisa.

- Eu a perdi, conseguiu dizer afinal, ainda com certa dificuldade.

- Perdeu o quê?Cris se levantou do chão, onde se ajoelhara, e

se dirigiu até um banco na parte traseira da ala

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dos passageiros. Toda aquela cena havia atraído muitos olhares, mas ela não se importava de ser observada. Ted também não parecia ligar muito para aquilo. Ele arrastou a bagagem para perto do banco, assentou-se ao lado de Cris e ficou esperando pacientemente que ela lhe desse alguma explicação.

-sei que esta é uma maneira terrível de terminarmos, principiou ela com voz trêmula. Mas, apesar de tudo, eu sei que deveria ter sido mais cuidadosa. Nunca deveria tê-la tirado. Sinto muito, Ted.

-sente muito por quê? Não estou entendendo.Cris se virou e fitou os olhos de Ted. Estavam

vermelhos, como se ele houvesse chorado também.

- Ted, principiou ela, procurando respirar fundo, mas com certa dificuldade. Dou-lhe toda razão por querer terminar comigo, mas, apesar disso, eu deveria ter sido mais cuidadosa com a...

- Espere! exclamou ele, segurando o cotovelo de Cris. Que história é essa de que eu quero

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terminar com você? Eu não quero terminar nosso namoro.

- Não?- Não, é claro que não! Quando conversamos

no trem, achei que você é que estivesse querendo terminar comigo. Foi por isso que não pude lhe dar uma resposta naquela hora. Você me pegou de surpresa.

- Não, Ted! Não! Eu não quero que a gente termine. Achei que...

- Verdade que você não quer?- Não! Achei que...Mas, antes mesmo que Cris pudesse concluir

sua explicação, Ted passou o braço pelos ombros dela, puxou-a para perto de si e silenciou-a com um beijo. Afinal afastou seu rosto dela, num movimento suave. Cris mal conseguia respirar.

Ted a olhou por uns instantes. Depois soltou uma gargalhada e envolveu-a nos braços, dando-lhe um forte abraço. Ao soltá-la, correu as mãos pelo cabelo dela, parando no meio de suas costas.

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- Ted, você não ‘tá entendendo o que estou tentando dizer. Eu perdi a nossa pulseira, a da nossa amizade.

- Não, você não a perdeu.- Perdi, sim. Foi ridículo, Ted. Eu estava aqui,

pensando que você queria terminar comigo, e então minhas emoções começaram a aflorar e aí eu tirei a pulseira do pulso, disposta a jogá-la no mar. Mas então me lembrei de que a expressão “Para Sempre” representava meu relacionamento com o Senhor, mais do que qualquer outra coisa, e que meu relacionamento com ele nunca acabará, aconteça o que acontecer. Então comecei a orar e depois vi você orando, e então o barco deu aquele sacolejo e...

Ted deu uma leve sacudida nas pontas do emaranhado cabelo de Cris.

- Ai! disse ela baixinho, interrompendo a explicação.

Depois concluiu seu discurso dizendo:- E, no final, eu nem ia mais jogar a pulseira

no mar. De verdade. Mas ela acabou escapulindo

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e escorregando pelo chão do convés. Sinto muitíssimo, Ted.

Ted não disse nada. Apenas sorriu para ela.- Que foi? Deve estar me achando doida, né?- Não.- Então por que está rindo?- Dê-me sua mão aqui, disse ele

simplesmente.Cris estendeu a mão direita. Ted, então, tirou

o braço de sobre os seus ombros e, com um largo sorriso no rosto, abriu as mãos, exibindo a pulseira de ouro. Em seguida, colocou-a de volta no pulso de Cris.

- Onde ela estava?- Presa no seu cabelo.- ‘Tá brincando! Impossível!- Pode acreditar, respondeu ele.Ted segurou as duas mãos de Cris e chegou o

rosto bem pertinho do dela. Olhando-a nos olhos, disse:

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- E pode acreditar também no que vou lhe dizer, Cris. Eu realmente quero que nosso relacionamento siga em frente. Quero que nos aproximemos cada vez mais um do outro e, também, do Senhor.

Cris não disse nada, apenas acenou com a cabeça.

- Você acredita em mim? De verdade? perguntou Ted.

- Acredito sim, Ted, respondeu ela. E você acredita que eu também quero isso pra nós?

- Agora eu acredito, disse ele, respirando fundo e soltando as mãos dela.

Apoiando o braço no encosto do banco, Ted puxou Cris para perto de si e continuou:

- Mas não era isso que eu estava pensando algumas horas atrás.

- Eu sei, respondeu ela. Eu também estava enganada. Mas o dia inteiro foi assim. Minha cabeça foi literalmente assolada por dúvidas. Ficava pensando no acampamento e em como eu sou diferente da Katie. Ela se dá bem nessas

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coisas, e eu não. Daí fiquei pensando que poderia ser como foi com o Douglas e a Trícia então, fiquei me perguntando o que levaria você a ficar preso a uma menina enjoada como eu; quando existem outras garotas muito mais interessantes por aí. Como a Katie, por exemplo.

- A Katie? perguntou Ted surpreso, levantando as sobrancelhas.

Pela expressão em seu rosto, parecia que nunca havia m passado pela cabeça interessar-se por Katie.

- A Katie ou alguma outra menina. Achei que você tivesse percebido que eu não era uma boa pra você, quer dizer, à medida que se aproximava de mim e me conhecia melhor. Igual às luzes de Molokai. Você disse uma vez que, antes de decidirmos por uma das duas, era preciso esperar e nos aproximarmos o máximo delas, porque aí seria possível enxergá-las como de fato são. Então poderíamos decidir.

Ted olhou para ela. Parecia ainda mais confuso depois daquele comentário.

- Molokai?

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- Deixa pra lá. Fiquei pensando nisso porque lá na casa do Antônio, quando o pai dele lhe fez aquela pergunta no jantar, você não lhe deu uma resposta muito clara.

- E foi por isso que você ficou cheia de dúvidas?

- É. Por isso e também por você ter dito, na estação em Basel, que não tinha pensado em me beijar.

Ted deu um sorriso.- Ah, Cris, é claro que eu tinha pensado em

beijá-la. Fiquei planejando isso um tempão! Achei que você tivesse percebido que eu estava sendo irônico.

Cris olhou para as mãos. Sentia-se envergonhada pela forma como havia reagido a tudo aquilo.

- E quanto ao episódio na casa do Antônio, prosseguiu Ted, achei que todo aquele papo pudesse estar deixando a Katie sem graça.

- A Katie? Por quê? perguntou Cris, voltando o olhar para Ted.

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- Pensa só, Cris. Você sabe que ela teve uma queda pelo Antônio no ano passado. E lá estávamos nós, na frente dos pais dele, ouvindo-os dizer que o Antônio deveria pedir você em casamento. Achei que a Katie poderia ficar chateada, com toda a atenção que estavam lhe dando. Então tentei mudar de assunto.

Cris recostou-se no banco e meneou a cabeça.

- Tem toda razão, Ted. Eu nem tinha pensado nisso. Meu Deus, quanta coisa eu deixo de perceber ao meu redor, quando fico prestando atenção apenas em mim mesma e nos meus sentimentos!

- Também não é pra tanto, Cris, disse Ted. Ninguém tem a obrigação de adivinhar o que os outros estão pensando ou sentindo toda hora. Só Deus é capaz de saber essas coisas. É por isso que ele renova suas misericórdias sobre nós a cada manhã.

Cris deu um sorriso.- Pelo que vejo, todos nós precisamos de uma

porçãozinha de misericórdia a cada dia.

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O barco foi progressivamente perdendo velocidade ao chegarem ao porto de Anacapri. Durante o trajeto até a ilha, o Sol havia se posto e, agora, o mundo adiante deles parecia uma terra encantada, repleta de luzes. Era a mesma imagem que Cris tivera de Nápoles, ao observá-la à distância.

- Então ‘tá tudo bem entre nós agora? perguntou Ted, passando suavemente a mão pelos cabelos dela.

Cris acenou com a cabeça e sorriu para ele ternamente.

Os dois se levantaram e puseram as mochilas nos ombros. Cris sentia-se radiante, feliz. Então uma luz fraca, vinda do porto, iluminou sua pulseira. Cris deu uma piscadela para ela e sorriu.

Esta pulseirinha é incrível mesmo! Tem mais vidas que um gato!

- Você se lembra do nome do hotel que o Marcos sugeriu? perguntou Ted, ao saírem juntos do barco.

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- Acho que era Villa qualquer coisa, disse Cris. A gente pode perguntar lá dentro. Deve haver algum posto de informação por aqui.

Os dois desceram pela prancha que ligava a embarcação ao cais, juntamente com os outros passageiros. Vários motoristas de táxi aguardavam em fila, fora dos carros. Esticando o braço até o volante, buzinavam para os passageiros que chegavam, gritando-os em vários idiomas diferentes.

- A gente deveria pegar um táxi, para ir mais rápido, sugeriu Ted.

Dirigiram-se, então, ao primeiro táxi da fila. Contudo depois perceberam que os veículos não estavam parados em ordem de saída. Vários outros motoristas saíam ao mesmo tempo, levando seus passageiros.

- Gostaríamos de ir para o Hotel Villa, disse Ted, quando já estavam dentro do carro com a bagagem.

- Villa Nova, Villa Rialto ou Villa Paradiso? perguntou o motorista, com um forte sotaque.

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- Acho que é o Paradiso, disse Cris.- Villa Paradiso? perguntou ele.- Sim, respondeu Cris. Si.O motorista arrancou o carro, fazendo soar

um estrondo, e seguiu na rua estreita. Da janela, gritava com os outros motoristas, fazendo gestos ofensivos com a mão esquerda, enquanto ligava o rádio com a outra mão. Parecia virar o volante apenas com auxílio do joelho.

Cris pegou na mão de Ted e apertou-a, fechando fortemente os olhos. Ted aproximou-se dela e sussurrou-lhe ao ouvido:

- Ora, ora, Cris. Será que você ainda não se acostumou com isto, depois de andar tanto tempo com o Antônio? brincou ele.

- Bom, se você quer permanecer vivo, não me interrompa, cochichou ela. Estou orando feito doida por nós dois.

Quando o carro parou afinal, cantando os pneus, Cris abriu os olhos. Estavam em frente a um pequeno café.

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- Isto ‘tá com cara de restaurante. Cadê o hotel?

Ted pagou o motorista que, por sua vez, pôs-se a falar com eles em italiano, pronunciando rapidamente as palavras e fazendo vários gestos. Parecia dizer que a entrada do hotel ficava do outro lado.

- Grazie, disse Cris ao sair do carro.Em seguida, Ted e Cris entraram num largo

corredor, que passava ao lado da pequena cafeteria. Era bem iluminado e nele havia uma placa de cerâmica com uma seta, onde se lia Villa Paradiso.

- Legal! exclamou Ted ao chegarem ao final do corredor.

Estavam diante de um belo jardim. Ao centro, havia uma enorme piscina. Vários hóspedes, vestidos em trajes requintados, próprios para a noite, achavam-se assentados às pequenas mesas, colocadas no coreto branco, de onde ecoava o som de violinos.

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- Acho que esta é a entrada dos fundos, disse Cris. O motorista deve ter olhado pra nós e visto que não fazemos bem o tipo de clientela deste hotel. Será que devemos ir embora?

- Não, respondeu Ted. Este é o único lugar em que a Katie poderá nos encontrar. Vamos dar a volta e entrar pela portaria principal. É possível que a Katie já até esteja lá. Depois podemos sair e procurar um lugar mais barato pra ficar.

- Tomara que ela esteja lá, disse Cris ao passarem pelo corredor, ao lado do café.

Foi então que sentiu no ar um delicioso aroma vindo da cafeteria e percebeu o quanto estava com fome.

- Que tal voltarmos aqui pra comer alguma coisa depois de acharmos a Katie?

- Boa idéia. Este cheiro ‘tá uma delícia, não?- Está sim, disse Cris.Ted e Cris subiram o morro, passando por

várias casas pequenas, emendadas umas nas outras, ao longo da estreita rua. Das janelas, bem acima de suas cabeças, emanava uma

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desvairada sinfonia de sons típicos da noite. Era choro de criança, televisão ligada e mães que gritavam por seus filhos, mandando-os entrar. Uma mistura de cheiros, não muito agradável, também se fazia sentir: era cheiro de alho, de azeite no fogo e de vinho forte, tudo isso misturado a um suave aroma de amêndoas doces.

Bem lá no fundo do coração de Cris, era como se uma convicção muito forte e clara começasse a se instalar. Ela se sentia pronta, preparada, para deixar de lado as dúvidas, que por tantos anos carregara, para caminhar serenamente ao lado de Ted, dando um passo de cada vez, rumo à próxima etapa que viveriam neste relacionamento, fosse ela qual fosse. Cris queria ser uma boa companheira de viagem durante a jornada da vida, mesmo que sua caminhada com Ted não durasse muito tempo. Queria fazer com que cada dia, cada momento, valesse a pena.

Ted pegou sua mão e apertou-a.- Era exatamente assim que eu havia

imaginado que nossa viagem seria, disse ele.

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- Eu também. Nós dois, andando de mãos dadas por estas ruas de pedra, carregando nossas bagagens e curtindo a companhia um do outro.

- É como se fosse a coisa certa na hora certa, né? disse ele. É perfeito. Eu e você aqui, sem nos preocuparmos em adivinhar o que virá amanhã. Apenas desfrutando das misericórdia que o Senhor derrama sobre nós hoje.

Foi então que Cris sentiu novamente aquela doce paz a lhe envolver. Tanto ela quanto Ted estavam sob aquele manto invisível. E ela sabia que fora ela quem saíra de debaixo daquela proteção.

- Por favor, não vamos mais falar sobre aquele papo de terminar o namoro, ‘tá bem? disse Ted. Acho que meu coração não aguentaria.

- Nem o meu, disse Cris, apertando a mão dele.

Ted parou por um momento e, olhando fundo nos olhos a Cris, sob o brilho dourado da noite, disse:

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- Promete, então?- Prometo, respondeu Cris com um sorriso.Ficaram parados na rua estreita e acidentada,

de mãos dadas, olhando um para o outro atentamente, como se procurassem gravar na memória os mínimos detalhes daquele momento. Então uma doce brisa soprou sobre eles, envolvendo-os num círculo de quietude e paz. De repente, todas as dúvidas que Cris trazia no coração se dissiparam. Naquele momento, ela sentiu que havia mudado. Não era mais uma adolescente, cujos sentimentos pareciam estar constantemente numa montanha-russa, cheia de altos e baixos. Era uma mulher. E, como tal, sabia que, independentemente do que acontecesse no futuro, amaria para sempre o homem que tinha diante de si naquele instante.

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9

O momento particular de Cris e Ted não durou muito. Pouco depois, duas mulheres surgiram na esquina, passando apressadamente por eles.

- Venha. Vamos em frente, disse Ted, segurando com firmeza a mão de Cris.

Para Cris, as palavras de Ted diziam respeito tanto ao relacionamento dos dois quanto ao momento que haviam acabado de desfrutar, envolvidos por aquela cobertura invisível de paz. Sentia-se pronta para seguir em frente. Pelo que via, Ted não demonstrava ter mudado de opinião quanto a ela, ou quanto ao namoro. Tudo parecia estar do mesmo jeito para ele; exatamente como antes de Cris lhe perguntar se ele queria terminar tudo - o que acabara criando uma barreira entre eles. Tudo o que Cris sabia é que ela havia mudado. Ela amava Ted. Talvez ele também a amasse. Talvez não. Talvez um dia ele recebesse em seu coração a mesma revelação

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que Cris recebera. Ou talvez isso nunca acontecesse.

Por alguma razão inexplicável, porém, nada daquilo incomodava Cris. Para ela, bastava saber que amava Ted e que confiava em Deus para o que desse e viesse no relacionamento dos dois. E isso era ainda mais importante.

Caminhavam ainda de mãos dadas pela ladeira quando Cris disse:

- Acho que estou começando a entender algumas coisas a meu respeito.

- Ah, é?- Acho que preciso confiar um pouco mais em

Deus.- Não é só você. Todos nós precisamos.Dobraram a esquina e deram de cara com o

hotel. Era um prédio grande, pintado num tom de rosa-salmão. A entrada não era lá tão ampla ou suntuosa, mas os complexos detalhes da fachada davam ao hotel um ar de grandiosidade, além de fazê-lo parecer antigo e bastante caro.

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Cris correu os olhos pela entrada do hotel, à procura de Katie. Nenhum sinal da amiga. Então entraram no lobby, pisando suavemente no belíssimo carpete em tons de dourado e vinho escuro. Cris estava torcendo para que encontrassem Katie assentada em um dos robustos sofás ou poltronas estofados que havia ali, mas, infelizmente, ela não estava lá.

- Vamos perguntar na recepção, sugeriu Cris. Quem sabe ela não deixou um recado pra nós?

- Ou quem sabe ela chegou aqui antes de nós e foi enxotada pelos funcionários, disse Ted baixinho. O Marcos não nos avisou que se tratava de um hotel cinco estrelas.

O recepcionista, devidamente uniformizado, cumprimentou Ted e Cris com um sorriso. No entanto, ao reparar na bagagem e nos trajes informais dos dois, sua expressão logo mudou.

- Sinto muito, não temos quartos, disse ele em inglês.

Como é que ele sabe que falamos inglês? Será que ‘tá tão na cara que somos americanos?

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- Não faz mal, respondeu Ted. Na verdade, não estamos planejando nos hospedar aqui. Só queríamos saber se alguém deixou um recado pra nós.

O recepcionista olhou para eles com impaciência.

-se vocês não estão hospedados aqui, então não há razão para anotarmos recados para vocês, respondeu ele.

Cris entrou na conversa e tentou explicar a situação, dando seu melhor sorriso e procurando fazer com que o atendente reparasse em seus olhos. Afinal, ganhara a simpatia de outros homens italianos por meio deles e não faria mal nenhum tentar causar o mesmo efeito.

- É que tínhamos marcado de encontrar uma amiga aqui. Ela se chama Katie Weldon. Será que ela não deixou nenhum recado para Cris Miller?

- Não, respondeu ele, sem muito interesse.Aparentemente a cor dos olhos de Cris não

chamara a atenção daquele italiano. Ele nem

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sequer se deu ao trabalho de verificar se havia algum recado para ela.

- Grazie, replicou Cris, recorrendo ao seu escasso vocabulário de italiano. Molte grazie.

Cris havia causado uma boa impressão junto ao pai de Antônio, quando soltara algumas palavrinhas em italiano. Agora, no entanto, a tática parecia não surtir nenhum efeito. Cris deu mais um sorriso, daqueles de fazer os olhos brilharem, e virou-se para sair. Concluiu que ela e Ted podiam sair do hotel e decidir o que fazer em seguida.

- Só mais uma pergunta, disse Ted ao recepcionista.

Ouvindo a voz de Ted, Cris se virou e notou que havia um outro senhor na recepção, ao lado do atendente. Trajava um terno preto e tinha um ar imponente. Entretanto, Cris tinha a sensação de que nada do que Ted falasse alteraria a situação. A julgar pela expressão no rosto dos dois homens, a impressão que tinha era de que ela e Ted estavam prestes a ser enxotados do hotel.

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- Por acaso vocês conhecem um rapaz chamado Marcos? É que só estamos aqui porque ele nos recomendou este hotel. Disse que era pra falarmos que o conhecíamos. O pai dele se chama Carlo Savini, disse Ted com firmeza.

Os dois senhores pareciam totalmente espantados com o que ele acabara de dizer.

Cris estava com um pressentimento de que era melhor darem o fora dali o quanto antes.

Foi então que o senhor de terno exclamou:- Carlo? Vocês conhecem o Marcos e o Carlo

Savini? Por que não falaram antes?Tendo dito aquilo, saiu detrás do balcão e deu

um beijo em cada face de Cris. Depois, puxou Ted e deu-lhe um beijo em cada face também. Se Cris não estivesse tão impressionada com aquilo tudo, provavelmente teria disparado a rir da cara que Ted fez.

- Sou Emílio Mondovo, gerente do Villa Paradiso. Como foi que conheceram o Marcos?

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Ted explicou que eram amigos de Antônio. O Sr. Emílio, então, deu-lhe um tapinha no ombro, calorosamente.

- Vocês são muito bem-vindos aqui. Serão meus convidados de honra.

E, virando-se para o recepcionista, disse:- Vamos hospedá-los na Suíte Galeria.- Na verdade, não estávamos planejando ficar

aqui, disse Cris.- É verdade, concordou Ted. Pensamos que

uma amiga nossa talvez estivesse nos esperando aqui.

O gerente soltou mais algumas palavras em italiano para que o recepcionista e, em seguida, balançou o dedo na frente de Ted, como se o advertisse.

- São meus convidados, repetiu ele energicamente em inglês. Vocês e a amiga que vem encontrá-los aqui. São todos meus convidados de honra. Per favore. Por favor, fiquem.

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Cris teve a impressão de que o Sr. Emílio ficaria bastante chateado caso eles não ficassem. Ao mesmo tempo, ela sabia que uma noite naquele hotel custaria o equivalente à quantia que tinha reservado para passar três semanas dormindo em albergues. Cris lançou um olhar desesperado para Ted, na esperança de que ele soubesse o que responder.

- Ficaríamos muito honrados de nos hospedar aqui, senhor, disse ele.

Ao ouvir aquilo, Cris teve vontade de brigar com ele. O que você ‘tá pensando, Ted? Não temos dinheiro pra ficar aqui!

- O Giovanni vai fazer o check in de vocês e providenciar alguém para subir com a bagagem. Qualquer problema, é só falar comigo. São meus convidados especiais.

O Sr. Emílio afastou-se deles e foi cumprimentar um outro hóspede, que saía do elevador. Era realmente um homem surpreendente.

- Aqui está sua chave, senhor, disse o recepcionista, no mesmo tom profissional com

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que se dirigira a eles minutos antes, para dizer-lhes que não havia quartos vagos.

- Obrigado, respondeu Ted, pegando a chave. E para Cris?

O recepcionista deu então uma outra chave para Cris. Entretanto não havia nenhum número nela.

- Qual é o meu quarto? perguntou ela.- A Suíte Galeria, senhorita.- Achei que o Ted estivesse hospedado lá.- E está.- Bem, eu preciso de um quarto separado.- É verdade, disse Ted. Achei que você

soubesse disso.O recepcionista olhou-os então, friamente.- E, por gentileza, disse Cris em voz baixa,

aproximando-se dele, você poderia me colocar num quarto mais barato? Não sei exatamente o preço da diária na Suíte Galeria, mas a verdade é que meu orçamento ‘tá um pouco apertado.

- A Suíte Galeria é o melhor quarto do hotel.

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Ouvindo aquilo, Ted imediatamente colocou a chave sobre o balcão.

- Bem, neste caso, será que você poderia trocar meu quarto também? Meu orçamento também ‘tá apertado.

O recepcionista olhou-os e empurrou a chave de novo para eles. Parecia irritado com os dois. Depois, disse firme e pausadamente:

- Vocês são convidados de honra do Signore Emílio Mondovo. O quarto é grátis.

Cris e Ted se entreolharam, ainda sem entender o que ele queria dizer com aquilo.

- Grátis, repetiu ele. Não vamos cobrar nada. É de graça. Vocês são convidados especiais do Sr. Emílio. Têm direito a tudo o que quiserem aqui.

Cris estava tão impressionada com aquilo que ficou boquiaberta.

- Legal, foi tudo o que Ted disse.- As suas chaves, repetiu o recepcionista,

apontando para elas.

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Em seguida acionou duas vezes a campainha que ficava no balcão, e imediatamente um rapaz apareceu na recepção para carregar as bagagens. Trajava um uniforme cor de vinho escuro, enfeitado com tiras douradas e trançadas nas mangas. Pegou aa bagagem de Cris, mas, ao oferecer-se para carregar a mochila de Ted, este recusou, dizendo que podia ele mesmo carregá-la.

O recepcionista então se retirou do balcão, como se quisesse despachar Ted e Cris dali.

-Vamos dar uma olhada no quarto, disse Ted a Cris, pegando as chaves. Depois a gente acha o Sr. Emílio e explica a ele que precisamos de dois quartos. Com certeza a Katie já terá chegado quando resolvermos esta questão.

Os dois seguiram o funcionário do hotel, que se dirigiu para o elevador. Ao entrarem, ele apertou um botão e lá se foram rumo ao último andar. Em seguida, o funcionário os levou até o quarto, que ficava no final de um corredor comprido e carpetado. Na porta estava escrito “Suíte Galeria”.

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Ted destrancou a porta e Cris entrou logo atrás dele. Novamente ela ficou pasmada ao observar a enorme sala de estar do quarto. No centro do teto havia um belíssimo lustre. Era dourado e semelhante a um candelabro. Logo à frente havia uma lareira adornada com uma bela cornija dourada, toda trabalhada. À esquerda havia janelas enormes, sobre as quais desciam lindas cortinas em tecido brocado dourado. À direita havia diversos objetos para entretenimento dos hóspedes e uma mesa de jantar redonda.

O funcionário abriu as cortinas, fazendo com que a belíssima paisagem da cidade, com suas maravilhosas luzes, ficasse à vista. Havia ainda uma sacada, adornada com estruturas de ferro cuidadosamente trabalhadas em tom de rosa-salmão. Uma porta de vidro a separava do restante do quarto. O funcionário, então, dirigiu-se a uma porta que ficava à extrema esquerda do quarto e abriu-a, fazendo um gesto para que Cris entrasse.

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Do outro lado da porta havia um amplo quarto, com duas camas grandes, uma mesa, um sofá, uma televisão e um banheiro, com uma banheira embutida. Cris nunca havia visto algo parecido em toda a sua vida!

Ao voltar para a sala, Cris notou que o funcionário havia aberto outra porta, no lado direito do quarto, depois da adega. Era um quarto independente, tão luxuoso quanto aquele em que estivera. Ted estava lá, fazendo uma “vistoria”.

- Tome aqui um trocado, disse Ted, tirando uma gorjeta do bolso para dar ao rapaz.

Ele, porém, não aceitou.- Divirtam-se, disse ele com um sorriso,

retirando-se em seguida.Durante um minuto e meio, Ted e Cris

permaneceram parados na suntuosa sala de estar, olhando um para o outro, sem nada dizer.

Ted foi o primeiro a falar.- Legal, disse ele, erguendo o queixo

calmamente.

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Cris disparou a rir.- Legal? É só isso que você sabe dizer? Legal?

Ted, isto aqui é inacreditável!Cris deu uma rodopiada pelo quarto

alegremente, como se dançasse uma dança cigana, e continuou:

- Olha só pra esta suíte! Tem dois quartos separados e tudo o mais! A Katie vai ficar louca quando chegar aqui. Você viu a banheira do meu quarto?

- E quem foi que disse que aquele quarto é seu?

- Ah, é? Vamos apostar quem chega primeiro lá?

Sem responder, Ted saiu correndo pelo quarto.

- Isso não é justo! gritou Cris, correndo atrás dele.

Ted foi o primeiro a chegar na banheira.- Legal, disse ele.

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- Pode esquecer dela. Este banheiro e este quarto são meus. Por acaso você olhou como é a banheira do seu quarto?

- Que tal uma corridinha? disse ele com um sorriso, largando antes de Cris.

Só que dessa vez Cris estava preparada e logo saiu correndo atrás. Quase chegaram juntos.

- Só tem um chuveiro, disse Ted, recobrando o fôlego.

- Veja só isto, disse Cris, abrindo as portas do boxe.

Da parede do boxe saíam oito duchas independentes, umas mais baixas, outras mais altas.

- Isso tá parecendo um mini lava-jato, disse Ted, girando a torneira.

Os dois começaram a rir ao ver a água esguichar em todas as direções possíveis. Ted fechou a torneira e os dois voltaram para a sala.

- Acho melhor irmos atrás da Katie, disse Cris. Será que ela não confundiu o nome do hotel e foi

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parar num daqueles outros hotéis Villa que o motorista do táxi mencionou?

- É uma boa hipótese, Sherlock. Agora explique-me como foi que nos perdemos dela.

- O barco que nós pegamos de Nápoles pra cá era o último marcado pra esta noite? perguntou Cris.

- Não. Nós perdemos o último hidroplano, mas havia ainda mais uns dois barcos pra sair. Ou pelo menos, mais um.

Cris não estava muito segura daquelas informações.

- O que vamos fazer se ela não aparecer?- Comer, sugeriu Ted.- Claro, claro. Não sei como fui me esquecer

de que a comida vem sempre primeiro, disse Cris entre risos. Mas o que faremos depois?

Ted se dirigiu até a porta, abrindo-a em seguida para Cris passar.

-se a Katie não aparecer, então teremos de arrumar um outro esquema com relação aos

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quartos. Não acho que seja adequado ficarmos sozinhos nesta suíte.

Cris sabia que a atitude de Ted era sensata e que ele estava apenas usando de bom senso. Mesmo assim, sentia uma pontinha de frustração, por mais que não quisesse se sentir assim. É que a suíte era simplesmente fantástica e, ficar ali seria algo maravilhoso. Entretanto ela sabia que, se ficassem sozinhos ali, poderiam acabar despertando certos desejos que deveriam permanecer adormecidos. Certamente não era hora de propiciar um meio para que estes despertassem.

- Tem razão, disse ela. É isso mesmo que devemos fazer.

Saíram do quarto e dirigiram-se ao elevador.- Você pegou a chave? perguntou Cris.- Sim, ‘tá comigo, disse Ted, batendo no

bolso. Tomara que eles sirvam peixe lá naquela cafeteria. Você não acha que um peixinho cairia bem agora?

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- Pelo visto você não enjoou de peixe, mesmo depois do tanto que comemos no acampamento.

- Verdade. Eu nunca me enjôo de um peixinho pescado na hora, disse Ted ao chamarem o elevador.

- Nem de manga, acrescentou Cris.Ted olhou para ela, surpreso.- Como é que você sabe que eu gosto de

manga?- Eu costumo prestar atenção.- Sabe de uma coisa? principiou Ted ao

entrarem.O elevador começou a descer.- É isso que me impressiona em você, Cris.

Você me conhece. Me conhece melhor do que qualquer outra pessoa, até mesmo do que meus próprios pais. E mesmo sabendo como sou, ainda quer ficar comigo. É isso que me impressiona.

- Isso também me impressiona em você, Ted. Era o que eu estava tentando dizer com aquele papo das luzes de Molokai. Toda vez eu fico achando que, quanto mais você se aproximar de

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mim e mais me conhecer, mais verá quem eu sou de verdade. E aí fico pensando que você não vai querer ficar comigo mais.

- Não! disse Ted, balançando a cabeça, como se para reforçar o que estava dizendo. De jeito nenhum! Quanto mais a conheço, mais você me surpreende.

- Mas nós somos tão diferentes um do outro!- Você nunca ouviu dizer que os opostos se

atraem? Além do mais, não somos tão diferentes assim, não. Temos muito em comum. Você combina comigo, Cris. E acho que eu combino com você.

Quando o elevador chegou à recepção do hotel, Cris fez algo que há muito tinha vontade de fazer, mas nunca se permitira. Aproximou-se de Ted e deu-lhe um beijo carinhoso no rosto.

Foi então que a porta do elevador se abriu, e eles deram de cara com Katie. Seu rosto estava bem vermelho e ela parecia esgotada.

- Muito bem, muito bem! exclamou ela, levantando uma das mãos a fim de dar mais

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emoção ao que ia dizer. Não vou interromper vocês. Vou ficar perdida por mais algumas horas.

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10

- Katie! O que houve com você? exclamou Cris, ao saírem do elevador para abraçar a amiga.

- Nem é bom falar. Vocês não vão acreditar quando eu contar. Já comeram? Porque eu estou faminta!

- Na verdade estávamos indo agora mesmo a uma cafeteria que vimos ao chegar, respondeu Cris. Que bom que você apareceu! ‘Tá tudo bem?

Katie acenou com a cabeça, enquanto Ted pegava a mochila das costas dela.

- Vou subir com sua mala e depois podemos ir comer, disse ele.

Cris conduziu Katie a um dos sofás do belíssimo lobby. Apontando para o recepcionista, Katie falou baixinho:

- A educação daquele recepcionista com os americanos não ‘tá merecendo nenhum premio, viu? Foi um custo conseguir fazer com ele me dissesse que vocês estavam hospedados aqui e,

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mesmo assim, ele não parecia muito empolgado com a idéia de que eu me hospedaria com vocês. Vocês não avisaram pra ele que eu ia chegar?

- Avisamos sim. Mas não se preocupe. ‘Tá tudo resolvido. Graças ao Marcos e ao pai dele, nós vamos ficar aqui como convidados de honra do gerente do hotel. E não vamos pagar nada!

- Nada?! exclamou Katie em voz alta.Cris acenou com a cabeça, pedindo a Deus

que Katie falasse mais baixo.- Fantástico! Coisa de Deus mesmo! Graças

ao nosso amigo Marcos!- Incrível mesmo, disse Cris. Graças ao

Marcos.- Ah! Gostaria de pedir desculpas pelas coisas

que disse hoje de manhã, sobre você ficar jogando charme para o Marcos. E a propósito, o que estava acontecendo entre você e o Ted?

- Como assim?- Bem, eu vi vocês dois juntinhos, trocando

beijinhos no elevador. Em geral vocês não são

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assim, vamos dizer, tão “pra frente” um com o outro. Que foi que eu perdi?

Cris balançou a cabeça, sentindo-se um pouco constrangida de revelar os detalhes do que se passara entre eles.

- Na verdade nós tivemos duas ótimas conversas. Eu havia me enganado com relação a algumas coisas.

- Humm, como se isso nunca tivesse acontecido antes, né, Cris? O que foi desta vez?

Fazia alguns anos que Cris contava quase tudo de sua vida para Katie. Mas, agora, ela não estava muito a fim de abrir para a amiga todos os detalhes de sua última “crise emocional”. Queria que os sentimentos que revelara a Ted ficassem apenas entre eles, principalmente porque parte dos equívocos que formulara diziam respeito a Ted estar interessado em Katie.

- Não foi nada muito sério, na verdade. Percebi que tinha de parar de tentar equacionar tudo na vida. Tenho de confiar mais em Deus e não ficar sempre preocupada em montar um roteiro para tudo.

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- Bem, devo dizer que esta viagem me fez mudar de idéia com relação a montar roteiros, disse Katie, esticando as pernas. Os planos são nossos companheiros. Hoje sou uma nova excursionista, Cris. Se não tivéssemos combinado de nos encontrar aqui, nem sei onde eu estaria agora.

- E o que foi que aconteceu, afinal? Como foi que você se perdeu de nós?

Ted apareceu na recepção logo em seguida e Katie preferiu esperar que chegassem ao café, para então explicar o que acontecera. Feitos os pedidos, ela se pôs a narrar nos mínimos detalhes a sua história. Acontecera que, pouco antes de o trem parar em Nápoles, ela havia resolvido ir ao banheiro. Entrara na cabina, deixando a mala do lado de fora, apenas apoiando a porta. Contudo, com a parada brusca do trem, a mala acabara batendo contra a porta, trancando Katie lá dentro.

Ao ouvir aquilo, Cris teve de se controlar para não ter uma crise de riso.

- E o que você fez? perguntou ela.

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- Fiquei gritando e batendo na porta até que o Marcos, coitado, teve de entrar no banheiro feminino pra me tirar de lá.

- Achamos que você tivesse descido do trem antes de nós, ido direto para o ponto de ônibus e partido, disse Cris.

- Nada disso! Demoramos tanto lá dentro que descemos um pouco antes de o trem sair da estação. Daí o Marcos me levou até o ponto e ficou lá esperando o ônibus comigo. Mas aí aconteceu um acidente de carro terrível, a cerca de um quarteirão do ponto. Foi horrível! A lataria do carro ficou toda amassada, uma barulheira só! O Marcos foi até lá dar uma olhada. Quando voltou, disse que ninguém havia se ferido. Mas demorou um tempão pra liberarem a rua, pra que o ônibus pudesse passar. Acho que peguei o último barco de Nápoles pra cá. Aí o Marcos anotou num papel o nome do hotel e o telefone dele. Cuidou de mim direitinho.

- Que bom que você chegou bem, disse Cris.- É, Cris, detesto reconhecer, mas você tinha

razão. A gente precisava mesmo de um roteiro.

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Ainda bem que tínhamos combinado tudo, senão, nem sei o que teria acontecido. O Marcos ficou de se encontrar com a gente em Roma amanhã. ‘Tá tudo anotado aqui. Como disse, sou uma nova excursionista. De agora em diante, vamos ficar todos juntos e sempre combinar tudo com antecedência.

Cris sorriu para a amiga. Só que não estava sorrindo apenas porque Katie havia reconhecido que ela tinha razão. O motivo era que Ted havia colocado o braço sobre a cadeira dela e estava acariciando a ponta de seu cabelo com os dedos. Sorrindo, Cris pensava no quanto o relacionamento deles havia progredido em apenas um dia! Um dia bem cheio, por sinal.

Cris continuou com seus pensamentos, mesmo depois de Katie já ter “apagado” na cama do luxuoso quarto do hotel. Ao chegarem, Katie ficara espantada com o aposento que, além de luxuosíssimo, estava saindo de graça para eles. Deliciou-se com um banho de banheira e foi direto para a cama, ainda fazendo comentários sobre cada detalhe do quarto. Contudo logo

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acabou adormecendo, sem ao menos concluir o que estava falando. Parecia ter sido transportada para um local extremamente calmo e sossegado.

Cris ficou deitada na cama em silêncio, apenas sorrindo. Depois, foi até a janela, tomando cuidado para não fazer barulho, e deu uma última olhada no céu daquela noite encantada. Encolhendo-se numa cadeira próxima à janela, sentou-se sobre os pés descalços. Que bom seria se tivesse um diário novo! Poderia registrar nele tudo o que estava sentindo - suas impressões sobre ser uma mulher e ter certeza de seu amor por Ted. Reclinando-se sobre o encosto, Cris olhou para o céu.

Que noite maravilhosa, meu Pai! Quantas estrelas! A escuridão da noite parece um manto a varrer os céus, que tú adornaste com inúmeros diamantes reluzentes.

Cris se lembrou então dos momentos que passara no barco e de como sentira a presença de Deus tão de perto, como se ele soprasse sobre ela. Vem sobre mim, Senhor. Sopra sobre minha vida. Quero sempre te sentir junto a mim,

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como te sinto agora. E quero sempre confiar em ti plenamente.

Cris fechou os olhos e adormeceu na cadeira. Acordou um pouco depois, com o pescoço duro e os pés frios. Caminhou até a cama e dormiu um sono profundo, repleto de sonhos agradáveis.

Katie acordou cedo no dia seguinte. Cris a ouvia ao telefone, tentando pedir ovos e linguiça italiana para o café da manhã.

- Peço o mesmo pra você? perguntou Katie, ao ver que Cris havia acordado.

- Sim. Peça três porções. O Ted com certeza irá querer comer alguma coisa também.

As duas se levantaram e trocaram de roupa, ainda deslumbradas com toda a beleza do quarto. Ted foi quem atendeu porta, quando bateram trazendo o café. Já havia se vestido e arrumado a mala. Estava pronto para encarar o novo dia.

Cris tomou rapidamente o farto café da manhã e sentindo o estômago embrulhar ao chegarem ao porto de Marina Grande para pegar

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a lancha que os levaria até a entrada da Gruta Azul. Chegando lá, receberam instruções de que apenas duas pessoas poderiam embarcar em cada um dos pequenos e estreitos barquinhos de remar que entrariam na gruta. Em todos os barcos ia um guia de acompanhante, trajando uma camisa listrada de azul e branco. O guia usava ainda um chapéu de palha com fitas azuis caindo-lhe pelas costas.

Para Cris, era óbvio que aquilo não passava de um negócio turístico. Entretanto, ao entrar no barquinho e se acomodar na frente de Ted, teve a sensação de que estava prestes a realizar um sonho. Por algum motivo, a Gruta Azul representava os confins da Terra para ela. Era como se estar ali naquele lugar exótico e singular fosse o máximo, uma experiência única, capaz de mudar sua maneira de enxergar a vida. Não sabia exatamente por que aquele cantinho do mundo, distante e remoto, havia se tornado tão importante e significativo para ela. Entretanto, de alguma forma, sentia-se pronta para ver seus horizontes se expandirem. Cris

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apoiou-se contra o peito de Ted e desviou a cabeça ao passarem pela pequena abertura na rocha. Ao adentrarem a gruta, movidos pela propulsão do remo, manejado pelo guia que os acompanhava, sentiu um arrepio passar-lhe pelo pescoço.

Pouco tempo depois, seus olhos já haviam se acostumado à pouca luminosidade dentro da gruta, o que era completamente diferente da claridade que havia do lado de fora. O guia remou até a área central, informando-os das dimensões da gruta em inglês, alemão e italiano. O único dado que Cris guardou foi que a gruta tinha aproximadamente trinta metros de altura e quinze de largura. Depois disso não se preocupou em prestar atenção a nenhum outro detalhe. Queria apenas olhar para a água azul-esverdeada, que se derramava no oceano, escorrendo sob as rochas suspensas; aquela água que se tornava tão reluzente em decorrência da refração dos raios solares no interior da caverna.

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Cris admirava todo o espetáculo a sua volta, com os olhos parcialmente abertos. A luminosidade parecia mesmo vir do fundo da gruta, da própria água, espargindo-se por toda a caverna que, não fosse aquele brilho intenso, seria completamente escura.

- Esta gruta parece comigo, sussurrou ela para Ted.

- Com seus olhos? Bem que falaram mesmo.- Não. Quero dizer com a minha vida. Da

mesma forma que esta luz ilumina a caverna, Deus faz brilhar a sua luz em cada cantinho escuro e secreto do meu ser. E aí parece que tudo ganha vida.

Ted envolveu Cris nos braços e chegou os lábios bem pertinho da orelha dela.

- E é isso que vejo em seus olhos. Vejo a luz do Senhor brilhando em você.

Cris sentiu o coração dar um salto.Foi então que o guia que os acompanhava

virou o rosto em direção ao teto da gruta e se

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pôs a cantar O Solo Mio * . Sua voz, forte e agradável, ecoava por toda a gruta.

O passeio pela Gruta Azul não durou nem cinco minutos. Em torno de 10:30h, os três já se achavam a bordo de um moderno hidroplano, que os levaria rapidamente a Nápoles. Lá pegariam um trem para Roma, onde se encontrariam com Marcos, às duas da tarde.

Katie não vira a menor graça na Gruta Azul. Já era a segunda vez que fazia o mesmo comentário.

- Não acredito que viemos até aqui só pra entrar apertado numa caverninha e ficar ouvindo um cara gordo, de chapéu de palha na cabeça, cantar pra nós. Deveríamos ter ficado em Roma com o Marcos.

Cris não fez nenhum comentário. Continuava sorrindo por dentro, toda feliz pelos momentos que passara na Gruta Azul. Nem mesmo os comentários maldosos de Katie poderiam acabar com sua alegria.

* Canção italiana de bastante sucesso. (N. da T.)

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Cris sentia que havia se relacionado com Deus de uma forma bem mais profunda e íntima naquele dia. E essa sensação tomava conta de todo o seu ser. Parecia que ela finalmente deixara de ser uma adolescente e se tornara adulta, uma mulher de verdade. Cris sabia que o “roteiro” de sua vida, seu futuro, estava nas mãos de Deus e, portanto, sentia-se preparada e ansiosa para viver qual fosse a etapa seguinte.

E a etapa seguinte foi Roma.A viagem de hidroplano até Nápoles durou

quarenta e cinco minutos e correu tranquilamente. Ao chegarem, Cris, Ted e Katie pegaram um trem para Roma, a bordo da primeira classe e, novamente, tudo correu bem. A estação de Roma era enorme e toda adornada. Após desembarcarem, puseram-se a abrir caminho por entre a multidão, à procura de um táxi que os levasse ao hotel em que Marcos combinara de se encontrar com eles.

Ao chegarem, Cris desconfiou de que o hotel poderia ser cinco estrelas também, como o Villa Paradiso, apesar da fachada simples.

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- Será que sou só eu ou tem mais alguém aqui que ‘tá começando a achar que a família do Marcos tem mais grana que a do Antônio? perguntou Katie ao entrarem no lobby do hotel.

- Tomara que o Marcos e o pai dele sejam amigos do gerente deste aqui também, senão vamos gastar uma grana feia esta noite, comentou Cris.

- Não precisamos ficar aqui, disse Ted. Podemos achar um albergue e ficar por lá.

Cris não disse nada. Ficou apenas pensando em como seria bom se hospedar novamente num hotel de luxo. Tinham o resto da viagem para dormir em albergues; mas, ficar num bom hotel não era todo dia. Antes, porém, que pudessem estudar as opções de hospedagem, Marcos avistou-os e foi ao encontro deles. Estava bastante elegante num terno escuro, os cabelos penteados para trás.

- Uau! Com tanta elegância, estou me sentindo um verdadeiro lixo! comentou Katie, baixinho.

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- Ciao! exclamou Marcos, beijando Cris e Katie no rostos e cumprimentando Ted com um aperto de mão. Que bom que vocês estão aqui! Chegaram bem na hora. Perfecto! A reunião que eu tinha na hora do almoço já acabou. Só tem um probleminha.

- Você ‘tá com vergonha de que os outros o vejam circulando conosco, brincou Katie.

Marcos parecia surpreso com o comentário dela.

- Não, claro que não! O problema é que tenho de voltar hoje à noite para Veneza e, portanto, só posso passear com vocês por algumas horas.

- Sem problema. A gente faz o que der. Pra onde vamos?

- Vocês não gostariam de deixar a bagagem no hotel primeiro?

- Na verdade, ainda não nos registramos em nenhum lugar, disse Ted.

- E, pelo visto, este hotel aqui é um pouco caro pra nós, acrescentou Katie.

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- Neste caso vocês podem pelo menos deixar as malas aqui, junto da minha, disse Marcos, fazendo um sinal para o carregador de malas do hotel.

Foi então que todas as esperanças de Cris se dissiparam. Dali em diante não haveria mais banho em banheira embutida, nem nada do gênero. A bagagem podia ficar de graça no hotel, mas eles, não.

Os quatro pegaram um táxi e lá se foram pelas ruas de Roma. Marcos dava as coordenadas para o motorista, que dirigia rapidamente, como se fosse uma barata tonta. O trânsito estava pesadíssimo. Centenas de motoqueiros costuravam por entre os carros, fazendo manobras perigosas e arriscadas. O barulho das ruas era ensurdecedor. Cris resolveu fechar os olhos. Não queria ver as manobras que o motorista estava fazendo. Tudo que queria era chegar ao local inteira e, de preferência, respirando. Durante o percurso, Marcos mostrou algumas fontes e esculturas, mas Cris só abria os olhos um instantinho, o suficiente para ver um

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vulto de cada uma delas. Em seguida, fechava-os fortemente mais uma vez.

Afinal o motorista parou o carro, freando bruscamente. Ted, Cris e Katie desceram do carro, enquanto Marcos pagava o motorista.

- Venham comigo, disse Marcos, conduzindo-os animadamente pelas ruas, passando em frente a diversas lojas e lanchonetes.

Subiram várias escadas. Ao chegarem ao topo, avistaram uma enorme fila de pessoas em torno de um dos muitos edifícios de pedra acinzentada da região.

- Por aqui, disse Marcos, passando com eles ao lado da fila de turistas, que se estendia a partir da entrada principal do prédio.

Deram a volta pelo outro lado, indo parar numa entrada lateral. Um segurança, vestindo um uniforme listrado de roxo e dourado que mais parecia uma fantasia de carnaval, guardava a porta. O segurança reconheceu Marcos na hora. Os dois se cumprimentaram e puseram-se a conversar em italiano, falando rapidamente.

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- Onde você acha que estamos? perguntou Cris a Katie.

- Até parece que eu sei, respondeu Katie. Algo aqui lembra alguma foto do seu guia turístico?

O segurança então fez um gesto com as mãos, convidando os três a se aproximarem. Destrancou a porta lateral e cumprimentou cada um deles cordialmente, ao passarem por ele e entrarem no antigo edifício.

- Bem-vindos à Cappella Sistina, disse Marcos. Venham. Vou mostrar-lhes onde está a pintura mais famosa.

- Esta aqui é a Capela Sistina? quis saber Katie.

- Sim, Cappella Sistina.Passaram pelo corredor principal, onde uma

numerosa fila de turistas se movia lentamente. A maioria deles usava fones da ouvido e tinha nas mãos folhetos com informações sobre o local. Olhavam as pinturas e as esculturas feitas nas paredes. Ao passar por ali, Cris observou os maravilhosos tapetes que decoravam as

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paredes, descendo do teto até o chão. Acabou ficando para trás quando parou para admirar uma das peças, que achou belíssima,

Katie virou-se, fazendo um sinal para que Cris andasse rápido e se juntasse novamente ao grupo. Cris correu em direção a eles e, ao se aproximar de Ted, entrelaçou os dedos nos dele.

- Nem dá pra acreditar que conseguimos entrar aqui da forma como conseguimos, cochichou com ele. Estamos na Capela Sistina!

- É. Legal, né?Marcos parou num determinado ambiente e

apontou para cima. Bem no teto da capela estava a famosa pintura de Michelangelo, em que Deus estende a mão e toca os dedos de Adão, dando-lhe o fôlego de vida. Entretanto Cris não ficou tão impressionada ao olhar para o teto da Capela Sistina como achou que ficaria. Na verdade, já estava com o pescoço doendo de tanto olhar para cima. Além do mais, o recinto se achava cheio, e vários outros turistas, cansados e suados, acabavam trombando nela a todo momento.

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Foi então que Cris escutou uma turista, de sotaque britânico, conversar com o parceiro de viagem, que devia ser seu marido:

- Diz aqui que Michelangelo começou a fazer este teto em 1508 e demorou apenas quatro anos para pintar tudo isto! São mais de três mil metros quadrados! Quanto tempo você acha que precisará para terminar de pintar nossa cozinha?

- Veja isto, Cris! disse Ted, apontando para uma outra parte do teto. Esta pintura aqui conta toda a história da Bíblia.

Katie pegou a máquina fotográfica e já ia bater uma foto, quando um dos seguranças se aproximou e, pondo a mão sobre o visor, disse-lhe algo em francês. Depois repetiu a frase em inglês.

- É proibido tirar fotos com flash.- Desculpe-me, respondeu Katie, guardando a

máquina na bolsa.- Venham, disse Marcos. Se vocês querem

tirar fotos, vou levá-los até a cúpula da Basilica di San Pietro. De lá dá pra ver as sete colinas

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sobre as quais Roma foi construída. Venham, não fica muito longe daqui.

Cris já havia lido bastante a respeito da enorme catedral, construída no Vaticano. A Basílica de são Pedro era uma das maiores igrejas do mundo, com lugar para mais de cem mil pessoas.

A entrada principal era enorme e bastante robusta. Ao entrarem, Cris ficou impressionada com o tamanho da basílica e com seu interior, todo adornado. A primeira coisa que Marcos mostrou a eles foi uma famosa escultura de Michelangelo, a Pieta, em que Maria segura Cristo no colo, depois da crucificação. Segundo Marcos, Michelangelo tinha apenas vinte e dois anos quando a esculpiu. Aquela informação parecia ter chamado a atenção de Ted.

Marcos passou com eles pelo belíssimo altar e depois por uma enorme escultura de Pedro. O apóstolo estava assentado, segurando nas mãos as chaves do reino, e tinha o pé esquerdo um pouco mais estendido que o outro. A base da escultura era bem pesada e tinha cerca de um

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metro e meio de altura. Então Marcos lhes pediu que se afastassem um pouco e apenas observassem a escultura.

Não demorou muito, uma mulher de baixa estatura, com um lenço escuro preso na cabeça, aproximou-se da imagem. Ficou na ponta dos pés e beijou o pé do apóstolo. Foi então que Cris reparou que o pé esquerdo da estátua não tinha dedos. Olhou para Marcos, surpresa, como se agora entendesse por que ele havia pedido que se afastassem e observassem apenas.

- Há séculos as pessoas vêm beijar o pé dele. Já passaram tantos por aqui, que os dedos acabaram se gastando, explicou Marcos.

Katie queria ficar mais tempo, para ver se mais alguém viria beijar os pés da estátua, mas Marcos acabou convencendo-a a subir com eles até a cúpula da basílica. Metade do percurso podia ser feita de elevador, então, lá se foram eles.

Depois de saírem do abafado elevador, puseram-se a subir uma escada enorme, em

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forma de espiral, que os levaria ao topo da basílica. A escada parecia não ter fim.

- Ele tinha apenas vinte e dois anos, comentou Ted mais uma vez. Já imaginou ser capaz de canalizar todos os interesses e talentos em algo assim, na nossa idade?

- Incrível, né?Foi tudo o que Cris respondeu. Estava

começando a se sentir um pouco tonta. Durante a subida, tinham de se manter mais juntos da parede, para não cair. E quanto mais subiam, mais quente ficava.

Lá de cima, a vista da cidade era realmente espetacular. Contudo, apesar de toda a beleza e de poderem tirar fotos à vontade, Cris não estava aproveitando a oportunidade como deveria. É que tudo o que queria naquele momento era poder beber algo.

Não demorou muito para que seu desejo se realizasse. Depois de pegarem o metrô para o Coliseu, Marcos foi com eles até um carrinho de sorvetes Gelato, parado do outro lado da rua. Cris logo percebeu que aquele era o melhor

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sorvete que já havia experimentado. Vinha em copinhos e, em vez de usar uma colher própria de servir sorvete, o sorveteiro usava uma espátula metálica. Podiam escolher dois sabores, e Cris optou por morango e chocolate, que, juntos, faziam uma mistura muito boa.

- Vamos dar uma volta rápida pelo Coliseu e logo depois eu terei de ir pra estação, disse Marcos.

Ted parecia analisar uma tabuleta, próxima ao lugar onde estavam.

- Vejam só! Isto aqui era uma prisão. Chamava-se Prisão de Mamertina. Diz a inscrição que Paulo ficou preso aqui.

A prisão ficava praticamente no nível da calçada e parecia mais um labirinto de celas subterrâneas.

- Você acha que é provável que Paulo tenha escrito algumas de suas cartas daqui? Desta cela? perguntou Ted.

- É possível, respondeu Marcos, sem muito interesse.

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Cris notou um brilho nos olhos de Ted. O rapaz parecia admirado com aquela descoberta que, para ela, não era lá grandes coisas.

Ted olhou para Cris.- Já imaginou, Cris? Paulo poder ter escrito a

carta aos Filipenses daqui mesmo, olhando desta janela, disse ele.

Havia um versículo muito especial para Ted e Cris naquele livro. Alguns anos atrás, Ted escrevera Filipenses 1.7 num coco do Havaí e o enviara para Cris, pelo correio. Dizia simplesmente “Guardo-a no coração”. Até hoje, Cris guardava o coco numa caixa em sua casa.

Cris se posicionou ao lado de Ted e ficou olhando para a parede de pedra cinzenta, onde havia um pequeno vão.

- Você acha que Paulo estava assentado bem aqui quando escreveu “Guardo-os no coração”? perguntou Cris.

- Possivelmente, respondeu Ted.Cris sentiu os pelinhos do braço arrepiarem.

Ficou emocionada só de imaginar que Paulo

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poderia ter escrito aquelas palavras tão bonitas estando preso num local tão sombrio.

- Fico impressionada com isso, disse ela a Ted. Não que eu imaginasse que Paulo estivesse deitado numa rede, tomando suco de abacaxi, enquanto escrevia suas cartas. Mas aqui neste lugar? Bem aqui?

Ted fitou-a nos olhos. Estava tão impressionado quanto ela.

- É. Parece que as cartas de Paulo ganham um novo sentido, né? Paulo certamente sabia o que era sofrer pela fé.

Cris não teve como evitar o sentimento que começou a tomar conta de seu coração, ao olhar com Ted para aquela janela, já tão velha e deteriorada. Ainda sentia na boca o gostinho doce do sorvete de morango e chocolate, o que criava um forte contraste com a idéia de que muitos cristãos, que andaram por aquelas mesmas ruas séculos antes, haviam sido perseguidos por causa da fé. E vários até tinham morrido por causa dela.

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Depois da prisão, foram ver o Coliseu. Era um lugar impressionante, arrebatador, fascinante. Mesmo assim, Cris sentia que não conseguiria absorver mais nada. Era muita informação para uma tarde só. Olhou para as ruínas das celas subterrâneas do Coliseu e bateu algumas fotos, enquanto ouvia as explicações de Marcos. Dizia ele que, no século primeiro, aquelas celas serviam de jaulas para os leões. De onde estavam, Cris conseguia avistar as rampas por onde os leões eram trazidos para enfrentar os gladiadores.

- Eles não soltavam os leões em cima dos cristãos também? perguntou Ted. Ouvi dizer que alguns cristãos eram lançados aos leões e que o Imperador Nero ficava assistindo, vendo-os serem devorados pelas feras. Isso acontecia aqui?

- É possível, disse Marcos. Vários cristãos foram queimados vivos no tronco, para iluminarem as festinhas que Nero oferecia em seus jardins.

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- ‘Tá brincando! exclamou Katie. Que coisa horrível! Não dá nem pra acreditar que pessoas civilizadas foram capazes de torturar e matar outros seres humanos por causa da fé que estes tinham em Deus. Que coisa grotesca!

- Isso ainda acontece, disse Ted, apoiando-se em uma das colunas de pedra.

- Onde? perguntou Katie.- Por toda parte. Mas quase nunca ficamos

sabendo. Há sempre alguém morrendo por causa da fé em Cristo. Pode ser até que chegue um momento em que nós mesmos tenhamos de nos posicionar com relação ao que cremos. E, se esse dia chegar, quero que meu relacionamento com Cristo seja tão sólido que eu esteja disposto a morrer por ele, se for preciso, disse Ted.

Cris sentiu vontade de se assentar. Aquilo tudo era demais para ela. Nunca havia pensado seriamente na possibilidade de um dia ter de fazer uma escolha desse tipo, de se posicionar. Correu os olhos rapidamente pelas imensas ruínas do Coliseu.

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No entanto o que ela via, com os olhos da mente, não era uma corrida de vigas como aquela que Hollywood reproduzira com tanto glamour no filme Ben-Hur. Sentada ali, sob o sol escaldante da tarde, Cris via uma nova imagem se formar em sua mente. Era tão forte quanto a luz da Gruta Azul, que tocara seu coração pela manhã. Via as inúmeras fileiras das arquibancadas do Coliseu circundarem-na naquele momento, tomadas de uma multidão que gritava e bradava descontroladamente. Os leões, famintos, estavam prestes a ser soltos. Tudo o que ela teria de fazer para se ver livre era negar a Cristo. Se, no entanto, fosse fiel ao seu compromisso com o Senhor, seria devorada pelas feras.

Ah, Senhor, meu Deus! Espero, de todo o meu coração, ser fiel a ti, se um dia tiver de passar por isso!

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11

No táxi de volta para o hotel, Ted e Marcos falavam de suas convicções pessoais sobre o cristianismo. Cris continuava com olhos fechados, pois assim evitava ver as barbeiragens do motorista, que por pouco não acabavam em acidente. Também achava ótimo não ter de participar da conversa de Marcos e Ted. Depois de tudo que vira naquele dia, sua mente e seu coração se achavam profundamente comovidos, e ela não estava com cabeça para discussões.

- Mas isso não é suficiente, disse Katie a Marcos, entrando na conversa.

Cris apenas ouvia.- Você não pode ficar achando que Deus vai

lhe deixar entrar no céu só porque procura levar uma vida correta e ser uma pessoa boa. Já ouviu falar de Romanos 10.9? Esse versículo diz que, se confessarmos com a nossa boca que Jesus é o Senhor, e crermos no nosso coração que Deus o ressuscitou dos mortos, seremos salvos.

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- Romanos? perguntou Marcos.- Sim, Romanos! Nossa, que legal! disse Katie.

Só agora me dei conta de que Paulo escreveu a epistola de Romanos para as pessoas que moravam aqui em Roma! Que coisa incrível!

- Isso fica na Bíblia Sagrada? perguntou Marcos.

- Sim, continuou Katie. Paulo escreveu um livro inteirinho especialmente para os italianos.

Cris sorriu. A coincidência de Katie ter escolhido citar uma passagem do livro de Romanos, justo ali, em Roma, era mesmo uma “coisa de Deus”.

- Ninguém pode ir para o céu pelos próprios esforços, continuou Katie. Romanos fala disso também. “Todos pecaram e carecem da glória de Deus.” E qual que é aquele versículo, também em Romanos, que fala do dom gratuito de Deus?

- Romanos 6.23, disse Ted. “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor.”

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- ‘Tá vendo? Ninguém pode fazer nada pra merecer a vida eterna. Ela é uma dádiva gratuita do Senhor. Não há como “fazer por onde” recebê-la; só precisamos aceitá-la.

Cris se perguntava se Marcos não estava achando Katie um pouco dura demais. Mas Cris entendia a empolgação da amiga. Era simplesmente impossível não se deixar entusiasmar com o evangelho depois de tudo o que haviam visto nas últimas horas.

- Mas Deus não ama todo mundo? perguntou Marcos.

- Sim, respondeu Ted.- Então quem leva uma vida correta não tem

com que se reocupar. É claro que Deus irá deixá-lo entrar no céu, continuou Marcos.

- Mas não é assim que a coisa funciona, disse Ted. Deixe-me ver como posso lhe explicar... É mais ou menos como aconteceu conosco lá no Villa Paradiso. Se fosse só por nossa causa, eles nunca nos deixariam ficar lá. Mesmo nós sendo “pessoas de bem”. Mas, na hora em que dissemos o seu nome e o de seu pai, eles nos

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receberam de braços abertos. E assim, pudemos desfrutar de todas as regalias do hotel, sem ter de pagar nada por elas.

Cris abriu os olhos, impressionada com a analogia que Ted havia feito. Era uma ilustração perfeita. Com certeza faria sentido para Marcos.

Marcos estava assentado no banco da frente e havia se virado para falar com Ted.

- De fato, conhecer as pessoas certas nos lugares certos ajuda bastante, disse ele, abrindo um sorriso.

- Isso mesmo. Com a vida eterna também é assim, continuou Ted. O importante não é o que fazemos, e sim quem nós conhecemos. Como conhecíamos você, as portas do Villa Paradiso foram abertas para nós. Da mesma forma, as portas do céu se abrem para aquele que conhece a Cristo.

- O Antônio já tentou me convencer disso também, continuou Marcos. Ele disse que preciso ter um relacionamento com Cristo. Mas tudo isso é muito diferente do que tenho escutado a vida toda. Mesmo assim, preciso admitir que, desde

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que o Antônio voltou da Califórnia, tenho percebido um “algo mais” na vida dele.

- Esse “algo mais” é, na verdade um “Alguém”, disse Katie.

O táxi parou na porta do hotel e todos desceram. Dessa vez, Ted fez questão de pagar o motorista.

- É um presente meu pra você, cara. Você só precisa aceitá-lo, disse ele a Marcos, erguendo o queixo, num gesto cordial.

Cris logo percebeu que as palavras de Ted tinham duplo sentido. Será que Marcos também percebera? Entraram no luxuoso hotel, pegaram as bagagens e, em seguida, foram se despedindo de Marcos na calçada.

Cris se sentiu um pouco triste quando Marcos se despediu dela, com um beijo no rosto. Para ela, era bem mais fácil se despedir de Antônio. É que ela sabia que um dia o veria novamente no céu, caso nunca mais o encontrasse aqui na Terra. Mas com o Marcos era diferente. Aquela poderia ser a última vez que se viam.

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Cris olhou para ele. Era mesmo um rapaz muito bonito. Lembrou-se do que Katie havia dito ao tentar convencê-lo a seguir para Nápoles com eles. Então, exibindo um sorriso tão encantador quanto o de Katie, disse:

- Marcos, gostaria muito que você fosse para o céu com a gente. Não vai ser a mesma coisa sem você. Por favor, entregue a vida a Cristo.

Marcos pareceu surpreso com aquelas palavras de despedida. Não era o que estava acostumado a ouvir.

- Vocês conseguiram me fazer parar pra pensar. O Antônio já me deu uma Bíblia de presente. Talvez eu dê uma lida nessa parte escrita para os italianos.

Cris ficou na ponta dos pés e deu-lhe um beijinho no rosto.

- Buona, disse ela.Tinha quase certeza de que aquilo significava

“bom” em italiano.

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Marcos sorriu. Entrou no táxi e acenou para eles, pondo-se a caminho da estação, em meio a todo o pesado trânsito.

- E agora você vai me dizer que aquilo foi um “beijo santo”, senhorita “Cristiana”? brincou Katie.

- Era isso mesmo, respondeu ela.Por um momento Cris pensou no tanto que

era diferente beijar a face de Marcos, toda lisinha e barbeada, e a de Ted, toda pinicante. No entanto a comparação parou logo por ali. Para ela, o beijo que dera em Marcos era puro e santo, em todos os sentidos.

Então, não resistiu e disse:- Quando estiver em Roma, faça como os

romanos.Ted riu. Katie apenas balançou a cabeça.- Posso fazer um breve comentário? Notei que

você ficou mais beijoqueira desde que veio morar aqui na Europa.

- Eu não reclamo, disse Ted, ainda sorrindo.

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- ‘Tá bom. Vamos mudar de assunto. Já estou entrando em depressão, só de ficar perto dos dois pombinhos, disse Katie. Vamos achar um lugar pra deixar a bagagem.

- Cadê aquele seu guia turístico, Cris? perguntou Ted. Será que lá tem alguma lista de hotéis?

Cris se pôs a procurar o guia dentro da bolsa.- Não seria melhor se fôssemos um pouco

mais pra lá? Acho meio esquisito a gente ficar procurando um lugar mais barato pra ficar, estando na porta de um hotel, disse ela.

- Mas ninguém sabe que é isso que estamos fazendo, respondeu Katie. É mais seguro ficarmos aqui do que no meio da rua, com toda essa bagagem, anunciando para o mundo inteiro que somos turistas.

- Tome, disse Cris, dando o guia a Ted. Você olha. Minha cabeça já ‘tá cansada!

Ted olhou a lista e sugeriu que fossem para uma pensione. Disse que era uma espécie de casa que alugava quartos, semelhante a uma

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pousada americana. O melhor de tudo é que não ficava muito longe dali, e o preço era bastante acessível.

Depois de andarem seis quarteirões, sob o calor da tarde, encontraram o lugar. Só que não havia nenhum quarto livre. Mesmo assim Ted não ficou desanimado e continuou a olhar o guia. Estavam ao lado de uma loja que vendia casacos de couro. O estabelecimento estava fechado, e as janelas, trancadas com estacas.

- Tem um albergue aqui na lista, mas, se estou entendendo bem o mapa, fica do outro lado da cidade. Podemos pegar um táxi, se for o caso.

Cris cerrou os dentes, só de pensar em ter de confiar a vida a mais um motorista italiano.

- Não tem nenhum outro lugar, não? perguntou.

Ted estendeu-lhe o livro e ela correu os olhos pela lista.

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- Eu deveria ter trazido o guia menor. Era só sobre a Itália. Listava dezenas de lugares para ficar em cada uma das grandes cidades.

Cris estava fazendo o maior esforço para não jogar a culpa em Katie. Afinal, fora ela quem dissera que não precisavam de guias turísticos, pois estavam numa “aventura”.

- A gente pode pegar um trem e ir para aquela cidade de que o Marcos estava falando, sugeriu Katie.

Cris olhou para Katie, como se estivesse aborrecida.

- Firenze? Florença?- Sim, essa cidade aí. Quer dizer, tem mais

alguma coisa pra gente ver por aqui?- Tem bastante coisa, disse Cris.- Por exemplo?Cris tirou a mochila das costas e botou-a no

chão, com movimentos bruscos. Ela sabia que a conversa ia longe.

- Muitas obras de arte, fontes, igrejas e esculturas.

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- Mas foi isso que o Marcos mostrou pra gente o dia todo. O que tem de interessante em Florença?

- Fontes, esculturas e igrejas, respondeu Ted.- Fontes, esculturas e igrejas? exclamou Katie

em tom de gracejo, rindo de si própria ao colocar o mochilão no chão. Acho que não estamos mais no Kansas, “Totó”! continuou ela, imitando a “Dorothy”, de O Mágico de Oz.

Cris não riu da brincadeira. Sua vontade era dizer-lhes novamente que essa era a razão por que precisavam de um roteiro. Naturalmente, estavam cansados e com fome. Como é que poderiam chegar a alguma decisão naquele estado?

- Vamos achar um lugar pra comer, sugeriu Ted. Temos de nos assentar e ver quais são nossas opções.

Felizmente havia uma pizzaria bem perto dali. A pizza, além de deliciosa, não demorou a chegar. O único ponto negativo é que as mesas eram altas e redondas, e não havia cadeiras. Estavam começando a perceber que o chique na

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Itália era comprar uma massa pronta ou uma fatia de pizza e comer em pé, em torno dessas mesas compridas, que chegavam ao cotovelo de Cris. Apesar da boa comida, ficar em pé acabou não contribuindo muito para que pudessem discutir os planos com calma.

- Acho que deveríamos ir pra Florença, disse Katie. Ou quem sabe, Veneza. E aquela cidade da torre inclinada? Qual o nome dela mesmo?

- Pisa.- Ah é. Isso mesmo. A Torre de Pisa. Como

pude me esquecer? Onde fica essa cidade?- Ao norte, respondeu Cris, sem rodeios.- Ao norte perto de Veneza?- Não, ao norte, mas em sentido

completamente oposto. Na verdade, fica perto de onde estávamos acampando. Então a gente deveria ter ido lá depois do acampamento.

Ao ouvir aquilo, Cris não conseguiu se conter.- Foi por isso que falei do roteiro. É que, se a

gente resolve simplesmente pegar um trem pra Florença ou Veneza, pode acabar deixando de

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ver alguma coisa muito legal que ficou no meio do caminho, soltou ela, ainda com o hálito impregnado do forte gosto do molho da pizza.

- E que “coisa legal” você ‘tá querendo ver? perguntou Katie.

Cris não conseguiu pensar em nenhum lugar específico. Queria ir para tudo quanto era canto.

- Eu gostaria de ir a Pompéia, disse Ted.- O Marcos me falou desse lugar, disse Katie.

Estava me contando que a cidade foi toda desenterrada e dá até pra andar por lá e ver o que aconteceu depois que o vulcão entrou em erupção e destruiu tudo. Ele disse também que o pó vulcânico chegou até a proteger alguns dos que estavam fugindo de lá.

Cris havia lido sobre Pompéia no outro guia turístico sobre a Itália. Na época, não ficara muito interessada e, agora, a coisa parecia ainda mais sem graça. Aquilo que Ted e Katie achavam interessante parecia não exercer muito encanto sobre ela.

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- Eu também gostaria de ir lá, disse Katie. Sei que fica ao sul e que não é muito longe de Nápoles porque, quando estávamos esperando o ônibus, o Marcos me mostrou o Vesúvio.

Cris se lembrava de ter avistado o vulcão Vesúvio, do barco, quando iam para a ilha de Capri.

- Ou seja, a gente vai voltar para o mesmo lugar em que estávamos hoje de manhã. Vai levar umas duas horas pra chegar lá. E depois? Ficamos em Nápoles ou em Pompéia?

- Eu prefiro não ficar em Nápoles, disse Katie. O Marcos estava me contando uns casos de lá. Não é uma cidade muito segura pra turistas.

- Então ficamos em Pompéia? perguntou Cris, folheando o guia.

Havia uma página cheia de informações interessantes sob a cidade e sobre como chegar lá, mas nenhuma informação sobre hotéis.

- Poderíamos ficar por aqui mesmo e pegar um trem amanhã de manhã, sugeriu Ted.

- Mas onde? No albergue?

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Depois de ficarem em pé na pizzaria por quase uma hora, discutindo todas as possibilidades, chegaram a uma decisão. Iriam para Oslo, na Noruega. A decisão foi uma surpresa para Cris. Ela mal conseguia entender direito como é que haviam chegado a um acordo.

Em vez de ficarem em Roma, pegariam um trem noturno e iriam para o norte da Europa. A idéia, depois de tanta conversa, era ir direto para a Noruega e fazer a rota para o sul nos dial restantes, até chegarem em Basel, na Suíça, às oito da manhã do dia vinte e sete de junho, segunda-feira. Nesse dia, as aulas de Cris recomeçariam, e Katie e Ted tomariam o avião para a Califórnia, partindo à tarde de Zurique.

O melhor de tudo, na opinião de Cris, era que teriam tempo suficiente para conversar e planejar os outros dezesseis dias de viagem, já que o trajeto para o norte seria bastante extenso. Ela detestava reconhecer, mas se sentia exausta. Sua resistência não estava muito alta quando começaram a viagem e, com o ritmo acelerado em que estava vivendo, ficara

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bastante desgastada. Por um momento desejou que ainda estivessem acampando, pois aí poderia “recarregar as baterias”, enfiando-se na rede ou tomando um banho de rio. Se tivessem permanecido com Antônio, esta seria a última noite deles lá.

Enquanto andavam os dezesseis quarteirões até a estação, com as mochilas presas às costas, Cris pensava na viagem. Estava feliz por terem deixado o acampamento, no fim das contas. Perder a chance de conhecer Roma ou a ilha de Capri teria sido péssimo!

Uma vez na estação de trem, resolveram parar numa lojinha que vendia quase que só revistas e cigarros. Katie queria comprar umas barrinhas de chocolate, e Cris queria saber se havia um guia turístico em inglês à venda.

Cris não achou o que procurava, mas, em compensação, encontrou um diário com capa de couro. Alguns anos atrás, o Tio Bob lhe dera um diário de presente, dizendo-lhe que anotasse ali todos os seus pensamentos e sentimentos, certo

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de que ele se tornaria um grande amigo para ela - o que de fato aconteceu.

Uma noite antes de viajar com Ted e Katie, Cris preencheu a última página do caderno. Ao terminar a anotação, um sentimento de perda muito forte tomou conta dela. Pela primeira vez, em praticamente cinco anos, não teria um lugar especial para registrar os segredos de seu coração. Seu diário havia se tornado um grande amigo.

Cris pagou o diário e ficou analisando o troco que recebera do vendedor. Ele havia lhe dado várias moedas. Cris não fazia a menor idéia se tinha pago um preço justo pela mercadoria.

Seria ótimo se o Antônio ou o Marcos estivessem com a gente uma hora dessas.

Para sua surpresa, o vendedor resmungou alguma coisa em italiano e deu-lhe mais três moedas.

Será que ele achou que eu percebi que ele havia me dado o troco errado? Que graça! Não faço a menor idéia do quanto paguei neste

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diário, nem do tanto de dinheiro que tenho agora.

Cris não se virou. Continuou segurando as moedas na mão e, apenas para fazer graça com o vendedor, olhou para ele como se quisesse dizer “Que vergonha tentar passar a perna em mim!”

Mas dessa vez ele não resmungou nada. Simplesmente se inclinou e deu a ela mais três moedas e duas notas.

Ainda incerta do quanto havia sido lesada, Cris resolveu dar no pé. Enfiou a quantia no bolso e saiu da lojinha, fazendo força para não disparar a rir. Ted e Katie a aguardavam lá fora. Quando Cris relatou o que lhe acontecera, Katie disse:

- Acho que vou voltar lá, estender minha mão e olhar para ele com cara de brava. É possível que ele tenha me cobrado a mais pelas duas barrinhas de chocolate.

- Não acredito que dê certo. Afinal, você já saiu da loja, observou Ted.

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- Então vamos passar naquela loja ali, sugeriu Katie, apontando para uma outra lojinha dentro da estação de trem. Parece que eles vendem coisas de comer. Poderíamos comprar algo para levar na viagem.

- Tem meu apoio, disse Ted.O rapaz foi o primeiro a entrar na loja. Pegou

vários pãezinhos redondos e duros, alguns tomates pequenos e ovais, e ainda meio pedaço de queijo. Cris apenas o observava. Estava mais interessada em comprar algo para beber durante a viagem. Viu umas garrafas de água à venda e pegou três para levar, de um litro cada.

Katie comprou mais duas barras de chocolate e, ao receber o troco, ficou parada no caixa, examinando-o minuciosamente. A vendedora parecia irritada com a demora da moça e soltou alguma coisa em italiano, fazendo um gesto para que Katie saísse e liberasse o caminho para outros clientes.

- Acho que nunca vou saber se ela passou ou não a perna em mim, disse ela ao entrarem no

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terminal principal. Você é que sabe fazer o olhar, Cris.

- Muito bem, agora vamos nos organizar, disse Ted, caminhando até o quadro de horários informatizado.

- Este é o que a gente tem de pegar. Roma pra Veneza. Sai às 20:35h, da plataforma...

Ted olhou o relógio.- Venham! Vamos ter de correr pra pegar o

trem!Ted saiu correndo a todo vapor. Cris se pôs a

correr também, olhando para trás, a fim de ver se Katie estava com eles. Enquanto corriam pela multidão, Cris sentia a mochila bater fortemente em seus ombros, atingindo-lhe os quadris seguidamente. Tinha a sensação de que a pizza que comera pouco antes começava aparecer novamente em sua boca.

Apesar de todo o incômodo, conseguiram alcançar o trem a tempo. E, graças à mente rápida de Ted, foi até possível trocar as passagens por bilhetes de primeira classe,

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inteirando a diferença. A primeira classe estava lotada. Parecia que todo mundo havia resolvido sair de Roma naquela noite de sexta-feira. Ao ver aquilo, Cris concluiu que a segunda classe estaria muito pior. Encontraram dois lugares no final do corredor, e Cris e Katie se assentaram. Ted permaneceu de pé, examinando o guia turístico.

O trem partiu, fazendo ecoar um ruído prolongado. Cris fechou os olhos, procurando uma posição confortável no banco. Agora, sim, estavam numa aventura e, melhor ainda, dessa vez estavam montando um roteiro. Parecia que seus dois desejos se concretizavam. Cris torcia para que aquilo fosse sinal de menos estresse nas duas semanas que estavam por vir.

Durante a viagem de cinco horas para Veneza, Cris dormiu um pouco, circulou algumas vezes pelo vagão e foi com Katie até o banheiro, para que a amiga pudesse lhe mostrar como foi que conseguira se trancar na cabina do banheiro em Nápoles. Cris teve de rir. Katie era mesmo uma maluca. Mas ela estava feliz por estarem se dando tão bem agora. A maior parte da tensão

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que existira entre as duas já havia passado. E a sensação que Cris tinha era de que a distância que se criara entre as duas, depois de ela ter ido estudar na Suíça, estava começando a desaparecer. Agora elas estavam voltando a ser as amigas chegadas que sempre haviam sido.

Cerca de uma hora antes de chegarem a Veneza, Ted e Cris deixaram Katie no outro vagão e foram até o restaurante do trem, a fim de se assentarem para tomar um cappuccino e discutir o roteiro. Durante a viagem, Ted havia lido bastante e agora era um superfã do guia turístico de Cris. Os olhos dele brilharam só de falar das atrações que os aguardavam na Escandinávia.

- E tem ainda esse Castelo de Fredericksborg, na Dinamarca, que parece bastante interessante também, disse ele. Eu sei que você gosta de castelos, e este aqui fica a mais ou menos uma hora de Copenhague. Achei que seria um lugar que você iria gostar de visitar.

- Puxa, você se lembrou de que eu gosto de castelos, disse ela, sorrindo.

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- E você se lembrou de que eu gostava de manga. Acho que nós dois estamos prestando atenção nas coisas de que o outro gosta já há muito tempo. Só não tínhamos nos dado conta disso.

- Eu adoraria conhecer pelo menos um castelo durante a viagem. Ou talvez mais, se tivermos tempo. E você? O que você quer ver? Acho que não vamos encontrar muitas mangas por aqui, não.

- Tem um museu em Oslo, disse Ted, mostrando um pequeno parágrafo no guia turístico. Diz aqui que a Kon-Tiki original está lá.

Cris esperou Ted explicar. Kon-Tiki parecia ser algo relacionado com a Polinésia e, se fosse, faria sentido Ted estar interessado em passar por lá. Afinal, quando garotinho, ele havia morado no Havaí. A única coisa que Cris não estava entendendo era por que um museu na Noruega teria uma peça da Polinésia.

- É a jangada de Thor Heyerdahl. Ele saiu do Peru rumo às ilhas da Polinésia Francesa, a fim de provar que os povos primitivos da América do

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Sul poderiam ter chegado à Polinésia passando pelo Pacífico.

- Ah, disse Cris. E esse tal de Thor era norueguês, suponho.

Ted acenou que sim.- Acho que a Katie vai querer ver isto aqui,

disse ele, apontando para as palavras Lille Havfrue, no guia.

- O que é?- É uma estátua da Pequena Sereia. Aquela do

conto de fada escrito por Hans Christian Andersen.

- É, com certeza teremos de passar por lá, disse Cris, concluindo. Vai ser divertido.

- Já ‘tá sendo, disse Ted.´Depois, aproximou-se de Cris e ficou

brincando com uma mecha de cabelo que caía sobre os ombros dela.

- E só vai ficar melhor, disse.Cris sorriu, deixando transparecer toda a

deliciosa expectativa que trazia no coração. E, ainda sorrindo, disse:

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- Mal posso esperar pelo dia de amanhã.

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12

O trem chegou à estação de Veneza Às 2:00h da madrugada. Os três pegaram a bagagem e passaram pelo belo terminal de passageiros, à procura do trem que os levaria rumo norte, até Salzburgo, na Áustria.

Já estavam no meio da plataforma quando Katie parou e disse:

- Pessoal, a gente precisa resolver um negócio.

- Podemos conversar no trem, disse Cris. Mas agora temos de correr pra fazer a conexão pra Salzburgo.

- Não, precisamos conversar agora. Preciso ser franca com vocês a respeito de uma coisa.

Cris achava que Katie iria dizer que havia se sentido excluída, quando ela e Ted saíram para tomar cappuccino no vagão-restaurante, uma hora antes de chegarem a Veneza. Já estava até ensaiando um pedido de desculpas por terem deixado a amiga de lado e planejado pegar o

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trem para Salzburgo, que partiria dentro de quarenta minutos. Cris tinha esperanças de que, se estivessem entre os primeiros passageiros a embarcar, conseguiriam assentos melhores do que os da viagem para Roma.’

- Quero ficar aqui, disse Katie.- Ficar aqui onde? perguntou Cris, olhando em

redor.- Em Veneza. A única coisa que eu realmente

queria ver era uma gôndola. Além disso, o Marcos mora aqui. Ele me falou muito desta cidade. Vocês se lembram? O pai dele tem uma joalheria. Gostaria de ficar um dia ou dois aqui e então partir pra Noruega.

- Tudo bem, acho que podemos fazer isso, disse Ted.

Cris hesitou um pouco antes de concordar com a idéia. Ela até que queria passear de gôndola também, mas Ted havia lhe falado tanto sobre a Escandinávia durante a última hora de viagem, que agora sua cabeça se achava cheia de visões de castelos e sereias.

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- Eu sei que deveria ter falado antes, continuou Katie. Mas fiquei pensando um tempão se isso seria agir como “membro da equipe” e acabei não dizendo nada. Só quando descemos do trem me dei conta de que talvez eu nunca mais tenha a oportunidade de chegar tão perto de uma gôndola de verdade. Eu quero muito ver uma. Não preciso nem passear nela; só quero vê-la.

- Bom, então, vamos ter de arrumar um lugar pra ficar, disse Ted, virando-se para a saída da estação, em vez de seguir para a plataforma de embarque. Vamos perguntar no posto de informações. Como já é madrugada, vamos ter de pegar o que der. Vocês estão de acordo? É que um quarto a essas horas da noite pode sair bem caro.

- Acho que vale a pena, pelo menos por uma noite, disse Katie. Além do mais, ainda não gastamos nada com hotel. Temos dinheiro pra “torrar”.

- Eu não estou com essa grana toda não, disse Cris.

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- Ou então, sabem o que podemos fazer? disse Katie. Ligar para o Marcos e ver se ele pode nos hospedar.

- Será que não vai parecer que estamos forçando a barra? perguntou Cris. Parece que estamos na cola dele. Ele saiu de Roma no trem das seis e nós o seguimos, no trem das oito e meia. Isso é meio estranho pra mim.

- Tudo bem, não precisamos ligar pra ele, disse Katie. Podemos arrumar um lugar pra passar a noite e dar um pulo na joalheria do pai dele amanhã. Eu gostaria muito de encontrá-lo novamente.

Cris procurava analisar o que estava acontecendo. Será que a paixão de Katie era realmente pelas gôndolas? Ou será que ela estava ficando interessada em Marcos, como havia se interessado por Antônio no verão passado? Afinal de contas, a viagem até Veneza havia sido a primeira vez em que viajavam só os três, com exceção, é claro, do trajeto entre Capri e Roma. Cris se perguntava se Katie havia sentido falta de um parceiro de viagem, quando

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ela e Ted se retiraram para o vagão-restaurante. Talvez ela não estivesse gostando muito da idéia de ficar “sobrando”, já que Ted e Cris estavam juntos. E talvez por isso quisesse passear por Veneza com Marcos, a fim de adiar por mais alguns dias o papel de vela.

Ted não teve dificuldade em aceitar a mudança de planos. Com seu jeito tranquilo de ser, sugeriu que Katie e Cris se assentassem no comprido banco de madeira polida que ficava nomeio da estação e esperassem com a bagagem, enquanto ele ia buscar algumas informações.

Enquanto esperavam, Cris procurava um jeito de perguntar a Katie sobre Marcos. Queria saber também se a amiga estava se sentindo deixada de lado por ela e Ted. No entanto era cada vez mais difícil para Cris ordenar os pensamentos. O alto teto da estação fazia com que a barulheira em redor ecoasse, e era como se todo aquele ruído ressoasse em sua cabeça. O efeito da cafeína do cappuccino parecia ter passado de repente, de uma só vez, e agora Cris mal

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conseguia manter os olhos abertos, quanto mais conversar sobre os sentimentos de Katie.

Cris ficou feliz ao ver que Ted se aproximava. Pensava que talvez se sentiria bem mais animada, com a súbita mudança de planos, depois que eles se acomodassem num hotel, dormissem um pouco e tomassem um bom café da manhã.

- Achei um lugar em que podemos ficar, disse Ted. E não foi nada fácil, considerando o horário. Só que eles só aceitam pagamento em dinheiro. Quanto vocês tem aí?

Os três ajuntaram todo o dinheiro que tinham, mas não conseguiram chegar nem à metade da quantia necessária. Era um hotel bastante caro.

- Qual o motivo de eles não aceitarem traveler’s checks * ? perguntou Cris.

- Sei lá, o hotel é deles. Foram eles que atenderam o telefone. Eles é que ditam as regras.

* Cheque de viagem que pode ser comprado nas casas de câmbio do país, mediante apresentação de passaporte e passagem aérea. É aceito na maioria das lojas, hotéis e restaurantes do mundo. (N. da T.)

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- Será que não tem nenhum lugar aqui na estação onde a gente possa trocar o dinheiro? perguntou Katie.

- Já olhei isso. O banco só abre às seis da manhã. Se tivéssemos um cartão de crédito ou um cartão de banco, poderíamos usar o caixa automático. Mas, pelo visto, ninguém aqui pensou nisso.

- Isso quer dizer que teremos de esperar até às seis da manhã, trocar o dinheiro, pegar o táxi aquático para Veneza, ou qualquer coisa parecida, e aí, quando for umas sete horas, fazer o check in no hotel, resumiu Cris.

- Exatamente. E a diária termina ao meio-dia, disse Ted.

- Eu não estou a fim de pagar tudo isso só pra ter onde dormir por cinco horas, disse Katie.

- Poderíamos dormir aqui nos bancos, sugeriu Cris.

- Ou então pegar um trem pra Salzburgo, disse Katie baixinho. Desculpa, gente. Eu acabei bagunçando todo o nosso esquema.

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- Não bagunçou, não.- Baguncei, sim. Tínhamos um roteiro e,

agora, perdemos o trem. E como não havíamos planejado nada com antecedência, não há o que ser feito. Ficamos presos.

- Eu aproveitei e dei uma olhada no horário dos trens, disse Ted. Tem um que sai às 8:02h para Salzburgo. Faz apenas uma escala em Vilach, na hora do almoço, fica parado lá por três horas e depois segue viagem. Isso significa que chegaríamos em Salzburgo amanhã às sete da noite.

- Mas aí vamos ficar o dia inteiro dentro do trem, disse Katie. O trem que íamos pegar não era direto? Sem escalas?

Ted fez que sim com a cabeça.- Sim, mas agora não podemos olhar pra trás.

Já estamos aqui. O que vocês querem fazer?- Que horas são?Cris precisava de um relógio novo. O dela

havia se quebrado há meses, mas ela ainda não havia comprado outro para subistituí-lo.

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- São 3:10h da madrugada.- Não é a toa que estou com a impressão de

que um caminhão passou por cima de mim, disse Katie. Vamos dar o fora daqui.

- E pra onde vamos? Vamos sair perambulando pelas ruas de Veneza? perguntou Cris.

- Não há ruas aqui, só canais, já esqueceu? Mas, não. Vamos simplesmente pegar o próximo trem e ir pra onde ele nos levar, disse Katie.

- E a gôndola que você queria ver? perguntou Cris.

- Agora já não estou ligando mais. Fiz mal em insistir que parássemos aqui e saíssemos fora do roteiro, depois de tudo combinado. Vamos ver se conseguimos voltar para o roteiro original o máximo que der. Só uma coisinha: será que não dá pra chegar à terra da Noviça Rebelde sem gastar o dia todo, não?

Enquanto Ted consultava um pequeno panfleto com o horário dos trens, Katie continuava falando.

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- É que eu gostaria de dar uma parada em Salzburgo e passear um pouco por lá. Afinal, é a única cidade da Áustria que conheço um pouco mais.

- Isso porque você já viu A Noviça Rebelde umas cem vezes, acrescentou Cris.

Ficou pensando na letra de uma das músicas do filme que dizia “Como resolver um problema como a Maria?” Já tinha a própria versão na ponta da língua: “Como resolver um problema como a Katie?”

- Tem um trem saindo às 10:30h de Innsbruck. Parece que ele chega a Salzburgo às 2:30h. Poderíamos arrumar um lugar pra ficar e sair pra conhecer a cidade à tarde, disse Ted.

- Isso quer dizer que vamos dormir aqui na estação as próximas duas horas? perguntou Cris.

Ted olhou para os quatro bancos que havia ali. Eram compridos e estavam um de costas para o outro.

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- Eu sempre me perguntei como deve ser a vida de um “sem-teto”. Agora é a minha chance de descobrir.

Cris nunca havia parado para pensar naquilo.Só você mesmo, Ted. Para Katie e Ted não foi nenhum problema

tirar uma soneca naqueles bancos duros. Já Cris não conseguia pegar no sono. Ficava apreensiva ao pensar nas pessoas passando por lá, vendo-os dormir. E tinha medo também de serem roubados, mesmo sabendo que as bagagens estavam todas amarradas aos bancos. Embora a estação não estivesse muito cheia, o número de pessoas circulando por lá era suficiente para deixá-la apreensiva.

Quanto mais pensava naquela situação, mais contrariada se sentia com Katie, pela forma como ela havia bagunçado todo o roteiro de viagem. Ao mesmo tempo, Cris queria ser compreensiva e perdoar a amiga. Procurava se lembrar do acampamento, quando havia desabafado tudo o que estava sentindo na van. Seus amigos haviam sido superlegais com ela,

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resolvendo mudar a programação a fim de agradá-la. Portanto Cris sabia que não era justo negar a Katie o mesmo tipo de atenção que ela própria havia recebido dias atrás.

Como Cris não queria ficar ainda mais chateada com Katie, resolveu voltar os pensamentos para o namorado, que dormia todo encolhido no banco à sua frente. Ted havia protegido a cabeça com o capuz da blusa de moletom azul-marinho, e seu semblante aparentava cansaço. Cris ficava impressionada com a facilidade que ele tinha de simplesmente se deitar e “apagar”, em qualquer lugar e sempre que sentia vontade. Mas isso não deveria surpreendê-la. Durante todos aqueles anos, Ted conseguira se “desligar” emocionalmente, em momentos em que ela se sentia “desperta” por completo, por assim dizer, em relação aos seus sentimentos por ele. Ou pelo menos, era assim que Cris enxergava a situação.

E então, Ted? O que foi que nós decidimos? Que não iríamos mais conversar sobre terminar o namoro, certo? Mas o que isso representa

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realmente? Vamos continuar sendo o que sempre fomos um para o outro? Amigos? Amigos chegados? Amigos “para sempre”por mais cinco anos, até que você acorde pra mim? Eu estou aqui, acordadíssima. Tenho certeza de que amo você e sempre amarei. Estou pronta pra dar o próximo passo. E você?

Cris fechou os olhos e virou-se para o outro lado, procurando a todo custo se desligar tanto física quanto emocionalmente e pegar no sono. Entretanto, apesar do empenho, não conseguiu. Em vez disso, seus pensamentos se voltaram para sua família. Normalmente ela ligava para os pais uma vez por mês e escrevia-lhes uma cartinha cada uma ou duas semanas. Aliás, um dia antes de Ted e Katie chegarem, ela havia conversado com a mãe por cerca de vinte minutos. E mais uma vez sua mãe lhe dissera o quanto estava torcendo para que Cris se divertisse bastante na viagem. Talvez fosse bom telefonar para casa. Que horas seriam na Califórnia? Ah, sua cabeça estava cansada demais para fazer as contas.

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Além do mais, o que ela diria a eles? “Oi, gente. Estamos aqui em Veneza, dormindo nos bancos da estação de trem. Na maior parte das vezes comemos porcaria e nem sempre conseguimos ficar os três juntos. Mas não se preocupem. A viagem ‘tá ótima. Nós três estamos nos dando superbem.”

Não. Cris sabia que não poderia ligar para os pais, agora. Não enquanto não tivesse um bom relatório para dar. Naquele momento, concluiu, não adiantaria nada que eles soubessem dos detalhes da viagem. Seria melhor telefonar-lhes depois, quando estivesse de volta ao seu quarto e à sua rotina.

As coisas irão melhorar quando chegarmos à Áustria. Têm de melhorar. Então mandarei um postal pra minha família, e nenhuma das informações que eu escrever será falsa ou “forçada”.

A viagem de trem de Innsbruck até Salzburgo foi bem agradável. Na cabina em que estavam, havia camas retráteis chamadas couchettes, e Cris aproveitou para dar uma esticada e dormir

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profundamente durante as primeiras quatro horas de viagem. Quando acordou, Ted lhe disse que havia café da manhã para ela. Era um dos tomates ovais, um pouco de queijo e um pãozinho duro, que ele havia comprado antes da viagem. Cris comeu feliz o lanchinho e dividiu a água com Katie e Ted.

Quase não conseguiram chegar a tempo de pegar o trem para Salzburgo. Mas, assim que se acomodaram, perceberam que seus assentos, ao lado da janela, lhes favoreciam com uma belíssima vista. Era uma das paisagens mais lindas que Cris já havia visto desde que chegara à Europa. Era bem mais bonita que a vista da janela da van do Antônio. Esse era o tipo de experiência que ela desejara apreciar juntamente com Ted durante a viagem. Enquanto olhavam pela janela, Cris chegou mais perto dele, para que pudessem trocar comentários sobre as enormes cadeias de montanhas que se estendiam pelo caminho, a perder de vista.

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Ao chegarem a Salzburgo, Katie estava nitidamente mais quieta que o normal. Os três se dirigiram a uma Gasthof, recomendada no guia turístico, e pediram dois quartos. A dona da pousada austríaca, aliás uma senhora bastante simpática, disse-lhes que o Jause seria servido entre às 16:00 e 17:00h e, em seguida, explicou que era costume austríaco tomar café naquele horário. No entanto, Cris, Ted e Katie estavam com muita fome para esperar o horário do café. Pediram licença educadamente e foram procurar um restaurante onde pudessem fazer uma refeição completa.

Deixaram a pesada bagagem na pousada, trocaram o dinheiro e foram visitar os pontos turísticos da cidade. Uma vez lá fora, Cris se arrependeu de não terem esperado um pouco mais e tomado um banho antes de saírem pelas ruas de Salzburgo. Para não se sentir pesarosa, procurou se convencer de que seria muito melhor tomar o banho à noite, quando voltassem para a pousada.

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Decidir onde iriam comer até que foi fácil. Depois de andarem dois quarteirões, chegaram a um restaurante bem grande, ao ar livre. Na área externa havia várias mesas protegidas por guarda-sóis, o que lhes permitia avistar uma fortaleza simples no topo da colina e ver várias carruagens desfilarem pelas ruas de pedra, puxadas por cavalos.

Depois de comerem um Schnitzel * e discutirem os planos para o dia, Katie disse:

- Precisamos achar aquela fonte onde os filhos do Capitão Von Trapp ** dançaram e cantaram no filme. Acho que havia umas estátuas de cavalo em torno dela.

Ted consultava o guia turístico, enquanto Cris saboreava um strudel *** de cereja de sobremesa. Ela não tinha nenhuma pressa de sair correndo para conhecer a cidade, visitar lugares, fazer compras e coisas do tipo. Salzburgo parecia desfilar por si só diante dela, mostrando-lhe muitos de seus encantos.

* Prato semelhante a um filé de vitela à milanesa. (N. da T.)** Personagem do filme A Noviça Rebelde. (N. da T.)*** Quitanda feita com frutas enroladas numa fina camada de massa que é posteriormente assada. (N. da T.)

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Naquele momento, um jovem casal passava pelo café, passeando com um cachorrinho todo peludo. O rapaz sussurrou alguma coisa ao ouvido da moça, que soltou uma risadinha alegre e delicada. Depois, ele piscou para ela. Cris observava os dois.

Ainda vai chegar o dia em que eu e você, Ted, iremos andar lado a lado. E um dia você ainda dará uma piscadela dessas pra mim.

Cris passou a observar as duas mulheres que estavam assentadas na mesa ao lado deles. Enquanto elas conversavam, Cris pensava no quanto os austríacos eram diferentes dos italianos. Na Áustria, a língua que falavam lembrava um rio caudaloso, fluindo calma e naturalmente. Já na Itália, sua impressão fora de que as pessoas queriam convencer umas às outras, não importando, para tanto, a quantidade de gestos e de exagero que teriam de empregar. Em dado momento, quando estavam na cúpula da Basílica de São Pedro, um lugar já bastante apertado por sinal, Cris tivera a mesma

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impressão de Marcos. Quanto mais perto chegava dela, mais alto falava.

- Acho que a Cris vai querer dar uma passada neste lugar aqui, disse Ted, lendo algo no guia turístico. É um castelo chamado Schloss Hellbrunn. A gente deveria ir lá primeiro, caso esteja fechado à noite.

Um sentimento muito gostoso tomou conta de Cris, ao perceber que Ted também estava prestando atenção nas coisas de que ela gostava. Ele até havia se lembrado de que ela queria visitar o maior número de castelos que encontrassem. Toda feliz, Cris deixou que ele mesmo descobrisse como chegar ao Schloss Hellbrunn.

A beleza singular de Salzburgo continuava a encantar Cris, à medida que caminhavam pelos cômodos do castelo. O guia lhes chamou a atenção para a mesa de jantar, que ficava no jardim. Tanto ela quanto as cadeiras em volta pareciam ser feitas de cimento. De repente, vários jatos verticais ergueram-se dos assentos e

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do meio da mesa, molhando todo o grupo de turistas com um leve spray.

Depois que as gargalhadas cessaram, o guia continuou:

- Marcus Sitticus, que viveu neste castelo, tinha um grande senso de humor. Gostava muito de surpreender os convidados com estes jatos, durante os piqueniques que faziam no verão. E, para que vocês possam dar o devido valor a esta inovação, lembrem-se de que tudo isto foi construído no início do século XVII.

O guia os conduziu até a saída do jardim, onde havia uma sucessão de jatos d’água, de ambos os lados. Ao esguicharem, eles formavam um arco para que os visitantes pudessem passar. De mãos dadas, Ted e Cris passaram primeiro, caminhando rapidamente sob o refrescante spray d’água. Katie vinha logo atrás, mas, no momento em que iniciou a travessia, os jatos mudaram de direção, atingindo-a em cheio, de todos os lados.

Ensopada, Katie exclamou, em meio às gargalhadas:

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- Agora entendo por que as mulheres daquela época usavam vestidos tão compridos. Era para se protegerem, quando caras malucos como esse ofereciam jantares em seus castelos. Será que os convidados desse homem voltavam aqui depois dessas brincadeirinhas?

De volta à Gasthof, Cris pensava, encolhida debaixo dos cobertores, no quanto gostaria de visitar Salzburgo novamente, caso tivesse outra oportunidade.

No dia seguinte, anotou seus pensamentos no diário, durante a viagem de trem para a Alemanha. Parte do que escreveu foi:

Nunca me esquecerei dos encantos desta cidade. Quando passamos pelo local onde Mozart nasceu, fiquei pensando em como a música dele ainda ressoa por aqui, de uma forma majestosa, eterna. Segundo o meu guia turístico, já havia gente morando em Salzburgo cerca de quinhentos anos antes de Cristo nascer, por causa das salinas encontradas aqui. Isso me deixa muito impressionada. Já a única coisa que

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pareceu impressionar a Katie foi a quantidade de fontes que vimos, quando saímos para passear ontem à noite. E em cada fonte onde havia a estátua de um cavalo, ela nos fazia parar e cantar a música do Dó-Ré-Mi. Coitadinha da Katie. Ficou tentando fazer com que eu e o Ted cantássemos com ela, à beira da fonte, mas acabamos deixando que ela fizesse um solo todas as vezes.

O trem parou na estação de Munique, na Alemanha, duas horas depois de deixar Salzburgo. Cris jogou o diário dentro da mochila e desceu do trem, atrás de Katie e Ted. Demoraram um pouco até descobrir qual trem teriam de pegar em seguida. Mas depois, com a ajuda da funcionária do guichê, fizeram a reserva num dos mais novos trens sem escalas da Alemanha. A funcionária lhes explicou que ele os transportaria para Hamburgo, no norte do país, a uma velocidade de 260 quilômetros por hora. Tiveram de pagar uma quantia extra para poder

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viajar nesse trem, mas até já haviam se acostumado com isso na Itália.

Em vez de cabinas, o trem tinha confortáveis poltronas, semelhantes aos assentos de primeira classe de um avião. Em cada uma delas havia um fone de ouvido e um dial, para que o passageiro pudesse escolher a música que mais lhe agradasse.

- Que melhoria em relação aos trens da Itália, hein? comentou Katie. Quanto tempo demora a viagem?

- Acho que a moça disse seis horas até Hamburgo, respondeu Ted, assentando-se ao lado de Cris. Nada mal isto aqui, hein?

- Temos de parar em Hamburgo pra comprar hambúrgueres, disse Katie, que estava assentada de frente para Cris e Ted.

Haviam colocado as bagagens no banco vazio, ao lado de Katie.

- Vocês acham que o hambúrguer foi inventado em Hamburgo? perguntou Cris.

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- É possível que seu guia turístico traga alguma informação sobre isso. Ele tem sido bem prático nestas horas, disse Ted, abrindo a mochila para pegar o livro.

- Não tem uma história de um cozinheiro que inventou o hambúrguer para um conde sei lá das quantas? perguntou Cris.

- Acho que você ‘tá falando do sanduíche, disse Ted. Já ouvi essa história também. O Conde de Sandwich. O cozinheiro dele inventou o sanduíche pra ele. Não acredito que tenha existido nenhum Conde de Hamburgo, muito embora o guia afirme que Hamburgo foi fundada na Era Medieval. Diz também que a cidade foi quase destruída na Segunda Grande Guerra. Que horror!

- Posso dizer uma coisa? principiou Katie, jogando o corpo para a frente. Acho que você, Ted, ‘tá pregando os olhos demais neste guia. Estou começando a duvidar de que estamos mesmo numa aventura.

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- É um excelente guia, disse ele, tirando os olhos do livro. Mas não diz nada aqui sobre hambúrgueres em Hamburgo.

- Talvez tivesse alguma informação sobre isso nos outros guias que eu deixei em Basel, disse Cris.

- Você tinha outros guias turísticos? quis saber Ted.

- Tinha sete. Um deles era só sobre a Itália e um outro só sobre a Escandinávia.

- Você deveria ter trazido todos. Estou ficando bastante interessado nesse negócio de desvendar a história desses lugares, disse Ted.

Cris olhou para Katie como se dissesse “‘tá vendo? Eu bem que avisei”.

- Eu não lhe impedi de trazer seus guias turísticos, disse Katie com impaciência. Só falei que eles ocupariam muito espaço, e de fato ocupariam. Não venha jogar a culpa em mim, Cris. Se você realmente quisesse, poderia tê-los trazido.

Cris não contava com aquela reação de Katie.

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- Também não é assim, Katie! Acho que o guia que eu trouxe era o melhor de todos. E ele já deu uma boa ajuda pra gente.

Katie se virou, ajustou os fones de ouvido e se encolheu na poltrona, cobrindo-se com a blusa de moletom. A saída do ar-condicionado ficava bem em cima deles. Com frio, Cris entrelaçou o braço no de Ted, aproximando-se dele a fim de se aquecer.

- Sobre o que você ‘tá lendo?Antes, porém, que Ted pudesse lhe

responder, Katie se levantou.- Seis horas é tempo demais. Vou ver se dou

uma volta e conheço algumas pessoas, disse ela, tirando os fones de ouvido.

Cris teve vontade de dizer “Só tome cuidado pra não se trancar no banheiro desta vez”. Contudo, embora a língua estivesse “coçando”, fez um esforço e ficou quieta.

Então, como se pudesse de alguma forma imaginar o que Cris estava pensando, Katie disse:

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- Não se preocupem. Volto antes de chegarmos a Hamburgo.

Com isso, a jovem passou rapidamente por Ted e Cris e se pôs a andar pelo extenso corredor.

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13

Tão logo Katie se afastou deles, Cris pensou:Ótimo! Agora eu e o Ted poderemos ficar

juntinhos, conversando baixinho, só nós dois.

Imediatamente, porem, um outro pensamento lhe passou pela cabeça.

A Katie parecia muito contrariada. Talvez seja melhor eu ir até lá e descobrir o que houve.

- Você acha que a Katie ‘tá legal? perguntou Ted.

Cris continuava relutante. Queria ficar ali, agarrada ao braço de Ted e simplesmente ignorar o mau humor de Katie, como se tudo estivesse normal.

- Não sei. Acho que ela ‘tá chateada, disse Cris, suspirando.

- Vou até lá ver se ‘tá tudo bem, disse Ted.- Não, pode deixar. Eu irei.- Acho que seria melhor se eu fosse, Cris. E se

ela estiver zangada com você?

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- Zangada comigo? E por que ela estaria? O que foi que eu fiz? perguntou Cris, na defensiva.

- Não sei, disse Ted. Talvez eu consiga descobrir.

Contra a vontade, Cris soltou o braço de Ted e pegou o guia turístico, que ele lhe devolveu. Ao sair, Ted nem sequer olhou para Cris. Caminhou com passos largos pelo corredor, na direção que Katie havia ido.

- Essa é boa, mesmo! Desde quando Ted virou o conselheiro da turma? Isso era o papel do Douglas. O Ted devia estar aqui, do meu lado.

Cris ficou observando Ted até ele passar pela porta de correr, entrando no outro compartimento. Sozinha ali, ela se perguntava se deveria escrever sobre seus desapontamentos no diário. No entanto não sentia vontade de escrever, como havia sentido no caminho de Salzburgo para Munique. Em vez de pegar o diário, Cris puxou a blusa de moletom da mochila de Ted e cobriu-se com ela, a fim de proteger os braços do ar-condicionado e de se sentir perto do namorado. Já que não podia ter os braços dele a

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lhe envolver, pelo menos podia ficar com as mangas da blusa dele.

Com o olhar fixo na porta, Cris esperava atenta o retorno dos amigos. Chegou a pensar em ir procurá-los, mas aí se lembrou de que teria de carregar todas as malas consigo.

Enquanto esperava, os fones de ouvido lhe foram bastante úteis. A paisagem que avistava lembrava-lhe a Áustria. Eram colinas verdes, pequenos vilarejos, alguns túneis e uma estação de trem aqui e ali. A principal diferença era que a velocidade com que viajavam era tão alta, que dava apenas para ver um vulto da paisagem. Ademais, acabava sendo difícil para Cris assimilar a idéia de que agora estavam na Alemanha, e não na Áustria. Durante a viagem no trem italiano, em que tivera de botar a cabeça para fora, por causa do forte cheiro de alho, tinha sido fácil perceber que estavam na Itália.

Cris escolheu uma estação de música clássica, deixando que o som do violoncelo a consolasse e lhe fizesse companhia. Ao mesmo tempo, procurava não dar muita importância

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para â saída abrupta de Katie nem para o fato de Ted ter ido atrás dela para conversar.

A fim de se distrair, Cris se pôs a folhear o guia turístico. O que chamou sua atenção com relação à Alemanha foi a foto de um castelo azul claro com várias torres pontiagudas, que pareciam furar os céus. Ficava num lugar bem alto, com vistas para uma lagoa azul, de águas cintilantes, e vastas colinas verdes. Uma floresta cercava o castelo, como se fosse um carpete verdinho. Sob a foto, liam-se as palavras “Famoso Castelo Neuschwanstein”.

Cris pegou uma caneta e começou a marcar os lugares que gostaria de visitar. Havia acabado de circular um passeio pelo Rio Reno, quando Ted voltou e se assentou ao lado dela.

- Como ela ‘tá? perguntou Cris.- ‘Tá bem. Só estava precisando de um pouco

de espaço.- Ela ‘tá com raiva de mim?- Acho que seria bom se vocês duas

esclarecessem tudo.

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- Como assim, “tudo”?- Ah, isso aí você vai ter de perguntar pra ela.O jeito que Ted falava, parecia que havia um

problema enorme, pendente, entre Cris e Katie. Cris começou a ficar impaciente com ele, da mesma forma que estava com a amiga.

- Será que eu devo ir falar com ela? Onde ela ‘tá?

- ‘Tá no vagão seguinte, sozinha.- Vou lá falar com ela.Só que Cris não estava com vontade de ir até

lá. O que ela queria era que Katie voltasse, e os três conversassem abertamente sobre o problema.

- Tem certeza de que você não quer ir comigo? disse ela ao passar por Ted e colocar a blusa de moletom dele sobre a poltrona.

- Você quer que eu vá? respondeu ele, surpreso.

- Sim. Acho que seria melhor se discutíssemos essa questão juntos, seja lá o que for. Afinal de contas, estamos viajando em grupo.

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- Tem razão, disse Ted, desviando o olhar. Mas você pode se assentar. A Katie vem vindo aí.

Cris voltou para o seu lugar, e Katie se assentou bruscamente na poltrona de frente para Cris. O rosto dela estava bem vermelho.

- Bem, principiou ela. Resolvi que não quero mais ficar sozinha e ter o meu espaçozinho, só pra mim. Logo depois que o Ted saiu, um cara muito esquisito veio e se assentou do meu lado e me perguntou se eu aceitava uma cerveja.

- O que você fez? perguntou Cris.- Mandei ele ir para o espaço. Só que ele

continuou lá. Então, resolvi voltar pra cá. Me desculpem por ter saído daquele jeito.

- Tudo bem, disse Cris.- Não, não ‘tá tudo bem. Preciso contar algo a

você, Cris. Eu falei para o Ted; mas pedi a ele que não lhe contasse nada, porque eu é que queria contar.

Cris se preparou para o que ia ouvir. Então, depois de um longo silêncio, Katie começou:

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- Eu conheci um cara na última semana de aula. Que hora pra se conhecer alguém, hein? Não lhe contei nada sobre ele, Cris, porque não havia muito o que dizer. Ele joga no time de beisebol da Universidade Rancho Corona e coincidentemente eu fui ao último jogo da temporada. O nome dele é Mark. Camisa 14. É só isso que sei sobre ele. Depois do jogo, conversamos um pouco e nos demos muito bem. O problema é que não consegui parar de pensar nele um minuto sequer durante as duas últimas semanas.

Para Cris aquilo não era nenhuma novidade. Quando Katie entrava num projeto novo - fosse ele qual fosse, inclusive relacionamentos - mergulhava de cabeça. Havia sido assim no terceiro ano no colégio, quando namorara o Michael.

- Você o verá novamente? perguntou Cris.- Tenho quase certeza de que ele voltará pra

Rancho Corona quando as aulas recomeçarem. Mas não é isso que ‘tá me incomodando. A questão é que estou sofrendo uma crise de

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ciúmes violentíssima. Fico morrendo de inveja de ver você e o Ted juntos. Já não estou aguentando mais. Sei que é horrível ter de falar isso pra você, mas o Ted me disse que era melhor falar abertamente sobre a questão do que ficar guardando esses sentimentos.

- Tem razão, disse Cris. E o que eu posso fazer pra você se sentir melhor?

- Nada. É justamente esse o problema. Você não ‘tá fazendo nada pra me deixar assim. Aliás, acho que vocês estão até maneirando bastante e não estão ficando juntos o tanto que gostariam, pra que eu não me sinta excluída.

Cris olhou de relance para Ted. Ele parecia calmo e tranquilo, com a atenção fixa em Katie. Pela forma como Katie falava, Cris tinha certeza de que não estava sendo nada fácil para ela conversar sobre aquilo.

- Eu realmente queria ter alguém. De verdade mesmo, disse; Queria ter esse tipo de relacionamento que vocês têm. Será que é errado desejar isso?

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Foi então que um rapaz mais velho, que vinha andando pelo corredor, parou e ficou olhando para Katie. Parecia que estava há um mês sem tomar banho.

- Veja só quem ‘tá aqui! disse ele ao vê-la.Katie parecia petrificada. Pela expressão no

rosto da amiga, Cris deduziu que ele era o cara que lhe oferecera a cerveja na outra cabina.

- Este assento não ‘tá disponível, disse Ted, sem retirar as malas da poltrona.

- Não estou vendo ninguém assentado aqui, respondeu o outro.

Pelo jeito de falar, parecia americano. No entanto, pelo modo como engolia as sílabas, dava a impressão de estar drogado ou bêbado, ou pelo menos era o que Cris achava.

- Você só poderá se assentar aqui se provar que pagou pelo assento.

Então o rapaz pegou uma das mochilas e jogou-a no chão, aos pés de Ted.

Cris sentiu o coração disparar. Nunca havia visto ninguém desafiar Ted daquela forma. Será

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que ele iria se levantar e dar um soco no nariz daquele cara?

- Já estávamos de saída, disse Ted calma e tranquilamente.

Depois, pegou a mochila de Cris e a entregou a ela, fazendo um sinal com a cabeça para que se levantasse. Cris se levantou e, em seguida, Ted entregou a Katie a bagagem dela, fazendo-lhe o mesmo sinal com a cabeça.

- Muito bem. Pode ficar com o assento todinho pra você, disse Ted ao rapaz.

Em seguida, dirigiu-se ao vagão restaurante, sem dizer mais nada. Cris e Katie o seguiam, logo atrás.

- Será que ele ‘tá nos seguindo? perguntou Katie a Cris. Não estou muito a fim de olhar pra trás pra descobrir.

Cris se virou e olhou discretamente.- Não. Ele está indo para o vagão atrás do

nosso. Você quer voltar para os nossos lugares, Ted? perguntou Katie. Acho que ele entendeu sua indireta.

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- Não. Na verdade, não sou muito bom pra lidar com bêbados. E já que estamos quase chegando ao restaurante, é melhor aproveitarmos para comer algo.

Quando chegaram ao restaurante, depois de andarem oito vagões, encontraram uma enorme fila de espera para pegar uma mesa. Cris sabia que na Europa era bastante comum almoçar ali pelas duas da tarde. No orfanato onde trabalhava, em Basel, também era assim. E como era domingo, era mais provável que as pessoas se demorassem um pouco mais para almoçar.

- Pode ser que tenhamos de esperar um pouco, disse Cris, prevenindo os amigos.

- Mas, só pra andar os oito vagões e depois voltar pra cá, vamos gastar cerca de meia hora. Não ligo de esperar aqui, isto é, se vocês não se importarem, disse Katie.

- Por mim, tudo bem.Na verdade, a atmosfera estava bem

romântica. Aliás, se não tivessem interrompido Katie no meio de sua confissão, Cris não teria tido o menor problema em ficar juntinho de Ted

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na fila, à espera de uma mesa. Dadas as circunstâncias, porém, ela sabia que aquela não era uma boa hora de ficar abraçadinha com ele, a fim de ocupar menos espaço.

Enquanto esperavam, ninguém falou nada. Havia muito barulho em redor, muita gente falando ao mesmo tempo. Os quatro que estavam na frente deles conversavam num dialeto alemão, falando alto e rindo mais alto ainda.

Quando finalmente conseguiram uma mesa, os três estavam famintos e doidos para fazer uma refeição completa. E o cozinheiro-chefe do restaurante do trem não os decepcionou. Pediram rosbife acompanhado de batatas, cenouras, nabo, uma cremosa sopa de queijo com brócolis e pãezinhos. Para a sobremesa, Cris pediu chá quente e torta de maçã. O garçom lhe trouxe, então, uma chaleira de cerâmica branca e uma xícara do mesmo material.

- Katie, quando formos colegas de quarto na Rancho Corona, podemos comprar duas chaleiras desta. Aí, quando tivermos de ficar acordadas à

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noite pra estudar, podemos fazer uma “festinha do chá” pra nós duas.

Katie sorriu. A excelente refeição havia feito um bem tremendo a eles. Os três saboreavam a sobremesa sem pressa, como os outros europeus que se achavam ali.

Katie comentou que o café era bem escuro e forte e depois perguntou ao Ted o que ele estava achando do cappuccino.

- Não é tão bom quanto o da Itália, mas não é ruim.

- Katie, principiou Cris, segurando a xícara de chá com as duas mãos, a fim de se aquecer do frio do ar-condicionado. Quer terminar aquela conversa?

- Não sei. Às vezes eu faço uma tempestade num copo d’água por causa de uma bobagem. Podemos pôr o assunto de lado. Não tem importância.

- Mas eu acho que tem importância, sim. Afinal, isso ‘tá incomodando você e, se ficar guardando pra si, pode ser que mais tarde se

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sinta chateada de novo, antes mesmo de voltar pra casa. Portanto gostaria de resolver o assunto agora mesmo, se for possível.

- É uma bobagem. Eu sei que é. É só tirar os olhos do Senhor que perco a capacidade de avaliar os fatos com clareza. Eu disse que estava com ciúmes de vocês e estou mesmo. Mas sei que isso é errado. Sei que Deus diz que não devemos invejar o que é dos outros, mas o caso é que não sei como lidar com meus sentimentos. Por mais que eu tente ignorá-los, eles continuam me incomodando.

- Ore, sugeriu Ted imediatamente.Katie deu um suspiro e fitou a xícara de café,

já pela metade.- Orar. É isso mesmo que devo fazer. Não sei

por que não faço isso. Acho que fico cansada de confessar sempre a mesma coisa toda vez. Mas devo reconhecer que, sempre que me abro com o Senhor, me sinto bem melhor depois.

- E ele sempre nos perdoa, independentemente do número de vezes que lhe pedimos perdão, disse Ted. Uma prática que

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ajuda muito é identificar o que faz essas fraquezas aflorarem e reconhecer “sinais de alerta” antes que você seja pega de surpresa.

- Como assim?- Bem, o que exatamente a leva a ter ciúmes?Katie pensou por alguns minutos e depois

respondeu:- Eu vejo um amigo com algo que eu gostaria

de ter e, aí, começo a me comparar com ele. Então, fico com ciúmes.

- Isso acontece com todo mundo, disse Cris.- Mas nem por isso é certo, replicou Katie.- Verdade, concordou Cris.- Uma coisa que me ajuda muito é reconhecer

esses sentimentos logo no início. Assim, é quase como se eu conseguisse parar o pecado no ar, antes que ele me pegue, disse Ted. O lance da comparação, por exemplo. Decorei alguns versículos que têm a ver com isso. Aí, sempre que começo a me comparar a alguém, repito esses versos, e meu coração volta para o caminho certo.

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- Então acho bom você me passar rapidinho esses versículos, porque eu tenho uma dificuldade enorme nessa área, disse Katie.

- Um deles é até bem curto. Fica em Isaias 45.9. Diz assim: “Acaso, dirá o barro ao que lhe dá forma: Que fazes?” Os outros ficam no capítulo 64 de Isaías. Versos 6 e 8. Esses aí “me puseram no lugar”, quando os li pela primeira vez, se é que você ‘tá me entendendo.

- Acho que sei do que você ‘tá falando. O que eles dizem?

- “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como um vento, nos arrebatam. Mas agora, ó Senhor, tú és nosso Pai, nós somos o barro, e tú, o nosso oleiro; e todos nós, obra das tuas mãos.”

- Deixe-me ver se peguei a mesma idéia que você, principiou Katie. Toda vez que você começa a se comparar a alguém, você se lembra desses versos e de que todos nós somos iguais perante o Senhor; como o barro.

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- E Deus é o artífice, o escultor, disse Cris, entrando na conversa. Ele é quem trabalha o barro e nos molda. Não devemos virar pra ele e dizer “Por que o Senhor me fez deste jeito?” ou “Por que o Senhor não me muda e me faz como a fulana?”

Ted acenou, concordando.- Isso mesmo. Cada pessoa é uma obra de

arte única, singular. O que ele planejou pra mim é diferente dos planos que traçou pra você.

- E essa estratégia funciona mesmo pra você? perguntou Katie.

Ted acenou com a cabeça mais uma vez.- Quando percebo que Deus é quem ‘tá no

controle de tudo, e não eu, é difícil sentir ciúmes dos outros. Se o Senhor resolver abençoar o sicrano mais do que a mim, quem sou eu pra lhe dizer que ele ‘tá sendo injusto? Será que, quando alguém passa por dificuldades, nós viramos pra Deus e dizemos que ele não ‘tá sendo justo conosco? que não ‘tá nos dando o mesmo tanto de lutas?

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- Acho bom você anotar esses versículos pra mim, Ted, porque tenho muita dificuldade nessa área. Toda vez que penso ter resolvido o problema, ele acaba voltando com mais força, disse Katie, sorvendo o último gole de café. Vocês já acabaram de comer? Poderíamos voltar para os nossos assentos e ver se meu guardião maltrapilho ainda ‘tá lá me esperando.

O “guardião” de Katie não estava lá quando voltaram. Cris aproveitou para se assentar ao lado da amiga, em vez de ficar com Ted. Tinha um monte de perguntas para lhe fazer.

- Obrigada por ter sido tão sincera conosco, Katie. Fico feliz de você ter nos contado como estava se sentindo, começou Cris.

- Eu não ia falar nada. Ia dar um jeito e resolver a questão sozinha. Mas o Ted estava certo ao dizer que é melhor nos abrirmos.

- Já que é assim, queria que me esclarecesse uma coisa, disse Cris. Não estou entendendo por que esse carinha lá da Rancho Corona fez você ficar com vontade de ter um namorado. Quero

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dizer, por que ele? O Marcos e o Antônio não lhe fizeram se sentir assim também?

- Não. Não dá pra explicar, Cris. Quando conheci o Mark, eu o achei um cara incrível. O único rapaz que me fez sentir assim antes foi o Michael, disse Katie, virando-se para Ted, a fim de incluí-lo na conversa. Vocês acham que amor à primeira vista é papo furado?

Ted passou a mão no queixo, como se tentasse segurar para não rir.

- Qual é a graça? perguntou Cris.Ted olhou para Katie.- Tudo que posso afirmar é que, quando vi a

Cris, eu soube, disse ele, desviando o olhar para a namorada.

- Soube o quê? perguntou Katie.- Soube que ela era o presente de Deus pra

minha vida e que eu nunca pensaria em namorar outra garota, replicou ele, em tom grave e emocionado.

Por um momento, Cris se sentiu arrebatada pelas palavras românticas de Ted. Ele nunca

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havia falado nada assim para ela. Entretanto, pouco depois, começou a duvidar de que ele estivesse falando sério. Poderia era estar fazendo uma tremenda brincadeira com a sua cara!

- Você não soube coisíssima nenhuma! exclamou ela, batendo na perna dele. A primeira vez que você me viu eu tinha acabado de ser derrubada por uma onda gigantesca, indo parar na praia coberta de algas marinhas.

- Minha “Pequena Sereia”, disse Ted, sorrindo para Cris. O presente de Deus pra mim, vindo diretamente do mar.

- Ah! Por falar nisso, eu e o Ted descobrimos que em Copenhague há uma estátua da Pequena Sereia. Temos de ir vê-la! disse Cris, olhando para Katie.

Estava doida para mudar o assunto, antes que Ted tivesse mais uma oportunidade de fazer gozação com a cara dela.

- Tudo bem, disse Katie.- Alguém quer jogar xadrez? perguntou Ted.

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- Você ‘tá a fim, Katie? perguntou Cris. É que eu quero muito continuar lendo o guia turístico.

- Bem, nesse caso, eu é que não quero impedir você de ler seu livrinho querido, disse Katie, brincando.

Ted abriu o tabuleiro de xadrez e organizou as peças. Cris havia acabado de abrir na seção sobre a Dinamarca quando Katie chegou perto dela e lhe disse baixinho:

- Obrigada, Cris.- Por quê?- Bem, se ainda não ‘tá na hora de o Grande

Artista lá de cima pintar um namorado pra mim, então, muito obrigada por dividir o seu comigo.

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14

Eram 10:00h da manhã de segunda-feira quando o trem chegou à estação de Oslo. Os três estavam viajando havia mais de vinte e quatro horas e, para Cris, a idéia de “dividir” Ted com Katie já não soava mais como um acordo interessante, feito entre amigas.

Na verdade, Katie não havia “dividido” Ted com Cris. Ela havia literalmente se apossado dele. Ao chegarem em Hamburgo, os três pegaram um trem noturno e viajaram a bordo de um vagão equipado com camas. Durante a viagem, Cris procurara dar uma esticada em um dos beliches e descansar um pouco.

Eram mais ou menos 6:00h da manhã quando acordou. Olhou em redor e viu que estava sozinha. Cerca de uma hora depois, Ted e Katie chegaram, aos risos, contando do quanto tinham se divertido, tomando café e conversando a noite toda. Ted havia ajudado Katie a decorar os versículos de Isaías, e pelo que se via, pareciam ter se divertido a valer, enquanto Cris dormia.

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O pior é que agora era Cris quem estava ficando com a cabeça cheia de idéias estranhas. Já podia sentir um forte sentimento de ciúme rondando seu coração.

- Saia já daqui! murmurou Cris para si mesma.

- O que disse? perguntou Katie, ao saírem da estação. Como é que saímos daqui?

- Por aqui, disse Ted, conduzindo-as para a saída.

Já era dia claro.- Vamos primeiro achar um lugar pra ficar e

depois saímos pra desbravar a cidade. O que acham?

- Você escolheu algum lugar, Cris? perguntou Katie. Afinal, foi você que ficou analisando o guia turístico.

- Marquei alguns lugares, sim, disse Cris, pegando o livro. Este aqui parece ser o melhor deles, mas, se quiserem ficar em outro lugar, por mim tudo bem.

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Cris estava surpresa com a calma que sentia. Talvez a estratégia de Ted, de “parar o pecado no ar”, desse certo mesmo.

- É uma espécie de pousada, como aquela de Salzburgo. Diz o guia que ela fica perto da estação.

- Parece perfeito, então. Pra que lado vamos? perguntou Katie.

Olhando no mapa, Cris conduziu o trio até o hotel, ou pensjonater, como dizia o guia turístico. Era um prédio quadrado, de três andares. Logo acima da entrada principal, havia um belíssimo vitral, que embelezava a fachada do prédio. Cris gostou muito da escada em caracol, que levava até os quartos do terceiro andar. Ao chegar ao quarto, a primeira coisa que fez foi levantar o pino central das janelas e abrir as venezianas. Ambas as partes da janela abriam para fora, possibilitando que a luz do sol entrasse no aposento. Várias flores, em tom de vermelho vivo, derramavam-se da jardineira sob a janela. Cris respirou profundamente, deixando que o ar fresco enchesse seus pulmões, renovando suas

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forças. Sentia-se pronta para sair e ver as atrações turísticas da cidade.

- Nunca se deve subestimar o poder revigorante de um boa cama! disse Katie, jogando-se sobre a cama macia.

- Você não ‘tá pensando em dormir agora, né, Katie? Estamos em Oslo! Finalmente chegamos aqui! Os museus e os fiordes nos esperam!

- Vocês podem ir e visitar todos os museus que quiserem. Vou ficar aqui. Quando chegarem, vocês me contam.

Cris puxou Katie pelos pés.- Estamos na Noruega, Katie! Seus

antepassados viveram aqui! Será que você não ‘tá nem um pouquinho animada a sair pra desbravar a cidade? Que foi que houve com seu lema de que estamos numa aventura?

- Troquei de lema. Agora é “Dormir faz bem pra mim”.

Cris desistiu de insistir com a amiga. Sabia que em questão de minutos Katie mergulharia no mundo dos sonhos. Resolveu desfazer as malas e

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ficar um pouco mais à vontade. O quarto era maravilhoso. Os móveis eram de madeira pintada. No canto havia uma mesinha branca, com várias florzinhas azuis e vermelhas pintadas na beirada. A cadeira que fazia conjunto com ela tinha um encosto alto, e seu assento era de palha entrelaçada. Os pés das camas também eram brancos, com florzinhas azuis e vermelhas. Havia ainda um vaso de vidro azul com várias flores do campo, em tons de branco, azul e amarelo.

Cris tirou as roupas sujas do mochilão e resolveu ir até o banheiro coletivo, no final do corredor, a fim de lavá-las na pia. Com o sol e o vento batendo na janela, as roupas secariam rapidamente, pensava.

No caminho, resolveu bater na porta do quarto de Ted. Será que ele também havia pregado na cama como Katie e aderido ao novo lema dela? Cris torcia para que ele estivesse acordado. Afinal, estava toda disposta a sair por algumas horas e desbravar Oslo. Poderiam deixar Katie dormindo na pousada e ir só os dois.

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Ted não atendeu. Foi então que a porta do banheiro se abriu e ele apareceu. Havia acabado de tomar um banho e fazer a barba. Trajava uma camiseta e um short que, embora amarrotados, estavam limpos.

- Você fez a barba! comentou Cris.- Estava coçando demais.- Ficou muito bom.- Espero que vocês não tenham ficado

esperando muito tempo. Mas é que o banho me pareceu tão irresistível que não consegui deixar pra depois.

- Pra Katie foi a cama que pareceu irresistível. Acho que ela vai dormir pelo menos umas duas horas. Quer sair comigo pra dar uma passeada? Podemos voltar depois pra pegar a Katie.

- Certamente. Contanto que um lanchinho esteja incluído nesse passeio, disse Ted, olhando para a trouxinha que Cris carregava. Você ia lavar essas roupas?

- É. Achei que secariam rapidamente, com a brisa que entra pela janela do quarto.

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- Boa idéia. Que tal sairmos daqui a uns dez, quinze minutos? Vou ver se lavo também algumas roupas no banheiro do segundo andar.

Em vez de lavar apenas as roupas, Cris resolveu aproveitar para tomar um banho e lavar o cabelo. Exatamente doze minutos depois já havia tomado banho, lavado o cabelo, se depilado, trocado de roupa e lavado as roupas que separara, pendurando-as num cabide dobradiço, ao sol. Já estava terminando de escrever um bilhete para Katie, quando Ted apareceu na porta, sorrindo por ver que Katie dormia de sapatos.

- Será que não vai ter problema se a deixarmos aqui? sussurrou ele.

- Acho que não. Estou deixando um bilhete.Ao saírem e fecharem a porta do quarto com

cuidado, Ted colocou o braço em torno dos ombros de Cris, puxando-a para perto de si. Deu-lhe um beijo carinhoso na testa, que pegou metade no cabelo dela, metade em sua pele.

Cris ficou surpresa com o gesto de Ted e já ia lhe perguntar a razão daquilo, quando olhou para

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os olhos azuis dele. Foi aí que percebeu o motivo do beijo. Ele estava feliz. Feliz por estar com ela, feliz por estar na Noruega, feliz por estar vivo. Cris concluiu que se tratava de um beijo de comemoração e que, se pedisse explicações, o encanto do momento se dissiparia.

Passando o braço em torno da cintura de Ted, Cris chegou bem perto dele, enquanto desciam, lado a lado, a estreita escada em caracol. Em dado momento, trombaram no corrimão por causa da curva, e Cris soltou um risinho. Lá embaixo, a dona da pousada encontrou-se com eles e os cumprimentou, sorrindo. Era uma mulher bem alegre.

- Sabe de algum lugar bom pra gente comer? perguntou Ted a ela.

Ela lhes ensinou como chegar a um restaurante ali perto, que, segundo ela, servia o melhor koldtbord da região.

Cris ficou muito contente ao ver que o restaurante oferecia mesas na área externa. Afinal, tudo o que queria era respirar o ar puro e

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aproveitar o sol daquele dia tão fresco e agradável.

O koldtbord era na verdade um farto self-service, em que o cliente podia se servir quantas vezes quisesse. Ted serviu-se duas vezes e comeu mais salmão do que Cris aguentaria comer em toda a vida! Ela, no entanto, preferiu experimentar o ensopado que, mais tarde foi saber, era à base de repolho e carne de cordeiro. Se o garçom tivesse dito antes, ela nunca teria experimentado o prato. No entanto depois acabou gostando da comida.

O almoço não saiu barato, mas, para Cris, valeu a pena. Havia comido tanto, que se sentia até um pouco desconfortável ao caminhar de mãos dadas com Ted até o ponto de ônibus. Segundo o garçom, o ônibus que pegariam os levaria até o Museu Kon-Tiki, que Ted tanto queria visitar.

Sentaram de mãos dadas no coletivo e ficaram planejando aonde ir depois da visita ao museu. Cris tirou o guia turístico da bolsa e notou o quanto a capa estava ficando gasta. Ted

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lhe mostrou dois lugares que lhe interessavam, sendo que o primeiro da lista era o museu Norske Folke Museet, porque, ao que o mapa indicava, o Museu Kon-Tiki fazia parte dele.

- Esqueci de lhe contar, mas ontem eu e a Katie procuramos um monte de coisas na Bíblia, enquanto estávamos conversando, principiou Ted. E descobri que Paulo não estava na prisão de Mamertina quando escreveu a carta aos Filipenses. Ele estava em Roma, em prisão domiciliar. Ao que tudo indica ele tinha permissão pra sair de casa e receber visitas.

- Então ele não escreveu nada enquanto esteve preso naquele calabouço?

- Escreveu sim. A segunda carta a Timóteo foi escrita lá. Nero era o imperador na época.

- O Marcos não nos disse que esse tal Nero era o imperador que queimava vários cristãos vivos para iluminar as festinhas que ele oferecia em seus jardins?

Ted acenou positivamente.

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- Que coisa incrível, disse Cris. Quero dizer, suportar todas essas torturas e depois morrer por causa daquilo em que você acredita.

- É, concordou Ted. Ontem à noite, li a segunda carta a Timóteo inteira e procurei imaginar Paulo dentro daquela cela escura e sombria, tão próximo do Coliseu, onde vários cristãos haviam sido devorados por leões. E lá estava ele, preso, escrevendo palavras do tipo: “Porque Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação”.

Cris sentiu vontade de chorar.- E, no final do último capítulo, continuou Ted,

Paulo chegou a afirmar: “Mas o Senhor me assistiu e me revestiu de forças”. Em seguida ele narra que foi livrado da boca do leão.

- Toda essa questão de ser perseguido por causa da fé me impactou muito quando estávamos no Coliseu, disse Cris. Foi como se eu pudesse enxergar aquela arena cheia de gente em redor, assistindo aos leões atacarem os cristãos.

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- Eu tive a mesma sensação, disse Ted, olhando profundamente nos olhos dela.

- E orei pedindo ao Senhor que eu ficasse firme em meu compromisso com ele, caso algum dia tivesse de passar por aquilo, replicou Cris.

Ted abriu um sorriso singelo.- Sabe qual é o meu desejo? principiou ele.

Quero ser tão seguro e confiante como Paulo, de forma que esteja disposto a morrer por Cristo, independentemente das circunstâncias. Porque a verdade é que, um dia, todos morreremos. E quando estivermos na eternidade, o que realmente importará é se permanecemos fieis ao Senhor durante o curto tempo que vivemos aqui na Terra.

- Tem razão, sussurrou Cris, sentindo uma lágrima escorrer-lhe pelo rosto.

Ted enxugou a lágrima de Cris com o dedo e, em seguida, pressionou-o contra o peito.

- Sabe de uma coisa, Kilikina? É aqui que guardo todas as suas lágrimas. Bem aqui, onde eu levo você; em meu coração.

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O ônibus parou no ponto em que tinham de descer. Cris se recompôs, piscando rapidamente para dissipar as lágrimas, enquanto seguia Ted até a rua. Tinha a sensação de que estivera conversando com Ted numa outra dimensão, num outro mundo, que ficava bem além das estrelas. No entanto lá estavam eles, pisando em chão firme. O céu parecia estender-se sobre eles como uma cúpula fechada, deixando de fora todos os segredos daquela outra dimensão.

De mãos dadas, Ted e Cris circularam pelo Museu Folclórico da Noruega. Não falaram muito. O museu compreendia mais de uma centena de antigos prédios noruegueses, que haviam sido reconstruídos e, juntos, formavam uma vila, sob um bosque de altas árvores. Uma trilha ligava as casas entre si. Algumas delas tinham telhados cobertos de grama, e pinturas já desgastadas em torno da lareira e das portas. Uma delas era particularmente pequenina. Ao vê-la, Ted brincou dizendo que os viquingues eram uma raça de estatura tão baixa, que tinham de usar capacetes enormes, com chifres bem

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pontiagudos, a fim de parecerem um pouco mais agressivos.

Cris gostou muito da igreja, construída havia quase oitocentos anos. Era simples e fora restaurada.

- Diferença mínima pra Basílica de São Pedro em Roma, não acha? comentou ela com Ted.

Um fato que a intrigava era o modo como o homem, ao longo dos tempos, edificava locais especiais para prestar culto ao Senhor e se relacionar com ele. Tratava-se de um desejo inato, que era passado de geração a geração. Contudo havia algo ainda mais impressionante para Cris: como uma construção tão frágil como aquela podia resistir por mais de oitocentos anos.

Ted não pareceu muito comovido com a antiga igreja. No entanto ficou bastante empolgado quando chegaram ao Museu Kon-Tiki. Lado a lado, ele e Cris observavam a pequenina jangada, feita de toras de madeira firmemente amarradas com cordas.

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- Dá pra acreditar que seis homens viajaram juntos pelo Pacífico, durante cento e um dias, nesta jangada? disse Ted, analisando a embarcação de todos os ângulos. É incrível, você não acha?

- É sim, concordou Cris.- Devem ter enlouquecido uns aos outros. Mal

dá pra seis pessoas se assentarem aqui, imagine dormir! E ainda mais com os mantimentos! Deve ter sido uma aventura e tanto!

Cris não queria admitir para Ted, mas sabia que ficaria louca se tivesse de viajar com ele e Katie pelo mar, numa jangada como aquela. Se já estava sendo um desafio passar três semanas grudada nos dois, imagina cento e um dias! Aliás, poder passar alguns instantes a sós com Ted estava sendo um verdadeiro refrigério para ela.

Foram ver também a Ra II, que foi a segunda embarcação construída por Thor Heyerdahl. Esta havia sido feita com pau de papiro no Egito com o objetivo de testar a hipótese de que aquele tipo de embarcação poderia ter chegado à

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América antes de Colombo. Por alguma razão, contudo, a Ra II não impressionou Ted tanto quanto a Kon-Tiki.

- Estou pensando em comprar uma nova prancha de surfe, disse ele.

- O que aconteceu com a Naranja? perguntou Cris.

Naranja, a prancha alaranjada de Ted, já estava com ele havia bastante tempo, desde antes de ele conhecer Cris. Simplesmente não dava para imaginar que ele se desfaria dela.

- Vou continuar com ela. Mas estou estudando a possibilidade de comprar uma prancha muito boa, que um amigo meu lá de San Clemente fez. Se eu comprá-la, vou chamá-la de Kon-Tiki.

Os dois caminharam de volta ao ponto de ônibus. Cris sorriu. A tarde parecia ficar cada vez mais encantadora, sob o céu claro e sem nuvens. Cris sabia que naquela época do ano, na terra do sol da meia-noite, era normal que a claridade durasse mais de dezoito horas. Entretanto, para ela, a luz era diferente, mesmo sendo duas horas da tarde. É que os raios solares chegavam até

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eles de um ângulo que Cris nunca havia visto. A impressão que tinha era de que a Noruega era um lugar fresco, limpo e completamente diferente de qualquer outro local que já havia conhecido.

Foi isso que Cris procurou explicar a Ted, ao pegarem o ônibus de volta para a pousada. E quanto mais tentava descrever suas impressões, mais Ted balançava a cabeça, concordando com ela; e maior se tornava o sorriso no rosto dele.

- Já parou pra pensar no quanto estamos perto do Círculo Polar Ártico? perguntou ele.

- Ah, é? A que distância estamos?- Poderíamos pegar um trem amanhã às

8:00h e cruzar a linha do Círculo Polar Ártico às 4:00h da tarde do mesmo dia.

- Mas será que não estará tudo congelado por lá?

Era a primeira vez, desde o acampamento, que Cris dava falta de seu casaco. E visitar o Círculo Polar Ártico não seria nada interessante,

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a não ser que tivesse pelo menos um agasalho para levar consigo.

- O Círculo Polar Ártico não é o Pólo Norte, disse Ted. Na verdade ele nada mais é do que uma linha imaginária que marca o fim do Oceano Atlântico e o início do Mar Glacial Ártico. Várias cidades norueguesas se acham acima dessa linha.

- Isso ‘tá parecendo com os confins da Terra.- É.De repente os olhos de Ted brilharam.- E então, Kilikina? Você gostaria de ir até os

confins da Terra comigo?

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15

Por mais emocionante e tentador que o convite de Ted fosse para Cris, eles não poderiam ir até os confins da Terra. Havia um problema: Katie.

- Não sei explicar o porquê, disse Katie.Estavam jantando num restaurante no centro

de Oslo. Eram 8:00h da noite, mas ainda estava claro e quente, como se fossem três da tarde.

- Simplesmente não estou a fim de ir até os confins da terra com vocês, continuou ela.

- Bem, se você não for, então nós dois não poderemos ir, disse Cris, lembrando-se da ordem de seus pais de não viajar sozinha com Ted.

Katie olhou para Ted e depois para Cris.- Sinto muito, mas pra mim não tem a menor

graça ficar esse tempo todo dentro de um trem, só pra ver um marco no chão e um monte de renas.

Havia mais de uma hora que estavam discutindo suas opções e, ao que se via, Katie

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não dava mostras de que iria ceder. Cris sabia o que devia fazer, mas detestava ter de dizer aquilo.

- Por que, então, você não vai sozinho, Ted? Você quis tanto ir a Pompéia e acabamos não indo lá. Você deveria visitar o Círculo Polar Ártico então. Eu e a Katie podemos fazer um passeio de barco pelos fiordes amanhã. E se você resolver voltar de avião, como havíamos pensado antes, então, de repente, você pode ir para Copenhague, em vez de voltar pra cá. Eu e a Katie podemos pegar o trem e encontrá-lo lá.

Ted examinou a expressão no rosto de Cris.- Tem certeza? perguntou.Na verdade, Cris até que gostava da idéia de

viajar para os confins da Terra com Ted. No entanto ainda estava chateada por não ter um casaco para levar. Além disso, a viagem parecia um pouco sem graça mesmo. Como o tempo era curto, ela preferia muito mais visitar Copenhague a ver uma plaquinha no chão e um bando de renas.

- Tenho certeza, sim, respondeu ela afinal.

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- Ah, agora sim estou me sentindo a própria chata, disse Katie.

- Não fique assim, disse Cris. Acho que desse jeito vai dar tudo certo. Dormimos aqui amanhã e, no outro dia, pegamos o trem pra Copenhague, onde nos encontraremos com o Ted. Você disse que havia lugares no vôo de Narvik para Copenhague, não foi isso?

- Isso mesmo. Perfeito! disse Ted.Cris não sabia se toda aquela calma era

porque Ted estava chateado com o fato de ela não o acompanhar, ou se ele estava apenas agindo de forma tranquila e despreocupada, como sempre fazia.

Na manhã seguinte, Cris e Katie foram levar Ted até a estação. Segundo Katie, ele estava indo para o Ártico “fazer amizade com os ursos polares”. Ted parecia estar bem mais animado com a viagem que faria sozinho. Pouco antes de entrar no trem, confirmou mais uma vez os detalhes de onde e quando se encontrariam em Copenhague.

- Estaremos lá, disse Cris. Divirta-se!

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- E diga ao Papai Noel que nós mandamos um oi pra ele! disse Katie.

O maquinista gritou qualquer coisa em norueguês, que Cris deduziu ser um chamado para que os passageiros embarcassem. Ted então a puxou para junto de si, envolveu-a em seus braços e beijou-a firmemente. Em seguida, saltou para dentro do trem e acenou para ela, como se fosse um soldado indo para uma guerra.

- Que bom que estou aqui pra fazer companhia a vocês! disse Katie. Desde quando o Ted, que era todo certinho e comedido, começou a lhe dar beijos tão carregados de paixão?

Cris sorriu. Ainda sentia os lábios latejarem em consequência do beijo de Ted. Lembrou-se, então, de uma outra ocasião em que Ted lhe beijara assim. Estavam em Maui, e Ted estava prestes a saltar de uma ponte altíssima. Ela havia ficado apreensiva, com medo de que ele não subisse à superfície. Mas Ted sobrevivera e, agora, Cris tinha certeza de que ele voltaria daquele novo “salto” também.

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- Que tal se encontrássemos uma pequena Konditorei e comêssemos algo? perguntou Cris, mudando de assunto, ao saírem da estação.

- Você vai encostar comida nos lábios? Eles ainda estão fumegando, Cris! brincou Katie. Se eu fosse você, não os usaria por uma semana!

- Ora, ora, Katie. Nem foi um beijo tão ardente assim.

- Foi sim. Você deveria ter visto do ângulo que eu vi. Em todos estes anos que conheço vocês, acho que esta foi a mais intensa demonstração de paixão do Ted por você. Ou você vai me dizer que ele sempre a beija assim e eu é que nunca vejo?

- Não, ele não me beija sempre assim. Na verdade, ele não me beija muito.

- Deve ser complicado.- Até que não. Acho que o certo é isso

mesmo. Complicado seria se tivéssemos mais “liberdades” um com o outro.

As duas entraram numa cafeteria e Cris foi logo tentando mudar de assunto.

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- Você quer se assentar pra comer aqui ou prefere levar pra comer no caminho e ir de uma vez para o porto? Acho que o próximo barco turístico para os fiordes sai daqui a uma hora.

- Vamos pedir pra embrulhar, disse Katie. Não quero perder o barco.

As quitandas pareciam deliciosas. Cris e Katie compraram várias delas e resolveram pegar um táxi até o porto. Katie achou engraçado que o táxi que pegaram fosse uma Mercedes.

- Diferença mínima entre os táxis daqui e os de Roma, hein?

Depois de mais ou menos duas horas a bordo do barco, Katie voltou a falar sobre Ted.

- Como é que vocês conseguem manter os beijos no patamar do mínimo?

- Ahn?- O que quero saber é como foi que você e o

Ted conseguiram se preservar assim tão puros e comportados durante todos esses anos. Deve ser muito difícil. Não foi nada fácil pra mim e o Michael. Quer dizer, a gente quer criar intimidade

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com a pessoa, mas, quanto mais intimidade se tem, mais se quer ter, entende?

Cris acenou com a cabeça. Sabia exatamente o que Katie estava dizendo.

- Então, qual é o limite de vocês? Até onde vocês se permitem ir?

Cris pensou por alguns momentos e depois respondeu:

- Beijos leves, acho.- E vai me dizer, então, que o que presenciei

na estação foi um “beijo leve”? Acho que de leve ele não tinha nada, querida!

- Normalmente ele não me beija daquele jeito, disse Cris rapidamente, embora se lembrasse de que o beijo de Ted na estação de Basel praticamente a deixara sem ar. E também o beijo que lhe dera no barco, quando iam para Capri, não havia sido leve.

- Vocês já conversaram sobre isso? perguntou Katie.

- Não, exatamente. Isso nunca foi um problema pra nós.

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- Com certeza uma coisa que deve ter contribuído foi o fato de vocês terem ficado separados pelo menos metade do tempo do namoro de vocês. Era sempre assim: ou o Ted estava viajando, ou então, você.

Katie recostou-se em seu assento. Estavam no convés do barco. Em seguida fechou os olhos e se virou, a fim de aproveitar ao máximo o calor do sol.

- Quando anoitecer, vou estar cheia de sardas. Mas este sol não ‘tá bom demais?

- ‘Tá sim.Cris olhou para a passagem por onde o barco

estava prestes a entrar. Elevadas rochas pontiagudas emergiam da água, por cima de suas cabeças, como se fossem um enorme bicho-papão de pedra, com o rosto cheio de calos.

- Veja, Katie? Estamos entrando em mais um fiorde.

Katie abriu um olho apenas e deu uma olhada rápida. Não parecia tão impressionada com a magnífica vista.

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- É muito bonito. Igualzinho aos últimos vinte e quatro fiordes em que entramos. No fundo, é tudo a mesma cor.

Para Cris, aquilo tudo era muito engraçado. Elas estavam finalmente na Noruega, o país que Katie tanto falara em visitar, numa excursão para conhecer os fiordes, que era o que ela mais queria ver e, no entanto, a jovem estava prestes a tirar um cochilo.

Para ela, no entanto, aqueles momentos de silêncio, sozinha com seus pensamentos, foram preciosíssimos. Os suaves movimentos que o barco fazia, ao deslizar pela água cristalina, a faziam se sentir reconfortada. Aquecendo-se sob o calor do sol, Cris aproveitou o sossego e a calmaria para refletir sobre o que Katie lhe dissera pouco antes.

Será que deveria estabelecer certos princípios e regras para si? Nunca tivera de pensar sobre aquilo, já que ao longo dos anos Ted sempre fora um tanto devagar em expressar seus sentimentos por ela. E mesmo quando os expressava, era sempre muito comedido.

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Quando ela namorou Rick, não teve de pensar sobre o assunto, uma vez que terminaram o namoro antes mesmo que a questão física se tornasse um problema. Com Douglas, aquilo nunca fora uma dificuldade, já que o rapaz havia feito um voto de que seu primeiro beijo seria no dia do casamento. E ele havia conseguido. Quando se casou com Trícia, um sentimento de comemoração todo especial encheu a igreja, por causa da forte pureza dos dois.

Fico feliz que o Ted tenha me beijado algumas vezes ao longo desses anos. Cada beijo teve um significado diferente. Assim como ele guarda as minhas lágrimas no coração, eu guardo os beijos dele. E estou guardando milhares de beijos meus, que darei a ele, se nos casarmos.

Cris pensou por alguns instantes na possibilidade de não se casar com Ted. Não sentia nenhum remorso pelos beijos que lhe dera, tampouco pelas lágrimas que derramara por causa dele. Entretanto sabia que não devia lhe dar muito mais do que já estava dando.

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Afinal, poderia ser difícil “segurar-se” depois. Ademais, todos os sentimentos que ela sonhava expressar algum dia a alguém se achavam envolvidos em inocência, e era assim que ela desejava que permanecessem, até o dia do seu casamento.

Cris puxou o diário da bolsa e colocou os pensamentos no papel, tão logo lhe ocorriam. Parte do que escreveu foi:

Tenho tantos sentimentos guardados em minha alma, que estou certa de que vou precisar de uma vida inteira para expressar fisicamente todo o amor que tenho pelo meu marido. E quero guardar tudo isso até o dia em que nos casarmos. Acho que esse é um dos aspectos que faz do casamento uma união santa. Acho que Deus honra a nossa pureza de uma maneira especial. Quando ele enviou seu Filho ao mundo, o fez por meio de uma mulher pura. Quero que meu casamento seja puro e santo diante do Senhor. Engraçado, mas, pela primeira vez na vida, começo a perceber que talvez tenha de

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planejar as coisas, em vez de ficar achando que tudo vai sair automaticamente do jeito certo. A essas alturas, imagino que vou me casar com o Ted. Mas ainda não tenho certeza disso. É como se eu tivesse de me resguardar dele, a fim de me preservar pura para ele.

Já eram 9:30h da noite quando o último pensamento em relação à questão lhe ocorreu. Ela e Katie estavam andando pelas ruas de Oslo, passando em frente a várias lojas. O dia ainda estava claro, e o céu se achava apenas levemente manchado de alaranjado, indicando que mal havia começado a anoitecer. Dezenas de pessoas estavam nas ruas, caminhando ou conversando, assentadas nas mesas externas das cafeterias, como se fosse pleno meio-dia.

- Não acredito que esperamos até agora pra comer, disse Katie. Engraçado é que não parece que ‘tá tarde. Mesmo assim, estou faminta!

- Quer parar ali e comer um pretzel * ou qualquer coisa que aquele cara estiver

* Rosquinha salgada ou doce em forma de laço. (N. da T.)

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vendendo? perguntou Cris a Katie, ao ver um vendedor ambulante do outro lado da rua.

- Não. Não estou a fim de gastar toda a minha fome num simples lanchinho. Já que estou esperando há tanto tempo, prefiro esperar um pouco mais e comer uma refeição de verdade, completa. Falta muito pra chegarmos ao restaurante de que você e o Ted gostaram tanto?

- Só mais um quarteirão, respondeu Cris.Cris sentia a cabeça rodar com as palavras de

Katie. Queria poder se lembrar delas depois, para anotá-las no diário. Aquilo fazia muito sentido. Tanto ela quanto Ted desejavam expressar fisicamente o que sentiam um pelo o outro. Era algo natural e maravilhoso, uma dádiva de Deus, querer expressar-se assim à pessoa amada.

O que foi mesmo que a Katie acabou de dizer? Que ela não queria gastar a fome dela num lanchinho? Que queria esperar até poder comer uma refeição completa, de verdade? É exatamente isso que quero. Não estou a fim de jogar fora o meu desejo por intimidade física em “lanches” que nunca irão me satisfazer por

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completo. Quero esperar até o dia em que poderei expressar-me de verdade, plenamente. E só terei isso depois do casamento.

Enquanto se serviam no self-service, Cris continuou formulando seu plano de pureza. Seus pais nunca haviam conversado com ela sobre o assunto, nem lhe dado um anel de pureza; como sua amiga Selena havia ganhado dos pais. Se Cris quisesse fazer um plano, teria de fazê-lo por conta própria. Mas ela gostava de planejar. Sempre se sentia mais segura quando tinha um plano traçado.

Vou guardar todos os meus beijos mais ardentes para o Ted e conservá-los num local bem seguro, dentro do meu coração. E quando estivermos juntos e eu sentir vontade de beijá-lo, vou me lembrar de guardar mais aquele beijo. Vai ser como ajuntar moedinhas num cofrinho. Um dia, vou entregar o meu cofrinho ao meu marido, seja ele quem for. E tenho certeza de que, quando o fizer, o cofrinho estará bem cheio.

Cris sorriu ao concluir o plano.

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O farto jantar e as poucas, mas bem dormidas, horas de sono daquela noite prepararam Cris e Katie para a viagem de dez horas e trinta minutos até Copenhague. Saíram às 7:30h, no trem matinal, e chegaram ao destino às 5:30h da tarde. A paisagem do lado de fora era belíssima e revigorante. As florestas, de árvores bem verdes, pareciam não ter fim. E nas lagoas flutuavam enormes nenúfares*. O trem era moderno, e as duas viajaram confortavelmente, conversando sobre Ted e se indagando se ele estaria se divertindo nos confins da Terra.

Fazia umas quatro horas que estavam viajando quando Katie surpreendeu Cris, pedindo-lhe o guia turístico emprestado.

- Sei não, Katie... disse Cris.- Como assim?- Estou achando que você vai jogá-lo pela

janela ou qualquer coisa parecida.- Não, Cris! Só quero dar uma olhada.

* Folha grande que flutua sobre a água, semelhante à vitória-régia. (N. da T.)

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Durante as horas que se seguiram, Katie leu para Cris todas informações sobre a Dinamarca, fazendo com que a amiga mesmo repetisse algumas frases em dinamarquês. Estava ficando bem mais fanática pelo livro do que o próprio Ted.

- Muito bem, esta aqui é “Onde é o banheiro?”: “Hvor er toilettet?” Vamos lá, Cris, tente repetir essa.

- Hvor er toilettet, repetiu Cris. Mas você sabe que a gente pode estar dizendo tudo errado, né? continuou. Afinal de contas, não fazemos a menor idéia de como é a pronúncia certa.

- Pelo menos a gente ‘tá fazendo um esforço. Agora diga “Tager de kredit- kort?”

- O que significa isso?- Vocês aceitam cartão de crédito?- Katie, nós nem temos cartão de crédito!

disse Cris, soltando uma gargalhada.- Tudo bem, tudo bem... Se você vai dar uma

de exigente agora, então tente repetir esta aqui: “Er der nogen her der taler engelsk?”

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Ao ouvi-la; Cris teve quase certeza absoluta de que Katie havia acabado com a língua dinamarquesa pronunciando a frase daquele jeito.

- E o que quer dizer isso?- Significa: “Alguém aqui fala inglês?”Cris disparou a rir.- Que foi? Essa frase é muito útil!- É, Katie, mas, se a pessoa fala inglês, então

basta perguntar em inglês mesmo que ela entenderá, né?

- É mesmo, disse Katie, tapando o rosto com o livro. Esqueça o que eu disse, replicou ela baixinho.

- Vamos aproveitar e resolver o que faremos depois que deixarmos as malas no albergue. Ainda bem que o Ted nos fez ligar antes pra fazer a reserva. É a primeira vez que vamos chegar a uma cidade sabendo onde vamos dormir.

- Na minha opinião, a estátua da Pequena Sereia é parada obrigatória, disse Katie. E esse

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parque “Jardins Tivoli” parece ser legal. Diz aqui que tem brinquedos, shows com entrada franca, festival de fantoches, queima de fogos de artifício e até mesmo apresentações de balé! Ah, e eu quero muito visitar o palácio, ou museu, seja lá o que for, que tem as jóias da coroa dinamarquesa. Adoro esse tipo de coisa. Você se lembra de quando fomos ver as jóias da coroa inglesa na Torre de Londres?

Cris se lembrava sim. Era uma torre velha e fria por dentro, e eles tiveram de subir inúmeras escadas. Mas não tinha muita lembrança das jóias da coroa. Mesmo assim, disse:

- É. Seria legal ver as jóias da coroa. Aonde vamos primeiro?

- Ou a Pequena Sereia ou ao parque “Jardins Tivoli”.

- Vamos ver a estátua, então, sugeriu Cris. Acho que o Ted vai querer ir ao parque quando chegar aqui e, além do mais, não acho que a sereia esteja entre as atrações que ele mais quer ver.

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Cris se sentia bastante segura de si, quando ela e Katie deixaram o albergue para ver a estátua. Pouco antes, havia ficado um pouco preocupada, pensando que, por estarem sozinhas, algum pedinte bêbado mexeria com elas na rua, como lhe acontecera em Nápoles, e com Katie no trem, poucos dias antes.

No entanto estava sendo ótimo viajarem só as duas. Tudo corria às mil maravilhas. Estavam se dando superbem e ninguém havia mexido com elas até o momento. Havia sido fácil localizar o albergue, e ainda não tinham ficado perdidas pela cidade.

As ruas de Copenhague eram limpas e de um pavimento bem escuro. Katie ia à frente, andando e lendo o guia turístico ao mesmo tempo.

- Diz aqui que a estátua da Pequena Sereia, ou Lille Havfrue, como eles a chamam, fica no Porto de Langelinie.

- Katie, disse Cris, colocando o dedo indicador sobre os lábios. Você não precisa anunciar para o mundo inteiro aonde é que estamos indo.

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- Eles não estão nem aí pra gente, disse Katie, olhando em redor. ‘Tá na cara que somos turistas. Olhe! Aquele é o ônibus que temos de pegar! Vamos!

As duas se puseram a correr, a fim de alcançar o coletivo. Ao entrarem, Katie perguntou ao motorista:

- Este ônibus vai para o porto, não vai?- Sim, porto.- Ótimo.Cris e Katie se assentaram mais na frente e

desceram quando o motorista se virou e disse-lhes, apontando para a enorme fábrica de cervejas Tuborg:

- Porto.- Obrigada, disseram elas ao descerem em

direção à água.Era um porto imenso. Várias gaivotas faziam

vôos rasantes, na tentativa de pegar algum “lanchinho” nos barcos de pesca. Katie e Cris andaram por toda parte, à procura da estátua. Mas não viram nada.

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- Deveria ter alguma placa indicando o lugar, disse Katie. Isto aqui é ridículo!

Já iam voltando para onde haviam descido quando uma balsa enorme atracou ao porto. Cris e Katie resolveram fazer uma parada para descansar e foi aí que notaram uma longa fila de carros que saía do compartimento inferior da gigantesca embarcação. Centenas de pessoas achavam-se no convés. Um grupo de crianças, vestidas com camisetas amarelas, se enfileiraram ao longo do parapeito do convés e começaram a mexer com Cris e Katie.

- Dê um tchauzinho pra elas, disse Katie. Elas só estão sendo engraçadinhas e educadas.

Cris não estava com muita vontade de dar uma de engraçadinha e educada, mas acenou assim mesmo. Vendo-as, as crianças ficaram ainda mais empolgadas e se puseram a gesticular e gritar com mais entusiasmo ainda. Parecia que estavam fazendo uma brincadeira, tentando chamar a atenção das pessoas; e Katie e Cris haviam sido as primeiras a entrar na dança.

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Foi então que um conhecido sentimento de angústia cortou o coração de Cris. Era a mesma dor que ela sentia toda vez que trabalhava com as crianças do orfanato. Há tantas crianças neste mundo desesperadas por um pouquinho de amor e atenção! Cris se perguntava como as criancinhas em Basel estariam passando.

- Vem vindo um ônibus ali, disse Katie. Vamos pegá-lo e voltar. Já perdi toda a vontade de ver essa sereia desaparecida.

Para a surpresa das duas, o motorista era o mesmo que as havia deixado ali, uma hora antes.

- Não conseguimos ver nenhuma sereia, disse Katie ao motorista, tomando o assento imediatamente atrás dele. Imaginei que ela estivesse dando um mergulho quando chegamos e, por isso, não a vimos.

O motorista girou o volante do ônibus e sorriu para Katie pelo retrovisor. Cris se perguntava se o pobre coitado fazia alguma idéia do que Katie estava resmungando. Em seguida, ele olhou para

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Cris, que se sentiu na obrigação de tentar “traduzir” o que Katie havia falado.

- Estávamos procurando a estátua da Pequena Sereia, disse ela bem devagar.

Ao ver que ele nada respondera, Katie pegou o guia turístico e pôs-se a falar com ele, usando um tom de voz que, para Cris, era para lá de alto.

- Lille Havfrue. Estamos procurando a Lille Havfrue.

Cris tinha certeza de que Katie não havia pronunciado corretamente as palavras. De alguma forma, no entanto, o motorista ainda assim conseguiu entendê-la.

- Ah! Lille Havfrue, disse ele, soltando uma gargalhada alegre em seguida. A Lille Havfrue não fica no porto.

- Foi o que percebemos, disse Katie. Onde fica, então?

- Vou levá-las até lá, disse ele, ainda rindo. Mas ela não é tão grande como a Estátua da

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Liberdade, acrescentou ele, com um gostoso sotaque.

Cris olhou de relance para Katie.- Como é que eu poderia saber? O guia diz

que ela fica no porto.O motorista parou na frente de um parque e

abriu a porta do ônibus.- É aqui que vocês irão encontrá-la.- Obrigada, disse Cris, sorrindo para ele ao

descerem.Estava com a sensação de que, assim que

descessem do ônibus, todos os outros passageiros dinamarqueses disparariam a rir das duas americanas malucas.

- Bem, disse Katie, destemidamente. Acho que deixamos o dia desse motorista um pouco mais divertido.

- É, ele me pareceu ter se divertido até, disse Cris. Este lugar aqui é completamente diferente do porto onde estávamos.

- E veja! Tem uma placa indicando o caminho pra estátua logo ali!

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As duas foram andando pelo caminho que atravessava o jardim.

- Vale a pena dar uma consultada no guia turístico e aprender o dialeto local, não é mesmo? perguntou Katie.

Cris não poderia perder a chance de “cutucar” a amiga.

- Que história é essa de consultar o guia turístico que eu estou ouvindo? Será que isso quer dizer que não estamos mais “numa aventura”?

- ‘Tá bom, ‘tá bom. Pode me gozar. Mas agora eu sou uma nova excursionista, lembra-se? Não seja tão dura comigo. É que antes eu não entendia o poder da letra.

- Parece que você ‘tá falando da Bíblia agora.- É, e por falar nisso, aqui vai uma boa

analogia pra você, disse Katie. Vamos ter de contar essa para o Ted! A Bíblia é como um guia turístico pra viagem da vida.

- E as aventuras? Onde é que elas entram nisso aí?

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- Bem, se você ainda não percebeu, Cris, a tendência é que as aventuras nos sobrevenham, sem que tenhamos de procurá-las, disse Katie.

Cris sorriu para a amiga.- Nós duas sempre fomos uma dupla de

tesouros peculiares, né mesmo?Katie jogou a cabeça para trás e soltou aquela

gargalhada.- Faz tempos que não a ouço usar essa

expressão! Tem razão, Cris! Somos uma dupla de tesouros peculiares. E essa estátua da Pequena Sereia também é, se é que ela existe, né?

Foi uma boa caminhada até avistarem a água, que mais parecia um pequeno lago, de tão raso. Foi então que, de repente, avistaram-na. Lá estava ela, a Pequena Sereia. Era de bronze, com cerca de sessenta centímetros de altura. Estava com uma coloração esverdeada, em consequência dos efeitos do tempo, e achava-se graciosamente assentada sobre uma pedra avermelhada, com o olhar voltado para a água. Estava de costas para Katie e Cris.

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- Veja só! Andamos tudo isso e ela nem é capaz de se virar pra nos ver! disse Katie.

- Ela é bem menor do que eu imaginava, comentou Cris.

- Agora estou entendendo por que o motorista do ônibus achou tanta graça da gente, disse Katie. Dá pra imaginar uma estatuazinha dessas lá naquele porto? Os navios cargueiros e as balsas acabariam passando por cima dela!

- Então esta é a famosa estátua da Pequena Sereia, disse Cris, taxativamente.

- A própria!Ficaram as duas paradas ali, fitando a estátua

por alguns momentos. Então, virando-se uma para a outra, dispararam a rir. Era um riso solto, que só podia vir mesmo de dois tesouros peculiares, em meio a uma incrível aventura.

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16

À noite, Cris registrou sua aventura no diário. Colocou o seguinte título: “Em busca da Pequena Sereia”. No último parágrafo, escreveu:

Espero que nunca mais me esqueça da lição que aprendi hoje. Na vida, algumas das coisas que resolvo desbravar não são tão interessantes como eu achava que seriam. E tomara que eu sempre conte com duas coisas, sempre que minhas expectativas se frustrarem. Primeiro, uma amiga especial com quem possa rir a valer da minha decepção e, segundo, dinheiro suficiente para pegar o ônibus que me levará à etapa seguinte da aventura.

Cris fechou o diário, apagou a lanterna que Katie lhe emprestara e foi dormir com um sorriso nos lábios.

Na manhã seguinte, quando foram tomar banho, descobriram que só havia água fria no

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chuveiro. Tinham dormido até 7:30h, o que era considerado dormir “até mais tarde” entre os viajantes. Se tudo corresse de acordo com o planejado, Ted chegaria ao albergue às nove da manhã.

Cris e Katie acharam uma padaria no fim da rua e foram tomar café. O lugar estava cheio de viajantes estrangeiros que haviam se hospedado no albergue e já estavam de saída. Era um tromba-tromba de malas terrível, à medida que as pessoas chegavam ao balcão para fazer seus pedidos.

- Você quer ir a um outro lugar? perguntou Cris.

- Não. Diga-me o que você quer e eu fico na fila pra nós. Enquanto isso, veja se há alguma mesa liberada lá fora.

Cris procurou não deixar muito na cara que estava observando as pessoas como se fosse um falcão, à espera de qualquer movimento que indicasse que alguém estava para liberar uma mesa. Foi então que avistou dois rapazes se levantando. Trajavam shorts e botas de escalar.

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Cris correu para perto da mesa deles, a fim de pegá-la assim que saíssem. Tão logo eles se foram, ela puxou uma das três cadeiras que havia ali e se assentou.

Quase imediatamente depois, um rapaz alto e elegante se assentou na cadeira ao lado. Estava usando um casaco de couro e óculos de sol alaranjados.

- Godmorgen, disse ele.Cris sabia que ele estava dizendo “bom-dia”

em dinamarquês, pois Katie havia treinado várias frases com ela no trem. Era uma pena que a listinha do guia turístico não ensinasse a dizer “Suma daqui!”

Cris apenas acenou com a cabeça e se virou, a fim de ver em que ponto da fila Katie estava. O rapaz disse mais alguma coisa e Cris soltou sua frase de emergência.

- Ich verstehe nicht.Infelizmente, o rapaz lhe respondeu em

alemão, mas Cris não conseguiu entendê-lo. Ela não queria conversar em inglês pois assim ele

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saberia que ela era americana. E mesmo que conversasse em sua língua, ela não conseguiria simular um sotaque britânico, a fim de encobrir a verdadeira nacionalidade.

Antes mesmo que Cris pudesse resolver o que fazer, Katie despontou de repente pela porta da padaria, com as mãos cheias. Estava quase deixando cair uma das tortas que havia equilibrado sobre a xícara de chá quente da Cris.

- Cris! Venha cá pegar isto! Rápido! exclamou ela, a alguns metros da mesa.

Em seguida, olhou para o rapaz de óculos alaranjados e acrescentou, cordialmente:

- Oi! Você se importa de nos assentarmos com você? ‘Tá bem cheio aqui, não? A comida deve ser boa!

Ótimo, Katie! Eu estava justamente tentando fazê-lo dar o fora daqui!

O moço puxou gentilmente uma cadeira para Katie e, em seguida, perguntou:

- De onde vocês são?O inglês dele era perfeito.

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- Da Califórnia, respondeu Katie.Ele parecia decepcionado com a resposta

dela.- Eu também. Moro em Fresno.- Mesmo? Legal! Nós somos de Escondido,

continuou Katie.Cris estava impressionada. O rapaz havia

conseguido convencê-la de que era um dinamarquês nato! Abaixando a fronte, Cris fechou os olhos e fez uma rápida oração. Em seguida, partiu um pedaço da beirada de sua torta, que estava coberta de açúcar.

- Seu alemão é muito bom, disse ele a Cris. Nunca teria imaginado que você era americana.

- Obrigada, disse Cris, levantando o olhar.Era bom saber que estava se “encaixando” na

cultura européia, em vez de ficar sempre se destacando como “a estrangeira”. Algumas semanas depois de começar a estudar em Basel, Cris havia decidido que não queria que todos soubessem que ela era americana. Havia descoberto que era bem mais fácil levar uma

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vida normal - participando e escapulindo da rotina diária - não sendo sempre conhecida como “a estrangeira”.

- Há quanto tempo você ‘tá aqui? perguntou Katie ao rapaz. A propósito, meu nome é Katie. Esta aqui é a Cris.

Cris não se sentiu muito à vontade ao ver que agora aquele estranho sabia o seu nome, mesmo ele sendo americano também.

- Sou Jack. Estou na Europa desde maio. É o meu segundo dia aqui em Copenhague.

- Nosso também, disse Katie. A Cris já ‘tá morando aqui na Europa desde setembro do ano passado. ‘Tá estudando na Suíça.

- Mesmo? Onde exatamente?Cris não estava gostando nada de ver Katie

abrindo todos os detalhes de sua vida para o Jack. Contou apenas uma coisa e outra a respeito da universidade e voltou toda a atenção para o café.

- Que lugares aqui em Copenhague você já visitou? perguntou Katie.

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- Visitou? perguntou Jack.- É. Já esteve no parque “Jardins Tivoli”?- Não, na verdade estou só passando o tempo

aqui e ali.- Ontem nós fomos ver a estátua da Pequena

Sereia. Foi uma aventura e tanto! Não exatamente o tipo que eu recomendaria a alguém, mas foi uma aventura! disse Katie.

Jack olhou para elas como se não acreditasse que as duas estavam perdendo tempo correndo atrás de pontos turísticos. Cris deduziu, então, que ele tinha outros interesses ao visitar uma cidade.

- Sabem, tem uma boate ótima em Nysted. A banda que tocou ontem à noite era muito boa, disse o rapaz.

Em seguida, olhou para Cris.- Você gostaria de ir comigo lá hoje à noite?- Não, obrigada, respondeu ela, procurando

não se mostrar muito assustada com o convite.- Você iria se eu arrumasse alguém pra

acompanhar sua amiga?

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Cris meneou a cabeça.- Você é de pouco papo, hein?Vendo que Cris não olhara para ele nem lhe

respondera, Jack prosseguiu:- Muito bem, então. Se você mudar de idéia,

nos vemos lá.Levantou-se em seguida e bateu de leve no

braço de Cris, como se quisesse arrancar alguma reação dela.

- Relaxe! disse ele, saindo logo depois.Cris e Katie ficaram observando o rapaz, que

agora se aproximava de um grupo de garotas, assentadas numa sombra, fumando. Quando Jack chegou, elas lhe ofereceram um cigarro.

- Mais uma vez, principiou Katie, eu, sua amiga de todas as horas, fico aqui de lado, vendo os rapazes babarem em você, como se eu misteriosamente me tornasse invisível.

- E até parece que você estava interessada nesse cara, né, Katie!

Cris tentou sorver um gole de seu chá, mas estava quente demais.

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- Eu teria aceitado o convite dele, respondeu Katie.

- Ah, ‘tá bom! disse Cris.- Eu acho que você chama a atenção desse

tipo de cara porque, quando eles se aproximam, você fica toda timidazinha. E eu sei que você não faz de propósito. Você simplesmente fica toda vermelha, se retrai e desvia o olhar. Tudo muito naturalmente. Acho que eles se sentem desafiados e aí ficam tentando conseguir uma brechinha com você. Eu já sou o contrário. Minha vida é um livro aberto. Mas, pelo visto, não estou na lista dos mais lidos.

- Katie, você é perfeita assim, do jeitinho que é. Um dia você conhecerá um rapaz que ficará encantado com o simples fato de você ser quem é. E ele também ficará feliz de saber que você não foi a boates com carinhas de casaco de couro e óculos laranja na cabeça.

Katie sorriu.- Acho bom você me lembrar sempre disso

então, porque quanto mais tenho de esperar pelo

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meu príncipe encantado, mais atraentes essas jaquetas de couro se tornam pra mim.

Cris balançou a cabeça.- Sabe, uma das coisas que sempre me

incomodava lá em Basel era ver americanos iguais a esse cara. Eles agem como se estivessem à procura de quem eles realmente são.

- E nós não fazemos o mesmo?- Acho que sim, mas é diferente. Com eles é

quase como se tivessem usando uma fantasia, sabe? Jaqueta de couro, óculos laranjados. Daí eles viajam toda essa distância só pra experimentarem a fantasia e ver se alguém acreditará que essa é a verdadeira identidade deles.

- Você ‘tá parecendo uma velha falando assim, Cris!

- Eu não! - Eu até que gostei dos óculos dele. Quase

pedi pra experimentar. Queria ver se eles iriam destoar muito do meu cabelo.

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Cris resolveu entrar na brincadeira; em vez de tentar levar um “papo sério” com a amiga, tão cedo de manhã. Então, como quem não quer nada, deu uma olhada para trás.

- Você sabe que, se quiser, ainda pode pedir os óculos pra ele, né? Ele ainda ‘tá ali.

- Talvez se eu ficar olhando fixo nessa direção, ele acabe percebendo que quero que volte pra cá, disse Katie.

- Por favor, não faça isso. Meu braço ainda ‘tá doendo daquele soco

- Você sente falta do Ted nessas horas? perguntou Katie.

- Sim. Mas estou muito feliz por nós duas termos passado estes dois dias juntas. Tem sido bastante divertido.

- Tem razão. Às vezes eu gostaria que o Ted ficasse fora um pouco mais. Estes dias foram ótimos. Como nos velhos tempos. Fazia um tempão que não agíamos assim uma com a outra, né? Estava sentindo falta disso. Estar

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perto de você traz de volta minha verdadeira personalidade.

- Você acha difícil agir assim quando o Ted ‘tá por perto?

-Não. Bem, na verdade, às vezes sim. Mas não é por nada que vocês tenham feito ou deixado de fazer. Acho que, levando-se em conta a nossa idade, a realidade é essa mesmo. Você e o Ted estão aprofundando cada vez mais o relacionamento, e isso significa que haverá menos espaço pra mim em sua vida.

Cris já ia dizer alguma coisa, quando Katie a interrompeu.

- E isso não é ruim. É bom. Não é o que você sempre quis? Eu mesma fiz uma oração e outra pra que o relacionamento de vocês chegasse a este ponto. E é bom ver que Deus responde algumas de minhas orações, mesmo sendo elas em favor de meus amigos, e não de mim.

- Tem razão. Eu nunca havia pensado sob essa perspectiva. Realmente o fato de eu e Ted estarmos juntos até hoje e um verdadeiro milagre, né mesmo?

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- Na minha opinião, os milagres estão apenas começando, disse Katie. E é bom ver vocês dois juntos, aprofundando o relacionamento, tornando-o mais sério. Acho que vou ficar mais empolgada do que você no dia em que ele finalmente pedir você em casamento.

Cris fitou os olhos verdes de Katie. Eram olhos travessos, brincalhões.

- Que foi?! exclamou Katie, aproximando-se e apertando a mão de Cris. Por que ‘tá me olhando assim? Vai me dizer que ele já lhe pediu em casamento e você ‘tá guardando segredo? Você não esconderia isso de mim, né, Cris?

- Não, é claro que não, Katie. Ele não me pediu em casamento. Nem nunca conversamos sobre isso. Na verdade, fiz aquela cara porque soou estranho ouvir isso de você. Quer dizer, às vezes penso que o Ted vai me pedir em noivado, mas isso fica só em meus pensamentos.

- Bom, então eu falarei por você. O Ted irá lhe pedir em casamento, Cris. É só uma questão de tempo.

Cris sentiu o coração bater com força.

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- Você parece tão assustada! disse Katie, rindo. Por que isso a assustaria? Quer dizer, o que deveria lhe deixar assim é ser convidada para ir a uma boate com um estranho. Por que ‘tá tão espantada com o fato de o Ted lhe pedir em casamento?

- Não sei bem. Só sei que estou.Katie olhou para trás de Cris e, com um

sorriso largo nos lábios, disse, praticamente sem mexer os dentes:

- Não olhe agora, mas ele voltou.Cris não olhou para trás. Tinha achado que

Jack estivesse feliz da vida, batendo papo com as meninas que encontrara na outra mesa.

- Não dê papo pra ele, disse Cris em voz baixa, olhando nos olhos de Katie.

Naturalmente o sorriso estampado no rosto de Katie não era para Cris, e sim para o rapaz que se achava atrás da amiga. Levantando o queixo, Katie disse ao rapaz:

- Vamos, beije-a! Ela ‘tá doidinha pra ganhar um beijo seu!

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- Katie!Mas, antes mesmo que pudesse continuar sua

bronca na amiga, Cris sentiu o vulto de alguém vir sobre ela. Sentiu a barba em seu rosto e um cheiro não muito agradável. De repente, os lábios dele, secos e rachados, apertaram os dela.

Cris se afastou, pegou a xícara de chá e jogou o líquido fumegante bem na cara do sem-vergonha.

Ted soltou um grito.Saltando da cadeira, Cris olhou para Ted e

depois para Katie.- Por que você não me disse que era o Ted?

gritou ela.Estavam todos olhando para eles. Alguém

ofereceu um guardanapo de papel para Ted se limpar. O rapaz tampava o rosto com ambas as mãos.

- Ted, me desculpe, disse Cris, ofegante. Você ‘tá bem? Deixe-me dar uma olhada em seu rosto.

Cris tocou carinhosamente o braço dele. Ted, então, tirou as mãos do rosto.

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- ‘Tá tudo bem, disse ele vagarosamente.Dava para ver algumas manchas grandes e

vermelhas na testa dele. Com o guardanapo, ele limpou os olhos e se assentou ao lado de Cris, ainda carregando a mochila nas costas.

- ‘Tá tudo bem, pessoal, disse Katie àqueles que os observavam. Ele ‘tá legal.

- Ainda ‘tá ardendo? perguntou Cris, assentando-se e procurando analisar o rosto de Ted mais de perto. Será que devemos ir ao médico?

- Acho que um pouco de água gelada deve ajudar a melhorar, disse Ted.

- O albergue fica logo ali, dobrando a esquina, disse Cris, tentando ajudar.

Ted afastou o braço de perto dela, e Cris se lembrou de uma ocasião em que ele sofrera uma grave queimadura, mais de um ano atrás. Se tentasse ajudá-lo a fazer qualquer coisa, ele se irritaria com ela. Cris procurava se lembrar de que, em situações assim, o melhor a se fazer era

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seguir as coordenadas dele, pegar o que ele pedisse e ficar na dela.

Durante a caminhada para o albergue, nenhum dos três falou nada. Ao chegarem, Ted pediu um quarto e se dirigiu para a ala masculina do dormitório. Cris apenas gritou:

- Qualquer coisa, estamos no quarto!Katie e Cris caminharam rapidamente na

direção oposta, como se fossem duas crianças malcriadas a quem os pais haviam colocado de castigo.

- A culpa foi minha, disse Katie com firmeza. Agora vejo claramente por que você pensou que eu estava falando do Jack. Não tinha como você saber que era o Ted quem havia chegado.

- Eu devia ter olhado antes de jogar o chá nele. Estou me sentindo péssima!

- Você estava apenas se defendendo. Não fique se culpando. Eu é que armei pra cima de você. Sinto muitíssimo, Cris, disse Katie.

- Não faz mal. Eu sei que você estava apenas fazendo uma brincadeira. Foi um acidente.

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Cris recostou-se na lateral de uma das camas de madeira.

- Estou me sentindo horrível.Durante a hora seguinte, Katie e Cris ficaram

lendo calmamente na cama, enquanto outras moças entravam e saíam do quarto. Uma das que entrou mergulhou na cama de baixo e caiu no sono. Parecia estar dormindo profundamente. Cris estava lendo algumas passagens em Salmos, que era para onde ela corria sempre que precisava de algum consolo.

As palavras do Salmo 61, inspiradas por Deus, foram de grande ajuda naquele momento.

“Ouve, ó Deus, a minha súplica; atende a minha oração. Desde os confins da terra clamo por ti, no abatimento do meu coração. Leva-me para a rocha que é alta demais para mim.”

Cris se lembrou dos enormes e pontiagudos rochedos que haviam visto alguns dias antes, durante o passeio de barco pelos fiordes.

Senhor, tú és a minha rocha. Eu confio em ti. Posso até não ter ido com o Ted aos confins da

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Terra, mas, em meu coração, sinto que estou lá agora, no fim do mundo.

A porta do dormitório se abriu e uma mulher, que trabalhava na recepção, disse:

- Tem alguma Cris aqui?- Oi? gritou Cris de sua cama.- Tem alguém querendo falar com você lá na

recepção.- Obrigada.Cris desceu da cama e perguntou a Katie se

ela gostaria de ir junto.- Acho melhor eu ir. Quero explicar pra ele

que a culpa foi minha, disse Katie, fechando o guia turístico.

Caminhando lado a lado, as duas se dirigiram à recepção. Ted achava-se assentado num comprido banco de madeira, que ficava à esquerda da entrada do albergue. Ao vê-las, abriu um largo sorriso.

- Sinto muito, Ted, principiou Katie. A culpa foi minha. A Cris pensou que era o Jack que tinha

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chegado e ela não queria que ele a beijasse. Pode acreditar.

Ted ergueu as sobrancelhas, surpreso. Cris notou uma grande mancha em sua testa. Estava vermelha e inchada. A aparência não era muito boa, mas também não parecia tão ruim como antes.

- Jack, hein? disse Ted.Rapidamente Katie lhe explicou quem era

Jack.Cris se assentou ao lado de Ted e olhou para

ele com uma expressão amiga no rosto.- Desculpe-me por ter reagido daquele jeito,

sem olhar antes quem era.Ted tirou a mecha de cabelo que caía sobre a

face de Cris.- Acho que não preciso mais me preocupar se

você irá ou não saber se defender. Você é uma pessoa de reações rápidas, Cris. Isso é bom.

- Só não é bom quando você acaba se machucando por causa disso.

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- Vai sarar. Então, o que mais vocês têm feito, além de recusar convites pra boates?

Cris podia ver que Ted estava bem. Não estava com raiva e seu rosto não ficara muito machucado. Pelo visto, Katie havia chegado à mesma conclusão, porque foi logo se assentando do outro lado de Ted e apresentando um roteiro completo de atividades para o dia, assim como uma lista enorme de outros pontos turísticos que deveriam visitar.

Surpreso Ted olhou para Cris, enquanto Katie continuava soltando todo o seu conhecimento sobre os mais interessantes pontos turísticos.

- Ela ‘tá lendo o guia, disse Cris a ele.Ted riu.Cris se sentiu bem ao ouvir a risada de Ted.

Era bom estar perto dele e saber que tudo estava bem entre os três.

- Mas antes de irmos a qualquer lugar, quero que você me conte de sua aventura, disse Cris.

- Isso, concordou Katie. E depois vamos lhe contar da nossa peripécia com a Lille Havfrue.

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Ted recostou-se no banco, esticou as pernas e cruzou os braços sob o pescoço.

- Eu vi um urso polar, disse então, todo orgulhoso.

- Não! ‘tá brincando! exclamou Katie.- Verdade. Sério mesmo. Não vi de perto, mas

era um urso polar. Vi várias renas e conheci um pessoal muito legal. Foi ótimo.

Cris havia insistido que ele levasse a máquina fotográfica dela, já que ele não tinha uma.

- E você tirou a foto perto da marquinha do Círculo Polar Ártico quando chegou lá, não tirou? perguntou ela.

- Tirei duas, no caso de uma não ficar boa, disse ele.

Cris sorriu para ele e disse:- Então você ‘tá feliz de ter ido, não ‘tá?Ted acenou com a cabeça. Então, olhando

nos olhos de Cris, aproximou-se dela e sussurrou, somente para ela ouvir:

- Mas eu gostaria que você tivesse ido comigo.

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17

Os três viajantes passaram o dia se divertindo como crianças no parque “Jardins Tivoli”, sob o agradável calor do sol. Depois tomaram um sorvete de casquinha, que era servido com um bocado de chantilly e geléia por cima, e um biscoitinho fininho enfiado de lado. Quando viram que a placa dizia Casquinhas Americanas, resolveram parar para experimentar. Depois de provarem o sorvete, concluíram que não havia nada de “americano” nele.

à noite, mesmo estando ainda claro, o ar era fresco e agradável. Os três se assentaram para descansar em um dos muitos bancos que havia pelo jardim. Já tinham andado em todos os brinquedos e reclamado que todos eram bobinhos demais. Nas palavras de Katie, o passeio na montanha-russa era “a mesma coisa que passar nos quebra-molas do Colégio Kelley”.

- Acho que ficamos mal acostumados com todos os parques que há na Califórnia, disse Cris. Não foi você, Katie, que leu pra mim que este

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parque foi construído há mais de cento e cinquenta anos?

- É, mas mesmo assim eu esperava mais, replicou a outra.

- É realmente um parque muito bonito, disse Cris. Vejam estas árvores. O tronco delas é quase preto e as folhas são verde-hortelã. Que tipo de árvore vocês acham que são essas?

- Árvores dinamarquesas, respondeu Katie. Será que podemos ir visitar outro lugar?

- Claro! O que mais você marcou aí no guia turístico? perguntou Ted.

Em seguida, Ted quebrou um pedaço da barrinha triangular de chocolate Toblerone que estava comendo e o ofereceu a Cris.

- Eu também quero um pedacinho, disse Katie.

- Sabia que você iria querer! disse Ted, dando-lhe um pedaço também.

- Eu tinha planejado comer uma barrinha de chocolate em cada país que visitássemos, mas meu plano acabou indo por água abaixo na

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Noruega, disse Katie. Agora vou ter de comer duas barras aqui, pra compensar. O que que aconteceu que a gente acabou não comprando nenhuma barrinha de chocolate por lá?

- Aconteceu que eu levei você a todas as confeitarias e, em vez de chocolate, compramos tortinhas, disse Cris.

- É, as tortas até que não estavam ruins, admitiu Katie.

- Elas estavam uma delícia! Mal posso esperar pra levá-los à minha Konditorei predileta lá em Basel, disse Cris.

Em seguida, virou-se para Ted.- Você se lembra que lhe contei que todos os

sábados eu vou lá? É lá que consigo recobrar minha sanidade mental.

- Eu me lembro sim, disse Ted, dando uma mordida no chocolate. Você sempre pede um café com chantilly e se assenta numa mesa no canto, ao fundo. Daí a Margie, ou alguém com nome parecido...

- Marguerite, disse Cris, corrigindo-o.

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- Isso. A Marguerite leva pra você a quitanda mais fresquinha. a que acabou de sair do forno. Não é isso?

- Exatamente.Uma sensação gostosa tomou conta de Cris.

Era bom saber o quanto Ted prestava atenção aos seus e-mails e as coisas que eram importantes para ela.

- Quero levar vocês lá, pra conhecerem a Marguerite e provarem as delícias que ela faz.

- A gente pode fazer isso, disse Ted, esticando as pernas.

Em seguida, ofereceu mais um pedaço de chocolate às duas.

- Vamos montar nosso roteiro de forma que cheguemos a Basel no domingo, um dia antes de começarem suas aulas, e aí iremos à sua confeitaria.

- Então, a pergunta é: Que lugares queremos visitar no caminho daqui pra Basel? Eu, por exemplo, tenho de conhecer a Torre Eiffel, disse Katie.

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Se sua impressão da Torre Eiffel for a mesma dos fiordes, então não vamos ficar muito tempo em Paris, pensou Cris

- Certo. Vamos dar uma passada em Paris. Até que não seria mal conhecer a Catedral de Notre Dame, disse Ted.

- É podemos ver a Mona Lisa também, acrescentou Cris.

- Ela está em Paris? perguntou Ted.- Sim. A gente tem de ir ao Louvre *; é parada

obrigatória, disse Cris.- Quantos dias ainda temos? perguntou Ted.Demoraram um pouco até concluir que dia

era e quanto tempo de viagem ainda restava. Afinal concordaram que era quinta-feira e que tinham de estar em Basel na segunda-feira, sem ser a próxima, a outra. Ou melhor, deveriam chegar no domingo, para que pudessem ir à confeitaria de Cris.

- Temos tempo de sobra, disse Ted.

* Famoso museu de Paris que reúne obras de vários artistas renomados. (N. da T.)

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- Sabem o que isso significa? perguntou Cris. Que estamos no meio da viagem. Estamos viajando há onze dias, e ainda temos mais dez.

Katie parecia estarrecida com a informação.- Sério? Só tem onze dias que estamos

viajando? Parece que passou uma década! Digo, um mês. Detesto quando começo a exagerar!

E, balançando a cabeça, continuou:- Gente, temos de montar um roteiro. Os

próximos dias vão passar assim, ó! falou ela, estalando o dedo, para reforçar o que estava dizendo.

Ted e Cris se entreolharam e Cris disparou a rir.

- É exatamente isso que estou tentando mostrar pra vocês desde que começamos a viagem! Precisamos de um roteiro!

- ‘Tá, eu sou devagar pra entender as coisas. Pega leve comigo.

Katie puxou o guia turístico da bolsa, onde sempre o guardava agora.

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- Minha sugestão é que a gente ache um trem noturno e vá pra Paris. Não! Esqueçam o que eu falei. Queria ver se vocês não se animam a dar uma passada em São Petersburgo antes.

- Na Rússia? perguntou Cris.- É. Eu andei lendo sobre a cidade, disse

Katie. Acho que Moscou fica muito longe pra nós. Levaria uns três dias de trem pra chegar lá, saindo daqui. Mas São Petersburgo não fica muito longe de Helsinki, e daqui a Helsinki é só um dia de viagem. Vinte e quatro horas. Poderíamos ver aquelas igrejas que têm a cúpula em formato de cebola. E tem também um museu em São Petersburgo que parece ser até melhor que o Louvre. Chama-se Museu Heritage, ou alguma coisa assim.

- Acho que o nome é Hermitage, disse Ted.- Isso! replicou Katie, folheando algumas

páginas, já bem gastas. Achei! O Museu Hermitage possui dois milhões e oitocentos mil itens em exibição. Foi construído no Palácio de Inverno, que era a antiga residência do czar. Diz o seguinte: “Não deixe de visitar os belíssimos

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salões do Palácio de Inverno, com seus lustres em forma de candelabro e sua suntuosa decoração em mármore e ouro”. Viram? “Não deixe de visitar”, disse ela, apontando as palavras no guia turístico. Acho que devemos ir a São Petersburgo.

- O que você acha, Ted? perguntou Cris.- O que vocês resolverem ‘tá bom pra mim.E com um sorriso, acrescentou:- Já fui a Narvik e voltei. Estou satisfeito.Cris se sentia toda feliz por ter sugerido que

Ted fosse ao Ártico. Aquela havia sido uma boa decisão. Agora, era esperar que as próximas decisões também fossem boas.

Depois de passarem uma hora assentados no banco do parque, discutindo as opções que tinham, Ted sugeriu que fossem procurar um lugar pra comer, acrescentando que não havia se alimentado bem durante a viagem aos “confins da Terra”. E até então só comera a casquinha “americana” e a barrinha do chocolate.

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Os três se dirigiram a um pequeno restaurante, que ficava próximo à principal avenida da cidade e havia sido recomendado por um notável senhor, que Ted parara numa rua do centro de Copenhague. Cris pediu o prato especial da noite, “flaekesteg med rodka”, como constava no cardápio. A garçonete, que aliás falava inglês muito bem, explicou-lhe que se tratava de carne de porco assada, acompanhada de repolho roxo e batatas levemente douradas. Katie parecia estar se segurando para não disparar a rir.

Tão logo a garçonete se retirou, Cris olhou para a amiga como se perguntasse qual era a graça. Katie riu e disse:

- Desculpe-me. É que do jeito que você pronunciou o nome do prato, Cris, a última palavra soou como “vodca”. Parecia que você estava dizendo: “Quero uma vodca”, disse Katie, ainda rindo.

Foi então que Cris se deu conta do quanto estava cansada e faminta, agora que estavam assentados à mesa, sob a fraca iluminação do

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sossegado restaurante. Tinha sido divertido ouvir as gargalhadas de Katie durante o passeio no parque, mas agora elas soavam alto e extravagantes demais para ela. Cris sabia que Katie ficava “escandalosa” quando estava cansada e vivendo à base de açúcar.

Mas a verdade mesmo era que Cris queria ficar sozinha com Ted. Queria ouvi-lo contar todos os detalhes de sua aventura em Narvik. Queria olhar diretamente nos olhos dele e escutá-lo, sem ter de dar atenção a ele e à Katie ao mesmo tempo.

O jantar estava delicioso. Depois de comerem, os três se sentiram bem melhor. Após a refeição, a garçonete serviu-lhes um prato com várias fatias de queijo. Era cortesia da casa. Ted pediu um café e os três voltaram a discutir os planos para a etapa seguinte da viagem.

Quando finalmente conseguiram terminar o roteiro, a claridade lá fora já estava começando a diminuir, dotando o céu de uma tonalidade laranja-rosada. Estocolmo e Helsinki estavam fora da lista e, consequentemente, São

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Petersburgo também, já que não iriam mais para Helsinki.

Ficou resolvido que iriam para Paris, mas antes passariam um dia em Amsterdã, para que pudessem conhecer um moinho de vento holandês. A viagem de Copenhague para Amsterdã levaria mais de doze horas.

Ted tentava montar uma pequena agenda com o horário dos trens que teriam de pegar. Estava consultando um guia com os horários do eurorail.

- Se estou entendendo bem, dá pra sairmos daqui amanhã às sete da manhã e chegar em Hamburgo mais ou menos ao meio-dia. À uma da tarde pegamos o trem que vai pra Colônia, na Alemanha. E pelos meus cálculos, é o máximo que poderemos ir. Não há nenhum trem de Colônia para Amsterdã aqui na lista.

- Como assim? perguntou Katie. Você ‘tá querendo pular Amsterdã e ir direto pra Paris?

- Não. É claro que quero ir a Amsterdã. Deve haver um trem noturno, só não ‘tá aqui na lista. Vou continuar procurando. Se não houver

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nenhum, podemos passar a noite em Colônia e ir para Amsterdã pela manhã. Eu até conheço um pessoal que mora em Amsterdã. Poderíamos ficar na casa deles. Conheci-os quando estava na Espanha.

- Pra mim ‘tá ótimo, disse Katie.E, sorrindo para Cris, acrescentou:- Parece que conseguimos montar um roteiro.Os três caminharam de volta ao albergue e

Cris, de mãos dadas com Ted, se perguntava quanto tempo levaria para que ela e Ted começassem a planejar o futuro. Ele era muito bom na hora de consultar o guia turístico e montar o horário dos trens.

Será que ele já começou a dar uma olhada na grade curricular da faculdade, para ver quando irá se formar? Ele falou que estava tentando economizar dinheiro no ano passado. Será que era tudo pra pagar a faculdade ou será que ‘tá economizando pra comprar uma aliança de noivado?

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Cris sabia que sua imaginação estava indo longe demais. E já havia aprendido com experiências passadas que, sempre que deixava os pensamentos correrem soltos, na tentativa de adivinhar como seria o futuro, ela inevitavelmente acabava se privando da alegria de viver o presente.

E era ali que Cris queria estar. Bem ali; andando de dadas com o Ted pelas ruas de Copenhague, sob aquele manchado de alaranjado-pêssego pelo sol da meia-noite. Poderiam falar do futuro um outro dia, mas não naquela hora. Aquele era um momento para sonhar, e não para discutir.

No dia seguinte, já na metade do caminho para Hamburgo, o trem entrou numa enorme balsa, semelhante à que Cris e Katie haviam avistado no porto, quando foram procurar a Pequena Sereia. Cris não sabia se no caminho para Oslo tinham sido transportados de balsa também. É que ela dormira a maior parte da viagem e não notara se o trem estava sob as estrelas, ou sob o mar.

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Cris convenceu Ted a sair do trem com ela e descobrir o caminho até o convés da embarcação. Ela queria acenar para os turistas que estivessem no porto, como as crianças de blusas amarelas haviam feito com ela e Katie.

- Já entendi a indireta, disse Katie à amiga, ao ver que não a chamara para ir junto. Tudo bem. Eu fico aqui com a bagagem. Vocês podem ir. Não se preocupem comigo, vou ficar bem. Divirtam-se!

- Vamos procurar uma barra de chocolate pra você, disse Ted ao saírem.

- Meu herói! gritou Katie.- Então, como é ser o herói de alguém?

brincou Cris.Ted não respondeu nada; apenas sorriu. Dava

para ver que a queimadura provocada pelo chá quente em sua testa não havia melhorado muito. A área atingida ainda estava vermelha e um pouco inchada.

- ’Tá doendo? perguntou Cris.

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Ted olhou para ela como uma expressão engraçada no rosto.

- Quero dizer, sua testa. A queimadura ainda ‘tá incomodando muito?

- Não. Vai sarar.Ted conduziu Cris pelas escadas, até que

chegaram ao convés superior. Imediatamente ele avistou uma lanchonete e entrou na fila, para comprar um lanche e uma barrinha de chocolate pra Katie. Havia tanta gente por li, que demoraram quase que os cinquenta minutos do trajeto de balsa para conseguir fazer a compra.

No início Cris ficou um pouco chateada ao ver que seus poucos momentos a sós com Ted haviam sido gastos na fila. No entanto ficou feliz de ter um lanchinho a mais para comer, ao descerem atrasados em Hamburgo e terem de correr para pegar o trem para Colônia.

A viagem de Hamburgo para Colônia durou cinco horas. Durante esse tempo, os três jogaram xadrez e ficaram lendo o guia turístico uns para os outros.

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Katie estava entusiasmadíssima com suas leituras. Dava relatórios tão completos sobre cada uma das grandes cidades que lia, que Cris chegou a pensar que a amiga já tivesse visitado aqueles lugares anteriormente. Katie tinha um lema. Já que não podiam conhecer Helsinki, São Petersburgo, Moscou e Berlim, era melhor que soubessem o que estavam perdendo.

Ao ouvir as informações sobre a Holanda e a França, Cris ficou contente de terem incluído os dois países no roteiro. O único problema é que, depois de ouvir os detalhes sobre Luxemburgo e a Bélgica, Cris também tinha ficado com vontade de passar por lá.

- Acho que deveríamos ir pra uma cidade pequena, depois de Paris, disse Cris. Ou então um país menor. É que só estamos passando pelas metrópoles. Não que isso seja ruim, mas há muito o que se ver fora dos grandes centros também. Acho que assim teríamos uma noção melhor de como são as pessoas nesses países.

- Por mim, tudo bem, disse Ted. Aonde você gostaria de ir?

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- À Alemanha, respondeu Cris.- Mas nós estamos na Alemanha, disse Katie.- Eu sei, mas estamos apenas passando de

raspão. Eu cheguei a assinalar um passeio de barco pelo Rio Reno aí no guia. Você viu, Katie? Parece ser muito bonito.

- Eu vi, disse Ted. Esse passeio não começa em Colônia?

- Nem me venha com essa, Ted! disse Katie. Nada de mudar os planos. Nós vamos pra Amsterdã.

Cris mal podia acreditar no quanto Katie se tornara inflexível, agora que estava de posse do guia turístico.

- O que aconteceu a Katie Weldon que começou a viagem dizendo-se uma mulher corajosa e determinada, em busca de aventura?

Katie deu um sorriso malicioso.- Ela se informou. Vocês bem sabem que o

saber é poder, né?- O saber pode nos tornar pessoas arrogantes

e legalistas, disse Ted. Vamos usar o

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conhecimento pra nos tornarmos melhores em estender graça aos outros.

Cris se lembrava de ter ouvido Ted dizer aquelas mesmas palavras num estudo bíblico anos atrás. Na ocasião, ele estava se referindo à Bíblia e àqueles que adquirem tanto conhecimento e informação sobre Deus, que se tornam inflexíveis e começam a criar um monte de regrinhas. Cris sabia que desta vez ele estava se referindo ao guia turístico, mas a analogia parecia bem viva em sua mente. Nessas alturas, só lhe restava torcer para que Katie lhe estendesse graça e concordasse com o passeio pelo Reno.

- Tudo bem, então, disse Katie. Não quero dar uma de chata, como fiz quando vocês quiseram ir ao Ártico. Vamos ter de parar em Colônia de qualquer jeito, né mesmo? Podemos passar a noite lá, fazer o passeio pela manhã e partir para Amsterdã antes do pôr-do-sol. Daí, ficamos um dia em Amsterdã e seguimos pra Paris, porque vamos precisar de pelo menos dois dias lá.

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Embora o roteiro de Katie parecesse simples e claro, Cris tinha a impressão de que nem tudo correria tão calmamente assim. No entanto, ela estava muito contente de poder conhecer um pouco mais da Alemanha, a terra de seus ancestrais, e torcia para que o passeio de barco fosse mais um dos pontos altos da viagem.

Por insistência de Katie, assim que chegaram a Colônia, os três deram uma volta em redor do Dom, antes de irem procurar um lugar para se hospedarem. O Dom era uma catedral imensa que tinha duas torres idênticas e ficava perto da estação de trem. Era tão grande, que “dominava” a região. Segundo as informações de Katie, era uma das maiores construções góticas do mundo, e seus alicerces haviam sido construídos em 1248. Os três ficaram olhando para as enormes pontas das torres cinzas, que pareciam furar o céu da noite.

- Que pena que não vai dar pra gente entrar! disse Katie. Eles fecharam a igreja meia hora atrás. Eu falei pra vocês que as relíquias deixadas pelos três reis magos, quando foram

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visitar Jesus, estão nesta catedral, não falei? Gostaria de ter dado uma olhada. O guia turístico não diz especificamente que relíquias são.

- Podemos voltar amanhã, sugeriu Ted.- Não, vamos em frente. Primeiro o albergue,

depois a comida, e, pela manhã, vamos ver os castelos da Cris.

Cris não se agradou muito de saber que estavam planejando passar o dia navegando pelo Reno só porque ela queria ver mais castelos. Teria se sentido bem melhor se Ted e Katie tivessem se mostrado tão interessados quanto ela naquele passeio.

No dia seguinte, Cris podia ver claramente que Ted e Katie estavam apenas sendo legais com ela, agindo como se o lento passeio pelo rio fosse divertido. No entanto já fazia uma hora que se encontravam dentro do barco, e ela tinha certeza de que eles não estavam curtindo o passeio como ela. E isso acabava por impedi-la de desfrutar plenamente aqueles momentos de tranquilidade.

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Quando avistaram o primeiro castelo, escondido atrás de velhas árvores no alto de uma colina, Cris até conseguiu fazer com que os amigos olhassem para ele e soltassem um pouco a imaginação com ela.

- Quem vocês acham que morou nesse castelo? Um príncipe elegante, talvez? Será que ele precisou lutar alguma guerra a fim de proteger sua princesa e o castelo?

No início Ted e Katie deram respostas bastante inteligentes às perguntas dela. Contudo, ao passarem pelo terceiro castelo, ninguém mais, nem mesmo Cris, se mostrava interessado em ficar imaginando como teria sido a vida ali no passado.

Acho que já vi coisa demais hoje. Estou perdendo o pique. ‘Tá certo que tudo isto aqui é muito bonito e romântico, mas o que eu mais queria agora era um lugarzinho ao sol, para me encolher toda como um gatinho e dormir.

O passeio de barco foi tranquilo e relaxante, e Cris, mais do que Ted e Katie, estava doida para descansar um pouco. Ela sabia que, mesmo

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viajando, ainda não havia conseguido se refazer do cansaço que sentia em consequência do pesado semestre letivo. Viajar era legal e gostoso, mas não dava para descansar quase nada!

Durante as horas seguintes, o sol ficou se escondendo por entre as nuvens, saindo apenas ocasionalmente. Cris, que estava de short, resolveu pegar uma calça jeans na mala e ir ao banheiro se trocar, mesmo não estando frio.

O trecho de Koblenz a Bingen foi espetacular. Cada vez que olhavam, podiam avistar um castelo no alto das colinas. Cris tinha a sensação de que anos mais tarde se lembraria daqueles momentos, como se tivessem sido um sonho.

Era pouco mais de uma hora da tarde quando chegaram a Mainz e, embora o passeio tivesse sido bom, Cris já estava querendo que ele acabasse. Naquele momento, o que ela mais queria era embarcar num trem moderno e dar um jeito de dormir o resto da tarde. Era como se o Reno, com seus suaves movimentos e seus castelos encantados, a tivesse embalado até que

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ela ficasse com sono. E agora o que mais desejava era que o corpo e a mente, exaustos, descansassem profundamente.

Mas os planos de Ted eram outros.- Pessoal, o Museu de Gutenberg fica aqui em

Mainz. Vocês se importam de passarmos por lá antes de irmos pra estação?

- O que tem pra ver lá? perguntou Katie.- A primeira Bíblia impressa. Já ouviram falar

em quem foi Gutenberg, né? Ele foi o inventor da imprensa moderna. E o primeiro livro que ele publicou foi a Bíblia, claro. Gostaria muito de vê-la.

E lá se foram eles, carregando os pesados mochilões, rumo ao museu. Iam ver a primeira Bíblia impressa e assistir a um breve documentário sobre a vida de Gutenberg. Ted estava bastante entusiasmado. Já Cris não conseguiu conter o sono. Assim que as luzes da sala de vídeo se apagaram, ela “apagou” junto.

Em seguida, compraram queijo e pão no mercado da esquina e foram comendo, enquanto

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caminhavam para a estação. Cris deixou que Ted e Katie discutissem sobre que trem pegar e a que horas. Não estava nem aí para saber onde iriam parar. Sua dor de cabeça não havia passado, mesmo depois de ter lanchado, e, agora, sua garganta doía para engolir.

Queria poder ir pra Escondido por um dia e dormir na minha cama. Minha mãe faria um chá com mel pra minha garganta e eu ficaria horas no banho. Depois, dormiria umas dez horas e acordaria refeita, limpa e com as baterias recarregadas. Então eu seria instantaneamente transportada pra cá. Ah, se eu pudesse fazer isso! Teria muito mais condições pra aguentar a viagem até o fim e aproveitar melhor os lugares que estamos conhecendo.

Cris quase não viu nada durante a viagem para Amsterdã. Quando Ted a chamou, ela pegou a bagagem e trocou de trem. Depois, quando o cobrador pediu que apresentassem o passaporte e o passe de embarque, ela mecanicamente pegou o passe de eurorail na bolsa e o apresentou, como já havia feito

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dezenas de vezes durante a viagem. No restante do tempo, dormiu.

Quando Cris finalmente começou a se sentir mais desperta, ela abriu os olhos e olhou pela janela. O sol já havia se posto, e só conseguia ver algumas imagens vagas e indistintas do lado de fora. Estava tudo escuro.

- Katie! Ted! Cadê vocês? Por acaso nós perdemos a parada em Amsterdã?

Cris se virou, aguardando que seus amigos lhe respondessem. Mas eles não estavam mais lá.

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Cris procurou não entrar em pânico.Eles devem ter ido comer alguma coisa e não

quiseram me acordar. A gente já fez isso uns com os outros antes. Não é nenhuma novidade.

Mas havia algo estranho no ar. Era para terem chegado a Amsterdã antes de anoitecer. Cris se lembrava vagamente de ter sido acordada por Ted, quando fizeram uma conexão em Colônia. Eram cerca de 5:00h da tarde. Ele lhe havia dito que levariam três horas para chegar a Amsterdã e que estariam antes de escurecer. E quando chegassem, ele telefonaria para os amigos e veria a possibilidade de se hospedarem com eles.

Cris olhou nas duas direções do corredor, na esperança de avistar Ted e Katie. O trem já estava quase parando. A única coisa que conseguia pensar em fazer era pegar a bagagem e ficar pronta para descer; caso estivessem em Amsterdã. Depois poderia encontraria uma forma de localizar os amigos. O pior que poderia

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ocorrer seria perder o ponto de descida, como quase acontecera com Katie em Nápoles.

Quando Cris esticou o braço para pegar a mochila na prateleira superior, percebeu que a bagagem de Katie e de Ted ainda estava lá. Eles não teriam descido sem as malas. E também não teriam descido sem ela. Mas, onde é que eles estavam? E, mais do que isso, em que estação estavam chegando agora?

Quando o trem entrou na estação, Cris tentou ler as placas. Estava escrito Nancy. Cris ficou atordoada. Como foi que viemos parar na França?

Foi então que Katie chegou toda saltitante.- Olá, Bela Adormecida. Resolveu acordar e

encarar o mundo real?Para Cris, no entanto, o que estava

vivenciando naquela hora não parecia nada real.- Katie, o que é que estamos fazendo na

França?

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Ted vinha logo atrás de Katie, acompanhado de um rapaz. O desconhecido usava um boné de beisebol e carregava uma mochila nas costas.

- Cris, este aqui é o Sam. Como é mesmo seu sobrenome?

- Edwards, respondeu ele.Parecia um pouco mais velho que Ted, mas

suas roupas estavam tão surradas quanto as do outro. Sinal de que estava viajando há algum tempo.

- Sam Edwards, repetiu Ted. Esta aqui é a Cris.

Em seguida, para surpresa dela, acrescentou com um sorriso:

- Cris Miller, minha namorada.Ted nunca havia apresentado Cris a ninguém

daquela maneira. Se ela não estivesse se sentindo tão confusa e assustada por estarem na França, e não na Holanda, provavelmente teria deixado as palavras de Ted penetrarem mais fundo em seu coração.

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- Conhecemos o Sam no vagão-restaurante. Ele nos deu várias dicas de lugares pra visitar em Paris, disse Katie.

- Será que alguém poderia me explicar o que ‘tá acontecendo? perguntou Cris, quando os três se assentaram. Achei que estávamos a caminho de Amsterdã.

- Mudamos os planos, disse Katie, radiante. Até chegamos a falar com você, durante a viagem de Mainz para Colônia. Você falou que não fazia questão, que o que decidíssemos estava bom.

- Não me lembro disso, disse Cris.Sam sorriu para ela. Seus olhos eram muito

bonitos. Um tom de azul escuro, que combinava com a camisa jeans que ele estava usando por cima da blusa branca manchada.

- Você fica afetada, né? perguntou ele.- Afetada com o quê?- Com o cansaço da viagem. Muitos lugares

pra conhecer, comidas diferentes, o barulho nas ruas... Pelo que o Ted a Katie me falaram, vocês

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estão pulando muito rápido de um lugar para outro. Eu já vou bem mais devagar. Mesmo assim, quando dá umas duas semanas, sinto esse cansaço. Aí tenho de me demorar um pouco mais num mesmo local, pra então seguir em frente.

- O Sam já esteve em Paris e nos deu muito mais informações do que o guia turístico, disse Katie. Agora ele ‘tá voltando pra encontrar uns amigos. E acabou de passar duas semanas em Veneza. Já imaginou ficar duas semanas num só lugar?

Naquele momento, aquele luxo parecia algo muito bom para Cris.

- O Ted e a Katie lhe contaram que nós só conhecemos a estação de Veneza? É que mesmo assim, ficamos apenas algumas horas lá? perguntou Cris a Sam.

- Vocês têm de voltar lá. Pelo menos por um dia. Não é possível viajar toda essa distância e não conhecer Veneza, disse Sam. É claro que ficar quatorze dias é bem melhor.

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- Por acaso você viu alguma joalheria chamada Santim lá? perguntou Katie. Não é esse o sobrenome do Marcos? Acho que anotei em algum lugar.

- É Savini, disse Ted.- Ah! E se algum dia você quiser se hospedar

num lugar legal em Capri, procure o Villa Paradiso. Diga a eles que foi recomendação do Carlo Savini, disse Katie a Sam.

Em seguida, ela continuou contando sobre o luxuoso hotel em que haviam se hospedado de graça em Capri.

Sam contou-lhes de uma família Suíça que havia conhecido no trem alguns meses atrás, e que lhe convidara para passar alguns dias com eles. Depois, abriu a mala, tirou um caderninho cheio de cartões-postais e perguntou a Cris se poderia anotar o nome do casal no guia turístico dela.

- Estou falando sério, disse Sam, tirando a tampa da caneta com os dentes. Eles vão adorar receber vocês. Eles moram num chalé, numa

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pequena vila Suíça chamada Adelboden. Fica nos Alpes.

Sam folheou o caderninho e continuou:- Vou anotar tudo aqui pra vocês. Primeiro

vocês pegam o trem de Bern até Thun. De Thun vocês vão pra Spiez e de lá pra Frutigen. Pra chegar a Adelboden vocês pegam um ônibus. A paisagem é incrível.

- Quanto tempo você ficou lá? perguntou Katie.

- Acho que uns cinco dias. Dormi no palheiro e, durante o dia, ajudei na fazenda. Foi superlegal. Vocês iriam amar! Estou falando sério. É só dizer que foi recomendação do Sam Edwards.

Durante as duas horas de viagem até Paris, os três ficaram trocando histórias e experiências de viagem com Sam. Quando chegaram, Cris já estava se sentindo bem mais desperta e “acesa”, muito embora tivesse certeza de que passava de meia-noite.

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Felizmente, Sam conhecia um hotel bom e barato perto da estação, e os quatro então caíram na cama. No outro dia, às oito da manhã, se encontraram na recepção depois de tomarem banho.

- Preciso ir andando, disse Sam. Foi muito bom conhecê-los. Espero que o restante da viagem de vocês corra bem.

- A sua também, disse Katie. Obrigada por todas as dicas.

- Eu coloquei uma listinha daqueles restaurantes de Veneza dentro do guia de vocês, caso resolvam voltar lá.

- Iremos sim, disse Katie. No que depender de mim, com certeza voltaremos lá.

Depois de se despedirem de Sam, Ted sugeriu que comessem e fossem ver a Torre Eiffel enquanto ainda estava fresco. Tinha ouvido alguém dizer no trem que uma onda de calor co-briria Paris por alguns dias, fenômeno aliás não muito comum no início do verão. E, como o Louvre tinha sistema de ar-condicionado,

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poderiam deixar para visitá-lo durante a parte mais quente do dia.

Cris não havia conseguido dormir pesado o suficiente para que a sensação de tontura e cansaço passasse. Nem mesmo o café forte e a torta que comera no desjejum a ajudaram. Ela tirou algumas fotos da Torre Eiffel e, como Katie, achou que a subida até o topo da torre era cara demais. Levadas por Ted, tomaram o metrô - um moderno sistema de trens subterrâneos - e os três desceram próximo à catedral de Notre Dame.

Ao se aproximarem da imensa catedral cinza-claro, Cris pediu a Katie que lhe emprestasse o guia turístico. Queria descobrir quantos anos a igreja tinha e o que havia de comum e de diferente entre ela e a catedral de Colônia. Externamente eram razoavelmente parecidas. A diferença era que, em vez das torres pontiagudas, Notre Dame tinha duas torres idênticas, vazadas, que pareciam torres de sino.

Katie entregou-lhe o guia. Quando Cris o abriu, três postais caíram no chão. O primeiro era

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uma foto dos Alpes austríacos, e o segundo, do Rio Sena em Paris. O terceiro trazia a foto de uma gôndola amarrada a um mastro listrado de vermelho e branco. No cais, o gondoleiro, apoiado no mastro, fazia sinal de que a gôndola estava disponível para passeio. Vestido totalmente a caráter, usava um chapéu de palha de abas largas, com uma fita azul caindo-lhe pelas costas.

- Estes postais devem ser do Sam.Cris olhou o verso do postal da gôndola. O

destinatário era um tal de Franklin Madison, da cidade de Glenbrooke, Oregon, EUA. Nenhum dos postais estava selado. Cris guardou-os novamente no guia turístico e resolveu fazer a gentileza de colocá-los no correio para Sam mais tarde. Provavelmente tinham ido parar ali quando Sam foi colocar a lista de restaurantes dentro do guia.

Cris abriu na seção sobre Paris e correu os olhos pelas informações a respeito da catedral.

-Vocês acreditam que esta igreja foi construída quase cem anos antes da catedral de

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Colônia? O guia diz que as pessoas vêm prestar culto aqui há praticamente dois mil anos.

Cris ficou assombrada com a informação. Era a mesma sensação que experimentara na Noruega, ao avistarem a simples e modesta igrejinha, construída oitocentos anos atrás, e perceberem o enorme contraste entre ela e a Basílica de São Pedro em Roma.

- Parece que as pessoas desejam se encontrar com Deus, né? comentou ela enquanto olhavam para a catedral. Lá no fundo do coração do homem há um forte anseio pelo Senhor. Tenho percebido isso de uma forma muito clara durante estes dias.

- Vejam aquela janela! disse Katie. O que o guia diz sobre ela mesmo?

Cris se pôs a ler em voz alta.- O vidro da grande rosácea ainda é o original,

produzido na Era Medieval. Na época em que foi feita, nenhuma outra rosácea se comparava a ela em tamanho. Foi tão bem projetada que, mesmo tendo se passado setecentos anos, não apresenta nenhum sinal de deterioração.

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- Isso é que eu chamo de saber projetar! exclamou Ted. Vocês notaram como a arte era usada para mostrar ensinamentos bíblicos? Puxa! Como a arte moderna se distanciou desse propósito!

Os três demoraram mais de duas horas para conhecer todo o interior da igreja. A atmosfera lá dentro era sombria e imponente. Depois, os três subiram as escadas em espiral até a cúpula.

- Vocês não têm a sensação de que estão dentro da concha de um caracol quando sobem este tipo de escada, não? perguntou Katie.

- Eu fico tonta, disse Cris.- Fico só imaginando o tamanho dos músculos

das pernas dos monges que ficavam subindo e descendo estas escadas, duas vezes ao dia, a fim de tocar os sinos, comentou Ted.

Quando chegaram à cúpula da igreja, perceberam o quanto havia esquentado. A vista de Paris parecia embaçada pelas ondas de radiação do calor. Visto dali, o Rio Sena parecia bastante tentador para Cris. Aliás, qualquer gotinha d’água, fosse na pele ou descendo

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garganta abaixo, seria refrescante naquelas alturas

Não foi muito difícil para Ted convencer as duas a descer com ele e procurar algo para comerem, antes de seguirem para o Louvre. Para economizar, resolveram parar num carrinho de cachorro-quente. Cris achou a salsicha apimentada demais e comeu apenas metade do lanche. A coca-cola estava tão quente quanto o engradado de onde havia sido tirada. Cris bebeu o refrigerante quente e espumante e, em vez de matar a sede, ficou ainda mais sedenta.

Pelo menos dentro do Louvre estava fresco. O museu, que anteriormente havia sido um palácio, era bastante espaçoso, e Cris se sentiu bem à vontade lá dentro. Queria poder ter alguém como Marcos por perto, para deixá-los entrar pela porta dos fundos e levá-los diretamente às salas onde estavam as obras de maior interesse. Como não tinham ninguém, pagaram os ingressos utilizando suas carteirinhas internacionais de estudante, para terem desconto. Depois, passaram por uma pirâmide de vidro moderna e

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de design bastante complexo. Dali em diante, Cris ficou completamente desorientada com tudo o que viu.

Katie, por sua vez, estava empenhada em encontrar a Mona Lisa. Sua determinação em localizar a famosa tela era muito maior do que o interesse que demonstrara em descobrir o “paradeiro” da Pequena Sereia. Quando afinal adentraram a sala onde o quadro se achava, Katie infiltrou-se pela multidão, a fim de chegar mais perto. Cris e Ted ficaram mais ao fundo, espiando por cima dos ombros dos outros turistas.

- O quadro é bem menor do que eu imaginava, disse Ted.

Cris sorriu e comentou:- É engraçado como as coisas são, né?Katie se pôs de frente para a multidão de

turistas que apreciavam a tela e, ainda com seu jeito todo animado e divertido, bateu uma foto de Cris e Ted.

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- O segurança irá tomar essa máquina de você, advertiu Cris, quando a amiga caminhou para perto deles.

- E por quê? O aviso diz que é proibido tirar fotos com flash da Mona Lisa. Não diz nada sobre tirar fotos das pessoas olhando pra ela.

- Pra onde vamos agora? perguntou Ted.- Pra casa, respondeu Cris, cansada.- Quer voltar para o hotel? indagou Ted.- Não. Estou querendo é voltar pra Escondido.

Já passei dos meus limites. Acho que não aguento conhecer mais nenhuma “maravilha” deste mundo. É demais para o meu cérebro!

- Que tal se saíssemos daqui do centro? sugeriu Ted. Poderíamos pegar um ônibus e ir pra Versalhes. Fica a mais ou menos meia hora daqui.

Naquele momento, pouca diferença fazia para Cris para onde iriam. Na verdade, ficar assentada por meia hora era o que lhe parecia mais convidativo. Os três passaram rapidamente pela sala de arte egípcia e por mais algumas e, em

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seguida, deixaram o Louvre. Ted ia na frente. Do lado de fora do museu, o ar estava quente e abafado.

Depois de perguntar a quatro pessoas, Ted concluiu que sabia para onde deveriam se dirigir, a fim de pegar o ônibus para Versalhes. Esperaram uns vinte minutos sob o forte calor e entraram no coletivo, equipado com ar-condicionado. A viagem durou uns quarenta minutos e, tão logo chegaram, compraram garrafas de água de um vendedor ambulante.

Afastando-se um pouco, Cris se pôs a observar o Palácio de Versalhes. A construção, em tons de amarelo bem claro, tinha um aspecto imponente, grandioso. Não parecia real. A fachada era perfeitamente harmoniosa. Cada janela, cada coluna, e até mesmo o contorno do telhado, se encaixava em perfeita harmonia com o restante do palácio. E, em vez de ser apenas uma imensa construção plana e achatada, a fachada do palácio possuía entalhes semelhantes a degraus, que se alinhavam em direção ao centro.

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Katie, que havia lido alguma coisa sobre aquele palácio do século XVII, disse:

- Olhem só pra este lugar! Dá pra imaginar todos aqueles camponeses aqui fora, morrendo de fome, e Maria Antonieta * assentada aí dentro do palácio?

Cris não sabia exatamente aonde a amiga queria chegar com aquele comentário. Katie deve ter percebido a expressão confusa no rosto de Cris, porque em seguida acrescentou:

- Vocês não se lembram? Alguém disse a ela que os cidadãos franceses não tinham pão pra comer. E então ela lhes disse que, nesse caso, comessem brioche!

Aquela deve ter sido a primeira vez em toda a viagem que uma informação histórica não interessava a Cris. Contudo a idéia de comer um brioche, ou quem sabe uma quitanda qualquer ou até mesmo um biscoitinho, pareceu-lhe muito boa. É que o pedaço de cachorro-quente que tinha comido não havia cooperado muito com seu estômago.

* Esposa de Luis XVI, rei da França. (N. da T.)

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Felizmente, o ar estava mais fresco no interior do gigantesco palácio. A água que Cris havia tomado também a ajudou a refrescar um pouco. A sensação que tinha era de que sua mente e seu corpo estavam começando a agir mecanicamente, o que era muito estranho. Seus pés a levavam de cômodo em cômodo e seus olhos contemplavam todo aquele espetáculo. Cada quarto que visitava parecia mais suntuoso que o anterior. O salão de festas a fez pensar sobre algo que tinha visto num filme da Cinderela. Cris contemplou tudo aquilo, mas, como dissera a Ted pouco antes, havia passado do limite que o corpo aguentava.

- Você ‘tá bem? perguntou-lhe Ted no ônibus de volta para Paris.

- Sei lá. Como é que você consegue absorver tudo o que vê? As coisas novas não despertam certos sentimentos em você, não? Alguma vez você já chegou ao ponto em que parece não ter mais nenhuma energia dentro de si pra investir naquilo que ‘tá fazendo?

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Ted não disse nada. Parecia estar pensando nas perguntas de Cris. Quando afinal se pronunciou, fez-lhe mais algumas perguntas.

- Será, então, que é por isso que o trabalho no orfanato tem sido tão desgastante pra você? Será que você não ‘tá absorvendo demais tudo o que vê por lá? E consequentemente isso gera em você um sentimento muito profundo em relação às crianças diariamente? Fico me perguntando se não é isso que ‘tá acontecendo. Então você chega a um ponto em que não consegue dar mais nada de si emocionalmente, porque já se deu demais.

Cris encostou a cabeça nos ombros de Ted.- Ted, acho que você acabou de descobrir a

resposta que vem me atormentando todos esses meses.

- Eu sei que ‘tá sendo difícil pra você, pelas coisas que você diz nos e-mails.

- A necessidade é tão grande... disse ela.Ted virou o queixo e beijou-a carinhosamente

na testa.

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- Mas, Cris, a necessidade não faz o chamado. Deus a dotou de uma forma singular, única. O segredo é descobrir quais são esses dons singulares que Deus lhe deu. É nisso que você deve empenhar sua vida. Se você estiver trabalhando dentro da esfera de dons que ele lhe concedeu, então você se sentirá motivada e impulsionada a seguir em frente, e não esgotada.

Cris levantou a cabeça e olhou para Ted.- Está me dizendo, então, que meu dom não é

trabalhar com crianças?Aquela idéia soava como um golpe para ela.

Por vários anos ela havia pensado que aquele era o ministério que devia desempenhar. Tudo começara quando Katie a convencera a ajudar na classe de maternal da igreja. E Cris havia gostado de trabalhar ali. Desde então, todas as suas decisões com relação ao que fazer no futuro haviam girado em torno do trabalho com crianças, que era um dom que ela pensava ter.

- Não sei dizer exatamente quais são os seus dons ou qual é o chamado de Deus pra sua vida.

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Isso é algo entre você e o Senhor. Pergunte a ele. Deus certamente lhe dirá.

Cris apoiou a cabeça no ombro de Ted novamente. Até aquele momento, pensara que seu futuro achava-se bem traçado. Havia feito seus planos muitos anos atrás. Iria se especializar em educação infantil e depois, quem sabe, poderia dar aulas no jardim-de-infância. Gostava daquela idéia porque era algo que poderia fazer em qualquer lugar que morasse, quer fosse casada ou solteira. E poderia continuar na profissão, mesmo que tivesse filhos

- Tudo o que sei é que o futuro ‘tá escancarado pra você, Cristina Juliet Miller, principiou Ted, apoiando o queixo sobre a cabeça dela. Deus lhe concedeu dons e chamou-a para servi-lo de uma forma única, singular. Há um versículo em Romanos que diz que os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis. Ninguém nunca poderá tirar isso de você. Você é livre pra sonhar tão alto quanto ousar sonhar.

Se Cris achava que seu corpo estava operando acima dos limites, agora então era

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como se seu circuito interno tivesse sido completamente desligado. Ela olhou nos olhos de Ted. Sabia que ele lhe havia dito uma verdade importante. E juntamente com essa verdade, Cris sentiu uma liberdade vir sobre ela. Liberdade para se tornar alguém que nunca antes pensara em ser.

- Guarde essas lágrimas pra mim, sussurrou ela.

Ted envolveu-a com o braço, e Cris recostou-se no dele, deixando que as lágrimas lhe caíssem diretamente no coração.

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Na manhã seguinte, Cris acordou sentindo calor. Jogou o lençol no chão e permaneceu deitada na cama do hotel parisiense. Queria muito poder encontrar uma maneira de expressar a Ted o quanto ela valorizava as palavras dele. Era realmente muito bom poder ouvi-lo. Pouco tempo depois de Cris ter chegado a Basel e começado a trabalhar no orfanato, ela começou a perceber que, toda vez que estava junto das crianças, tinha de lutar para que uma tristeza e um cansaço muito fortes não se apoderassem dela. E, na verdade, só conseguira ficar ali todos aqueles meses porque sabia que as crianças precisavam dela.

Bem lá no fundo, Cris se sentia esgotada. No início, achou que o problema fosse com ela. Afinal de contas, todos os outros voluntários pareciam transbordar de ânimo e satisfação por causa do trabalho que realizavam ali.

- Que horas são? resmungou Katie, chutando o lençol também.

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- Sete horas ainda. A gente bem que queria dormir até mais tarde hoje, mas não dá. ‘Tá quente demais.

- Vamos acordar o Ted e dizer-lhe que estamos prontas pra tomar café. Tem certeza de que a janela ‘tá totalmente aberta?

- Sim. O problema não é o calor que ‘tá demais. É o ar que não ‘tá circulando. Ontem à noite mesmo quase não ventou. Se tivesse um ventilador aqui o quarto ficaria bem mais agradável.

- Duvido que o hotel tenha ventiladores pra emprestar, disse Katie. Este hotel aqui é barato. O Sam falou que ele era o melhor que tinha aqui perto do centro.

- E por falar em Sam, os cartões-postais dele acabaram ficando dentro do guia turístico, disse Cris. Como estão sem selos, pensei em colocá-los no correio pra ele. Ia aproveitar mandar um cartão pra minha família também. Você já enviou algum postal para seus pais?

- ‘Tá brincando? Quando é que tivemos tempo pra comprar postais? Ou mesmo lembrancinhas?

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A única coisa que compramos nesta viagem foi comida, você notou? Pelo menos você foi esperta e comprou aquele diário na Itália. Eu devia ter comprado um também.

- É mesmo. Não saímos pra fazer compras nem uma vez disse Cris.

- Pena que não comprei aquele suéter que vimos na vitrina daquela loja em Oslo. Lembra? Ele era azul e branco, tricotado à mão. Próprio pra esquiar. Acho que ele custava cerca de oitenta e cinco dólares.

Cris mal conseguia pensar em suéter naquele calorão todo.

- Você trouxe tudo isso pra gastar com presentinhos? Puxa!

- Na verdade, não. Mas eu poderia ter feito a comprar e passado o resto da viagem a pão e água.

- A sensação que tenho é de que nos últimos dias só comemos pão e água, disse Cris. Não estou com vontade nem de comer tortinha hoje, dá pra acreditar?

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- Você não vai querer tortinha? Conta outra!- Estou querendo algo com mais proteína.

Que tal um pedaço de frango? Ou um bife? Não seria uma boa pedida?

- Se tivesse de escolher, pediria um Big Mac com fritas, disse Katie.

- Ah, não faça vontade em mim! Sabe há quanto tempo não como batatas fritas? disse Cris, levantando-se.

Em seguida, esticou o braço e pegou a roupa que havia pendurado na cabeceira da cama.

- Venha, Katie! Vamos trocar de roupa e sair pra comprar fritas. Se o Ted quiser ficar dormindo, ele que fique! Eu estou a fim de comer alguma coisa!

- Vou junto!Tinham acabado de vestir os shorts, quando

alguém bateu à porta.- Só um minutinho! gritou Cris, sacudindo e

vestindo a última camiseta limpa que lhe restara. Você ‘tá vestida decentemente? perguntou à Katie.

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- Não só estou vestida decentemente, como também estou linda! Aliás, como sempre.

Cris olhou para ela, como quem está aflita, e abriu a porta. Era Ted. Já havia trocado de roupa e estava pronto para sair. Ao vê-la, o rapaz abriu um sorriso.

- Pelo visto vocês também não conseguiram dormir, né?

- Resolvemos sair pra caçar comida na rua, Ted, disse Katie, penteando rapidamente os cabelos. Venha conosco, se tiver coragem! Mas, aviso: pode não ser uma maratona tão simples! Portanto, quem é desanimado não entra na equipe dos caça-batatas fritas!

- Acho que vou aceitar o desafio, embora nunca tenha ouvido falar que a França tenha tradição em batatas fritas. Aliás, quando estive na Espanha, o pessoal comentava que as melhores fritas da Europa eram as de Bruxelas.

- E a quantas horas isso fica daqui? perguntou Katie.

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- Umas três, imagino, disse Ted. Fica no caminho pra Amsterdã.

- Então, vamos pra lá! disse Katie. Já estou pronta pra dar o fora daqui. Este calorão ‘tá demais! Além disso, que mais que tem pra vermos aqui? Ontem nós visitamos os principais pontos turísticos.

- Que tal irmos pra Espanha? sugeriu Cris. Quer dizer, não estamos na metade do caminho?

- Pra falar a verdade, não, respondeu Ted. Daqui a Barcelona seriam doze horas e, de Barcelona a Madri, mais sete.

- Tinha me esquecido de que Paris ficava bem ao norte, disse Cris. Mas você não gostaria de rever seus amigos?

Ted pensou por alguns instantes e depois deu de ombros.

- Na verdade, muitos deles já não estão mais lá. Ou assumiram cargos em outros países da Europa, ou voltaram para os Estados Unidos. Não consigo me lembrar de ninguém, dos meus amigos mais íntimos, que ainda esteja lá.

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- Então ‘tá resolvido! Vamos pra Bruxelas! anunciou Katie, jogando as roupas na mala.

- Vou arrumar minhas coisas, disse Ted, dirigindo-se para o quarto.

Cris havia observado que a testa de Ted estava começando a descascar levemente no local da queimadura. Pelo menos, parecia que a pele estava sarando. Já nem estava vermelha mais.

- Será que a gente consegue achar um lugar pra lavar roupas em Bruxelas? perguntou Katie. Esta é minha última muda de roupa limpa.

- Minha também, disse Cris. A última vez que lavei roupa foi há uma semana, em Oslo.

Katie parou por alguns instantes o que estava fazendo.

- Isso quer dizer que nos resta menos de uma semana de viagem.

Cris olhou para o relógio redondo pendurado na parede.

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- São 8:00h. Daqui a uma semana, certinho, minhas aulas recomeçam. E agora nem sei mais se quero concluir esse curso.

- Por quê? perguntou Katie.Cris procurou lhe explicar como as palavras

de Ted no ônibus a tinham feito sentir-se livre. Era como se Deus a houvesse liberado do encargo de trabalhar no orfanato e da pressão que sentia para obter um diploma em educação infantil.

A testa de Katie brilhava de suor, por causa do calor no quarto. Katie olhou para Cris.

- E o que você vai fazer agora?- Não tenho a menor idéia, respondeu Cris

com um sorriso.- E isso não a assusta um pouquinho?- Acho que me assustava mais o fato de ter

de me empenhar tanto pra conseguir um diploma que não me deixa nem um pouco empolgada com o futuro.

- Esta é uma decisão séria, Cris. Quero dizer, a idéia era que você fosse estudar na Rancho

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Corona, em setembro, e aproveitasse os créditos que cursou aqui. Você ia se formar rapidinho.

- Eu sei.- Se você mudar de curso agora, vai acabar

perdendo esses créditos. Isso não lhe mete medo? Pode ser que demore mais tempo pra você se formar.

- Eu sei.- Você não percebe, Cris? disse Katie, com as

mãos na cintura.O suor escorria-lhe pelo rosto.- Quanto mais você demorar a se formar,

mais tempo levará pra você e o Ted poderem se casar! continuou ela.

Cris deu de ombros. Ela também já havia pensado naquilo. Só que estava entusiasmada demais com a idéia de poder sonhar novos sonhos; sonhos maiores, sonhos livres. Certamente não iria deixar que aquele probleminha acabasse com sua alegria.

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- Vamos embora daqui, disse Katie. Este quarto ‘tá quente demais. Estou com a sensação de que vou começar a derreter daqui a pouco.

Assim que saíram do velho hotel, puderam sentir a brisa e respirar um pouco melhor. Lá fora estava quente, porém bem menos do que no abafado quarto. Caminharam até a estação, que ficava ali perto, e compraram queijo, pães e umas caixinhas de iogurte para a viagem.

Katie não falou muito durante as três horas de viagem para Bruxelas. Cris sabia que a amiga queria conversar mais sobre a séria decisão que Cris teria de tomar, com relação à mudança de curso. Entretanto Katie parecia estar esperando um momento em que estivesse a sós com Cris, para então continuar dando sua opinião.

A oportunidade surgiu cerca de meia hora antes de chegarem a Bruxelas. Ted resolveu andar um pouco, para esticar as pernas, e tão logo ele se retirou, Katie soltou a pergunta:

- Então... você acha que é possível vocês se casarem antes de terminar a faculdade?

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- Não estou acreditando que você ‘tá me perguntando isso, Katie!

- Eu sei que essa pergunta já lhe passou pela cabeça. Só estou tentando ajudá-la a responder sua própria indagação.

- Não sei, Katie. O máximo que posso fazer é dar um passo de cada vez, à medida que Deus me mostra que passo devo dar. Por enquanto, só sei que me sinto em paz pra mudar de curso. Não sei ainda pra qual. Não sei nem se vou continuar em Basel. E, pra ser sincera, também não sei o que vem pela frente em meu relacionamento com o Ted.

- E isso não a assusta?Cris pensou por alguns instantes e depois

balançou a cabeça.- Não. Parece a coisa certa na hora certa.

Aliás, havia tempos que uma decisão não me parecia assim tão correta.

Cris se lembrou da noite em que ela e Ted pararam na acidentada rua de pedra de Capri, sob o brilho dourado da luz do poste. Tinha se

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sentido diferente, mudada, naquele dia. Todas as dúvidas se dissiparam de seu coração. De alguma forma ela sabia que havia atravessado um túnel invisível, deixando de ser uma adolescente e tornando-se uma mulher de verdade.

A mesma sensação tomava conta de Cris agora. Ela se perguntava se aquele era o sentimento que se tinha quando se entregava cada área da vida ao Senhor, esperando que ele direcionasse as circunstâncias.

Cris tentou descrever para Katie o que estava sentindo, dizendo que era como se ela tivesse uma profunda certeza de que o Espírito Santo estava reconfortando seu coração. Katie lhe disse que achava que entendia. Ted retornou e as duas pararam de falar sobre o futuro.

Na verdade, Cris não se importava de suspender o assunto por alguns momentos. Contudo ela sabia que em breve precisaria levar um papo aberto com Ted. Afinal, ela teria de tomar decisões bastante sérias nos próximos dias e queria ouvir a opinião dele. Mais do que

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isso, queria saber quais eram os planos de Ted para o futuro.

Era meio-dia em ponto quando o trem chegou a Bruxelas, na Bélgica, e a primeira coisa que os três fizeram ao descer do trem foi sair à procura de um carrinho de batatas fritas. Ted disse que seus amigos haviam voltado da Bélgica contando vários casos sobre esses carrinhos que vendiam fritas nas ruas. Eram semelhantes aos carrinhos de sorvete da Itália e aos de cachorro-quente de Nova Iorque.

Não tiveram de andar muito. Ali mesmo, próximo à estação, havia um carrinho. Enquanto esperavam, observavam os enormes pedaços de batata - que já haviam sido fritos uma vez - passar novamente pela gordura, até ficarem crocantes. O vendedor lhes ofereceu vários molhos para mergulharem as fritas. Um deles era parecido com maionese. Cris preferiu experimentar a batatinha ao natural.

- ‘Tá quente demais! disse ela ao dar a primeira mordida.

Ted experimentou um molho escuro.

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- Não parece com molho barbecue nem com ketchup. Não sei. Acho que o gosto lembra camarão.

- Isso é muito esquisito! exclamou Katie, ao provar o molho que lembrava maionese. Até que é bom. Nesse caso, talvez seja melhor nem saber do que é feito.

- Lá na Suíça as criancinhas do orfanato gostam de pôr açúcar na pipoca, em vez de sal e margarina, disse Cris.

Era a primeira vez que um comentário acerca do orfanato não lhe fazia sentir um aperto no estômago. Sentia-se livre. Verdadeiramente livre.

Cris gostou demais das fritas. Ted e Katie até ficaram surpresos ao vê-la pedir outra porção quando já estavam quase indo embora.

- Muito bem. Já comemos as batatinhas, disse Katie. O que vocês querem fazer? Ficar mais um pouco aqui ou pegar o trem pra Amsterdã?

- Mas nós acabamos de chegar, disse Cris.- Eu dei uma olhada no horário dos trens,

principiou Ted. São mais ou menos umas três

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horas daqui a Amsterdã. Há vários trens durante o dia. Poderíamos passar a tarde aqui e partir à noite. Se decidirmos fazer isso, preciso telefonar para os meus amigos e perguntar-lhes se podemos ficar com eles.

A etapa seguinte seria voltar para a estação, achar um telefone público, conferir o horário dos trens e confirmar os planos para o dia. Pouco tempo depois, Ted saiu da cabine telefônica, com um papel nas mãos.

- Eles estarão nos esperando às 6:30h. O Mike disse que pode nos buscar na estação e nos levar para o Rochedo. Eles têm um culto às sete da noite. Vou dar uma mão pra eles nos louvor.

- Espera aí! disse Katie. Que papo é esse? O que é esse tal de Rochedo? De que louvor você ‘tá falando?

Ted explicou que Rochedo era o nome do albergue que Mike e Meg, um casal com quem trabalhara na Espanha, administravam em Amsterdã. Todas as noites, havia um culto de louvor das sete às oito. Cris podia ver o quanto Ted estava alegre de poder rever os amigos.

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Talvez estivesse ainda mais empolgado com a possibilidade de pôr as mãos num violão.

A fim de passar o tempo, os três ficaram perambulando pelas ruas de Bruxelas, carregando os pesados mochilões. O calor não era tão intenso como em Paris, mas o sol da tarde até que estava bem forte. Cris e Katie entraram numa loja para comprar chocolate belga e alguns suvenires. Ted ficou lá fora, com as bagagens. Cris comprou três guardanapos de renda que, segundo a vendedora, haviam sido feitos à mão. Eram muito bonitos e delicados. Katie, por sua vez, disse que aquele não era bem o tipo de presente que compraria. No entanto a vendedora acabou convencendo-a a comprar quatro marcadores de livro, também de renda.

- Achei que seriam bastante apropriados pra dar de presente quando eu voltar, disse Katie. Principalmente porque não vão pesar nada na bagagem.

Em seguida, amarrou o mochilão nas costas e soltou um suspiro.

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- É impressão minha ou a roupa suja pesa mais?

Caminharam mais alguns quarteirões e chegaram a um parque. Aproveitaram a sombra para descansar um pouco.

- Ah! Eu estava querendo comprar uns postais e alguns selos, disse Cris.

- Eu posso ficar aqui com a bagagem, se vocês duas quiserem voltar ao centro, disse Ted.

- Isso é loucura, gente! disse Cris. Estamos todos cansados e sem o menor pique pra passear aqui. A gente nem precisaria esperar o trem da tarde pra ir pra Amsterdã. Poderíamos partir agora mesmo e deixar pra comprar os postais e os selos por lá.

- Estou de acordo, disse Katie. Além do mais, estou com vontade de comer mais batatinhas. Vamos!

Os três fizeram uma parada no mesmo carrinho em que haviam comido antes e foram para a estação, comendo as fritas enquanto andavam. Chegaram bem na hora. O trem

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seguinte para Amsterdã estava prestes a partir. Tão logo tomaram seus assentos, Katie começou a rir.

- O que foi? perguntou Cris.- Estamos parecendo uns velhos! Dá pra

acreditar que ficamos apenas duas horas num país? Gente, nós estávamos na Bélgica! Adeus, Bélgica! exclamou Katie, acenando como se fosse uma miss, logo que o trem se pôs a caminho.

- É até ridículo pensar que os únicos suvenires que compramos durante toda a viagem foram de um país em que estivemos apenas pra provar suas famosas fritas! disse Cris.

Todos riram do comentário de Cris. O trem saiu da estação e Ted desafiou Cris a uma partida de xadrez. Katie se levantou, dizendo que ia comprar algo para beber.

- Querem que eu traga alguma coisa pra vocês?

- Não, obrigada.

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Cris tirou uma escova da mochila e se pôs a pentear o cabelo, enquanto Ted arrumava o tabuleiro. Durante quase toda a viagem, ela havia usado uma trança frouxa, mas, por causa do calor da manhã, optara por fazer um coque. Só que nas últimas horas o penteado começara a despencar vagarosamente. Cris deixou o cabelo solto e começou a desembaraçá-lo.

- Eu gosto do seu cabelo assim, comprido, disse Ted.

Aquele era mais um de seus famosos comentários breves.

Cris sentiu o rosto corar. Raramente Ted comentava sobre a aparência dela. Alguns anos atrás, ele havia dito que gostava do cabelo dela comprido. Na ocasião, ela havia acabado de fazer um corte bem curtinho. Desde então, deixara o cabelo crescer, em parte porque sabia que Ted gostava dele assim, mas também porque curtia poder fazer penteados diferentes nele.

Ted movimentou uma peça no tabuleiro de xadrez, começando o jogo. Cris virou-se de costas para ele e, rindo, inclinou a cabeça para

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trás. As pontas do cabelo quase lhe chegavam à cintura.

- Pronto, disse ela, com o queixo voltado para cima. ‘Tá comprido o suficiente?

Em seguida virou-se para Ted. O rapaz sorria para ela. Era o mesmo sorriso de felicidade que Cris havia visto em seu rosto quando ele a beijara na Noruega, a caminho do Museu Kon-Tiki.

Cris mexeu uma peça e em seguida torceu o cabelo. Já ia prendê-lo novamente quando Ted a interrompeu, logo após fazer sua jogada.

- Não! Faça uma trança. Quero ver como é o processo, disse Ted.

Cris partiu o cabelo em três mechas.- É assim, disse ela, passando rapidamente

uma mecha por cima da outra e fazendo a trança em poucos segundos.

- Calma. Foi muito rápido. Faça outra pra eu ver.

- Pra quê? ‘Tá querendo aprender a fazer tranças ou algo parecido?

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- E por que não? respondeu Ted, como se as palavras dela fossem o único convite de que precisava.

Inclinou-se um pouco e pegou as mechas da mão de Cris.

- Muito bem. De que lado começo?- Qualquer um. Não faz diferença.Cris se manteve imóvel, enquanto Ted

vagarosamente trançava seu cabelo, pedindo-lhe instruções. A primeira trança ficou muito frouxa. Na segunda tentativa, saiu apertada demais e Cris soltou um gritinho.

- Melhor agora? perguntou Ted ao refazer a trança, dessa vez segurando o cabelo de Cris com mais delicadeza.

- ‘Tá bom assim. Na verdade, não precisa ficar tão firme. Só um pouquinho mais do que a primeira que você fez.

- Pronto! anunciou Ted. Que tal?Cris pegou a trança das mãos dele e correu os

dedos por ela, sentindo cada parte.- Nada mal!

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- Nada mal?! exclamou o rapaz. Eu diria que ‘tá melhor do que “nada mal”. Acho que ‘tá até muito bom!

- Muito bem, então, disse Cris, sorrindo, ao virar-se para ele. Ficou muito bom.

Ted sorriu para ela.- É a minha vez agora, né?- Muito espertinho! Você sabe que ‘tá na

minha vez! exclamou Cris.Em seguida, ela olhou longamente para as

peças do tabuleiro de xadrez. Só que seus pensamentos não estavam no jogo. Ela estava pensando na forma como Ted havia feito a trança nela e, mais do que isso, no olhar que ele certamente estava lhe dirigindo naquele momento.

Esta deve ter sido a mais romântica e terna demonstração de carinho que você já me deu, Ted Spencer. Você me ama, não ama?

Cris percebia que ele se aproximava dela. Fingiu estar concentrada no jogo, mas não conseguiu. Sentia a respiração quente de Ted em

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seu pescoço. Bastaria apenas se virar um pouquinho para sentir o que tanto queria: os lábios de Ted tocando a maçã de seu rosto.

- Você é linda, Kilikina, sussurrou ele, logo que seus lábios encostaram na face dela. É linda em todos os sentidos.

Então os lábios de Ted tocaram os dela, num beijo terno e carinhoso.

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20

Cris nunca havia se sentido tão “arrebatada” em toda a sua vida. Era um sentimento forte, que perpassava todas as dimensões do seu ser: seus sentidos, suas emoções, seu espírito. Toda aquela intensidade a assustou, fazendo com que se afastasse de Ted. Cris olhou para ele, o coração pulsando fortemente. Ted, que há pouco estivera tão perto, achava-se a uns trinta centímetros de distância dela. Seu olhar era o mais doce, meigo, sincero e apaixonado que Cris há havia visto.

- Ted, principiou Cris em voz fraca. Eu... eu...- Eu sei, disse Ted, passando a mão no

pescoço. Não foi minha intenção...- Eu sei, disse Cris.- Mas o que eu disse foi sincero.Cris sorriu.- Obrigada.Ted se levantou e mudou de banco, ficando

de frente para Cris. Inclinou o corpo para a frente

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e pegou a mão dela, segurando levemente apenas três de seus dedos. Parecia não saber direito o que dizer.

Cris, por sua vez, tinha muito o que lhe falar. Tudo estava claro para ela, e seu coração achava-se cheio do que dizer. Cris se aproximou de Ted.

- Ted, principiou ela, falando suavemente. Enquanto você estava no Ártico, fiquei pensando em algumas coisas. E concluí que gosto muito quando você me beija. Só que eu gosto um pouco demais.

Cris percebeu o olhar surpreso de Ted, e acrescentou logo em seguida:

- O que estou querendo dizer é que nós nunca conversamos sobre isso; sobre nossos limites, princípios, regras, sei lá, relacionados a essa área.

Ted acenou afirmativamente.- Bem, o que vou lhe dizer pode até parecer

um pouco utópico, mas estive pensando bastante sobre isso e tive algumas idéias.

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- Continue.Cris procurou explicar-lhe da melhor maneira

possível sua idéia de guardar seus beijos e “gastá-los” apenas ocasionalmente. Falou de seu “cofrinho imaginário” e de como pretendia enchê-lo de expressões de carinho e amor.

- Então, quando você me beijou, minha vontade foi “gastar” um desses beijos especiais que estou guardando. Mas aí me afastei, pois assim poderia “guardá-lo” no meu cofrinho. Então, quando...

Cris não queria dizer “quando nos casarmos”. Silenciou, então, por alguns minutos, sentindo o rosto corar. Afinal concluiu dizendo:

- Então resolvi “guardá-lo”, pra quando chegar a hora certa; o momento em que poderei “gastar” todos eles, livremente.

O olhar de Ted para Cris parecia carregado de uma profunda admiração. Era como se as palavras dela o tivessem sensibilizado. Ted permaneceu em silêncio por um minuto e, afinal, falou:

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- Obrigado.- ‘Tá me agradecendo por quê?- Por você se importar. Por ter parado pra

refletir sobre esse aspecto do nosso namoro. Eu já havia pensado acerca disso também, muito tempo atrás. E resolvi que só iria beijá-la em ocasiões especiais. Um dos meu princípios era não dar beijos muito demorados e sempre beijá-la em público, pois assim não teríamos nada a esconder de ninguém.

Cris nunca se dera conta de que Ted havia parado para pensar sobre aquele assunto. Entretanto, ao relembrar os anos que haviam passado juntos, pôde perceber que todas as expressões de afeto dele haviam se enquadrado naqueles princípios.

- As coisas estão mudando pra nós, Cris, e fico feliz por isso, disse ele, apertando os dedos dela. Nosso relacionamento ‘tá amadurecendo, se aprofundando, e isso quer dizer que teremos muito mais decisões pra tomar, tanto individualmente quanto como casal. Você tomou uma decisão muito sensata nessa área, antes de

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mim. Sua escolha, no entanto, me ajuda muito, e fico grato por isso. Vou passar a “guardar” os meus beijos num cofrinho também.

Cris olhou por cima da cabeça de Ted e viu que Katie se aproximava.

- Podemos conversar mais sobre isso depois, disse ele, decodificando a expressão no rosto dela.

Cris abriu um sorrisinho no rosto. Em seguida, ergueu o queixo - como Ted costumava fazer na adolescência - puxou mão da dele e disse:

- Mais tarde.Se Ted entendera a “ligação” ou não, Cris não

sabia. Katie chegou, atirou-se na poltrona ao lado de Cris e examinou o tabuleiro de xadrez.

- Quem ‘tá ganhando? perguntou.Cris olhou para Ted, que sorriu para ela.- Nós dois, responderam em coro.- Nossa! exclamou Katie. Vocês ensaiaram

isso enquanto eu não estava?O que nós quase “ensaiamos” aqui, enquanto

você não estava, Katie, foi nossa técnica de

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beijar. Se você não me tivesse feito parar pra refletir sobre a questão dos “limites” nessa área, acho que teria nos pegado no meio de um beijo.

- A Cris estava me mostrando como sair na frente, Ted, mantendo os olhos fixos no tabuleiro.

- A Cris estava lhe ensinando isso?- Sim, replicou o outro. E agora é minha vez,

né?- Sem essa, parceiro! brincou Cris. É a minha

vez agora, lembra-se?- Essa eu vou ter de ver, disse Katie.Os três ficaram jogando xadrez em “grupo”,

durante todo o trajeto para Amsterdã. Katie ajudava a ambos, dando-lhes dicas na hora de moverem as peças. Ao chegarem, Cris pegou a mochila e, sem querer, deixou cair os postais de Sam no chão, e Katie acabou pisando num deles. Cris os apanhou e tentou limpá-los.

- Tenho de pôr estes cartões no correio antes que os perca por aí, disse ela, percebendo imediatamente o quanto aquilo era estranho.

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Os postais nem eram dela. Mesmo assim, existia alguém do outro lado do mundo, numa cidade chamada Glenbrooke, no estado de Oregon, que precisava receber aqueles postais de Sam. Ao pensar sobre aquilo, Cris se perguntava se não estaria levando a sério demais sua “incumbência”.

Enquanto os três caminhavam em fila pela multidão, Cris pensava em seus compromissos e responsabilidades e em como levava quase todos eles a sério. Em alguns casos, como no relacionamento com Ted, essa característica era algo muito positivo. No entanto, será que ela deveria levar tudo tão a sério assim? Até mesmo cartões-postais?

O tempo que tiveram para desbravar Amsterdã acabou sendo mais curto do que haviam imaginado. Às 6:30h, o amigo de Ted, Mike, apareceu para buscá-los. E lá se foram eles, atravessando a cidade a bordo do pequeno carro, rumo ao albergue que Mike e sua esposa administravam. Inicialmente, Cris pensava que pudesse ter conhecido Mike e Meg durante a

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semana que passara na Espanha, um ano atrás. No entanto já havia praticamente dois anos que o casal estava em Amsterdã, cuidando do ministério no albergue Rochedo.

Cris gostou de Meg imediatamente. Era loura e magra, bastante animada. Cris lhe perguntou se poderia fazer algo para ajudar a ajeitar as coisas para o culto. Meg disse a ela e à Katie que não se preocupassem e ficassem à vontade. Todas as noites, eles faziam um culto de louvor e adoração bastante informal. Às vezes apareciam uma meia dúzia de pessoas por lá; às vezes eram só ela e Mike.

Mike entregou a Ted o violão, e o rapaz se pôs a dedilhar algumas de suas canções prediletas, como uma que havia escrito, intitulada O Pó dos seus Pés. Cris e Katie o ouviam, acomodadas num sofá bem velho, voltado para a frente da pequena sala de reunião. Ted passou a tocar uma canção que Douglas havia composto, e Katie começou a cantar. Cris se pôs a acompanhá-la, e algumas

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pessoas foram entrando na sala ao ouvirem a música.

Ted fechou os olhos e, com a face voltada para o alto, cantou:

“Cantai àquele que cavalga os antigos céus,

Trovejando com sua voz poderosa,

Pois Deus é temível em seu santuário.”

Este é o dom que Deus deu ao Ted, pensou Cris. Ele me disse aquele dia que Deus dotou cada um de nós de maneira singular. E eu creio nisso. E creio também que o dom de Ted é levar as pessoas a adorar a Deus. É como um pastor de ovelhas a conduzir o rebanho.

O que era para ser um culto de uma hora, acabou durando duas. Inicialmente apenas três jovens que estavam hospedados no albergue entraram na sala. Depois, mais alguns começaram a chegar. Cris contou umas quinze, vinte pessoas. O período de louvor foi maravilhoso. Cerca de dez jovens ficaram por lá

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para conversar com Mike. Cris, Katie e Ted ficaram conversando com um rapaz argentino. Quando já eram quase onze horas, Cris reparou que Mike estava orando com dois dos rapazes com os quais estivera conversando.

Depois que todos se foram, Cris, Ted e Katie se reuniram na pequena cozinha com Mike e Meg. Meg estava preparando sanduíches de queijo grelhados para os três, já que a última refeição deles tinha sido as fritas que comeram à tarde na Bélgica.

- Estou até usando pão de forma, disse Meg, com um sorriso. Este é o sanduíche que mais me lembra de casa. É claro que o pão não é tão bom como os que minha mãe usava nos Estados Unidos, mas é o que há de mais semelhante por estas bandas.

- Deus realmente operou esta noite, disse Mike. Você me viram orando com aqueles rapazes? São escoceses. Ambos disseram que queriam entregar a vida ao Senhor. Algo incrível. Deus realmente usou você, Ted.

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- Eu não fiz nada, disse Ted. Foi o tempo de Deus.

- Sem dúvida foi plano do Senhor que você estivesse aqui pra liderar o louvor, justo na noite em que aqueles dois apareceram. Mas eu também acho que Deus usou sua vida, Ted, porque você estava disponível e aberto para o que o Senhor o mandasse fazer.

Cris devorou dois sanduíches e ficou pensando no quanto gostaria que sua vida fosse assim, disponível e aberta para o Senhor, de maneira que ele pudesse usar os dons que havia lhe concedido, para expandir o seu reino.

Ah, se ao menos eu pudesse descobrir quais são esses dons.

Na manhã seguinte, Ted e Cris ficaram conversando com Mike e Meg à mesa da cozinha, enquanto tomavam mingau de aveia. Katie continuava dormindo. Cris ouvia atentamente a conversa. Mike estava perguntando a Ted justamente aquilo que há muito ela queria lhe perguntar.

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- O que você pretende fazer no futuro, Ted? perguntou ele.

- Bem, vou trabalhar o restante das férias, pra ajuntar algum dinheiro, e em setembro * minhas aulas começam na Rancho Corona. Falta um ano pra eu me formar. Talvez um pouco menos.

- E o que vai fazer depois disso? perguntou Meg.

Ted tirou os olhos do mingau, virou levemente o rosto e olhou meio que de lado para Cris.

- Ainda não sei ao certo, respondeu.- Já pensou em trabalhar com missões em

tempo integral? Levantar sustento e assumir um compromisso de longo prazo? perguntou Mike.

- Já pensei sim.- Que tal voltar pra Europa?- É uma possibilidade, disse Ted.- Você já deve ter percebido onde é que quero

chegar, não? disse Mike. Gostaríamos muito de tê-lo aqui, trabalhando conosco. Precisamos de

* Nos Estados Unidos, o ano letivo tem início em setembro. (N. da T.)

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alguém pra nos ajudar com o Rochedo e você se encaixa perfeitamente no perfil que estamos procurando. Eu e a Meg ficamos muito empolgados ontem à noite, ao falarmos sobre o que poderia acontecer se você resolvesse se juntar a nós.

Ted terminou seu mingau sem fazer comentários.

- Pense nisso, disse Mike, encerrando o assunto. Ore.

Ted acenou afirmativamente.- Então, Cris, fale-nos mais sobre você,

principiou Meg, visivelmente tentando desviar a atenção que estava sobre Ted. Você nos disse ontem à noite que ‘tá estudando em Basel. O que pretende fazer depois?

- Na verdade, não tenho ainda muita certeza. Durante a viagem, tenho refletido bastante sobre os meus interesses, sobre o que gosto de fazer e, há coisa de dois dias, estive conversando com o Ted sobre isso. Percebi que estou caminhando numa direção que não é bem pra onde quero ir.

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- Você diz com relação ao trabalho no orfanato? perguntou Meg. Você comentou ontem à noite que o trabalho com as crianças é bem desgastante e exige muito de você.

Cris acenou afirmativamente.- Estou percebendo que não tenho os dons

necessários pra assumir um compromisso de longo prazo nessa área. Acho que preciso primeiramente descobrir quais são os meus dons e quais atividades eu deveria estar desempenhando em vez de estar trabalhando com crianças.

- A Cris tem muitos dons, disse Ted.- É mesmo? perguntou Mike. Parecia

interessado em saber.- Tem voz boa pra cantar?- Não, na verdade, não.- Gosta de lecionar?- Mais ou menos. Gosto de dar aula pra

criancinhas.- E aconselhamento? perguntou Meg.

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Cris balançou a cabeça. Estava começando a perceber que não seria tão simples detectar quais eram seus dons. Seria uma busca demorada. Nada do que falavam parecia ser bem a sua especialidade, o que a deixava insegura.

- A Cris tem um coração de ouro, muito puro. Algo bastante raro, disse Ted.

Depois ele olhou para ela com uma expressão franca e amorosa no rosto.

- Ela se dá incondicionalmente e ‘tá sempre incentivando e apoiando as pessoas. É amável, paciente e organizada. Procura sempre enxergar o melhor nos outros e em cada situação que enfrenta. ‘Tá sempre disposta a andar a segunda milha, mesmo quando é inconveniente pra ela. É flexível quando precisa mudar, generosa e muito madura pra sua idade. Tenho certeza de que Deus irá usá-la poderosamente.

Quando Ted parou de falar, reinou o silêncio. Cris estava impressionada com toda aquela chuva de elogios.

Afinal Meg quebrou o silêncio.

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- Por que você não nos disse, Ted? A Cris é aquela “pessoa” de quem você nos falou certa vez, né?

E, virando-se para Cris, continuou:- Como não percebi isso antes? Logo que Ted

chegou à Espanha, nós tentamos “ajuntá-lo” com uma missionária da equipe. Ela era da Pensilvânia. O Ted a tratava muito bem. Aliás, tratava todos muito bem. Mas aí, quando percebi que ele estava escapulindo de todas as nossas “dicas”, perguntei-lhe qual era o problema. Você se lembra disso, Ted?

Cris olhou rapidamente para Ted. Ele parecia estar tentando encontrar um jeito de falar para Meg que aquela conversa havia sido confidencial.

Percebendo a situação, Meg hesitou:- Então ele... quer dizer, vocês...- Eu não estava interessado na Tina. É isso

que você ‘tá tentando dizer, né?Meg sorriu um pouco sem graça para Cris.

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- Nós achamos que os dois formariam um casal bonitinho, sabe? Nós éramos o Mike e a Meg, e eles seriam o Ted e a Tina.

- Mas aí o Ted disse que gostava de uma outra pessoa e que estava esperando o tempo de Deus. Acho que agora já sabemos quem era essa pessoa. Era você.

- Era sim, disse Ted, dando toda sua atenção a Cris.

- Bom-dia a todos! disse Katie, entrando imponentemente na cozinha. O que foi que eu perdi?

Apenas uma das mais doces demonstrações de amizade eterna que o Ted já me deu, desde o dia em que colocou esta pulseirinha no meu pulso. Eu sou a namorada dele, Katie! De verdade! Ele me ama! Me ama já faz muito tempo!

- Não perdeu nada, respondeu Cris.Não que ela não quisesse que Katie

participasse da conversa. Mas é que aquela manifestação de carinho fora perfeita

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exatamente do jeitinho que havia acontecido. Cris não queria que alguém simplesmente repetisse os detalhes para Katie, pois as palavras não exerceriam o mesmo efeito que haviam tido sobre ela.

- Imagino que vocês estejam querendo dar uma volta por Amsterdã, disse Mike, mudando o assunto para Cris. Quer o carro emprestado, Ted?

- Não precisa. Podemos usar os passes de trem. Talvez você possa nos dar algumas dicas de onde ir, o que ver. E, se a Katie e a Cris concordarem, estou pensando em passar mais uma noite aqui.

- Com certeza, disse Katie. Posso pedir um favorzinho? Por acaso vocês têm máquina de lavar roupa, Meg?

- Temos sim. É pequena, mas vocês podem ficar à vontade para usá-la. Ou melhor, por que não me dão as roupas quando forem passear? Eu posso colocá-las na máquina pra vocês.

- Seria ótimo, disse Cris. Obrigada!

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Mike fez várias sugestões de lugares para conhecer, dentre eles alguns museus de arte, o Refúgio Secreto, onde Corrie Ten Boom* havia morado, e o Museu de Anne Frank.

- Alguma preferência? perguntou Ted.- Eu gostaria muito de conhecer o Refúgio

Secreto e pelo menos um museu, disse Cris. Nossa passagem pelo Louvre acabou sendo rápida demais. Acho que seria bom mais uma dose de cultura antes de partirmos para os Alpes suíços.

- É pra lá que vocês vão depois? perguntou Meg.

- Por enquanto sim, disse Ted. Mas somos bastante flexíveis.

O resto do dia Ted mostrou-se “flexível”, fazendo tudo o que Cris pedia. Katie percebeu a atitude do rapaz ao comprarem as entradas para o Museu de Van Gogh.

- Ué, Ted, achei que você tivesse dito que também não queria mais saber de obras de arte.

* Durante o Holocausto, a holandesa Corrie Ten Boom ajudou a esconder vários judeus das perseguições de Hitler. (N. da T.)

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- A Cris queria passar aqui e achei que seria uma boa idéia.

Na opinião de Cris, a idéia era boa mesmo. Katie ficou mais animada com a visita ao museu ao reconhecer alguns dos trabalhos de Vicent Van Gogh e deduzir que ele era o artista que vivia em tormento e que acabou cortando fora uma orelha.

Cris permaneceu um bom tempo apreciando a famosa pintura dos girassóis. Em alguns pontos da figura, a tinta havia atingido a tela de tal forma, que formara espessas lascas, que mais pareciam um glacê endurecido. A diferença é que, em vez de branco, o glacê era amarelo bem vivo. Contudo, nas áreas não atingidas pela tinta, era possível enxergar a própria tela do quadro. Toda aquela criativa expressão deixava Cris fascinada.

Ao seguirem para o Refúgio Secreto, Katie soltou mais uma reclamação. É que ela queria visitar o Museu de Anne Frank, mas Ted acabou resolvendo aderir à escolha de Cris, mesmo sendo um lugar mais afastado da cidade. Para

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piorar, a Relojoaria Ten Boom, onde ficava o Refúgio Secreto, estava fechada quando eles chegaram, de forma que não puderam entrar.

Às seis da tarde, os três chegaram ao Rochedo, bem na hora em que estava saindo o jantar que Meg havia prometido preparar para eles. Cris elogiou a comida, dizendo que o bolo de carne, o purê de batatas e as vagens eram os melhores que já havia comido desde que viera para a Europa.

- Você fica com saudades dos Estados Unidos quando come esse tipo de comida? perguntou Meg.

- Um pouco.- Você ‘tá pensando em voltar com o Ted e a

Katie, ou vai ficar pra terminar os estudos em Basel, mesmo estando decidida a mudar de curso? continuou ela.

- Não resolvi ainda.Ao ouvir aquilo, Ted olhou-a surpreso.- Mas preciso decidir rápido. Quer saber? Será

que eu poderia ligar para os meus pais? Ligo a

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cobrar. Uma conversa com eles me ajudaria bastante nessa decisão.

- Ah, eles vão amar receber seu telefonema! disse Katie. Se eu ligasse da Holanda a cobrar para os meus pais, eles bateriam o telefone na minha cara!

- É lógico que não, Katie! disse Cris.- Bom, eu é que não vou arriscar, disse Katie.Cris telefonou para os pais, depois de mais

um abençoado culto de louvor e adoração. Mesmo já sendo tarde da noite na Holanda, ainda estava de tarde na Califórnia. A mãe de Cris atendeu o telefone e foi logo perguntando se estava tudo bem com ela.

- Sim, estamos todos bem. A viagem ‘tá sendo ótima, mãe. Mas resolvi mudar o meu curso. Não sei ainda o que vou estudar, mas uma coisa eu sei: não consigo trabalhar com criancinhas para o resto da vida.

- Tem certeza, Cris? perguntou a mãe.- Sim, tenho sim. O que ainda não sei é se

devo continuar estudando aqui até o fim do

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próximo período ou voltar para os Estados Unidos. O que você acha?

A mãe de Cris ficou calada por uns instantes e afinal respondeu:

- Acho que quem tem de decidir é você, Cris. Você sabe que eu e seu pai a apoiaremos qualquer que seja a sua escolha. Mas a decisão é sua.

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- Há momentos em que ser adulta é muito ruim, disse Cris a Katie.

Era de manhã e as duas estavam tomando café na cozinha de Mike e Meg.

- ‘Tá sendo difícil tomar uma decisão com relação ao próximo período, não ‘tá? disse Katie.

Cris acenou afirmativamente.- Noite passada quase não dormi. Não

conseguia parar de pensar na decisão que eu e Ted tomamos naquele dia em Londres, um ano e meio atrás. Eu estava indo embora da Inglaterra e ele estava tentando decidir quanto tempo mais deveria continuar na Espanha.

- Foi aquela conversa que vocês tiveram numa pequena confeitaria? perguntou Katie.

- Foi. Como se lembra?- Você me disse que havia sido o passeio mais

romântico que já tinham feito. Só vocês dois, tomando chá e comendo scones em Londres.

Cris sorriu.

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- Acho que é por isso que eu queria tanto levá-lo à minha Konditorei em Basel. Eu me assentei à mesa dos fundos, sozinha, inúmeras vezes este ano. E sempre ficava imaginando como seria se o Ted estivesse lá, assentado de frente pra mim. Promete que não vai rir? Houve ocasiões em que até conversei com ele, como se ele estivesse comigo.

- E ele lhe respondia?- Às vezes.- Ai, ai, ai! Agora sim estou ficando assustada!

disse Katie, dando um aperto no braço da amiga. Você e o Ted precisam conversar sobre isso. É uma decisão bem séria.

- Era isso que eu ia lhe dizer. Ontem à noite não consegui parar de pensar na conversa que eu e o Ted tivemos naquele dia. O Ted citou uns versículos do Salmo 15.

- Nada mais típico. O Ted sempre tem um versículo pra cada situação.

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- Era alguma coisa sobre cumprir as promessas, mesmo quando isso nos traz sofrimento.

Katie ajeitou os cabelos vermelhos atrás da orelha.

- É isso que você vai fazer? Cumprir seu compromisso com o orfanato, por mais penoso que seja? perguntou.

Cris acenou afirmativamente, olhando para a amiga.

- Sim. Acho que é isso que devo fazer.- E como é que fica o Ted nisso tudo? Vai

deixá-lo esperando?- Eu voltarei em setembro.- Eu sei que não é muito tempo daqui até lá,

disse Katie,acho que sua decisão de honrar o compromisso é muito nobre e correta. Só acho que, depois desta viagem, não será nada fácil pra vocês se despedirem um do outro. Afinal, o relacionamento de vocês se aprofundou bastante.

Cris soltou um suspiro.

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- Você não faz idéia de como será difícil. Mas eu e o Ted já tivemos de nos despedir várias vezes ao longo desses anos. Mesmo assim, eu me sentiria bem melhor com relação a tudo o que ‘tá acontecendo se definíssemos melhor o nosso relacionamento.

- É o que você sempre quis, disse Katie.- É verdade.- E que mulher não quer?- Que mulher não quer o quê? perguntou Meg,

entrando na cozinha logo que Katie soltou o comentário.

- Estávamos apenas falando sobre rapazes, disse Katie, dando um sorriso para Cris. E então? Quais são os planos pra hoje? Achei que iríamos pra Suíça, mas estou com a impressão de que o Ted vai querer passar mais uma noite aqui. O culto de ontem foi mesmo fantástico!

E Katie tinha razão. Assim que Ted e Mike voltaram do café que haviam ido tomar com um amigo de Mike, Ted perguntou a Cris e Katie se elas se importavam de ficar mais uma noite. As

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duas haviam passado a manhã ajudando Meg a limpar os quartos e a fazer o almoço. Cris não ligava de ficar. Estava gostando muito dali. As tarefas domésticas tinham lhe dado um novo ânimo. Enquanto almoçavam o ensopado de legumes com pãezinhos, Cris aproveitou para contar aquilo a Ted.

- Você preferiria trabalhar num lugar assim a trabalhar no orfanato? perguntou Ted.

- Com certeza. É claro que não dá pra comparar todos aqueles meses no orfanato com apenas um dia trabalhando aqui. Mas agora sei o que você quis dizer com se sentir motivada, e não esgotada.

- O Ted lhe contou do nosso café da manhã? perguntou Mike, entrando na conversa particular de Ted e Cris. Apresentei-o aos meus parceiros de ministério e eles lhe perguntaram se ele gostaria de entrar para a equipe.

Cris não havia contado com a reação que teria ao ouvir aquilo. Tinha vontade de agarrar o pescoço de Ted e dizer: “Nem pense em fazer isso! Nós vamos estudar na mesma faculdade no

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semestre que vem. Nem me venha com essa idéia de voltar pra Europa, justo agora que eu estou quase voltando pra Califórnia! Você não pode fazer isso comigo!”

- E o que você disse a eles? perguntou Katie, olhando para Ted e em seguida para Cris.

- A mesma coisa que falei pra Cris alguns dias atrás. A necessidade não faz o chamado. Eu sei que este lugar precisa de pessoas, mas eu não sinto um chamado de Deus pra vir pra cá. Pelo menos, não por enquanto. Por ora, minha prioridade é terminar a faculdade. Depois disso, não sei ainda o que farei.

Cris sentiu os batimentos cardíacos voltarem ao normal. No entanto, tinha a impressão de que sofreria um colapso, caso ela e Ted não tivessem logo uma oportunidade de conversar sobre o que estava acontecendo e o que fariam quanto ao futuro.

- Bem, disse Katie, quebrando o silêncio. Pelo visto sou a única que não ‘tá confusa, sem saber o que fazer depois da viagem. Hoje de manhã a Cris resolveu que irá continuar no orfanato

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durante os próximos meses, até o compromisso dela com eles acabar. Eu queria que ela voltasse conosco, mas ela tem esse princípio de honrar o compromisso, por mais penoso que ele seja.

Cris olhou para Ted. Não sabia se a expressão no rosto dele era porque ele se lembrava de ter dito aquilo a ela ou se no fundo seu coração estava gritando: “Não, Cris! Não fique aqui! Volte conosco!”

Cris ficou toda sem graça quando Katie anunciou em público a sua decisão. Aquilo, porém, só lhe fez ficar mais firme no propósito de conversar com Ted assim que pudesse.

À tarde, porém, não puderam conversar. Meg acabou convencendo Katie e Cris a irem fazer compras com ela, e Mike pediu a Ted que trocasse o encordoamento do violão para ele. A única coisa boa da tarde foi que Cris e Katie puderam comprar algumas lembrancinhas e descobrir onde achar as coisas de que precisavam na mercearia do bairro.

À noite, cerca de trinta pessoas apareceram para o culto de louvor e adoração, que foi bem

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melhor do que os cultos anteriores. Cris se perguntava como Ted conseguiria largar tudo aquilo e partir na manhã seguinte. Era possível que ele quisesse ficar em Amsterdã. Será que ele iria sugerir que elas fossem para a Suíça sozinhas?

Cris ficou pensando na possibilidade de passarem o resto da semana ali. Seus pensamentos levaram-na a formular várias perguntas na cabeça. E se ela ficasse mais do que uma semana? E se ficasse em caráter definitivo? E se ela e Ted se casassem e voltassem para a Europa, a fim de trabalhar ali ou num local parecido? As possibilidades do que ela e Ted poderiam fazer, trabalhando juntos, pareciam infinitas. Quanto mais pensava naquilo, mais questionava sua decisão de ficar em Basel.

Além disso, pra que terminar a faculdade? Não preciso ter diploma universitário pra varrer o chão de um albergue, ou pra sair pra comprar cenouras e depois picá-las pra fazer um ensopado. Já tenho todas as habilidades necessárias pra trabalhar num lugar como este

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pelo resto da vida. E gosto muito do ambiente aqui. Gosto de usar minhas mãos pra servir.

Cris estava torcendo para ter uma chance de conversar com Ted após o culto. No entanto havia muita gente querendo falar com ele, e ela teria de entrar na fila. Então, resolveu ir dormir. Ficou olhando para o teto, imaginando como seria viver ali, casada com Ted.

Nem eu nem ele precisamos terminar a faculdade. Poderíamos começar a trabalhar aqui já. Poderíamos até nos casar por agora.

Só de pensar na possibilidade de se casar mais cedo, ficou toda emocionada.

Chega de tanta espera e indecisão! Posso voltar pra Califórnia com ele na segunda-feira. Tenho certeza de que dá para o casamento sair no final de agosto. E aí poderíamos voltar pra cá em setembro, em vez de ir estudar na Rancho Corona.

Cris ficou cansada de tanto pensar no futuro. Quando acordou, teve a sensação de que havia várias listinhas de afazeres invisíveis amarrando-a, como se fossem faixas de uma múmia.

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Cris se vestiu e foi para a cozinha, antes mesmo de Katie acordar. Tinha certeza de que Ted lhe diria que gostaria de ficar mais um dia. E já estava até planejando o que dizer quando ele anunciasse sua decisão. Iria ficar também. Se Katie quisesse, poderia ir embora. Afinal, ela era uma garota determinada e de expediente. Saberia o que fazer. Poderia muito bem viajar al-guns dias sozinha e dar um jeito de chegar ao aeroporto de Zurique.

Ted avistou Cris no corredor.- Bom- dia! Achei que eu seria o primeiro a

levantar, mas você já ‘tá de pé!- A Katie ainda ‘tá dormindo. Levantei pra

ajudar a preparar o café.- Você gosta daqui, não gosta? perguntou ele.- Tá tão na cara assim?- Você ‘tá usando seus dons, disse ele.- E você também, replicou Cris. E por falar

nisso, eu não me importo de ficar aqui mais um dia, se é isso que você veio me perguntar. Pra falar a verdade, acho que deveríamos passar o

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resto da semana aqui. Aliás, estava pensando que...

Ted a interrompeu, chamando atenção para sua bagagem apoiada na parede, atrás dele.

- Já fiz minha mala e estou pronto pra partir. Falei com o Mike que partiríamos hoje mesmo. Tem um trem às 7:2oh.

De repente, foi como se o mundo de sonhos que Cris havia criado desabasse.

- Então você não quer ficar aqui?- Não por enquanto. Não sinto nenhuma paz

pra abandonar os planos que já fiz e os compromissos que assumi. Na verdade, foi uma “coisa de Deus” que você estivesse enfrentando toda essa luta com relação ao orfanato em Basel. Percebi que só poderia lhe dizer que a necessidade não faz o chamado se colocasse esse princípio em prática em minha própria vida.

- Ah.Ted passou o braço pelo pescoço de Cris e

puxou-a para perto de si, num abraço gostoso.

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- Você não ‘tá parecendo muito animada. Se quiser, podemos sair num outro trem, mais tarde. Que tal sairmos pra tomar café? Poderíamos achar uma dessas confeitarias como aquela de que você vive falando e aproveitar pra conversar sobre o que você ‘tá enfrentando. Sei que você também ‘tá tendo de tomar decisões sérias e gostaria muito de ouvi-la.

Cris acenou, concordando. Estava prestes a passar o braço pela cintura dele, para poder ficar mais juntinho de Ted, quando Katie apontou no corredor.

- E aí, gente?Bastou Ted mencionar o trem das 7:20h para

Katie dizer que estava pronta para partir. Ele nem sequer chegou a mencionar a possibilidade de partirem um pouco mais tarde, considerando que ele e Cris estavam pensando em sair para tomar café.

A decisão deixou Cris frustrada. Quinze minutos depois, os três deixaram o Rochedo e foram com Mike e Meg para a estação de trem. Mike e Meg repetiam o tempo todo o quanto

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seriam bem-vindos, caso quisessem voltar. Ted lhes disse mais uma vez que tudo era uma questão de chegar o tempo de Deus e que estava plenamente convicto daquilo. Todos então se despediram com abraços acalorados.

Cris sabia que deveria aproveitar para tirar uma soneca, assim que se acomodassem no trem. Já havia aprendido durante a viagem que, quando não dormia o suficiente, não se sentia bem. O problema é que não conseguia “desligar” a mente para poder dormir. Na noite anterior, seus pensamentos em relação a Ted haviam ido longe... Ela se imaginara casada em agosto e de volta a Amsterdã em setembro. Agora, tinha de fazer força para parar de pensar em tudo aquilo e voltar a mente para o lugar.

Ted agia como sempre, de forma calma e tranquila; o que, de certa forma, ajudava Cris a “voltar” à realidade. E a partida de xadrez contra Katie também ajudou bastante. Foi um jogo demorado e bem disputado. Cris tentava se convencer a todo momento de que eles eram apenas três amigos vivendo uma aventura. Ela

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não tinha de ficar discutindo o que seria do futuro. O que ela precisava mesmo era das misericórdias que o Senhor renovava todos os dias sobre sua vida.

O sol já estava se pondo quando o trem chegou a Frutigen, doze horas depois. As nuvens cor de creme acompanhavam o sol, como se fossem um bando de carneirinhos peludos a seguir o leal pastor do rebanho. Os picos alpinos, por sua vez, projetavam vastas sombras nas construções que cercavam a modesta estação de trem.

Cris sentiu-se mais tranquila ao perceber que o ambiente lhe era familiar. O dialeto alemão que ouvia as pessoas falarem era bastante semelhante ao alemão falado em Basel.

- Espero que vocês realmente estejam a fim de sair da rotina, porque este lugar aqui não é nenhuma metrópole, disse Katie.

- Daqui em diante, vamos de ônibus. Liguei para o Sr. Rudolf Zimmerman ontem à noite e eles estão aguardando nossa chegada. O Sam

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tinha razão. Eles disseram que seria um prazer nos hospedar.

- Mas é claro que sim! disse Katie, secamente. Vamos trabalhar na fazenda deles de graça!

O trajeto de ônibus foi mais longo do que Cris imaginara. No entanto, a paisagem dava de dez nas outras que vira durante a viagem. O que lhe causava mais pesar, no entanto, era que o céu escurecia cada vez mais, impedindo-a de avistar os montes alpinos, que ficavam escondidos na escuridão. Já a neve atuava como um refletor de luz. Quando a primeira estrela despontou no céu, Ted passou o braço em torno de Cris e puxou-a para junto de si, a fim de mostrar-lhe o astro reluzente.

Os dois permaneceram juntinhos o resto da viagem, e Cris notou que afinal estava conseguindo pôr os pensamentos em ordem. Ela e Ted eram apenas isto: o Ted e a Cris; amigos para sempre um do outro. Por enquanto era tudo que precisavam ser. Com certeza teriam uma chance de conversar com calma pela manhã. O lugar era pacato e os dois poderiam terminar

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todas as conversas que haviam ficado pendentes nas últimas semanas.

O Sr. Rudolf foi buscá-los no ponto de ônibus. Cris teve vontade de cair na gargalhada ao ver a cara de Katie, quando o avistaram. Ele parecia o avô de Heidi *, protagonista de um filme a que ela e Katie haviam assistido juntas diversas vezes. Tinha uma enorme barba branca e usava um chapéu de feltro verde, com uma vistosa pena vermelha presa de lado. Falando em inglês com certa dificuldade, o Sr. Rudolf bondosamente os convidou a se hospedarem em sua casa.

- Não estou acreditando nisso! cochichou Katie, enquanto seguia o “avô” pela rua de pedra.

Quando chegaram o local para onde o Sr. Rudolf os levara, Katie não conseguiu conter o espanto. O meio de transporte dele era uma charrete! Rindo à beça, os três subiram no “veículo” e lá se foram, rumo à casa da família Zimmerman.

* Adaptação de um clássico da literatura infantil universal, Heidi conta a história de uma menina órfã de oito anos que vive nos Alpes suíços com o avô. (N. da T.)

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No escuro Cris não podia ver direito como era o chalé. Entretanto, pelo que conseguia ver sob a luz da lanterna, estavam diante de um mundo encantado.

Ao chegarem, D. Eva Zimmerman os recebeu com muito carinho e insistiu em que tomassem a sopa que havia preparado. Era uma senhora meio gorda e usava uma trança grossa, enrolada no alto da cabeça. A casa era extremamente limpa, e a decoração bem bonita e alegre. Cris tinha certeza de que se tratava de uma antiguidade.

Depois de tomarem a deliciosa sopa, Cris e Katie foram levadas a um quartinho que ficava no andar de cima da casa. Nele havia duas camas pequenas, próprias para crianças. Ted, por sua vez, foi caminhando ao celeiro, onde dormiria sobre o palheiro, com vários cobertores de lã.

Assim que a porta se fechou, Cris e Katie seguraram uma no braço da outra e se puseram a rodopiar pelo quarto.

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- Se isto aqui não fosse tão legal, diria que era, no mínimo, assustador, disse Katie.

- Por quê?- Porque é como se tivéssemos saído do

mundo real e entrado no mundo da fantasia! Estou me sentindo a própria Heidi! E amanhã de manhã, Peter *, o pastor das cabras, aparecerá na janela e me chamará para ir com ele para as montanhas.

Cris soltou um risinho.- Veja só estas camas! Acho que elas já foram

de João e Maria! **- E devem ter sido compradas no “bazar de

garagem” *** da Branca de Neve, quando dois dos Sete Anões resolveram se mudar de lá. Acho que vamos ter de dormir totalmente encolhidas pra caber nelas!

Cris se encolheu toda debaixo do pesado edredom e dormiu tranquila e feliz a noite toda. Já Katie ficou reclamando no outro dia, dizendo * Na história, Peter é o melhor amigo de Heidi. (N. da T.)** Personagens da conhecida história infantil A Casinha de Chocolate. (N. da T.)*** No original garage sale: trata-se de um comércio caseiro muito comum nos Estados Unidos, em que as pessoas expõem para venda objetos pessoais que não lhes interessam mais, como roupas, livros, móveis, etc., a preços bem baixos. Esse “bazar” geralmente é montado no quintal ou na garagem da residência. (N. da T.)

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que não conseguira dormir nada e que as costas doíam.

- Ora, ora! Você ‘tá e inventando desculpa pra poder escapulir das tarefas na fazenda! disse Cris, que já havia trocado de roupa e estava pronta para ordenhar as vacas.

Cris encontrou Ted e o Sr. Rudolf no celeiro. Ted estava tentando tirar leite da vaca. Cris ficou de longe, observando o namorado, tentando abafar o riso. Ao ouvi-la, o Sr. Rudolf fez sinal para que se aproximasse. Cris, no entanto, não queria ficar perto da zona de ataque de Ted. Tinha jato de leite esguichando para tudo quanto era lado.

- Ora, vamos, Cris! Dê uma mãozinha aqui, por favor! disse Ted, levantando-se do banquinho. Veja só como a minha namorada é boa nisto! disse ele, todo orgulhoso. Ela cresceu na fazenda.

Fazia anos, uma década talvez, que Cris não ordenhava uma vaca. E mesmo durante o tempo que vivera na fazenda Wisconsin, quando criança, não era ela quem tirava o leite das

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vacas. Tudo era feito com maquinário próprio. Contudo ela de fato sabia como ordenhá-las. Quando tinha cinco anos, seu pai lhe ensinara pacientemente aquilo que ele chamava de “a arte perdida”.

Não muito segura de si, Cris se assentou no banquinho e apoiou o ombro e a cabeça na vaca marrom.

- Vamos lá, vaquinha, disse ela calmamente. ‘Tá tudo bem. Fique calminha.

O primeiro jato caiu diretamente no balde metálico, fazendo um barulhinho gostoso e familiar. Cris sorriu. Continuou ordenhando a vaca, mostrando uma habilidade incrível. Afinal parou, quando as mãos já estavam doloridas, e o balde, pela metade.

- Você ‘tá sempre me surpreendendo, Kilikina, disse Ted.

- A mim também, disse Katie, entrando no celeiro, depois de observar Cris lá da porta. E saber tirar leite de vaca é uma habilidade extremamente útil às moças que estão em idade de se casar.

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Cris se afastou da vaca e perguntou se Katie não gostaria de tentar também.

- Não, obrigada! Eu até me arriscaria a saltar de bungee jump ou a comer lula crua. Mas isso aí, nem pensar!

Katie, no entanto, se lançou a diversas novas “aventuras” ainda durante a manhã. Bateu a manteiga e deu ração às galinhas, dentre outras coisas. Simpatizou com um dos cavalos que puxava o arado e, mais tarde, Cris a encontrou dando uma porção de grãos de aveia para o cavalo, que comia direto na mão da garota.

- Quer ir com a gente até as montanhas? perguntou Cris. Vamos de teleférico.

- E quem vai?- Eu e o Ted. A D. Eva preparou uma cesta de

piquenique pra levarmos conosco às campinas superiores. Quem sabe você até encontre o Peter, o pastor das cabras, por lá.

- Claro, irei com vocês. A não ser que você esteja querendo passar um tempo a sós com o Ted.

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De fato essa era a intenção de Cris, mas ela não queria que Katie soubesse a verdade.

- Que isso, Katie! Nós três vamos nos divertir à beça!

Os três se assentaram nos bancos do teleférico e começaram a subir, sobrevoando a vila de Adelboden. Os assentos eram de madeira e não pareciam muito firmes. Cris acenou para Ted, que estava no banco em frente ao dela. Katie se assentara na frente de Ted. Ao atingirem uma altura considerável, Cris ouviu Katie gritar lá da frente:

- Finalmente estamos numa aventura!Cris sorriu. Então era isto que você tinha em

mente, ao dizer que queria entrar numa aventura. Ótimo. Fico feliz que tenha realizado seu desejo, Katie. Mas hoje já é sexta-feira. A cada segundo que passa, minhas chances de conversar com Ted diminuem ainda mais. Só temos mais um fim de semana e pronto! Você conseguiu a aventura que queria, Katie. Mas, agora que meu coração finalmente se aquietou,

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será que vou conseguir o que tanto quero? Traçar um plano para o futuro?

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22

Quando chegaram, Ted desceu do teleférico e pegou a cesta das mãos de Cris, ajudando-a a descer em seguida. Os dois tiveram de correr para acompanhar Katie, que já estava rodopiando pelo campo, em meio às flores silvestres.

- Ela ‘tá achando que é a Heidi, explicou Cris a Ted.

Ainda dançando, Katie se pôs a cantar bem alto, imitando a Noviça Rebelde.

- Você ‘tá no país errado, Katie, gritou Ted. Já cantamos isso lá na Áustria. Lembra-se das fontes e da abadia?

Cris inspirou profundamente, enchendo os pulmões do ar fresco dos Alpes. Os cumes das montanhas, cobertos de neve, pareciam mastros a estender aquele céu de puríssimo azul sobre ela, sustentando-o nas alturas. No chão a campina verde se espalhava como um tapete, salpicada de flores silvestres, que mais pareciam

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confetes coloridos. Cris ficou pasmada com tanta beleza.

Katie continuou cantando e esvoaçando pelos campos, sem dar confiança ao comentário de Ted. Agora que estavam ali, ela agia como se aquela fosse a sua “aventura”, o que, para Cris, era bastante engraçado; afinal fora ela, e não Katie, quem havia pedido para passar alguns dias numa cidade interiorana.

Isto aqui não tem nada de aventura! Estamos descansando! Aventura mesmo seria dançar na Praça San Marcos em Veneza, ou andar a cavalo nas praias da Espanha.

Ted pôs a cesta de piquenique em meio às flores e deitou-se perto dela. Depois, apoiou-se sobre o cotovelo e abriu um sorriso de satisfação para Cris.

Acho que meus amigos estão felizes de podermos passar estes últimos dias juntos, aqui nos Alpes. Engraçado, mas, pensando em tudo que aconteceu, se eu fosse planejar a viagem hoje, faria tudo diferente. Gostaria de acampar com o Antônio. Hoje seria uma acampante

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totalmente mudada. Sairia para pescar com o Ted e tomaria banho de rio todos os dias. Só agora estou me sentindo preparada para as férias.

- Este deve ser um dos cantos mais incríveis, espetaculares excepcionalmente maravilhosos do mundo! disse Ted, deitando-se e olhando para o alto. É como se estivéssemos a um nadinha do céu.

- É incrível, né? replicou Cris, sentando-se perto dele.

Em seguida, abriu a cesta de piquenique.- ‘Tá com fome? Parece que este pão aqui foi

feito em casa!Katie chegou esvoaçando perto deles.- Muito bem. Já sou uma mulher feliz. Já

dancei nos prados alpinos. Agora só falta andar de gôndola pra eu me sentir plenamente realizada!

- É, concordou Ted. Nós deixamos a oportunidade passar.

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- Não dá pra acreditar que chegamos a pisar na estação de Veneza e depois fomos embora, disse Katie. Onde é que estávamos com a cabeça? A gente estava numa pressa doida pra chegar a algum lugar. Nem me lembro qual.

Cris se lembrava. Estavam indo para Salzburgo. E, embora houvessem tomado a decisão juntos, de certa forma ela se sentia culpada, uma vez que fora ela quem os pressionara no início da viagem a sair para conhecer as cidades e passear e tudo o mais.

Katie se abaixou e colheu uma flor.- Já ouviram falar na lenda norueguesa das

flores silvestres?- Não. Onde você ouviu isso? Em Oslo?

perguntou Cris.- Não. É uma velha tradição que minha avó

me ensinou quando eu tinha uns oito, nove anos. Foi quando estava na casa dela, na noite do solstício de verão.

- A noite do solstício é hoje, disse Ted. O Sr. Rudolf estava me falando disso lá no celeiro. Não

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estava entendendo nada, mas aí ele me disse que hoje era o dia em que a luz do sol duraria mais tempo. Isso é o solstício de verão, né?

- Exato! exclamou Katie com as faces coradas de tanta empolgação. Ocasião perfeita! Faça uma coisa aqui comigo, Cris. Você tem de apanhar sete flores silvestres e dormir com elas debaixo do travesseiro.

- Sete flores iguais ou podem ser diferentes? Perguntou Cris.

- Acho que não faz diferença, replicou Katie; continuando rapidamente a explicar a tradição. Reza a lenda que, se você dormir com sete flores silvestres debaixo do travesseiro, na noite do solstício de verão você sonhará com a pessoa com quem se casará.

- Quero experimentar também, disse Ted, com um sorriso gozador. Quantas flores mesmo? Sete?

- Você não pode entrar na brincadeira! disse Katie. É só pra meninas!

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- Katie, você tem certeza de que isso não é algum truque de magia medieval? perguntou Cris. Porque eu não acredito em nada dessas coisas.

- Nem eu, replicou Katie. É apenas uma simples tradição folclórica. Não tem de usar palavras mágicas, nem jogar asinhas de morcego na “poção”. Só estou passando um pouquinho da cultura dos meus antepassados pra vocês. É como fazer um pedido antes de soprar as velas do bolo.

Sob os olhares de Ted, Cris e Katie saíram pelos campos, para colher as flores. Depois de caminharem uma boa distância, de modo que Ted já não podia ouvi-las, Cris perguntou:

- Como é que você ‘tá se sentindo com relação àquele lance do ciúme?

Katie parou por um instante e olhou para Cris, como se estivesse atormentada com a pergunta.

- Por que pergunta?- Só estou querendo saber. Imagino que às

vezes deve ser constrangedor pra você ficar

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perto de mim e do Ted, por mais que você não demonstre isso.

- Já melhorei bastante em relação ao início da viagem. Talvez se o Marcos ou o Antônio tivessem demonstrado algum interesse em mim, por menor que fosse, não teria sido tão doloroso ver você e o Ted ficarem cada vez mais apaixonados, bem na minha frente.

Cris não conseguiu segurar e abriu um sorriso, sentindo o rosto corar.

- Vocês dois são perfeitos um para o outro, disse Katie com um suspiro.

Em seguida, abaixou-se e apanhou a primeira flor. Era amarela.

- Fico muito feliz por vocês, continuou ela. E, no fundo, acho tudo isso sensacional. Fico imaginando que, se algum dia vocês terminassem em definitivo, uma parte de mim se murcharia e morreria. Olhar pra você, Cris, me dá esperanças de que existe algum rapaz temente a Deus por aí, que um dia me dirá que eu sou o Sol, a Lua e as estrelas da vida dele. E

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me olhará da mesma forma que o Ted olha pra você.

Cris colheu uma pequenina flor branca.- Há sim, Katie. Tenho certeza de que ele ‘tá

por aí, em algum lugar neste mundo.- É. Possivelmente ele vai vir é “de outro

mundo”! disse Katie com uma gargalhada. Senão, não vai aguentar conviver comigo!

- Provavelmente vai ser um rapaz tímido e mais reservado, disse Cris. Afinal, dizem que os opostos se atraem. E aquele jogador de beisebol da Rancho? Como é mesmo o nome dele? Camisa 14, não é isso? Ele é um rapaz tímido?

- Sei lá. Quando conheci o Mark ele não estava nem um pouco “quieto” ou “inibido”. Mas também, eles haviam acabado de vencer o último jogo da temporada. Ele tinha cara de ser alguém muito franco e sincero. Pareceu-me um rapaz descomplicado, simples, e eu gosto muito disso.

Alguns instantes depois, Katie continuou. Já haviam colhido três flores cada uma.

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- Sabe, o que realmente quero é confiar mais em Deus com relação a essa área da minha vida. E estou aprendendo isso um pouco melhor agora. Não foi você que me disse que Deus dá o melhor àqueles que deixam a escolha por conta dele?

- Não sei. Talvez eu tenha falado algo assim. Mas isso ‘tá parecendo coisa do Ted.

- Eu quero confiar mais em Deus, disse Katie corajosamente.

- Que engraçado! Eu tenho afirmado o mesmo pra mim durante esta viagem. Tenho a tendência de achar que sei o que é melhor pra minha vida, ou o que irá acontecer no futuro. Mas a verdade é que não sei de nada. Só Deus, mesmo.

Katie levantou o olhar e sorriu para Cris, segurando o pequeno buquê de florzinhas.

- Acho que não faz muita diferença em que estágio da vida estamos, né mesmo? Com um namorado ou sem ninguém.

- Com um diploma universitário, ou não, acrescentou Cris logo em seguida.

Katie acenou, concordando.

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- O que temos de fazer é “soltar as rédeas e deixar que Deus assuma o controle”, como dizem por aí. Sabe, Cris, fico muito feliz por termos a amizade uma da outra durante esta viagem. A viagem da vida, digo, e não apenas este passeio aqui pela Europa. Acho que estaria pirada hoje, se não pudesse contar com você, o Ted e todos os nossos amigos. Vocês são o meu círculo de sanidade mental.

- Círculo de sanidade mental, repetiu Cris. Gostei disso. Vocês são o mesmo pra mim.

- Muito bem, acho bom pararmos com isto antes que eu dispare a chorar daqui a pouco. Minha choradeira e meus soluços poderiam provocar uma avalanche, de tão altos que seriam!

Cris soltou uma gargalhada e deu uma de suas florzinhas para Katie.

- Toma. Você fica com uma das minhas e eu fico com uma sua.

As duas trocaram as flores e, em seguida, Katie falou:

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- Este é o sinal de que seremos madrinha uma da outra quando nos casarmos, certo?

- Com certeza. Estamos fazendo nossa própria versão da lenda norueguesa.

As duas riram e voltaram de braços dados para onde Ted estava. O rapaz se achava deitado na toalha de piquenique. Depois, Cris e Katie enrolaram as flores num guardanapo de pano e o puseram dentro da cesta, num local seguro. Ted apanhou um dente-de-leão todo branco e felpudo.

- Já brincaram de fazer um pedido com esta flor? perguntou Ted. Quando éramos crianças, eu e meus colegas arrancávamos essas florzinhas no pátio da escola, fazíamos um pedido e soprávamos a penugem. Acho que conseguimos deixar o canteiro do pátio sempre cheio de sementinhas, sem que ninguém nos ajudasse.

Cris estendeu a mão e apanhou um dente-de-leão perto dela. Fechou os olhos e fez um pedido.

- Gostaria de ainda poder visitar Veneza.

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Quando abriu os olhos, Ted estava de pé, olhando atentamente para ela, surpreso.

- ‘Tá falando sério? Gostaria de ir lá?- Sim, gostaria muito. Quero viver mais uma

aventura antes de chegar segunda-feira.- Tem certeza? Pode ser que não cheguemos

a tempo de provar as quitandas de sua confeitaria.

- Não faz mal.Ted olhou para Katie e depois para Cris.- Até daria pra irmos mesmo. Podemos pegar

o ônibus que vai pra Frutigen e, em Basel, pegar o trem que pára em Spiez. Fazemos uma conexão em Milão e chegamos a Veneza antes da meia-noite.

Katie soltou uma gargalhada e partiu um pedaço de pão.

- Você ‘tá me assustando, Ted. Vai me dizer que decorou o horário dos trens enquanto estava deitado no palheiro ontem à noite?

- Na verdade, não. Hoje pela manhã olhei a distância daqui a Veneza porque tive a mesma

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sensação que a Cris ‘tá tendo. Quero mais uma dose de aventura.

- Espera aí, pessoal, principiou Katie. Qual o problema de passarmos mais uma noite aqui e irmos pra escola da Cris amanhã e nos divertirmos por lá no domingo?

- Você ‘tá recusando uma aventura? perguntou Cris. ‘Tá igual a mim quando começamos a viagem. E eu estou parecendo com você agora.

- Eu gostei daqui, replicou Katie.- Você vai gostar de Veneza também, disse

Ted.Depois apanhou mais um dente-de-leão.- Desejo que Katie mude de idéia! disse ele,

soprando a penugem bem no rosto dela.- ‘Tá bom, ‘tá bom! Se for pra ficar me

torturando desse jeito, melhor irmos.De repente o semblante de Katie se iluminou.- Ah! E podemos nos encontrar com o Marcos!

Estou dentro!

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A descida da montanha, a bordo do frágil teleférico, foi bastante animada. Os três estavam elétricos. Gritavam uns para os outros e apontavam para os detalhes da belíssima paisagem que os cercava, ao descerem sobre o vilarejo de Adelboden, com a atenção voltada para o mundo lá embaixo.

Depois de explicarem rapidamente seus planos para a D. Eva e o Sr. Rudolf, e fazerem as malas mais depressa ainda, lá estavam eles na porta da casa, subindo na charrete do “vovô”.

Cris nunca se sentira tão animada e empolgada. Foi então que se lembrou de algo.

- Esperem! Nossas flores! gritou ela.Desceu da charrete e correu em direção à

casa, tentando explicar à D. Eva que havia esquecido as flores enroladas no guardanapo, dentro da cesta de piquenique.

D. Eva riu e entregou tudo a ela - guardanapo, flores e tudo o mais. Depois, apressou a jovem até a porta. E lá se foram de charrete pela estreita estrada que levava ao ponto de ônibus. Do alto da colina, Ted avistou a

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principal via da vila. O coletivo já estava dobrando a esquina.

- Aquele é o ônibus que temos de tomar, disse ele ao Sr. Rudolf.

Havia acabado de consultar o horário dos trens e, então, anunciou:

- Se não pegarmos o ônibus, não conseguiremos fazer a conexão em Spiez.

- Será que esta charretinha não consegue ir um pouco mais rápido, não? perguntou Katie ao Sr. Rudolf.

Ele respondeu qualquer coisa em alemão, ou talvez aquilo fosse francês. Seja lá o que tenha dito, os cavalos entenderam, porque imediatamente “decolaram”! Com o arranque, Cris e Katie trombaram uma na outra e seguraram firme, gargalhando até chegarem ao ponto.

- Segurem o ônibus! exclamou Ted quando ainda estavam a alguns metros de distância.

Uma fumaça preta saiu pelo escapamento do veículo e a porta se fechou em seguida.

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- Esperem! gritou Ted.Dos quatro, o Sr. Rudolf parecia ser o que

mais estava se divertindo com a caçada ao ônibus. Continuou guiando firmemente os cavalos rumo ao veículo. Ao ver que este já estava mancando, pôs o dedão e o dedo indicador na boca e soltou um agudo assovio. O motorista do ônibus não o escutou, porém os cavalos ouviram o ruído. Confusos, os animais empinaram as patas ao ar.

Com o barulho, dois senhores chegaram à porta das lojinhas que havia na avenida. Um deles estava usando um grande avental branco de açougueiro. Uma mulher, num vestido de corpete justo, saiu de outra loja, no final da avenida, com dois garotinhos em calças de couro, típicas daquela região. Ao verem que o Sr. Rudolf tentava parar o ônibus, todos se puseram a acenar, gritar e correr atrás do veículo também.

Cris não conseguia parar de rir. Tinha a sensação de ter sido transportada de um conto

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de fadas para o desenho animado Busy Town* e, agora, era como se fossem os personagens da película, vivendo uma incrível trapalhada. Só precisavam que o Sargento Murphy** chegasse com seu apito enferrujado.

O motorista de uma Mercedes azul juntou-se a eles e saiu atrás do ônibus, fazendo um buzinaço até que o condutor do coletivo parou, quando já estava saindo da cidade.

- Obrigada, muito obrigada, disse Katie, estendendo a mão e cumprimentando todos os que haviam ajudado, como se fosse uma princesa desfilando num carro alegórico.

Em seguida, desceu da charrete, pôs o mochilão nas costas e continuou cumprimentando as pessoas.

- Obrigada! Não teríamos conseguido sem a ajuda de vocês. Vocês foram incríveis! De verdade.

A alegre platéia vibrava com o feito. O Sr. Rudolf ria e acenava enquanto Ted, Cris e Katie

* Criados por Richard Scarry, os personagens de Busy Town (Cidade agitada) ilustram filmes, desenhos animados, livros, etc. são produtos educativos destinados a crianças. (N. da T.)** O Sargento Murphy é um dos personagens de Busy Town. (N. da T.)

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corriam para entrar no ônibus. O único que não estava achando graça das trapalhadas dos três era o condutor do coletivo. Percebendo isso, Ted foi com Cris e Katie para o fundo do ônibus, pois assim poderiam rir à vontade e comentar sobre cada detalhe daquela aventura, sem ter de aturar o olhar bravio do motorista pelo retrovisor.

Cris só conseguiu relaxar de verdade quando os três embarcaram no trem que os levaria a Milão. A paisagem era deslumbrante, e a impressão que tinha era de que ainda estava nas montanhas. Não queria que aqueles dias na companhia de seus melhores amigos acabassem nunca.

Tinham conseguido fazer todas as conexões, e tudo estava correndo tranquilamente até que chegaram a Milão. Era sexta à noite e a estação de trem estava lotada. Ted ia na frente, orientando o caminho até o guichê, onde fariam as reservas e trocariam os bilhetes por passes de primeira classe, pagando a diferença. Ted consultava o relógio a todo tempo.

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- Será que vamos conseguir pegar o próximo trem? perguntou Cris.

- Temos cinco minutos. Se o trem não atrasar um pouquinho, acho que não iremos conseguir.

- Não seria melhor corrermos pra lá? Podemos ir em pé na segunda classe mesmo, sugeriu Cris.

- Por mim, tudo bem, respondeu Katie. Já fizemos isso antes.

Saíram correndo pela estação, mas, quando chegaram à plataforma, o cobrador não os deixou embarcar. O trem estava lotado e só podia entrar quem tivesse feito a reserva. Parecia que todo mundo queria passar o fim de semana em Veneza.

Os três retornaram ao guichê e tiveram de enfrentar uma fila ainda maior.

- Que tal se eu e a Cris fôssemos comprar algum lanche enquanto você espera? Podemos trazer pra você.

- Obrigado, seria bom mesmo fazer um lanchinho, disse Ted.

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- Não há de quê. Voltamos num minuto! Mas não saia daqui, senão ficamos perdidas!

Cris procurou ficar junto de Katie. As mochilas trombavam a todo momento na multidão de turistas que circulava ali. Cris nunca vira uma estação tão cheia e barulhenta. Enquanto caminhava, perguntava-se se aquilo não seria reflexo das férias escolares que haviam começado nos Estados Unidos e na Europa, levando uma legião de estudantes a começar suas aventuras agora. Ela sabia que tinham conseguido evitar muito daquele tumulto, partindo logo no início do mês.

- Tem uma pizzaria ali, disse Katie. Vamos aproveitar e comprar a mais, caso fiquemos presos aqui a noite toda.

Depois de esperar um bom tempo na fila, Cris e Katie pediram uma pizza inteira e três refrigerantes. Cris segurava a pizza com as duas mãos. O forte cheiro de alho e pimenta a torturava. Ted ainda estava na fila quando as duas retornaram ao guichê.

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Cris e Katie resolveram se assentar num banco e, quinze minutos depois, Ted foi ao encontro delas, com a notícia de que milagrosamente conseguira três assentos na primeira classe. Ao que parecia eram os últimos assentos que haviam restado para aquele dia.

- O único problema é que o trem só sai às 6:00h da manhã, disse Ted ao entregar-lhes os passes.

- Será que devemos procurar um albergue, então? perguntou Cris.

- Acho que estarão todos lotados, disse Katie. Li no guia turístico que os albergues das grandes cidades italianas costumam encher muito rápido, e o aconselhável é garantir o lugar bem cedo.

Ted consultou o relógio.- Deveríamos então achar um hotel. Só que

minha grana ‘tá curta. Ah, e por falar nisso, preciso que vocês me dêem o dinheiro dos bilhetes de primeira classe. Seria um prazer poder pagá-los pra vocês, mas...

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- Tudo bem, nós íamos pagá-los de qualquer jeito, disse Cris. E a pizza é por nossa conta.

Caminharam até um canto mais tranquilo e acertaram as contas. Depois comeram a pizza que já havia esfriado, e tomaram o refrigerante que já estava quente.

- De onde surgiu tanta gente? perguntou Ted.- Pelo visto a temporada de turismo começou

oficialmente aqui na Europa, disse Cris.Ela não gostava nem um pouco de sentir o

corpo todo suado e fedorento. Seja lá o que fossem fazer em Veneza no dia seguinte, Cris esperava que um banhozinho estivesse incluído no pacote.

Cada hora um deles se levantava para dar uma volta, enquanto os outros ficavam com a bagagem. Katie aproveitou para comprar barrinhas de chocolate e um chaveiro de recordação. Vários estudantes americanos pararam para conversar com eles. Trocavam experiências, idéias e nomes de lugares onde ficar. Quando eram umas duas da manhã, Ted comeu a última fatia da pizza fria. O cheiro de

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alho, que impregnou o cantinho onde estavam, incomodou Cris.

Ted se ofereceu para uma partida de xadrez, mas Cris recusou. O que ela queria era encontrar um jeito de se apoiar confortavelmente na mochila e dormir. Aquela aventura para Veneza, que tinha começado de forma tão espontânea, estava perdendo a graça rapidamente.

Cris fechou os olhos e apoiou a cabeça no mochilão. Foi então que se lembrou das flores silvestres.

- Katie! Onde é que você enfiou o guardanapo com as flores?

- É mesmo! Já se foi quase metade da noite e nós não estamos dormindo com as florzinhas debaixo do travesseiro! Acho que você colocou o guardanapo na bolsa.

Depois de vasculhar seus pertences, Cris encontrou o guardanapo e abriu-o cuidadosamente. Além de amassadas, as flores se achavam enrugadas e murchas. Algumas já estavam até sem o caule.

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- Será que vai dar certo? perguntou ela a Katie. Será que vamos sonhar com nossos futuros maridos, mesmo elas estando dilaceradas?

- Acho que, se conseguirmos pelo menos sonhar com alguma coisa boa, dormindo num lugar destes, já estará até bom demais, disse Katie, pegando suas sete flores com cuidado e enrolando-as numa bandana toda amassada.

Cris achou um pedaço de jornal e improvisou um envelope para colocar as flores. Em seguida enfiou-o no bolsinho da frente do mochilão e tentou se acomodar de forma que a cabeça se apoiasse sobre ele. Mexeu-se um pouco até achar uma posição confortável e abriu os olhos. Ted a observava, sorrindo. Ao vê-lo, Cris abriu um sorriso.

- Quero um relatório completo do sujeito que aparecer nos seus sonhos, disse ele.

Você sabe que vou sonhar com você, Ted. Sempre sonho com você. Só você.

Entretanto, tudo que ela lhe disse foi:

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- Tudo bem.Cris não sabia quantas horas havia dormido,

nem com quem sonhara. Na verdade, não sabia nem se tinha sonhado. Acordou de repente ao ouvir Katie gritar.

- Tire as mãos de mim, seu maluco!Ainda com os olhos embaçados, Cris viu um

homem careca e parrudo, agachando-se perto de Katie, tentando conversar com ela. Estava cheirando a álcool.

Ted acordou e disse:- Dê o fora daqui, cara!Imediatamente o homem se levantou e foi

embora, andando a passos lentos e falando sozinho.

- Basta desse negócio de flor silvestre! exclamou ela, levantando-se e ajeitando o moletom.

- ‘Tá tudo bem com você? perguntou Cris.- Aquele cara foi o pesadelo em pessoal disse

Katie. Eu estava bem aqui, sonhando com o meu príncipe misterioso, quando senti alguém

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mexendo no meu cabelo. Achei que ia me virar e ver o rosto do meu amado, mas dei de cara com aquele sujeito!

Cris não conseguiu segurar o riso.- Ah, amiga!Katie fez um beicinho.Ted riu.- A moral dessa história das flores devia ser

que “há certos mistérios que só Deus deve conhecer”.

- Não brinca! Sério? disse Katie. E você, Cris? Com quem sonhou? Ou será que podemos adivinhar?

Cris podia sentir Ted olhando para ela. Entretanto sentia-se acanhada demais para retribuir o olhar. E não queria ter de dizer que nem sequer havia sonhado.

- Há certos mistérios que só Deus deve conhecer, replicou ela baixinho.

Cris teve tempo de sobra para pensar na vida durante o restante da incômoda noite no chão da estação de Milão e depois, durante a viagem de

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três horas até Veneza. O forte sentimento de apreensão que sentira em Amsterdã já havia passado. Agora ela sabia que loucura tinha sido pensar em se casar dali a dois meses e voltar com Ted para trabalhar no Rochedo. Havia tomado uma boa decisão ao optar por continuar trabalhando no orfanato até seu compromisso com eles terminar. Sentia paz em dar continuidade ao trabalho que havia começado.

O que ainda carecia de uma definição era seu relacionamento com Ted. Ele não a beijara nem uma vez desde a viagem para Amsterdã, em que ela lhe dissera que estava “guardando” beijos para depois. E aquilo a deixava um pouco incomodada, porque a intenção não tinha sido fazer com que ele recuasse completamente. Embora tivessem passado bastante tempo juntos nos últimos dias, não haviam ficado tão “agarradinhos” como Cris gostaria. E agora ela não sabia direito se gostava ou não daquilo. Será que não poderiam ser um pouco mais carinhosos um com o outro? Ou será que aquela era a

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maneira de Ted respeitar o pedido dela, de guardar os beijos?

Cris tinha certeza de que tudo se resolveria assim que tivessem uma oportunidade de levar uma boa conversa em particular. A questão é: quando teremos essa chance? O tempo que temos juntos ‘tá ficando cada vez menor. Hoje já é sábado! Eu até não ligo de ficar em Basel mais dois meses, mas acho que não posso esperar tudo isso pra ter uma conversa franca e íntima com Ted.

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Quando o trem chegou a Veneza, às nove da manhã, Ted, Cris e Katie tiveram a impressão de estar pisando numa estação diferente daquela em que haviam estado duas semanas antes. Em vez de vazio e sossegado, o local achava-se barulhento e cheio de turistas. Caminhando pela multidão, os três chegaram ao táxi aquático e embarcaram, juntamente com dezenas de outros estudantes.

Enquanto o barco acelerava pelas águas, Cris protegeu os olhos da luz do sol e se pôs a observar a paisagem, procurando gravar cada detalhe na memória. Do outro lado do canal, achava-se uma das muitas ilhas que constituíam a antiga cidade de Veneza. O pináculo de uma torre estendia-se rumo ao céu, e vários prédios bem altos e antigos enfileiravam-se, bem próximos um do outro. Ao observá-los, Cris achou que lembravam senhoras bem gordas, trajando seus melhores vestidos, confortavelmente assentadas lado a lado no

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banco da igreja. Algumas usavam chapéu, outras pareciam segurar a bolsa no colo. Um sorriso arrogante parecia enfeitar cada uma das fachadas dos prédios, como se aquelas senhoras estivessem ouvindo o sermão vindo dos céus, mas, ao mesmo tempo, guardassem no coração maliciosos segredos do passado.

- Que lugar maravilhoso! exclamou Cris ao descerem do barco. Quero dizer, já tinha visto Veneza em várias fotos e filmes, mas este lugar parece maior do que a própria vida!

- Há algo no ar, né? disse Ted.Cris deu uma fungadinha, mas não sentiu

nenhum odor de alho pairando por ali.- Não, disse Ted. Estou falando de uma certa

“atmosfera” que envolve este lugar. Esta cidade já viu de tudo.

- É, concordou Cris. Estava pensando agora mesmo em como aqueles prédios lembram mulheres gordas e arrogantes, assentadas uma ao lado da outra.

Ted sorriu para ela.

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- O que vamos fazer primeiro? Comer ou achar um albergue?

Cris tinha certeza de que Ted preferiria comer. Já ela, queria tomar um banho. No entanto foi Katie quem decidiu por eles.

- Vamos ligar para o Marcos!- Nós temos o endereço da joalheria do pai

dele, não temos? perguntou Ted. Podemos ir até lá e ver se ele ‘tá lá. É mais provável que ele esteja na joalheria do que em casa. Não podemos ir deduzindo que poderemos nos hospedar na casa dele.

- Será que poderíamos deixar a bagagem em algum lugar antes? perguntou Katie. Estou cansada de ficar carregando esta bagulhada pra todo lado.

- Podemos achar um albergue, sugeriu Cris.Uma garota que estava perto deles virou-se

então e disse com sotaque britânico:- Os albergues só irão abrir pra registros às

3:00h da tarde. A cidade ‘tá muito cheia. Mas, se quiserem, podemos passar pra vocês o endereço

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de um hotel que encontramos bem mais perto daqui. Vocês querem?

- Sim, obrigado, disse Ted.O hotel foi uma boa opção, com exceção da

diária que era mais cara que a do albergue. Ted estava praticamente sem dinheiro, já que havia gastado bastante para pagar a passagem de avião de Narvik para Copenhague. Pelas contas, Katie tinha ainda setenta e cinco dólares, e restava a Cris uma quantia um pouco maior.

- Podemos fazer uma “vaquinha”, disse Cris. Se juntarmos o dinheiro, teremos o suficiente pra pagar o hotel e o restaurante. Que mais que a gente quer? É claro que, nesse caso, teremos de voltar pra Basel na segunda classe, mas não tem problema. Vai dar tudo certo.

O otimismo de Cris e também a sugestão de que tomassem um banho antes de sair pela cidade ajudaram bastante. Quando deixaram o hotel, estavam famintos, mas pelo menos tinham dado uma refrescada e não precisariam carregar a pesada bagagem.

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- Vamos descobrir um restaurante diferente e original! disse Katie. Chega dessas lanchonetes fajutas pra turistas! Depois podemos dar uma chegada na joalheria e conhecer o resto da Praça San Marcos.

Seguindo o próprio faro, os três atravessaram estreitas ruas e várias pontes extremamente rebuscadas. Não faziam a menor idéia de onde estavam indo.

- Não vi um restaurante sequer por aqui! disse Cris. Não seria melhor consultarmos o guia turístico?

Katie tirou o livro da bolsa, e três cartões postais caíram no chão.

- Não acredito que até hoje não pus estes postais no correio, disse Cris, abaixando-se para pegá-los.

- Aquilo ali não ‘tá parecendo uma agência dos correios? perguntou Ted, apontando para um edifício um pouco mais abaixo de onde estavam. Pelo menos, tem cara de ser. Aquilo ali na frente é uma caixa de correio, não é?

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Ted e Katie ficaram folheando o guia turístico à procura de um bom restaurante, enquanto Cris se aventurou pelo pequeno prédio. Ao entrar, notou um senhor assentado atrás do balcão, lendo o jornal. Os óculos de armação metálica estavam apoiados bem na extremidade de seu pontudo nariz, a ponto de caírem. Cris entregou-lhe os postais, mas não compreendeu o que ele replicou. Ela então lhe estendeu algumas moedas para pagar o selo, tentando falar vagarosamente em inglês. O senhor colou os selos para ela e olhou-a por sobre os óculos. Em seguida, fez sinal com a outra mão para que ela lhe desse mais dinheiro. Cris tirou mais duas moedas do bolso e deu a ele. O senhor abanou a cabeça, como se quisesse dizer que a quantia não era suficiente, e acenou com a mão, soltando em seguida uma série de palavras em italiano. Cris deduziu que ele estava lhe dizendo que a quantia estava bem próxima do valor correto e que ela podia ir embora. Então, saiu do prédio, sacudindo a cabeça.

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- Era mesmo uma agência de correio? perguntou Katie.

- Não sei. Mas o senhor que estava lá selou os postais e recebeu as moedas que lhe dei, embora eu ache que ficou faltando dinheiro. Que cara estranho! Se os postais de Sam chegarem a Oregon será um milagre!

- Então os postais não eram seus? perguntou Katie.

- Não. Dá pra acreditar? Lembra daquele rapaz que conhecemos no trem pra Paris? Ele deixou os cartões caírem dentro do guia. Já faz uma semana que estou planejando colocá-los no correio pra ele.

Ted passou a mão pelo ombro de Cris e puxou-a para perto de si.

- Minha Boa Samaritana! brincou.Cris gostava de senti-lo perto dela,

principalmente quando ele estava de banho tomado e todo cheiroso. Passou o braço pela cintura de Ted e apoiou a cabeça no ombro dele.

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- Muito bem, senhores pombinhos, disse Katie. Precisamos achar um lugar pra comer. Já nem estou ligando mais se for uma lanchonete fajuta pra turistas. Vamos dar um jeito de chegar à Praça San Marcos.

Os três seguiram o mapa e atravessaram várias pontes. Já estavam quase chegando à praça, quando Cris sentiu um cheiro de alho no ar.

- Humm, estão sentindo este cheiro?Katie se pôs a farejar e seguir o aroma. Os

três foram parar num restaurante minúsculo, que ficava numa estreita rua. Parecia uma pizzaria. A porta estava aberta, mas não havia ninguém lá dentro.

- Será que devemos entrar? perguntou Cris.- Alô?! exclamou Katie, entrando

destemidamente no restaurante. Ciao! Tem alguma coisa de comer à venda aqui?

Então uma mulher baixinha e gordinha veio recebê-los, trajando um avental branco por cima do vestido.

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- Americanos! exclamou ela. Entrem, por favor! Devem estar com fome, não?

- Sim! responderam os três em coro.- Gostariam de preparar a própria pizza?

perguntou ela. É que estamos de folga agora.- É mesmo? disse Ted. Nesse caso,

gostaríamos muito de montar nossa própria pizza.

Ted passou por trás do balcão e lavou as mãos numa pia. Cris e Katie fizeram o mesmo.

- Basta nos dizer o que fazer, e nós faremos, continuou ele. E por falar nisso, meu nome é Ted. Estas aqui são Katie e Cris. Somos da Califórnia.

- Meu nome é Cassandra. Já moramos em Nova Iorque por uns tempos. Que pizza vocês querem?

- Qualquer uma, respondeu Ted por eles.Em seguida apontou para o banquinho em

que Cassandra havia apoiado a perna direita.- Machucou o pé? perguntou.- Sim, hoje de manhã.

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- Já colocou uma compressa de gelo nele?- Não.Bem à vontade, Ted abriu a pequena

geladeira dos fundos. Cris e Katie sorriram constrangidas para Cassandra. O rapaz voltou em seguida, com um pedaço de mussarela fria enrolado numa toalha.

- Tome. Não ‘tá congelada, mas deve ajudar.- Você é um anjo, replicou Cassandra

teatralmente. Venha cá, deixe-me dar-lhe um beijo.

Ted se abaixou para colocar a mussarela sobre o tornozelo dela. Cassandra deu-lhe um beijo em cada face. Cris teve a impressão de que o gesto deixara Ted desconcertado.

- Onde fica a massa da pizza? perguntou o rapaz, pegando um avental que vira no balcão.

Durante as duas horas que se seguiram, Cris riu a valer. Enquanto Cassandra descansava com o pé para cima, os três aprenderam a arte de lançar a massa ao alto e depois espalhar o molho de tomate especial sobre ela. Ted já estava

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colocando a pizza no forno com o auxílio de uma enorme pá, quando duas jovens entraram na pizzaria.

Cassandra lhes disse qualquer coisa em italiano e as duas deram uma risadinha. Depois, assentaram-se e ficaram observando Ted, que já estava com a testa toda brilhante de suor.

- Disse-lhes que você prepararia a pizza pra elas, explicou Cassandra.

- Mais uma pizza especial do Ted saindo daqui a pouquinho.

Foi a vez de Katie tentar jogar a massa para cima, Cris tinha quase certeza de que a massa cairia na cabeça da amiga, como sempre acontecia nos desenhos animados. Contudo Katie surpreendeu e se saiu melhor do que Ted. Depois de Cassandra muito insistir, Cris resolveu tentar também, mas, justo na primeira tentativa, seu punho acabou abrindo um buraco no meio da massa. Cris brincou, fazendo de conta que a massa era uma grande pulseira que estava prestes a arrebentar.

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- Você a abriu demais e aí ela ficou muito fina, disse Cassandra. Tente de novo.

Na segunda tentativa, a massa rodopiou pelo ar, abrindo perfeitamente. Todos deram uma salva de palmas para Cris.

Ted botou uma toalha sobre o braço e serviu a primeira fatia da pizza para Cassandra, imitando um garçom profissional. Cassandra elogiou o rapaz e lhe ofereceu um emprego na pizzaria.

- Humm, deixe-me ver, disse ele, passando a mão no queixo, como se estivesse pensando seriamente na proposta dela.

- Lembre-se de que a necessidade não faz o chamado, disse Cris.

Ted riu do comentário de Cris e passou o braço pelo ombro dela. Depois, virou-se para Cassandra.

- Sinto muito, mas minha namorada disse “Não”.

- Ahh! exclamou Cassandra, toda empolgada. Ela é sua namorada? Por que não me disse

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antes? Esperem! Não saiam daí! disse ela, enquanto tentava se levantar.

Quando conseguiu ficar de pé, Cassandra bateu a mão no avental e uma névoa de farinha bem fina se levantou e os envolveu.

- Tenho de dar-lhes uma benção.Cris passou o braço pela cintura de Ted, que

permaneceu de pé, com o braço sobre os ombros dela. Cassandra ergueu as mãos e tocou os lábios de Ted e Cris com os dedos. Proferiu uma melódica série de palavras em italiano e, em seguida, tirou os dedos dos lábios deles, trazendo-os para os próprios lábios. Depois beijou-os e os pressionou contra a face de Ted e Cris.

O olhar de Cassandra era de quem fazia um pedido.

- Não sei como dizer na língua de vocês. Não é a mesma coisa, entendem? Mas desejo-lhes toda a bondade de Deus, disse da.

- Obrigada, replicou Cris, praticamente sussurrando. Grazie, Cassandra. Molte grazie.

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- Molte grazie, repetiu Ted, apertando o ombro de Cris e aproximando-a dele.

- Será que você não tem uma benção aí pra nós que ainda estamos “disponíveis”? perguntou Katie.

Cassandra olhou-a como se não houvesse compreendido a pergunta.

- Ela quer receber uma benção também, explicou Ted.

- Volte aqui quando tiver um namorado e eu abençoarei vocês.

Cris achou que o comentário arrasaria o coração de Katie. Entretanto, para surpresa dela, a amiga não fez nenhuma brincadeirinha, nem ficou choramingando. Em vez disso, disse corajosamente:

- Um dia eu voltarei, Cassandra. Pode esperar. Eu voltarei! E seja lá quem for o rapaz, ele valerá cada palavra que você disser.

Cris nunca havia se sentido tão orgulhosa da amiga.

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Ted, Cris e Katie só conseguiram sair da pizzaria de Cassandra várias horas depois. A parada seguinte seria a joalheria da família de Marcos.

Até que do lado de fora, a loja não aparentava ser grande coisa. No entanto bastou pisar lá dentro para os três perceberem que estavam numa joalheria bem cara e de clientela bastante selecionada. O teto da loja, em forma de cúpula, era todo adornado e, no centro, havia um lustre dourado e reluzente. Em cada canto do recinto havia estátuas de mármore. Os sofás, encapados com um tecido brocado dourado, eram almofadados, de forma que os clientes podiam se assentar confortavelmente enquanto olhavam as peças expostas nos armarinhos de vidro. Imediatamente um senhor alto, vestindo um terno preto, veio recebê-los. Parecia o segurança da loja.

- Olá, como vai? Gostaríamos de falar com Marcos Savini, se ele estiver, disse Ted.

- O Sr. Savini não se encontra, replicou o segurança.

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- Tudo bem, mas estamos falando do filho dele, explicou Katie. O Marcos está?

- O Sr. Carlos Savini e o Sr. Marcos Savini não estão, respondeu ele.

- Será que poderíamos deixar um recado pra ele? perguntou Katie.

O segurança tirou um cartão do bolso e abriu a porta para que eles se retirassem.

- Obrigada, respondeu Katie, pegando o cartão.

Tão logo saíram da loja, ela comentou:- Puxa! Que tratamento, hein? O oposto da

pizzaria da Cassandra! Pelo que estou vendo, eles não gostam nada desses universitários americanos pobretões. Acho que não somos bem-vindos aqui como fomos na casa do Antônio.

- Será que devemos telefonar e deixar um recado? perguntou Cris.

- Não, respondeu Katie. Ele deve estar viajando.

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- Vamos desbravar, então! sugeriu Ted. Quero conhecer a Praça San Marcos.

O que mais impressionou Cris na praça foram os pombos. Estavam por toda parte. Muita gente comprava alpiste dos vendedores ambulantes e ficava alimentando os pássaros, que desciam e pousavam em suas mãos. Um garotinho parecia petrificado de medo e encanto ao mesmo tempo, ao perceber que dois pombos haviam pousado em sua cabeça, e outros quatro aterrissaram em seus braços. Um senhor lhe disse algo em alemão e afastou-se um pouco, para tirar uma foto do garoto. Cris pegou a máquina na bolsa e tirou algumas fotos da praça. Durante a viagem, tinha batido apenas três rolos de filme. Na maioria dos lugares, havia ficado tão “encantada”, observando e apreendendo os detalhes do que via, que praticamente se esquecera de fotografar.

Naquela tarde, contudo, Cris compensou o atraso e bateu todo o filme que estava na máquina e mais um. Fotografou a igreja que ficava ao fundo da praça e, depois, subiu até a

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cúpula da basílica, de onde tirou fotos panorâmicas da praça. Tirou também várias fotos das gôndolas que passavam sob a Ponte Rialto.

Katie não voltou a falar no passeio de gôndola, nem Cris tocou no assunto. Havia lido no guia turístico que os passeios podiam sair muito caro; e duvidava que teriam dinheiro para alugar uma gôndola. Cris se perguntava se Katie havia chegado à mesma conclusão.

Será que essas gôndolas serão como a Lille Havfrue? A sereia ilusória que, para encontrá-la, tivemos de atravessar o mundo? Será que, agora que chegamos aqui, Katie ‘tá achando que o passeio é uma bobagem? Por que será que tantas coisas na vida acabam assim, como os castelos e os fiordes?

Quando o sol se pôs, os três estavam exaustos. Sofriam os efeitos de ter passado a noite em claro na estação de Milão e andado a tarde inteira por Veneza. Cris nem fome sentia. Tudo que queria era dormir.

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No dia seguinte, Katie foi a primeira a se levantar e acordou Cris.

- Vamos, Raio de Sol! Levante-se! Veneza ‘tá a sua espera! brincou ela.

- Que horas são? quis saber Cris.- Quase nove. Está batendo seu recorde,

hein? Eu e o Ted já estamos de pé faz horas. Fomos tomar café e trouxemos uma tortinha pra você. Espere até você prová-la! Acho que esta aqui ganha de todas as que já comemos nesta viagem!

Katie estendeu-lhe a quitanda de massa folhada. Tinha forma de cone e era recheada de chocolate.

- Já até vi por que você gostou desta aqui! disse Cris ainda deitada, ao colocar um pedação de torta na boca. Obrigada por ter trazido pra mim. E me desculpe por ter deixado vocês esperando.

- Não esquente. Determinei que hoje ninguém vai pedir desculpas por nada. É o nosso último dia juntos e quero que seja perfeito!

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Para Cris, aquela deliciosa quitanda era uma maneira perfeita de começar o dia. Sentia-se completamente refeita após tantas horas de sono.

Cris tomou um rápido banho, e logo depois Ted providenciou para que pegassem um barco e fossem até a Ilha de Murano ver os sopradores de vidro. Cris gostava muito de passear de barco e sentir o vento em seus cabelos. Estava perto do parapeito, batendo fotos, quando Ted se aproximou por trás dela e cercou-a, pondo as mãos sobre a grade.

- Eu não quero que você vá embora, disse Cris suavemente.

- Mas eu não estou indo a lugar nenhum, replicou ele, encostando o rosto no cabelo dela.

- ‘Tá sim. Amanhã, neste mesmo horário, você estará no avião, a caminho da Califórnia, e eu estarei na aula. Não, na verdade o primeiro horário já terá terminado e eu estarei na minha Konditorei, afogando as mágoas em alguma quitanda.

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- O avião só sai de Zurique à duas da tarde, disse Ted.

- Muito bem, então. Eu estarei na Konditorei e você estará no aeroporto. Estaremos longe um do outro de qualquer jeito, Ted. Não quero que o amanhã chegue.

Cris se virou e afundou o rosto no ombro do rapaz. Queria que Ted lhe dissesse que voaria até o céu, enlaçaria o Sol e o deteria com as próprias mãos, a fim de que ele não concluísse sua “trajetória” e o dia nunca acabasse. Ou então, se Ted não fosse tentar aquilo, Cris desejava que ele pelo menos a beijasse.

Mas Ted não a beijou.A dor que Cris sentia só aumentou durante o

passeio pela Ilha de Murano. Os três assistiram ao habilidoso artesão, que soprava o vidro através de um tubo comprido e oco, moldando rapidamente vasos belíssimos com o líquido fumegante que saía do outro lado do tubo. Durante a volta, Ted ficou conversando com um treinador de atletismo aposentado e sua esposa, que eram de Ohio, Estados Unidos. Cris

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permaneceu perto do parapeito, sozinha, observando as ondinhas que o barco imprimia na água.

- Precisamos tomar algumas decisões, disse Ted.

Tinham acabado de descer do barco e agora estavam em pé numa sombra.

- Acho que deveríamos tentar ligar para o Marcos mais uma vez, disse Katie.

- Não sei se teremos tempo de encontrar com ele, observou Ted. A diária do hotel termina à uma da tarde, ou seja, daqui a vinte minutos. Conferi o horário dos trens e temos algumas opções de partida. Independentemente do trem que escolhermos, serão dez horas daqui a Basel.

- Tudo isso? disse Katie. Achei que estivéssemos mais perto. Acho também que devíamos ir andando enquanto conversamos, para chegarmos a tempo ao hotel. Se eles resolverem nos cobrar mais uma diária, não sei se teremos dinheiro pra pagar.

Ted começou a caminhar e perguntou a Cris:

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- Será que teria algum problema se passarmos a noite no dormitório da universidade?

- Acho que não. Vocês estão pensando em pegar o trem pra Zurique amanhã de manhã?

- Isso. É uma hora de viagem apenas.- Eu sei.Cris se perguntava se os novos planos lhes

permitiriam fazer uma rápida visita à sua Konditorei. Sentia que, se conseguissem encaixar aquilo no roteiro, de alguma forma seria mais fácil se despedir dos amigos.

- Poderíamos pegar o trem das 2:00h. Chegaríamos em Basel à meia- noite. Mais três trens partem depois desse. O último sai às 20:30h e, nesse caso, chegaríamos às 6:30h da manhã de segunda-feira, o que seria praticamente em cima do horário das aulas de Cris.

- Não tem problema.Cris queria ficar o máximo que pudesse ao

lado de Ted e não se importava de descer do

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trem e ir direto para a universidade. Se pudesse, nem iria às aulas. Viajaria para Zurique com Ted e Katie e ficaria com eles até às duas da tarde, quando embarcassem no avião. Entretanto o período letivo* que estava se iniciando era bem curto e, se ela perdesse uma aula que fosse, sua nota poderia baixar quase que pela metade. E como suas nota não haviam sido das melhores no período passado, Cris sabia que deveria se esforçar ao máximo para conseguir boas notas agora. Senão, isso poderia afetar até mesmo a bolsa de estudos parcial que havia conseguido na Rancho Corona, instituição em que começaria a estudar em setembro.

- Podemos pegar o último trem. Assim teríamos mais algumas horas aqui em Veneza.

Katie, que estava concordando com tudo naquele dia, achou a idéia excelente. Ted sugeriu que pegassem a bagagem no hotel e se dirigissem para a estação, para fazer as reservas. Depois, poderiam comer uma pizza com o dinheiro que sobrasse.

* No original, summer term: Trata-se de um período de aulas mais curto, que acontece antes do mês de setembro, quando tem início o ano letivo. (N. da T.)

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Foram duas horas de espera na fila da estação. Todos os assentos na primeira classe do trem das 20:30h estavam reservados, e eles teriam de viajar na segunda classe, o que poderia significar dez horas em pé. Ou pelo menos as três primeiras horas até Milão.

Depois, compraram uma pizza na própria estação. O dinheiro de Cris já estava pelos centavos. Tinham ainda três horas em Veneza, mas nenhum deles sabia o que fazer.

Cris sentia os pés e o coração cada vez mais pesados. Ted estava calado. Era triste demais pensar que a viagem estava chegando ao fim. Nem sequer conseguiam planejar como passar as últimas horas que tinham juntos.

Foi Katie quem os “empurrou” o restante do dia, com seu espírito alegre e otimista. Sugeriu que sentissem o gostinho de um sorvete Gelato pela última vez, e sabia exatamente onde deveriam ir. Cris e Ted seguiram-na até o táxi aquático e desembarcaram na Praça San Marcos. Cris achou que a amiga iria sugerir que ligassem para o Marcos, mas Katie não disse nada.

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Em vez disso, Katie os levou até uma gôndola, tirou do bolso o resto do dinheiro que tinha e dirigiu-se ao gondoleiro, que usava chapéu de palha:

- Meus amigos aqui precisam dar uma volta de gôndola. Quanto você quer?

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24

- Mas, Katie, assim você vai acabar com seu dinheiro protestou Cris. Não precisa pagar pra nós.

- Preciso sim, disse a outra. Vocês estão sem dinheiro e é um prazer poder pagar pra vocês. Vamos! Não estraguem tudo! Tirem as mochilas e entrem logo nesse barco. Vou ficar vigiando as coisas pra vocês.

O gondoleiro recebeu o dinheiro de Katie, enquanto Ted conduzia Cris para o interior da gôndola. Cris continuava fazendo objeções. Então o gondoleiro perguntou a Katie:

- Você vai pagar para os seus amigos? E este dinheiro é tudo que você tem?

- Estamos voltando para os Estados Unidos amanhã, explicou Katie. Achei que seria uma pena eles viajarem até aqui e não darem um passeio de gôndola.

- Mas você também tem de ir! disse o gondoleiro. Venha! Você vai de graça. Será um

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prazer pra mim. Você também precisa passear de gôndola.

- Vocês se importam? perguntou Katie.- Claro que não, respondeu Cris, chegando

pertinho de Ted. Teria sido maravilhosamente romântico poder passar a última hora da viagem a sós com Ted, mas, como ela poderia dizer “não” a Katie, depois de a amiga ter sido tão gentil, oferecendo-se para pagar para eles?

- Entre aí! disse Ted.Toda contente, Katie entrou na gôndola e

estendeu o braço, a fim de pegar as mochilas que o gondoleiro lhe passava. Colocou uma delas do seu lado e passou o braço em volta dela.

- Ah, Milton! Você é tão forte! Eu sempre gostei de homens assim, fortes e reservados como você! brincou ela.

Cris sorriu para Ted. Ele pôs o braço em torno dos ombros dela e puxou-a para junto de si.

- Existem vários palácios belíssimos aqui no Canalazzo, disse o gondoleiro ao desatracar a gôndola do cais, direcionando para o canal

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principal. O canal tem pouco mais de três quilômetros de extensão e apenas uns três metros de profundidade. Em alguns lugares, a profundidade é um pouco menor. Não se deve nadar neles.

Cris logo percebeu o porque. Um cheiro horrível exalava das águas, onde muita sujeira pairava. Em vez de olhar para baixo, Cris manteve a atenção fixa nas maravilhosas mansões que ladeavam o canal, cada uma mais bonita que a outra. Katie batia um papo animado com o gondoleiro, enquanto Ted e Cris permaneciam assentados lado a lado. Ted se mostrava tão forte e calado quanto a mochila que Katie colocara ao seu lado. Cris se perguntava mais uma vez quando é que se sentariam para levar uma conversa franca e íntima. Seria no trem? Muita coisa havia se passado em seu coração durante aquelas semanas, e ela não sabia o quanto ainda tinha para contar a Ted e o quanto ele já havia percebido por si só.

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Não preciso que você me prometa deter o Sol com as mãos, Ted. Só preciso que me diga que sempre me abraçará assim, tão de perto.

O passeio terminou próximo à estação, e os três desceram da gôndola, sorrindo e acenando para o gondoleiro. Ted segurou a mão de Cris e lá se foram eles, caminhando lentamente pela entrada da estação de trem, já tão conhecida deles. Ted sugeriu que se dirigissem à plataforma com antecedência, para que pudessem conseguir assentos na segunda classe. Ficou segurando a mão de Cris durante todo o tempo em que esperavam o trem chegar, em meio à multidão. Cris se perguntava se ele também estava sentindo a mesma tristeza que ela.

Quando o trem chegou, o cobrador pediu que cada passageiro apresentasse seu passe antes de embarcar, diferentemente do procedimento em outros trens que haviam tomado durante a viagem. Quando finalmente chegou a vez deles, Cris, Ted e Katie mostraram os passes.

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- Não! gritou o cobrador, devolvendo bruscamente o passe a Ted.

- Não! disse ele ao verificar o passe de Katie e devolvê-lo com rudeza.

- Sim! disse o homem a Cris, devolvendo-lhe o bilhete educadamente e empurrando-lhe levemente as costas, a fim de apressá-la.

- Espere! gritou ela, afastando-se do aglomerado de pessoas. Qual o problema com os passes deles?

Cris deu um jeito de sair do meio da multidão e foi para junto de Katie e Ted, que conversavam com um outro cobrador, também uniformizado.

- Como assim “estão vencidos”? perguntou Katie.

- A data está impressa aqui, disse o cobrador. Diz: “Válido de 5 a 25 de junho”. Dia 25 foi ontem.

Cris verificou seu bilhete, que havia sido comprado separadamente. Valia de 6 a 26 de junho.

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- Os nossos foram expedidos um dia antes do ideal, disse Ted. Nós saímos de Los Angeles no dia cinco, mas só chegamos aqui no dia seis.

Em seguida, virou-se para o condutor.- Será que a validade deles poderia ser

estendida por mais um dia? Nem chegamos a usá-los nos primeiros dias aqui na Europa.

- Não. Você pode comprar um bilhete avulso, se quiser. Este passe está vencido.

- Não temos mais dinheiro, disse Katie em tom solene.

- Não posso fazer nada, disse o cobrador. Todos os dias escuto a mesma história. Da próxima vez, planejem melhor a viagem.

Em seguida, virou-se para atender a um outro estudante furioso, que conversava em francês. Todos os passageiros já estavam a bordo e o mal-humorado cobrador fazia a última chamada.

- O que vamos fazer? perguntou Cris.- Acho melhor você ir neste trem, disse Katie.

Eu e o Ted vamos pensar numa solução. Não se

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preocupe com o nosso problema. Vá! Você não pode perder a aula amanhã, Cris.

Cris se virou para Ted, deixando transparecer toda sua apreensão. Ele a observava intensamente, como se buscasse guardar na memória cada detalhe estampado no rosto dela.

- Vá, Kilikina, vá! disse ele, com os olhos cheios de lágrimas.

O trem começou a se mover. Cris se virou e subiu o primeiro degrau. O cobrador, então, segurou-a pelo braço.

- Bilhete, por favor! disse grosseiramente.As mãos de Cris tremiam ao entregar-lhe o

passe. O condutor, então, fez sinal para que ela entrasse no compartimento destinado à segunda classe, que estava lotado. Ao caminhar pelo corredor, Cris avistou Ted do lado de fora, andando rapidamente ao lado do trem, observando atentamente os compartimentos à procura dela. Cris abriu caminho pela primeira cabina e entrou na segunda. Avistou uma janela aberta no final do corredor e correu em direção a ela, com a pesada mochila batendo nas poltronas

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enquanto corria. O trem já estava ganhando velocidade, e lá fora, Ted corria pela plataforma, acenando para ela.

Cris chegou à janela, ofegante. Ted estava a pouco menos de seis metros de distância e praticamente no final da plataforma. As lágrimas desciam pelo rosto de Cris. Ela então imprimiu um de seus beijos especiais na palma da mão e lançou-o pela janela, em direção a ele.

Estendendo a mão, Ted agarrou no ar o beijo invisível que Cris lhe mandara e, em seguida, levou a mão ao peito, num movimento rápido e preciso. A mão lhe repousou sobre o coração, e foi como se naquele momento ele guardasse ali o beijo de Cris, no lugar onde já guardava suas lágrimas.

O trem entrou num túnel e, de repente, tudo se fez escuro.

Foram as dez horas mais demoradas da vida de Cris. Durante a primeira hora de viagem, ela ficou em pé ao lado da janela aberta, por onde uma agradável brisa entrava, secando-lhe as lágrimas. Vários pensamentos começaram a

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passar-lhe pela mente, como se fossem uma chuva de confete. Cris se lembrou da agradável brisa que sentira, quando estava no convés do barco a caminho de Capri. O Senhor estivera tão perto naquele dia, que foi como se pudesse senti-lo soprar sobre ela. Agora, Cris podia sentir novamente a presença de Deus ao seu lado.

Foi então que se lembrou do verso de 2 Timóteo que Ted mencionara. O apóstolo Paulo estivera na prisão de Mamertina ao escrevê-lo. “Mas o Senhor me assistiu e me revestiu de for-ças.” Aquela verdade fortaleceu o coração de Cris. Afinal, se era para passar dez horas sozinha naquele trem, pelo menos ela sabia que o Senhor estaria ao seu lado.

Lembrou-se então dos prados alpinos e das flores silvestres que colhera, amassara, e com as quais dormira. Estavam enroladas no envelope que ela improvisara com o jornal. Aquelas flores guardavam consigo sonhos dos quais ela não conseguia se lembrar. Cris resolveu colocá-las num quadro quando chegasse, para guardar de lembrança.

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Fechou os olhos e lembrou-se da sensação refrescante que tivera ao se banhar nas águas do riacho, próximo ao acampamento. A lembrança era tão viva, que ela quase podia sentir o gosto do café forte de Antônio na boca e enxergar as leves cortinas de renda da casa dele esvoaçando com a brisa, na manhã em que Marcos chegou de táxi. Lembrou-se dos raios luminosos do sol da meia-noite que entravam pela janela de seu quarto em Oslo, e ainda de como Ted ficara bonito e charmoso ao fazer a barba.

Cris tocou os lábios e lembrou-se de como eles haviam latejado depois que Ted a beijara em Oslo, ao partir para os confins da Terra, sozinho. Sentiu uma profunda saudade de Ted naquele momento. Era como se agora fosse ela quem estivesse partindo para os confins da Terra, sem ele. A diferença era que, em vez de ficarem longe dois dias, seriam dois longos meses separados.

Depois da escala em Milão, Cris conseguiu um lugar no trem e pôde dormir um pouco, apoiando a cabeça na janela. Sentia falta da blusa de

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moletom do Ted, que tinha sido seu melhor travesseiro. Sentia falta da gargalhada de Katie e do suave aroma de chocolate que a acompanhara em todos os países.

Quando o trem finalmente parou na estação de Basel, Cris teve uma sensação estranha. Aquela era a “sua” estação de trem; aquela com que estava mais familiarizada. No entanto estar ali sozinha tornava o ambiente totalmente estranho e frio.

Cansada, Cris subiu a ladeira em direção ao dormitório universitário. A única coisa que quase conseguiu lhe arrancar um sorriso dos lábios foi o maravilhoso aroma que sentiu no ar, ao passar pela Konditorei. Marguerite estava colocando uma cesta de pães na vitrina. Ao vê-la passar, acenou e fez sinal para que Cris entrasse.

- Volto depois, prometeu Cris. Até mais!Até mais. Que coisa engraçada, né? Durante

todos esses anos o Ted me disse “Até mais” e, agora, cá estamos nós separados novamente. Será que vai ser sempre assim conosco? “Até mais”?

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Cris chegou à sala de aula com tempo de sobra, mesmo tendo passado antes pelo quarto para tomar banho e se trocar. Os sete outros guias turísticos ainda se achavam sobre sua mesa Estavam intatos. Cris riu ao se dar conta de que pagaria multa por todos eles, ao devolvê-los à biblioteca.

Assim que as aulas acabaram, Cris se dirigiu à Konditorei. Havia pegado a bicicleta de sua colega de quarto emprestada, para chegar mais rápido ao prédio de aulas. Agora, descia a rua rapidamente, apertando os freios e sentindo a bicicleta solavancar ao passar nas pedras do calçamento da rua. O pneu dianteiro começou a balançar na carcaça da velha geringonça, e Cris soltou uma gargalhada ao ver que quase não conseguiu frear a bicicleta ao passar pela confeitaria.

Cris parou a bicicleta lá fora e, com um sorriso ainda nos lábios, entrou na Konditorei. Sentiu-se animada ao ouvir o som da campainha da porta e dirigiu-se à Marguerite, que sorria para ela, lá do balcão.

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- Bom-dia, Marguerite. Como vai? perguntou Cris em alemão.

- Bem, bem. Obrigada. Estou bem.Cris achou Marguerite um pouco estranha

naquela manhã.Pediu sua tortinha e se dirigiu para a mesa

costumeira, no fundo da confeitaria. Entretanto havia alguém assentado lá, com o rosto coberto com um enorme buquê de cravos brancos.

Cris perdeu o fôlego.Ted tirou o buquê do rosto. Seu sorriso,

tranquilo, parecia iluminar toda a confeitaria.- Ei, como vai?Cris correu até a mesa e o envolveu num

abraço.- O que você ‘tá fazendo aqui?- Tomando café com você. Tome. Estas flores

são pra você, disse ele, apontando para os cravos sobre a mesa.

- Você perdeu o vôo?

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Ted reclinou-se no banco e deu um gole no café, ignorando a pergunta de Cris.

- Você tem razão. As tortas da Marguerite são as melhores do mundo!

- Você perdeu o avião, não perdeu? O que vai fazer agora, Ted? E a Katie?

- Nosso vôo só sai às duas da tarde, disse ele, sorrindo. Vou tomar café com você, depois volto pra Zurique e pego o avião.

- O que aconteceu? Como foi que vocês conseguiram sair de Veneza?

Ted passou o braço por trás do banco e ficou brincando com as pontas do cabelo de Cris, como se ficar batendo papo ali na confeitaria fosse a coisa mais natural do mundo para eles.

- Conte-me tudo, disse Cris.- Bem, depois que você foi embora, nós

tentamos ligar para o Marcos e ele atendeu. Foi uma “coisa de Deus”, porque ele tinha acabado de chegar de Viena e estava indo para Zurique.

- Então vocês viajaram juntos e ele pagou a passagem de vocês?

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Ted abanou a cabeça.- Não. Nós fomos para Zurique na Ferrari dele

ontem à noite. Ele e a Katie estão em Zurique agora, e ele me emprestou o carro para vir aqui tomar café com você.

- Você veio no carro dele?Cris não se lembrava de ter visto nenhum

carro de luxo parado na porta da confeitaria. Mas também, havia chegado numa bicicletinha fajuta e não prestara muita atenção ao redor. Só mesmo à sua frente.

- Estacionei na estação. Achei que seria mais seguro do que acabar parando em algum estacionamento proibido por aqui.

- Não estou acreditando nisto! disse ela, sorrindo para Marguerite, que acabava de trazer a xícara de café, o creme chantilly e a torta que Cris havia pedido.

- Pode acreditar, disse Ted. E ‘tá preparada pra acreditar em mais uma coisa?

- O quê?- O Marcos se converteu!

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- ‘Tá brincando! Que maravilha! Quando foi isso?

- Cerca de uma semana atrás. Ele nos contou que começou a ler o livro de Romanos, porque havíamos dito que era um livro escrito especialmente para os italianos. A Palavra de Deus é poderosa mesmo! O Marcos leu a carta, creu e se arrependeu! Você tinha de vê-lo! Está empolgadíssimo! Sai falando de seu relacionamento com Jesus pra todo mundo que encontra nessas viagens de negócio.

Cris meneou a cabeça.- Deus é mesmo incrível!- É sim.- E é incrível poder estar aqui com você.

Detesto ter de dizer isto, Ted, mas não sei se dou conta de me despedir de novo de você. Quer dizer, era exatamente isto que eu queria: assentar aqui e abrir meu coração pra você, mas só temos alguns momentos. E daí você terá de partir.

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- Eu sei. Estou sentindo a mesma coisa. Mas eu precisava vê-la mais uma vez.

Ted hesitou por alguns instantes, e o coração de Cris congelou. Uma voz começou a atormentar-lhe os pensamentos com dúvidas.

E agora, Cris, dizia a voz. É agora que ele termina com você pra sempre. É bem possível que ele lhe deixe aqui e vá servir ao Senhor numa ilha longínqua, sozinho, pelo resto da vida.

Não afirmou Cris para si mesma. Nada de medos. Nada de dúvidas. Firme-se nas misericórdias que Deus derrama a cada manhã. Seja lá o que acontecer, isso é fruto do cuidado de Deus. Ele é o Grande Arquiteto da nossa vida. Ele ‘tá no controle.

Ted olhou para as mãos e em seguida voltou os olhos para Cris.

- Achei que teríamos mais oportunidades de conversar durante a viagem. Sozinhos, sabe?

Cris acenou afirmativamente.- Sim. Também achei que teríamos.- Gostaria de lhe dizer algumas coisas.

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Cris acenou novamente e esperou que ele continuasse. Ted engoliu em seco e olhou para ela, intensamente.

- Você se tornou uma parte de mim. Não passo um dia sequer sem pensar em você e orar por sua vida. Mesmo quando estávamos em lados completamente opostos deste mundo, continuei sentindo você aqui dentro.

Ted bateu a mão no peito.- Eu a trago aqui, Kilikina. Bem no fundo do

meu coração. Você sempre esteve aqui e sempre estará.

Cris sentiu as lágrimas invadir-lhe os olhos.- Mas... continuou ele, respirando

profundamente, como se estivesse criando coragem para concluir seu pensamento.

Não! gritou Cris em seu coração. Não diga mais nada!

- Mas, com toda sinceridade, creio que preciso dizer-lhe algo que nunca disse antes. E tenho certeza de que este é o momento oportuno para lhe revelar isto.

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Não faça isso comigo, Ted! Não parta meu coração! Não aqui. Não agora.

- Não é que eu pense que você não saiba disto... na verdade, acho que você já sabe sim.

A testa de Ted brilhava de suor.- Eu quero que... Não! Eu preciso lhe dizer

isto, porque acho que você precisa ouvir da minha própria boca. Você precisa saber que...

As lágrimas rolavam pelo rosto de Cris. Estava se preparando para o pior.

Ted estendeu a mão e gentilmente secou as lágrimas do rosto dela.

- Você precisa saber, Kilikina, que eu te amo.Cris não conseguia respirar. Não conseguia

piscar. Nem sequer sentia o coração bater. Um sorriso tímido surgiu no rosto de Ted.

- Você precisa que eu repita pra você acreditar?

Ted aproximou-se dela e murmurou:- Eu te amo.

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Cris deixou o ar dos pulmões sair repentinamente. Sentia-se aliviada, feliz. Não conseguiu conter os risos.

- Que cara de surpresa é essa? perguntou Ted.

- Ah, Ted! Não estava esperando que você dissesse isso!

- Você não precisa responder, disse ele. Não por agora. Pense no que isso representa. Temos ainda dois meses pela frente para orar com relação ao que nos aguarda no futuro.

Cris acenou concordando e fez força para segurar o restante das lágrimas em seus olhos. Sentia o lábio inferior tremer.

- Serão os dois meses mais longos da minha vida.

- Na verdade, não é tanto tempo assim, disse Ted. Sessenta e sete dias; pra ser mais exato.

- Você contou?Ted fez que sim com a cabeça.- E sabe o que faremos durante esse tempo,

Kilikina? Vamos imaginar que estamos nos

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confins da Terra, onde o sol nunca se põe. Então, em vez de serem sessenta e sete dias, será um dia só. E então estaremos juntos novamente.

- Será como um enorme dia em Narvik.- Isso.- Sabe o que repetirei sessenta e sete vezes

durante esse dia? perguntou Cris.Ted se aproximou e acariciou o cabelo dela

com as mãos.- O quê?- Repetirei sessenta e sete vezes “Não vejo a

hora de chegar amanhã”.Ted sorriu e puxou Cris para junto de si. E,

pouco antes que seus lábios encontrassem a orelha dela, sussurrou:

- Até amanhã.

Fim