ROHDEN_ETAL_Consumo Colaborativo Economia, Modismo Ou Revolução
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Consumo Colaborativo: Economia, Modismo ou Revoluo?
Simoni F. Rohden 1 Juliana Durayski 2
Ana Paula Pydd Teixeira3 Alfredo Montelongo4
Carlos Alberto Vargas Rossi5
Introduo
Com a difuso da tecnologia em rede, o movimento de inovao coletiva advinda dos
consumidores vem assumindo novos formatos que modificam a natureza do consumo, o
marketing e a prpria sociedade. preciso ampliar nosso conhecimento a respeito deste
crescente e poderoso fenmeno, conhecer as interaes e formas divergentes de colaborao e
criatividade presentes nas comunidades de consumo online, baseadas em interesses.
(KOZINETS et al., 2008).
Um nmero cada vez maior de consumidores tem se mostrado insatisfeito com as
experincias de consumo massificadas e pr-formuladas s quais tem tido acesso. Este
consumidor est buscando experincias de consumo autnticas e diferenciadas.
(THOMPSON, 2006).
Diversos estudos vm tentando, ao longo das ltimas dcadas, analisar este
fenmeno. As pesquisas tm focado na resistncia ao consumo, delineando classificaes,
tipos de comportamento e motivaes (FOURNIER, 1998; KOZINETS, 2002; OZANNE;
BALLANTINE, 2010; PEALOZA; PRICE, 1993; THOMPSON; ARSEL, 2004). Outro
foco na academia tem sido uma nova estrutura de mercado, a qual passou a fazer parte da vida
dos consumidores mais recentemente: o consumo colaborativo. Existem estudos sobre os
mais diversos tipos de iniciativas colaborativas, como o coworking (MAURER et al., 2012;
SPINUZZI, 2012), o couchsurfing (LAUTERBACH et al., 2009), o crowdfounding
(ORDANINI et al., 2011) e trocas em geral. (BORGES ; DUBEUX, 2012; PALMER ;
CLARK, 2005; ROUX ; KORCHIA, 2006; RUCKER et al., 1995; SASTRE ; IKEDA, 2012).
1 Mestrado em Administrao, Unisinos, So Leopoldo, RS, Brasil, [email protected]
2 Mestrado em Administrao, Unisinos, So Leopoldo, RS, Brasil, [email protected]
3 Mestrado em Administrao, Unisinos, So Leopoldo, RS, Brasil, [email protected]
4. Mestrando em Administrao, Escola de Administrao da UFRGS, Porto Alegre, Brasil, [email protected]
5. Professor da Escola de Administrao da UFRGS, Porto Alegre, Brasil, [email protected]
https://br-mg6.mail.yahoo.com/[email protected]
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Apesar desses estudos, o compartilhamento de bens e servios no tem sido
devidamente explorado pela literatura. (OZANNE; BALLANTINE, 2010). O tema ainda est
em sua infncia tendo em vista a diversidade de lentes com as quais o fenmeno pode ser
analisado. Alm disso, so poucos estudos que analisam o consumo colaborativo e seus
desdobramentos no contexto brasileiro. A partir disso, estabelece-se, como pergunta de
pesquisa: Qual o significado e as motivaes relacionadas ao movimento de consumo
colaborativo? Para atender a esta pergunta de pesquisa foi realizada uma pesquisa qualitativa
baseada em entrevistas em profundidade. O artigo aborda primeiramente a resistncia ao
consumo e o compartilhamento. Posteriormente so apresentados conceitos de consumo
colaborativo em seus mais diversos formatos. Na sesso quatro so discutidas as questes
metodolgicas, e na sesso cinco so apresentados os resultados e suas classificaes.
Resistncia ao Consumo
O mercado vem mudando ao longo dos anos, seja na maneira como as transaes so
realizadas, seja na em relao s alteraes nos significados inerentes a determinados
produtos. Fournier (1998) argumenta que os consumidores no esto mais satisfeitos com o
mercado. Desta forma, apresentam-se mais propensos a se engajar em movimentos de
resistncia para reassumir o controle destas relaes.
A resistncia ao consumo a tentativa de sair do modelo predominante, o que acaba
gerando uma fragmentao do mercado na medida em que algumas pessoas esto includas no
sistema e outras esto margem dele. (PEALOZA; PRICE, 1993).
Fournier (1998) sugere que a resistncia ao consumo um contnuo que varia do
extremo comportamento evitando o mercado, passando pelo comportamento de
minimizao e chegando ao outro extremo rebelio ativa. Esse ltimo extremo pode ser
subdividido em boicote, reclamao ou a sada efetiva do mercado.
Na atual era do capitalismo global, a resistncia pode ser no somente relativa ao
consumo, mas ao poderio econmico transnacional. Muitos consumidores no querem
consumir os produtos oferecidos pelas grandes redes por considerar a empresa em si, ou seus
produtos, como extremamente padronizados, montonos e focados no mercado de massa
(THOMPSON; ARSEL, 2004).
Enquanto em uma estrutura de mercado o foco so as transaes e o objetivo
ampliar a vantagem de um indivduo ou organizao sobre o outro, nas comunidades se
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sobressai a preocupao com os outros membros do grupo e o intuito maior o
compartilhamento. (KOZINETS, 2002).
Compartilhamento
O compartilhamento nos conecta a outras pessoas, criando um senso de comunidade,
economizando recursos e desenvolvendo sentimentos como a solidariedade e a proximidade.
uma forma alternativa de distribuio diferente da troca de bens ou dos presentes e se
caracteriza como uma forma alternativa ao mercado como conhecemos. (BELK, 2007).
A troca de bens diz respeito reproduo dos direitos com relao a um objeto e no
necessariamente a reproduo de relaes entre os indivduos, como o caso do
compartilhamento. O compartilhamento envolve a propriedade conjunta. (BELK, 2007).
Com as mudanas ocorridas na maneira como as pessoas se comunicam, mudaram
tambm as relaes de troca. Migrando os consumidores para o universo virtual, ficam
expostas as identidades individuais, permitindo tambm que os usurios compartilhem sua
cultura e, por consequncia, seu consumo, atravs de blogs, redes sociais e demais espaos.
(MASCARENHAS; TAVARES, 2011). Estas culturas, subculturas, grupos e comunidades
mesclam os interesses pessoais s atividades de consumo. Como interesse social desse
pblico, destaca-se a necessidade de diferenciao e identificao. (KOZINETS, 1999). A
criatividade coletiva, nesse contexto, desenvolve e produz um contedo mais valioso do que o
produzido individualmente. (KOZINETS et al., 2008). Esses novos arranjos alm de
facilitarem a comunicao e a produo entre os envolvidos, tm influenciado tambm na
maneira como essas comunidades consomem.
O Consumo Colaborativo
Apesar de ter sido originalmente citado em revistas comerciais (ALGAR, 2007), o
termo consumo colaborativo passou a ser utilizado academicamente em 2011 pelos autores
americanos Botsman e Rogers. Segundo estes, o consumo colaborativo uma forma de
acomodar os desejos e necessidades dos consumidores de uma maneira mais sustentvel e
atraente com menor nus para o indivduo. Esse tipo de consumo se caracteriza como uma
exploso nas formas tradicionais de troca, as quais tm sido reinventadas atravs de
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tecnologias de rede (BOTSMAN; ROGERS, 2011). O rpido desenvolvimento desse modelo
de consumo est diretamente ligado internet, pois a rede facilitou o contato e a interao
entre as pessoas, empresas e grupos de interesse. (SASTRE; IKEDA, 2012). Entretanto, a
interao no se limita rede. O consumo colaborativo pode ocorrer em trs modelos
distintos, de acordo com Botsman e Rogers (2011):
a) Sistema de Servios de Produtos
Esse modelo baseado no pagamento pela utilizao de determinado bem, sem
necessidade de adquiri-lo. Como exemplos possvel citar o sistema de compartilhamento de
bicicletas como o Bike Rio (Brasil), Velib (Frana) e B-cycle (Estados Unidos). Outro
formato baseia-se no compartilhamento de automveis como o Zipcar (Estados Unidos),
Street Car (Inglaterra) Flexicar (Austrlia). H ainda o aluguel de brinquedos atravs do Rent
a Toy (Estados Unidos) e Dim Dom (Frana), o aluguel de filmes como Netflix (Estados
Unidos e Canad) e Lend (Gr-Bretanha), ou sites especializados no aluguel de produtos que
variam de ferramentas a material para festas como o Buscal (Brasil).
b) Mercados de Redistribuio
Esse modelo associado s trocas e doaes. Um exemplo a troca de livros atravs
de iniciativas como Read it Swap it (Inglaterra), Livralivros (Brasil), Troca de Livros (Brasil).
A troca de roupas tambm um exemplo de mercado de redistribuio, e pode acontecer
atravs de brechs, feiras ou grupos de troca como o Bazar de Trocas Estilo (Brasil). Podem
englobar outros produtos como acessrios e eletrnicos, caso da comunidade PrEscamb
(Brasil).
c) Estilos de Vida
Modelo associado troca e diviso de ativos intangveis como tempo, habilidades
ou dinheiro. Exemplos so o compartilhamento de espaos atravs do coworking como The
HUB (presente no mundo todo, como Cingapura, Finlndia, Estados Unidos, frica do Sul e
Brasil), Ns (Brasil), Blend (Brasil). O compartilhamento de hospedagem como o
couchsurfing (presente no mundo todo), o sistema de caronas com o Zimride (Estados Unidos
e Canad) ou o Caronetas (Brasil), o crowdfunding como Kick Starter (Estados Unidos e
Inglaterra). O Catarse (Brasil) e o crowdsourcing e suas plataformas como Engage (Brasil).
Os modelos de consumo que sero abordados no presente artigo so descritos em
maiores detalhes a seguir.
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O fenmeno chamado crowdfunding se traduz pelo esforo coletivo, geralmente
atravs da internet, com o fim de arrecadar fundos para investir e apoiar esforos iniciados por
outras pessoas ou organizaes. A caracterstica marcante e fundamental do crowdfunding
que os consumidores, com suas decises de avaliao e apoio monetrio, so os principais
responsveis pela gerao da oferta. (ORDANINI et al., 2011).
O CouchSurfing.com de longe o maior e mais popular servio de hospitalidade
online, com mais de um milho de membros em 230 pases. Os servios de hospitalidade so
um tipo de comunidade reforada por sistemas de reputao cujo objetivo conectar viajantes
que procuram um lugar para ficar com pessoas dispostas a servir de anfitries temporrios.
Estas conexes se do sem troca monetria, com a finalidade de promover experincias
culturais entre pessoas de diversos lugares. uma comunidade que tende a gozar de um
elevado grau de interao recproca e um grande sentimento de "cidados do mundo"
partilhado pelos membros. (LAUTERBACH et al., 2009).
Outra iniciativa voltada ao compartilhamento de espaos o coworking, ou
escritrios de trabalho coletivos. Nesse tipo de organizao, todas as aes so feitas em rede
e de maneira colaborativa. (MAURER et al., 2012). O coworking engloba configuraes de
bons vizinhos e bons parceiros, dentre outras configuraes, que pretendem gerar atividades
de network em um determinado espao. Ele se caracteriza como um fenmeno altamente
fludo, colaborativo, e interorganizacional, onde as pessoas trabalham sozinhas, porm juntas
ao compartilhar um espao especfico, dentre outros servios. (SPINUZZI, 2012).
A colaborao pode ocorrer tambm em situaes de consumo de bens durveis.
Alguns consumidores passaram a questionar suas escolhas individuais de consumo. Muitos
deles, inclusive partindo para iniciativas de consumo mais simplificadas (SHAW;
NEWHOLM, 2002). Um exemplo pode ser a compra e venda de roupas em um brech.
Em um estudo de 1995, Rucker et al. investigaram os fatores que influenciavam a
insero dos consumidores no mercado de segunda-mo, com foco especfico nas garage
sales (vendas de garagem) que ocorrem nos Estados Unidos. Os autores concluram que
nesse caso especfico, os motivadores da participao das pessoas nas vendas de garagem
eram a possibilidade de se desfazer de bens que j no possuam utilidade e obter ganho
financeiro com isso. A literatura tambm identifica quatro motivadores caracterizados por
representaes simblicas e argumentos ideolgicos distintos entre os indivduos que
consomem especificamente roupas de segunda mo. O primeiro deles o desejo de
exclusividade, a qual acessada pelo simples fato de vestir uma roupa que expressa a
identidade de quem a usa, tornando esse indivduo diferente dos demais. Nesses casos o
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consumidor busca se destacar da grande massa de consumidores atravs da originalidade das
peas que veste. Outro motivador a possibilidade de acessar bens de alto valor social (itens
de luxo ou de grandes marcas) sem ter de pagar grandes somas financeiras por isso. Nesse
sentido o consumidor busca projetar uma imagem de respeito ou at mesmo atingir uma
classe social mais elevada ao consumir esse tipo de produto com tamanha economia
financeira. O terceiro motivador para a compra de bens de segunda-mo, especialmente
roupas, diz respeito nostalgia. Nesses casos o consumidor pode buscar traos de outras
pocas nas peas ou ainda acessar memrias que dizem respeito ao seu passado, garantindo
assim sua individualidade. O quarto fator tem uma veia mais sustentvel com a preocupao
em evitar a produo de resduos e o desperdcio dos recursos existentes. (ROUX ;
KORCHIA, 2006).
O consumo do vesturio de segunda mo pode tambm se referir a um estilo de vida
alternativo, a uma manifestao poltica e tica (PALMER; CLARK, 2005), ou ainda uma
maneira de acessar peas de vesturio exclusivas ou com preos mais acessveis. (BORGES;
DUBEUX, 2012). Os smbolos relacionados ao vesturio no somente marcam as diferenas
de categorias culturais dos indivduos, mas tambm especificam a natureza dessas diferenas.
(MCCRACKEN, 2003). Ao consumir roupas de segunda mo, o consumidor pode alterar o
significado de determinada pea, na medida em que a adapta sua realidade e sua
personalidade (HANSEN, 2004).
Mtodo
Esta pesquisa centra-se em uma tica interpretativista em que a abordagem parte do
pressuposto de que a realidade algo que se constri socialmente e que, para entend-la, o
pesquisador interage com o fenmeno a fim de apreender seus significados. A adoo de tal
abordagem na rea do comportamento do consumidor ainda marginal, porm muitos
pesquisadores como Arnould e Thompson (2005), Douglas e Isherwood (2006), Geertz
(1989), Levy (1959), Rook (1985), Slater (2002), j a utilizam, ainda que eventualmente
relacionando-a a outras reas. Esses movimentos visam descobrir como os consumidores
utilizam o bem material a fim de construir suas teias de identidade. O delineamento deste
estudo exploratrio-descritivo e terico-emprico, pois se buscou inter-relacionar
informaes bibliogrficas acerca do assunto a partir da pesquisa de campo, com o intuito de
verificar os significados e motivaes relacionadas ao movimento de consumo colaborativo.
O mtodo adotado o qualitativo, envolvendo 23 entrevistados escolhidos com base
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no modelo de consumo colaborativo, segundo Botsman e Rogers (2011). O processo utilizado
na seleo dos entrevistados foi a amostragem pela tcnica bola de neve, visto que cada
participante do processo indicou outras pessoas para participar da pesquisa (MALHOTRA,
2011). A Figura 1 abaixo sintetiza as circunstncias da etapa de coleta de dados.
Tabela 1: Dados dos Entrevistados
Entr. Modelo Tipo Local Forma Data
A Mercado de
Redistribuio Troca de Livros
Virtual So
Leopoldo Presencial e
gravada 12/11/2012
B Mercado de
Redistribuio Troca de Livros
Virtual Porto Alegre
Presencial e gravada
25/11/2012
C Mercado de
Redistribuio Troca de Roupas
Porto Alegre Presencial e
gravada 21/11/2012
D Mercado de Redistribuio
Feira de trocas Porto Alegre Presencial e gravada
10/11/2012
E Mercado de
Redistribuio Brech infantil Porto Alegre Presencial e
gravada 14/11/2012
F Mercado de
Redistribuio Brech infantil Porto Alegre Presencial e
gravada 14/11/2012
G Mercado de
Redistribuio Brech Adulto Porto Alegre Presencial e
gravada 14/11/2012
H Mercado de Redistribuio
Brech Adulto Porto Alegre Presencial e gravada
14/11/2012
I Mercado de
Redistribuio Brech infantil Porto Alegre Presencial 14/11/2012
J Mercado de
Redistribuio PrEscamb Porto Alegre Presencial 07/01/2013
K Estilo de Vida Coworking Novo
Hamburgo Presencial e
gravada 18/11/2012
L Estilo de Vida Coworking Novo
Hamburgo Presencial e
gravada 18/11/2012
M Estilo de Vida Couchsurfing Via skype - 10/01/2013
N Estilo de Vida Couchsurfing Via skype - 12/01/2013
O Estilo de Vida Couchsurfing Via e-mail - 15/01/2013
P Estilo de Vida Couchsurfing Via e-mail - 15/01/2013
Q Estilo de Vida Incubadora de
projetos Porto Alegre Presencial e
gravada 10/11/2012
R Estilo de Vida Incubadora de
projetos Porto Alegre Presencial e
gravada 10/11/2012
S Sistema de
servios Aluguel de Bicicletas Via e-mail - 11/02/2013
T Sistema de
servios Aluguel de Bicicletas Via e-mail - 11/02/2013
U Sistema de
servios Aluguel de Bicicletas
Cidade do Mxico
Presencial e gravada 17/02/2013
V Sistema de
servios Aluguel de Bicicletas
Cidade do Mxico
Presencial e gravada 17/02/2013
X Sistema de
servios Aluguel de Bicicletas
Cidade do Mxico
Presencial e gravada 17/02/2013
Fonte: Elaborado pelos autores.
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O processo de anlise dos dados foi baseado no crculo hermenutico. De acordo
com Klein e Myers (1999), o crculo hermenutico consiste em uma interpretao das partes
para o todo, ou seja, de uma compreenso global de todo o contexto de volta para uma melhor
compreenso de cada parte.
Privilegiou-se uma anlise qualitativa dos dados coletados, buscando uma
generalizao com indicao de implicaes especficas, bem como a adequao ao padro
estabelecido por meio do referencial terico.
Anlise dos Resultados
Com base na pesquisa realizada, agruparam-se cinco categorias, no intuito de
capturar o significado do movimento de consumo colaborativo e seus desdobramentos. As
categorias criadas a partir da leitura do campo e do referencial terico so as seguintes:
compartilhamento; experincia; garimpo; resistncia ao consumo / no consumo
/anticonsumo; relaes de confiana.
Compartilhamento no consumo colaborativo
Os bens materiais ou artefatos carregam significados que so co-produzidos pelos
consumidores. Tais significados podem auxiliar o indivduo a definir o conceito de si mesmo
e a comunic- lo a outras pessoas. (BELK, 1988).
Para Belk (2010), o compartilhamento um ato que se justifica porque vem ao
encontro da unio entre as pessoas. Essa no a nica maneira de se conectar aos outros, mas
uma forma bastante poderosa, visto que se criam sentimentos de solidariedade.
O compartilhamento entre famlias, amigos, colegas de trabalho, pode ser possvel
em virtude da confiana e da unio entre os grupos, diferenciando-se de trocas econmicas
que raramente criam laos comunitrios com outras pessoas, com vistas compensao. O
sentimento de compartilhamento como uma possibilidade de ajuda ao outro sem amarras, sem
expectativas de trocas comerciais, pode ser ilustrado na seguinte fala: Todos tm esse
esprito de contribuir uns com os outros, e algo que surge naturalmente entre quem est no
coworking. (Entrevistado K).
Mesmo que parte dos informantes relate que o motivo principal da realizao das
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trocas colaborativas remeta a questes financeiras, os consumidores buscam determinado bem
para mediar as relaes sociais, conferindo status. (BARBOSA; CAMPBELL, 2006;
DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009). Da infere-se que os entrevistados acabam adotando um
comportamento de generosidade para construir sua teia de identidade. Eu gosto de ajudar os
outros com o que eu posso fazer o bem. (Entrevistado K). Creio que as pessoas que
participam dos bazares acabam ficando mais receptivas, mais abertas a consumir
colaborativamente. Ficam mais solidrias tambm. Vi muito isso na prtica, j vi as meninas
se organizando pra ajudar algum que estava com dificuldades. (Entrevistado C).
Pesquisadores tm estudado o que motiva os usurios a ajudar outros, em
comunidades online. Sproull, Constant e Kiesler (1996) descobriram que as pessoas podem
ser motivadas a ajudar os outros, mesmo na ausncia de probabilidade de reciprocidade direta.
A motivao pode acontecer por vantagens pessoais, tais como autoestima, ou por um desejo
de ajudar a organizao, o que corroborado nas entrevistas: "O couchsurfing contagiante.
medida que voc vai usando e que as pessoas te recebem na casa delas voc cria
automaticamente um sentimento de querer retribuir tudo de maravilhoso que aquelas pessoas
fizeram por ti e o quanto te ajudaram." (Entrevistado M).
Consumo colaborativo como experincia
Foi possvel observar tambm a busca pela experincia, a qual possvel em virtude
do consumo colaborativo. O que legal o contato com as outras pessoas de outros estados.
Acabo falando com outras pessoas que leram o mesmo livro que eu. (Entrevistado A).
Os informantes sinalizaram que as trocas virtuais de livros, por exemplo, provocaram
a obteno de conhecimento, pois eram encontrados ttulos de livros distintos daqueles que
eram inicialmente o foco da busca. O interesse em experimentar algo novo e viver uma
situao distinta da compra de livros ou da troca em sebos apareceu de forma recorrente. Foi
legal essa experincia troquei por livro Memrias de uma Gueixa. Achei muito legal, porque
no sabia que esse livro existia, s conhecia o filme. (Entrevistado B). O que acho legal
que aparece livro diferente dos que tem na livraria. Tem aqueles livros que aparecem como os
mais vendidos. Nesses sites de troca tu conhece livros que no ouviu falar, que no teria
acesso de uma maneira convencional. (Entrevistado A).
Outro aporte terico e que serve de sustentao para o consumo de experincia
refere-se ao trabalho de Kozinets (2002), que descreve o momento em que se percebe o
destaque deste comportamento de busca pela experincia: O mais legal so as amizades que
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se criam com as meninas durante as negociaes, achar coisas bem diferentes, de vrios
cantos do pas. (Entrevistado C).
Consumo colaborativo como garimpo
Arnould e Price (2000) argumentam que a experincia constri um sentimento de
autenticidade. Esse consumo de garimpo percebido quando os informantes contam com
alegria do momento do encontro de uma pea em um brech, ou de um livro que tanto
procuram: Eu gosto do garimpo, e eu aprendo muito com a ngela (empresria dona da
loja), pois ela muito conhecedora de moda e de marcas. (Entrevistado H).
Arnould e Price (2000, p. 146), destacam: (...) a questo no se o indivduo est
tendo uma experincia realmente autntica, mas se adota a experincia com autenticidade.
Nesse sentido, os relatos aqui obtidos podem ser interpretados luz do conceito de
autenticidade, j que nos discursos dos entrevistados, possvel identificar a busca por algo
novo ou algo que os outros no tem. Eu adoro comprar em brech, porque tem um garimpo.
Eu no compro em Renner, nem em lugar que tem produo em massa (...) tudo aqui muito
artesanal, no tem nada muito industrializado, tudo manual, diferente do que tu ir ao
shopping. (Entrevistado B).
Para os autores Arnould e Price (2000), quando o objeto difcil de ser encontrado, o
consumidor constri um sentimento de qualidade individual: Claro que muitas vezes no
rola a troca. Voc gosta de algo, e a outra pessoa no curte nada seu. um grande garimpo na
verdade. (Entrevistado C).
Consumo colaborativo como resistncia /no consumo/ anticonsumo
Arnould e Price (2000) analisam ainda o conceito de desempenho de autoridade e,
nessa perspectiva, as tradies se mantm a fim de frear, de certa forma, a globalizao. A
partir dessa anlise, percebe-se que o consumo colaborativo significa o retorno a algo que era
praticado antigamente, ou seja, o escambo. Eu ainda estou meio na linha tnue, entre
defender o escambo como um escape desse capitalismo maluco e de pensar que a gente ainda
condicionado a comprar. Aquilo que a gente vai trocar foi comprado e, por isso, a relao
financeira fica maquiada. (Entrevistado J).
Stammerjohan e Webster (2002) explicam o comportamento que leva a no consumir
motivado pela economia como possvel fruto de influncias situacionais, como as
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relacionadas s mudanas na estrutura da famlia, por exemplo. O no consumo seria um
comportamento com a inteno clara de poupar: "Tem pessoas que gostam de grife e no tem
condies, mas tem bom gosto e procuram o brech, e tem as pessoas que tem muitos filhos e
no tem condies de comprar roupa a preo de loja que so carssimas. As crianas deixam
de usar muito rpido. (Entrevistado E). "Eu tenho quatro netos e eu visto direto com roupas
das gurias (do brech)." (Entrevistado F).
Os alvos para comportamento anticonsumo podem ser bastante amplos. Surgem
inclusive motivos e discursos utpicos nos membros de comunidades de consumo
alternativas, que podem manifestar contundente inteno de agir contra a cultura de consumo
corrente ou os mercados. (HANDELMAN; LEE, 2010). "A questo da recompensa no o
mais importante, as pessoas sentem falta de uma transformao (...) vejo neste trabalho um
fim mais humano." (Entrevistado Q). Queremos dar poder s pessoas, para que mudem a
sociedade (...) estamos saindo de uma era de guerras para uma era de amor." (Entrevistado R).
Lipovetsky (1989) apresenta o vesturio como produto da renovao acelerada e da
efemeridade. Desta forma, a moda se apresentaria como uma mercadoria smbolo deste
contexto, onde o produto importa pelo seu carter de novidade e pela seduo que imprime.
Observa-se, nas entrevistas, referncias novidade no que diz respeito s trocas de roupas:
"Acho que mais fcil de trocar e em geral as mulheres so enlouquecidas por moda, gostam
sempre de estar com um sapato novo, uma roupa nova..." (Entrevistado J). A prtica do
descarte relativizada por mim, desde que conheci a comunidade, faz-me pensar duas vezes
diante de tal ato." (Entrevistado F).
Consumo colaborativo como relao de confiana
A confiana e a reputao envolvida em comunidades como o couchsurfing so
cruciais para os usurios. Os sistemas de reputao online so responsveis por julgar a
confiabilidade com base no comportamento e tambm permitir a honestidade.
(LAUTERBACH et al., 2009). Sempre que recebo invites leio o que a pessoa escreve, isso
influencia bastante na minha resposta. Checo tambm sempre o perfil, para ver se h fotos,
informaes, feedbacks de outros couchs." (Entrevistado M). "Confio bastante no sistema de
referncias de couchs, e nos votos de confiana vouches que as pessoas trocam. Atravs
dele avalio os candidatos." (Entrevistado N).
O objetivo dos servios de hospitalidade conectar viajantes que procuram um lugar
para ficar com os da rea local disposto a servir como anfitries. Estas estadias so
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conduzidas sem qualquer troca monetria, com o objetivo amplo de promover experincias
culturais e entendimento entre pessoas de diferentes origens. (LAUTERBACH et al., 2009).
Tu te tornas mais aberto a um estranho (...) no tem como funcionar se tu no mente aberta
e no acredita neste esquema, sabe? Eu vejo como uma mudana na forma de viajar tambm e
de tu se expor em outro lugar, a outra cultura, a outras pessoas." (Entrevistado M).
As relaes de confiana esto presentes no somente no couchsurfing, mas tambm
em outros contextos: Tu recebes o livro em casa, no tem erro, sempre recebe conforme o
combinado. (Entrevistado B). A questo da segurana me preocupou um pouco no comeo,
mas com o tempo fiquei mais confiante. Nunca tive problema. (Entrevistado A).
Consideraes Finais
A presente pesquisa apresentou carter exploratrio tendo em vista a natureza
emergente do tema no campo de estudos sobre comportamento do consumidor. Aps a anlise
dos dados foram definidas cinco categorias com base no crculo hermenutico:
compartilhamento, experincia, garimpo, resistncia ao consumo / no consumo
/anticonsumo, relaes de confiana.
O compartilhamento est ligado a questes simblicas e transcende a viso das trocas
utilitrias. Percebe-se nos dados do campo que atravs deste comportamento o indivduo
constitui sua identidade e se posiciona na sociedade. Por vezes esse posicionamento possui
um vis maior no sentimento de comunidade e de pertencimento.
Foi constatado tambm que o consumo colaborativo apresenta-se como forma de
experincia, onde o consumidor busca algo distinto daquilo que oferecido cotidianamente
pela via tradicional de consumo. O garimpo tambm incorpora a busca do consumidor pela
autenticidade.
A identificao de comportamentos que remetem resistncia ao consumo, no
consumo ou anticonsumo apresenta-se de maneira bastante relevante no artigo. O no
consumo fruto da busca pela economia e pela tentativa de poupar. O anticonsumo aparece
nos depoimentos como uma forma de resistir ao sistema econmico e de consumo. Foi
possvel identificar uma tentativa de fuga neste sentido, atravs de discursos utpicos. Este
comportamento foi sinalizado como uma forma de extirpar o sentimento consumista e
materialista da sociedade ao substitu- lo por um modelo mais humano e colaborativo.
O estabelecimento de relaes fundamentadas na confiana parecem realmente
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representar o mago do consumo colaborativo, em todos os seus desdobramentos. Essa teia
de confiana desenvolvida a partir da insero do consumidor na via alternativa que
constitui esse formato.
A partir do campo, foi possvel observar que o consumo colaborativo no est apenas
relacionado a um valor de troca que corresponde a um bem tangvel. H uma caracterstica
intangvel relacionada aos aspectos simblicos que so inerentes a esse modelo de consumo,
conforme j sugerido por Levy (1959).
Apesar do discurso dos entrevistados demonstrar o contrrio, ainda que existam
movimentos com o intuito de emancipar o consumidor e permitir a fuga do modelo
predominante de mercado, o estabelecimento de uma estrutura de comunidade baseada apenas
na troca bastante complexa e difcil de ser implantada na prtica. (KOZINETS, 2002).
Como limitaes do presente artigo, destacam-se a escolha dos entrevistados, por
meio da tcnica de bola de neve, limitando a diversidade dos dados. Alm disso, um maior
convvio dos pesquisadores com o campo poderia ter permitido o aprofundamento dos
resultados.
Para estudos futuros, sugerem-se a combinao de outras tcnicas de coleta de dados
como observao participante, grupos de foco e etapas quantitativas. Outras categorias de
anlise que emergiram neste estudo em menor grau, como a sustentabilidade e o
materialismo, poderiam ser tambm exploradas. Por fim, seria interessante investigar: existem
consumidores resistentes ao consumo colaborativo?
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