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4 agosto l dezembro Associação Renovar a Mouraria www.renovaramouraria.pt distribuição gratuita Joana Ficticio 37 anos portuguesa vive há 20 anos na Mouraria jornal da mouraria

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nº4agosto l dezembroAssociação Renovar a Mourariawww.renovaramouraria.ptdistribuição gratuita

Joana

Ficticio

37 anos

portuguesa

vive há 20 anos

na Mouraria

jornal da mouraria

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A dança das freguesiasO veto do Presidente da República à reforma administrativa de Lisboa é mais um episódio na já longa novela da reorganização das freguesias na cidade. A proposta prevê grandes mudanças e por isso mesmo gera ódios e paixões. Pelo meio há falta de informação entre os moradores. No mapa proposto, a Mouraria iria juntar-se a Alfama, Castelo e Baixa. Doze freguesias numa só: Santa Maria Maior.

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Em Julho de 2011, e quase sem discussão pública, foi votado o projecto da reforma admi-nistrativa de Lisboa, reforma essa que já não se fazia há

mais de 50 anos. Entre diálogos e mani-festações, e após a Assembleia Munici-pal ter aprovado por maioria (em Abril deste ano) o projecto-lei sobre a reorga-nização administrativa da capital, o Pre-sidente da República decidiu, a 24 de Ju-lho passado, não promulgar e devolver o diploma à Assembleia da República. Cavaco Silva pediu que sejam “esclare-cidas todas as dúvidas” sobre os limites territoriais dos concelhos de Lisboa e de Loures e deixa ainda uma crítica à for-ma como o processo foi desenvolvido, frisando que “a qualidade e o rigor na produção das leis são um imperativo da maior importância”.

O veto do Presidente da República é mais um episódio deste processo, que há muito se arrasta e promete estar para durar.

Segundo a proposta apresentada pela Câmara Municipal de Lisboa, esta re-forma pretende enfatizar os princípios

de descentralização e de valorização do poder local, ambicionando dotar as freguesias de mais competências e meios adequados. De acordo com o documen-to, passariam a ser competências das juntas a limpeza das vias e dos espaços públicos, a atribuição de licenças de ocupação do espaço público, a gestão de equipamentos sociais, a promoção de projectos de intervenção comunitária e apoio a actividades culturais e desporti-vas, entre outras.

Sob o mote de que mais competên-cias e meios requerem unidades políti-cas de maior dimensão, surge a proposta de um novo mapa da cidade. Das actu-ais 53 freguesias, Lisboa passaria a ter 24, com o objectivo de equilibrar a di-mensão populacional das várias fregue-sias, eliminando-se assim discrepâncias entre freguesias com 400 eleitores e ou-tras com 45 mil.

12 freguesias numa sóQuanto à realidade da Mouraria, e de acordo com a proposta inicial, sugere-se que as freguesias do bairro se fundam com as circundantes, fazendo convergir 12 fre-

gue-s i a s n u m a só, baptiza-da com o nome de Santa Maria Maior. Este espaço, que agregaria cer-ca de 14 mil eleitores, incluiria as actuais freguesias do Sacramento, Santa Justa, Santiago, São Cristóvão e São Louren-ço, Socorro, São Miguel, Mártires, São Nicolau, Sé, Madalena, Castelo e Santo Estevão.

Com esta reorganização do territó-rio, Alfama perde quatro freguesias, o Castelo, a freguesia que lhe dá nome, a Mouraria fica sem duas freguesias e a zona da Baixa vê desaparecerem cinco.

Durante o período de consulta e dis-cussão da proposta, pouca movimen-tação houve entre os cidadãos. No dia da sessão para discussão pública pro-movida pela Assembleia Municipal, o espaço para o público encontrava-se vazio e o tempo foi ocupado a esgrimir opiniões contrárias, ficando questões fundamentais sem resposta, ou melhor, sem formulação.

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f r e g u e s i a s não é pacífica,

principalmente no interior dos partidos. A

previsível bipolarização do voto é uma das razões que motiva mais críticas. Surgiram há meses, um pouco por todo o lado, cartazes, pancartas e bandeirolas reclamando contra esta mudança. Um grupo de cidadãos fez circular um abai-xo-assinado que já recolheu um número considerável de assinaturas.

Dúvidas e certezas dos presidentes de juntaPor outro lado, alguns presidentes de junta, mais ou menos conformados, re-clamam uma mudança, mas com menos ambição. Manuel Medeiros, presidente da Junta de Freguesia de Santa Justa (PS) não esconde as suas inquietações. Embora reconheça algum sentido numa nova distribuição de competências en-tre a Câmara Municipal e as juntas de freguesia, não lhe parece aceitável a junção de mais do que cinco freguesias.

Y0 0Ztexto Ana Filipa Fernandes e Nuno Francoinfografia Paulo Oliveira

reportagem

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O executivo da junta emitiu um pare-cer desfavorável relativamente à refor-ma proposta. Manuel Medeiros entende que “a vastidão e heterogeneidade dos territórios que a futura freguesia de Santa Maria Maior ambiciona incluir é de difícil integração, não se adequando às necessidades e interesses das popu-lações em causa, com o principal risco da perda da gestão de proximidade até aqui criada”.

Além da perda da proximidade en-tre eleito e eleitor, as inquietações do presidente prendem-se com questões

de fundo, como a localização da sede, a inexistência de infraestruturas adequa-das na área da futura Santa Maria Maior, a própria delimitação e futuro do patri-mónio de cada junta, para não falar da afectação dos recursos humanos.

Haverá a descentralização de servi-ços pela área da nova freguesia, no senti-do de atenuar a quebra de proximidade? A localização da sede vai reflectir esta preo cupação? Questões que permane-cem até ao momento sem resposta.

Os moradores perguntam ao presi-dente para onde é que ele vai ou “onde posso assinar a petição contra a refor-ma?”

Já Maria João Correia, presidente da Junta de Freguesia do Socorro (PS) é uma entusiasta da ideia: “As freguesias tal qual existem hoje estão completa-mente desenquadradas da realidade de Lisboa. Não se trabalha para 200 pesso-as da mesma forma que se trabalha para três mil, sete mil ou 10 mil. Temos de pensar noutra escala.” A autarca desva-loriza o veto presidencial - “ teve a ver com o mapa, que ia errado” - e acredi-ta que a reforma administrativa “é uma questão de tempo”.

A falta de informação dos moradoresQuando questionados sobre a possível junção das freguesias, os moradores do bairro não escondem a sua preocupação e reclamam informação. “Vai dar muito mais trabalho aos moradores porque as coisas não estão estruturadas. Há infor-mação, mas não há brochuras”, adverte

José Graça, 66 anos. Este morador da fre-guesia de São Cris-tóvão acredita que, com a implementação desta reforma, “o aten-dimento vai ficar mais complicado”.

A localização, até agora indefinida, da sede da futura freguesia não deixa ninguém tranquilo. América Mendonça, 80 anos, questiona: “Agora vai ser muito complicado. Como é que eu vou à junta lá em cima?” Preocupação partilhada por Maria José Luís, 68 anos, moradora no Socorro: “Espero que a nova junta de freguesia não seja na Graça, porque é muito longe.”

Ninguém fica indiferente ao futuro que esta reforma antevê, nem os que se socorrem da junta para atestados, licen-ças e outros apoios, nem os que sentem que “esta junta não lhe tem servido para nada”, e muito menos os que vêem nesta reforma uma melhoria no desempenho e rigor do poder local.

Mas a contestação foi bem visível, por exemplo, no passado dia 31 de Mar-ço. Uma manifestação convocada pela Associação Nacional de Freguesias jun-tou 200 mil pessoas de todo o país, e dos mais diversos sectores sociais e políticos, num sonoro protesto, o que confirma a falta de consenso que esta reforma ad-ministrativa traz consigo.

Não se trata apenas de uma trans-formação na configuração administra-tiva da cidade ou na resposta diária às necessidades da população. Sendo uma freguesia muito mais do que uma área

funcionalmente delimitada, levan-

ta-se a questão da sua matéria primordial –

os moradores – e da percepção emocional que estes têm do lugar. “Acho que não se perde a identidade”, defende Maria João Correia. “As pessoas da Mou-raria não deixam de ser da Mouraria. As de Alfama não deixam de ser de Alfa-ma. Também não vai passar a haver uma marcha [popular] de Santa Maria Maior. A reforma administrativa tem só a ver com competências”, acrescenta.

Serão os moradores capazes de reco-nhecer o seu lugar pelo novo nome ou permanecerá o Socorro ou São Cristó-vão como nomes de uma identidade estabelecida? “As pessoas vão aceitar a nova junta de freguesia”, acredita José Graça. Para Maria José Luís, é “uma questão de a pessoa se habituar à nova freguesia”.

Poder-se-á gerar alguma aproxima-ção entre freguesias até então indiferen-tes ou vão acentuar-se fissuras e rivali-dades?

O tempo o dirá. Certo é que o veto do Presidente da República, embora por razões alheias à Mouraria, foi bem aco-lhido no bairro.

O assunto está agora nas mãos dos deputados. Ana Catarina Caldeira .

Nota l O mapa aqui reproduzido foi elaborado antes do veto presidencial

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PARTIR/CHEGARSusana Moreira Marques jornalista

1. Porque vivo perto do rio e ouço diariamente os barcos, fa-cilmente fico obcecada com a ideia de partir de Lisboa. Foram sempre outras as cidades que me pareceram portos de chegada. Quando vim do Porto em 1994 – ano de Lisboa capital europeia da cultura, início de uma era –, Lisboa não me parecia o ponto de che-gada mas o ponto de partida: para um mundo maior que existiria algures, além da barra do Tejo, mas que parecia não estar ao meu alcance sem primeiro passar por aqui.

2. Em 2005, ano de atentados terroristas no metro, final de uma era, cheguei àquela que era a cidade mais cosmopolita da Europa. “Chegar” era o verbo que definia Londres: bastava chegar para se sentir que se tinha feito uma conquista. Ao final de cinco anos, ainda não tinha acabado de chegar; e ainda que tivesse fica-do em Londres, como milhões de outros imigrantes, talvez nunca acabasse de chegar.

3. Qualquer um pode sentir-se exilado quando volta para a sua terra; e até um povo inteiro, em determinado momento, se sente exilado na sua terra. Sinto-me frequentemente expatriada mas a culpa talvez não seja de Lisboa mas minha. Em 2010, esperei encontrar Lisboa como a tinha deixado, ligeiramente aborreci-da mas confortavelmente previsível. Não esperei encontrar uma Londres em escala mais pequena, onde “chegar” tinha passado a ser um verbo fundamental para milhares de pessoas que entre-tanto se tinham lançado a modificar a cidade sem autorização. As línguas diferentes, os rostos diferentes eram-me estranhos e simultaneamente familiares. Seriam também familiares à própria cidade, trazendo memórias muito distantes, de quando Lisboa era ainda um centro no mundo, circa século XVI.

4. Em Londres, quando vivia no bairro de Whitechapel, obser-vava os muçulmanos mais idosos entrarem e saírem da grande mesquita, sentarem-se de cócoras ao longo do mercado na rua principal vendo passar o final do seu tempo, e pensava que não era, Londres, uma boa cidade para velhos. Em Lisboa, recente-mente, fui convidada para uma festa, não muito longe de minha casa, onde não havia quase brancos e ninguém mais velho do que eu – as adolescentes tinham-se vestido a preceito, os rapa-zes ensaiavam truques de dança junto do palco improvisado, e a energia era tanta que não se percebia como é que podia estar contida num pequeno quintal junto da Mouraria. Estávamos em 2011, ano zero do mal-estar europeu, e já era óbvio que não era esta a melhor cidade para jovens, ainda menos para jovens que não fossem brancos. Esse muro que fechava o quintal, ainda que deixando passar a música, tinha já a aparência de uma fronteira e seria difícil viver de um lado e do outro.

5. 2012. Lisboa será a cidade de nascimento da minha filha e parece-me que já estão ligadas e que devo ter sonhos para a cida-de como tenho para ela. Sonho então que no dia em que ela qui-ser partir para o mundo, o mundo quererá chegar a Lisboa. Para isso, é preciso primeiro ter uma utopia da qual ser capital. Sem se querer definir facilmente, sem saudosismos, a cidade vibrante e ambiciosa começará na Mouraria.

para crianças, jovens e idosos, numa extensão da Junta de Freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço. No início houve o acompanhamento, por parte destes profissionais, da demolição de pequenos edifícios de habitação e da decapagem mecânica dos níveis de aterro superficiais. A esta fase, seguiu--se uma de escavação arqueológica manual, numa área de 80 m2. Em relação ao que foi descoberto durante estas fases, há a salientar várias estruturas em pedra, possivelmente da época moderna (entre meados do século XV e o século XVII) e contemporânea. Entre outras descobertas, destaca-se o espólio cerâmico, nomeadamente uma grande quantidade de faiança, cerâmica comum e vidrada. Parecem existir alguns materiais da época medieval islâmica mas, antes de poder afirmá-lo com certeza, é necessário avaliar as peças.O trabalho neste largo continua, com o acompanhamento das escavações mecânicas, uma vez que não foi possível escavar toda a área manualmente, por motivos de segurança.

Espaços públicosAs intervenções nos espaços públicos são variadas e abrangem o adro da Igreja do Socorro, a Rua Marquês de Ponte de Lima, a Rua João do Outeiro, o Largo da Rosa, a Rua das Farinhas, o adro da Igreja de S. Cristóvão e o Beco dos Surradores. Os arqueólogos da Era – Arqueologia, Conservação e Gestão do Património explicam que nas cotas de afectação da obra, isto é, nas profundidades até às quais é permitido escavar, já houve um revolvimento do solo, por exemplo para instalar condutas de água e gás. Isto faz com que tudo o que seja encontrado esteja já bastante revolvido, o que dificulta a contextualização e datação do material que tem sido encontrado, nomeadamente pedaços de cerâmica e azulejos. É, no entanto, possível afirmar que serão objectos posteriores ao terramoto de 1755. No adro da Igreja do Socorro não foi encontrado nada, nem na Rua João do Outeiro, mas no Beco dos Surradores foram descobertas duas ou três estruturas destruídas que serão provavelmente restos de edifícios do século passado. As sondagens de diagnóstico prévio às obras permitiram identificar ossadas no adro da Igreja de S. Cristóvão e esqueletos no Largo e Rua da Achada, mas neste momento não estão a ser feitas intervenções nesses locais. Na altura dos procedimentos preliminares foi identificado um pedaço da Muralha Fernandina na Rua de Marquês Ponte de Lima, achado este que levou a que se alterasse o local de passagem de uma conduta. MD

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Achados arqueológicos na Mouraria

Há história na Mouraria. As obras de requalificação que estão a ter lugar no bairro, ao abrigo do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), não estão só a dar nova vida aos edifícios e às ruas desta zona da cidade. Estão também a permitir a descoberta de importantes achados arqueológicos nos terrenos intervencionados. Os arqueólogos do Museu da Cidade, da Era – Arqueologia, Conservação e Gestão do Património e da Neoépica – Arqueologia e Património estão a realizar escavações em locais como a Casa da Severa, o Largo dos Trigueiros e vários locais públicos e as descobertas são a prova de como a Mouraria pertence a uma “área de potencial valor arqueológico elevado”, tal como descrito no Plano Director Municipal de Lisboa.

Casa da SeveraOs arqueólogos do Museu da Cidade descobriram, ao lado da Casa da Severa e no seu interior, estruturas relacionadas com uma construção que provavelmente remonta ao século XII, altura em que foi criada a Comuna da Mouraria através do foral concedido por D. Afonso Henriques. A estrutura terá sofrido remodelações em séculos posteriores. Está previsto que seja derrubada e que no seu lugar seja criado o Sítio do Fado. Para além desta habitação, foram ainda descobertos alguns pedaços de cerâmica e metais. Os arqueólogos acreditam que a Mesquita Pequena que existia na Mouraria estaria localizada nas imediações deste espaço. A validar esta tese está o facto de ter sido descoberta, há alguns anos, uma pia de abluções na Rua João do Outeiro, que está em exposição no Museu da Cidade.

Largo dos TrigueirosO trabalho no número 10 deste largo tem estado a ser conduzido pelos arqueólogos da Neoépica – Arqueologia e Património desde Novembro de 2011. No futuro, o local irá acolher um espaço

crónica notícias

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DANÇASCOM SONHOSBaptista-Bastos jornalista e escritor

«Nunca deixes de sonhar», disse o Velho. «E, sobretudo, nunca deixes que te rou-bem os sonhos.» Estavam sentados junto ao rio, num isolado banco de madeira que escapara à demolição do armazém. Era um bom local para se observar o movimen-to dos vapores a rumar, incessantemente, de uma para a outra margem. O Rapaz, junto ao Velho, seguia, com o olhar, as viaturas que circulavam na ponte, deixando um ruído cavo. Quase de minuto a minuto, um avião aproximava-se do aeroporto. Contou alguns, até que o número deixou de o interessar. O céu apresentava nuvens largas e claras. Algumas formavam cirros: pareciam flocos de algodão, e dava gosto vê-los.

«Os antigos diziam que, quando as nuvens se juntam assim, significa que, ama-nhã, há sardinha», disse o Velho.

O Velho estava, aparentemente, muito feliz. A barba rala, a boca desdentada, os olhos miudinhos e vivos, o sorriso arteiro e malicioso reflectiam o grau de contenta-mento interior. Colocara a cana de pesca com destreza, prendera-a a uma peque-na argola de ferro, aguardava que o peixe picasse. O Rapaz sentara-se junto a ele, trazia um jornal desportivo, preparava-se para o ler, apreciava o silêncio. O Velho cumprimentara-o imediatamente ao sentar-se. «Estudas ou trabalhas?», perguntou o Velho. «Nem uma coisa nem outra.» Não demonstrava empenho em esclarecê-lo. No entanto, simpatizava com o interlocutor. «E o senhor, que faz?» Entrava na barra um transatlântico: soberbo, imponente. «Pesco e sonho», disse o Velho. «Sobretudo, sonho.» Soltou um risinho, ergueu-se do banco, perscrutou a linha de pesca; depois, detidamente, as águas do rio.

«O sonho é uma mentira que nos conta uma verdade», disse. Voltou a sentar-se e, como se percebesse o que estava para lá do visível, foi dizendo: «Quando não es-tou bem deixo logo se sonhar. Ah!, e que coisas sonho? Ora, que sou um aventureiro nos mares da China, que piloto um avião cheio de miúdos, o avião avaria-se mas eu consigo salvar os miúdos. Também sonho muito com mulheres. Com as que tive e com aquelas que amei longamente e à distância. Às vezes, contemplo as raparigas, sobretudo na primavera, e as raparigas, na primavera, desabrocham, não sei se me faço entender, desabrocham e é um regalo vê-las como flores em botão, um regalo! Mas depois envergonho-me. Sou velho e envergonho-me.»

O Rapaz sorri, levemente irónico, está agora curioso com a conversa. Pergunta: «A velhice dói? É triste envelhecer?» Silêncio; depois: «Há tristezas muito maiores.» «Quais?» «A morte dos outros.»

Neste momento três homens e uma mulher passam a correr no molhe, saltam por cima da cana de pesca, vão ofegantes. A mulher tem para aí quarenta anos, ancas largas, seios fortes. O Velho examina-a. «Bela mulher», diz. «Aquilo é que é uma mulher. Agora, são muito magras, não achas?» O Rapaz não acha. O Rapaz acha que a mulher a correr é uma mulher muito gorda e que as mulheres devem ser secas. O Velho encolhe os ombros, desdenhoso. Diz: «Sempre gostei muito de mu-lheres. E por gostar muito de mulheres, sentia, por vezes, a necessidade de gostar de mais do que de uma mulher. Agora, agora é só olhar. E sonhar, bem entendido.»

Há imenso tempo que passava o tempo naquela parte onde o rio forma uma laçada. Descia a calçada, logo após o almoço, aprontava os bretes para os pássaros e a cana para os peixes, dormitava. Épocas houve em que se estendia à sombra dos ulmeiros, os peixes picavam, os pássaros caíam na armadilha, e ele não ligava ne-nhuma, ficava assim, a sentir o céu, as brisas que evolaram perfumes a salsugem e das flores silvestres. Depois, o baldio foi alterado: demolições e construções novas, discotecas e bares e restaurantes.

O mundo mudava e aqueles territórios que lhe pertenciam deixavam de possuir qualquer significado pessoal. E, então, assaltavam-no as saudades de locais onde nunca estivera, de épocas antiquíssimas em que não vivera. Todos os seus tinham morrido, muitos deles antes do tempo normal. Fazia-lhe falta, a mulher: até das suas quezílias mortificantes e árduas. E entendera que a mulher é a metade de qualquer coisa que se ignora mas que se procura.

«O peixe está a picar», avisou o Rapaz.Ergueu-se pesadamente, puxou a linha, tirou o peixe do anzol, jogou-o ao rio,

ficou a esquadrinhar a corrente ligeira das águas. Voltou a sentar-se:«Faz-se tarde», disse. O Rapaz olhou-o:«Dormitou um bocadinho.»O Velho arrumou os apetrechos de pesca, guardou os bretes num saco de lona,

voltou-se e disse:«Não te esqueças: quando os sonhos se negam a ir-se embora, baila com eles.»O transatlântico rumava para o Mar da Palha.

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Carlos Nunes Wrestling Team em 3º lugar no lugar no Campeonato 2011

A Carlos Nunes Wrestling Team - da secção de Lutas Olímpicas do Grupo Desportivo da Mouraria - classificou-se em 3º lugar no Campeonato Nacional de Equipas 2011, no passado mês de Março. Encontram-se já abertas as inscrições para o próximo ano. Os interessados (a partir dos seis anos) poderão escolher um dos seguintes horários: 3ª, 5ª ou 6ª feira, das 18h30 às 20h. A secção de Lutas Olímpicas inclui as modalidades luta greco-romana, luta livre olímpica e grappling-submission. Contactos: Travessa da Nazaré, nº 9, tel.: 218 870 058 / tlm.: 962 819 832; [email protected]

Mural de histórias do fado

Os prédios que ladeiam as Escadinhas de S. Cristóvão estão mais vivos e alegres. A intervenção foi dinamizada pelo Movimento Os Amigos de S. Cristóvão (MASC), um grupo de seis amigos que moram na Mouraria. O resultado foi um mural concebido por vários artistas - Hugo Makarov Martins, Mário Belém, Nuno Saraiva, Pedro Soares Neves, União Artistas do Trancão e Vanessa Teodoro - cuja inspiração se baseou em fotografias da Noite de Fado Vadio, iniciativa também dinamizada pelo MASC, em Outubro de 2011, que possibilitou angariar fundos para o projecto. No mural estão pintados excertos de fados populares e cruzam-se figuras do passado (como a Severa

e o fadista Fernando Maurício) com algumas pessoas da comunidade: a D. Elvira Igrejas, o Sr. Franklin e o pároco Edgar Clara. Para realizar esta intervenção no bairro, foi necessária a autorização da EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa), entidade à qual pertencem os prédios cujas paredes foram pintadas, e a obtenção de licenças por parte da Junta de Freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço. As Tintas CIN também apoiaram o projecto.Os elementos do MASC apelaram à participação da comunidade, convidando a população a trazer uma trincha ou um rolo e a juntar-se ao grupo de artistas e dinamizadores. NF

Martim Moniz terá novo centro de saúde

A previsão é de que abra portas durante 2013 e sirva a Mouraria e toda a zona da Baixa de Lisboa.A Unidade de Saúde do Martim Moniz tem uma área de mais de mil metros quadrados e estará localizada no piso térreo do empreendimento “Residências do Martim Moniz”, da responsabilidade da EPUL (Empresa Pública de Urbnaização de Lisboa).Terá capacidade para atender cerca de 18 mil cidadãos, a maior parte constituída pelos actuais utentes da Extensão de Saúde de São Nicolau, e por utentes de outras unidades envelhecidas da zona. Ao nível dos cuidados de saúde primários, a população da Mouraria é servida pelo Centro de Saúde da Graça, e pela extensão de São Nicolau.

A assinatura do contrato promessa de compra e venda do equipamento entre a EPUL e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo decorreu a 29 de Junho. A cerimónia contou com as presenças do ministro da Saúde, Paulo Macedo, e do presidente da autarquia, António Costa.De acordo com as declarações feitas na cerimónia oficial, a nova unidade custará cerca de dois milhões de euros.A Unidade do Martim Moniz é um dos sete novos centros de saúde que irão ser construídos em Lisboa nos próximos anos. NF

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por Oriana Alves

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a um

a m

ulhe

rzin

ha p

eque

na. D

epoi

s ia

para

o L

argo

da

Gui

a e

fazi

a re

cado

s aos

com

erci

ante

s (ca

sas d

e m

obíli

a e

mer

cear

ias)

e à

s sen

hora

s que

aqu

i viv

iam

. Da

jane

la d

esci

a um

ces

to c

om o

din

heir

o e

pass

ado

pouc

o te

mpo

vol

tava

a su

bir c

om a

s com

pras

e o

troc

o,

depo

is d

e eu

tira

r um

a pa

rte

para

mim

. Tin

ha u

ma

bilh

azin

ha, i

a bu

scar

águ

a às

senh

oras

que

não

tin

ham

águ

a em

cas

a. P

or c

ada

bilh

a da

vam

-me

dois

tost

ões.

Out

ros r

ecad

os e

ra la

var r

oupa

, ou

lava

r as e

scad

as. A

ssim

que

aga

rrav

a na

esc

ova

com

eçav

a a

cant

ar e

ass

im fi

cava

até

te

rmin

ar. C

antig

as d

e ro

da e

tam

bém

alg

um fa

dinh

o qu

e ou

viss

e na

rádi

o.

Mas

não

que

ria

ser c

anto

ra, n

em c

anta

deir

a, e

u sa

bia

lá o

que

é

que

quer

ia se

r. Eu

que

ria

sobr

eviv

er. F

azer

qua

lque

r co

isa,

reca

dos,

para

pod

er v

iver

, par

a co

mer

. Era

hab

ilido

sa, e

ra u

ma

cria

nça

espe

rta,

viv

a, p

arec

ia q

ue ti

nha

mai

s id

ade.

De

man

eira

que

me

crie

i soz

inha

a

faze

r rec

adin

hos.

Cél

ebre

fadi

sta

nasc

ida

na M

oura

ria,

Arg

entin

a Sa

ntos

ded

icou

-se

sobr

etud

o ao

rest

aura

nte

Parr

eiri

nha

de A

lfam

a, p

oiso

obr

igat

ório

par

a vá

rias

ger

açõe

s de

fadi

stas

, poe

tas e

am

ante

s de

Fado

. Qua

ndo

para

ali

foi,

aos v

inte

e p

ouco

s an

os, e

ra c

ompa

nhei

ra d

o do

no e

resp

onsá

vel p

ela

cozi

nha.

Um

a no

ite

pedi

ram

-lhe

para

ent

rar n

uma

desg

arra

da e

ela

can

tou

pela

pri

mei

ra v

ez e

m

públ

ico,

um

a qu

adra

de

Fran

cisc

o R

adam

anto

. Foi

o in

ício

fulg

uran

te d

e um

a ca

rrei

ra su

cess

ivam

ente

adi

ada

pelo

ciú

me

de d

ois m

arid

os e

só re

tom

ada

depo

is d

a se

gund

a vi

uvez

. Mas

ain

da h

ouve

tem

po p

ara

grav

ar d

isco

s, vi

ajar

pe

lo m

undo

e c

anta

r na

sua

Parr

eiri

nha,

dep

ois d

e ar

rum

ada

a co

zinh

a e

quan

do o

am

bien

te e

ra d

e fe

ição

ao

fado

den

so d

e qu

e go

sta.

À M

oura

ria,

ond

e na

sceu

em

1924

e v

iveu

até

aos

10 a

nos,

nunc

a re

gres

sou,

a n

ão se

r pa

ra a

inau

gura

ção

da p

laca

com

o se

u no

me

na R

ua Jo

ão d

o O

utei

ro. A

s mem

ória

s qu

e gu

arda

do

bair

ro sã

o to

das d

e tr

abal

ho, p

obre

za e

vio

lênc

ia, c

enas

de

uma

cria

nça

em re

gim

e de

sobr

eviv

ênci

a. N

ão fo

i à e

scol

a, n

ão se

lem

bra

de u

ma

brin

cade

ira

nem

de

uma

aleg

ria,

mas

lem

bra-

se q

ue n

os d

ias d

e fe

sta

qual

quer

bec

o pu

nha

umas

ban

deir

inha

s e fa

zia-

se u

m b

aile

. E

no fi

m d

a co

nver

sa lá

con

fess

a qu

e fic

a co

nten

te q

uand

o ga

nha

a m

arch

a da

Mou

rari

a.

Rua

da

Mou

rari

a

Era

a ru

a da

Pro

ciss

ão d

a Se

nhor

a da

Saú

de. E

era

al

i que

alm

oçav

am o

s pro

duto

res q

ue v

inha

m d

e fo

ra d

e Li

sboa

ven

der à

Pra

ça d

a Fi

guei

ra, n

uma

casa

de

past

o ch

amad

a A

dega

dos

Sal

oios

. Nun

ca

com

i lá

nada

, mas

dev

ia se

r bom

por

que

esta

va

sem

pre

chei

a. L

embr

o-m

e do

cho

uriç

o as

sado

com

o e

de h

aver

ali

fado

, can

tado

por

pro

fissi

onai

s e

amad

ores

.

Largo da Rosa

Rua João d

o Oute

iroR

ua d

os C

aval

eiro

s

Rua Marq

uês Ponte

de L

ima

Rua da MourariaR

ua

do

Cap

elão

Lar

go

da

Gu

ia

Beco do Jasmim

Page 7: RosaMaria_prop_Hugo

pass

eand

o co

m A

rgen

tina

Sant

os

12 3R

osa

Mar

ia n

º 5· d

ezem

bro

Y0

0Zfo

togr

afia

MG

de

Sain

t Ven

ant

depo

imen

to re

colh

ido

por O

riana

Alv

es

12 3 Rosa Maria nº 5· dezembro

罗萨玛丽亚

罗萨玛丽亚

passeando com A

rgentina Santos

13 3· dezem

bro

Y0 0Zfotografia M

G de Saint Venant

depoimento recolhido

por Oriana Alves

13 3· dezembro

R. J

oão

de O

utei

ro

A ru

a on

de n

asci

. Os m

eus p

ais e

ram

de

Coi

mbr

a,

de G

óis.

Qua

ndo

o m

eu p

ai m

orre

u, e

u ai

nda

não

tinha

doi

s ano

s. A

min

ha m

ãe v

endi

a ho

rtal

iça,

os

meu

s irm

ãos n

ão p

odia

m fa

zer g

rand

e co

isa,

era

um

a di

fere

nça

de d

ois a

nos u

ns d

os o

utro

s, o

Jorg

e tin

ha q

uatr

o an

os, o

Ver

gílio

tinh

a se

is, a

min

ha ir

tinha

oito

. Era

m u

mas

cri

anci

nhas

, o q

ue é

que

ele

s po

diam

faze

r... E

u ai

nda

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mai

s lad

ina.

N

a R

ua d

o C

apel

ão

Hav

ia a

ant

iga

casa

da

Seve

ra, m

as is

so n

ão m

e di

zia

nada

. Em

ocio

nant

e er

a ou

vir o

Fer

nand

o M

aurí

cio

cant

ar n

a ta

bern

a em

fren

te d

e ca

sa.

B

eco

do Ja

smim

Dep

ois d

a m

orte

do

meu

pai

fui v

iver

no

n.º

21

do B

eco

do Ja

smim

com

a m

inha

mad

rinh

a, ti

a M

aria

da

Nat

ivid

ade,

irm

ã da

min

ha m

ãe, u

ma

jóia

, mas

con

tinua

va a

ve

r a m

ãe e

os i

rmão

s. Fo

i nes

sa c

asa

que

vi p

ela

jane

la u

m h

omem

ser a

punh

alad

o pe

las c

osta

s, vi

a fe

rida

a a

brir

e a

fech

ar q

uand

o o

hom

em

resp

irav

a. E

u é

que

o le

vei a

o ho

spita

l e d

epoi

s aqu

ilo fo

i pa

ra tr

ibun

al e

eu

tive

de ir

a tr

ibun

al ta

mbé

m. O

que

deu

a

nava

lhad

a ai

nda

foi p

ara

a pr

isão

uns

tem

pos m

as m

uito

po

uco,

não

foi n

ada

do q

ue m

erec

ia. E

ess

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i só

uma

de

mui

tas:

na R

ua d

os C

anos

[dem

olid

a pa

ra d

ar lu

gar à

pra

ça

do M

artim

Mon

iz] o

s hom

ens j

ogav

am c

arta

s e to

dos o

s dia

s se

peg

avam

à p

anca

da.

R

ua d

os C

aval

eiro

s

Lar

go d

a G

uia

Fica

va a

li se

ntad

a à

espe

ra q

ue d

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gum

a ja

nela

apa

rece

sse

uma

senh

ora

com

um

re

cado

: ir à

Pra

ça d

a Fi

guei

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ompr

ar c

oira

tos,

grel

os, f

eijã

o, c

arne

, pei

xe, o

que

el

a pr

ecis

asse

. Log

o de

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hã ia

par

a a

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a da

Fig

ueir

a pe

rgun

tar o

que

que

riam

. C

ompr

ei u

ma

alco

finha

par

a tr

azer

as c

oisa

s. Er

a um

a m

ulhe

rzin

ha p

eque

na. D

epoi

s ia

para

o L

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rrav

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ar e

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bém

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rádi

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Mas

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anto

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anta

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eviv

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Cél

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lfam

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pedi

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À M

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sceu

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1924

e v

iveu

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10 a

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nunc

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laca

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Rua

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sado

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.

Largo da Rosa

Rua João d

o Oute

iroR

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os C

aval

eiro

s

Rua Marq

uês Ponte

de L

ima

Rua da Mouraria

Ru

a d

o C

apel

ão

Lar

go

da

Gu

ia

Beco do Jasmim

Page 8: RosaMaria_prop_Hugo

banda desenhada de Nuno Saraiva

24 3 Rosa Maria nº 5agosto · dezembro

“Hoje a Mouraria é onde tudo acontece”A Mouraria está emtransformação. Há menos carros no interior do bairro, ruas recuperadas e espaços com mais vida. Mas há ainda promessas por cumprir, reconhece a presidente da Junta de Freguesia do Socorro, Maria João Correia.

Como é que a população da Mouraria está a ver a requalificação do bairro? Está bastante agradada. Pessoas que aqui vive-ram toda a vida, e que vêem a Casa da Severa a ser recuperada, olham para o largo da Severa como um espaço onde podem passar uma tar-de. A Rua da Guia está a sofrer a intervenção do piso e vai ficar reabilitada. O interior do bairro estava cheio de veículos. Isso hoje não acontece. O bairro está todo em transforma-ção, e as pessoas estão contentes.

O Presidente da República, Cavaco Silva, visitou o bairro recentemente. Poucos dias antes, algum do edificado foi como que ‘lavado’. Não lhe parece que se tentou esconder a degradação?Foi a primeira vez que um Presidente da Repú-blica aqui passou. Foi com grande entusiasmo que as pessoas o receberam. Compreendo a pergunta, mas não vejo a questão dessa forma. Acho que quando temos convidados em nossa casa queremos sempre mostrar o melhor. E foi isso que tentámos fazer. Ficámos todos a ga-nhar: a Mouraria ficou falada de um dia para o outro por boas razões.

Um dos objectivos do QREN Mouraria é a criação de um equipamento para crianças e idosos, numa extensão da Junta do Socorro. Há previsões para o início da obra?Infelizmente, não. Já questionei várias vezes a Câmara e têm-me dito que a obra vai avançar. O projecto existe, o equipamento no papel é lindíssimo, mas o papel não me diz nada. Por-que continuo a ter crianças a frequentar um espaço pequenino. Não é digno. As nossas crianças não podem ser esquecidas.

Quais as razões desse atraso?Questões burocráticas. Continuamos a aguardar, não vamos é desistir.

E as obras do futuro espaço infantil da Rua do Capelão, quando terão início? Esse espaço está ocupado com um esta-

leiro de obras. Assim que deixar de o ter, o parque infantil avança.

O bairro precisa de uma creche. Existe algum projeto?Está falado, também com o executivo camarário. Não nos foi prometido nada, mas estamos confiantes de que possa acontecer. A Mouraria está a crescer a olhos vistos.

Os pilaretes que foram colocados no âmbito do novo ordenamento do trânsito forçam muitas vezes as pessoas a andar na estrada. Como resolver isto? É uma crítica que nos tem chegado. Muitas vezes as pessoas que estão a fazer a obra não têm a sensibilidade para es-tas coisas. E a flexibi-lidade muitas vezes não existe. Temos conse-guido, numa ou outra situação, minimizar o problema. Obvia-mente que os pilare-tes tiraram lugares de estacionamen-to, mas quanto a mim, a bem da popula-ção.

Qual o balanço que faz das obras de requalificação do Largo do Intendente?Foi uma obra que tardou em começar, mas traz-nos bastantes benefícios.A requalificação tem sido transversal. Come-çou no Intendente, mas tem vindo a descer até à Mouraria. E tem havido uma sintonia quase perfeita, porque houve a preocupação de en-globar todas as pessoas que estavam envolvi-das no processo. Quer os comerciantes, quer inclusivamente as prostitutas que ali trabalha-vam. Obviamente que há outras coisas que se podem fazer, mas o eixo da Almirante Reis foi

uma zona esquecida durante muitos anos. As pessoas estavam descrentes. Viram

outros bairros serem reabilitados - Al-fama, Castelo, Bairro Alto - e acha-

vam que a Mouraria nunca iria ser requalificada. Esse trabalho tam-bém tem vindo a ser feito, o de desconstruir a ideia de que aqui

nada acontece. Hoje a Mouraria é onde tudo acontece.

Como é que vê a Mouraria daqui a cinco anos? Vejo-a como um sítio muito agradável para se viver. Estão a ser criadas as infraestruturas. Mais vale tarde do que nunca.

entrevista Y0 0Zentrevista e fotografia Ana Catarina Caldeira

V