S107_Industria_Pintura

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18 Jan./Fev. 2005

Voo TP 2005 – Check-in 01-02-2005 Boarding Time 18 h Gate Hangar 06.

Foi desta forma que o CEO da TAP, engenheiro Fernando Pinto, con-vidou todos os trabalhadores a participa-rem no renascer da companhia.

O aparelho escolhido para a apresen-tação da nova imagem, foi o CS-TEX da frota A310, vestido a rigor pela far-da concebida pela Brandia Network. Os materiais escolhidos são o “state of art” em modernidade e ambiente e as cores e respectivas texturas foram desenvolvi-das, a propósito, por um fabricante de tintas aeronáuticas de renome. Quem o vestiu fê-lo depressa e bem: em curto es-paço de tempo. Por ser urgente, levou a cabo uma árdua tarefa.

A pintura foi realizada em duas fases distintas: na primeira aplicou-se a base

COMO PINTAR

em branco sólido, tendo-se assim, fei-to cair o cinzento da barriga. Na segun-da trabalhou-se a decoração. Aqui, fo-ram utilizadas tintas contendo pigmen-tos com efeitos especiais, de interferência, denominados de Micas. Estas partículas com cerca de 50 µm, por oposição aos pigmentos convencionais de dimensões inferiores a 1 µm, existentes nas tintas de cores ditas sólidas, produzem o chama-do sparkling effect, ou efeito cintilante. Este efeito observa-se quando a radiação luminosa da luz solar, nelas incide. Para isso, é ainda necessário selar estas partí-culas, pela aplicação de uma camada de verniz sobre as superfícies em que as tin-tas micadas foram aplicadas.

A sequência de trabalhos foi a seguinte:(1) Os moldes à escala, chegaram em

rolos de papel branco, que foram justa-postos no chão da oficina, de acordo com

a parca legenda. O tempo era curto e a imaginação destes homens foi posta à pro-va. A fragilidade do papel levou a que se introduzisse mais um passo, neste já de si complicado e moroso projecto – a passa-gem para manga plástica, de todos os con-tornos e posterior, esparsa, picotagem.

(2) A manga plástica, já com os contor-nos e picotada, foi então estendida sobre ambos os lados da fuselagem e deriva do equipamento escolhido (já com a pintura em branco) e os contornos passados para a superfície do avião (num tracejado que só estes homens adivinhavam o que era e o que representava). É de realçar que todo o projecto era confidencial e como tal, até os próprios não conheciam a far-da no seu todo.

(3) O escasso tracejado, foi então ligado por fita adesiva de marcação e as várias superfícies foram pintadas em sequência. As primeiras superfícies a serem pintadas foram as de sobreposição, i. e. as que cor-respondiam ao vermelho escuro e ao ver-de escuro, e foram aplicadas nessa sequên-cia. As superfícies restantes foram devida-mente isoladas, para que não ocorresse qualquer contaminação. Após a aplica-ção destas tintas e passado um tempo de

A pintura de uma aeronave exige mais do que trincha e tinta. A Sirius pediu à responsável da TAP pelo projecto de pintura da nova imagem que contasse a experiência e o processo. Texto de Ana Ricardo – TAP Manutenção e Engenharia

INDÚSTRIASirius

UM AVIÃO

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secagem apropriado, foi então, aplicado o verniz. Este passo é absolutamente neces-sário, para manter as partículas de mica, responsáveis pelo efeito cintilante protegi-das, pois devido ao seu tamanho, sobres-saem das camadas aplicadas.

(4) No dia seguinte, taparam-se as super-fícies já pintadas com papel, tendo-se então destapado a superfície correspondente ao vermelho claro. Procedeu-se então à apli-cação do vermelho claro e posterior aplica-ção do verniz. Devido à existência de um ponto de contacto entre o vermelho claro e o verde claro optou-se por acabar cada cor individualmente, para que o isolamen-to fosse mais eficaz. Após um tempo de se-cagem muito reduzido, tapou-se a super-fície acabada de pintar com papel e des-tapou-se a correspondente ao verde claro. Este foi então aplicado e posteriormente selado pela aplicação de verniz.

A obra de arte é então a que se pode ver na fotografia que introduz este artigo.

Na pintura da decoração do avião foi utilizado equipamento de pintura electros-tático de baixa pressão.

Para podermos entender como o efei-to interferente funciona, abordemos então alguns conceitos da Física Óptica:

Cor e luzO conhecimento da teoria básica da cor é crítico quanto à compreensão de como o olho humano interpreta os pigmentos com interferência.

Quando a luz branca (luz solar) atraves-sa um prisma, este separa-a nas suas par-tes componentes, i. e. as cores do arco íris. Cada cor do arco-íris corresponde a uma energia específica. Uma vez que a luz se propaga em ondas, cada cor é carac-terizada pelo seu comprimento de onda (c.d.o.) específico. Uma superfície irradia-da pela luz, reflectirá certos c.d.o., depen-dentes da natureza da superfície, ou aqui-lo a que chamamos a sua cor. (Fig. 1)

Pigmentos com Efeitos Mono, Bi e TridimensionalOs pigmentos podem ser divididos em três classes: os de absorção, os metálicos e os de interferência. Pigmentos conven-cionais orgânicos e inorgânicos (com di-

mensão inferior a 1 µm) são considera-dos pigmentos de absorção, porque ab-sorvem certos c.d.o. da luz incidente. A sensação de cor é produzida pela compo-nente remanescente da luz branca, i. e. a cor reflectida (aquela que se vê). (Fig. 2)

Como exemplo, uma superfície com pigmento azul ultramarino (do lápis la-zúli), reflecte a porção de luz que traduz a sensação azul e absorve a restante. O branco de titânio (dióxido de titânio) re-flecte a totalidade da luz incidente não absorvendo qualquer porção, enquan-to que o negro de carvão tudo absorve e nada reflecte. Devido à absorção de luz irregular, os Pigmentos de Absorção não exibem lustro e são considerados de Efeito Monodimensional.

Os Pigmentos Metálicos consistem em pequeníssimas plaquetas de alumínio, co-bre, ouro, prata, zinco e outros metais que reflectem a luz, tal qual um espelho. Estes pigmentos são de Efeito Bidimensional.

Feita no maior segredo, a nova pintura da TAP exigiu muitas horas de empenho dos profissionais, num trabalho feito em contra-relógio em que houve que improvisar para cumprir as metas

Ana Ricardo, da TAP Manutenção e Engenharia, acompanha a criação de “papel químico” que tornará mais fácil a pintura das próximas aeronaves da TAP que vão receber a pintura

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INDÚSTRIASirius

Figura 2

Figura 3a

Fonte de Luz

Figura 3b

Os Pigmentos de Interferência, consis-tem em várias camadas de óxido metálico depositado sobre mica, que é um mineral natural. A luz ao colidir numa superfície contendo estes pigmentos, é refractada, reflectida e difundida pelas camadas que constituem o pigmento. Através da sobre-posição (ou interferência) dos raios de luz reflectidos, a mudança de cores é criada, com a tonalidade mais intensa vista ao ângulo de reflexão. (Figs. 3a e b).

As cores produzidas por interferência, são dependentes do ângulo de observa-ção e das condições de iluminação, alter-nando com as suas cores complementa-res, à medida que o ângulo de observa-ção varia. Como resultado, os pigmentos de interferência são considerados de Efei-to Tridimensional.

Então, de onde é que vem a cor?A absorção convencional e os pigmentos metálicos mostram as suas cores individu-ais mesmo na forma de pós secos. Mas, os pigmentos de interferência, preparados a partir de duas substâncias, quase incolo-res – um óxido metálico e mica – pos-

suem, na forma seca, um aspecto branco a dourado, dependendo do óxido metáli-co utilizado. Assim a questão óbvia surge: De onde é que surge a cor nos pigmentos de interferência?

Mais uma vez, a resposta encontra-se na forma como o olho humano vê a cor. Uma aproximação possível passa por es-tudar a cor na sua equivalente natural, a madrepérola. A concha de madrepérola natural consiste em camadas alternadas de cal (CaCO3) e proteína. O lustro da pérola é produzido pela reflexão da luz nestas camadas finas e pela sobreposi-ção (ou interferência) dos vários raios de luz reflectida. A sensação de cor resul-ta somente da interferência dos raios de luz e não de qualquer dos pigmentos ou corantes presentes na concha. A irregu-laridade das camadas da concha produz a variação constante das cores – é a sua característica tridimensional. (Fig. 4).

Interprete-se, então, os pigmentos sin-téticos de interferência. Estes, são com-postos por partículas de mica revestidas por camadas muito finas de dióxido de titânio, TiO2, ou óxido de ferro, Fe2O3,

possuindo ambos elevados índices de re-fracção. A cor da luz reflectida varia, de-pendendo da espessura da camada de óxido metálico. Por aplicação de reves-timentos cada vez mais espessos de óxi-do de titânio, produz-se um espectro com variação de prata a amarelo ou a verme-lho ou a azul ou ainda a verde (veja cai-xa Pigmentos, pigmentos de interferência e figura 5).

As cores variam ainda de bronze a en-carnado, passando por cobre, resultan-do do aumento da espessura dos reves-timentos de óxido de ferro sobre as par-tículas de mica. Quando se combina os pigmentos de interferência, que têm por base o dióxido de titânio, com uma ca-mada adicional de óxido de ferro ou crómio, ou com um pigmento de absor-ção convencional, resultam efeitos tridi-mensionais adicionais e a gama de co-res aumenta. (veja caixa Pigmentos, pig-mentos de combinação e minerais).

Quando se submergem os pigmen-tos de interferência num meio circun-dante (p. e. óleo, emulsão acrílica, resi-na) os efeitos ópticos de madrepérola são

Figura 1

REALIDADE E PRINCÍPIO DE INTERPRETAÇÃO

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então produzidos, mas previsíveis, visto que conhecendo-se todos os índices de refracção de todos os componentes, as interacções de transmissão, refracção e reflexão podem ser previamente calcu-ladas, pelas leis da óptica. Pode também determinar-se como a luz de um deter-minado c.d.o. (i. e. uma cor específica) pode ser intensificada ou diferenciada. As espessuras das camadas que produ-zem essas cores específicas podem tam-bém ser computorizadas.

A interferência é então explicada pela equação de Fresnel (observe-se a fig. 7) que relaciona a espessura da camada de óxido metálico, d, com o índice de re-fracção, n e o ângulo de incidência da luz, , da seguinte forma:

Figura 4

Figura 6

Bibliografia:1. Carmi Weingrod, Three Dimensional Color – Unlocking the Secrets of Interference Pigments, em www.danielsmith.com2. Wilfried Stoecklein, Plate Like Pigments in Automotive Paints: a Review, em www.pcimag.com3. Hans Koome, Akzo Nobel Aerospace Special Effect Colors

∂ = n ( AB+BC) – AD

∂ = 2d √ n2 - sen2 eq.(1)

∆ = 2d √ n2 - sen2 + 1/2

PIGMENTOS DE COMBINAÇÃO( + óxidos inorgânicos em cores de absorção)

Ouro CinzentoPrateadoBege Verde

Fe2O3

TiO2

Mica

Fe2O3

TiO2

Mica

FeTiO3

TiO2

Mica

Cr2O3

TiO2

Mica

PIGMENTOS MINERAIS( + óxidos de ferro em cores de absorção)

Bronze EncarnadoCobre EncarnadoVerde

Fe2O3

Mica

Fe2O3

Mica

Fe2O3

Mica Mica

Violeta

Fe2O3

Mica

Fe2O3

PIGMENTOS DE INTERFERÊNCIAPrateado EncarnadoAmarelo Verde

TiO2

Mica

TiO2

Mica

TiO2

Mica Mica

Azul

TiO2

Mica

TiO2

Figura 5

CalCaCO3

Camadasde

proteínas

Madrepérolap.e. concha

de mexilhão

40-60nm 60-80nm 80-100nm 100-140nm120-160nm

Bra

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Normal

LuzReflexão

R 1 R 2

D

CA

B

Camada TiO2

Lâmina cintilante

Transmissão

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