SaberesPráticas Pedagógicas

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Saberes Práticas Pedagógicas na educação superior Gabriela Machado Ribeiro Eleonora Campos da Motta Santos Série RIES/PRONEX Organizadoras desafios contemporâneos

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SaberesPráticasPedagógicasna educação superior

Gabriela Machado RibeiroEleonora Campos da Motta Santos

Série RIES/PRONEX

Organizadoras

desafios contemporâneos

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SaberesPráticasPedagógicasna educação superior

Série RIES/PRONEX

desafios contemporâneos

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SaberesPráticasPedagógicasna educação superior

Gabriela Machado RibeiroEleonora Campos da Motta Santos

Série RIES/PRONEX

Pelotas, 2020

Organizadoras

desafios contemporâneos

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Universidade Federal de Pelotas / Sistema de Bibliotecas

Catalogação na PublicaçãoSimone Godinho Maisonave – CRB-10/1733

S115 Saberes & práticas pedagógicas na educação superior [recurso eletrônico] : desafios contemporâneos. / organizadoras: Gabriela Machado Ribeiro e Eleonora Campos da Motta dos Santos. – Pelotas: Ed. UFPel, 2020. 289 p. : il. (Série RIES/PRONEX) Ebook - PDF ; 2,87 MB ISBN: 978-65-86440-49-2 1. Ensino superior 2. Práticas pedagógicas 3. Ensino e aprendizagem 4. Docência I. Ribeiro, Gabriela Machado, (org.) II. Santos, Eleonora Campos da Motta dos, (org.) CDD 378.07

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Prefácio

Apresentação

Estudos iniciais sobre as práticas pedagógicas na perspectiva da universidade em contextos emergenteslui nörnbergmaria janine dalpiaz reschkevalesca brasil costa

Constituição do professor universitário iniciante no contexto de uma instituição em implantaçãomaria margarete delaiabeatriz maria boessio atrib zanchet

Conhecimento e atuação profissional: o bom professor de educação física na visão de estudantesleontine lima dos santosjosé antônio bicca ribeirofranciele ross da silva ilha

As concepções dos professores de ciências biológicas: relações entre a formação pedagógica e científicathomáz klug brumbeatriz maria boessio atrib zanchet

Histologia reflexiva: entender o aluno para planejarlucas schneider lopeslaura beatriz oliveira de oliveirarosangela ferreira rodrigues

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Sumário

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PARTE I

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Olhar para a sala de aula no ensino superior: produção científica na área do turismojuliana niehues gonçalves de lima

Docente universitário e ensinogislaine marli da rosa kalinowski

Construindo novos caminhos para a docência na educação superiormariangela kraemer lenz ziederosane aragón

Contextos emergentes da educação superior nas produções acadêmicas do período de 2012 a 2018gabriela barichello mellomarilene gabriel dalla corte

Formação e desenvolvimento pessoal e profissional docente: uma experiência na Universidade Federal de Santa Mariavenice teresinha gringsclaudia angelita antunes silveirajaner cristina machado

Programa especial de graduação/PEG: formação de professores para a educação profissionaldoris pires vargas bolzanliliane gontan timm della méadóris waleska gubert

Planejamento coletivo: contribuições para a formação docente na perspectiva interdisciplinarmarcia lorena saurin martineztanise paula novello

Relações profissionais entre professores da educação superior e básica: uma potência para profissionalização da docênciarejane conceição silveira da silvadébora pereira laurino

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PARTE II

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O ciclo da longedocência: um estudo sobre os professores voluntários de uma universidade públicajuliana lima moreira rhodendóris pires vargas bolzan

Aprendizagem com ou sem emoção? responsabilidade social, desafios docentes e produção de sentido em ações sociaislia c. lima hallwass

O perfil dos estudantes das ciências agrárias da UFPel: mudanças de identidade?mario duarte caneverdécio souza cotrimcláudia hellwig müller

A pesquisa nos Institutos Federais a partir de uma perspectiva da ciência Modo 2elisa daminellidenise balarine cavalheiro leite

Documentário como instrumento na educação frente ao preconceito de gênero: o caso Maria Luisa jéssica dalcin da silvavalmor rhodenvaleska fortes oliveira

A análise dos professores ingressantes sobre as formações pedagógicas da Universidade Federal de Pelotascecilia oliveira voloskigabriel gaia duartealine da cunha de medeiros

Desafios contemporâneos da extensão universitária: da invisibilidade à curricularizaçãoruby mara munhoz de andrademarília costa morosinieloisa maria wiebusch

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PARTE III

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Fatores de permanência e contrastes com formas de acesso nas licenciaturas e bacharelados da UFRGSsérgio roberto k. francoalessandra blandojaqueline molon

Modos de subjetivação no ensino superior e seu impacto no aprender discentelisandra berni osóriocarla gonçalves rodrigues

Monitoria & tutoria acadêmica como estratégias de apoio pedagógico para alunos ingressantes na Unipampa - Campus São Gabrielcarlos alberto xavier garciadienuza costa

Disciplina de Libras nos cursos de Fonoaudiologia: uma estratégia para governar e incluir os surdos angela nediane dos santos

Relações entre currículo e a prática pedagógica na educação superiordaniele amaral fonsecadaniel da silva silveiradébora pereira laurino

A influência de Paulo Freire em contexto internacional: análise de uma metodologia participativa na Espanharodrigo weber da fontoura

Sobre as organizadoras

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Prefácio

O XI Seminário Internacional de Educação Superior (SIES), reali-zado em setembro de 2018, contou com a organização/recepção da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e propiciou a discussão de estudos desenvolvidos nas Instituições de Ensino Superior que fa-zem parte da Rede Sul Brasileira de Investigadores da Educação Su-perior (RIES), tendo como eixo central “A educação superior em contextos emergentes”. O evento foi de imediato acolhido pela Pró--reitoria de Ensino (PRE) considerando a sua relevância e o reco-nhecimento, bem como a necessidade de aprofundar e publicizar as experiências neste campo, tendo em vista as mudanças no cenário econômico, político, social e cultural em escala global que deman-dam análises, proposições, reorientações e, em algumas circunstân-cias, resistências, visando, sobretudo, a garantir a função principal da Universidade com a produção do conhecimento e a sua dissemi-nação numa perspectiva plural, de permanente diálogo entre dife-rentes concepções e ideias.

O reconhecimento da complexidade do contexto mais amplo e de cada campo do conhecimento, aliado à necessidade de fortaleci-mento do processo de democratização do acesso e da permanência na Universidade, vem provocando grandes desafios às instituições, de modo que um dos aspectos considerados fundamentais é a discus-são sobre a dimensão pedagógica da educação superior, que envolve gestão, currículos, avaliação, trabalho docente, entre outros temas. Desta forma, incentivar e participar ativamente na organização de um evento da abrangência e importância do XI SIES foi para o cole-tivo da UFPel uma grande oportunidade de receber pesquisadores, professores, alunos de diferentes instituições do país e do exterior e com eles dialogar, trocar ideias, experiências, informações e buscar caminhos possíveis para enfrentar, com compromisso social, os em-bates e desafios que nos interpelam.

Este E-book reflete a densidade dos trabalhos apresentados no evento e esperamos que possa contribuir com as reflexões ensejadas pelos(as) colegas. Boa leitura!

maria de fátima cóssioPró- reitora de Graduação UFPel

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Apresentação

A RIES - Rede Sul Brasileira de Investigadores da Educação Supe-rior, criada em 1999, tem sido por excelência um lócus privilegiado para o desenvolvimento de pesquisas que envolve diferentes insti-tuições gaúchas sob a liderança de Programas de Pós-graduação em Educação consolidados e reconhecidos na área, a saber: PUC/RS, UFRGS, UFSM e UFPel. Tem por objetivo maior configurar a Educa-ção Superior como campo de produção de pesquisa nas Instituições de Ensino Superior através de duas ordens de objetivos específicos: clarificar a produção no campo de conhecimento e desenvolver con-dições de produção, ou seja, de consolidar a rede de pesquisadores na área.

No ano de 2016 a RIES teve aprovado o segundo Projeto no con-texto do Edital PRONEX (Programa de Apoio a Núcleos de Exce-lência em CT & I) denominado “Educação Superior em Contextos Emergentes” que vem sendo desenvolvido desde então. Integra seus objetivos realizar quatro Seminários anuais, nas diferentes Institui-ções que lideram a investigação - PUC/RS, UFRGS, UFSM e UFPel - para analisar os avanços feitos pelos grupos constitutivos da Rede e oportunizar à comunidade acadêmica um espaço de socialização de estudos pertinentes ao campo da pedagogia universitária.

Este livro traz os resultados da segunda edição desse evento - XI Seminário Internacional de Educação Superior - realizado em se-tembro de 2018 na cidade de Pelotas, RS, que procurou discutir e de-bater propostas para os novos contextos que vêm caracterizando a educação superior na América Latina. Articulou sua programação em torno das seguintes questões centrais: Que movimentos/estraté-gias são produzidos nas IES frente às políticas de expansão, conside-rando-se o acesso, a persistência e o sucesso na educação superior? Que movimentos/estratégias os novos professores produzem para a constituição da sua profissionalidade docente na educação supe-rior? Que movimentos/estratégias os novos estudantes, no contex-to da expansão, produzem para o acesso, a persistência e o sucesso na educação superior? Que impactos se observa nas práticas peda-gógicas? Que movimentos de produção do conhecimento estão sen-

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do constituídos nas novas modalidades acadêmico organizativas das IES? Que redes de colaboração em pesquisa estão a ser formadas para ampliar a internacionalização?

A Universidade Federal de Pelotas foi responsável pela organiza-ção do evento e recepção dos participantes que, durante dois dias, potencializaram discussões e intercâmbios em torno das práticas pedagógicas universitárias no cenário dos contextos emergentes. Incor-porou a perspectiva de DIDRIKSSON (2008, p. 5), que o conceitua como sendo

estado de mutação que se encontra em todas as partes e tem pontos de contato, de domínio e de diferenciação, mas como se trata de uma transição histórica de longo prazo se apresenta muito complexo e congregador de for-ças que chegam de todos os lados e têm efeitos e causas desiguais entre o que está determinado e o que está sur-gindo (DIDRIKSSON, 2008, p. 5).

Interpelações recentes atingem a universidade, no contexto da democratização, e as mudanças decorrentes do impacto tecnológico nas comunicações e nas formas de produção do conhecimento e do trabalho. Se constituem em significativos desafios.

Os estudos consideram que os movimentos político-econômi-cos e socioculturais impactam a configuração das práticas docen-tes, as formas de aprendizagem dos estudantes. Estas práticas são instituídas a partir de um amálgama de condições objetivas de tra-balho, tanto no plano teórico, quanto no plano da prática cotidia-na, em suas estruturas de poder internas e externas à universidade. Repensar a prática e a teoria, problematizando a realidade social, a partir de outras diferentes matrizes teóricas é fundamental. A bus-ca se refere à busca de superação da divisão cartesiana entre sujeito e objeto, mente e matéria, ciência e cultura e tantas dicotomias her-dadas da modernidade. Pressupõem-se, também, a interação entre o campo da formação acadêmica, o campo profissional e o desenvol-vimento humano.

Não é tarefa fácil encaminhar a construção de outras concepções teóricas de produção de sentido e significações do conhecimento, de protagonismo de professores e estudantes, em um cenário em que o movimento histórico-social tem, muitas vezes, se dado em sentido contrário. Há, ainda, uma sobrecarga energética no espaço-tempo sociocultural que adentra, por meio de normas legais, justificativas atraentes e valiosas, formas de pressão punitivas e força da mídia.

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Mudar currículos e práticas pedagógicas não se esgota no cam-po metodológico ou legal. As mudanças são vividas em processos de rupturas e continuidades, entranhadas de correlação de forças e de posturas frente à vida, à ciência e à concepção de mundo e de conhe-cimento. Estas condições têm mobilizado um repensar da prática pedagógica na universidade, em um enfrentamento com o pensa-mento único da racionalidade técnica e o pragmatismo reducionista da pedagogia prescritiva.

O XI Seminário do PROJETO PRONEX/RIES se propôs a tratar dessas questões. Para tanto lançou mão da reflexão de pesquisado-res e especialistas, bem como da base investigativa representada por professores e estudantes que têm a educação superior como objeto de estudo.

O E-book que ora apresentamos reúne os textos decorrentes das Comunicações eleitas pelos pares de cada sessão para essa condição, segundo critérios de consolidação e validade.

A Parte I, intitulada “Práticas pedagógicas e aula universitá-ria”, apresenta reflexões que tematizam tanto práticas pedagógicas que utilizam recursos, estratégias e/ou ferramentas pontualmen-te, quanto reflexões que priorizam discutir as práticas pedagógicas no campo teórico, buscando enfatizar a imprescindível articulação da teoria com a prática. A tônica dos oito capítulos que compõem essa parte incide sobre temas como: produção científica sobre prá-ticas pedagógicas na universidade, a pertinência de disciplinas de Metodologia do Ensino Superior, o fazer cotidiano de docentes ini-ciantes, o fazer docente de professores formadores de professores, o bom professor e suas práticas na perspectiva dos estudantes e práti-cas inovadoras.

A Parte II contempla discussões relacionadas à interlocução en-tre o exercício da docência e os processos formativos docentes. São, ao todo, 13 capítulos que, a partir de diferentes perspectivas, dis-correm sobre a construção da identidade docente, impactos das políticas de formação de professores em contextos emergentes, ex-periências de formação e desenvolvimento profissional docente ins-titucionais.

Por fim, a Parte III compreende estudos com enfoque em ques-tões relacionadas à intersecção entre práticas pedagógicas e currí-culo, gestão acadêmica e internacionalização. Os oito capítulos que compõem essa última parte versam sobre as relações entre currícu-lo e práticas pedagógicas no Ensino superior, a curricularização da extensão, fatores de permanência dos estudantes nas universida-des, influência da obra de Paulo Freire no contexto internacional.

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Não seria possível organizá-lo sem a participação fundamen-tal das colegas professoras Eleonora Campos da Motta Santos e Gabriela Machado Ribeiro, que não mediram esforços para tornar realidade este livro.

Sinto-me honrada de ter participado desse evento e feliz em re-partir com os leitores interessados tão importantes reflexões e re-sultados de investigações que, certamente, trarão significativa contribuição.

maria isabel da cunhaCoordenadora Geral do XI SIES

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Estudos iniciais sobre as práticas pedagógicas na perspectiva da universidade em contextos emergentes

lui nörnberg1 maria janine dalpiaz rescke12

valesca brasil costa3

Este trabalho é um estudo bibliográfico que tem por objetivo ana-lisar o conceito de prática pedagógica e suas diferentes concepções na educação superior. Oriundo de uma investigação na conjuntu-ra da Rede Sul Brasileira de Educação Superior, que tem como foco a análise das demandas externas, iniciativas que não nasceram do próprio ambiente acadêmico, mas são provenientes das políticas glo-bais, das mudanças tecnológicas, do mundo do trabalho, bem como das políticas de democratização do acesso e permanência de novos públicos.

A prática pedagógica universitária durante muito tempo foi en-tendida como uma ação exclusiva dos professores, advinda dos sabe-res constituídos por estes em seus campos profissionais-científicos, tecendo assim o seu modo de ensinar.

A universidade, por sua vez, bancava esta concepção de prática e este perfil de professor, não permitindo questionamentos exter-nos, organizando e definindo as práticas e rituais, através de seus colegiados sem a interferência externa. Nem mesmo os estudantes e suas inquietudes conseguiam alterar a cultura estabelecida.

Pensar a universidade em contextos emergentes requer conside-rar que, se a universidade de outrora errou por dar excessiva ênfase ao passado, a de hoje, localizada no agora, se vê impelida pelo pre-sente inexorável e pelo futuro imprevisível a rever as suas concep-ções de prática pedagógica na aula universitária.

Os contextos emergentes são configurações em construção na educação superior observadas em sociedades contemporâneas e

1. Universidade Federal de Pelotas.

2. Universidade Luterana do Brasil/Gravataí.

3. Universidade de Caxias do Sul /Caxias do Sul.

PARTE I

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16Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

que convivem em tensão com concepções preexistentes, refletoras de tendências históricas (MOROSINI, 2015). Compreendemos que os contextos emergentes se referem, em geral, a interpelações exó-genas para a universidade, provocadas pelas políticas, pelos movi-mentos sociais e pela cultura (CUNHA, 2017). Está explícita a tensão e o desequilíbrio postos pelas exigências da sociedade contemporâ-nea à educação superior, o que estremece a cultura institucional his-toricamente construída, abalando a gestão, a docência e a pedagogia universitária. Envoltos por essas reflexões, assumimos a hercúlea tarefa de delinear o conceito de prática pedagógica e seus desdobra-mentos na educação superior.

O processo investigativoEste trabalho é um estudo bibliográfico sobre o conceito de prática pedagógica e seus desdobramentos na educação superior. Foi im-portante a realização do Estado de Conhecimento, entendido como o acesso ao conhecimento já existente, aos conceitos e princípios fundantes que já estão estabelecidos, ou seja, a produção de conhe-cimento que tem início tendo por base a busca de informações sobre aquilo que já foi produzido anteriormente e que favorece a compre-ensão alargada do tema e seus focos de exploração e aprofundamen-to. Nessa lógica, estado de conhecimento significa a

[...] identificação, registro, categorização que levem à re-flexão e síntese sobre a produção científica de uma de-terminada área, em um determinado espaço de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros so-bre uma temática específica (MOROSINI; FERNANDES, 2014, p. 155).

Para a coleta de dados realizamos uma busca nos bancos de da-dos de Programas de Pós-graduação, selecionados a partir da pre-sença de Linhas de Pesquisa consonantes ao tema da docência no ensino superior, bem como no acervo do Banco de Dados IBICT (Instituto Brasileiro de Informação Ciência e Tecnologia) e comple-mentarmente no Banco de Teses da Capes (Coordenação de Aper-feiçoamento Pessoal de Nível Superior) num período temporal de 2012 a 2017. A análise das disposições regulamentares exigiu con-ceber uma periodização que atendesse às peculiaridades históricas em que foram produzidas. A metodologia de estudos dessa natureza exige, principalmente, a definição de descritores para balizar a pro-

PARTE I

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17Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

cura. Os descritores utilizados foram: prática pedagógica e currícu-lo; prática pedagógica no âmbito da aula; relação ensino e pesquisa, e a relação teoria/prática.

Cabe destacar que sempre que necessário, dada à fragilidade dos dados da primeira leitura, as informações foram buscadas no cor-po do trabalho. A partir de então, fomos elaborando as inferências e algumas conclusões, até chegar à sistematização em forma de sín-tese para interpretá-la. Esta fase precedeu a análise e elaboração das conclusões.

Os achados nos possibilitaram organizar a análise em duas cate-gorias: prática pedagógica restrita e prática pedagógica ampliada.

É mister destacar que as questões envolvendo a problemática conceitual da prática pedagógica não são estanques e nos permitem várias observações que a seguir serão delineadas.

Desvendo a prática pedagógicaO que pretendemos é, de modo dialético, observar a prática pedagó-gica, para poder antever os seus desdobramentos. Antes de aprofun-darmos a temática proposta por este estudo, ou seja, a questão da “Prática pedagógica”, é interessante considerar que quando se toca nesse tema nos cursos de Licenciatura há uma tendência em rela-cioná-lo espontaneamente com a Didática. Ousamos dizer que a di-dática faz parte da prática, e de certo modo até se confunde com a prática, entretanto é preciso considerar que a prática pedagógica é um processo implicado por consequências pedagógicas e políticas.

O estado da arte anunciou certa ambiguidade sobre o conceito de prática pedagógica, ou seja, ela tanto pode ser restrita como amplia-da. No primeiro caso encontramos estudos que exploram aspectos pontuais, como o uso de alguma ferramenta, recurso para aferir de-terminada aprendizagem.

No segundo caso, o sentido ampliado, há a presença de conceitos amplos como avaliação formativa na aprendizagem analisada num contexto curricular, o que nos possibilita dizer que há uma disper-são e ampliação do enfoque. Entretanto, a fronteira entre esses dois enfoques é móvel e tênue. Sousa (2016, p. 45) lembra que uma práti-ca pedagógica ou educacional sempre expressa “[...] intencionalida-des, sujeitos, relações e conteúdos pensados, planejados, definidos de modo consciente. A prática pedagógica pode servir para conser-var relações ou para transformá-las.” A autora ressalta que não há lugar para o espontaneísmo na ação educativa formal, pois a prá-tica pedagógica abarca um conjunto de princípios e valores éticos de caráter pessoal, cultural e social. Acrescido a esse conjunto te-

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18Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

mos, ainda, a natureza da área de conhecimento, a aprendizagem e a experiência dos docentes e dos discentes. Podemos dizer que, para Souza (2016), a prática pedagógica é restrita, porque se expressa em intencionalidades prescritas no planejamento, substanciadas pe-los conteúdos, mas também é ampliada, porque abarca um conjunto de princípios e valores éticos de caráter pessoal, cultural e social, e epistemológico acrescido da experiência dos sujeitos envolvidos no processo. Para Veiga (1986, p. 16):

[...] a prática pedagógica como uma prática social orien-tada por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inse-rida no contexto da prática social. A prática pedagógica é uma dimensão da prática social que pressupõe a rela-ção teoria-prática, e é essencialmente nosso dever, como educadores, a busca de condições necessárias a sua rea-lização.

Neste sentido, esta investigação revelou que os estudos sobre as práticas pedagógicas se concentram mais em algumas áreas ou cur-sos do que em outras. Sendo que área da educação concentra ex-pressiva quantidade de estudos sobre a prática pedagógica, quer no enfoque restrito, tendo como objeto de estudo a manifestação prá-tica, quer no enfoque ampliado tendo predominantemente como objeto o campo teórico, revelando a prevalência da concepção de prática pedagógica mais alargada que une a teoria com a prática. Veiga (1986, p. 43) nos auxilia a compreender a relação dialética en-tre restrito e ampliado ao afirmar que:

[...] o lado objetivo da prática pedagógica é constituído pelo conjunto de meios, o modo pelo qual as teorias pe-dagógicas são colocadas em ação pelo professor. O que a distingue da teoria é o caráter real, objetivo, da matéria--prima sobre a qual ela atua, dos meios ou instrumentos com que se exerce a ação, e de seu resultado ou produto. Sua finalidade é a transformação real, objetiva, de modo natural ou social, para satisfazer determinada necessi-dade humana.

Considerar a relação dialética entre a prática pedagógica restrita e a prática pedagógica ampliada nos leva, ainda, a conhecer os pro-cessos de ressignificação desse conceito, conforme as necessidades pedagógicas inerentes às diferentes áreas de conhecimento. Nesse

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19Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

contexto, identificamos que a área da saúde e área das exatas apre-sentam estudos sobre a prática pedagógica no viés restrito. Nossos achados apontam que na área da saúde as investigações sobre as práticas pedagógicas enfatizam mais os métodos alternativos de ensinar e de avaliar e os estudos sobre os currículos, bem como as representações de docentes e estudantes.

Ainda quanto aos nossos achados é importante destacar que, no que se refere à área das Ciências Exatas, estudos também primam pelo enfoque restrito, investigando as estratégias de avaliação. Há indícios de que “novos” processos avaliativos contribuem com a taxa de sucesso dos estudantes, o que está relacionado diretamen-te à prática pedagógica. É possível perceber que a movimentação de algumas áreas se sobrepõe a outras na configuração de pesquisas so-bre a prática pedagógica universitária, reafirmando a prática peda-gógica, restrita e ampliada, como uma prática social, orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inserida no contexto da prática social.

Os estudos que analisamos revelam a preocupação acadêmica com essa transição, evidenciando a dinâmica dialética que busca de-linear a prática pedagógica, ora restringindo-a a alternativas na prá-tica de avaliar, ora ampliando-as, abordando condições externas que interferem no processo de ensinar e aprender, com ênfase na visão dos estudantes sobre esse processo, implicado pela diversidade de públicos que atualmente ocupam os bancos universitários.

É adequado usar os mesmos critérios e tempos para avaliar es-tudantes trabalhadores que estudam à noite e os regulares que es-tão nas classes diurnas? Há técnicas, procedimentos e instrumentos que valorizam as diferenças? Áreas de conhecimento distintas pres-supõem culturas avaliativas próprias?

Esses são exemplos de questões descritas, pelas pesquisas, nas dissertações e teses que abordam a prática pedagógica universitá-ria. Tais exemplos nos levam a considerar a arena da avaliação como indutora de práticas, que ora são restritas e ora são ampliadas. En-tretanto, restringir nosso foco aos procedimentos e instrumentos revela um interesse pela prática avaliativa mais do que pelos discur-sos de teorização da área. Isso demonstra um vácuo de conhecimen-tos consolidados e da acelerada e desafiante condição histórica que interpela a universidade.

Outrossim, a incidência de investigações no campo da avaliação traz em seu bojo “sala de aula” como estrato em que ocorrem os pro-cedimentos avaliativos. Muitos desses decorrentes de práticas rea-lizadas com estudantes por um ou mais docentes, que atualmente buscam inovar suas práticas avaliativas incorporando as TICs (Tec-

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20Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

nologias de Interação e Comunicação) que se apresentam como uma nova cultura na avaliação e nas práticas pedagógicas induzidas pe-los docentes. Novos ambientes de aprendizagem, novas ferramentas e instrumentos se sucedem numa expectativa de melhorar as condi-ções de aprendizagem.

Desdobramento da prática pedagógica: a polissemia do conceitoNesta seção buscaremos delinear as implicações deste polissêmico conceito e, para isso, faremos uso dos circunscritores: prática pe-dagógica e currículo; prática pedagógica no âmbito da aula; relação ensino e pesquisa, e a relação teoria e prática. Nossa intenção é de-monstrar que a prática pedagógica, seja pela ótica ampliada ou restri-ta, é uma extensão da prática social, tem intencionalidade política, e está articulada a diversos elementos como o planejamento, o con-teúdo, a avaliação, a relação entre professor e alunos dentre outros.

Muito se tem discutido sobre a noção e a relação entre “prática pedagógica” e “prática docente”, em especial num período em que ação do professor é tão questionada dentro da sala de aula e sofre um desgaste diário em meio a uma sociedade que não valoriza esse pro-fissional, e em muitos casos propõe que ele se limite a ser um mero transmissor de técnica e não um formador de cidadãos críticos e su-jeitos socialmente ativos. Assim, ainda no início deste estudo, já se tem nítido que prática docente não se confunde com prática peda-gógica, e o professor tem que ter consciência de que ele é um ator social, e deve interagir com o espaço social em que está inserido e buscar a interação e o retorno desta ação (FRANCO, 2012, p. 160):

[…] O professor tem uma atuação pedagógica diferen-ciada: ele dialoga com a necessidade do estudante, insis-te em sua aprendizagem, acompanha seu interesse, faz questão de produzir aquele aprendizado, acredita que este aprendizado será importante para o aluno.

É preciso que se considere que existem muitos fatores internos e externos que contribuem ou não para a atuação do professor, da mesma maneira que esta atuação poderá variar conforme a locali-dade, até porque consideramos que o professor é um sujeito histó-rico e como tal influencia e é influenciado pelo espaço social em que está inserido.

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21Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

Seguindo a mesma linha de pensamento e aprofundando o estudo é preciso destacar que nem toda ação docente pode ser considerada uma prática pedagógica, uma vez que ela exige uma intencionalida-de, reflexão na ação docente, imersão e interação social.

No caso do estudo em questão o autor ressalta justamente a ne-cessidade do professor e sua ação estarem em comunhão com a rea-lidade social em que estão inseridos. Destacamos ainda que a prática docente eficiente, ou seja, o agir intencional do professor enquan-to ator social, exige dele um esforço de sair muitas vezes da chama-da “zona de conforto”, de estar conectado com a realidade social na qual está inserido, e que esteja constantemente buscando sua atuali-zação e transformação.

Prática pedagógica no âmbito da aula A sala de aula representou e representa um espaço de encontro e de desencontro. Um encontro com o mundo dos saberes, das compe-tências e das habilidades que precisam ser desveladas. Um desen-contro entre o desejo curioso de conhecer e os formatos didáticos lineares e reguladores, que ignoram o estudante como sujeito coau-tor da própria aprendizagem. O que fazer? Qual ou quais as práticas pedagógicas mais indicadas? Pelo que vivenciam, os professores fi-cam restritos a crer que a prática pedagógica “aprendida” nos ban-cos universitários dará conta da sala de aula, mas ela, a sala de aula, e suas latentes necessidades interrogam de modo dramático esta crença.

Neste contexto, o professor percebe que estar/ser professor não se limita há um exercício técnico-pedagógico, no quadro da forma-ção pedagógica, mas implica “[…] para o desempenho de um papel ativo, mais global e com um campo interventivo muito mais lato do que a sala de aula, no quadro da formação pessoal [...].” (RODRI-GUES; ESTEVES, 1993, p. 12). A educação, como movimento dialéti-co no e para o desenvolvimento humano, requer que pensemos além das duras realidades, às vezes, impostas às universidades e natura-lizadas por aqueles e aquelas que não acreditam na educação como força geradora de transformações sociais e culturais capazes de provocar mudanças. Diante disso, é mister considerar que o mun-do contemporâneo requer que revemos, como professores, a forma como temos ocupado o espaço da sala de aula, reorganizando nossos saberes e competências em prol da qualificação de nossa ação docen-te e da realização pessoal.

As pesquisas no campo da prática pedagógica no âmbito da sala de aula delineiam algumas necessidades, dentre as quais elegemos,

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não sem corrermos o risco de excluir outras possibilidades: a ne-cessidade de perceber a docência e a investigação como atividades complementares que se beneficiam mutuamente; a necessidade de adotar a postura epistemológica da incerteza (BARNETT, 2001); e a necessidade de construção da aula junto aos educandos (ANASTA-SIOU; ALVES, 2005). Essas demandas estão ainda implicadas pela universalização e pela democratização do ensino e pelas tecnolo-gias de comunicação e interação. Docência e boniteza de mãos da-das tramando a sustentabilidade do processo de formação humana que também se dá dentro da escola.

Relação ensino e pesquisa Estamos vivenciando momentos de intensas mudanças, essa transi-ção é provocada, especialmente, pela revolução tecnológica, ou seja, as ferramentas de comunicação e interação estão cada vez mais pre-sentes na vida de todos nós, em especial na vida do “Homo Zappiens”, expressão utilizada pelos autores Veen e Vrakking (2009) para de-nominar a geração atual e o seu processo de aprendizagem. Muitas vezes, elas são a ‘chave’ para a inserção desse sujeito no mundo con-temporâneo balizado por diferentes espaços educativos. Os espaços educativos, sejam eles na educação básica ou na educação superior, têm/tiveram como foco a preparação do sujeito para um papel na sociedade (concebido diferentemente ao longo da história).

Considerar o ensino indissociável da pesquisa impacta direta-mente a prática docente, pois instiga a conceber a docência como trabalho humano, com e sobre o humano, implicada pela perma-nentemente investigação. Esse modo de estar/ser professor auxilia na ampliação de práticas pedagógicas que pressupõem a exposição dos estudantes a situações de conflito de ideias e probabilidades, aliadas ao reconhecimento do conhecimento sistematizado, per-mitindo-lhes o desenvolvimento de uma atitude investigativa que perceba a temporalidade e a contextualidade do conhecimento pro-duzido.

Relação teoria e práticaA preocupação com a relação entre teoria educacional e prática do-cente, como já falamos anteriormente, vem ocupando as discussões na educação, assim, pretendemos desenvolver nossas análises no sentido de compreendermos que a formação docente é construída historicamente antes e durante o percurso profissional do profes-sor, e que, como preconiza a abordagem sócio-histórica, é também

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construída no social. Partindo deste princípio, podemos dizer que esta formação depende essencialmente tanto das teorias quanto das práticas desenvolvidas no cotidiano escolar, sendo, portanto, neces-sário compreendermos essa interação como condição para a cons-trução dos saberes.

Situando o conceito de práxis dentro de uma visão marxista, po-demos dizer que essa é a síntese da teoria e da prática através da ação política. Pimenta (2005) concebe a práxis como uma prática que se faz pela atividade humana de transformação da natureza e da so-ciedade, consolidando-se, assim, a práxis, em uma atitude humana diante do mundo, da sociedade e do próprio homem. Também po-de-se utilizar o pensamento de Marx e Engels (1989, p. 14) quando afirmam que: “[...] Os filósofos se limitavam a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”. Os autores chamam a atenção para os limites da teorização em si, a qual não retém condições suficientes para promover mudanças na realidade concreta, daí ressaltar a atitude de intervir no mundo, não reduzir a ação humana à pura contemplação. Portanto, atividade teórica por si só não leva à transformação da realidade; não se objetiva e não se materializa, não sendo, pois, práxis. Por outro lado, a prática tam-bém não fala por si mesma, ou seja, teoria e prática são indissociá-veis como práxis (PIMENTA, 2005).

Assim, o exercício da docência, enquanto ação transformadora que se renova tanto na teoria quanto na prática, requer necessaria-mente o desenvolvimento dessa consciência crítica. E nesse senti-do podemos dizer que o exercício da ação docente requer preparo. Preparo que não se esgota nos cursos de formação, mas para o qual há uma contribuição específica enquanto formação teórica em que a unidade teoria e prática é fundamental para a práxis transformado-ra. Eis o que fortaleceu o interesse para desenvolvermos este estudo. Buscamos experiências de práticas emergentes, onde as implicações da racionalidade técnica na forma de ensinar e aprender tenham so-frido transformações e a relação teoria e prática não seja dicotômi-ca.

Na visão da racionalidade técnica, o professor torna-se apenas o executor de programas previamente elaborados por outros, os “espe-cialistas”. As implicações políticas, normativas e éticas de tal abor-dagem são bem definidas por Zeichner (1993) ao considerar que as orientações voltadas para a formação do professor estão envolvidas por uma concepção do modo como os professores e os acadêmicos mantêm relação com esses saberes. Nele, a formação de professor está pautada na dicotomia teoria e prática, privilegiando o conhe-cimento teórico em detrimento do conhecimento pedagógico e prático.

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Os estudos atuais têm proposto a defesa do modelo da racio-nalidade prática, inspirados nas ideias de valorização da prática no desenvolvimento da construção dos saberes referentes à pro-fissão docente. Nesse sentido, a prática docente é concebida como um processo de investigação na ação. As reflexões sobre a forma-ção de professores começaram a ganhar estatuto de conhecimen-to científico na medida em que a educação, com base nas ciências sociais, reivindicou para si essa legitimidade. Decorrente da pers-pectiva dominante de ciência, os estudos iniciais desenvolvidos no campo educativo incorporaram os pressupostos da ciência mo-derna. O olhar sobre a formação de professores apontava para a construção de modelos prescritivos de perfis que pudessem alcan-çar generalizações capazes de melhor informar a respeito dessa tarefa.

As pesquisas enfatizavam as competências necessárias ao pro-fessor a partir de um construto idealizado. Suas condições obje-tivas de vida, formação e trabalho não se constituíam como um pressuposto da sua docência, mas são subsidiárias das compreen-sões políticas da educação. Nessa perspectiva, a relação entre teoria e prática pode constituir um importante dispositivo metodológi-co de ensino e aprendizagem, no âmbito do ensino universitário. A superação da dicotomia teoria e prática parece ser possível na me-dida em que se considera a prática docente uma prática social que contribui para formar as novas gerações como o ponto de partida para empreender mudanças no cotidiano do ensinar e aprender. Ouvir o aluno, fazer a leitura de sua vida cotidiana, os significa-dos que atribui ao seu percurso de formação e suas expectativas de vida se constituem numa condição para envolvê-lo na apren- dizagem.

Os contextos emergentes estão a exigir a investigação de movi-mentos que anunciem novas possibilidades de construção e recons-trução pedagógica do conhecimento científico mais próximas de perspectivas interdisciplinares e complementares, assentadas na condição ético-existencial da formação humana. Para realização do estudo, localizamos algumas experiências que se enquadram na perspectiva de contextos emergentes, compreendidos como aqueles que rompem com as práticas consolidadas pela tradição na univer-sidade e exigem miradas complexas e soluções alternativas.

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Constituição do professor universitário iniciante no contexto de uma instituição em implantação

maria margarete delaia4

beatriz maria boéssio atrib zanchet5

Na contemporaneidade é possível evidenciar que a produção acadê-mica, as políticas públicas e as ações voltadas para a formação ini-cial e formação como referente para o desenvolvimento profissional ainda são bem maiores quando se trata da educação básica. Quan-to à educação superior, essa atenção é bem limitada. Compreen-der como esse processo ocorre torna-se primordial para o debate e a construção de novas configurações, principalmente no que tange a reverberar e contribuir para a melhoria desse processo, afinal, a aprendizagem para a docência é um continuum e uma necessidade em qualquer nível, etapa e/ou modalidade da educação.

Quando voltamos às observações para o contexto universitário, percebemos que, a partir da expansão universitária e do aumento do número de vagas, é expressiva a quantidade de docentes (mestres, doutores e pós-doutores, em sua maioria jovens) que está ingressan-do na profissão sem ter experiência com a docência, ou seja, nunca atuaram como docentes em qualquer outra etapa e/ou modalidade da educação. Além disso, não obtiveram, em seu percurso acadêmi-co, nenhum tipo de formação para o ensino, e alguns têm pouca ou nenhuma experiência profissional em sua área de formação. Inse-ridas nesse contexto, muitas instituições de ensino superior têm se preocupado, nos últimos anos, em oferecer assessoria pedagógica, que tem se apresentado como mais uma forma de pensar a educação e, consequentemente, as práticas pedagógicas vigentes nas institui-ções de ensino. Preocupam-se, também, em elaborar e implemen-tar propostas e/ou programas de formação docente como referente para desenvolvimento pessoal, profissional e institucional, no in-tuito de oferecer algum subsídio que contribua para a melhoria do processo de aprendizagem da docência.

4. Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará.

5. Universidade Federal de Pelotas.

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Nesse cenário, centra-se nossa inquietação para o desenvolvi-mento desta pesquisa que teve como objetivo compreender como o docente iniciante constrói o seu processo formativo de professor universitário no contexto do seu fazer cotidiano com envolvimento e responsabilidade individual.

A formação e o desenvolvimento profissional docente: algumas ponderaçõesApesar de encontrarmos literaturas que têm revelado preocupação em conceituar e/ou clarificar o conceito de formação, esta ainda se apresenta como um fenômeno complexo e de pouco consenso, no que tange tanto às teorias quanto às dimensões mais importantes que possibilitam analisá-la.

Propondo uma reflexão sobre a noção de formação, Ferry (2004) alerta que ao utilizá-la nem todos lhe dão os mesmos sentidos, con-fundindo-a com certas condições da formação que são seus suportes. A formação, segundo o autor, não deve consistir em implementações de programas e conteúdos de aprendizagem, como algo que se con-some ou que pode ser recebido de fora do sujeito, pois estes, apesar de serem indispensáveis para a formação, configuram-se em parte dos suportes e condições para que ela ocorra, mas não a definem. Ressalta o autor que a formação pode ser concebida como “algo que tem relação com a forma. Formar-se é adquirir certa forma. Uma forma para atuar, refletir e aperfeiçoar esta forma” (FERRY, 2004, p. 53).

A ideia de formação, na perspectiva de Marcelo Garcia (1999), na maioria das vezes vem acompanhada de alguma atividade, sempre que se trata de formação para algo. Conforme o autor,

A formação pode ser entendida como uma função social de transmissão de saberes, de saber-fazer ou do saber-ser que exerce em benefício do sistema socioeconômico, ou da cultura dominante. A formação pode também ser en-tendida como um processo de desenvolvimento e de es-truturação da pessoa que se realiza com o duplo efeito de uma maturação interna e de possibilidade de aprendiza-gem, de experiências dos sujeitos (MARCELO GARCIA 1999, p. 19).

Quando a formação é vista dessa maneira, pode ser entendida como a dinâmica de um desenvolvimento pessoal. Nessa direção,

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Ferry (2004, p. 54) assevera que “uma formação não se recebe. [...] Ninguém forma o outro. O indivíduo se forma, é ele quem encontra sua forma, é ele quem se desenvolve [...]”. E, ainda, de acordo com o autor, é possível dizer que o sujeito se forma sozinho e por seus pró-prios meios.

A formação pode ser considerada resultado da iniciativa, da von-tade, da dedicação, do comprometimento e, principalmente, do envolvimento de cada sujeito em prol do objetivo previamente de-lineado. Trata-se, pois, de um processo de desenvolvimento indivi-dual e consciente, mas que pode ser facilitado por meio da interação com outras pessoas, aquelas que formam e aquelas que se formam, quando são promovidos diversos e diferentes contextos/possibilida-des de aprendizagem.

Diante desse contexto, reportamo-nos a Cunha (2014) ao ponde-rar que, se a concepção de formação não é neutra, é fundamental analisá-la numa perspectiva que se distancie da compreensão mera-mente técnica, afastando qualquer possibilidade de negação da sub-jetividade.

No que diz respeito ao conceito de formação de professores, é pos-sível encontrar uma variedade de definições. Partindo da premissa da docência como profissão e, por isso, a necessidade do desenvolvi-mento de competência para exercê-la, Marcelo Garcia (1999, p. 26) a define como:

[...] a área de conhecimentos, investigação e de propos-tas teóricas e práticas que, no âmbito da Didática e da Organização Escolar, estuda os processos através dos quais os professores – em formação ou em exercício – se implicam individualmente ou em equipe, em experiên-cias de aprendizagem através das quais adquirem ou me-lhoram os seus conhecimentos, competências e disposi-ções, e que lhes permitem intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem.

Portanto, refletir sobre o conceito de formação de professores exige que se recorra à pesquisa, à prática de formação e ao próprio significado do papel do professor na sociedade. A pesquisa acompa-nha os movimentos político-econômicos e socioculturais que dão forma ao desempenho docente, quer no plano do real, quer no ide-al. E a prática se estabelece a partir de uma amálgama de condições teóricas e contextuais (CUNHA, 2014).

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Nesse sentido, a formação de professores se dá em um processo em que, conforme explica Cunha (2006, p. 353-354), se desdobra em:

Formação Inicial: processos institucionais de formação para uma profissão. Em geral, garantem o registro pro-fissional e facultam o exercício da profissão. Em profis-sões de maior prestígio, há um forte controle corpora-tivo e legal sobre o exercício de práticas profissionais, privilégio dos portadores de diplomas que referendam a formação inicial. [...]

Formação Continuada: iniciativas de formação reali-zadas no período que acompanha o tempo profissional dos sujeitos. Apresenta formato e duração diferencia-dos, assumindo a perspectiva da formação como pro-cesso. Tanto pode ter origem na iniciativa dos interessa-dos como pode inserir-se em programas institucionais. Neste último, os sistemas de ensino, universidades e es-colas são as principais agências de tais tipos de formação. [...]

Formação em Serviço: tipo de educação continuada que visa ao desenvolvimento profissional dos sujeitos, no es-paço do trabalho. No caso dos professores, destina-se a docentes em atividade e que são estimulados a participar de processos formativos, em geral promovidos pelos sis-temas, pelos próprios empregadores ou pares.

Partindo de considerações feitas pela autora sobre formação de professores, destacamos a formação inicial e a formação continu-ada, que numa dimensão mais pontual vêm sendo assumidas pela literatura como desenvolvimento profissional dos professores e que ocorrem, preferencialmente, nesses dois espaços. Nesse contexto, Cunha (2014, p. 34) afirma que, em sentido amplo, a formação de professores “se faz num continuum, desde a sua educação familiar e cultural até a trajetória formal e acadêmica, e se mantém como pro-cesso vital enquanto acontece o ciclo profissional”.

Nas observações de Day (2000), o sentido do desenvolvimento profissional depende da vida pessoal e profissional dos professores, bem como das políticas e contextos escolares nos quais realizam a sua atividade docente. Nesse enfoque,

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O desenvolvimento profissional envolve todas as expe-riências espontâneas de aprendizagem e as atividades conscientemente planificadas, realizadas para benefí-cio, direto ou indireto, do indivíduo, do grupo ou da es-cola e que contribuem, através destes, para a qualidade da educação na sala de aula. É o processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, reveem, renovam e ampliam, individual ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adqui-rem e desenvolvem, de forma crítica [...], o conhecimen-to, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para uma reflexão, planificação e prática profissionais eficazes das suas vidas profissionais (DAY, 2000, p. 20-21).

É nessa vertente que, de acordo com o entendimento de Soares e Cunha (2010, p. 35), o desenvolvimento profissional envolve as perspectivas institucional e pessoal. A perspectiva institucional re-fere-se a um “conjunto de ações sistemáticas que visam a alterar a prática, as crenças e os conhecimentos profissionais dos professo-res, portanto, vai além do aspecto informativo”, enquanto na “pers-pectiva pessoal o desenvolvimento profissional se projeta por uma disposição interna e uma postura de busca permanente de cresci-mento pessoal e profissional” (SOARES; CUNHA, 2010, p. 35).

No entanto, ressaltam as autoras que essas ações precisam ser assumidas tanto pelos indivíduos como pelos demais profissionais que deverão atuar de forma integrada na instituição, pressupondo a inter-relação entre os desenvolvimentos profissional e organiza-cional.

Nas discussões mais específicas sobre formação continuada de professores, Nóvoa (2007, p. 61) advoga que uma formação de pro-fessores precisa ser construída dentro da profissão, isto é, “baseada numa combinação complexa de contributos científicos, pedagógi-cos e técnicos, mas que tem como âncora os próprios professores, sobretudo os professores mais experientes e reconhecidos”.

De acordo com Zabalza (2004), quando a própria instituição en-vida esforços para solucionar os problemas que inviabilizam o de-senvolvimento de propostas de formação, são muito maiores as possibilidades de ela concretizar-se com êxito. Nesse sentido, é fun-damental incentivar os educadores em relação à finalidade que assu-mem, focalizando a necessidade do compromisso de qualificar sua ação educativa pela participação nas ações de caráter formativo.

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O percurso investigativo: o campo empírico, instrumentos e interlocutoresO cerne desta pesquisa voltou-se para docentes iniciantes na educa-ção e às ações de formação docente, no sentido de analisar e com-preender o processo de constituição do professor universitário iniciante, visando a entender como ocorrem o seu envolvimento e a sua responsabilidade em um contexto de desenvolvimento profis-sional.

A opção da Unifesspa como locus da pesquisa se deu por enxer-gar possibilidades de contribuições mais efetivas para o processo do desenvolvimento profissional do docente em constituição e que está inserido em uma universidade também em constituição, conside-rando que sua criação ocorreu em meados de 2013 e possui em seu quadro funcional alguns docentes sem experiência na docência.

Partimos da premissa de que é na iniciação à docência que ocorre a afirmação ou a negação profissional docente. Aqueles que continu-am na carreira, que se preocupam, comprometem-se e envolvem-se no seu desenvolvimento profissional vão aos poucos criando um es-tilo próprio para a docência e conseguem ir se distanciando da in-segurança, da incerteza e do despreparo, pois passam a assumi-la como sua profissão, mesmo sendo oriundos de diferentes áreas de formação.

Apesar de alguns autores, tais como Marcelo Garcia (2008) e Bozu (2010), considerarem como iniciante o docente que possui até cin-co ou sete anos de experiência, optamos por seguir a delimitação de Feldkercher (2015), que define, alinhada com Feixas (2002, p. 67), o professor universitário iniciante como “aquele que possui, no má-ximo, três anos de experiência docente”. E, ainda, que “pode ocor-rer de esse professor universitário iniciante não possuir nenhuma experiência profissional, sequer em sua área de formação” (p. 67).

Assim, para efeito deste estudo foram entrevistados dez profes-sores iniciantes na carreira docente, com os seguintes perfis: são oriundos da graduação, nos graus licenciatura, bacharelado e li-cenciatura/bacharelado, de diferentes áreas do conhecimento; pos-suem, no mínimo, um semestre letivo e, no máximo, três anos de atuação como docente na educação; são mestres e/ou doutores na sua área de conhecimento. A análise dos dados considerou os prin-cípios da análise de conteúdo, preconizados por Bardin (2006).

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Referentes que evidenciam os envolvimentos do docente iniciante na caminhada formativa: analisando os dados Ao identificar e analisar alguns referentes que configuram a consti-tuição do docente universitário nos primeiros anos de ingresso na carreira, foi possível registrar que logo que iniciam a profissão, e se deparam com as atribuições que lhes competem desenvolver, os docentes assumem que, apesar de titulados, não aprenderam como ensinar para os alunos o que sabem da área em que se formaram. E, de imediato, uma das formas de alcançar a aprendizagem da do-cência é o diálogo com os professores que já possuem experiência na profissão, que orientam desde a elaboração de planos de ensino e/ou aulas, até aspectos didáticos e pedagógicos relacionados à condu-ção das aulas e relacionamento com os alunos. À medida que esses professores se propõem a discutir sobre suas próprias ações, põem em evidência as suas concepções acerca do processo de ensinar e de aprender, demonstrando a opção por um caminho e, inclusive, uma atitude de reflexão acerca do que sabem e fazem. Assim, de forma li-vre e autônoma, passam a compreender que a interação com o outro e a troca de experiências poderão auxiliá-los a identificar suas for-ças, fraquezas e dirimir as dúvidas que lhes consomem nesse início de trajetória.

Ao analisar e compreender as narrativas dos docentes iniciantes sobre o desenvolvimento de algumas de suas ações, procuramos fa-zê-los colocando a prática docente transpondo o tempo e o espaço da sala de aula, considerando que em seu bojo, além do ensino, também tem ações relativas à gestão (administrativas) e à investigação (pes-quisa e extensão). Ficou evidenciado que, por ser uma instituição que está em seu início, existe a oportunidade positiva e desafiado-ra que é dada ao professor iniciante de desenvolver outras ativida-des para além da sala de aula, e de poder protagonizar esse processo, perpassando desde as decisões deliberativas do curso em que atua, até aquelas que envolvem a universidade como um todo. Os profes-sores passam a ser partícipes de um processo mais amplo, que é pen-sar e fazer a universidade nos seus diferentes contextos, inclusive participando da elaboração dos documentos que subsidiam as suas ações, tais como: estatuto, regimento, projeto de desenvolvimento institucional, projeto pedagógico institucional.

Nesse sentido, ficou revelado o sentimento de pertencimento e oportunidade da construção de uma ambiência institucional, que pode se tornar a mola propulsora a impulsionar a constituição do docente iniciante. Assim, mesmo considerando a existência de des-vantagens nesse início de construção institucional, como a infra-

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estrutura, por exemplo, a maioria afirma que já as previa quando ingressou, assume-as como sua responsabilidade, enxergando, nes-se momento, a oportunidade de contribuir para o desenvolvimento institucional e fazer parte da história de sua constituição. Destaca-mos que esse se mostrou um importante diferencial em relação às escritas oriundas de outras pesquisas relativas a essa temática, que revelaram a deserção ou a troca de instituições em construção por outras mais consolidadas como sendo o desejado pelos professores iniciantes diante das dificuldades encontradas.

Procurando analisar alguns referentes que evidenciam os envol-vimentos do docente iniciante e da instituição na caminhada for-mativa, tomamos como ponto de partida os relatos que ouvimos dos professores com os três perfis de graduação: bacharelado; licencia-tura; licenciatura e bacharelado. A partir da pesquisa, foi possível perceber que são visões que se complementam, e que todas as gradu-ações contribuem para o docente no que tange aos conteúdos da área de formação específica, porém, quanto à área de formação pedagó-gica, mesmo o docente que afirma ter estudado as disciplinas peda-gógicas não consegue evidenciar significativa contribuição para sua constituição enquanto docente.

Em relação a esse contexto, uma das professoras entrevistadas traz o domínio do conteúdo de sua área de formação/atuação como essencial. Ela diz que um docente que não domina o conteúdo não é bom docente. Mas ela já possui discernimento de que saber o con-teúdo adquirido ao longo da formação não é tudo, não é suficiente.

Outra professora, que é licenciada, nos disse que

a formação na graduação teve as disciplinas de didática, de organização escolar, as práticas pedagógicas, a psico-logia da educação. [...] eu terminei a graduação em 2009 e quase 10 anos depois ingressei na docência. Então, isso já estava muito distante, embora tenha um reflexo, uma influência, não é uma coisa tão direta.

Pelos relatos, ficou evidenciado que os conteúdos das disciplinas pedagógicas trabalhados nos cursos de licenciatura podem até ser rememorados pelos docentes quando ingressam na profissão. No entanto, a primazia dada aos conteúdos da área de formação no mo-mento em que estão na condição de estudante os impede de se apro-priarem deles para (re)significá-los e utilizá-los na prática.

Quanto à necessidade de espaço para discutir a prática docente na instituição, há um forte indicativo de que poderia ser um espaço

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coletivo que permita a troca de ideias/saberes entre outros profes-sores e entre outros profissionais. Porém, ficou constatada a neces-sidade de que sejam momentos coordenados/mediatizados por um especialista, podendo se configurar em um momento de aprendiza-gem interativa/colaborativa.

Quanto às expectativas dos docentes em relação ao setor de for-mação, foram destacadas, principalmente: ajuda para obtenção de conhecimentos pedagógicos não adquiridos durante a trajetória acadêmica; esclarecimentos e orientações de questões relativas à prática (planejar a aula, dosar o tempo, avaliar o aluno, etc.); orien-tação de como se portar em sala de aula ao iniciar a docência; uso de técnicas para ensinar melhor e estratégias para captar a atenção e incentivo dos alunos para as aulas.

É importante destacar que há uma expectativa revelada pelos do-centes de que a construção dos saberes da docência é algo que vem de fora deles, que existe um saber docente que pode ser repassado a outro, o que na verdade não é fato: o saber docente é algo a ser cons-truído pelo próprio docente, o que ocorre a partir de vivências e ex-periências, porém é individual, personalizado e intransferível. É o saber que o identifica como o docente “X” e o diferencia do docente “Y” ou “Z”.

Um dos professores nos contou, numa narrativa carregada de tensão, da prática que realiza e evidenciou como é importante ter momentos para que o docente possa dialogar sobre os desafios que surgem à medida que desenvolve a prática docente. Ele revelou a importância de as ações de formação proporcionarem ao docente, principalmente aos iniciantes, situações em que eles possam ouvir seus pares e trazer a sua vivência para ser objeto de sua análise, re-flexão e reconstrução a partir de conhecimentos pertinentes.

Apesar de existir o setor de formação docente, oficialmente ins-tituído na universidade, ficou evidenciado que poucos são os docen-tes que o buscam por iniciativa própria. Limitam-se à participação das atividades programadas. Aqueles que recorrem ao setor reve-lam buscá-lo a partir de necessidades oriundas da prática das ativi-dades cotidianas relacionadas principalmente ao ensino e à gestão. Ainda não há, por parte de alguns professores, o reconhecimento de que o setor de formação é institucional e existe para auxiliá-los nas questões inerentes à prática docente.

A forma como ocorre o envolvimento nas ações de formação se dá quando os docentes procuram fazer associações entre o que é de-senvolvido no decorrer dos encontros com situações que vivenciam em aula, trazendo-as para serem exemplificadas e refletidas em mo-mentos de discussão. Essa é uma forma de o docente sentir que está

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falando de uma situação que lhe é comum. Além disso, envolvem-se fazendo os relatos de experiências quando são oportunizadas situa-ções para que estes ocorram.

Apontamentos finaisA partir das narrativas dos docentes iniciantes participantes deste estudo, é possível dizer que o processo de constituição do professor universitário iniciante é contínuo, envolve aprendizagens que per-passam desde a entrada na sala de aula, quando assumem a profis-são e iniciam o contato com os alunos, até a responsabilidade pelo desenvolvimento de atividades de ensino, extensão, pesquisa e ges-tão, que ocorrem, na maioria das vezes, simultaneamente. Em uma instituição em constituição, as oportunidades para que os docentes iniciantes vivam um processo de ambientação e tornem-se partíci-pes da história de construção universitária são semelhantes àquelas destinadas aos docentes com mais experiência nesse nível da educa-ção. No entanto, é notório que o envolvimento e a responsabilidade de ambos, docentes e instituição, são exigidos em igual proporção em um contexto de desenvolvimento pessoal, profissional e institu-cional.

Por parte dos docentes, foi possível constatar a existência de um sentimento de pertencimento e disposição em aprender e apreender sobre o que estão vivenciando em âmbito institucional. No entanto, ainda há uma carência premente de ter a iniciativa em buscar, en-volver-se, responsabilizar-se e comprometer-se com as ações de for-mação em todos os contextos em que são desenvolvidas. Assumir a formação como um valor e uma necessidade para o próprio desen-volvimento evidencia um aspecto a ser desenvolvido pelo docente.

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Conhecimento e atuação profissional: o bom professor de educação física na visão de estudantes

leontine lima dos santos6

josé antonio bicca ribeiro7

franciele roos da silva ilha8

A temática da prática pedagógica do bom professor relaciona-se ao debate sobre as competências docentes, a capacidade do trato com o conteúdo, a postura na sala de aula e as crenças e valores que com-põem o “ser docente”.

A temática das competências docentes traz à tona questões fun-damentais que embasam a discussão das políticas educativas de for-mação docente, dos processos de ensinar e aprender nos cursos de formação de professores, bem como a atuação dos docentes no con-texto de seu trabalho.

Esses diferentes lócus de interesse e preocupação com o tema ba-seia-se na centralidade que assume a construção de competências docentes ou de saberes que o professor precisa construir para o exer-cício da docência, tendo em vista que a construção do ser professor e suas competências envolve uma multiplicidade de conhecimentos, habilidades, atitudes, posturas a serem aprendidos, (re)elaborados e produzidos para e no processo educativo.

No tocante ao termo competência, não se pode desconsiderar que sua utilização como elemento orientador da organização curri-cular é tratado por alguns autores como uma continuidade das te-orias da eficiência social, pedagogia dos objetivos, as quais estão baseadas em perspectivas curriculares instrumentais, de conheci-mento utilitário. Entretanto, é preciso reconhecer a polissemia do termo e que este tem sido objeto de disputas para a fixação de sen-tidos, na tentativa de ampliar a ideia de competência técnica. Des-ta forma, é possível significá-lo num sentido mais amplo e crítico (GONZÁLEZ, 2008).

6. Universidade Federal de Pelotas.

7. Universidade Federal de Pelotas.

8. Universidade Federal de Pelotas.

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38Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

Defende-se, aqui, que essa ressignifição pode ser realizada e um dos caminhos pode ser aproximando-a à ideia de saberes docentes. Deste modo, o espaço deste ensaio trata da discussão das competên-cias e dos saberes docentes na Educação Física num mesmo sentido, a serem abordados nos próximos parágrafos.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de gradu-ação em Educação Física, em nível superior de graduação plena, instituída pela Resolução n.7 de 31 de março de 2004, delineia as competências que devem constituir a concepção nuclear do projeto pedagógico de formação do graduado em Educação Física, são elas: competências de natureza político-social, ético-moral, técnico-pro-fissional e científica (BRASIL, 2004). Especificamente elas priori-zam:

1) o domínio de conhecimentos conceituais, procedimen-tais e atitudinais específicos da Educação Física e aqueles advindos das ciências afins;

2) as ações de pesquisar, conhecer, compreender, ana- lisar, avaliar a realidade social para nela intervir acadê-mica e profissionalmente;

3) participar, assessorar, coordenar, liderar e gerenciar equipes multiprofissionais de discussão, de definição e de operacionalização de políticas públicas e institucio-nais;

4) diagnosticar os interesses, as expectativas e as neces-sidades das pessoas, de modo a planejar, prescrever, en-sinar, orientar, assessorar, supervisionar, controlar e avaliar projetos e programas;

5) conhecer, dominar, produzir, selecionar, e avaliar os efeitos da aplicação de diferentes técnicas, instrumen-tos, equipamentos, procedimentos e metodologias para a produção e a intervenção acadêmico-profissional em Educação Física;

6) acompanhar as transformações acadêmico-científi-cas da Educação Física e de áreas afins mediante a análi-se crítica da literatura especializada;

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39Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

7) utilizar recursos da tecnologia da informação e da co-municação de forma a ampliar e diversificar as formas de interagir com as fontes de produção e de difusão de co-nhecimentos específicos da Educação Física e de áreas afins.

Com os dados da pesquisa que teve como objetivo inicial o levan-tamento das competências específicas do profissional de Educação Física e Desportos no entendimento de 100 profissionais da área, Nascimento (1999) elaborou duas dimensões de competência e seus respectivos indicadores.

a) Dimensão 1 – Conhecimento profissional: Indicador 1.1 – Conheci-mento disciplinar; Indicador 1.2 – Conhecimento pedagógico; Indica-dor 1.3 – Conhecimento do contexto.

b) Dimensão 2 – Habilidades profissionais: Indicador 2.1 – Planejamen-to; Indicador 2.2 – Comunicação; Indicador 2.3 – Avaliação; Indicador 2.4 – Organização e gestão; Indicador 2.5 – Incentivação; Indicador 2.6 – Autorreflexão.

Diante destes pressupostos, tivemos como objetivo compreender a percepção dos acadêmicos sobre os elementos que compõem a prá-tica pedagógica do bom professor de Educação Física.

MetodologiaEsta pesquisa possui um delineamento descritivo e caracteriza-se pelo uso da abordagem qualitativa (MINAYO, 2001). Foi realizada com uma turma de 18 acadêmicos do quinto semestre do curso no-turno de licenciatura em Educação Física da Escola Superior de Edu-cação Física da Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPel).

Os sujeitos da pesquisa estavam matriculados na disciplina de Procedimentos de Ensino, cujo programa aborda conteúdos sobre as competências do professor de Educação Física, suas característi-cas, elementos da didática e de sua prática pedagógica.

A coleta foi realizada ao final do primeiro semestre letivo do ano de 2016. Os dados foram obtidos através de um questionário aberto, levando em conta aspectos que caracterizavam um bom professor de Educação Física e os elementos intervenientes da sua prática pe-dagógica. Tal instrumento foi elaborado tanto para compor a ava-liação da disciplina, como para desencadear a análise e discussão

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desta investigação. Cabe ressaltarmos que os acadêmicos o respon-deram no término da disciplina, após o tema ser abordado durante o semestre.

Os dados foram analisados sob a ótica de Bardin (1979), com os elementos que compõem a análise de conteúdo. Após essa etapa, fo-ram elencadas categorias para um melhor entendimento dos resul-tados.

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Li-vre e Esclarecido, autorizando a utilização dos dados na pesquisa; e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Superior de Educação Física através do parecer nº 2.465.798.

Análise dos resultadosUtilizamos como parâmetro para a apresentação dos resultados os achados de Nascimento (1999), o qual nos apresenta duas dimensões de competência, sendo elas Conhecimento Profissional e Habilida-des Profissionais, além de seus respectivos indicadores.

Sendo assim, dividimos os resultados em duas categorias de aná-lise: “conhecimento profissional e contextos de atuação” e “Carac-terísticas do bom professor e as habilidades necessárias para a do-cência”. Neste ensaio apresentaremos apenas a primeira categoria, a qual foi citada na forma de conhecimento disciplinar (CD), peda-gógico (CP) e de contexto (CC) (NASCIMENTO, 1999).

Categoria 1. Conhecimento profissional e contextos de atuaçãoEsta categoria foi elaborada com as evidências de bom professor in-dicadas na perspectiva dos acadêmicos de Educação Física estuda-dos, aproximando-se da dimensão 1 apresentada por Nascimento (1999).

O Conhecimento Profissional e contextos de atuação é apresen-tado na forma de três indicadores, sistematizados com dados des-ta pesquisa no quadro abaixo, e descritos e analisados posterior- mente.

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Quadro 1. O conhecimento profissional e contextos de atuação e a frequência dos seus indicadores.

Dimensão Indicador Frequência com que o indicador foi citado pelos acadêmicos

Conhecimento profissional

Conhecimento Disciplinar

7 acadêmicos (38,9%)

Conhecimento Pedagógico

12 acadêmicos (66,7%)

Conhecimento do contexto

9 acadêmicos (50%)

O conhecimento disciplinar corresponde ao conhecimento da matéria e dos assuntos de ensino e aprendizagem na Educação Fí-sica. Na perspectiva de Tardif (2010), os chamados saberes dis-ciplinares são aqueles correspondentes aos diversos campos de conhecimento, que dispõe a nossa sociedade e são sistematizados na forma de disciplinas nas faculdades e cursos distintos. Dessa for-ma, tal indicador foi destacado pelos acadêmicos ao apontarem que o bom professor deve ter um conhecimento geral sobre Educação Fí-sica, além de domínio, tanto tático quanto técnico dos conteúdos a serem ensinados, os quais estão diretamente relacionados aos seus saberes e experiências construídos durante a trajetória profissional. Em estudo similar, Rosso Krug e Krug (2010) constataram que “saber o conteúdo” foi o saber mais citado (por 22) entre os 32 acadêmicos de Educação Física, quando questionados sobre os saberes necessá-rios à docência.

O conhecimento pedagógico refere-se ao conhecimento sobre concepções, princípios gerais e específicos de gestão e organização do processo de ensino-aprendizagem. Crum (2000) reflete que atra-vés do conhecimento pedagógico do conteúdo, o professor é capaz de transformar conhecimentos específicos (desporto, desempenho motor, valores e atitudes) em representações e ações pedagógicas a partir da organização e, se necessário, modificações de situações de aprendizagem. O indicador é evidenciado, no presente estudo, quando os alunos apontam ser o bom professor aquele que oferece o conteúdo de forma variada, com didática e criatividade, sabendo tornar o processo de aprendizagem interessante, baseado em novas ideias e diversificadas formas de construção de conhecimento.

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Como constatou Cunha (1994) em sua pesquisa, o bom professor na visão dos alunos é aquele que domina o conteúdo, escolhe formas adequadas de apresentar a matéria e tem bom relacionamento com o grupo. Corroborando com o descrito por Cunha, os apontamentos dos alunos pesquisados indicam ser o bom professor aquele que con-segue a conexão dos conteúdos a partir de tarefas compreensíveis e de possível assimilação, ou seja, uma maneira simples e prática de abordar os assuntos com o máximo de sucesso. Além disso, sendo o diferencial a forma como ele conduz a aula, problematizando a teo-ria durante a realização de atividades práticas, proporcionando um ambiente favorável à aprendizagem, visto que é de responsabilidade do bom professor impulsionar a formação integral do aluno.

Em estudo semelhante, realizado com acadêmicos de arqueolo-gia, Feitoza, Cornelsen e Valente (2007) constataram que conhecer o conteúdo, assim como a área de atuação é fundamental para quem se dispõe a ensinar, além de possuir habilidade de transferir infor-mações com confiança, incencotivando os alunos constantemente ao aprendizado é competência desejada quando se fala em um bom professor. Tais colocações reforçam os achados, evidenciado tanto a dimensão técnica quanto a dimensão humana nos bons professores, destacando aqueles que têm empatia no e pelo que fazem.

Por fim, o conhecimento do contexto: trata-se das característi-cas do ambiente de ensino e aprendizagem sob as diferentes dimen-sões (cultural, social, ...), bem como da clientela (alunos, atletas, ...) com as quais o profissional atua. Inclui também o conhecimento das principais dificuldades, aspirações, problemas, interesses e neces-sidades dos sujeitos. Para Tardif (2010), esse conhecimento do con-texto é próprio dos professores no exercício de suas funções, o que o autor denomina saberes experienciais, os quais estão relacionados a saberes específicos desenvolvidos com base no trabalho cotidiano e no conhecimento do meio no qual está inserido.

Nos aspectos relacionados ao indicador de conhecimento do contexto, os alunos investigados apontam ser uma característica do bom professor a capacidade de identificar o contexto social da esco-la e da comunidade escolar, sendo capaz de articular o aprendiza-do dos conteúdos, pensando-o para poder atingir a todos, para além da sala de aula, sendo aplicáveis em seu cotidiano. Tais apontamen-tos aproximam-se das colocações de Onofre (1991) no que se refere à participação do professor na comunidade. Valorando para além da competência profissional a competência pessoal, com ênfase na res-ponsabilidade de uma formação cultural e efetiva na vida comuni-tária em que está inserido:

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Ressalva-se igualmente: a necessidade do professor ser um indivíduo politicamente consciente, com capacida-de de crítica social. Propõe-se, portanto, que o professor seja um indivíduo activo, enraizado na vida cultural e so-cial que caracteriza o contexto de realização do seu tra-balho profissional (ONOFRE, 1991, p. 83).

Um outro aspecto a ser relacionado a esse indicador, de acordo com a percepção dos alunos, é que o bom professor utiliza como fer-ramenta, no processo de ensino, as vivências dos alunos. Além de valorizar o crescimento individual e objetivar as suas reais necessi-dades a partir da compreensão do lado humano, impulsionando o que de melhor pode ser extraído de cada um dos alunos. Nesse sen-tido, relacionamos o bom professor com aquele que atua como me-diador sendo capaz de “estabelecer objetivos, diagnosticar o ponto de partida de seus alunos, definir técnicas e instrumentos para que a aprendizagem ocorra e fazer uma avaliação contínua para que o aprendizado ocorra” (FORTES, 2008 p. 67), sem deixar de lado a es-pecificidade de cada indivíduo, assim mobilizando diferentes condi-ções que permitam o efetivo aprendizado humanizado.

Além disso, os alunos ressaltam a importância que o bom profes-sor tem nas suas vidas e no crescimento pessoal de cada um deles, simbolizando uma figura marcante, principalmente devido à aten-ção e à preocupação desprendidas a todos alunos. E também porque esse profissional articula diferentes metodologias de ensino para promover aprendizagens significativas nos educandos, garantindo, assim, a assimilação dos diversos conteúdos trabalhados.

Podemos também considerar que as características do bom pro-fessor ressaltadas por alunos do ensino médio e acadêmicos de di-versos cursos de graduação sinalizados por Cunha (1994), remetem aos conhecimentos disciplinares, pedagógicos e de contexto, tendo em vista que estão relacionadas àqueles que dominam o conteúdo, escolhem formas adequadas de apresentá-lo e têm bom relaciona-mento com os alunos.

Dessa forma, o quadro abaixo apresenta os principais excertos referentes aos três indicadores da Dimensão Conhecimento Profis-sional, além da frequência com que os mesmos foram citados pelos acadêmicos.

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Quadro 2. Detalhamento da Dimensão 1 na perspectiva dos acadêmicos.

Dimensão Indicador/Frequência com que o indicador foi citado

Resposta dos acadêmicos

Conhecimento Profissional

Conhecimento disciplinarConhecimento da matéria e dos assuntos (38,9%)

“Conhecimento/domínio dos conteúdos”;“Conhecimento tático e técnico”;“Conhecimento geral sobre educação física”;“Sabe o que ensina e o que está fazendo”;

Conhecimento pedagógicoConcepções e princípios gerais e específicos de gestão e organização do processo de ensino-aprendizagem (66,7%)

“Oferecer de forma variada a matéria”;“Alunos opinem e tenham liberdade para construir e modificar a aula; ensinar de uma maneira interessante”;“Prática pedagógica com avanço diante do sistema educativo, na criação de seres críticos”;“Faz tarefas compreensíveis e possível assimilação”;“Faz conexões entre os conteúdos; traz novas ideias, novas formas de passar o conhecimento”;“É o responsável direto pela formação cognitiva, motora e social de todos os seus alunos”.

Conhecimento do contexto Características do ambiente de ensino e aprendizagem sob diferentes dimensões, bem como da clientela com a qual se atua. O conhecimento das principais dificuldades, aspirações, problemas, interesses e necessidades dos sujeitos (50%)

“Identifica e demostra interesse no contexto social que sua escola e alunos se situam”;“A valorização do crescimento do aluno com os objetivos relacionados as suas necessidades e se fazer interessar em aprender a ponto de levar os conhecimentos na aula aprendidos para sua vida fora da escola”;“Preocupado, e não só com o conteúdo programado, mas sim com seus alunos”;“Cuidadosamente pensado para poder atingir a todos”;“Vê em todos os alunos oportunidades”;“Que o conhecimento seja útil enquanto prática”;“Compreende o lado humano de cada aluno sendo flexível”;“Atencioso e preocupado com os seus alunos, com o conteúdo que irá chegar até eles”.

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Considerações finaisA percepção dos acadêmicos sobre os elementos que compõem a prá-tica pedagógica do bom professor de Educação Física foi sistemati-zada nesta investigação pela Dimensão Conhecimento Profissional e contexto de atuação, a qual apresenta três indicadores retomados e resumidos a seguir.

O Conhecimento Disciplinar, destacado pelos sujeitos ao apon-tarem que o bom professor deve ter um conhecimento geral sobre educação física, além de domínio, tanto tático quanto técnico dos conteúdos a serem ensinados. O Conhecimento Pedagógico emergiu quando os sujeitos apontaram que o bom professor é aquele que ofe-rece o conteúdo de forma variada, com didática e criatividade, sa-bendo tornar o processo de aprendizagem interessante, baseado em novas ideias e diversificadas formas de construção de conhecimen-to. Mobiliza a participação ativa dos alunos que possuem liberdade de expressão e opinião, tanto na construção quanto na modificação das aulas, as quais buscam promover a formação cognitiva, moto-ra e social dos alunos. Aquele que problematiza as teorias durante a realização das práticas, proporcionando um ambiente favorável à aprendizagem, visto que é de responsabilidade do bom professor impulsionar a formação integral do aluno. Já o Conhecimento de Contexto foi apontado no que se refere ao interesse do professor na realidade em que o aluno está inserido, identificando o contexto so-cial da escola e dos alunos, sendo capaz de articular o aprendizado dos conteúdos, cuidadosamente pensado para poder atingir a todos, para além da sala de aula, os quais devem estar diretamente relacio-nados aos conhecimentos úteis para seu cotidiano fora da escola, valorizando o crescimento e objetivando as suas reais necessidades a partir da compreensão do lado humano, impulsionando o que de melhor pode ser extraído de cada um deles, articulando diferentes metodologias de ensino para promover aprendizagens significati-vas e contextualizadas.

Ao contrário do constatado por Rosso Krug e Krug (2010), nesta pesquisa o conhecimento disciplinar (38,9%) teve o menor percen-tual dentre os demais conhecimentos profissionais (conhecimento pedagógico (66,7 %) e conhecimento de contexto (50%). Este resul-tado pode estar relacionado ao fato de que o saber disciplinar possa ser mais presente no cotidiano dos acadêmicos, inclusive compon-do saberes anteriores à formação inicial, de modo que o conheci-mento específico da Educação Física seja algo mais comum de ser identificado entre docentes e estudantes, e, portanto, o mínimo a ser esperado de um bom professor.

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46Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

Esperamos que estes resultados possam impulsionar reflexões na formação de professores de Educação Física, bem como nos pro-cessos de formação continuada de docentes em exercício.

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As concepções dos professores de ciências biológicas: relações entre a formação pedagógica e científica

thomáz klug brum9

beatriz maria boéssio atrib zanchet10

Não é incomum nos depararmos, no âmbito das discussões acadê-micas de um curso de licenciatura, com a dicotomia entre “sabe-res específicos” e “saberes pedagógicos”. Tal diferenciação torna-se inerente em um ambiente dividido entre disciplinas e docentes es-pecializados em uma área científica ou pedagógica, que possui um currículo pensado para formar ao mesmo tempo um profissional que detém os saberes de uma disciplina e que possui os saberes para ensinar isso a alguém.

Tal separação aparenta ser amplificada no que tange aos cursos das áreas das ciências naturais – física, química e biologia – devido ao processo histórico que separou ciências naturais e humanas, ou ainda, Ciências e Humanidades.

Aliado a essa separação histórica entre as ditas ciências natu-rais e humanas, não existe legalmente um processo de formação para professores universitários, ou seja, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) refere-se, apenas, a uma “preparação” a ser desenvolvida nos Programas de Pós-graduação strictu senso, de todas as áreas do conhecimento. Esses Programas, em geral, não focam sua atenção nos saberes da docência, privilegiando as habi-lidades de pesquisa, que é considerada um fundamental atributo da qualidade da educação superior. Cada professor está preparado para abordar os temas que pesquisa, num recorte de sua especialida-de. Entretanto, na dimensão do ensino é que os saberes próprios da profissão docente ficam longe de seus fazeres em sala de aula.

A docência, antes de qualquer definição pedagógica, é uma pro-fissão estabelecida, portanto, um constructo social que requer for-mação profissional para seu desenvolvimento. Veiga (2006, p. 87) explica que são necessários “conhecimentos específicos [...] ou, no mínimo, a aquisição dos conhecimentos e das habilidades vincula-das à atividade docente”. Segundo a mesma autora, a peculiaridade

9. Universidade Federal de Pelotas.

10. Universidade Federal de Pelotas.

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48Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

que distingue a função da docência universitária é a indissociabili-dade entre o tripé fundamental do ensino, pesquisa e extensão, que a torna uma atividade reflexiva e problematizadora, que articula componentes curriculares, projetos de pesquisa e de intervenção, levando em conta a realidade social onde está inserido tal profissio-nal. Afora a preparação para a pesquisa, nenhum outro desses as-pectos está presente no modelo de formação atual brasileiro, a não ser por iniciativas pessoais ou de contextos locais, que são a expres-sa minoria dos casos.

Outro aspecto dessa mesma faceta, que aponta para a dissociação entre ciência e pedagogia, vem a ser a identidade desses professores. Em sua maioria, professores universitários se autodefinem por uma ótica da especialidade científica (biólogo, matemático, linguista, antropólogo) ao invés de como docentes universitários, sendo, por-tanto, o conhecimento sobre sua especialidade o local de depósito da identidade (ZABALZA, 2004). O mesmo autor ainda chama aten-ção que a identificação pode ter origem no fator de formação acadê-mica, que prepara os alunos para o desenvolvimento das atividades profissionais vinculadas a sua especialidade, dificultando a vincula-ção de uma identidade profissional da docência.

Para Cunha (2000, p. 45),

o problema não está na formação para a pesquisa, mas na concepção de conhecimento que se instala no mundo oci-dental, quase que hegemonicamente, dando suporte ao paradigma da ciência moderna. A visão mecanicista de mundo, onde a neutralidade e a quantificação tomaram dimensões preponderantes, definiu os alicerces da ciên-cia moderna, tendo como pressuposto as mesmas bases. O predomínio da razão instrumental sobre as demais di-mensões do conhecimento humano tomou proporções intensas, banindo do mundo acadêmico a possibilidade de trabalhar com as subjetividades e de privilegiar a con-dição ética.

A pós-graduação stricto sensu ainda é responsável por estimu-lar a produção e publicação de trabalhos em um campo específico do conhecimento, em revistas indexadas também específicas, valo-rizando de forma decisiva a pesquisa em detrimento das práticas de ensino e extensão, algo que acaba gerando uma espécie de menos-prezo pelas atividades de ensino na prática docente da academia, contribuindo para aumentar a hegemonia do conhecimento cientí-fico em detrimento do pedagógico (CUNHA, 2007).

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Com tais pressupostos em mente, a discussão a seguir faz par-te de uma pesquisa que busca compreender como as concepções de ciência de docentes universitários que atuam em um curso de li-cenciatura em ciências biológicas repercutem nas suas concepções pedagógicas e na compreensão de ensino que eles explicitam. Com a distância existente entre a preparação científica e pedagógica dos professores universitários, entende-se que ainda está muito pre-sente no campo da formação de professores de ciências biológicas o caráter positivista, racionalista, oriundo do método científico apli-cado às ciências naturais, que historicamente se instaurou e que po-deria vir a impactar o exercício da docência de diversas formas. A atual pesquisa se insere dentro do campo da pedagogia universitá-ria, bem como no que tange a temáticas como as concepções de ciên-cia e de ensino.

Tal hipótese é sustentada por escritos de Santos (2010), Capra (2003), Morin (2002) e outros autores que criticam o modelo históri-co de racionalidade científica que se tornou hegemônico na produ-ção de conhecimento, tolhendo as possibilidades de outras formas de investigar e desvelar o mundo em que vivemos. Segundo Santos (2010), tal modelo encontra-se em crise, tendo origem nos vícios ins-tituídos pelo método cartesiano, que toma como verdade somente aquilo que é capaz de ser observado com neutralidade e reportado através de comprovação e linguagem matemática.

Saviani (2006, on-line) explica que por concepções pedagógicas entende-se

as ideias educacionais entendidas, porém, não em si mes-mas, mas na forma como se encarnam no movimento real da educação orientando e, mais do que isso, consti-tuindo a própria substância da prática educativa.

Já as concepções científicas são as bases teórico-filosóficas pe-las quais os pesquisadores pensam, projetam e executam a pesquisa científica. Segundo Chauí (2000, p. 320), as principais concepções de ciência seriam a racionalista, cujo modelo de objetividade é a mate-mática; o empirista, que o modelo de objetividade advém da medici-na grega e da história natural do século XVII; e o construtivista, cujo modelo de objetividade é proveniente da ideia de razão por aproxi-mação.

Assim sendo, compreender as concepções científicas e pedagó-gicas dos professores da universidade poderá fornecer um panora-ma dos conceitos sobre ciência e educação que orbitam o pensar e,

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por consequência, o fazer docente desses professores formadores de professores, sendo este o objetivo principal desta investigação.

MetodologiaOs sujeitos de pesquisa foram professores universitários regentes de algumas das disciplinas do curso de Ciências Biológicas – Licen-ciatura, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O curso está vinculado ao Instituto de Biologia, que possui também a modali-dade Bacharelado, sendo comum o compartilhamento de diver-sas disciplinas entre os dois cursos. Os docentes foram convidados a participar da pesquisa e a adesão foi voluntária. Optou-se por se-lecionarmos 1 professor ou professora de cada um dos cinco de-partamentos existentes no Instituto de Biologia, tendo, com isso, abrangência de ideias das diferentes áreas do conhecimento que ofertam disciplinas ao curso. Portanto, cinco docentes foram os res-pondentes. Para efeito de manutenção do anonimato na reprodução das falas, não usaremos os nomes dos entrevistados neste trabalho, nos referindo a estes apenas como P1 até P5.

A escolha de docentes universitários, das diferentes disciplinas das grandes áreas da biologia tem por objetivo identificar suas com-preensões sobre a ciência, sua evolução, seus enunciados, a lógica de sua construção. Aborda-se também o que os formadores entendem sobre o ensino, pedagogia, prática docente e as condições facilitado-ras para ensinar.

A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semiestrutu-radas, com intuito de investigar as concepções dos professores so-bre as temáticas já apresentadas. Tal escolha foi feita baseada no entendimento de que a entrevista semiestruturada confere confian-ça ao pesquisador e possibilita a comparação das informações en-tre os participantes entrevistados (MANZINI, 2006 apud MANZINI, 2012). Por meio de uma abordagem qualitativa, a análise de conteú-do dos dados coletados é inspirada na obra de Bardin (2011).

Os professores e suas concepções: o que expressaram?Os estudos de Cunha (2007), Pimenta (2010), Almeida (2012), Vei-ga (2006) e Pérez Goméz (2009) sustentaram a análise dos dados. Os achados apontam uma certa unidade nas ideias dos cinco professo-res, a de que o ensino de biologia do curso de licenciatura da UFPel está pautado no modelo de transmissão de conhecimento, tratan-do-o de forma estático, a-histórico e atemporal. Santos (2011), acer-ca destes assuntos, aponta que o conhecimento dito universitário,

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ao longo do século XX, foi predominantemente disciplinar, descon-textualizado do quotidiano da sociedade, emergindo nas últimas décadas movimentos que visam a superar essa lógica, chamado de conhecimento pluriversitário, onde os saberes são contextuais, em que o princípio de sua organização é a aplicabilidade das descober-tas, em especial na compreensão e resolução de problemas e virtu-des locais. Tal forma de produção e difusão de conhecimento obriga também os pesquisadores a dialogar com outras áreas, outros cien-tistas, prevalecendo abordagens pluridisciplinares.

Com relação às concepções científicas, ficou marcada na fala dos respondentes a confirmação da hipótese de que o cartesianis-mo, o positivismo e o racionalismo são fatores-chave no pensamen-to científico da maioria desses professores/pesquisadores. Embora ocorram em diversos pontos contradições entre um discurso que re-conhece as limitações dessa forma de abordar e investigar os fenô-menos e a necessidade de romper com tais práticas, outros pontos reforçavam ideias como o reducionismo, a necessidade de compro-vações lógico-matemáticas, a aspiração de que os conceitos científi-cos devem tornar-se leis e/ou preditivos, dentre outros pontos nesse mesmo sentido.

Por outro lado, também se evidenciou que a temática das con-cepções científicas e da necessidade de rompimento com práticas e conceitos oriundos da ciência clássica é um tema que desacomoda esses profissionais. Todos apresentaram alguma forma de crítica ao método clássico de se produzir ciência, embora muitos não saibam como romper com tais práticas e teorias, ocorrendo pontos e contra-dição entre uma visão mais clássica e outra moderna de concepção científica. Alguns dos entrevistados disseram que

As alterações que envolvem os fenômenos biológicos di-ficultam a gente isolar variáveis com medidas exatas [...] no caso de ciências naturais – biologia, física e química – esses modelos devem evoluir para um modelo matemá-tico. (P1) Para cada época a ciência tem uma verdade que vai ser mudada, porque mudam-se as tecnologias e você con-segue avançar ainda mais o conhecimento. Mas nada é para sempre. Lógico, por exemplo, a origem mitocôndria e do cloroplasto, isso não vai mudar. (P3)

Ainda sobre as concepções científicas, os professores entrevista-dos em grande parte não tiveram uma formação adequada no que

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tange à metodologia, filosofia e história das ciências. Os saberes des-ses professores com relação a essa temática eram todos oriundos de práticas, estágios e experimentos em laboratório, das chamadas “conversas de corredores” com pesquisadores mais experientes ou, ainda mais recorrente, das buscas individuais e solitárias de litera-tura específica para formação de uma cultura e concepção científica. Além disso, boa parte dos entrevistados relatou não haver qualquer tipo de formação teórica científica atualmente no curso em que le-cionam, quanto muito uma disciplina de metodologia científica que é ministrada em outro instituto, por professores de áreas não rela-cionadas com a ciência do curso, a biologia, algo que é nefasto para a formação dos atuais licenciados e também dos bacharéis.

Sobre a diferenciação entre bacharelado e licenciatura, qua-tro dos cinco professores entrevistados tendem a tratar os futu-ros bacharéis e licenciados de forma isonômica, não diferenciando o conteúdo para este ou aquele curso. Entendemos que, apesar de compartilharem conhecimentos que serão necessários para ambos profissionais, a especificidade da prática de cada profissão é notável. Portanto, talvez a forma de ensiná-los devesse conter uma especifi-cidade que ajudasse em alguma medida a entendê-los sob a ótica da futura docência. Este ponto é fator de crítica dos professores entre-vistados perante a organização dos cursos, que ainda compartilham boa parte das disciplinas, impossibilitando o desenvolvimento de conteúdos e práticas voltadas para pensar a biologia do ponto de vista da prática pedagógica, por exemplo. Podemos atribuir a esse fato a não superação do antigo modelo de formação de licenciados no país, conhecido como “3+1”, onde a formação específica era igual para todos alunos do curso, podendo ao final do curso os alunos fa-zerem as disciplinas pedagógicas para obter o título de licenciados junto ao de bacharel, como acontecia no curso de ciências biológi-cas.

Disseram os professores que

Eu não vejo essa necessidade [de direcionar os conteú-dos para a licenciatura e bacharelado], posso estar enga-nado, mas eu acho que o assunto da fisiologia, eu acabo ministrando esse assunto com aquela intenção de tentar chamara atenção do aluno. (P4) Não, por causa que as disciplinas não são individualiza-das, o que, aliás, é uma crítica que eu tenho à estrutura-ção do curso... se a gente tem dois cursos é para ser dois cursos, não é? Se fosse diferente, provavelmente sim... acho que são abordagens diferentes. (P2)

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Ainda sobre esse mesmo objeto, ficou evidente na fala de três en-trevistados uma resistência quanto à ideia de ter de pensar e pla-nejar aulas voltadas para a especificidade de cada um dos cursos. Embora eles achem necessário haver essa divisão, não a praticavam quando tinham essa oportunidade ou não sabiam como fazer tal tipo de diferenciação. Houve ainda o relato de um dos respondentes de que até mesmo os alunos são resistentes quanto a tal diferencia-ção, ocorrendo uma espécie de menosprezo por atividades voltadas à preparação pedagógica vinda dos próprios alunos do curso de li-cenciatura, exigindo que as atividades de tal disciplina fossem idên-ticas à da turma do bacharelado.

Esse relato está alinhado à crença enraizada, tanto na academia quanto no senso comum, de que

basta uma formação científica básica para preparar bons professores para o ensino médio e fundamental, en-quanto os professores da formação pedagógica perce-bem a falta de uma visão mais clara e mais consistente dos conteúdos específicos [...], impedindo a sua reelabo-ração pedagógica para torná-los disponíveis e adequados à aprendizagem de jovens e adolescentes (MALDANER; SCHNETZLER, 1998, p. 199).

Outra questão que emergiu das falas de quase todos entrevista-dos foi a prevalente valorização do saber do campo científico espe-cífico em detrimento do conhecimento pedagógico. Zabalza (2004), ao discorrer sobre a identidade docente, aponta que a formação para docência universitária enviesa a identidade desses profissionais, que são preparados, no âmbito da graduação e pós-graduação, para o desenvolvimento das atividades profissionais associadas a sua es-pecialidade, dificultando a vinculação de uma identidade profissio-nal da docência.

Nesse sentido, o relato dos professores foi unânime em afirmar a ausência de uma preparação efetiva para a docência nos cursos de pós-graduação, lócus onde, teoricamente e legalmente, conforme dito anteriormente, deveriam ser preparados os docentes universi-tários no Brasil. Todos expressaram que durante seu percurso não entrou nas pautas de discussão as temáticas de didática e pedago-gia universitária, ocorrendo em alguns casos apenas experiências nos processos de docência orientada, que também foram criticadas pelo fato de serem meras substituições dos orientadores em sala de aula, não ocorrendo um planejamento e reflexão efetiva sobre tais

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práticas de ensino. Ainda assim, alguns professores, licenciados em sua graduação, enfatizaram que os saberes pedagógicos e discussões sobre essa temática nos cursos, embora devessem ser melhor tra-balhados, deixaram marcas em seu fazer profissional, ainda que in-suficientes.

Sobre isso os docentes afirmaram que

Agora da minha formação, foi como eu te disse, eu fiz bacharelado e não vi nada... nem no mestrado e doutorado, pelo menos na época em que eu estudei, zero. (P3) Assim... eu fiz licenciatura, então eu tive contato com as áreas de psicologia, com as áreas de educação... eu acho que teve influência, no sentido de que a questão, os ob-jetivos que tínhamos que atingir como professor, como formador, eu recebi um pouco dessa informação [...] Não tive nenhum apoio da universidade, métodos, mecanis-mos ou práticas, não conheço quem teve. (P5)

Essas ausências formativas podem vir a ser um empecilho para o exercício docente desses profissionais. Suchodolski (1979, p. 477 apud PIMENTA; ANASTASIOU, 2010), a respeito desse entendimen-to da pedagogia, diz que

[...] o conhecimento da ciência pedagógica é imprescin-dível, não porque contenha diretrizes concretas válidas para “hoje e amanhã”, mas porque permite realizar uma autêntica análise e crítica da cultura pedagógica, o que facilita ao professor debruçar-se sobre as dificuldades concretas que encontra em seu trabalho, bem como su-perá-las de maneira criadora.

Já no que tange às concepções educacionais, os professores de-ram respostas diversificadas sobre a temática, abrangendo assuntos também diversos do campo pedagógico. Alguns deixaram marca-dos em suas falas o caráter conteudista que a formação do curso de biologia ainda carrega, bem como emergiu diversas vezes nas falas a visão de ensino como a simples transmissão de saberes de quem sabe mais, o professor, para quem sabe menos, o aluno. Por outro lado, os professores também demonstraram a preocupação em de-senvolver práticas de ensino que sejam contextuais à realidade dos

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alunos e da profissão a qual estes aspiram, atendo-se também para não confundir a contextualização dos conhecimentos com um cha-mado “utilitarismo” da ciência, na qual todos conhecimentos dessa área deveriam servir para alguma finalidade, tolhendo as possibili-dades de desenvolvimento de conhecimentos de base, algo carate-rístico da área das ciências biológicas. Segundo os professores, essa linha tênue é difícil de ser identificada, porém necessária.

Por fim, ficou evidente no discurso dos docentes uma constante necessidade de afirmar o rompimento por parte deles com as cha-madas práticas de ensino tradicionais, com destaque para o chama-do “método expositivo”, lugar comum das salas de aula até hoje em dia. Os professores relatam essa constante busca por uma mudan-ça desse paradigma, ocorrendo na maioria das vezes a falta de um conhecimento que vá fornecer métodos substitutivos ao tradicional ou então a substituição por experiências metodológicas alternati-vas, como as citadas “classes invertidas, “ensino baseado em per-guntas” e “aprendizado ativo”. Ainda que uma atitude pautada em incertezas com relação à aplicação e avaliação de tais métodos de en-sino, tal preocupação aponta no sentido da esperança de que os pro-fessores universitários aos poucos se deem por conta da necessidade de superação de um modelo de ensino que a história já demonstrou ser na maioria das vezes inócuo.

ConclusõesPor fim, podemos concluir que os dados reforçam as hipóteses ini-ciais do atual projeto de pesquisa, emergindo da fala dos entrevista-dos elementos que endossam a ideia de que o importante para forjar bons professores de biologia é o conhecimento científico/específico, estando presente nos cursos de licenciatura em biologia a tradicio-nal concepção de que a transmissão de um conhecimento pronto e de caráter conteudista é suficiente para se formar um professor nes-sa área do conhecimento, restando aos saberes pedagógicos o papel de coadjuvante formativo. Nesse sentido é importante perceber os impactos que decorrem na formação dos futuros professores, pois, sem a possibilidade de discutir alternativas para o ensino e conhe-cimentos de biologia na graduação, acabam perpetuando práticas que tratam a ciência como um conhecimento estático que não preci-sa “conversar” e trazer para si o conhecimento do senso comum na busca da compreensão dos fenômenos. Assim, os alunos tronam-se meros ouvintes dos conteúdos.

Outro ponto notável dessas falas veio a ser o papel da pós-gradu-ação no reforço desse abismo de legitimidade entre a produção cien-

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tífica e a prática docente na academia. Boa parte dos respondentes apontaram para a inexistência de preparação pedagógica nos cursos de pós-graduação, uma dissonância com o discurso que apresentam os documentos normativos da educação nacional, onde a pós-gradu-ação deveria exercer o papel de preparar os docentes universitários. Há, de certa forma, uma repercussão na formação dos professores no momento em que há incentivo de pesquisa e produção acadêmi-ca na graduação sem o devido olhar pedagógico para tais produções e para a sala de aula dos futuros professores. A ênfase acaba sendo a de formar futuros pesquisadores, algo por si só importante, mas insuficiente e incongruente com a realidade de que, no Brasil, pro-fissionais mestres e doutores encontram majoritariamente na uni-versidade seus postos de trabalho, que, em teoria, deveria ser uma atividade dividida com equidade entre docência e investigação.

Embora tais problemas sejam a tônica dos resultados, aspectos positivos com relação às temáticas investigadas também puderam ser percebidos, como a superação de um entendimento da ciência como a produtora de verdades imutáveis que devem ser repassadas para os futuros professores de biologia, assim como a preocupação generalizada em romper com práticas de ensino ditas tradicionais/expositivas e a experimentação de alternativas metodológicas.

Assim sendo, percebe-se também a necessidade de aprofun-darmos as questões por hora aventadas, buscando esclarecer os pressupostos que podem, ou não, contribuir para entendermos os conceitos sobre ciência e ensino dos docentes do curso de formação de professores de biologia.

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Histologia reflexiva: entender o aluno para planejar

lucas schneider lopes11

laura beatriz oliveira de oliveira12

rosangela ferreira rodrigues13

Uma das bases da educação é o diálogo, portanto, ouvir o aluno, e entender sua percepção, é de extrema importância no processo de ensino-aprendizagem. Para Hypolitto et al. (1999), estar aberto às crí-ticas, e construir uma aula que seja direcionada ao perfil do aluno, são algumas das características que um professor reflexivo apresen-ta. Fazer uma análise da prática revela fragilidades e potencialida-des, e o professor que não realiza essa reflexão acaba por repetir os mesmos erros, não sendo um bom profissional da educação.

Em qualquer área do ensino superior, um professor pode aca-bar trabalhando o mesmo conteúdo em diferentes cursos de gradu-ação. Mas como perceber o tipo de abordagem mais adequado para cada curso? A utilização de recursos diferenciados, ou até mesmo a pedagogia de projetos, poderia ser uma possibilidade metodoló-gica. Segundo Moreira (2011), ser construtivista, receptível e aberto a sugestões pode potencializar o processo de ensino-aprendizagem, pois dessa forma o ambiente escolar será delineado juntamente com o aluno.

Segundo Parker et al. (2017), a disciplina de Histologia consiste no estudo das células, seus componentes, produtos e interações, sob organização em nível microscópico. Está presente na grade curricu-lar de diversos cursos das áreas biológicas, sendo ministrada para o curso de Farmácia, da Universidade Federal de Pelotas, no segun-do semestre. A disciplina recebe a denominação de Histologia Ge-ral e de Sistemas, pois a histologia dos tecidos do organismo e dos sistemas orgânicos é ministrada no mesmo semestre. Um fator ob-servado com frequência consistia no desempenho insatisfatório dos alunos em relação à participação durante as aulas, assim como nas

11. Universidade Federal de Pelotas.

12. Universidade Federal de Pelotas.

13. Universidade Federal de Pelotas.

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avaliações teóricas e práticas, o que se refletia em notas abaixo da média da maioria.

Dessa forma, o presente trabalho buscou investigar, através de reflexão sobre o conteúdo das aulas, a didática da professora regente da disciplina e avaliações, as possíveis justificativas para o panora-ma recorrente este curso, e desenvolver uma metodologia direcio-nada para esses alunos. As observações foram realizadas por um monitor do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, que pre-senciou tanto as aulas teóricas como práticas.

MetodologiaNo início do primeiro semestre letivo de 2018, um monitor acom-panhou as aulas teóricas e práticas da turma de Histologia Geral e de Sistemas, do curso de Farmácia, com o objetivo de conhecer os alunos e observar a rotina da turma. Seguindo algumas diretrizes sugeridas por REIS et al. (2011), os principais pontos de observação foram:

• Interações na sala de aula

• Fala do professor

• Metodologia e sua repercussão frente aos alunos

• Dúvidas nas aulas

• Relações entre aula teórica e prática

Esses pontos de observação foram registrados e esquematizados de acordo com o tipo de interação que foi sendo estabelecida, junta-mente com uma breve descrição referente à explicação do conteúdo e metodologia utilizada, nos diferentes momentos da aula.

Para fim didático, os 55 alunos da turma foram organizados em grupos na planilha do observador, da seguinte forma: Grupo A: alu-nos que se agrupavam nas primeiras mesas da sala de aula prática; Grupo B: alunos que se agrupavam nas mesas no centro da sala; Gru-po C: alunos que se agrupavam nas últimas mesas; Grupo Z: alunos que faziam suas atividades e tiravam dúvidas individualmente. Os alunos foram analisados do início ao final do semestre totalizando 16 encontros.

Após cada aula, ocorriam discussões com o professor sobre algu-mas percepções e a necessidade de planejamento de metodologias alternativas para sanar as fragilidades encontradas e explorar mais as potencialidades de cada conteúdo.

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Foi aplicado, para os alunos, um questionário na plataforma Google Forms, visando a obter as percepções que poderiam justifi-car dificuldades no processo de ensino-aprendizagem e servir como subsídio para melhorar as aulas e as avaliações. O questionário foi aplicado após cada avaliação prevista no plano de ensino da discipli-na, e consistiu em três partes: dificuldades, metodologias de estudo e sugestões.

Resultados e discussão

Análise dos gruposAtravés da observação, diversos aspectos foram revelados, sendo possível fazer um delineamento básico das características e perfil da turma. Foi percebido que nem todos interagiam e que os alunos fo-ram formando “grupos”, sem a solicitação ou intervenção da pro-fessora, mas por afinidades que ficavam mais evidentes nas aulas práticas. Por isso foi aplicada a metodologia chamada de grupo fo-cal, de acordo com Caplan et al. (1990). Essa metodologia é utilizada para análises qualitativas de produtos e serviços. Trazer uma análi-se desse caráter para a sala de aula e agrupá-los de acordo com sua perspectiva educacional, possibilitou um estudo mais específico e aprofundado dos alunos, pois assumimos que apresentavam perso-nalidade própria.

O Grupo A, no qual os alunos se agrupavam nas primeiras mesas da sala de aula prática, demostrou integração aos conceitos e con-teúdos das aulas. O Grupo B, que se localizava no meio da sala, não interagia com os demais colegas, sendo que alguns realizavam as atividades práticas e outros nem ligavam o microscópio. O Grupo C, apesar de estar agrupado no final da sala, agia de forma semelhante aos alunos que estavam nas mesas da frente. E no grupo Z, que con-sistia em pessoas que não se agrupavam, os alunos faziam suas ati-vidades e tiravam suas dúvidas individualmente. Identificar esses padrões de distribuição, na sala de aula prática, se tornou relevante no decorrer do estudo, pois possibilitou a forma mais adequada de propor ideias novas, metodologia de ensino em aulas teóricas e prá-ticas, formatação das aulas e, principalmente, a forma de avaliação.

Estratégias e metodologias utilizadasObservamos também que os alunos acompanhavam as explicações das aulas teóricas e práticas, entretanto havia necessidade de uma aproximação mais efetiva da turma, para diálogo e troca de infor-

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mações. Dessa forma, optou-se por uma monitoria virtual, em um grupo de rede social, na qual podiam tirar dúvidas, interagindo com o monitor e os próprios colegas, utilizando um novo espaço virtual de aprendizagem (ALVES et al., 2004). A adesão ao grupo foi de 49 alunos, ou seja, 89,1% da turma aceitaram participar desse recurso didático.

Após cada aula, ocorriam discussões referentes aos pontos e per-cepções do observador com a professora regente da disciplina. Foi um trabalho contínuo de análise e adaptações das aulas, de acordo com a percepção dos alunos e do observador. Com o passar do tem-po, foi ficando cada vez mais evidente a repercussão das diferentes metodologias utilizadas pela professora, que direcionou suas aulas a uma forma mais acessível, em relação aos conteúdos e as ativida-des práticas. Nas atividades práticas passou a ser concedido um tem-po maior de visualização das lâminas histológicas, para contemplar aqueles alunos que apresentavam mais dificuldade na manipulação do microscópio e reconhecimento das estruturas.

Questionário com os alunosPorém, somente a constatação da percepção do professor e do moni-tor da disciplina, durante as aulas, não resultou em dados suficien-tes para realizar as adaptações metodológicas ao longo do semestre. Por isso foi desenvolvido um questionário online, na plataforma Google Forms, para orientar mais especificamente as reflexões sobre a disciplina.

De forma geral, o questionário foi dividido em três blocos de questões. O primeiro referente à dificuldade na disciplina, sendo investigado se as dificuldades eram referentes às aulas teóricas ou práticas ou se não apresentavam dificuldades. Também se buscou definir os conteúdos considerados mais fáceis e difíceis, pela percep-ção do discente, através de uma listagem dos assuntos desenvolvidos na primeira avaliação. O aluno foi direcionado automaticamente, de acordo com sua resposta, ou seja, o questionário foi específico e levou em consideração a individualidade das pessoas entrevistadas.

O segundo bloco de questões abordou as metodologias de estudo. Através de uma listagem de métodos, o aluno podia marcar as op-ções que utilizou para estudar, sendo possível acrescentar algo, caso sua metodologia de estudo não estivesse contemplada nos itens an-teriores. Ao final do segundo bloco, foi disponibilizado um espaço para o aluno informar a relação entre a metodologia escolhida e seu desempenho na primeira avaliação. Finalmente, no terceiro bloco, os alunos preenchiam o questionário de acordo com suas percep-ções e sugestões.

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Através dos resultados do primeiro questionário, foi possível ob-servar uma maior dificuldade na parte prática da disciplina (Fig. 1), sendo o principal problema a falta de habilidade na utilização do microscópio. Já nos conteúdos, o que era considerado como relati-vamente fácil pela visão dos professores, em alguns momentos foi apontado como o mais difícil, o que muda totalmente a visão do pro-fessor frente a esses conteúdos.

Figura 1. Gráfico sobre a dificuldade em Histologia

Fonte: Elaborado pelos autores

Nas respostas sobre metodologias de estudo, nenhum aluno afir-mou utilizar o livro como fonte de estudo (Fig. 2). A maioria utilizou os slides, CD de histologia interativa (RHEINGANTZ, 2003), anota-ções das aulas, videoaulas e apostila. O gráfico abaixo foi retirado do primeiro questionário aplicado à turma, com os respectivos resul-tados.

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63Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

Figura 2. Gráfico referente a metodologias de estudo utilizadas para a primeira avaliação

Fonte: Elaborado pelos autores

Este cenário mudou no final do semestre, pois o último questio-nário (Fig. 3) demonstrou que os alunos realizaram um aprofun-damento maior nos conteúdos, passando também a utilizar o livro como metodologia de estudo. Essa mudança refletiu no desempe-nho na disciplina, que foi melhorando no decorrer do semestre.

Figura 3. Gráfico referente a metodologias de estudos utilizadas para a segunda avaliação

Fonte: Elaborado pelos autores

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No final do formulário foi deixado um espaço para sugestões de metodologias e comentários, que de forma geral foram construti-vos, demonstrando o interesse dos alunos em colaborar para apri-morar a disciplina. As sugestões foram feitas pessoalmente, para o monitor e a professora da disciplina, e cada sugestão foi analisada através de reflexões, para encontrar uma forma de aplicá-la da me-lhor maneira possível.

Avaliações realizadasAs avaliações aplicadas à turma variaram no formato. A primeira avaliação teórica foi realizada em um momento diferente da ava-liação prática, que ocorreu com projeção das lâminas histológicas. Nesse tipo de avaliação prática, os alunos tinham as perguntas im-pressas e a professora colocava as lâminas em um microscópio ópti-co, reproduzindo em tempo real na projeção a imagem referente à pergunta impressa. Tinham um tempo determinado para respon-der e após a imagem passava a ser substituída por outra. Foi percebi-do, através de alguns comentários, que ficavam nervosos, pois não conseguiam reconhecer as estruturas e não havia como voltar no-vamente nas imagens, após passar o tempo concedido. Levando em conta esses comentários, a professora da disciplina elaborou uma listagem com as lâminas da próxima avaliação e o monitor da disci-plina selecionou as lâminas para a segunda prova, tendo o cuidado de analisar cada estrutura para ver se estava nítida e sem nenhum artefato que pudesse confundir. Após, fotografou em um microscó-pio acoplado a um sistema de captura de imagens e as disponibili-zou, para anexar à segunda avaliação.

Foi alterado também o formato da avaliação, pois diferentemen-te da primeira, reuniu em um único momento a avaliação teórica e a prática. A finalidade foi facilitar para a diversidade de alunos que o curso contempla. O desempenho obtido com essa variedade de abordagens foi ascendente, pois os resultados foram melhorando de acordo com cada metodologia nova empregada.

Sendo assim, avaliações teórico-prática obtiveram um resultado mais satisfatório do que avaliações realizadas separadamente, di-vergindo da perspectiva dos alunos, que acreditavam que avaliações do conteúdo teórico, realizadas de forma separada do conteúdo prá-tico, seriam mais acessíveis. Na primeira avaliação, as projeções de lâminas histológicas acabaram dificultando o entendimento do alu-no, por se tratar de algo em tempo real, que variava de acordo com o estado de conservação da lâmina e a qualidade da projeção. Dife-rentemente das imagens didáticas, utilizadas na segunda prova, que

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mesmo sendo estáticas representavam de forma adequada o órgão e facilitou o entendimento por parte dos alunos.

Percepções sobre prática pedagógicaNo decorrer da observação da turma de Histologia geral e de siste-mas 2018/1, ficou claro que a falta de autonomia dos alunos interfere em seu desempenho. Por isso, ao longo do semestre, essa caracte-rística foi sendo explorada à medida que novas metodologias foram sendo utilizadas, fruto da reflexão da prática que culminou em dife-rentes formas de trabalhar o conteúdo.

Entre as diferentes metodologias abordadas nesse período, todas apresentaram necessidade de aprimoramento, pois além da propos-ta por parte da professora o feedback dos alunos se mostrou tão im-portante quanto a metodologia por si só. Foi percebid a motivação da professora em melhorar sua prática, chegando a ter comentários sobre a diferença entre as aulas antes e depois de realizar um traba-lho intensivo de reflexão.

A incorporação da monitoria virtual mostrou ser uma excelente ferramenta de comunicação e um espaço de troca, pois transcendeu as metodologias estáticas, e tornou o conteúdo mais dinâmico e in-tegrado, corroborando com Moran (2007) sobre a perspectiva da uti-lização das mídias integradas à educação.

Com base nestas informações, tanto a parte expositiva da aula quanto os materiais utilizados para explicar os conteúdos foram adaptados, para melhor compreensão pelos alunos. Os slides utiliza-dos nas aulas foram ampliados com imagens de fácil interpretação, buscando diversificar as formas de explicar um mesmo conceito. Dessa forma ficou mais fácil para o aluno acompanhar a linha de raciocínio, pois ampliamos a compreensão dos conceitos básicos e gradativamente fomos construindo a compreensão até chegar a algo mais complexo.

O diálogo na construção da disciplina refletiu na participação de todos dentro da sala de aula, assim sendo, os grupos de alunos ci-tados inicialmente no texto acabaram sofrendo algumas alterações positivas. O grupo A e grupo C continuaram participando e tendo um bom desempenho nas aulas, o grupo Z acabou sendo o mais ati-vo dentro da sala de aula, com inúmeras contribuições e com desem-penho excelente.

O grupo que mais se distanciava dos demais, por não fazer as atividades solicitadas, tornou-se mais aplicado, passando a realizar as atividades e tendo uma melhora significativa em seu desempe-nho. Uma justificativa para essa diferença foi o fato das aulas terem

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se tornado mais dinâmicas e democráticas, o que segundo Not (1995) é algo motivacional para os alunos.

Considerações finaisAs reflexões das atividades pedagógicas em sala de aula são de ex-trema importância para uma aula direcionada ao aluno. Não existe uma única forma, ou a forma mais adequada, e muito menos uma regra para todas as turmas. Cada turma vai apresentar suas caracte-rísticas e preferências. É papel do educador entender essas perspec-tivas e buscar construir um ambiente mais acessível e democrático, pois isso certamente vai refletir no desempenho e nos valores que cada disciplina vai oferecer na vida acadêmica deste aluno.

ReferênciasALVES, L. R. G.; FRAGA, G. A. R.; SILVA, J. M. L. Construindo comunidades virtuais de aprendizagem: experienciando novas práticas pedagógicas. In: Conferência e LES’04, Aveiro, Portugal, out. 2004.

CAPLAN, S. Using focus group methodology for ergonomic design. Ergonomics, v. 33, n. 5, p. 527-33, 1990.

HYPOLITTO, D. O Professor Como Profissional Reflexivo. Integração, v. 5, n. 18, p. 204-205, 1999.

MORAN, J. Desafios na Comunicação Pessoal. 3 ed. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 162-166.

MOREIRA, M. A. Aprendizagem Significativa: Um Conceito Subjacente. Aprendizagem Significativa em Revista, v. 1, n. 3, p. 25-46, 2011.

NOT, L. As pedagogias do conhecimento. Rio de Janeiro: Ed Bertrand Brasil, 1995.

PARKER, S. O Livro do Corpo Humano. 2. ed. [s.l.]: Ciranda Cultural, v. 1, 2017

REIS, P. Observação de Aulas e Avaliação do Desempenho Docente - Cadernos do CCAP - 2. [s.l: s.n.], 2011.

RHEINGANTZ, M. G. T.; MACHADO, I. G. Histologia Básica Interativa, 2003. Livro eletrônico. Disponível em: http://wp.ufpel.edu.br/histologiainte-rativa. Acesso em: 13/06/2018.

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Olhar para a sala de aula no ensino superior: produção científica na área do turismo

juliana niehues gonçalves de lima14

É sabido que o Turismo possui grande relevância no contexto mun-dial. Seja por sua capacidade de arrecadação de divisas, pela absorção de postos de trabalho, pelo intercâmbio cultural ou por proporcio-nar lazer e descanso, este último, aparentemente cada vez mais ne-cessário pela rotina que parte expressiva da população tem adotado.

Para que a atividade turística seja empreendida em um sistema profícuo, que resulte na satisfação do cliente, o turista, e que bene-ficie a correspondente cadeia produtiva, é mister que o profissional qualificado para o Planejamento e Gestão desse setor de serviços, o turismólogo, tenha uma formação de qualidade. Nesse sentido, é fundamental que ele seja, no contexto de sua graduação e eventual pós-graduação, capacitado para tal. Para Trigo (2003), num mundo dinâmico, as profissões devem ser discutidas com rigor científico e crítica à formação profissional, esta última abarcando os aspectos sociais, culturais e mercadológicos. Ainda aponta o turismo e a edu-cação como pontos cruciais para repensar os novos tempos e a vida humana.

Assim, sinaliza-se a importância de estudar a sala de aula no con-texto do Ensino Superior em Turismo. Esta pesquisa tem por obje-tivo a realização de um estudo bibliométrico, de caráter descritivo, sobre a temática da sala de aula no Ensino Superior em Turismo, buscando apoiar reflexões e discussões para o desenvolvimento da Área Turismo.

Para isso, utilizou-se a Base de Dados “Publicações em Turismo”. Os termos de busca empregados foram “sala de aula” e “aula univer-sitária”. Para o termo “sala de aula” foram achados 11 artigos; e uti-lizando “aula universitária” um artigo. O artigo encontrado a partir da pesquisa do segundo termo também constava nos achados do pri-meiro termo, com isso a pesquisa contabilizou artigos para análise. A pesquisa foi realizada em julho de 2018. Os trabalhos que não pude-ram ser acessados na íntegra, em função dos respectivos periódicos hospedeiros não estarem disponíveis, tiveram seus resumos ana-

14. Universidade Federal do Rio Grande - FURG.

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lisados. Contudo, alguns dados não apareciam nos mesmos. Com isso, como poderá se perceber nas tabelas, algumas informações não constarão. O recorte temporal foi de 15 anos, compreendendo os anos de 2003 a 2017. Por meio da apreciação dos dados secundários (os artigos selecionados), analisou-se as seguintes variáveis: título, autoria, periódico hospedeiro, ano de publicação, integração de au-tores de Instituições de Ensino Superior-IES.

Assim, dos artigos encontrados, quatro foram descartados por abordarem o contexto escolar e não o universitário e um por ter sido publicado em 2001, ou seja, fora do período temporal estabelecido na Pesquisa. A seguir apresenta-se a tabela 1, com os títulos das seis obras validadas.

Tabela 1. Título das obras

Título n

A atuação do GTTAP-UFF no processo de gestão do Parque Estadual da Serra da Tiririca, RJ: conjugando ensino-pesquisa e extensão

1

Ensino-aprendizagem em um curso de hotelaria da cidade de São Paulo: percepções de alunos em uma nova abordagem de análise

1

A avaliação em sala de aula 1

Desafios para a educação no século XXI – a instrução permanente em hospitalidade – o SIP como técnica de ensino aprendizagem

1

Prática docente na formação do turismólogo 1

Turismo pedagógico: uma interface diferencial no processo ensino-aprendizagem 1

Total 6

Fonte: Dados da pesquisa (2018)

A tabela 2 demonstra os anos em que foram publicados os traba-lhos. Além de poucas obras, é possível observar um intervalo consi-derável, de dois anos, entre eles e que o último apresentado foi em 2013.

Tabela 2. Artigos por ano de publicação - período 2003 a 2017

Ano n

2013 1

2011 1

2009 2

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69Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

2007 1

2005 1

Total 6

Fonte: Dados da pesquisa (2018)

A seguir, a tabela 3 aponta os periódicos que hospedam os traba-lhos. Apesar da Base de Dados analisada, Publicações em Turismo, indexar 31, apenas quatro armazenam trabalhos vinculados à sala de aula e turismo.

Tabela 3. Artigos por Periódico

Revista n

Caderno Virtual de Turismo 1

Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo - RBTUR 2

Revista Brasileira de Docência, Ensino e Pesquisa em Turismo 2

Global Tourism 1

Total 6

Fonte: Dados da pesquisa (2018)

A tabela 4 apresenta o Qualis de cada periódico, ou seja, a es-tratificação de qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação. Pode-se perceber que os periódicos disponíveis possuem Qualis prestigiados, o que acaba por creditar às obras boa referência, considerando que se trata de programas e, consequente-mente, periódicos reconhecidos.

Tabela 4. Qualis por Periódico

Periódico Qualis n

Caderno Virtual de Turismo B1 1

Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo - RBTUR

A2 2

Revista Brasileira de Docência, Ensino e Pesquisa em Turismo15

- 2

15. Não será apresentado Qualis por não estar acessível.

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Periódico Qualis n

Global Tourism16 - 1

Total 6

Fonte: Dados da pesquisa (2018)

A tabela 5 apresenta os autores que escreveram as seis obras. Nota-se que nenhum teve mais de um trabalho na temática.

Tabela 5. Autoria das obras por ordem alfabética

Autoria n

Ada de Freitas Maneti Dencker 1

Airton José Cavenaghi 1

Aguinaldo Cesar Fratucci 1

Bernardete Angelina Gatti 1

Breno Platais Teixeira Brasil 1

Cristiano Raykil 1

Eladyr Boaventura Raykil 1

Karin Decker 1

Hilário Angelo Pelizzer 1

Marcia Maria Cappellano dos Santos 1

Roberta Leme Sogayar 1

Roseane Barcellos Marques Sousa 1

Thaís Funcia 1

Total 13

Fonte: Dados da pesquisa (2018)

Pode-se perceber na tabela 6 que dois dos trabalhos foram escri-tos por apenas um autor cada. Já quatro foram realizados através de parcerias. Destas, duas parcerias internas e duas externas em rela-ção às Instituições.

16. Não será apresentado Qualis por não estar acessível.

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Tabela 6. Integração de autores de Instituições de Ensino Superior - IES

Como apontamentos finais, considerando a importância do fe-nômeno do turismo e que a partir da formação em sala de aula é que os profissionais levarão maior ou menor qualidade para a sua atu-ação, é fundamental a investigação desse ambiente. Pelo número ínfimo de artigos, pondera-se que as análises em termos de identifi-cação de possíveis tendências fica limitada. Não se pode identificar se existe ou não um núcleo de pesquisadores/Instituições sobre essa temática. Tampouco se pode afirmar a existência de um periódico que se destaca como hospedeiro. Salienta-se, novamente, que qua-tro das seis obras foram efetuadas através de integração de autores de Instituições de Ensino Superior-IES.

Sinaliza-se que nos últimos quatro anos não se publicou sobre o tema, o que é preocupante caso essa amostra reflita o panorama na-

Título Autoria IES’s

A atuação do GTTAP-UFF no processo de gestão do Parque Estadual da Serra da Tiririca, RJ: conjugando ensino-pesquisa e extensão

Aguinaldo Cesar Fratucci Universidade Federal Fluminense

Breno Platais Teixeira Brasil Centro Universitário Anhanguera de Niterói

Ensino-aprendizagem em um curso de hotelaria da cidade de São Paulo: percepções de alunos em uma nova abordagem de análise

Airton José Cavenaghi Universidade Anhembi Morumbi

Karin Decker Universidade Anhembi Morumbi

Roberta Leme Sogayar Universidade Anhembi Morumbi

Roseane Barcellos Marques Sousa

Universidade Anhembi Morumbi

Thaís Funcia Universidade Anhembi Morumbi

A avaliação em sala de aula Bernardete Angelina Gatti Fundação Carlos Chagas

Desafios para a educação no século XXI – a instrução permanente em hospitalidade – o SIP como técnica de ensino- aprendizagem

Ada de Freitas Maneti Dencker Universidade Anhembi Morumbi

Hilário Angelo Pelizzer Fundação Armando Álvares PenteadoFaculdade Técnica de São Paulo

Turismo pedagógico: uma interface diferencial no processo ensino-aprendizagem

Cristiano Raykil Instituto Federal da Bahia

Eladyr Boaventura Raykil Instituto Federal da Bahia

Prática docente na formação do turismólogo

Marcia Maria Cappellano dos Santos

Universidade do Vale do Itajaí

Fonte: Dados da pesquisa (2018)

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cional. Ainda os títulos sugerem subtemáticas diversas, apontando--se um amplo e longo caminho de análise sobre o contexto da sala de aula no Ensino Superior em Turismo.

Um limitador da pesquisa é que outros indexadores podem hos-pedar trabalhos sobre a temática turismo até mesmo pelo seu cará-ter multidisciplinar. Com isso, não se afirma aqui que o contexto da sala de aula no ensino superior em turismo não é estudado no Bra-sil. Porém, pode ser um indicador, já que “Publicações em Turismo” indexa 31 periódicos relevantes para a Área. Nesse sentido, percebe--se a necessidade de mais estudos na Área.

Acreditando que o cenário apontado reflita a realidade e consi-derando que o volume de produção científica em uma determina-da temática resulte na consolidação da mesma e, ainda, que estudos das subtemáticas indicam a representatividade dentro dessa temáti-ca guarda-chuva, pode-se inferir que o turismo é visto, de maneira geral, como uma atividade substancialmente prática e que prescin-de de estudos que confiram caráter de ciência para a Área. Assim, é indispensável que pesquisadores e docentes pesquisadores deem atenção para o estudo do ambiente da sala de aula, principalmente estes últimos, pelo interesse direto, por tratar-se de seu campo de atuação. Deve-se destacar que o estudo do Turismo é relativamente recente e com isso prevê-se uma longa trajetória para sedimentar o saber nesse campo.

ReferênciasDECKER, K.; CAVENAGHI, A. J. SOGAYAR, R. L.; SOUSA, R.B.M.; FUNCIA, T. Ensino-aprendizagem em um curso de hotelaria da cidade de São Paulo: percepções de alunos em uma nova abordagem de análise. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 101-117, 2011.

FRATUCCI, A. C.; BRASIL, B. P.T. A atuação do GTTAP-UFF no processo de gestão do Parque Estadual da Serra da Tiririca, RJ: conjugando ensino-pes-quisa e extensão. Caderno Virtual de Turismo, Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p. 425-440, 2013.

GATTI, B. A. A avaliação em sala de aula. Disponível em: http://www.publi-cacoesdeturismo.com.br/ref.php?id=4118. Acesso em: 17 jul. 2018.

PELIZZER, H. A.; DENCKER, A. F. M. Desafios para a educação no século XXI - a instrução permanente em hospitalidade - o SIP como técnica de en-sino aprendizagem. Disponível em: http://www.publicacoesdeturismo.com.br/ref.php?id=4122. Acesso em: 17 jul. 2018.

RAYKIL, E. B.; RAYKIL, C.Turismo pedagógico: uma interface diferencial no processo ensino-aprendizagem. Disponível em: http://www.publicaco-esdeturismo.com.br/ref.php?id=1753. Acesso em: 17 jul. 2018.

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73Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneosPARTE I

SANTOS, M. M. C. Prática docente na formação do turismólogo. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 84-109, 2007.

TRIGO, L. G. G. A sociedade pós-industrial e o profissional em turismo. 7. ed. Campinas: Papirus Editora, 2003. (Coleção Turismo).

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Docente universitário e ensino

gislaine marli da rosa kalinowski17

IntroduçãoO presente artigo integra parte da pesquisa de mestrado18 que con-duzi no Programa de Pós-graduação em Educação da Universida-de Federal Fluminense. Nela investiguei quais são as concepções de universidade que possuem cinco docentes com formação na área de humanas e que atuam em licenciaturas em Ciências Biológicas, Físi-ca, Matemática e Química em uma universidade federal. No campus onde trabalham são, em um conjunto de aproximadamente 200 pro-fessores, as únicas docentes que possuem formação na área de hu-manidades, atuando com disciplinas dessa área. Tal peculiaridade ajudou a definir os sujeitos de pesquisa. Por serem um grupo muito específico e pequeno mantenho o sigilo tanto dos seus nomes como da instituição. Para identificá-las utilizo os nomes Ana, Antônia, Ja-naína, Maria e Nieja. Além de informar que é uma universidade fe-deral, é importante delimitar que fica na região Sudeste do país, que a instituição conta com quatro campi, dois na capital, um no Norte do Estado e outro no Sul, que é onde as professoras atuam. O campus cresceu fortemente com o Programa de Apoio a Planos de Reestrutu-ração e Expansão de Universidades Federais (REUNI): saltou de um curso ofertado desde a década de 1970 até o início dos anos 2000 para os atuais 17 cursos.

Esse trabalho aborda um recorte mais específico, focando em vá-rios aspectos relacionados ao Ensino. Contudo, a universidade, já na sua baliza legal, diz que Ensino, Pesquisa e Extensão são indissociá-veis e, portanto, várias vezes será preciso integrar essas esferas.

17. Universidade Federal Fluminense, CAPES, FAPERJ. “O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001”. Con-tou ainda com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

18. Dissertação defendida em fevereiro de 2019, sob a orientação do Prof. Dr. Igor Vinicius Valentim, a quem agradeço pela dedicação à orientação, que acabou por possibilitar o presente artigo.

PARTE II

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O desenho metodológico é alicerçado no método “Entrevista Compreensiva” (KAUFMAMM, 2013). Foram realizadas entrevistas a partir de um roteiro, próximo à chamada “entrevista semidireti-va”. Antes de ir a campo propriamente o roteiro foi experimentado em uma entrevista teste, após foram promovidos ajustes. Um pri-meiro tratamento foi feito com a transcrição. A partir destas, jun-tamente com inúmeras audições, foram escritas fichas de análise. Já durante a escrita eu produzi três tipos de fichas: i) gerais, com qualquer coisa que me chamasse atenção, eu procurava anotar a pá-gina onde se encontrava na transcrição; ii) de associação entre ou-tras entrevistas; iii) de referências ou conceitos que a entrevista me remetia. A partir delas foi feita a redação das análises. As fichas se mostram bastante úteis para escrita, já que pude contar com um material organizado, muitas vezes já associado com a literatura. Os itens subsequentes dizem respeito à análise dos dados referentes ao objeto do presente artigo.

Tornar-se professoraO sociólogo Max Weber, no início do século passado, afirma em re-lação ao postulante a uma vaga como professor universitário: “Ele deve ter qualificações não só como pesquisador, mas também como professor. Essas duas coisas não são nem idênticas, nem insepará-veis” (WEBER, 1989, p. 140). O autor aponta para a necessidade de um profissional que consiga articular qualidades enquanto profissional da pesquisa e docente, reconhecendo que para cada uma delas há es-pecificidades. Ainda que não necessariamente excludentes, as ca-racterísticas enquanto professor e pesquisador não são as mesmas. O trecho ainda nos lembra que tais qualidades não necessariamen-te se agregam, podem estar separadas. Um professor universitário deve ser ao mesmo tempo pesquisador e docente, mas estabelecer-se com uma das qualidades não dá garantia de que a outra esteja pre-sente. Os princípios trazidos por Weber permanecem presentes na universidade brasileira atual, que torna indissociável ensino e pes-quisa, somando ainda a necessidade de extensão. O contexto profis-sional das informantes se apresenta dentro dessa perspectiva.

De uma forma geral o caminho percorrido pelo docente univer-sitário vem de um processo de formação enquanto pesquisador na pós-graduação. Cuadrado (2015) argumenta que professores univer-sitários chegam à docência com pouca ou nenhuma formação pe-dagógica, construindo uma carreira que, a princípio, não previa o magistério e que este chega em decorrência da formação em pós--graduação strictu sensu. Um estudo conduzido por Pryjma e Oli-

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veira (2016) sobre o desenvolvimento profissional de professores de uma universidade federal, apontou que os sujeitos daquela pesqui-sa não tinham o magistério como primeira perspectiva ao iniciar sua formação acadêmica. No entanto, as informantes dessa pesqui-sa não se aproximam com as pesquisas de Cuadrado (2015) e Pryjma e Oliveira (2016) uma vez que escolheram ser professoras desde o iní-cio.

As informantes quase sempre iniciaram o relato com a reme-moração da infância entre brincadeiras de escolinha, onde sempre cumpriam papel de zelosas professoras. Maria conta que chegava a fazer planejamento para brincar com a irmã que era obrigada a fa-zer todas as tarefas dadas por ela. O magistério foi a primeira opção de ingresso na faculdade de todas. Aquelas que não fizeram forma-ção de professores já enquanto cursavam o Ensino Médio (na época em que estudavam era chamado Segundo Grau) foi devido à ausên-cia de oferta na região onde moravam, pois todas tinham muito pre-cocemente o Magistério como perspectiva profissional. Quatro das docentes são formadas em Pedagogia, somente Nieja é Licenciada em História.

Maria percebeu já durante a graduação em Pedagogia que o exer-cício na Educação Básica não lhe seria satisfatório e recebeu conse-lhos de seus professores para seguir carreira acadêmica, ingressando imediatamente após a formatura no mestrado na mesma instituição em que estudava. Ainda que tivessem perspectivas de atuar na Edu-cação Básica, o bom desempenho acadêmico de Ana e Antônia na graduação as levaram a ingressar, como Maria, imediatamente no mestrado após a conclusão da graduação, na mesma universidade em que já estudavam.

Após o ingresso na pós-graduação a carreira como professora universitária veio quase como consequência. Enquanto faziam mes-trado e doutorado atuaram como professoras substitutas na Insti-tuição Federal de Educação Superior (IFES) onde hoje são efetivas. De forma distinta ao apontado tanto no estudo de Cuadrado como no de Pryjma e Oliveira, todas têm formação enquanto professoras e o exercício do magistério sempre esteve em seu horizonte. Se o mo-delo de pós-graduação (acadêmica) é relativamente homogêneo e privilegia a formação para a pesquisa, todas têm uma licenciatura como graduação.

O caminho percorrido por Janaína e Nieja já difere um pouco, pois ambas têm uma passagem pela Educação Básica antes de in-gressar no Mestrado. Janaína leva dois anos atuando como professo-ra efetiva de um município, antes de se exonerar do cargo ocupado, para se dedicar exclusivamente à pós-graduação.

PARTE II

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Nieja aos poucos vai se inserindo no magistério superior, primei-ro na iniciativa privada, depois como substituta na IFES em que hoje é efetiva, só que em um campus da capital. O concurso para professo-ra de LIBRAS, com dedicação exclusiva, que exigiu mestrado como titulação, promoveu a troca por parte de Nieja da Educação Básica pela Educação Superior. Com a carreira passando entre professo-ra de História na Educação Básica ao mesmo tempo que especialis-ta em LIBRAS, não só como tutora, mas também como professora concursada em um município da região metropolitana da capital do Estado e o magistério em uma faculdade privada, acabou decidindo fazer mestrado em Educação. Nieja explicita que foi sua relação com a LIBRAS que a acabou levando para a Educação Superior:

Um encontro pessoal que eu tive de vida, de ter conheci-do uma pessoa que é surda e ter aprendido LIBRAS com ela quando eu ainda era criança. Né, então, assim o fato de ter esse conhecimento, depois fez com que eu me en-contrasse com ele mais tarde e me tornasse professora de LIBRAS da Educação Básica em primeiro lugar e depois do Ensino Superior (NIEJA).

Docentes e ensinoA organização formal de uma universidade vislumbra três alicerces: ensino, pesquisa e extensão. Essa é a definição dada pelo Ministério da Educação (MEC). Esse é o tripé propagado pela instituição. Ainda que não haja a necessidade de que um mesmo docente se dedique às três frentes, a universidade como um todo deve ser capaz de se cons-truir com essas três formas de trabalhos. As informantes têm bas-tante clareza disso e todas afirmam estar de alguma forma ligadas às três atividades.

As cinco foram convidadas a hierarquizar as três atividades: Ana, Antônia e Nieja apontam francamente o ensino como sendo a fun-ção mais importante em uma universidade. Nieja especifica que o principal é o ensino na graduação. Maria e Janaína não dissociam as três funções, afirmam que por mais que se possa envolver mais em uma ou em outra, as três são fundamentais para a constituição da instituição. Não obstante, ambas afirmam que o trabalho com ensi-no é o que mais gostam de exercer. Para todas o ensino é a atividade com que mais se identificam e gostam de executar, todas valorizam essa função.

PARTE II

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78Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Questionadas sobre a percepção dos colegas de outras áreas do campus, que não as de Educação, sobre essa hierarquia, se seria pró-xima à perspectiva delas, reconhecendo a importância do ensino, todas afirmaram acreditar que boa parte do prestígio se encontra na pesquisa. As falas giraram em torno da valorização das publicações, seja em quantidade, seja em qualidade.

É sintomático que, mesmo afirmando a primazia do ensino, dis-cutindo o produtivismo científico, Antônia e Nieja tenham usado como elementos para a própria fala o fato de entre as quatro unida-des da universidade ser aquela à qual pertencem a que mais publica. Ainda que se coloquem com uma perspectiva diferente dos demais professores, não deixam de usar os elementos reconhecidos por eles como agregadores de capital simbólico para delimitar o espaço que ocupam.

O sentido dado pelas professoras à pesquisa também é importan-te para que se possa entender como ela se apresenta. É preciso ter em mente que além do trabalho de produção do conhecimento científi-co, todas valorizam a circulação do mesmo, colocando a universida-de como vetor, principalmente em atividades como eventos, grupos de pesquisa e estudo. Uma das justificativas dadas para se privile-giar o ensino foi justamente uma suposta capacidade intrínseca de agregar a pesquisa. Nieja (2017) afirma: “para mim não existe profes-sor que não é pesquisador.” Esse pesquisador não necessariamente é o produtor do conhecimento, aquele que faz a pesquisa científica, mas aquele que se atualiza e está a par do que de melhor e mais novo se discute na área. O marco do tripé universitário está mais próximo do pesquisador como aquele que produz o conhecimento científico, está garantido na instituição como um todo e não em cada profis-sional singularmente. Entretanto, um professor para exercer bem a docência precisa estar atualizado com o conjunto dessa produção, de forma mais significativa ainda se atua numa instituição que tem como base construí-la. A esse preparo, a essa capacitação, também é atribuído o sentido de pesquisa por parte das entrevistadas.

Relação com os alunosUm viés que não deve ser negligenciado ao se pensar sobre Ensino são as relações estabelecidas entre professores e estudantes. Essas pessoas escolheram o magistério como primeira opção profissional. Ainda que a delimitação pela Educação Superior tenha vindo poste-riormente e deem especial importância ao trabalho em sala de aula, é importante destacar como essas mesmas pessoas enxergam as re-lações estabelecidas com os estudantes.

PARTE II

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De forma geral a resposta sempre começa com algo no sentido de uma relação amistosa, respeitosa, entre as partes. Ao serem pergun-tadas diretamente, todas responderam da mesma forma. Contudo, no decorrer da entrevista e mesmo durante as observações em cam-po, foram percebidas nuances nessa relação amistosa, respeitosa.

Janaína foi a única a manter uma fala uniforme nesse sentido: “Os alunos aqui são dedicados. Não sei se também porque eles... a maioria, acho, dos que estudam aqui, principalmente na licenciatu-ra, não são daqui, então eles têm uma dedicação grande aos estudos” (JANAÍNA, 2018). Mais adiante a professora reforça a prontidão e boa vontade dos alunos em participar de atividades. Essa profes-sora mantém com alguns alunos da instituição, em conjunto com algumas pessoas da cidade, um grupo de estudos de Relações Étni-co-Raciais. Também, antes mesmo de completar seu primeiro ano na instituição, organizou um seminário sobre o tema. A docente im-puta ainda na relação cordial, no entusiasmo e vontade de aprender dos discentes, um fator para a promoção da autoformação.

Ana, Antônia, Maria e Nieja já apresentam um discurso um pouco diferente. A relação é boa e respeitosa, porém há dificulda-des na condução das disciplinas. Ana, Antônia e Maria atribuíram a alta carga de leitura, em uma área distinta daquela da formação específica, como sendo um dos elementos que torna a receptivida-de por parte dos alunos difícil. Maria acredita não ser das professo-ras mais queridas entre os licenciandos justamente porque o tipo de conhecimento com que ela trabalha se estabelece através de leitura e reflexão, é mais abstrato e menos ‘funcional’, em contraposição à disciplina de LIBRAS, que Nieja leciona e é altamente instrumental. Ainda que Nieja afirme que [...] “eu escuto muito os alunos que vêm pra minha disciplina de LIBRAS que são de outros cursos reclama-rem que não têm a atenção que têm na minha disciplina” (NIEJA, 2017), a professora assinala que muitas vezes falta comprometimen-to dos alunos com o aprendizado e que problemas com plágio, por exemplo, estão ficando cada vez mais comuns no trabalho.

Ana e Antônia tem uma fala muito próxima em que afirmam sen-tir falta, principalmente por parte dos alunos, da vivência, nas pa-lavras de Antônia (2018), de um “viver a universidade”; e na de Ana (2018) de um “ar de educação”. Esse ar ou vivência são expressões usadas por elas para designar um ambiente, um espaço onde a for-mação universitária fosse feita de forma mais complexa, com ações que extrapolassem a aula. Ambas marcam fortemente a distância com a capital, onde o campus conta com uma faculdade de Educação que promove eventos e possui inúmeros grupos de pesquisa e proje-tos de extensão diretamente ligados à Educação, como um fator que

PARTE II

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afasta os alunos das discussões diretamente relacionadas à forma-ção de professores.

Essa é uma questão importante, uma vez que deixa extrema-mente clara a posição de que a formação dentro da universidade, na concepção dessas docentes, precisa ir para além da aula. É pre-ciso um “ar”, um meio que favoreça essas outras ações, mais ligadas à pesquisa e à extensão. Ambas assinalam que uma das funções da pós-graduação recém-criada na unidade é contribuir com esse am-biente, que ainda é árido no campus. Pode-se aproximar a essa visão a postura de Janaína, que de pronto procurou promover ações nes-se sentido.

Ana aponta ainda uma questão que não é menos relevante nas relações estabelecidas entre discentes e docentes: elas estão lá sobre-tudo para atender às licenciaturas, para trabalhar com formação de professores, e há uma parcela significativa de alunos que não tem o magistério como perspectiva:

[...] Então, tentar, nesse primeiro momento, identificar aqueles que realmente estão aqui porque acreditam e querem ser professores, tem o desejo de ser professor e aqueles que estão aqui, mas ainda não tem um rumo. E uma terceira classe que são aqueles que não querem es-tar aqui, eles estão fazendo porque é próximo para mu-dar para o curso X. Esse primeiro que tem o desejo, tran-quilo. O segundo grupo que aqueles que estão aqui, mas não sabem o que querem, é esperança. Poxa, ele não dis-se nem sim nem não, então ainda está na dúvida, então quem sabe no decorrer da disciplina ele vai se apaixo-nando e ele muda a perspectiva. O terceiro grupo, quan-do ele já tem essa questão eu não quero ser, estou aqui só para fazer, continuo apostando nele, quem sabe até o fim do semestre ele mude. Então a primeira questão que eu faço é justamente essa: de discutir com eles o que signifi-ca ser professor (ANA, 2018).

Esse componente, de trabalhar com formação de professores, com sujeitos que muitas vezes não desejam ser professores e estão ali porque foi o curso que conseguiram vaga e é ligeiramente próxi-mo ao que de fato gostariam, ajuda a moldar as relações entre as pro-fessoras e seus discentes.

Outra questão é trazida por Antônia, que relata a separação mui-to forte entre as disciplinas específicas da área e as pedagógicas, sen-do as primeiras mais valorizadas:

PARTE II

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[...] Aqui infelizmente é muito sério essa divisão do que é área pedagógica e área específica. Que eles chamam de es-pecífica, que é do curso, área da Física, área da Química. [...] Quem conseguiu fazer essa, essa dicotomia? Porque eu não consigo desvincular Biologia de Física, eu não consigo desvincular Filosofia de Matemática. Porque o nascedouro de toda ciência é a Filosofia. [...] Por mais que a gente faça o exercício reflexivo, e trata bem, e tente tra-zer a reflexão eles não dão o valor adequado a nossa disci-plina (ANTÔNIA, 2018).

As disciplinas pedagógicas são vistas, portanto, como menos sig-nificativas para a formação, ainda que estejam em cursos de licen-ciatura. Essa perspectiva, somada ao número de alunos que cursam licenciatura, mas não desejam ser professores, são elementos im-portantes para que se entenda a perspectiva de Ana, Antônia, Ma-ria e até certo ponto Nieja, de que há dificuldades com o trato com os alunos.

Considerações finaisPercebe-se ao longo do texto as especificidades do grupo estabeleci-do como sujeito de pesquisa. Além de ser constituído por professo-ras que possuem formação na área de Humanas, trabalhando com disciplinas pedagógicas, suas histórias diferem do que a literatura tem mostrado ser o caminho mais comum. Essas docentes universi-tárias são antes de tudo professoras. Ainda que pesquisa e extensão sejam reconhecidas como parte importante do trabalho o sentido de sua atividade está no Ensino.

Essa é uma relação complexa, uma vez que é na pesquisa que se encontra o maior reconhecimento e o trabalho no Magistério Supe-rior. Especialmente em instituições federais, implica em uma gama de atividades que impõe funções administrativas-burocráticas além das de ensino, pesquisa e extensão. Ainda assim, há uma resposta uniforme das cinco informantes trazendo o foco principal ao Ensi-no.

É com essa atividade que elas se realizam profissionalmente. É esse o aspecto que elas encaram como capaz de agregar todos os ou-tros e tem o maior peso ao dar sentido as suas funções. Contudo, a história dessas professoras contradiz a percepção das mesmas em relação aos colegas – para todas os demais professores, fora os da área de Educação, valorizam a pesquisa mais do que o ensino. Tam-bém divergem do que aponta Cuadrado (2015) e Pryjma e Oliveira

PARTE II

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(2016) sobre as maneiras como os pós-graduandos acabam virando professores universitários.

Essas indicações são importantes não só por marcarem uma pro-funda diferença com elementos mais comuns de formação, como também por indicarem que estes se encontram atuando nas licen-ciaturas. São professores que formam professores e que gostam de ser professores. Isso não é pequeno. Em uma sociedade em que li-cenciaturas estão entre os cursos de menor prestígio nas carreiras universitárias pode-se considerar um apoio na valorização do ma-gistério.

ReferênciasANA. Entrevista V. [mai - jun 2018] Entrevistadora: Gislaine Marli da Rosa Kalinowski. [s. I.] 2017. 2 arquivos.mp4 (62 min; 6 min.).

ANTÔNIA. Entrevista IV. [mai 2018] Entrevistadora: Gislaine Marli da Rosa Kalinowski. [s. I.] 2017. 1 arquivo .mp4 (40 min.).

CUADRADO. C. R. A. Professores Universitários: Caminhos Profanos. São Paulo, 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em: http://www.te-ses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-05042016-134129/pt-br.php. Acesso em: 03 ago. 2017.

JANAÍNA. Entrevista III. [abr 2018] Entrevistadora: Gislaine Marli da Rosa Kalinowski. [s. I.] 2017. 1 arquivo .mp4 (55 min.).

KAUFMANN, J. C. A Entrevista Compreensiva. Um guia para a pesquisa de campo. Petrópolis: Vozes; Maceió: Edufal, 2013.

MARIA. Entrevista I. [out 2017] Entrevistadora: Gislaine Marli da Rosa Kalinowski. [s. I.] 2017. 1 arquivo .mp4 (83 min.).

NIEJA. Entrevista II. [out 2017] Entrevistadora: Gislaine Marli da Rosa Kalinowski. [s. I.]2017. 1 arquivo .mp4 (45 min).

PRYJMA, Marielda Ferreira; OLIVEIRA, Oséias Santos de. O Desenvolvimen-to Profissional dos Professores da Educação Superior: reflexões sobre apren-dizagem para a docência. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 37, n. 136, p. 841-857, jul./set. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/2016nahead/1678-4626-es-ES0101_73302016W151055.pdf. Acesso em: 04 nov. 2017.

WEBER, M. Sobre a Universidade. São Paulo: Cortez, 1989.

PARTE II

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Construindo novos caminhos para a docência na educação superior

mariangela kraemer lenz ziede19

rosane aragón20

Cenário do estudoConsiderando o cenário de expansão da educação a distância e as possibilidades de articular novos modelos pedagógicos com o uso das tecnologias digitais, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul realizou uma experiência na formação de professores por meio do Curso de Graduação – Licenciatura em Pedagogia a distância (PEAD). O Curso, em sua primeira edição, foi oferecido como um programa especial, que ofertou 400 vagas, distribuídas em cinco po-los de apoio presencial e foi destinado a professores em exercício na rede pública de ensino do Rio Grande do Sul. O PEAD foi desenvol-vido em nove semestres, a partir de um currículo diferenciado, or-ganizado em interdisciplinas, que buscou articular teoria e prática, bem como incentivar a autonomia e a construção coletiva, visando a constituir uma rede de aprendizagem.

O Curso utilizou predominantemente metodologias problemati-zadoras e materiais interativos na web. No PEAD, o planejamento pedagógico e a produção de materiais didáticos digitais buscaram dar suporte a práticas inovadoras. O deslocamento do uso de mate-rial impresso, do tipo apostilas ou fascículos, para o uso intensivo dos materiais interativos na web foi proposto para viabilizar a im-plementação de arquiteturas abertas visando à construção de co-nhecimento, à ampliação das interações, o acesso a múltiplas fontes de informação e à realização de trabalhos colaborativos (NEVADO E MENEZES, 2012). Tanto as propostas pedagógicas quanto os mate-riais digitais foram readequados durante a realização do curso, con-siderando o ritmo dos alunos e as novas necessidades que surgiram no desenvolvimento das interdisciplinas.

19. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

20. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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A avaliação das aprendizagens foi realizada de forma processu-al, a partir do desenvolvimento de atividades interdisciplinares, da produção de portfólios de aprendizagem (narrativas individuais) elaborados durante o desenvolvimento de cada eixo e de uma pro-dução textual (síntese-reflexiva) realizada ao final de cada semestre e apresentada oralmente em um workshop de avaliação.

O curso propôs aos alunos uma série de desafios, solicitando protagonismo, uso de tecnologias digitais, trabalho colaborativo, gerenciamento do tempo etc. Mas os docentes também foram desa-fiados pelas formas diferenciadas de trabalho propostas pelo curso. O acompanhamento do trabalho desenvolvido pelos docentes du-rante o PEAD, envolvendo reconstruções da docência em diferentes dimensões, despertou o nosso interesse na pesquisa que teve como objetivo principal investigar como um grupo de docentes da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) enfrentou desafios e (re)construiu novos caminhos para a docência a partir da sua atua-ção no PEAD.

Sobre inovação e formação de professores Moran (2012), Almeida e Valente (2011) dizem que o uso das tecno-logias pode levar os professores à variação dos materiais utilizados no processo de aprendizagem, especialmente na Educação a Distân-cia. Esses autores afirmam que é fundamental buscar novos mode-los, novos métodos e novas abordagens.

Segundo Almeida e Valente (2011) é preciso privilegiar processos de formação que permitam o movimento teoria à prática e vice-ver-sa, levando o docente a perder o medo e a olhar para suas próprias práticas, desconstruí-las e construí-las a favor dos alunos, pois é preciso compreender a necessidade de ir além do currículo do lápis e do papel utilizado para representar e explicitar os conhecimentos dos alunos.

As argumentações de Leite (2005) defendem a inovação nos pro-cessos educativos, propondo que os docentes reflitam sobre um “bom ensino”, no sentido de se construírem novos paradigmas para a aprendizagem. É preciso que se crie uma cultura acadêmica nos cursos de graduação que possibilite o pensamento autônomo e situa-ções de resolução de problemas, que estimule a discussão, desenvol-va novas metodologias de busca e de construção de conhecimentos, que ligue a pesquisa com a prática dos alunos, tentando chegar a uma prática interdisciplinar.

Carvalho (2009), na tese intitulada “A educação a distância e a formação de professores na perspectiva dos estudos culturais”, re-

PARTE II

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alizou uma análise de vários cursos na modalidade a distância, den-tre eles o PEAD. Carvalho (2009) concluiu que a proposta do PEAD é inovadora não apenas no que diz respeito à avaliação, mas, sobre-tudo, nas concepções de aprendizagem e no papel de professores e tutores, com definições de funções e atribuições bem diferenciadas das dos demais cursos. Ao contrário de outras propostas que buscam uma suposta neutralidade nas relações entre professores/tutores/alunos, o curso “[...] promove exatamente o contrário, a consolida-ção de vínculos, por acreditar que é a partir dessa relação que será realizada a aprendizagem” (CARVALHO, 2009, p. 200-201). O PEAD, como concluiu Carvalho, desde o início foi voltado a redes de intera-ção e colaboração nos ambientes, nas avaliações e nas listas de dis-cussão, procurando abrir espaços para o debate.

Analisando trajetórias e desafios a partir dos dados produzidosO critério de escolha dos participantes considerou aqueles que tra-balharam dois ou mais semestres no curso e que apresentavam pou-ca ou nenhuma experiência em Educação a Distância. Os seis docen-tes participantes do estudo encontravam-se na faixa etária entre 40 e 60 anos, todos com longa experiência na docência em nível supe-rior, na modalidade presencial. Neste estudo, os dados analisados foram produzidos considerando os registros escritos, bem como os de áudio e vídeo publicados nos ambientes virtuais, as entrevistas realizadas com os docentes e o diário de campo das pesquisadoras, analisados de forma qualitativa. O Quadro 1 mostra uma descrição dos aspectos considerados na análise, as respectivas formas de re-gistro e indicação dos exemplos apresentados neste artigo.

Quadro 1. Aspectos, fontes e exemplos

PARTE II

Aspectos analisados Fontes dos dados Exemplos citados na análise

Concepções de Educação a Distância, suas possibilidades, métodos e avaliações

Registros de reuniões presenciais e áudios de trocas realizadas virtualmente; Filmagens de entrevistas presenciais

Extrato 1

Processo de apropriação dos ambientes

Registros escritos das reuniões preparatórias e das sessões online de esclarecimento de dúvidas

Extrato 2Extrato 3

Desenvolvimento do trabalho em equipe

Registros de reuniões com docentes e com tutores; Registros em diário de campo e depoimentos filmados de docentes

Extrato 4Extrato 5

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A análise considerou os cinco principais desafios enfrentados pelo grupo de docentes no PEAD.

Início das trajetórias e as ideias iniciais sobre educação a distânciaAo ingressarem no PEAD, os docentes, na sua maioria, manifesta-ram desconfianças sobre as possibilidades e a qualidade dos pro-cessos de educação a distância, já que tomavam como referenciais cursos a distância baseados no uso de apostilas ou fascículos e sem interação aluno-professor.

Na fala inicial sobre EAD, os docentes manifestaram seus receios não apenas em relação à modalidade, mas também em relação ao uso da tecnologia. Considerando que o Curso propôs um uso inten-sivo das TDIC e do material digital, e que o uso das tecnologias ainda não foi disseminado na educação presencial, as questões levantadas pelos docentes mostravam as suas preocupações em aderir a um tra-balho que pudesse, como aponta um dos sujeitos, “deixar o aluno mais passivo”, ou ainda que o uso das tecnologias na EAD “não per-mitiria uma sofisticação teórica e intelectual em função da falta de diálogo presencial”.

O “diálogo a distância” ainda não se constituía um “possível”, ainda não era concebível antecipar formas de interação que se cons-tituíssem sem a face a face da sala de aula. No entanto, essas reservas e cuidados para não repetir as formas de trabalho criticadas e não contribuir para a precarização do trabalho docente e a diminuição da qualidade do ensino serviram para que os docentes encarassem o PEAD como um desafio e buscassem qualificá-lo, participando da construção conjunta a partir do projeto do Curso.

PARTE II

Aspectos analisados Fontes dos dados Exemplos citados na análise

Formas de mediação realizada pelos docentes

Registros de intervenções em fóruns virtuais de interação com os alunos; Propostas e comentários nas atividades realizadas pelas alunas nos ambientes

Extrato 6

Criação de propostas pedagógicas e materiais

Registros em diário de campo Registro em lista de discussão

Extrato 7Extrato 8

Percepção e reflexões dos docentes sobre a experiência

Filmagens de entrevistas presenciais Extrato 9

Fonte: Autoras

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Os docentes, acostumados a frequentar a universidade presen-cial, sentiam falta de ver os alunos pelas salas e corredores. O tra-balho realizado de casa ou de qualquer outro espaço causava algum estranhamento: um dos docentes refere-se ao trabalho dos tutores, perguntando “como eu vou saber se ele está realizando as suas tare-fas?” Essa perda dos referenciais do trabalho presencial foi marcan-te nos primeiros momentos do curso e manifestada pelas solicitações dos docentes de realizarem encontros presenciais além dos previs-tos pelo Curso, como uma forma de “garantia” de aprendizagem. Es-ses encontros presenciais tiveram uma consequência importante, já que os docentes puderam perceber que os vínculos com as professo-ras-alunas não estavam iniciando no face a face, mas que já começa-ram antes, nas interações a distância.

Quando chegavam ao polo, sentiam que já conheciam cada uma das professoras-alunas, devido às interações realizadas nos ambien-tes. E elas, por terem incorporado a dinâmica do trabalho, também já manifestavam uma proximidade com os docentes e com os tuto-res. Essa interação era realizada por chat, na lista de discussão, nos blogs, nos PBworks ou mesmo nos fóruns, nos quais discutiam teo-ria, angústias e superações.

Os desafios da criação de propostas e materiais pedagógicos digitaisAs trajetórias dos docentes e suas reflexões sobre essas trajetórias mostram que um dos maiores desafios foi a criação de propostas e materiais pedagógicos digitais para a EAD, que partissem da prá-tica dos alunos. O objetivo era que fossem melhor compreendidos para o estudo teórico e, em decorrência, resultassem em melhorias nas práticas (“fazer-compreender-refazer”), dentro de uma ideia de construção compartilhada, com interações entre alunos, professo-res e tutores.

Nesse sentido, o trabalho em equipe teve um papel fundamen-tal. Os dados levantados mostraram que os docentes já mantinham um relacionamento com os colegas, formando as equipes por áreas e também por afinidade. Essas afinidades teóricas e afetivas, que se configuram como uma das condições para que se estabeleça o diálo-go, já estavam estabelecidas como ponto de partida, favorecendo as discussões sobre as propostas e materiais.

Nós trabalhamos muito em equipe. Tivemos várias reu-niões presenciais e a distância. Isso foi um diferencial dos outros cursos, um investimento muito grande, não

PARTE II

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88Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

só porque a coordenação chamava para várias reuniões – e não eram reuniões administrativas, eram reuniões de muito trabalho para discutir as interdisciplinas. Muitas reuniões presenciais. Essa foi uma característica perma-nente no nosso trabalho (Extrato 4, docente 1).

Os docentes realizavam reuniões constantes e, em alguns casos, as equipes de duas ou três interdisciplinas discutiam, tentando tra-balhar de forma integrada e buscando práticas interdisciplinares.

Essas constatações apoiam a opção do curso quanto à formação de equipes docentes para a elaboração dos materiais e também para a atuação nas interdisciplinas, já que o apoio dos colegas docentes foi decisivo não apenas nos momentos iniciais, quando os docentes ainda buscavam compreender a como elaborar um material digital, projetar uma arquitetura pedagógica. Ele seguiu sendo importante, pois a cada etapa os docentes enfrentavam diferentes desafios.

Os dados analisados mostram que, gradualmente, os docentes conseguiram avançar na superação desses desafios, seja pelo apoio das equipes do Curso, por um maior conhecimento da realidade e das necessidades dos alunos, pela análise dos resultados das propos-tas em ação ou mesmo por essa conjunção de fatores.

[...] mudamos muitas coisas... havia muito material. Quando iniciou a disciplina, começamos a pensar em como utilizar os materiais, repensando a proposta peda-gógica de uso a partir da realidade dos alunos que tínha-mos (Extrato 2, docente 2).

Essas reconstruções influenciaram a própria construção do cur-so, já que o PEAD também foi construído durante a sua realização. A própria proposta do curso, enquanto flexibilidade curricular e in-tegração de conhecimentos, previa a sua reconstrução à medida da sua realização.

Os desafios da inserção das tecnologias no currículoAs trajetórias dos docentes e suas reflexões sobre essas trajetórias mostram que desafios de integrar a tecnologia no currículo com propostas que privilegiassem a autoria, a cooperação e o trabalho em rede foram desafios constantes para os docentes.

Sabemos que a elaboração de materiais digitais traz uma sé-rie de desafios que envolvem diferentes conhecimentos, já que não

PARTE II

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há como conceber uma proposta pedagógica de forma desatrelada da tecnologia que lhe dá sustento. Esses desafios tornam-se ainda maiores quando os docentes têm pouca familiaridade com as tecno-logias digitais ou com o seu uso na educação. Destacamos que, em relação ao manejo das tecnologias, foi possível observar um proces-so progressivo de apropriação que não revelou diferenças significa-tivas em função da idade dos docentes.

Para além do desafio da apropriação tecnológica, há o desafio da integração das tecnologias digitais ao currículo do curso. Essa inte-gração implica na superação da simples transposição do trabalho que é realizado de forma presencial para o trabalho a distância (con-teúdo + tecnologia), do que é falado/discutido em aula para o escri-to e do que é realizado isoladamente para o que é disponibilizado na rede.

E nós fomos tentando. Tínhamos de pensar em propos-tas em que os alunos interagissem. Eu queria que não fosse apenas um hipertexto. Eu queria fazer “objetos de aprendizagem”, no sentido de fazer com que as ativida-des desafiassem os alunos (Extrato 7, docente 3).

Os avanços no conhecimento das tecnologias influenciaram na construção das propostas pedagógicas, ao mesmo tempo em que os avanços nessas construções modificaram as formas de uso das tec-nologias.

Antes a preocupação maior era que fossem bonitos, de ser visualmente atrativos. Isso também era importante, mas o importante eram as atividades com autoria e com-partilhamento entre os alunos (Extrato 8, docente 4).

Nesse sentido, um dos objetivos do PEAD era

[...] ir muito além da seleção e disponibilização de tex-tos a serem lidos e comentados pelos alunos e docentes. Pretendemos utilizar os recursos tecnológicos para criar e produzir o novo” (ARAGÓN, CARVALHO e MENEZES, 2006, p. 31).

PARTE II

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90Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

A integração das tecnologias ao currículo foi, também, favoreci-da pela opção do projeto pedagógico do Curso, que definiu o uso in-tensivo de material digital em todas as interdisciplinas.

Os desafios do trabalho em parceria com os tutoresO trabalho em parceria com os tutores trouxe como desafio mais re-levante a conceituação do papel do tutor dentro da equipe das inter-disciplinas. As discussões sobre a função da tutoria são recorrentes em todo o Brasil, havendo diferenças significativas entre o trabalho desempenhado pelos tutores nos cursos de formação de professores ofertados pelas instituições públicas.

[...] quando eles tinham dúvidas, me mandavam e-mail, eu fazia reuniões presenciais e acompanhava as posta-gens deles, via o ambiente, que era o ROODA. Nós con-versamos muito via ambiente. Eu conhecia os tutores e sabia que de uns eu tinha de supervisionar mais o traba-lho e explicar melhor; eram pessoas com formação e que tinham bastante capacidade (Extrato 6, docente 6).

As funções desempenhadas e a qualificação dos tutores foram valorizadas pelos docentes que, durante a atuação no PEAD, tende-ram assumir uma postura de partilhar e planejar em conjunto com o tutor as formas de interações com os alunos, havendo uma maior aproximação das orientações do Guia do Professor.

Depois começamos a fazer as tabelas de acompanha-mento no Google docs. Estas tabelas possibilitavam o acompanhamento a distância. Elas eram atualizadas sis-tematicamente pelos tutores. Caso fosse necessário, fa-zíamos reuniões presenciais ou discutíamos por chat ou via e-mail. Nos fóruns, eu interagia e os tutores também, eram muitos fóruns, então trabalhávamos de forma coo-perativa (Extrato 3, docente 1).

Essas posturas foram também favorecidas pelas relações de pro-ximidade estabelecidas com os tutores e acentuadas nas situações de supervisão de estágio e TCC.

PARTE II

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91Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Os desafios das interações com os alunos e o fomento do trabalho em redeO desafio de acompanhar e mediar um grande número de participa-ções escritas dos alunos, de responder às questões e dúvidas levanta-das e gerar sínteses em conjunto, demandou reflexões e tomadas de consciência relativas ao papel do professor no Curso.

Ainda que a análise dos dados tenha mostrado que os docentes, na sua maioria, mantiveram interações com os alunos em diversos ambientes do Curso e que tenham evidenciado usar uma metodolo-gia dialógica, enfrentaram o desafio do trabalho em rede.

Tínhamos dois ou três encontros (presenciais) por se-mestre, mas estes encontros rendiam muitas discus-sões e isso foi um dos motivos de o nosso Curso ter pou-ca evasão. Era importante conhecer os alunos, trocar ideias, enfim, ter este relacionamento de professor e alu-no (Extrato 5, docente 2).

O trabalho em rede apresentou desafios, entre os quais destaca-mos, a partir das falas dos docentes, as mudanças nas formas e na quantidade de interações. Se no trabalho presencial as interações permanecem circunscritas ao grupo e mesmo ao espaço da sala de aula, e são, sobretudo, realizadas de forma oral, mediante discus-sões e debates, nas redes há um aumento considerável do número de interações, que ocorrem em diferentes tempos e espaços nos am-bientes virtuais.

O desafio de acompanhar e mediar um grande número de par-ticipações escritas dos alunos, de responder às questões e dúvidas levantadas e gerar sínteses em conjunto demandou reflexões e to-madas de consciência relativas ao papel do professor no Curso. Es-sas tomadas de consciência resultaram na busca de estratégias mais colaborativas e de maior protagonismo por parte dos alunos.

Eu estou acostumado a acompanhar os estágios no pre-sencial o tempo todo. A distância deu para ter uma noção bem clara do que elas estavam fazendo, dos seus planeja-mentos e deu para contribuir bastante. Supervisionamos nas escolas, vimos as gurias dando aula. O estágio foi muito coberto. Depois elas apresentaram no final o tra-balho do estágio. [...] Fizeram projetos de aprendizagem no estágio e se puxaram para fazer coisas bem legais. Funcionou total! (Extrato 1, docente 4).

PARTE II

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92Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Esses movimentos de trabalho colaborativo tiveram um efeito formador de redes de aprendizagem e, ainda, contribuíram para a transformação gradual dessas redes, que iniciaram com caracterís-ticas mais hierárquicas (tendo o professor como o centro das intera-ções) para se constituírem numa formação de redes cada vez mais distribuídas, nas quais os alunos realizavam trocas com base na va-lorização das opiniões das colegas, e não apenas da equipe docente. Uma evidência dessa formação de redes foi a continuidade das inte-rações dos alunos após o término do PEAD, seja nas listas de discus-são iniciadas no Curso, seja na criação de novos espaços de interação no Facebook e em outros ambientes disponíveis na internet.

Nós vimos progressos bem interessantes na escrita, que para nós era fundamental. Depois tivemos a avaliação nos workshops que eram sensacionais, pois as professoras--alunas aprendiam muito, apresentando e respondendo as questões da banca. Isso foi uma das coisas que dificil-mente temos na educação presencial, era um comple-mento para as atividades do semestre. As alunas ensaia-vam, preparavam as apresentações. Era um aprendizado para elas e para nós, professores (Extrato 9, docente 5).

As vivências dos docentes no Curso, especialmente para aqueles que não tinham experiências anteriores, tiveram impacto nas suas concepções de EAD. Nas falas, manifestam que passaram a consi-derar a EAD como uma possibilidade importante para a formação de professores e também como uma necessidade, considerando que muitos professores que atuam nas escolas não têm acesso à universi-dade presencial, seja pelas distâncias, seja pelos custos financeiros, seja pela disponibilidade de tempo para seguir os horários fixos de-terminados para os cursos.

A participação em um Curso que privilegiou a construção de co-nhecimento e a formação de redes também mostrou que trabalhar na modalidade a distância não significa usar modelos transmissi-vos, baseados em propostas simplificadas de formação. A atuação no PEAD apoiou uma maior discriminação de modelos de formação a distância. Os docentes, quando se referem à EAD, não o fazem de forma generalizada, mas sublinham que a qualidade depende dos modelos adotados.

PARTE II

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93Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Considerações finaisNossas análises permitiram observar que, ao ingressarem no PEAD, os docentes, na sua maioria, manifestavam desconfianças quanto à viabilidade e à qualidade dos processos de educação a distância, de-vido a tomarem como referências cursos desenvolvidos dentro de uma racionalidade técnico-instrumental. No decorrer do Curso foi necessário um repensar dos modelos de curso a distância que temos nas instituições de ensino e qual que queríamos para os nossos alu-nos do PEAD. As vivências dos docentes no Curso, especialmente para aqueles que não tinham experiências anteriores, tiveram im-pacto nas suas concepções de EAD. Nas falas, esses docentes mani-festam que passaram a considerar a EAD como uma possibilidade importante para a formação de professores e também como uma ne-cessidade, considerando que muitos professores que atuam nas es-colas não têm acesso à universidade na modalidade presencial, seja pelas distâncias, seja pelos custos financeiros, seja pela disponibili-dade de tempo para seguir os horários fixos determinados para os cursos. A partir das experiências vivenciadas no PEAD, identifica-mos reconstruções nas formas de ensinar dos docentes, principal-mente relacionadas à criação de propostas de trabalho em rede e ao uso das tecnologias para dar suporte às interações e reflexões dos alunos. Destacamos, ainda, que essas experiências foram, gradati-vamente, incorporadas às práticas presenciais, contribuindo para a discussão e construção de novos caminhos para a docência na Edu-cação Superior.

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ARAGÓN, R.; CARVALHO, M. J. S; BORDAS, M. C. Licenciatura em Pedagogia a Distância: guia do professor. Porto Alegre: Gráfica da UFRGS, 2006.

CARVALHO, A. B. G. (a). A Educação a Distância e a Formação de Profes- sores na Perspectiva dos Estudos Culturais. João Pessoa, 2009. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2009.

LEITE, D. B. C. Inovações Pedagógicas e Avaliação Participativa. In: MOREIRA, Jacira Cardoso; MELLO, E. M. B.; COSTA, T. L. da. Pedagogia Universitária: campo de conhecimento em construção. Cruz Alta: UNICRUZ, 2005, p. 116-136.

PARTE II

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94Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

MORAN, J. M. A integração das tecnologias na educação. Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/integracao.htm. Acesso em: 15 jan. 2012.

NEVADO, R.A.; MENEZES, C. S. Pressupostos, intenções e práticas de um curso a distância: as contribuições das percepções dos alunos para a avalia-ção do modelo. Perspectiva (UFSC), v. 30, p. 105, 2012.

ZIEDE, M. K. L. A (re)construção da docência na educação a distância: um estudo de caso no PEAD. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Porto Alegre, 2014.

PARTE II

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Contextos emergentes da educação superior nas produções acadêmicas do período de 2012 a 2018

gabriela barichello mello21

marilene gabriel dalla corte22

Este estudo foi desenvolvido no bojo das pesquisas do Grupo de Pes-quisa GESTAR/CNPq e vincula-se ao projeto intitulado “Impactos das Políticas de Formação de Professores em Contextos Emergen-tes”. Também, emerge dos estudos e pesquisas desenvolvidos na Li-nha de Pesquisa – LP1, relacionada às políticas e gestão da educação básica e superior do curso de Especialização em Gestão Educacio-nal, do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Gestão Educacional, da Universidade Federal de Santa Maria, RS.

É resultante do mapeamento de pesquisas sobre os Contextos Emergentes na Educação Superior, considerando o objetivo reco-nhecer e categorizar a produção acadêmica acerca dos Contextos emergentes na Educação Superior, catalogada no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ní-vel Superior (CAPES), no período compreendido entre 2012 a 2018. Justifica-se a necessidade de estudos e pesquisas relacionadas a esta temática, visto que é existente a urgência de pensarmos os diversos processos que compõem o modo de viver, posturas e práticas que se estabelecem nas sociedades contemporâneas na Educação Superior.

Morosini (2014) destaca que a Educação Superior vive um mo-mento singular no contexto histórico, social e econômico, como de-safios às funções de ensino, pesquisa e extensão. A autora denomina como um estado de mutação que se encontra em todas as partes, esse estado de mutação traz consigo Contextos Emergentes da Educação Superior, que ao citar RIES (2013) afirma que são configurações em construção na educação superior observadas em sociedades con-temporâneas e que convivem em tensão com concepções preexis-tentes, refletoras de tendências históricas.

21. Universidade Federal de Santa Maria. Mestranda do Programa de Pós-gradu-ação em Educação do Centro de Educação – [email protected].

22. Universidade Federal de Santa Maria. Professora Adjunta no Departamento de Administração Escolar do Centro de Educação – [email protected].

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96Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

As políticas públicas para a Educação Superior no Brasil passa-ram e passam por intensas e constantes [re]estruturações, de peque-nas a grandes proporções. Tais movimentos desvelam e imbricam em uma série de mudanças na organização e estruturação das Ins-tituições de Educação Superior (IES), diversificação e expansão aca-dêmica, reestruturação do currículo dos cursos, na formação de professores entre outros. Esses movimentos reverberam nas ques-tões econômicas do país e tem sido preocupação constante nas pes-quisas e debates, especialmente no que tange à universalização do acesso e aos aspectos constitutivos à formação e atuação docente de qualidade. Tais perspectivas implicaram no surgimento de uma nova conjuntura para a Educação Superior e consequentemente nas novas demandas para a universidade que, diretamente, influencia e se deixa influenciar pelo campo das políticas públicas educacionais no Brasil entre outras realidades mundiais.

Essa realidade multifacetada passou a denominar-se contexto emergente e requer uma nova pedagogia universitária. Verifica-se a existência de um paradigma educacional que vem [re]articulan-do novos rumos e, consequentemente, novos processos de gestão de Cursos e Programas na Universidade. Para tanto, no redimensio-namento desse cenário prioriza-se compreender quais as políticas e as ações desenvolvidas na interlocução entre educação superior e básica – no âmbito global/nacional/local, sob o viés da qualidade da formação e atuação profissional, que delineiam e desencadeiam contextos emergentes.

Ainda nessa perspectiva, Morosini (2014) destaca que os contex-tos emergentes ocupariam um espaço de transição entre um mode-lo tipo ideal weberiano de educação tradicional e outro de educação superior neoliberal, assim destaca-se alguns exemplos de contextos emergentes que podem ser encontrados no ensino superior, como: expansão, políticas de diversificação, privatização, tendências de-mocratizantes, internacionalização regional (transfronteiriço) e transnacional, sul-norte e sul-sul, Educação a distância, Institutos Tecnológicos, entre outros.

Assim, o artigo encontra-se organizado em duas seções: a pri-meira contextualizando acerca da temática e quais abordagens teó-rico-metodológicas buscou-se priorizar para contemplar o objetivo proposto; e a segunda com a categorização e análises realizadas na perspectiva do estado do conhecimento. Cabe destacar que se prio-riza, também, na pesquisa do Estado do conhecimento, verificar as principais bases teórico-metodológicas propostas pelos autores.

PARTE II

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97Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Abordagem e procedimentos teórico-metodológicos Os aspectos metodológicos apresentam-se como um estudo explora-tório de abordagem qualitativa, ancorada em Triviños (1987), com conotação do estado do conhecimento que situa uma revisão de li-teratura com aprofundamento de leituras e referências relaciona-das à temática de pesquisa. Segundo os estudos de Morosini (2014) se constitui uma fonte para as produções, contribuindo assim com a ruptura de preconceitos que o pesquisador possui ao iniciar sua pesquisa, bem como por acompanhar esse processo marcado pela grande influência de órgãos governamentais na condução da avalia-ção da produção científica e pelas decorrentes questões políticas e sociais.

Com este estudo pode-se reconhecer aspectos relacionados a aportes teóricos e metodológicos das pesquisas selecionadas e que a pesquisa do tipo Estado do conhecimento, segundo Romanowski (2006, p. 41) também possibilita

[...] uma visão geral do que vem sendo produzido na área e uma ordenação que permite aos interessados percebe-rem a evolução das pesquisas na área, bem como suas ca-racterísticas e foco, além de identificar as lacunas ainda existentes.

Desta forma, destaca-se o valor fundamental para as pesquisas de cunho educacional, visto que potencializam identificar e reco-nhecer o que já foi produzido anteriormente sobre o tema de inte-resse, bem como realizar uma aproximação do pesquisador para a construção de uma nova perspectiva das abordagens teóricas e me-todologias adotadas, além de perceber diferentes aspectos acerca do seu campo de estudo neste momento de aproximação que é o estado do conhecimento (MOROSINI, 2016).

Realizou-se, inicialmente, uma pesquisa com as palavras-cha-ve para, assim, verificar e delimitar o caminho que o estudo percor-reria. Neste sentido, a primeira busca realizada deu-se pelo termo contextos emergentes, o que resultou em muitas produções, visto a amplitude da temática e o significado da palavra “contexto”, que ob-teve múltiplas interpretações pelo banco de dados acessado.

Em segunda instância, utilizou-se a palavra “contextos emergen-tes” entre aspas, delimitando o significado da palavra, resultando em 25 teses e dissertações. No entanto, ainda assim percebeu-se, após leitura flutuante dos resumos, que haviam trabalhos que não cabiam nas discussões e objetivos desse texto, priorizando por

PARTE II

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98Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

exemplo pesquisas relacionadas e oriundas de cursos de licenciatu-ra e Programas de Pós-graduação voltados para a Educação.

Nesta lógica, constituiu-se um leque de temáticas diversificadas e que trazem diferentes contextos relacionados à educação superior e que são considerados emergentes devido às perspectivas e desafios que trazem em sua conjuntura. Após revisão mais criteriosa, totali-zaram-se dez pesquisas, entre elas quatro dissertações e sete teses de doutorado. O reconhecimento dos trabalhos será elaborado a partir de duas perspectivas, sendo elas, a teórica e a metodológica.

Gráfico 1. Trabalhos encontrados no Banco de dados

Fonte: Elaborado pelas autoras

Podemos perceber que, a partir dos dados apresentados no gráfi-co acima, as discussões mais presentes nos trabalhos pesquisados re-ferem-se a Políticas de Inclusão que se deve ao aumento substancial de discussões no âmbito educacional sobre o tema inclusão escolar, seu processo, suas demandas e seus objetivos, a legislação brasileira sobre inclusão escolar vem em crescente debate sobre a garantia de direitos às pessoas com Necessidades Educacionais Especiais.

Assim, como as discussões relacionadas à qualidade no Ensino Superior e à Educação a distância (EaD), que também com 20% das discussões apresentadas nas pesquisas, tem se efetivado e sendo im-pulsionada, cada vez mais, pela tecnologia, praticidade e a rapidez de informações, ainda deve-se destacar o aumento substancial de cursos a distância e sua procura na rede privada e pública. No Gráfi-co 2 encontram-se dados relacionados aos ingressantes em cursos de graduação considerando diferentes modalidades de ensino:

PARTE II

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99Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Gráfico 2. Número de ingressos em cursos de graduação, por modalidade de ensino

Fonte: MEC/Inep. Gráfico elaborado pela Deed/Inep (2016)

No Gráfico 2, podemos perceber que este número se eleva cada vez mais, os ingressantes nas modalidades presenciais caem, enquanto o número de alunos na modalidade EaD se eleva significativamen-te. De certa forma, essa lógica de grande acesso às tecnologias, pro-dutividade, rapidez, tem imbricando em mudanças no Ensino, são parte dos chamados Contextos Emergentes, e assim o que se perce-be é a importância da discussão da qualidade da educação, que tem permeado grande parte das discussões feitas no Ensino Superior, e principalmente no que tange à formação de professores nos cursos de licenciatura.

Na perspectiva da temática das pesquisas encontradas, cabe des-tacar que as mesmas se encontram convergentes entre si, ou seja, algumas pesquisas “conversam” sobre assuntos que também são de-correntes às demais. Cada tese ou dissertação possui uma ou mais temáticas para além do tema norteador, relacionadas a contextos emergentes e à educação superior, como, por exemplo, as redes de colaboração ou a Educação Superior no contexto da Educação Pro-fissional e Tecnológica (EPT): os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFES), que, segundo Fontoura(2018), autor da dissertação intitulada “A Gestão da Educação Superior em Contex-tos Emergentes: a Percepção dos Coordenadores dos Cursos Supe-riores de Tecnologia do IFRS - Campus Porto Alegre”, foi concebida como sendo estratégica no desenvolvimento da nação, alinhada ao

PARTE II

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100Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

mundo trabalho, aos arranjos produtivos e ao fortalecimento da de-mocracia e da cidadania na busca do desenvolvimento nacional, re-gional e local.

No Quadro 1, é possível visualizar as abordagens e técnicas de pesquisa utilizadas pelos autores nas produções selecionadas:

Quadro 1. Abordagem e instrumentos encontrados nas pesquisas

Aspectos metodológicos dos trabalhos analisados

Abordagem Técnicas de coleta de dados

Qualitativa Questionário

Qualitativa Entrevista - Narrativas

Qualitativa Questionário - Entrevista

Qualiquantitativo Questionário

Qualitativa Estado de conhecimento - Entrevista

Qualiquantitativo Questionário

Qualitativa Entrevista - Narrativas

Qualitativa Documentos oficiais

Ciclo de Políticas Entrevistas

Qualitativa Entrevistas

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nas pesquisas analisadas

Pode-se constatar no Quadro 1 que a pesquisa qualitativa foi a mais utilizada entre as demais abordagens, pois possibilita a com-preensão das experiências humanas em relação a um dado fenô-meno. Segundo Triviños (1987), ela permite explorar e possibilitar questões inerentes e subjetivas no contexto e nos sujeitos pesqui-sados, proporcionando um fazer investigativo que viabiliza com-preender, interpretar e estudar as particularidades e experiências individuais dos sujeitos colaboradores.

As técnicas de pesquisa e coleta de dados mais utilizadas são o questionário e as entrevistas, no entanto, também aparece o estado do conhecimento que se refere a uma tese que possui como temática as políticas e sistemas de avaliação da educação superior.

No que tange ao referencial teórico encontrado nas produções, destacam-se majoritariamente as publicações da autora Morosini (2001, 2005, 2010, 2014, 2015) nas teses e dissertações, bem como en-contra-se recorrente a autora Bolzan (2001, 2006, 2009), principal-

PARTE II

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101Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

mente nas pesquisas que utilizam a entrevista na perspectiva das narrativas.

Educação Superior e contextos emergentes: um olhar para as produções científicasNesta seção busca-se apresentar as dissertações e teses encontra-das na perspectiva metodológica, os objetivos, os resultados encon-trados pelos pesquisadores e seus entrelaçamentos com a temática da presente pesquisa. Na conjuntura dos estudos sobre “contextos emergentes”, verificou-se que todos os trabalhos encontrados se tra-tam de produções posteriores ao ano de 2015, sendo que sete das dez pesquisas encontradas com o descritor “contextos emergentes” re-ferem-se ao ano de publicação de 2016, enquanto os demais, um tra-balho em 2015, uma pesquisa em 2017 e no atual ano de 2018 até a data da presente pesquisa havia também somente uma publicação.

Todos os trabalhos selecionados com a referida temática majori-tariamente estão centrados em uma Instituição de Ensino Superior, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e apenas dois são de IES diferente um da Universidade Federal de Santa Ma-ria e outro da Universidade Tiradentes. Cabe destacar que as duas instituições que mais apresentam discussões acerca dos contextos emergentes nas pesquisas encontradas estão localizadas geografica-mente na região sul do país.

O que se verifica é que as dissertações e teses abrangem mais de uma única temática, e perpassam demais aspectos estudados como a tese da autora Marquezan (2016) intitulada “A espiral da aprendi-zagem docente: processos formativos de egressos do Programa Ins-titucional de Bolsa de Iniciação à docência” e Martelet (2015), que apresentam ideias subjacentes à qualidade da educação, formação de professores entre outros, relacionadas ao programa de governo, PIBID, que se contextualiza também como contexto emergente. A autora faz alusão aos contextos emergentes, sinalizando que a Edu-cação no Brasil se encontra em um contexto de transição; e em rela-ção à Educação Superior o que se percebe é que cada vez mais temos visto novos formatos de IES, que reverberam consequentemente em novas políticas públicas e os cursos com formação de professores, com novos currículos, docentes e discentes (MARQUEZAN, 2016).

Os contextos emergentes do ensino superior, segundo Nascimen-to (2016) em sua tese intitulada “Iniciação Científica em Redes Cola-borativas e Formação Universitária de Qualidade: a perspectiva do egresso (2007-2013)”, cria novas demandas acadêmicas culturais, so-ciais e tecnológicas, alterando as prioridades para a educação como

PARTE II

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102Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

formação humana, ela ainda corrobora afirmando que exige um dis-cernimento para o equilíbrio entre as dimensões técnicas e o desen-volvimento humano e social.

A tese “A aprendizagem docente e a Inclusão de Cotistas B em novos contextos na Universidade”, da autora Souza (2016, p. 11), em seus escritos, afirma que “[...] ser professor, em contextos emergen-tes, requer comprometimento docente com os processos de ensino e de aprendizagem”, pois exige a disposição para conviver com o novo e o imprevisível; romper barreiras pedagógicas, arquitetônicas e atitudinais universitárias. Nessa tangente, é possível destacar que a presente pesquisa realizada no Banco de Teses e Dissertações da Capes, do tipo Estado do conhecimento, possibilita um olhar mais aprofundado sobre a temática de pesquisa, bem como perceber o que tem se produzido nesse bojo.

[In]conclusõesRelaciona-se as considerações finais desta pesquisa às “[in]conclu-sões” de um trabalho que está em andamento, na perspectiva de apontar caminhos inconclusos e representar que não é o fim de um estudo e que com ela não se obtém respostas fechadas, mas que re-sultam em movimentos de reflexão, análise e estudo das produções, no intuito de qualificar o processo de formação.

Para tanto, foi possível verificar que existe um grande desafio na compreensão dos contextos emergentes que, ainda, se apresentam recentes no cenário da Educação Superior e, inclusive, como a ter-minologia é “emergente” nos estudos de pós-graduação no Brasil. Nesta perspectiva, percebeu-se que quase inexistente o termo e o conceito acerca de contextos emergentes, que é compreendido pelos bancos de dados como contextos de forma generalizada, resultando em uma gama de temáticas gerais, o que justifica a utilização das as-pas para a pesquisa.

Poucos trabalhos foram encontrados com a terminologia e te-mática pesquisada nesta produção. No entanto, estes servirão como base teórica para a produção e escrita do material a ser desenvolvido ao longo do curso de especialização em gestão educacional e possi-bilitou perceber a relevância das discussões no âmbito da educação superior.

Todas as pesquisas apresentam na organização do resumo e estru-tura da dissertação ou tese os elementos metodológicos e o referen-cial teórico estudado, o que facilitou na investigação dos trabalhos. Também foi possível perceber que as pesquisas possuem um leque de autores que estão contemplados na maioria dos trabalhos, o que

PARTE II

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103Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

significa, portanto, que os pesquisadores utilizaram abordagens se-melhantes.

Quanto aos trabalhos selecionados, verificou-se que 20% se refe-rem a políticas de inclusão, Qualidade no ensino superior, EaD e o PIBID, 10% se referem a Ações afirmativas e Gestão Universitária. Grande parte dos autores realiza suas pesquisas, sem atentar que tais temáticas estão intimamente relacionadas aos contextos emer-gentes na educação superior.

Em especial, identificou-se que o conceito de “Contextos emer-gentes” ainda se encontra com estudos e pesquisas recentes, e tem se percebido um crescente nos estudos a partir dessa última década que cada vez mais vem se intensificando e ampliando.

Por fim, cabe sinalizar que os contextos emergentes na educa-ção superior, a partir dos estudos realizados, estão relacionados às seguintes categorias: expansão, internacionalização na Educação Superior, inovação tecnológica, inclusão, intercâmbios de conheci-mento, entre outros; e se faz necessário pesquisar sobre esses novos aspectos, visto que cada vez mais nos deparamos com as transfor-mações universitárias em âmbito global e local.

ReferênciasCARDOSO, A. P. B. Políticas de Avaliação Institucional da Educação Superior: criação e Implementação do Sistema de Avaliação do Ensino Superior de Cabo Verde. 2017. 279 f. Tese de doutorado (Programa de Pós-Graduação em Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.

FONTOURA, J. S. D. Á. A Gestão da educação superior em contextos emergentes: a perspectiva dos coordenadores dos cursos superiores de tec-nologia do IFRS - Campus Porto Alegre. 2018. 204 f. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Educação da Escola de Humanidades). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.

LIMA, M. H. E. S. Estudantes universitários em contextos emergentes: experiências de participantes da política de ação afirmativa na UFRGS. 2016. 95 f. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Educação) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

MARQUEZAN, F. F. A espiral da aprendizagem docente: processos for-mativos de egressos do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. 2016. 332 f. Tese de doutorado (Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

MARTELET, M. O programa de bolsa de iniciação à docência (PIBID) e a qualidade para a formação continuada de professores. 2015. 157 f.

PARTE II

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104Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.

MOROSINI, M. C. Qualidade da Educação Superior e contextos emergen-tes. Revista de Avaliação. Campinas: Sorocaba, v. 19, n. 2, p. 385-405, 2014.

MULLER, M. M. Colaboração e Interação em ambiente virtual de apren-dizagem: um estudo de caso sobre as disciplinas on-line na Universidade Tiradentes - Unit. 2016. 107 f. Dissertação de Mestrado. (Programa de Pós- Graduação em Educação). Universidade Tiradentes, Aracaju, 2016.

NASCIMENTO, M. B. C. Iniciação Científica Em Redes Colaborativas e Formação Universitária de Qualidade: a perspectiva do egresso (2007-2013). 2016. 281 f. Tese de doutorado (Programa de Pós-Graduação em Educação da Escola de Humanidades). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

PEREIRA, A. C. C. Transversalidade, Inclusão e Práticas Pedagógicas: possibilidades para operacionalizar políticas e repensar Currículos. 2016. 172 f. Tese de doutorado (Programa de Pós-Graduação em Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

ROMANOWSKI, J. P.; ENS, R. T. As Pesquisas Denominadas do Tipo “Estado Da Arte” em Educação. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n. 19, p.37-50, set./dez. 2006.

SOUZA, K. S. M. A aprendizagem docente e a inclusão de cotistas B em novos contextos na universidade. 2016. 258 f. Tese de doutorado (Programa de Pós-Graduação em Educação). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2016.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1987.

VOOS, J. B. A. Políticas de permanência de estudantes na educação su-perior: em exame as universidades comunitárias catarinenses. 2016. 165 f. Tese de doutorado (Programa de Pós-Graduação em Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

PARTE II

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Formação e desenvolvimento pessoal e profissional docente: uma experiência na Universidade Federal de Santa Maria

venice teresinha grings23

claudia angelita antunes silveira24

janer cristina machado25

IntroduçãoA Unidade de Apoio Pedagógico (UAP) do Centro de Ciências Rurais (CCR), em parceria com outros Centros e setores da Administração Central da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), realiza há mais de uma década uma iniciativa de formação continuada de pro-fessores para ensino superior, a qual se constitui em trabalho pio-neiro e constante no contexto da referida instituição. Trata-se do curso Formação e Desenvolvimento Pessoal e Profissional Docente, que atende prioritariamente professores de graduação do quadro da UFSM, mas também recebe, eventualmente, cursistas dos colégios de ensino médio e profissionais técnicos atuantes nas áreas pedagó-gicas da IFES.

A existência do curso se justifica pela necessidade de uma forma-ção complementar na área pedagógica, uma vez que os professores de ensino superior geralmente recebem apenas formação técnica específica de sua área de atuação, carecendo de um preparo referen-te aos saberes específicos da docência. Diante da complexidade do mundo moderno, urge que esses profissionais possam compreender a dinamicidade do trabalho docente, por meio do qual o educador se identifica como tal, (re) pensando seu fazer pedagógico e consoli-dando seu conhecimento da realidade educacional.

Partindo dessa demanda, o curso oportuniza um quadro de sabe-res teórico-práticos que ampliam a compreensão dos professores so-bre a práxis do magistério superior, criando um espaço de discussão a respeito do papel formador/funções da Universidade e da relação

23. Universidade Federal de Santa Maria.

24. Universidade Federal de Santa Maria.

25. Universidade Federal de Santa Maria.

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entre Universidade e Sociedade. Nessa perspectiva, busca-se tra-balhar ainda o ser professor enquanto pessoa e profissional, como entende Nóvoa (1992), quando discorre sobre a necessidade de pro-duzir-se a figura do professor, a partir da intersecção entre as suas dimensões de vida e considerando-se o sentido que o exercício do magistério traz para os seus devires.

Esse processo de permanente produção da pessoa e do profissio-nal se conforma às exigências atuais do mundo do trabalho, o qual se define dentro de um universo globalizado. Assim, faz-se neces-sário constantemente rever e buscar opções que contribuam para o enfrentamento dos desafios da contemporaneidade, refletindo e se comprometendo com uma educação emancipatória. A responsabili-dade do ensino superior, nessa ótica, parece ainda maior, pois a so-ciedade tem cobrado das universidades a formação de profissionais diferenciados, capazes de compreender e solucionar as demandas socioambientais da modernidade.

Deste modo, o projeto de Formação e Desenvolvimento Pesso-al e Profissional Docente se inscreve, no contexto da UFSM, como uma proposta de minimização das deficiências eventualmente en-contradas pelos professores da instituição, representando uma al-ternativa de cumprimento das prementes incumbências que todas as unidades universitárias têm para com a formação continuada de seus educadores, não se restringindo à função política de organiza-ção da categoria, bem como reafirmando a importância do ensino como pilar de sustentação, ao lado de pesquisa e extensão, da educa-ção superior.

Referencial teóricoAo longo da História, a universidade se configurou como um espa-ço relevante de produção e distribuição do conhecimento, compre-endendo o exercício da crítica, que se efetiva na produção de novos saberes e problematização dos já construídos. As três dimensões da educação superior – ensino, pesquisa e extensão - representam a continuidade, a inovação e a permanente reflexividade sobre o co-nhecimento historicamente reunido pelo homem, multiplicando-o através da formação de novos profissionais e da efetivação dessa for-mação na prática, ou seja, da aplicação do conhecimento à realida-de.

Para tanto, é preciso que o sujeito formado, para além do saber específico de sua área, seja capaz de relacioná-lo a outros saberes afins ou eventualmente mais distanciados, inserindo-se como parte da sociedade e dotado do poder de transformação, em uma compre-ensão mais ampla – sociopolítica e cultural – da realidade.

PARTE II

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107Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Contudo, atualmente, a formação do sujeito – enquanto pessoa e profissional - pela universidade enfrenta diversos desafios. Um dos mais significativos é que, em boa parte das Instituições de Ensino Superior, os currículos dos cursos ainda contemplam os aspectos técnicos em detrimentos dos mais gerais. Predomina a fragmenta-ção do conhecimento, não considerando a complexidade da realida-de que exige a integração dos elementos curriculares.

A educação para o mundo contemporâneo precisa ser compre-endida e trabalhada de forma interdisciplinar, sendo o aluno um agente ativo, comprometido, responsável, apto a planejar ações, as-sumir responsabilidades, tomar decisões diante dos fatos e intera-gir em seu meio. Ao professor importa tornar o aluno um sujeito de sua aprendizagem, alguém que coparticipa do processo, planejan-do, trabalhando com hipóteses e encontrando soluções para os pro-blemas reais. Isso só se torna possível, porém, quando existe diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, quando se percebe a cons-trução do mesmo como um processo aberto, flexível, em que nada é estanque ou limitado e em que se compreende o todo sem perder de vista a importância das partes. Para Luck (2001, p. 64):

A interdisciplinaridade é o processo de integração e en-gajamento de educadores, num trabalho conjunto, de interação das disciplinas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos, a fim de que exerçam a cidadania, mediante uma visão glo-bal de mundo e com capacidade para enfrentar os proble-mas complexos, amplos e globais da realidade.

Em uma educação interdisciplinar, o foco se concentra na apren-dizagem e não no ensino, ressignificando-se os papéis de professor e de aluno, conforme observa Masetto (2003, p. 3):

A ênfase na aprendizagem como paradigma para o Ensino Superior alterará o papel dos participantes do processo: ao aprendiz cabe o papel central, de sujeito que exerce as ações necessárias para que aconteça sua apren-dizagem: buscar as informações, trabalhá-las, produzir um conhecimento, adquirir habilidades, mudar atitudes e adquirir valores. Sem dúvida, que essas ações serão re-alizadas com os outros participantes do processo: com os professores e com os colegas, pois, a aprendizagem não

PARTE II

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se faz isoladamente, mas em parceria, em contato com os outros e com o mundo. O professor terá substituído seu papel exclusivo de transmissor de informações para o de mediador pedagógico ou de orientador do processo de aprendizagem de seu aluno.

Considerando-se aqui, em especial, a ressignificação do papel do professor, cabe destacar que a mesma envolve um profundo e deci-sivo (re) pensar sobre os saberes tradicionalmente associados à ação docente, vistos sob a luz especial da atuação no nível superior. Se-gundo Tardif (2014) e Pimenta e Anastasiou (2002), boa parte dos docentes universitários sustentam sua qualificação na formação técnica, que prioriza a informação e o desenvolvimento de proce-dimentos de áreas específicas em detrimento do desenvolvimento de atitudes e de saberes mais amplos, ligados ao exercício como pro-fessor. Esses conhecimentos são muitas vezes relegados a um se-gundo plano, sendo ultrapassados mesmo pelos chamados saberes da experiência, ou seja, aqueles que se constroem durante a prática do magistério, no dia a dia frente ao aluno e, em algumas ocasiões, espelhados na atuação de antigos mestres do docente em questão. Como salienta Tardif (2014, p. 14):

Ainda hoje, a maioria dos professores aprendem a traba-lhar na prática, às apalpadelas, por tentativa e erro. [...] Essa aprendizagem, frequentemente difícil e ligada àqui-lo que denominamos sobrevivência profissional, quan-do o professor deve dar provas de sua capacidade, ocasio-na a chamada edificação de um saber experiencial, que se transforma muito cedo em certezas profissionais, em truques do ofício, em rotinas, em modelos de gestão da classe e de transmissão da matéria.

No entanto, muitas dessas “certezas profissionais” são, e atual-mente mais do que nunca, confrontadas pela dinamicidade do pro-cesso ensino-aprendizagem, que traz implicações complexas. Essas exigem uma compreensão mais ampla, assim como referenciais teó-ricos com os quais se fundamentem ações. A falta ou deficiência des-sa compreensão constitui uma das dificuldades pedagógicas mais prementes que a universidade brasileira enfrenta para a formação de cidadãos autônomos, críticos, criativos e comprometidos com as mudanças que a sociedade atual requer.

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109Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Há que se recordar ainda que, nos dias de hoje, o alunado da educação superior pertence predominantemente às faixas etárias adolescente e jovem adulto. Esses grupos, com todas as suas pecu-liaridades de desenvolvimento físico, psicológico e sociocultural in-sere-se, de modo geral, em um modus vivendi norteado pelas altas tecnologias e comunicações massivas e instantâneas, no qual a in-formação é obtida com relativa facilidade e em grande quantidade, faltando, porém, a educação para o discernimento e criticidade que configuram a real produção de conhecimento. É nessa etapa de con-versão da informação em conhecimento que a atuação do professor se torna decisiva: a partir dos seus saberes técnicos, pedagógicos e da experiência, ele detém a capacidade de mediar, orientar a apre-ensão e reflexão sobre os conteúdos factuais, procedimentais e con-ceituais, além do desenvolvimento dos conteúdos atitudinais que conformarão o profissional produtivo, assertivo e ético que a socie-dade demanda (ZABALA, 2016).

Nesse contexto, é fundamental que a universidade se desvincule da rigidez que perfaz a sua abordagem do ser professor para inves-tir em uma verdadeira profissionalização docente. Esse profissional - para além de exercitar competentemente os saberes da docência frente ao aluno - deve ser capaz de pensar e viabilizar um currícu-lo dentro de um projeto que seja político e pedagógico e que integre as dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão. Para esse profes-sor, o ser pesquisador - inerente à docência na educação superior - transcende a sua atuação, incutindo no aluno o desejo de aprender e de permanentemente se atualizar, em uma caminhada conjunta, que é a do constante diálogo entre a pesquisa e o ensino, sendo o pes-quisar e o ensinar faces de uma mesma moeda (LIBANEO, 2004).

Assim, importa grandemente o apoio institucional, no senti-do de viabilizar uma formação que auxilie o docente universitário a preparar os futuros profissionais para responderem aos desafios que a crescente complexidade dos problemas sociais impõe, educan-do-os para distinguir e contextualizar esses problemas.

Destaca-se ainda que as ações de formação continuada devem não apenas possibilitar a aquisição dos saberes pedagógicos neces-sários ao pleno exercício docente e o conhecimento e compreensão de novas metodologias de ensino, mas igualmente facultarem a re-flexão sobre o ser docente e a troca de experiência com seus pares, configurando a verdadeira formação em serviço, que considera o es-tabelecimento de relações e o espelhamento contínuo da teoria na prática.

PARTE II

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MetodologiaA metodologia que conforma o curso Formação e Desenvolvimen-to Pessoal e Profissional Docente se embasa nas discussões da Pe-dagogia Universitária, privilegiando processos participativos e a integração entre os saberes. O programa do curso possui uma ma-triz integrativa que inclui a identidade do professor, a formação uni-versitária emancipatória e a universidade como espaço de formação docente e discente. Essa matriz evita a sobreposição de módulos iso-lados que fragmentam o conhecimento, sendo disponibilizada em eixos como profissionalização docente; desenvolvimento huma-no - foco no adolescente e jovem adulto; políticas públicas e gestão educacional no ensino superior e dimensões da docência - ensino, pesquisa e extensão.

Cabe ressaltar que esse programa é flexível e busca, em certa me-dida, o atendimento também de necessidades específicas de cada turma, como, por exemplo, no ano de 2018, quando foram incluídas temáticas ligadas ao adequado uso da voz e ao contexto de atendi-mentos psicológicos e psicopedagógicos na UFSM.

Os encontros do curso incluem tanto práticas expositivas (Figura 1) como dinâmicas, atividades a distância e depoimentos de profes-sores que estão assumindo o compromisso docente de forma mais autônoma e criativa, utilizando metodologias inovadoras em suas aulas. Isso permite maior contato entre os cursistas e colegas que es-tão implementando estratégias de ensinagem diferenciadas.

Figura 1. Encontro do curso com temática “Identidade Docente” (2018)

Fonte: Autoras

PARTE II

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O formato atual do curso - consolidado há cerca de cinco anos - compreende encontros semanais presenciais com três horas de du-ração, acontecendo geralmente no final da tarde, por ser o horário que melhor atende à disponibilidade de tempo por parte dos do-centes da instituição. O programa se organiza em módulos semes-trais independentes, mas complementares, podendo o professor cursá-los conforme sua agenda permita. A PROGEP/UFSM certifica aqueles que concluem cada módulo, desde que tenham pelo menos 75/% de frequência aos encontros. Concomitantemente aos encon-tros presenciais temáticos, conduzidos por formadores do quadro da própria UFSM e outros convidados, são disponibilizados textos para leitura e reflexão a distância e outras palestras e oficinas sobre assuntos que podem ser do interesse dos cursistas.

Considerando a história recente do curso, nos últimos cinco anos, contam-se 110 profissionais inscritos, os quais relatam, como principais desafios à sua prática e motivos para procura de forma-ção continuada, a necessidade de se reconhecer como docentes pro-dutivos frente às modernas demandas do ensino em nível superior, as quais incluem um perfil diversificado do alunado e a emergência de novas metodologias e tecnologias, capazes de conciliar técnica e humanização.

Muitos desses professores procuram o curso, em um primeiro momento, com interesse imediato na descoberta e domínio de no-vas estratégias de ensinagem, porém, acabam percebendo, grada-tivamente, que esse espaço formativo permite também a troca de experiências e mesmo desabafos em relação às suas angústias e ale-grias, reconhecendo-se como professores na reflexão coletiva junto aos colegas de instituição. Por tudo isso, o espaço do curso se torna um locus de convívo único entre pares (Figura 2), algo nem sempre proporcionado pela organização departamentalizada da universi-dade, em que colegas docentes pouco conversam e trocam ideias.

PARTE II

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Figura 2. Troca de experiências na construção de mapa conceitual (2018)

Fonte: Autoras

De modo geral, para a maioria dos participantes, o evento tem representado a ressignificação de seu lugar como docente, de sua práxis e suas percepções das relações entre ensino e aprendizagem e aluno e professor. A avaliação do curso, realizada em conjunto com a Pró-reitoria de Gestão de Pessoas da UFSM, aponta para a relevân-cia das temáticas abordadas e significativa satisfação dos cursistas, sugerindo a continuidade e constante aperfeiçoamento da ação.

Considerações finaisAs instituições educativas possuem funções sociais importantes na sociedade, pois além de produzirem conhecimento, profissionali-zam os estudantes para exercerem as diferentes responsabilidades no mundo do trabalho e colaboraram na ressignificação dos saberes produzidos pela academia e comunidade.

A pedagogia universitária pode auxiliar na discussão sobre como as instituições poderão cumprir essas finalidades, uma vez que analisa mais amplamente a formação universitária no contexto da educação superior e não apenas do ensino superior como era feito tradicionalmente.

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A formação docente é uma das pautas da pedagogia universitá-ria, auxiliando na compreensão das responsabilidades dos professo-res, muito além da mera transmissão do conhecimento, defendendo espaços permanentes de formação continuada, onde os docentes en-contrem espaço para compartilhar suas angústias e possam referen-ciar suas valiosas experiências.

Em eventos da Educação Superior como o da Rede Sulbrasilei-ra de Investigadores da Educação Superior, constatou-se que há um número expressivo de professores que não se sente confortável com o alto grau de exigências em diversas frentes como a do ensino, pesquisa e extensão, necessitando de um espaço de discussão sobre como se posicionar com autonomia frente a essas exigências. Essa problemática atinge mesmo a vida pessoal dos educadores, como confirmam levantamentos das Pró-reitorias de Gestão de Pessoas e do próprio Ministério da Educação, segundo os quais há um número significativo de professores que pedem afastamento com frequência e até mesmo precisam de licenças motivadas por adoecimento devi-do ao estresse da profissão.

A proposta formativa aqui relatada permite afirmar que as insti-tuições educativas não devem se omitir diante dessa situação e pre-cisam se empenhar na busca de soluções para essas dificuldades, assim como oportunizar espaços formativos mais amplos que os da formação específica, tendo em vista que os processos seletivos ainda não os contemplam.

As avaliações realizadas junto aos participantes do curso revelam a importância que espaços formativos como esse representam. Ne-les os professores encontram colegas com os quais se sentem à von-tade para compartilhar os desafios encontrados no cotidiano, assim como se encorajam a tomar algumas decisões necessárias para a re-solução das dificuldades que enfrentam.

Os participantes, em geral, destacam a mudança de mentalida-de em relação à abrangência da docência, porque compreendem que suas funções vão muito além da responsabilidade com o conteúdo das disciplinas que ministram, entendendo-se co-responsáveis pelo alcance dos objetivos dos cursos com os quais trabalham e também com a missão da própria universidade. Igualmente salientam a im-portância de conhecerem relatos de professores como eles, que pos-suem experiências inovadoras.

Ao final de cada projeto do curso, são reavaliados o programa e metodologia, sabendo que sempre ficarão lacunas, pois a comple-xidade docente não pode ser tratada de forma restrita a um curso apenas. Procura-se, no entanto, suprir algumas dessas lacunas ofe-recendo-se regularmente vários eventos paralelos ao curso (Figu-

PARTE II

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ra 3). Como exemplo, podem-se citar palestras e workshops sobre currículo, projeto político pedagógico, aprendizagem na perspec-tiva da neurociência, comunicação não violenta, entre outros, os quais já contaram com a colaboração de especialistas como Lea das Graças Anastasiou, Leonor Bezerra Guerra, Guilherme Marcos No-gueira e Jéferson Cappellari.

Figura 3. Palestra “Neurociência e afetividade no processo de aprendizagem” (2018)

Fonte: Autoras

Salienta-se ainda a importância da parceria com a equipe de for-madores, sem a qual o projeto não se realizaria satisfatoriamente, havendo o comprometimento de todos com a execução do progra-ma. Esses formadores também manifestam o quanto aprendem com essas turmas, pois são desafiados a proporem as temáticas de forma significativa, colaborando com as reflexões necessárias ao exercício docente.

Por fim, ressalta-se mais uma vez a importância do apoio institu-cional a iniciativas como essa, uma vez que a responsabilidade com a formação dos professores é primariamente da instituição, deven-do a mesma assumir esse compromisso. Nesse sentido, defendem--se, portanto, não apenas espaços esporádicos de formação, mas programas permanentes e institucionalizados.

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Referências LIBANEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia: Alternativa, 2004.

LUCK, H. Pedagogia da interdisciplinaridade: fundamentos teórico-meto-dológicos. Petrópolis: Vozes, 2001.

MASETTO, M. (Org.). Docência na universidade. 11. ed. Campinas: Papirus, 2012.

MASETTO, M. Docência universitária: repensando a aula. TEODORO, A. Ensinar e aprender no ensino superior: por uma epistemologia pela curio-sidade da formação universitária. São Paulo: Cortez, 2003.

NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. NÓVOA, A. Os pro-fessores e sua formação. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1992. p. 139-158.

PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002. (Coleção Docência em Formação).

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Trad. de Francisco Pereira. Petrópolis: Vozes, 2014.

VEIGA, I. P. A. A aventura de formar professores. 2. ed. Campinas: Papirus, 2010.

ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, 2016.

ZABALZA, M. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: ArtMed, 2009.

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Programa especial de graduação/PEG: formação de professores para a educação profissional

dóris pires vargas bolzan26

liliane gontan timm della méa27

doris valeska gubert28

Apresentando a temáticaA investigação aqui apresentada é um braço do projeto Educação Su-perior em Contextos Emergentes desenvolvido pela Rede Sul Brasi-leira de Investigadores da Educação Superior – RIES, que recebeu financiamento do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência - PRO-NEX em CT & I/CNPQ.

O estudo foi realizado na Universidade Federal de Santa Maria/UFSM, instituição federal de educação superior, autarquia especial vinculada ao Ministério da Educação, com foco no Programa Espe-cial de Graduação de Formação de Professores (PEG) que tem como missão a Educação Profissional.

Assim, realizamos um estudo de caso, do tipo exploratório, com abordagem qualitativa, a partir do qual apresentamos o mapea-mento dos egressos do curso, com intuito de reconhecer como foi atendida a demanda formativa dos egressos do PEG. Para tanto ana-lisou-se os objetivos, diretrizes e público-alvo, descritos no Projeto Pedagógico de Curso (PPC), além da verificação dos editais que pro-punham a abertura de vagas e os eixos para a formação pedagógica dos ingressantes no Programa. Por fim, identificamos que o objetivo do curso vem ao encontro da demanda de formação pedagógica dos profissionais que atuam, ou pretendem atuar, como professores na Educação Profissional, principalmente Técnica de Nível Médio da Educação Básica.

Destacamos, ainda, o perfil profissional do egresso do Programa Especial de Graduação alinhado ao objetivo proposto, qual seja o de capacitar o futuro professor para atuar como profissional no ensino

26. Universidade Federal de Santa Maria.

27. Universidade Federal de Santa Maria.

28. Universidade Federal de Santa Maria.

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das disciplinas técnicas da Educação Profissional, na Educação Bási-ca, enfocando a Educação Profissional Técnica de Nível Médio; nas diferentes modalidades de ensino, em espaços escolares e não esco-lares, bem como a preparação de pesquisadores da Educação Profis-sional.

Neste sentido, o Curso organiza-se com a oferta de 150 vagas por semestre, tendo como perfil de estudantes os portadores de diploma em Bacharelado ou cursos de Tecnólogo Superior. Esta oferta busca atender futuros professores que pretendem atuar na educação bá-sica, técnica e tecnológica. Nesta perspectiva, a proposta do curso está centrada na formação pedagógica desses profissionais, com a intenção de dar suporte à organização do trabalho pedagógico a ser desenvolvido nos cursos de Educação Profissional.

A oferta semestral de vagas é realizada pelo Centro de Educação/CE da UFSM que está localizado no interior do Rio Grande do Sul. Esta universidade foi criada pela Lei n. 3.834- C, de 14 de dezembro de 1960. Está constituída por doze unidades universitárias, duas de ensino técnico e tecnológico e uma unidade de educação básica (que atende crianças de zero a cinco anos e 11 meses). As unidades uni-versitárias estão distribuídas, além do campus sede em Santa Ma-ria, em outros quatro campus, a saber: nas cidades de Palmeira das Missões, Frederico Westphalen, Cachoeira do Sul e um espaço mul-tidisciplinar em Silveira Martins. Atualmente, a Universidade tem 25.944 alunos de ensino médio tecnológico, graduação e pós-gradu-ação, inseridos na oferta de 267 cursos, distribuídos entre os cinco campi.

Desse modo, o objetivo do recorte do estudo aqui apresentado é detalhar a proposta de formação docente para profissionais das áre-as técnicas e tecnológicas que atuam/atuarão nos institutos federais do país.

Perspectivas metodológicasO percurso teórico-metodológico desta pesquisa leva em conta as pe-culiaridades envolvidas na experiência de formação pedagógica dos discentes ingressantes no PEG, em cenários formativos diversos, em um mesmo contexto institucional. Em consequência, a busca por um tipo de estudo no âmbito do que é peculiar à pesquisa nas ciên-cias humanas e na educação conduziu a configuração de um Estudo de Caso (YIN, 2015), de natureza qualitativa (CRESWELL, 2007).

De acordo com Gerhardt e Silveira (2009), o estudo de um caso é, ao mesmo tempo, descritivo e exploratório, aproximando-se do fenômeno para se familiarizar com o campo de estudo e com os su-

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jeitos. Assim, este estudo de caso cotejou informações importantes que descrevem o contexto, sujeitos e processos vivenciados no cur-so, permitindo a inserção no campo profissional.

Nesta pesquisa, o fenômeno contemporâneo, objeto do estudo de caso, é representado pela proposta de formação docente para profis-sionais das áreas técnicas e tecnológicas que atuam/atuarão nos ins-titutos federais do país. A referência, que definiu os limites entre o fenômeno e o programa especial de graduação pesquisado, precisa respeitar as particularidades, que caracterizam as dinâmicas adota-das na formação, bem como as percepções e expectativas que estão envolvidas na ambiência profissional, aqui entendida como o es-paço e as consequentes condições nas quais o sujeito desenvolve-se profissionalmente.

Considerando o enfoque qualitativo impresso no Estudo de Caso, a busca pelas informações abrangeu dados qualitativos, refinando os resultados que permitiram o levantamento de indicadores no Sis-tema de Informações para o Ensino (SIE) que contribuíram para aprofundamento e conhecimento do curso.

O contexto do estudo: o Programa Especial de Graduação de Formação de Professores/PEG-UFSM O Programa Especial de Graduação de Formação de Professores para a Educação Profissional/PEG/CE/UFSM, criado diante da necessida-de firmada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. º 9.394/96, desenvolve sua matriz curricular, destacando a dinâmica pedagógica, que se caracteriza pelos modos como as atividades aca-dêmicas são organizadas e ofertadas aos estudantes do curso, assim como a ambiência que se constitui pelo espaço no qual se configura as condições para desenvolver essas atividades e a cultura institu-cional, que é expressa pelo conjunto de regras e normas definidas para que a dinâmica acadêmica se estabeleça (BOLZAN, 2016).

De acordo com o Projeto Pedagógico do Curso em pauta (PEG), a formação de professores no Brasil vem consolidando um cenário de discussão e aperfeiçoamento nas últimas décadas. Com a ampliação das escolas técnicas no país, a educação profissional e tecnológica brasileira vivencia o maior crescimento de sua história. Destaca-se, então, a necessidade de formar profissionais capacitados para a do-cência na Educação Profissional, principalmente no que concerne aos incisos I e II, do parágrafo primeiro do Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004, que tratam da formação inicial e continuada de traba-lhadores e da educação profissional técnica de nível médio. (UFSM, 2018). Cabe destacar que a preparação dos profissionais que atende-

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rão a educação de jovens e adultos, em formação inicial e/ou conti-nuada, exigirá desses professores a compreensão da diversidade que caracteriza esse público. Esse profissional, por sua vez, configura-se como sujeito ativo que busca soluções e alternativas para problemas educacionais, como: evasão, repetência, violência, entre outros, a partir de projetos que favoreçam o desenvolvimento curricular por meio da construção de metodologias e estratégias de apoio que pro-piciem a inovação do processo educacional, incluindo-se, também, as tecnologias de informação e da comunicação. Portanto, precisará mobilizar os conhecimentos técnicos, essenciais ao desenvolvimen-to de suas atividades no campo específico, alicerçado nos conheci-mentos pedagógicos, ambos imprescindíveis para a consolidação da formação de futuros profissionais que passarão pela Educação Téc-nica e Tecnológica de nível médio.

O PEG possui uma proposta que articula diferentes Centros de Ensino da UFSM. Compõem esse grupo o Centro de Educação, Cen-tro de Ciências Rurais, o Colégio Técnico Industrial de Santa Maria – CTISM, e o Colégio Politécnico. O curso é decorrente do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e possui como objetivo geral formar professores em nível superior para a docência na modalidade de Educação Profissional, Técnica e Tecnológica, capacitados para atuar no ensino, em espaços escolares e não escolares (UFSM, 2018). Os profissionais formados pelo PEG recebem o grau equivalente à Licenciatura Plena na área específica de Bacharelado, para a qual o estudante já fora diplomado anterior-mente. O curso encontra-se cadastrado no Sistema de Informações para o Ensino (SIE) da Universidade com o código 638, o nível é gra-duação presencial e sua estrutura física está localizada no Campus – Bairro Camobi – Santa Maria – RS.

Quanto à regulamentação do programa, o curso encontra respal-do legal nas resoluções CNE/CEB nº2/97, CNE/CES nº1 de 27 de ja-neiro de 1999; CNE/CP nº 1 de 18 de fevereiro de 2002; Lei nº 11.741 de 16 de julho de 2008; Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004; Decreto nº 5622 de 19 de dezembro de 2005; Parecer CNE nº 05/2006 e Parecer nº9/2007.

No momento, o Curso busca uma nova configuração para aten-der à Resolução 02/2015-CNE/CP. Esta resolução define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para gradu-ados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continua-da. De acordo com o PPC, o curso está organizado em três grandes eixos: relações entre políticas públicas e práticas educativas da educa-ção profissional e tecnológica; contextos e organização da educação pro-

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fissional e tecnológica; e práticas educativas na educação profissional e tecnológica, que provêm a articulação dos campos do conhecimento que perpassam a formação deste professor, cuja docência não está limitada ao espaço da sala de aula.

O funcionamento do curso é de regime e entrada semestral; o nú-mero de vagas ofertadas para o ingresso é de 150 por semestre. Sua matriz curricular possui um total de 855 horas, distribuídas em três semestres, cada semestre é articulado por um Seminário Integra-dor, de 30 horas cada, com o objetivo de promover a integração ver-tical e horizontal do curso.

O estágio curricular tem um total de 315 horas, é dividido em três momentos de 105 horas em cada semestre, com o objetivo de pro-mover a inserção e a atuação do acadêmico no espaço de atividade docente, que se caracteriza como o lugar no qual o professor em for-mação irá se inserir e desenvolver seu trabalho pedagógico, desde o primeiro semestre do curso, favorecendo a qualificação de seu pro-cesso formativo. Como estratégia para fomentar a inclusão do pro-fissional ao mercado de trabalho, com vistas a formar um docente capaz de atuar na modalidade da educação profissional, as ativida-des formativas são organizadas, a fim de proporcionar ao futuro professor um panorama concreto dos espaços nos quais poderá se inserir.

Acreditamos que os processos formativos podem favorecer ao professor em formação a compreensão sobre quem é o estudante para quem ele se dirige e terá que ensinar. Portanto, serão neces-sários conhecimentos do campo pedagógico para dar suporte às aprendizagens dos estudantes, além dos conhecimentos da área es-pecífica de formação como bacharel.

Assim, a etapa de formação e desenvolvimento à profissão do-cente precisa estar conectada de modo que o futuro professor se sin-ta capaz de produzir atividades, para que os estudantes com os quais irá trabalhar também se coloquem em condições de aprender.

Definimos a inserção do campo profissional como uma parte do contínuo processo formativo. Convém insistir na ideia de que a in-serção no campo profissional é um período diferenciado ao longo do processo no qual o sujeito da formação se constituirá como docente. Os sujeitos, professores em formação, têm duas tarefas a cumprir: primeiro precisam ensinar e, segundo, devem desenvolver compe-tências para aprender a ensinar, além de adquirir conhecimentos sobre os estudantes, o currículo e o contexto escolar. Para desenvol-ver um repertório docente que lhe permita sobreviver na atividade da docência é essencial compartilhar com seus pares sua formação a partir da criação de uma comunidade de aprendizagem assentada

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em vivências da prática, que o coloque em condições de desenvolver as atividades de ensino. Para que os professores permaneçam envol-vidos nas atividades de ensino é necessário que as instituições criem condições de apoio e oportunidades para o trabalho com outros edu-cadores em comunidades de aprendizagem profissional, desenvol-vendo uma cultura de colaboração, “compreendida como processo gerativo, por meio do qual o grupo dinamiza propostas comparti-lhadas aos diversos desafios pedagógicos e profissionais, configu-rando uma cultura própria” (BOLZAN, 2016, p. 12). Cabe referir que as peculiaridades das “áreas específicas” podem ser compartilhadas entre os profissionais que atuarão no mesmo contexto formativo, fortalecendo suas condições de desenvolver o trabalho pedagógico com protagonismo.

A seguir apresentamos a matriz curricular do curso (Quadro 1), indicando a distribuição dos componentes curriculares por semes-tre.

Quadro 1. Matriz curricular – 1º, 2º e 3º semestres

1º semestre

Disciplina Carga Horária

Tipo

Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

45 Obrigatória

Metodologia do Ensino para Educação Profissional e Tecnológica

45 Obrigatória

Políticas Públicas e Educação Profissional 45 Obrigatória

Trabalho e Educação 45 Obrigatória

Estágio Supervisionado I 105 Obrigatória

2º semestre

Disciplina Carga Horária

Tipo

Organização Curricular para a Educação Profissional e Tecnológica

30 Obrigatória

Metodologia do Ensino mediada por Tecnologias da Informação e Comunicação

45 Obrigatória

Teorias da Educação 45 Obrigatória

Gestão de Instituições de Educação Profissional e Tecnológica

30 Obrigatória

PARTE II

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Disciplina Carga Horária

Tipo

Pesquisa em Educação Profissional e Tecnológica

30 Obrigatória

Estágio Supervisionado II 105 Obrigatória

3º semestre

Disciplina Carga Horária

Tipo

Relações Humanas no Trabalho 30 Obrigatória

Libras “E” 45 Obrigatória

Educação Inclusiva 45 Obrigatória

Práticas de Investigação no Ensino como Princípio Educativo

30 Obrigatória

Estágio Supervisionado 105 Obrigatória

Seminário Temático 30 Obrigatória

Fonte: Dados coletados, pelas autoras, junto à Secretaria do Curso

No primeiro semestre do curso, a sequência aconselhada dispõe de componentes curriculares de três departamentos didáticos, a sa-ber: Fundamentos da Educação, Metodologia do Ensino e Adminis-tração Escolar. O conjunto de disciplinas ofertadas contabiliza uma carga total de 285 horas, divididas em cinco disciplinas de 45 horas/aula, à exceção do estágio supervisionado I, que possui 105 horas/aula.

No segundo semestre, a sequência aconselhada organiza-se a partir de um conjunto de seis disciplinas distribuídas nos mesmos departamentos didáticos indicados. A carga horária total perma-nece em 285 horas/aula, com três disciplinas de 30 horas/aula cada, outras três com 45 horas/aula e estágio supervisionado II com 105 horas/aula.

No terceiro e último semestre, a oferta de seis disciplinas distri-buídas em três departamentos didáticos, quais sejam: Fundamentos da Educação, Educação Especial, Metodologia do Ensino. A ativida-de de seminário temático obrigatório, com carga horária de 30 ho-ras/aula, está vinculada à coordenação do curso.

Até esse momento, o curso possui 272 alunos matriculados e to- taliza 2.158 alunos formados.

A seguir apresentamos a Tabela 1, com a distribuição das ofertas e o ingresso de estudantes no Curso.

PARTE II

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123Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Tabela 1. Oferta e ingresso por ano

Ano Oferta Ingresso

2009 150 132

2010 300 294

2011 300 314

2012 300 319

2013 300 254

2014 300 131

2015 300 188

2016 300 210

2017 300 149

2018 300 167

Total 2.850 2.158

Fonte: Dados coletados, pelas autoras, junto à Secretaria do Curso

Na sequência, apresentaremos a Tabela 2, constando o período e número de ingressos, o gênero dos estudantes e, por último, o total de egressos.

Tabela 2. Número de oferta por gênero

Fonte: Dados organizados, pelas autoras, a partir do levantamento realizado pós-matrícula dos ingressantes no curso

Observamos, pelas informações da Tabela 2, que 47,13 % dos in-gressantes no curso são do gênero feminino; e 37, 76 %, são do gêne-ro masculino, resultando na predominância de mulheres na busca pela formação.

A seguir a representação gráfica dos ingressantes por gênero.

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Período Oferta Ingresso Gênero masc.

Gênero fem.

Egressos

2009/2018 2.850 2.158 815 1.343 1.256 (440 M - 816 F)

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Gráfico 1. Gênero dos ingressantes

Fonte: Dados organizados, pelas autoras, a partir do levantamento dos alunos matriculados no curso

O conjunto de informações apresentadas nos quadros e tabelas demonstram a dinâmica organizacional do curso, permitindo que se identifique o percurso formativo que os futuros professores em formação irão realizar.

Apontamentos finaisIncialmente, buscamos conhecer a proposta do PEG por meio do seu PPC e, logo após, realizamos levantamento de informações acerca dos ingressantes do curso na secretaria acadêmica que disponibili-za documentos de registro de matriculados e egressos. Com isso foi possível encontrar outros dados que auxiliaram a compreensão e o aprofundamento do curso, a partir do número de oferta das vagas, das matrículas, do gênero dos estudantes e dos egressos.

Os estudantes do programa são oriundos de cursos de bacharela-do e de tecnólogo de nível superior, sendo identificados a partir do perfil descrito no PPC, o qual destaca a importância da formação pe-dagógica e sua ambiência no processo formativo. Para tanto, exami-namos os documentos do curso, a fim de reconhecer as dinâmicas adotadas nesse processo de profissionalização.

Evidenciamos também a importância e a necessidade de que os cursos de formação pedagógica sejam adequados às características dos campos específicos, dos quais os professores em formação são oriundos, o que cada semestre se modifica, uma vez que o processo ocorre a partir de edital, no qual há definição das áreas para abertu-ra de vagas em função da disponibilidade de realização de estágio.

PARTE II

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Assim, reiteramos que o estudo realizado nos permitiu verificar que os egressos estão distribuídos em diversas instituições, em sua maior parte públicas, como Institutos Federais. Entretanto, será ne-cessário que eles detalhem as informações acerca da sua inserção profissional, a fim de que possamos aprofundar nossa compreensão destas realidades e proceder a uma nova fase do estudo, ao realizar-mos as entrevistas narrativas.

Portanto, o desdobramento deste estudo nos permitirá empreen-der reflexões em torno das competências formativas necessárias à atuação no campo profissional para o qual se destina a formação, fa-vorecendo ajustes no desenho curricular vigente, tendo em vista a qualificação necessária ao desenvolvimento profissional docente de professores da Educação Técnica e Tecnológica.

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PARTE II

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126Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

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PARTE II

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Planejamento coletivo: contribuições para a formação docente na perspectiva interdisciplinar

marcia lorena saurin martinez29

tanise paula novello30

IntroduçãoA formação de professores em uma perspectiva interdisciplinar re-quer o desenvolvimento de uma educação que favoreça o pensar integrado e o desenvolvimento de conhecimentos que auxiliem o sujeito a pensar criticamente diante da sociedade da informação e comunicação. Uma das características da ação interdisciplinar, se-gundo Fazenda (2002), é o estabelecimento de relações de recipro-cidade e mutualidade, e nesse contexto a formação docente no viés interdisciplinar é a historicidade de cada sujeito, em que o conhe-cimento não é algo estático e acabado; exige do professor outra for-ma de se relacionar com o conhecimento global e, ao mesmo tempo, abrangente de um fenômeno, buscando a compreensão da totalida-de em que o seu fazer convive com o fazer do outro.

Partindo dessa discussão, a Universidade Federal do Rio Grande – FURG, é uma das instituições que oferta cursos a distância, entre eles o de Licenciatura em Ciências, iniciado em 2013, que se dife-rencia pela organização curricular constituída por interdisciplinas. Neste estudo, o objetivo é investigar como o planejamento coletivo contribui para a formação docente na perspectiva interdisciplinar. Sendo assim, o presente artigo destaca, na primeira seção, o surgi-mento da interdisciplinaridade como uma consequência da evolu-ção, tanto no sistema de produção quanto no educacional, surgindo a necessidade da criação de cursos que proponham a construção de uma escola participativa para a formação do sujeito social com a ex-perimentação da vivência de uma realidade global e que considere as experiências cotidianas dos estudantes e dos professores. Na se-gunda seção, abordaremos o contexto da elaboração do Curso de Li-cenciatura em Ciências na modalidade a distância da Universidade

29. Universidade Federal de Pelotas.

30. Universidade Federal do Rio Grande.

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Federal do Rio Grande – FURG, e, por conseguinte, a análise das reu-niões com o corpo docente do curso, evidenciado pelo método car-tográfico.

Caminhos pela interdisciplinaridadeEm meio às transformações no cenário econômico, social e edu-cacional, o movimento da interdisciplinaridade surge na Europa, mais especificamente na França e na Itália, em meados da década de 1960, “época em que emergiram os movimentos estudantis que colo-cavam em discussão a necessidade de um novo estatuto para a uni-versidade e para a escola” (FAZENDA, 1995, p. 18).

A partir dos movimentos estudantis, a temática teve lugar de destaque em diferentes congressos e eventos pelo mundo, como, por exemplo, o Congresso de Nice, ocorrido na França em 1969, quando Georges Gusdorf apresentou suas primeiras reflexões para elucidar a questão do conhecimento nas ciências humanas, buscando nas concepções interdisciplinares a totalidade do conhecimento. O es-tudo apresentado pelo autor trata-se de um projeto interdisciplinar, que previa, além da diminuição da distância teórica entre as ciên-cias humanas, a pretensão de construir uma convergência entre as ciências e, assim, trabalhar pela unidade humana (FAZENDA, 1995).

A interdisciplinaridade é caracterizada como uma importante estratégia metodológica, que compreende o interesse para uma prá-tica voltada ao conhecimento que o estudante traz consigo, priori-zando desenvolver competências que ampliem seus saberes. Com isso, cria-se a cultura da interação com os aspectos sociais, históri-cos e culturais, atrelados aos conteúdos disciplinares, a fim de de-senvolver outra forma de relação com o conhecimento, na qual os sujeitos possam interagir na construção e no (re)pensar desses as-pectos destacados.

Existe, nesse sentido, a necessidade do professor estar dispos-to em interagir com outras áreas do conhecimento e estar aberto ao diálogo com outros colegas; manifestando o interesse na troca de ideias e argumentos, visto que a prática interdisciplinar permi-te a transposição das diferentes áreas. Sendo assim, tais atitudes requerem superar inúmeros obstáculos epistemológicos como: re-sistência dos educadores às mudanças, inércia dos sistemas de ensi-no, valorização acentuada das especializações, práticas pedagógicas que consideram somente a descrição e análises objetivas dos fatos e reflexão superficial a respeito das relações entre as ciências huma-nas e as ciências naturais.

PARTE II

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Contexto da construção do curso de Licenciatura em Ciências na modalidade a distânciaCom o intuito de viabilizar o acesso ao ensino superior àqueles indi-víduos que, por motivos diversos, são impossibilitados de frequen-tar um estabelecimento de ensino presencial, bem como atender à demanda de professores de Ciências para atuar nos anos finais do Ensino Fundamental, a Universidade Federal do Rio Grande – FURG, via sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), idealizou a construção do Curso de Licenciatura em Ciências na modalidade a distância, tendo seu início no segundo semestre de 2013.

O referido curso foi planejado por um coletivo de professores por meio da composição de diferentes redes de conversação31 a partir do ano de 2009, com o propósito de elaborar um Projeto Pedagógico que contemplasse a aproximação dos saberes conceituais e da escola e, assim, desenvolvendo a organização curricular constituída por in-terdisciplinas.

Nesse sentido, o currículo se delineou com o intuito de desenvol-ver atividades integradas às várias disciplinas que o compõem, em-bora possam existir atividades específicas de cada uma delas. Desse modo, as duas interdisciplinas (Fenômenos da Natureza e Cotidia-nos da Escola) são compostas por diferentes disciplinas, em conso-nância com os critérios institucionais regulamentados pela FURG. Cabe salientar que as referidas interdisciplinas perpassam os oito semestres do curso, mas não são as únicas existentes na estrutura curricular, uma vez que existe também o estágio supervisionado e as atividades acadêmico-científico-culturais, necessárias para inte-gralizar a carga horária total, incluindo os Seminários Integrado-res.

A interdisciplina Cotidianos da Escola foi projetada como uma estratégia para aproximar a instância formadora da escola e poten-cializar a formação, isto é, desenvolver um espaço de investigação no ambiente escolar em que o acadêmico terá a oportunidade de co-nhecer e vivenciar esse espaço, no qual atuará futuramente como profissional docente. Já a interdisciplina Fenômenos da Natureza possui a proposta de desenvolver estratégias para a compreensão e resolução de problemas relacionados aos fenômenos científicos, au-xiliando o acadêmico na construção de conceitos científicos que irão potencializar seus planejamentos pedagógicos (Tabela 1).

31. Para Maturana (2001) redes de conversação são diferentes domínios de ações dos seres humanos ao pertencer em um grupo social, isto é, existimos no con-versar e tudo que fazemos surge a partir das redes de conversação das quais par-ticipamos, de tal maneira que coexistimos de diferentes formas de acordo com os grupos sociais no qual convivemos e dialogamos.

PARTE II

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Tabela 1. Composição das interdisciplinas do primeiro semestre do curso

Interdisciplinas Disciplina

Cotidiano da Escola I Alfabetização Digital

Docência em Ciências I

Teorias da Aprendizagem

Fenômenos da Natureza I Matéria e Energia

Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências I

Conforme a visualização na Tabela 1, podemos perceber que a or-ganização curricular é definida por interdisciplinas, compostas por duas ou três disciplinas que estão sendo trabalhadas pelos professo-res em um exercício conjunto de planejamento, intervenção, acom-panhamento e avaliação, propiciando a integração entre as mesmas. Sendo assim, a interdisciplinaridade é construída em conjunto pe-los professores a partir de práticas dialógicas e propostas integradas de trabalho coletivo, estabelecendo uma intercomunicação efetiva entre as disciplinas, a fim de superar o modelo fragmentado das Ci-ências.

Nesse sentido, além dos aspectos citados e, em conformidade com o documento que o regulamenta, o referido curso busca ins-tituir uma proposta de formação de professores que intensifique a constituição da identidade profissional de professores capazes de to-mar decisões e de produzir soluções para questões inerentes a sua realidade (FURG, 2011). Para que isso aconteça, o curso desenvol-ve-se no ambiente virtual Moodle concebido em parceria com os professores, tutores32 e estudantes, interagindo e aprendendo cole-tivamente, no compartilhamento de ideias e saberes, sem a necessi-dade da presença física.

O processo de planejamento das interdisciplinas acontece por meio de reuniões semanais com o corpo docente, evidenciando que, cada disciplina, que compõe a interdisciplina, é ministrada por du-plas de professores que dialogam e trabalham em coletivo, planejan-do atividades em comum, ou seja, embora suas especialidades sejam consideradas, as ações são norteadas por um fenômeno ou temática central.

32. No referido curso, o tutor é reconhecido como professor na ação pedagógica.

PARTE II

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Assim, o presente artigo se configura pela análise das reuniões de planejamento docente das interdisciplinas do primeiro semestre (Cotidianos da Escola I e Fenômenos da Natureza I), totalizando 29 reuniões registradas, ocorridas no período de maio a dezembro de 2013. Já no ano de 2014, todas as reuniões foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas, mediante assinatura do termo de con-sentimento livre e esclarecido para participantes do projeto de pes-quisa, bem como as anotações realizadas no diário da pesquisadora, a fim de analisar a articulação entre os envolvidos no processo.

Cartografando o processo: a intencionalidade do planejamento coletivoA cartografia foi proposta enquanto método de pesquisa por Gilles Deleuze e Félix Guattari (1997) e posteriormente representada atra-vés de pistas cartográficas por Kastrup et al. (2012) que descrevem a forma para acompanhar processos, evitando a representação de um objeto predeterminado. Com o propósito de fazer uso desse mé-todo, a partir dos discursos registrados durante as reuniões com o corpo docente do curso em questão, será realizada a cartografia dos mesmos, a fim de investigar como o planejamento coletivo contribui para a formação docente na perspectiva interdisciplinar.

Para tanto, a fim de cartografar esse processo, operamos com os quatro gestos da atenção cartográfica na perspectiva de Kastrup et. al. (2012), composto pelo: rastreio, toque, pouso e reconhecimento atento, que serão elucidados no decorrer da análise. Importante res-saltar que os docentes de cada disciplina que compõe a interdiscipli-na serão os interlocutores da presente pesquisa e, com o intuito de garantir seu anonimato, serão identificados com letras do alfabeto.

Ao acompanhar as reuniões com os dez professores ocorridas no primeiro semestre do curso, percebemos que a intencionalidade la-tente ao longo do planejamento esteve pautada na construção de ati-vidades que estabeleceram uma relação direta com o estudante, ou seja, os docentes priorizaram o resgate aos conhecimentos prévios voltados às diferentes realidades vivenciadas, criando um ambiente de autoria potencializado pelas experiências de todos os envolvidos.

Assim, a intencionalidade no planejamento coletivo se justifica pelo fato de que “não há interdisciplinaridade se não há intenção consciente, clara e objetiva por parte daqueles que a praticam” (FA-ZENDA, 2013, p. 41). Não havendo essa intenção, é possível dialogar, inter-relacionar sem, no entanto, estarmos trabalhando interdisci-plinarmente. Tal postura nos remete ao fato de estarmos na busca por compreender o outro e a nós mesmos; no entanto, mesmo que

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exista a intenção, ela deve ser operada em harmonia com o grupo, pois, na interação do corpo docente durante o planejamento inter-disciplinar, surgem características singulares, de cada sujeito, que se sobressaem no coletivo. Assim, cada docente estabelece relações com os seus saberes e, mesmo inconscientemente, as opiniões, mui-tas vezes, são impostas numa relação de poder. Essas percepções ini-ciais compõem o rastreio que se configura no “gesto de varredura do campo [...], isto é, rastrear é também acompanhar mudanças de po-sição e ritmo” (KASTRUP, 2012, p. 40). Assim, o rastreio não se defi-ne como uma busca de informação, mas visualizar as discussões que ocorreram nas reuniões, que se modificavam a cada posicionamen-to estabelecido pelos docentes.

O rastreio acontece na percepção de uma intencionalidade laten-te em que os professores do primeiro semestre desenvolveram o pla-nejamento pautado na construção de atividades que estabeleceram uma relação direta com o estudante, ou seja, priorizaram o resgate aos conhecimentos prévios voltados às diferentes realidades viven-ciadas, criando um ambiente de autoria potencializado pelas expe-riências de todos os envolvidos.

Cabe salientar ainda que, de maneira geral, a intenção no pla-nejamento do primeiro semestre circundou na ideia de criar uma “estrutura vazada”, no sentido de permitir a autoria coletiva no mo-mento em que os estudantes, ao desenvolver as atividades, preen-chiam essa estrutura, organizando o material com características próprias dessa construção coletiva, na parceria com os docentes e tutores.

Nesse processo de interação, os docentes mostraram-se interes-sados em desenvolver a avaliação conjunta, isto é, buscava-se criar formas para abarcar os conceitos das diferentes disciplinas em uma única questão. Logo, as avaliações foram pensadas por interdiscipli-nas, na busca de acompanhar o processo de produção do acadêmico.

Após essa leitura geral do campo de pesquisa, no acompanha-mento das reuniões de planejamento coletivo, a atenção é tocada por algo que desperta e o toque acontece numa atitude de sensibi-lidade ao campo de pesquisa. Esse toque é decorrente de alguns re-latos dos docentes que evidenciam alguns indícios que contribuem para a formação docente na perspectiva interdisciplinar, provoca-dos pelos aspectos descritos em cada fala na intencionalidade ao pla-nejar. Nesse instante o toque é

notado como uma rápida sensação, um pequeno vis-lumbre, que aciona em primeira mão o processo de se-

PARTE II

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leção [...]. Algo que se destaca e ganha relevo no conjun-to, em princípio homogêneo, de elementos observados (KASTRUP, 2012, p. 42)

e não segue um caminho unidirecional para chegar a um fim deter-minado.

Logo, através desse gesto atencional,

a cartografia procura assegurar o rigor do método sem abrir mão da imprevisibilidade do processo do conheci-mento, que constitui uma exigência positiva do processo de investigação ad hoc (KASTRUP, 2012, p. 43).

A fim de dar visibilidade às análises dessas reuniões, serão trazi-das algumas falas dos docentes das duas interdisciplinas (Fenômenos da Natureza I e Cotidianos da Escola I), articuladas aos pressupostos teóricos que nos permitem compreender o fenômeno estudado.

A partir da seleção desses relatos, que vão ao encontro às relações sobre a intenção no planejamento, utilizamos o gesto atencional ca-racterizado como o pouso, que

indica que a percepção, seja ela visual, auditiva ou outra, realiza uma parada e o campo se fecha, numa espécie de zoom. Um novo território se forma, o campo de observa-ção se reconfigura, a atenção muda de escala (KASTRUP, 2012, p. 43).

Em outras palavras, é a partir dos relevos (grifos nas falas dos do-centes) que as lentes são ajustadas para um zoom na atenção de uma escala fina e precisa, no sentido de intensidade na percepção esta-belecida. Ao emergirem os relevos, esse zoom não é caracterizado como um gesto de focalização, mas a atenção suspensa determinada pelo emocionar ao cartografar.

Sendo assim, no momento das reflexões acerca das primeiras ati-vidades, na intencionalidade de desenvolver um planejamento in-terdisciplinar, o curso manteve-se amarrado nas interdisciplinas, na tentativa de desenvolver o trabalho coletivo integrado com as disciplinas, evitando o isolamento das mesmas.

Isso impulsionou os docentes para desenvolver estratégias no sentido de superar o planejamento disciplinar comumente realiza-do. O Docente A relata essa intenção no planejamento: “Para a gente

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se programar integrado, como o professor de Teorias da Aprendizagem que trabalha e domina essa área, pensa em integrar a sua disciplina com a Docência em Ciências I? Porque quando se tem um conjunto de disci-plinas que estão trabalhando juntas, o pensamento tem que ser o inver-so, ou seja, como esse aluno vai ser avaliado? O que é preciso para ele dar conta de todas as disciplinas nessa interdisciplina? Temos que pensar em um produto dessa interdisciplina” (Docente A).

Por meio dessas estratégias e, portanto, das questões levantadas pelo Docente A, notamos a intenção de se pensar no produto final da interdisciplina, a fim de planejar como desenvolver a cooperação entre as disciplinas. Essa preocupação tangencia também a própria avaliação, porque a ideia é evitar que os professores avaliem em se-parado, de fazer um somatório de notas de cada disciplina, além de oportunizar ao acadêmico a visão global de todos os conceitos traba-lhados.

Assim, o Docente L reitera essa discussão: “Acho que essa questão de produto final está articulada com a própria avaliação, e se o aluno vai construir esse material em conjunto com a gente, me parece mais fácil avaliar. Porque começamos a perceber o quanto ele conseguiu se apro-priar também de determinada área” (Docente L).

Partindo dessas intenções iniciais discutidas no coletivo, o pla-nejamento configurou-se pela criação ativa dos acadêmicos e, a par-tir disso, os professores desenvolveram as atividades embasadas nas necessidades dos estudantes. O desenvolvimento dessa estraté-gia partiu do apontamento manifestado pelo Docente G: “Existe um edifício que está sendo construído no centro da cidade. Esse edifício está pronto, só na sua estrutura e eu acho que é uma construção moderna de fazer a estrutura e depois vai preenchendo. Eu achei bárbaro, me lembra de como eu acho que tem que ser a produção do material. A estrutura tem que estar pronta e aí com a chegada do estudante é que a gente vai preen-chendo e vai fechando. Pode ser que as nossas produções nas primeiras vezes, seja um edifício todo torto, mas tudo bem é essa que a gente conse-guiu e não outra. Porque sou contra a produção de material pronto, por-que aí a gente chega no mesmo modelo do presencial. Então essa ideia de estrutura vazada de material que seria muito bacana se a gente pudesse pensar” (Docente G).

Sendo assim, considerando tais intenções no planejamento ao longo do semestre, os docentes privilegiaram os conhecimentos prévios dos estudantes, a fim de possibilitar a compreensão das dis-ciplinas que se complementam.

No momento da elaboração das atividades, os docentes percebem a importância desse produto construído no coletivo para o envolvi-mento do acadêmico e isso se reflete no modo de como avaliar. A fala

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do Docente M aponta esse aspecto: “A ideia então é que a gente possa ter esse material hipermediático, com a nossa proposição, os textos que foram produzidos por nós, os vídeos, as atividades, e os resultados pro-duzidos pelos alunos, porque teve uma produção muito interessante, por exemplo, a avaliação que eu estava falando antes, é uma avaliação que não envolve apenas uma avaliação de conteúdo, ela envolve a avaliação da aprendizagem, sobre processos metodológicos, sobre como eu vou dar conta desse processo, isso é muito interessante” (Docente M).

Esse relato reafirma a preocupação com o acadêmico no momen-to de elaborar as atividades e, para contemplar a produção coletiva, a avaliação potencializa a reflexão dessas práticas desenvolvidas. É possível notar que a avaliação é compreendida pelos docentes como um processo produtivo, visto que apontam estratégias para acompanhar o estudante de maneira processual.

Esse movimento, em que os docentes se colocam dispostos a su-perar a fragmentação das disciplinas e driblar os critérios institu-cionais regulamentados pela FURG, torna-se uma aposta para que o diálogo entre as diferentes disciplinas resulta no próprio progres-so científico. Acreditar que a proposta interdisciplinar é possível, quebra com a lógica colocada no regimento curricular, promoven-do a motivação e inquietação de outros especialistas, para que pos-sam estabelecer em conjunto e, por meio da pesquisa, a articulação de conceitos, de problemática e de métodos com vista a uma leitura mais rica da realidade (POMBO, 1994).

Nessa perspectiva, realiza-se o reconhecimento atento e “tem como característica nos reconduzir ao objeto para destacar seus contornos singulares. A percepção é lançada para imagens do pas-sado conservadas na memória” (KASTRUP, 2012, p. 46).

Esses contornos singulares são as discussões tecidas pelas per-cepções ao cartografar, atreladas aos interlocutores inseridos nesse processo e os teóricos que fundamentam os movimentos de pesqui-sa. Esse gesto atencional não se dá de forma linear, mas como ponto de interseção entre a percepção e a memória, assim “o presente vira passado, o conhecimento, reconhecimento. Memória e percepção passam a ser trabalhadas em conjunto” (KASTRUP, 2012, p. 46), re-alizando um trabalho de construção por meio da síntese de todas as reflexões estabelecidas por gestos, imagens, falas e reflexões desen-volvidas ao longo do processo caracterizado pelas reflexões aponta-das.

Sabemos que esse e muitos outros desafios existem ao desenvolver uma proposta interdisciplinar, no entanto, percebemos o sentimen-to intencional que se fez presente ao planejar as interdisciplinas, co-locando o estudante como atuante nesse processo. Em meio a essas

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tentativas de elaborar estratégias para construir as atividades regi-das por diferentes vozes, cartografamos essas aproximações de de-sejos e inquietações.

Nesse sentido, para promover ações interdisciplinares o interes-se do educador pela pesquisa é fundamental, pois permite despertar no educando o espírito de busca, a sede da descoberta, a imaginação criadora e da insatisfação fecunda, no domínio do saber (JAPIASSU, 1976). Ainda que o acadêmico é um agente provocador e desequili-brador de estruturas mentais rígidas e, por isso, preenche a estru-tura vazada do planejamento, o que possibilita a (re)significação de conceitos e construção de um produto construído coletivamente. No ato de planejar e replanejar, o ambiente virtual torna-se signifi-cativo para estabelecer um vínculo entre os docentes e acadêmicos.

Nesse sentido, o feedback favorece a interação, compartilha-mento de conhecimentos, produções e experiências, potencializada pela mediação pedagógica. Esse acompanhamento tem como prin-cipal característica potencializar o processo de ensino-aprendiza-gem mais interativo e colaborativo em virtude de suas interfaces de comunicação síncronas, ou seja, aquelas em tempo real, bem como as assíncronas que permitem a comunicação em tempos diferentes.

No contexto geral, ao planejar, cada docente inserido nesse traba-lho coletivo percebe a consciência de que sua especialidade precisa ser compensada pelo sentido de complementaridade das perspecti-vas epistemológicas e metodológicas, de que “suas verdades parciais não podem ser exclusivas umas das outras, porém, inclusivas” (JA-PIASSU, 1976, p. 139). No entanto, esse sentimento intencional, no qual referimos a respeito do planejar as interdisciplinas, não possui um aspecto tendencioso, isto é, apenas existirá a complementarida-de dos conceitos disciplinares quando necessário. A interdisciplina-ridade desenvolve-se de maneira natural e, portanto, a comunicação entre as áreas acontece quando necessária, orientada por um inte-resse comum.

Considerações finaisNo contexto geral, fala-se de integrar as disciplinas ao longo do pla-nejamento, mas chegar a um consenso comum de como fazê-la é uma tarefa árdua e parte do aprofundamento no conhecimento dis-ciplinar. Dessa forma, requer de cada especialista a abertura para outras áreas diferentes da sua, no desejo de elaborar um produto pe-dagógico interdisciplinar.

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Portanto, por meio desse desejo, despertado pelo diálogo e trocas de experiências, a pesquisa provoca mudanças na prática pedagó-gica, e até mesmo no próprio docente, que reflete e discute no cole-tivo, propondo novas ideias que encaminham para a superação da fragmentação do saber, na busca de uma linguagem compreensível por todos.

A prática interdisciplinar exige envolvimento e comprometi-mento por parte dos docentes de modo a estarem abertos a trocas de experiências, configurando-se na superação do individualismo tanto dos docentes quanto dos conhecimentos que necessitam da ar-ticulação e inter-relação das disciplinas no processo do trabalho co-laborativo no sentido de oferecer condições, tais como de formação adequada ao docente, organização do tempo e espaço pedagógico, da proposta estar contemplada nos projetos pedagógicos. Realizar este estudo permite perceber que a interdisciplinaridade, embora tenha muitas vertentes teóricas e epistemológicas, só acontece pelo vivenciar de práticas pedagógicas interdisciplinares, especialmente nos cursos de licenciatura, uma vez que é o estar na experiência que possibilita sua apropriação.

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Relações profissionais entre professores da educação superior e básica: uma potência para profissionalização da docência

rejane conceição silveira da silva33

débora pereira laurino34

IntroduçãoA docência como tema das pesquisas educacionais discute no mo-mento, entre outros aspectos, a importância dos processos que envolvem a formação e a profissionalização dos professores. A pro-fissionalização demanda da aquisição das capacidades específicas da profissão e não se resume à formação profissional, envolvendo ou-tras características, como aptidões, atitudes, valores, formas de tra-balho, que se vão constituindo no exercício da profissão.

É, portanto, um projeto sociológico voltado para a dig-nidade e para o status social da profissão, em que se in-cluem também as condições de trabalho, a remunera-ção e a consideração social de seus membros (VEIGA; ARAUJO; KAPUZINIAK, 2005, p. 31).

Com isso, podemos entender que a formação inicial vivenciada nos cursos de licenciatura é apenas o começo da profissionalização docente que ocorrerá ao longo da carreira permeada por atitudes, conhecimentos e habilidades. Essa formação representa uma etapa na trajetória profissional do educador.

Segundo Ens, Gisi e Eyng (2010), as discussões no Brasil sobre for-mação e profissionalização do professor da Educação Básica foram intensificadas, principalmente no período que antecedeu a aprova-ção da atual LDB, a partir da inclusão da terminologia ‘profissionais da educação’ em seus artigos 61 a 67 para denominar, em especial, os professores. Libâneo (1998) também aponta que as discussões sobre

33. Universidade Federal do Rio Grande.

34. Universidade Federal do Rio Grande.

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formação docente e profissionalização estão associadas ao contexto das reformas educacionais iniciadas no final do século XX.

Conforme Libâneo (1998, p. 82):

Praticamente todas as reformas educativas desencadea-das por volta dos anos 80 em vários países destacam me-didas relacionadas com a formação e profissionalização dos professores para atendimento de novas exigências geradas pela reorganização da produção e da mundiali-zação da economia.

Na mesma linha de pensamento Tardif (2000) aponta que, na dé-cada de 1980, iniciou nos Estados Unidos e no Canadá, um movi-mento reformista da formação de professores da Educação Básica, que discutiu a profissionalização do trabalho docente. Esse movi-mento se espalhou nos países de cultura anglo-saxônica (Austrália, Inglaterra, etc.), na Europa francófona (Bélgica, França e Suíça), e em vários países latino-americanos. Entre os princípios desse mo-vimento são apontados o ensino como uma atividade profissional apoiada em um sólido repertório de conhecimentos, a prática pro-fissional como um lugar de formação e de produção de saberes, e a integração entre as instituições universitárias de formação e as es-colas da Educação Básica.

Portanto, avançar na formação em uma perspectiva de desenvol-vimento profissional estimula um conversar entre os profissionais da Educação Básica e Superior em uma relação cooperativa, capaz de contribuir para um trabalho formativo tanto na escola como na universidade.

Assim, conscientes da relevância desse contexto e imersas nos processos formativos de professores que ocorrem ora na escola, ora na universidade, emergiu o desejo de discutir como as relações pro-fissionais entre os professores da Educação Superior e Básica, par-tilhadas em espaços de integração desses níveis de ensino, podem potencializar a profissionalização da docência.

Transversalidade de um plano comumNa busca por construirmos uma compreensão sobre o fenômeno investigado embasamos nossa pesquisa na Teoria da Biologia do Conhecer desenvolvida por Humberto Maturana e por Francisco Varela. A partir daí fazemos aproximações com a perspectiva carto-

PARTE II

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gráfica tendo como base a filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari, por entendermos que habitamos o território da pesquisa enunciada acompanhando processos de formação e que desejamos partilhar os sentidos desse território construído com os que dela fazem parte.

Consideramos experiências as distinções que o observador im-plicado faz de seu viver, ou seja, não existe lá fora um mundo cheio de objetos, eles só existem na distinção do observador. Desse modo, as descrições e os entendimentos que fazemos dependem de nossa estrutura, de nossas experiências, emoções, desejos e interações, permeadas pelas redes de conversação tecidas nas tessituras das quais participamos.

Nesta perspectiva, segundo Maturana (1995, p. 68), “Todo fazer é conhecer e todo conhecer é fazer”, isto é, não existe separação entre o fazer e o conhecer, pois a cognição cria um mundo construído pelo indivíduo no fluir de seu conhecer. Sendo assim, entendemos que não existe conhecimento sem a experiência pessoal, porque é a par-tir de nossas experiências que emergimos juntamente com o nosso conhecer.

Em coerência com essa compreensão para acompanhar os pro-cessos de formação docente investigados elegemos a cartografia como método, pois desejamos explorar o campo investigativo per-correndo as múltiplas entradas que atravessam as experiências das pesquisadoras, construindo diversas possibilidades, sem represen-tar o objeto e separá-lo do sujeito. Como afirmam Barros e Kastrup (2012, p. 53), “a pesquisa cartográfica consiste no acompanhamento de processos, e não na representação de objetos”.

A cartografia é um modo de conhecer a realidade, de comboiar processos de produção e de possibilitar o acompanhamento de mo-vimentos, de modo que o observador está sempre implicado no cam-po de observação. Com a cartografia mergulhamos nos afetos que permeiam os contextos e as relações que pretendemos conhecer. Conforme Rolnik (2014), a cartografia tem como eixo de sustentação do trabalho metodológico a invenção e a implicação do pesquisador, uma vez que ela se baseia no pressuposto de que o conhecimento é processual e inseparável do próprio movimento da vida e dos afetos que a acompanham.

Tendo em vista a intencionalidade da pesquisa identificamos al-guns espaços legitimados no Sistema Educacional Brasileiro35 que possibilitam constituir redes de conversação entre os níveis Básico e Superior de ensino como práticas docentes e estágios supervisio-

35. Sistema Educacional Brasileiro é a forma como se organiza a educação regu-lar no Brasil.

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nados dos cursos de licenciatura, programas voltados à formação de professores, cursos e eventos de formação continuada para profes-sores da Educação Básica.

Sentindo-nos próximas dos processos formativos promovidos em alguns desses espaços, escolhemos acompanhar aqueles nos quais já estávamos inseridas, ora como formadoras, ora como pro-fessoras em formação, percorrendo esses campos da formação do-cente com a atenção direcionada e sensível aos encontros que esta viagem nos proporcionava.

Os espaços de interação entre os níveis de Educação Básica e Su-perior na formação docente cartografados durante a pesquisa fo-ram: o curso de extensão “Quartas com a Geometria”, promovido no âmbito do Programa Novos Talentos e organizado por integran-tes do grupo de pesquisa Educação a Distância e Tecnologias (EaD--Tec), da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, o Programa de Desenvolvimento Profissional para professores (PDPP) na área da Matemática realizado em Portugal e o campo das práticas e estágios curriculares das licenciaturas.

O curso “Quartas com a Geometria” foi realizado de forma se-mipresencial e envolveu professores e alunos da Pós-graduação em Educação em Ciências, professores de Matemática da rede pública de Educação Básica e estudantes licenciandos do curso de Matemá-tica da FURG, em uma ação conjunta desses níveis de ensino. O cur-so abordou o tema Geometria e teve duração de 40 horas, com cinco encontros presenciais de quatro horas e as demais horas desenvol-vidas em atividades práticas, realizadas nas escolas de Educação Bá-sica com compartilhamento, reflexão e conversação em uma rede social. Nas redes de conversação estabelecidas nesse espaço seus participantes foram identificados pelo nome de sólidos geométri-cos.

O PDPP foi uma ação resultante do intercâmbio estabelecido en-tre a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-rior (CAPES) e as Universidades portuguesas de Aveiro e do Porto. Esse programa envolveu cursos de aperfeiçoamento e atualização para professores brasileiros, na área de Física, Química, Matemáti-ca, Língua Portuguesa e Pedagogia. O curso cartografado foi realiza-do pelo Departamento de Matemática da Universidade de Aveiro em Portugal, para 25 professores de Matemática da rede pública de Edu-cação Básica, oriundos de diversos locais do Brasil, entre eles bolsis-tas supervisores integrantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação á Docência (PIBID) e alunos do Plano Nacional de Forma-ção de Professores – PARFOR. Ao longo do texto esses professores

PARTE II

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são identificados por nomes fictícios visando a preservar suas iden-tidades.

A pesquisa cartográfica do espaço das práticas e estágios curricu-lares foi composta pelas conversas realizadas com sete professores de uma escola de Educação Básica que acolhe estagiários de diversas licenciaturas (identificados no texto por letras maiúsculas do nosso alfabeto) e sete professores da FURG responsáveis pelas práticas e estágios das licenciaturas de Química, Letras, Matemática (dois pro-fessores), Geografia, Biologia e da Pedagogia (identificados por no-mes fictícios).

Diante dessas experiências, para registrar a dinâmica, os flu-xos e as intensidades do percurso compomos um portfólio da pes-quisa constituído pelo diário de bordo; pela transcrição de registros oriundos de conversações e de entrevistas; pelo portfólio reflexivo produzido na vivência do PDPP e por fotografias e filmagens.

No diário de bordo foram registradas todas as observações, per-cepções e emoções sentidas ao longo da pesquisa: na organização e participação da formação “Quartas com a Geometria”, nas vivências do PDPP e durante as conversas realizadas com professores da esco-la e da universidade no contexto das práticas e estágios das licencia-turas.

O portfólio reflexivo foi construído a partir das experiências vi-venciadas em Portugal durante o PDPP. Esse portfólio foi constitu-ído por fotografias, materiais produzidos ao longo do curso, relatos reflexivos que, além de descreverem o dia a dia do programa, ex-pressaram as inquietações, sentimentos, dúvidas, alegrias e decep-ções que emergiram durante o período dessa formação.

Além disso, fizeram parte do material produzido ao longo da pesquisa as filmagens e fotografias dos encontros presenciais da formação “Quartas com a Geometria”, a transcrição das conversas estabelecidas na rede social, a transcrição das entrevistas realiza-das com os professores no PDPP e a transcrição das conversas com os professores das escolas e das licenciaturas envolvidos com as prá-ticas e estágios curriculares.

As entrevistas feitas com os professores que participaram do PDPP exploraram a experiência vivenciada em Portugal, suas per-cepções sobre o curso e suas expectativas. As conversas realizadas com os professores da Educação Básica e do Ensino Superior no con-texto das práticas e estágios discutiu a forma como essas ações são realizadas e são percebidas nas escolas e na universidade, as atribui-ções de seus responsáveis e as potencialidades desses espaços para promover o conversar dos profissionais sobre a profissionalização da docência.

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A produção, a análise e a reflexão desses elementos proporciona-ram atravessamentos por linhas que processaram novos territórios de sentidos e de outros conhecimentos, com os quais construímos a partir de nossas percepções e nossos afetos, as compreensões e as possibilidades, cartografadas na sequência do trabalho.

Percepções capturadas no movimento cartográficoO curso “Quartas com a Geometria” foi planejado e operacionaliza-do no conversar e na problematização do ensino da Geometria na Educação Básica buscando propiciar momentos de trocas de expe-riências, discutir estratégias de ensino e experienciar ferramen-tas diferenciadas para auxiliar a aprendizagem dos estudantes. Nos encontros presenciais criamos um espaço de conversa em que as práticas eram socializadas e emergiam os saberes, as dificuldades en-contradas durante a execução das oficinas com os alunos, bem como novas sugestões de aplicação do conteúdo e o compartilhamento das aprendizagens com outros colegas da escola, como constatamos nas falas dos professores Paralelepípedo, Esfera e Pirâmide respectiva-mente: “percebi que eles possuem dificuldades em utilizar a régua para as medições” (PARALELEPÍPEDO); “[...] lembrei olhando as fotos que podes trabalhar também, além do estádio, o estacionamento, porque em duas maquetes eu vejo que eles se preocuparam em representar o estacio-namento” (ESFERA) e “já mandei e-mail com essa sugestão para as cole-gas de Matemática da minha escola. Valeu” (PIRAMIDE).

Desse modo, percebemos que as relações se efetivaram de ma-neira não hierárquica, em que professores formandos e formadores compuseram um sistema de convivência e ações baseadas no respei-to mútuo e na aceitação do outro como um legítimo outro, abrindo espaços de escuta e acolhida, que permitiu a construção de conheci-mentos e possibilitou ir além do que estava previsto no planejamen-to do curso. Isso aconteceu porque instituímos um espaço relacional de aceitação constituído no linguajear e no emocionar que admitiu o compartilhamento e a cooperação de ideias. Segundo Maturana (2014), quando vivenciamos um domínio experiencial em que o ou-tro tenha lugar, enxergamos e validamos as ideias e os conhecimen-tos do outro e, portanto, aceitamos o mundo que este produziu tão válido quanto o nosso.

Por outro lado, no contexto do PDPP constatamos que os gestores e formadores não conhecendo as perspectivas, o desejo e as necessi-

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dades dos professores/cursistas36 e não abrindo um espaço de escuta e de conversa propuseram temáticas de estudo e atividades que não atenderam às suas expectativas como aponta o professor/cursista Daniel: “Eu esperava que fosse um curso prático, com bastante práticas de ensino. Cheguei aqui e me deparei com um curso quase que totalmente teórico, com uma Matemática bem aprofundada”.

Os professores/cursistas imaginavam que iriam compartilhar experiências e práticas de ensino com os professores portugueses e discutir como a docência na área da Matemática acontecia em Por-tugal, como demonstra a fala da professora/cursista Ana: “Quando eu vim para cá pensei que haveria troca de experiências entre profes-sores portugueses e os que estavam vindo do Brasil. Pensei que haveria discussões sobre nossas práticas em sala de aula e sobre os processos de ensinar e aprender Matemática”. Todavia, isso não aconteceu, porque a concepção do curso era a transmissão dos conteúdos de Matemáti-ca e não a abordagem do seu ensino como relata o professor/cursista Hélio: “Não houve espaço para falarmos de nossas experiências profis-sionais. Eu gostaria de ter ido além da Matemática conceitual”.

A visão de ensino e aprendizagem que permeou as ações forma-tivas baseada na ideia de “transmissão e recepção de conhecimen-tos”, em que, supostamente, quem conhece, transmite (formador) e quem não conhece (formando) recebe passivamente os conheci-mentos, suprimiu o protagonismo dos professores em formação e colaborou para uma relação de obediência e concessão do poder. Essa relação hierárquica favoreceu o distanciamento entre os pro-fessores/cursistas e os professores formadores da universidade.

Além disso, o programa desconsiderou o contexto de formação em que os professores cursistas estavam inseridos. Era uma das exi-gências para participar da seleção do PDPP ser bolsista supervisor do PIBID ou aluno do PARFOR, programas de formação docente do Governo Federal que discutem e problematizam questões ligadas ao ensino e à aprendizagem, tendo em vista melhorar a atuação dos professores atuantes na Educação Básica.

Assim, os professores/cursistas imaginavam durante esta expe-riência conhecer novas metodologias, outras formas de ensinar Ma-temática, visitar escolas de Educação Básica, trocar experiências e compartilhar conhecimentos, como nos fala o professor/cursis-ta Beto: “Minha expectativa era conhecer mais escolas, visitamos ape-nas uma no último dia, trocar experiências, conhecer um pouco mais das metodologias que eles usam aqui (Portugal) no ensino fundamental

36. Professores/cursistas são os professores que foram do Brasil realizar o PDPP em Portugal.

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e médio”. Entretanto, a formação priorizou aspectos procedimentais e conceituais da Matemática disponibilizando pouco espaço para a discussão de questões ligadas ao ensino da Matemática e ao trabalho docente desta área na Educação Básica.

A dissonância do propósito do curso e o desejo dos professores/cursistas despertaram uma emoção de insatisfação e prejudicaram a troca de saberes. “Acho que a formação não atendeu nossas necessida-des. Ela deveria ter ligação com a realidade das salas de aula, pois todos somos professores e por isso necessitamos discutir coisas da docência”, destaca a professora/cursista Célia. Nessa convivência não houve o conversar no sentido de “dar voltas com o outro” (MATURANA, 2014) entre os professores formadores e os professores/cursistas, o que restringiu o potencial formativo esperado deste projeto. Assim, reconhecemos que é pelo conhecimento mútuo adquirido pelo tra-balho cooperativo e coparticipativo da universidade e da escola que poderemos produzir ações de formação significativas e, desse modo, contribuir para a profissionalização da docência. O diálogo e a co-laboração entre os profissionais das diferentes instituições podem provocar o (re)pensar e a criação de ações que atendam aos anseios desses sujeitos.

Além disso, também podemos inferir que os processos de forma-ção continuada tornam-se significativos quando estão em conso-nância com as reais necessidades dos professores e levam em conta seus interesses, reconhecendo-os como sujeitos que estão num pro-cesso de busca de aquisição de novos conhecimentos, que dominam saberes construídos ao longo de sua prática e valorizam sua capaci-dade para decidir. Nesse sentido, Imbernón (2010) corrobora quan-do afirma que a formação não deve “partir apenas do ponto de vista dos especialistas, mas também da grande contribuição da reflexão prático-teórica que os professores realizam sobre seu próprio fazer” (IMBERNÓN, 2010, p. 48).

No contexto das práticas e estágios observamos durante nos-so percurso cartográfico conversas pontuais e protocolares entre os profissionais da Educação Básica e Superior, gerativas de uma convivência fragmentada, que se restringe ao tempo em que o li-cenciando está na escola desenvolvendo uma prática ou o estágio supervisionado, como observamos na fala da professora da Educa-ção Básica “o professor da universidade vem visitar o estagiário, mas não tem uma relação direta com a escola. Às vezes estamos aqui e conhe-cemos o professor que chega, então conversamos, mas é só isso. O que é uma pena” (PROFESSOR B).

Corroborando com essa discussão a professora da universidade também destaca a importância da interação dos profissionais dos

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dois níveis na construção de uma caminhada profissional integrada e manifesta seu desejo de interatuar com a escola “Adoraria que eles me chamassem para ir à escola. Quando eles fazem formação que a gente pudesse participar, porque eu acho que esse diálogo só enriquece tanto o nosso trabalho quanto o deles, já que o fim é o mesmo, é o aluno, é a qua-lidade do ensino” (LÚCIA).

Embora os profissionais estejam cientes da importância e da necessidade da aproximação entre a universidade e a escola, a for-mação docente ainda se mantém distante, afastada da profissão. En-tendemos que isso acontece, porque não estamos imersos na mesma história de interações. Não vivenciamos a profissão e a formação em coordenações de ações no domínio profissional. Geralmente não existe interação entre os profissionais atuantes no nível básico – campo da profissão e os que atuam nos cursos de nível superior – formação docente e, por consequência, não se configura um mesmo espaço de convivência. Não compartilhamos de um mesmo projeto, um propósito fundamental comum que nos permita, mesmo atuan-do em níveis de ensinos diferentes, encontrarmo-nos numa concor-dância emocional, em que possamos fazer conversações articulando a universidade e as escolas.

De acordo com Maturana (2002, p. 66),

[...] para que haja história de interações recorrentes, tem que haver uma emoção que constitua as condutas que re-sultam em interações recorrentes. Se esta emoção não se dá, não dá história de interações recorrentes, mas so-mente encontros casuais e separações.

Percebemos, também, que os professores da escola, mesmo aco-lhendo estagiários, não conhecem o currículo, a concepção do cur-so de licenciatura, nem seus formadores e as linhas teóricas que apoiam suas práticas como relata a professora A “a gente na escola precisava conhecer os cursos de licenciatura, conhecer sua estrutura e organização”. Da mesma forma, os estagiários, muitas vezes, desco-nhecem a organização curricular da escola, a avaliação dos alunos e os problemas enfrentados pelas comunidades escolares como cons-tatamos pela fala da professora B “muitas vezes os alunos que estão chegando para os estágios desconhecem a estrutura curricular da esco-la, sua avaliação”.

Isso igualmente demonstra o distanciamento entre a escola e a universidade e ratifica que a escola, embora sendo o campo princi-pal de trabalho da docência, nessa concepção é apenas o espaço para

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a realização das práticas. Desse modo, observamos que construir re-des de conversação colaborativas ainda é uma conquista para os pro-fissionais da educação, pois como argumenta Nóvoa (2007, p. 5) “não haverá nenhuma mudança significativa se a ‘comunidade dos for-madores de professores’ e a ‘comunidade de professores’ não se tor-narem mais permeáveis e imbricadas”.

Além da disponibilidade do espaço na escola para a realização das práticas e estágios, percebemos que constituirmos redes de con-versação entre os coletivos de profissionais das instituições que atu-am no Ensino Superior e no Básico integrará essas comunidades e poderá ressignificar as relações entre a formação e a profissão. Acre-ditamos que, para a troca de saberes e a interação entre esses pro-fissionais, precisamos de suas participações e do conhecimento dos contextos e dos processos de atualização e funcionamento dos cur-sos desses respectivos níveis.

Pensar em avançar na profissionalização da docência conside-rando, como sugerem Pimenta e Lima (2006), os estágios como um instrumento pedagógico que contribui para a superação da dicoto-mia teoria-prática, implica reconhecer que escola e universidade são ambientes de formação. Para isso, demanda constituirmos em conjunto, um espaço de interações recorrentes com o outro, no qual as presenças sejam legitimadas e que, por conseguinte, nos leve a uma convivência profissional baseada na confiança, no respeito mú-tuo e na validação dos saberes.

Assim, a reflexão sobre essas experiências cartografadas, permi-tiu perceber as diferenças entre as redes de conversações constituí-das nesses processos formativos. Isso nos instiga a repensar os tipos de formações que desejamos e a profissão que almejamos construir, pois se o que queremos é um modo de atuar na formação de profis-sionais da educação que nos possibilite criar um mundo cooperativo que produza modos de viver, que tragam sentido para esse coletivo, precisamos organizar processos formativos interativos, já que o pro-cesso do conhecer é constituído nas interações com o mundo.

Reflexões sobre a profissionalizaçãoPara que as relações entre a Educação Básica e Superior priorizem os anseios, as ideias e os desejos dos sujeitos de ambos os níveis da edu-cação, percebemos a necessidade do envolvimento emocional e da construção de redes de conversação entre seus profissionais, anco-radas por atitudes de respeito, de igualdade e de cooperação.

As relações constituídas no campo da profissão são diferentes, porque mesmo sendo interações com finalidades profissionais de-

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pendem da emoção em que vivemos esses encontros e que conse-quentemente configuram diferentes domínios de ações. A forma como essa convivência se estabelece influi e determina o conversar que, por conseguinte, ocorrerá no espaço ou não das interações so-ciais. Desse modo, é na dinâmica das relações de aceitação mútua que desaparecem as figuras profissionais que, muitas vezes, mar-cam a hierarquia, e surgem as pessoas, tornando a convivência en-tre elas uma convivência social.

Assim, o caminho para a construção de uma interlocução entre a Educação Básica e a Superior que potencialize a profissionalização da docência, pressupõe um trabalho dialógico, participativo e coo-perativo, em que seus profissionais, embora atuando em níveis de ensino diferentes, estejam numa posição de igualdade, comparti-lhando ideias, experiências e sonhos na busca do aperfeiçoamento da formação docente e do desenvolvimento da educação.

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IMBERNÓN, F. Formação continuada de professores. Trad. Juliana dos Santos Padilha. Porto Alegre: Artmed, 2010.

LIBANEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências edu-cacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 1998. (Coleção Questões da nossa época; v. 67).

MATURANA, H. R.; VARELA, F. G. A árvore do conhecimento: as bases bio-lógicas do entendimento humano. Trad. Jonas Pereira dos Santos. Campinas: Editorial PSY, 1995.

MATURANA, H. R. A ontologia da realidade. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2014.

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NÓVOA, A. O Regresso dos Professores. Lisboa: Educa, 2007.

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150Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

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TARDIF, M. Saberes Profissionais dos professores e conhecimentos univer-sitários:elementos para uma epistemologia da prática profissional dos pro-fessores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação, v. 13, p. 5 -24, jan./fev./mar./abr. 2000. Dis-ponível em: http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE13/RBDE13_05_MAURICE_TARDIF.pdf. Acesso em: 15 jun. 2018.

VEIGA, I. P. A.; ARAUJO, J.C.; KAPUZINIAK C. Docência: uma construção ético-profissional. Campinas: Papirus, 2005.

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O ciclo da longedocência: um estudo sobre os professores voluntários de uma universidade pública

juliana lima moreira rhoden37

dóris pires vargas bolzan38

Apresentação do tema Este texto decorre de uma pesquisa sobre o “Professor voluntário e o ciclo da longedocência no Ensino superior”. Problematizamos, a partir das narrativas de professores universitários aposentados, os processos implicados na manutenção destes profissionais na ativi-dade docente, como professores voluntários, a quem nominamos longedocentes.

Neste trabalho, voltamo-nos ao amplo tema do desenvolvimen-to profissional e do ciclo de vida profissional, alargando e trazendo novos debates sobre o professor aposentado que (re)investiu na pro-fissão, após aposentadoria, destacando-se o ciclo da longedocência e seus indicadores. Tomamos como referência o contexto de uma uni-versidade pública brasileira do interior do Rio Grande do Sul para chegarmos ao entendimento desta tipologia de ciclo, a que chama-mos de ciclo da “longedocência”.

Este ciclo se caracteriza pela condição de maturidade e sabedoria alcançada pelo docente, que examina minuciosamente prioridades da vida pessoal e profissional, focando de maneira mais direcionada ao momento presente, conciliando suas necessidades àquelas rela-cionadas à sua profissão, assim como aos interesses sociais. O longe-docente, “por se sentir mais livre, manifesta o desejo e a disposição para se manter ativo no cenário acadêmico, além de demonstrar forte identificação com o lugar no qual exerceu a carreira docente” (RHODEN, 2018, p. 241).

No ciclo da Longedocência toda a bagagem de conhecimentos, saberes, experiências e marcas advindas da carreira, confirmam e reafirmam a escolha profissional dos longedocentes. Os “longedo-centes”, professores que não findaram o ciclo de vida profissional

37. Universidade Federal do Pampa.

38. Universidade Federal de Santa Maria.

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com a aposentadoria, no curso da existência profissional, constru-íram uma carreira, uma identidade profissional, marcada por di-ferentes espaços, tempos e momentos, envolvendo “um intrincado processo que engloba tanto fases da vida quanto da profissão” (ISAIA e BOLZAN, 2009, p. 22).

Ao longo do percurso profissional, esses professores foram de-senvolvendo modos de ser, de investir ou (re)investir na profissão que, de alguma maneira, os mobilizaram a querer estar constan-temente aprendendo e se desenvolvendo, bem como a continuar participativo na vida acadêmica, cultural e social, prosseguindo, trocando e colaborando com outras gerações, após a aposentadoria.

Como podemos evidenciar em nosso estudo, algumas caracterís-ticas e acontecimentos são indicadores do ciclo da “longedocência” e compõem as razões que mobilizam o longedocente em direção a ampliar o ciclo profissional. Assim como também podem surgir al-guns dilemas nessa etapa.

Destacamos duas perspectivas: um olhar voltado às trajetórias ou caminhos percorridos pelos professores, que os levaram a (re)in-vestir na profissão, e outro enfoque mais subjetivo, em termos de percepção que eles têm de si e a forma como foram tecendo suas vi-das e suas trajetórias pessoal e formativas, as quais os mobilizaram a (re)investir na profissão, levando em conta o curso das experiências, das vivências e dos acontecimentos vitais que ocorreram ao longo da trajetória.

Caminhos metodológicos do estudoO percurso teórico-metodológico da investigação se direcionou pe-los fundamentos da pesquisa qualitativa e se desenvolveu a partir da abordagem narrativa de cunho sociocultural. Esta proposta foi construída por Bolzan (2002, 2006, 2009, 2016) a partir dos estudos de Vygotski (2003, 1995), Bakhtin (2009, 2011), Werstch (1993), Con-nelly e Clandinin (1995) e Freitas (2002, 2007). 

Nosso objetivo foi compreender os processos de mobilização que os professores voluntários produziam ao [re]investirem na carreira docente, após a aposentadoria. Para tanto, estabelecemos como ob-jetivos específicos: conhecer a trajetória profissional e pessoal dos professores voluntários, após a aposentadoria; reconhecer os ele-mentos que compõem os processos de mobilização para continuar na docência; identificar os sentidos e significados atribuídos ao tra-balho pelos professores voluntários.

A pesquisa foi delineada em duas etapas. A primeira de cará-ter exploratório, necessário ao mapeamento do campo de pesqui-

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sa, quando exploramos os documentos institucionais e normativos. Os resultados desta etapa possibilitaram o conhecimento de aspec-tos da realidade do trabalho voluntário no âmbito da Universida-de Federal de Santa Maria; além da possibilidade de identificarmos os professores aposentados que aderiram ao serviço voluntário, re-gulamentado pela Resolução nº 012/2004, de 19 de outubro de 2004, bem como conhecer alguns aspectos gerais referentes ao perfil des-ses professores. A segunda etapa constituiu-se no principal momen-to da pesquisa qualitativa narrativa de cunho sociocultural, a qual visou à realização das entrevistas narrativas com 12 professores aposentados que aderiram ao serviço voluntário, “longedocentes”. É importante esclarecermos que nossos colaboradores não foram identificados por seus nomes verdadeiros, para que fosse preserva-da a identidade. Como nomes fictícios, atribuímos nomes de “pe-dras preciosas”, pelo significado e valor que representam.

Ressaltamos que foi olhando para o conjunto do que havíamos constituído, a partir dos achados nesta segunda etapa, que fomos compreendendo os processos mobilizadores dos professores que permaneceram na UFSM, como voluntários, após a aposentadoria e o que denominamos de Ciclo da Longedocência. Portanto, no recor-te aqui apresentado vamos nos deter nos achados da segunda etapa da pesquisa, enfocando os indicadores do “Ciclo da Longedocência”.

Desse modo, a partir da abordagem narrativa de cunho sociocul-tural, buscamos uma compreensão teórico-interpretativa centrada na singularidade dos fatos, evitando sua generalização, pois

contar a trajetória é uma forma de dar corpo a ideias, crenças, valores, é também uma forma de estabelecer re-lações, de refletir, e, sobretudo de produção de sentido e significado sobre as ações. Podemos dizer que, ao contar-mos uma história ou narrarmos fatos, estamos possibi-litando a construção de novos sentidos e interpretações daqueles que dela participam (BOLZAN, 2016, p. 17).

Compreender e interpretar narrativas nos exige uma espécie de estudo da contextura, do discurso, isto é, reconhecer o tempo/espa-ço no qual ocorrem as construções narrativas para que se possa re-fletir em torno da atividade discursiva dos sujeitos colaboradores (BOLZAN, 2016).

PARTE II

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O ciclo da longedocência: indicadores e dilemas Ao nos interessarmos em desenvolver uma pesquisa centrada na te-mática do (re)investimento na carreira docente, a inspiração foi nos estudos em torno do professor universitário e, para tanto, partimos das investigações de Isaia (2000, 2001, 2005, 2007, 2010), que cons-truiu premissas sobre o ciclo de vida profissional do professor da Educação Superior.

Nesta perspectiva, as concepções de Isaia sobre a trajetória pro-fissional e os ciclos específicos dos professores do ensino superior foram tomadas como principal orientação teórica em nossa investi-gação. A autora manifesta que

[...] no contexto universitário, os professores com maior titulação e engajados em Programa de Pós-graduação, mesmo após a aposentadoria, continuam atuando em sua própria instituição ou em novos contextos institucio-nais, mantendo atividades de ensino (ISAIA, 2000, p. 28).

Desse modo, compreendemos que nem todos os sujeitos inves-tem igualmente e com a mesma intensidade na atividade profissio-nal ao longo da vida. Talvez, por isso, para alguns é mais tranquilo e até queiram desinvestir na sua profissão e investir em outras ati-vidades ou áreas, vendo a aposentadoria como uma oportunidade. Porém, observamos que os professores colaboradores deste estudo, imbuídos pela vontade em continuar, mantiveram-se investindo na carreira, ampliada pela experiência da Longedocência, como a con-tinuidade no trabalho docente, compreendendo-o como um proces-so contínuo e aberto a novas experiências e propósitos. Tal processo “pressupõe uma longa carreira e trajetória demarcadas por movi-mentos, trocas, aprendizagens, oportunidades e escolhas do próprio professor; não se encerrando com o marco legal da aposentadoria” (RHODEN, 2018, p. 111-112).

Conforme foi possível evidenciar, são professores, “longedo-centes” que sinalizam consciência do inacabamento/incompletu-de, pois acreditam que nunca se sabe o suficiente, [re]significando o vivido, que repercute no próprio desenvolvimento profissional. Assim, conhecimentos que parecem consolidados, se aprofundam e se tornam mais complexos, outros se incorporam e o professor vai (trans)formando a si e o seu entorno sociocultural.

As narrativas do professor Rubi, da professora Safira, do profes-sor Citrino e da professora Ametista enfatizam esses aspectos:

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[...] O desenvolvimento é contínuo, a gente aprende sem-pre, é fantástico. Acontece muito – um aluno chega e diz - professor não dá para fazer assim? Aí, digo, - é mesmo, é uma grande sacada, realmente penso que dá. Como não pensei nisto! É impressionante a gente sempre está aprendendo. [...]. (Rubi)

[...] Estou sempre descobrindo coisas novas da própria área da arquivologia. Hoje tem isto é uma troca, as coi-sas mudaram muito na profissão. Estas novas turmas fa-zem com que me atualize e me fazem crescer também. [...] Esta troca com os alunos, é um encontro de gerações, mesmo com uma convivência semanal, isto dá muito ânimo para a gente continuar vivendo. Isto não tem pre-ço [...]. (Safira)

[...] quem não faz, sempre fica para trás. Tem que se man-ter sempre – estamos sempre lendo jornais, revistas, tra-balhos de pesquisas e assim por diante, novas tecnolo-gias. Sempre pesquisando. O desenvolvimento docente é contínuo, um ser professor que não pode parar. (Citrino)

[...] Eu gosto de aprender, gosto sempre de falar com pessoas que eu aprenda. Gosto de sempre aprender, te-nho esta necessidade de aprender, acho que é isto [...]. (Ametista)

Assim, os docentes se mantêm em pleno processo porque conti-nuam aprendendo a complexa tarefa de ser professor no ensino su-perior ao longo da vida e em um relacionamento intergeracional. Como afirma Isaia (2009, p. 97),

enquanto tiverem idade biológica, psicológica, social e funcional adequadas, os docentes podem se manter ati-vos no meio acadêmico e colaborar com a formação de novas gerações de profissionais, alocados em diferentes áreas, bem como a de futuros mestres e doutores.

Nessa direção, Freire (1996) afirma que o inacabamento ou a in-conclusão do ser é própria da experiência vital. O inacabamento é condição do humano. Desse modo, podemos dizer que esses pro-fessores têm uma vontade de busca, permanecem abertos as coisas do mundo, compreendem-se como sujeitos inacabados, assumindo que não há excessos de conservadorismo em muitas atividades do-centes.

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Logo, enxergamos como características que fazem parte desse ciclo de vida profissional que se amplia e que coloca em movimento, a aprendizagem docente e o desenvolvimento profissional. Ambos processos estão imbricados, uma vez que a aprendizagem da docên-cia é parte do desenvolvimento profissional do professor.

Assim, compreendemos que as formas como os docentes volun-tários reelaboraram, significaram e deram sentido à aposentadoria está longe de ser aquele estigma de que o “aposentado é aquele que habita um não lugar, ou o lugar do desconforto, do não em-si, de um não estar-no-mundo” (STANO, 2001, p. 30). Pois escolheram no pre-sente uma decisão a favor de continuar, superar-se, exercendo sua liberdade e conscientes que ainda há uma trajetória docente a ser desbravada, neste ciclo que se amplia.

São professores que entendem a liberdade como tempo de con-tinuar realizando, (re)investindo, ampliando. Desse modo, nada se parecem e ou se identificam com aquela imagem relacionada a uma figura “ociosa” que retorna ao lar para “pôr o pijama” (ZANELI; SIL-VA; SOARES, 2010). Como coloca França (2010, p. 13) “a aposenta-doria é confundida por muitos com o processo de envelhecimento, que, por sua vez, pode ser assustador. [...]. Nem toda a velhice é apo-sentada e nem todo o aposentado é velho”. Ao contrário, os longedo-centes demonstram um contraponto desta ideia, uma vez que estão ativos e academicamente produtivos. E estão longe de se encaixarem naqueles estereótipos e estigmas do aposentado, da inatividade, do ócio, do velho.

Como podemos observar nas narrativas que seguem:

[...] as aposentadorias têm um estigma, que a pessoa vai ficar em casa de pijamas, já li isto várias vezes, os homens vão ficar mais no sofá, as mulheres vão se envolver mais com as atividades domésticas. Isso foi uma coisa que me assustou um pouco, principalmente naquele momen-to que a gente resolve se aposentar. Eu pensava como se-ria isso comigo, não que eu me imaginasse de pijamas o dia inteiro dentro de casa, mas pensava... Por outro lado, percebi que a aposentadoria tem um componente de alí-vio, a sensação de ficar mais livre daqueles compromis-sos de anos, de ficar um pouco mais dona do próprio na-riz, de poder fazer opções, ter mais lazer. Quando a gente é professor, é 40 horas de dedicação exclusiva, porém a gente se envolve bem mais do que isto. É um envolvimen-to contínuo, não é uma tarefa que termina quando vai embora às 18 horas, e isso é uma coisa associada a qual-

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quer um que seja professor. Sempre tem prova para cor-rigir, aula para preparar, no meu caso alguns trabalhos para ler, artigo para escrever, essa coisa de estar sem-pre devendo serviço. É um negócio muito cansativo. A minha vida inteira eu vivi desta maneira, sempre ten-do mais coisas pra fazer do que tempo. A gente fica um pouco dividida, eu tenho filhos, que agora já estão adul-tos, mas obviamente foram crianças – e dependeram de mim. Então, a aposentadoria te dá uma maneira de rela-xar. Tem os dois aspectos: o medo de entrar no estereóti-po de aposentado e, ao mesmo tempo, a percepção de que tu vais poder fazer o que sempre imaginaste fazer e no meu caso não é ficar em casa de pijama, enfim, outras ati-vidades [...] (Turmalina)

[...] Minha inserção como professor voluntário, após a aposentadoria, na UFSM foi muito boa, pois pude conti-nuar com atividades de docência e de pesquisa, que é o que sempre fiz. Sempre planejei isso. É uma maneira de não parar definitivamente e continuar trabalhando com mais liberdade, vontade e disposição sem maiores com-promissos. Isso fica para os mais jovens. [...] também pude cuidar mais de mim mesmo, da saúde, da família [...]. (Quartzo)

[...] Quando me aposentei em 2010 eu já tinha a inten-ção de permanecer, tanto que eu já sabia do serviço vo-luntário [...]. Estar nesse outro momento da carreira cor-respondeu 100% às minhas expectativas, tanto é que eu continuo fazendo isso, estou aqui há 7 anos como profes-sor voluntário. Já tenho minha agenda de ações até de-zembro de 2018 quase que completa em termos de com-promissos dentro desse esquema. Eu continuo no mesmo tipo de ação, não vejo perspectiva de parar, a hora que eu ficar muito cansado, eu me acomodo, mas por enquanto tiver campo de trabalho, condições, eu vou continuar. (Rubi)

[...] Como professora voluntária, as tarefas que eu te-nho não são regulares. Eu consigo fazer aquilo que gos-to, contribuir com a universidade com mais liberdade. Eu dou uma aula num semestre, participo de uma ativi-dade, de alguns eventos, oriento lá, não tem muita pre-sença lá, aquela carga-horária a cumprir; mas tem o vín-culo, um compromisso que realizo com mais liberdade. (Esmeralda)

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[...] Eu não concebo que eu vá ficar em casa parada sem fazer nada. Eu muito brinquei dizendo: – agora quero fi-car sentada olhando televisão, mas fiz isso poucas vezes. Então a aposentadoria representou pra mim uma conti-nuidade. [...] E agora eu tenho mais liberdade de fazer o que gosto como docente. (Safira).

Minha aposentadoria é algo legal, acho que nós podemos trabalhar mais tempo [...] O fato de ser professor volun-tário permite que sejamos mais livres, que escolhamos como queremos trabalhar, utilizando os bens disponí-veis [...]. (Citrino).

Portanto, a “longedocência” também está assentada no movi-mento39 do tempo e no continuar sendo e aprendendo ao longo da vida, redefinindo interesses e objetivos pessoais e profissionais. Logo, estendendo a trajetória profissional em um ritmo próprio, em uma condição de mais liberdade, resgatando o melhor de si, do que ficou em um segundo plano e/ou reprimido em função das diversas demandas e obrigações impostas pelos deveres profissionais, antes da aposentadoria.

Com mais liberdade, os docentes aposentados passaram a defi-nir seu próprio ritmo de trabalho, como o quê, quanto tempo, onde, como produzir e para quem e por que se dedicar a essa ou aquela de-manda. Desse modo, sem se sentirem sobrecarregados de ativida-des, como ocorria antes de estarem legalmente aposentados.

Assim, constatamos que os professores, de certo modo, não sen-tem mais aquela antiga pressão40 caracterizada pela sobrecarga de trabalho, oriunda da diversidade de atividades que estavam entre as exigências do magistério superior. Identificamos, por meio das narrativas, que mesmo ainda envolvidos com o trabalho docente a possibilidade de ter certo tempo livre e liberado deste trabalho trou-xe mais serenidade e qualidade de vida ao professor, que agora não mais sobre os ditames do disciplinamento da rotina do trabalho, ex-perimenta uma nova reorganização no modo de exercer suas ativi-dades docentes. Assim, o trabalho passou a ter um novo sentido e

39. Compreendemos que o movimento na carreira só é possível porque o pro-fessor não começa sempre de novo e do princípio, mas se integra ao que já cons- truiu e edificou no percurso profissional e aos resultados conquistados neste ca-minho. Se começasse sempre do princípio, e se toda a sua atividade fosse desti-tuída de pressupostos, não prosseguiria.

40. Entendemos por pressão aquele conjunto de exigências que eram deposita-das sobre os professores ao longo da carreira docente e que em excesso podem ser causa de estresse, acarretando prejuízos na qualidade de vida.

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a ser exercido com mais prazer, pois é fruto de escolha livre e pes-soal do professor. Agora tem mais “possibilidade de autonomia, ge-renciando o próprio tempo e cuidando de seus espaços de existência [...]” (STANO, 2001, p. 76), gerando novos modos de pensar, fazer e ser na docência, inaugurando o ciclo da longedocência.

Tendo como pano de fundo essa compreensão, partimos para o processo interpretativo evidenciando nos achados de pesquisa a existência de uma tipologia de ciclo de vida profissional após a aposentadoria, ao que denominamos de indicadores do ciclo da longedocência.

As características e acontecimentos que são indicadores do ciclo da “longedocência constituem-se pela ampliação do ciclo profissio-nal de professores voluntários aposentados que colaboraram neste estudo. A partir das entrevistas narrativas desses docentes destaca-mos indicadores capazes de referendar esse ciclo. São eles:

• a maturidade e sabedoria alcançadas: o longedocente manifesta ter mais autonomia, segurança, responsabilidade, flexibilidade e re-siliência diante do trabalho que se dispõe permanecer realizando;

• a revisão de prioridades da vida pessoal e profissional: momen-to da trajetória pessoal e profissional na qual o processo reflexivo pas-sa a ser natural, de modo a permitir que a organização e atendimento às demandas de trabalho sejam uma escolha, isto é, permanecer tra-balhando voluntariamente passa a ser um projeto dos longedocentes. Para alguns esta revisão já acontece quando estão próximos de se apo-sentar, para outros se dá em seguida à aposentadoria;

• o foco passa a ser no momento presente: os longedocentes têm a capacidade de repensar, [re]significar a própria trajetória no tempo presente; o passado, isto é, o caminho percorrido nutre o presente e o impulsiona a seguir aprendendo e se desenvolvendo. Existe uma cons-ciência do inacabamento e o (re)investir está sustentado pelos realces em suas trajetórias, o que os impulsiona a continuar avançando;

• a prioridade passa a ser conciliar as necessidades pessoais com as profissionais e sociais: seguir com uma atividade profissional, ter tempo para a família, cuidar da saúde e usufruir de momentos de lazer, ou seja, viver a “longedocência” com qualidade de vida é prioridade;

• a maior liberdade: os longedocentes percebem o benefício da apo-sentadoria como uma conquista positiva, um ganho de mais liber-dade, para tomar decisões e fazer escolhas; subjetivamente “não se sentem aposentados”, se sentem mais livres;

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• a manifestação do desejo, vontade e disposição para manter-se ativo no cenário acadêmico: os longedocentes tomam posição frente as suas escolhas de seguirem no exercício da atividade docente, que-rem continuar aprendendo e se desenvolvendo, dando preferência ao seu “lugar” de pertencimento;

• a forte identificação com o lugar no qual exerceram a carrei-ra docente: os longedocentes têm forte identificação com a institui-ção na qual exerceram a carreira. Esta identificação continua após o marco legal da aposentadoria. Se reconhecem como parte do contexto onde se desenrolou a carreira e gostam de ser reconhecidos como al-guém que ainda é parte da instituição (identificação, pertencimento, afiliação). A adesão ao serviço voluntário é uma maneira de manter o elo com a instituição e com tudo o que ela representa na vida pessoal e profissional dos longedocentes;

• o senso de gratidão e retribuição: os longedocentes demonstram uma consideração especial pelo lugar onde constituíram a carreira e trajetória, palco de suas conquistas pessoais e profissionais, o que os impulsiona a quererem continuar dando retorno dessa conquista. Se-guem compartilhando e contribuindo com o que sabem e se identifi-cam com o seu campo/área de conhecimento, gerando um benefício coletivo e influenciando gerações;

• a assunção da função e missão formativa, um compromisso com a educação: os longedocentes sentem que têm uma função e compro-misso formativo, algo que ainda precisam continuar fazendo pelo coletivo. Essa condição é que os leva a se dedicarem a esta causa, en-contrando prazer no que fazem, não sendo motivados a exercerem sua atividade apenas em função do retorno financeiro. Têm a consciência e observam o próprio trabalho como um valor de (trans)formação;

• o gosto, a paixão ou interesse pela profissão: os longedocentes têm uma identificação com a atividade e a área profissional que exer-cem. Percebem a atividade profissional com vigor, espanto ou admi-ração, o que os impulsiona a quererem contribuir com campos de conhecimento a que se dedicaram ao longo da profissão;

• a identidade profissional docente consolidada: os longedocentes se reconhecem como professores e gostam de ser reconhecidos como tal. Esta identidade profissional que construíram ao longo dos anos é reafirmada constantemente e eles fazem questão de mantê-la;

• a maturidade intelectual e a disposição em transmitir seu lega-do: os longedocentes, por toda a bagagem de conhecimentos, experi-

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ências e marcas adquiridas ao longo dos anos de carreira, manifestam que se encontram mais preparados profissionalmente. Se sentem im-pulsionados a compartilhar seus conhecimentos e saberes, o que ca-racteriza a geratividade docente;

• o compromisso com outras gerações em uma relação de reci-procidade: os longedocentes demonstram vontade e disposição em interagir, orientar, aprender e se desenvolver com os outros: alunos, colegas e comunidade acadêmica. No contexto de ensino e aprendi-zagem estão centrados nas demandas dos estudantes, nas relações, compartilhar e aprender com os alunos e colegas, na pesquisa desdo-bram-se, trazendo seu “know how” para o desenvolvimento de no-vos pesquisadores, por meio das orientações na pós-graduação, assim como o apoio oferecido aos jovens professores iniciantes;

• a influência pelo trabalho, exemplo e afeto: os longedocentes es-tão mais voltados a influenciar os outros (alunos e colegas mais jovens) através do trabalho que desenvolvem, pelo afeto, pela razão e exem-plo, o que, mais uma vez, reitera o caráter gerativo da longedocência;

• a autenticidade: os longedocentes investem e se engajam em pro-jetos e atividades que lhes são prazerosas e significativas, ou seja, em atividades com as quais se identifiquem, que estejam de acordo com sua vontade e escolha; alguns mais com atividades de pesquisa, ou-tros com o ensino ou extensão, outros ainda preferem apenas se en-volver em um projeto específico, orientar para pesquisa, voltam-se à pós-graduação;

• a opção pela flexibilidade e o estabelecimento de uma nova re-lação com o trabalho docente: os longedocentes dão preferência a gerenciar seu próprio tempo e ritmo das atividades, priorizando jor-nadas mais flexíveis; escolhem romper com a antiga lógica de traba-lho, excessivamente produtivista, colocando a qualidade acima da quantidade;

• a leveza e serenidade no desenvolvimento do trabalho docente: os longedocentes vivem o seu trabalho na plenitude porque fazem o que escolheram. O trabalho não é realizado por obrigação, fazem por prazer e deleite;

• o comprometido com o que escolheu fazer: poder fazer o que es-colheram leva os longedocentes a terem um maior comprometimento afetivo e profissional com as atividades que desenvolvem. Essa ação é traduzida também pelo vínculo, pela ligação, pelo compromisso que estabelecem, pela dedicação que acreditam ser necessária para manu-tenção nessa atividade;

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• a assertividade: na longedocência, os professores, geralmente, conseguem estabelecer limites nas relações de trabalho e dizem “não” quando necessário, evitando sobrecargas e delegando demandas;

• a resiliência na longedocência: os longedocentes são capazes de lidar com situações geradoras de desconforto, como estereótipos re-lacionados ao aposentado, momentos em que o apoio não prevalece, apesar dessas situações serem geradoras de certo mal-estar e poderem ser desmobilizadoras da vontade para seguir nas atividades docentes.

Dilemas que podem surgir na etapa da “longedocência”É importante destacar que determinadas circunstâncias e certas si-tuações que ocorrem no contexto organizacional são geradoras de desconfortos nos professores. De certo modo, somos aculturados e imergidos em estruturas e representações sociais que associam que o professor aposentado de Magistério Federal, ao fim de certo tem-po de carreira, é aquele que deve se recolher ao seu estado de inativi-dade de funcionário público, com determinado vencimento que por mérito e tempo de serviço que foi conquistado. Em uma visão mais estereotipada, é aquele que deve usufruir do seu “tempo livre”, após a aposentadoria num espaço fora daquele que foi conferido pela sua identidade profissional. Entendemos que haja certa estranheza quando um professor opta em continuar atuando no mesmo local, o que ainda fica mais acentuado, quando este trabalho é exercido de forma voluntária e, se esse professor tem uma idade, considerada cronologicamente41, mais avançada. Esta estranheza, muitas vezes, se desvela, por alguns sujeitos e ou situações do contexto acadêmi-co, por olhares, no discurso42, pela indiferença, pela falta de valori-zação e reconhecimento em relação aos professores voluntários, o que consideramos como uma tensão. Podendo ser significado pelos professores, muitas vezes, como uma exclusão e/ou falta de conside-ração por parte de algumas pessoas que compõem a universidade.

Como se os professores aposentados não tivessem direito de usu-fruir da sua condição de mais liberdade, também para optar em con-

41. Segundo Botelho (2007) a idade cronológica constitui uma referência sobre os indivíduos que está inevitavelmente ligada ao seu envelhecimento, sendo 65 anos a idade consensualmente indicada para a designação de idoso.

42. Referimo-nos também às placas de identificação preferencial a idosos que identificam áreas de estacionamento para pessoas acima de 60 anos (a maioria dos professores voluntários tem mais de 60 anos). A imagem na placa ilustra uma pessoa com as costas curvadas e utilizando bengala, o que não representa apro-priadamente a população idosa, os sexagenários, septuagenários e octogená-rios que estão, em sua maioria, ao seu modo e ao seu tempo em plena atividade.

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tinuar ampliando o seu Ciclo de vida profissional no mesmo local em que se deu a sua aposentadoria. Como se a aposentadoria tives-se que ser a ruptura da carreira, o desprendimento instantâneo de uma identidade profissional conferida em um contexto de trabalho, um recolher-se, para quem sabe, dar lugar aos jovens professores ou ser abruptamente substituído e apenas lembrado e citado pelo seu legado acadêmico publicado ao longo da trajetória. Muitas vezes é manifestado por outros membros da comunidade acadêmica que a “vida”, o seu “tempo livre”, após a aposentadoria, poderia ser mais bem preenchida em outras áreas ou espaços.

Observamos que são discursos que, muitas vezes, aparecem de maneira implícita no âmbito acadêmico. Desse modo, revelando que a universidade não está inteiramente aberta e preparada para atentar ao conhecimento e experiência que os professores aposenta-dos voluntários têm para compartilhar. E, por mais que o professor tenha se tornado menos vulnerável ao julgamento da comunidade em que vive, tenha conquistado sua capacidade de resiliência neste ciclo da longedocência, ressaltamos que tal estranheza ainda provoca certo impacto em alguns docentes que optam em continuar contri-buindo com sua experiência como voluntários. E que esse impacto pode vir a acarretar um processo de desmobilização em alguns pro-fessores. Neste sentido, identificamos alguns dilemas que podem emergir na etapa da “Longedocência”. São eles:

Sentimento de exclusão: este sentimento pode aparecer nos momentos em que o longedocente não se sente apoiado pelos seus pares e/ou comunidade acadêmica em seu (re)investimento. Tam-bém pode aparecer quando a ele não são oferecidas condições apro-priadas de trabalho e apoio em suas demandas;

Solidão longedocente: momentos em que os longedocentes sen-tem falta de mais interlocução para o compartilhamento de suas ex-periências e saberes (de vida e profissional). Traduz-se, algumas vezes, por um sentimento de invisibilidade no contexto acadêmico, no qual a sua bagagem é pouco considerada ou reconhecida.

Falta de reconhecimento da sua identidade profissional: ex-presso na vontade de ter mais consideração por parte da instituição/meio acadêmico pelos anos de carreira e profissão. Dá preferência a denominações condizentes com a profissão e identidade de um professor que conta com larga experiência, “expertise” e qualifica-ção. Uma terminologia como de “professor sênior” em detrimento a “professor voluntário” seria mais coerente.

Observamos que, por mais que possa causar estranheza, o servi-ço voluntário pressupõe sim a existência de uma relação subordina-

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da, tendo em vista que, quando o profissional assina o contrato, está abrindo mão de alguns antigos direitos conquistados.

Estereótipos relacionados à aposentadoria: muitos estereóti-pos relacionados à aposentadoria fazem com que os longedocentes se sintam desconfortáveis quando percebem no contexto institucional a existência de preconceitos em torno do papel que exercem ao man-terem-se como professores mesmo aposentados. Apesar da oportu-nidade de continuarem contribuindo com seu trabalho, a própria instituição possui poucos dispositivos que valorizam a permanên-cia do professor que concluiu o tempo de serviço. Ainda é necessário avançar em direção à acolhida dos docentes voluntários que se man-têm trabalhando após a aposentadoria, a fim de superar discursos, olhares e condutas de pouca valorização e reconhecimento que po-dem ser evidenciados, mesmo que de modo velado e implícito.

Apontamentos finaisConcordamos com Selig e Valore (2010, p. 77) e evidenciamos em nossa pesquisa que “a aposentadoria em si não é um problema. Ela é um benefício conquistado historicamente pelos trabalhadores, po-dendo transformar-se em uma chance para a descoberta ou o retor-no ao que se gosta, ou a um “fazer” mais fácil, menos sacrificado e mais agradável do que o anterior”.

Desse modo, podemos reconhecer, a partir dos indicadores apre-sentados, que o ato formal da aposentadoria, ou seja, o benefício legal conquistado não significou um rompimento com o mundo for-mal do trabalho, pois há professores aposentados que seguem (re)investindo no trabalho docente. Ademais, compreendemos que os longedocentes continuam se reconhecendo e constituindo-se pro-fessores, após a aposentadoria, porém em um ciclo de vida profis-sional redesenhado, a que denominamos de ciclo da longedocência. Assim entendemos que houve uma [re]significação dos laços com a profissão exercida, os longedocentes se utilizaram de suas marcas, do que ficou, do seu olhar sobre o vivido, redefiniram seu trabalho e sua profissão, para se manter em um projeto de existência.

Salientamos que ao exercerem o direito à liberdade em continuar atuando deram continuidade ao seu desenvolvimento na trajetória pelo seu trabalho. Assim, sempre aprendendo a ser professor, edifi-cando saberes, em convivência com outras pessoas e gerações, com-partilhando conhecimento.

Além disso, reconhecemos que a ampliação da longevidade hu-mana, associada à consciência que o professor manifesta de ina-

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cabamento e ao desejo de manter-se ativo no cenário acadêmico, pertencente a um lugar, aprendendo e se desenvolvendo, gerativo, comprometido com as outras gerações, contribui para que ele não veja sentido em se afastar de um contexto profissional que conside-ra significativo. Ante esta situação, evidenciamos que também se es-tende este longo e produtivo tempo no mundo, porém numa nova roupagem, em uma condição de mais liberdade, quando o professor leva mais em conta o que realmente pode ser feito, seu desejo de re-alizar e em que tempo e lugar o fará.

Observamos que obter apoio é também uma maneira de ter a identidade profissional reconhecida, pelo modo novo de exercício e de estar na profissão, de se sentir incluído, pertencente. Assim, acreditamos que o professor que (re)investe e amplia o ciclo de vida profissional, após a aposentadoria, é porque teve vivências signifi-cativas ao longo da trajetória e quer utilizar suas experiências pro-fissionais e pessoais e continuar contribuindo com seus saberes, permitindo que seu desenvolvimento profissional siga seu curso na história.

Por último, entendemos que aposentadoria, avanço da idade, não é sinônimo de retirada do mundo do trabalho, de deixar de contri-buir com a educação e com a sociedade. Não é sinônimo de velhice, ócio ou de inatividade, mas é tempo de (re)investir com mais leveza e liberdade, de dizer não - quando for necessário, de reinaugurar a vida, de seguir fazendo o que gosta, de ser professor, de ser LONGE-DOCENTE, porque assim escolheu e deseja.

Referências BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes. 2011.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da Linguagem. 15. ed. São Paulo: Hucitec/Annablume, 2009.

BOLZAN, D. P. V. Aprendizagem docente e processos formativos: movimen-tos construtivos da professoralidade na educação básica e superior. Projeto de pesquisa. Bolsa PQ – CNPq, 2009-2012.

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PARTE II

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Aprendizagem com ou sem emoção? responsabilidade social, desafios docentes e produção de sentido em ações sociais

lia c. lima hallwass43

A natureza do homem é predominantemente social (VYGOTSKY, 1984; 1995; 2000), sendo por meio das relações com o outro que ele aprende e se desenvolve. A educação, por sua vez, é em essência uma prática social presente em diferentes espaços e momentos da pro-dução da vida social (ROSENBERG, 2002; DOURADO, OLIVEIRA e SANTOS, 2007), cumprindo a educação escolar destacado papel nos processos formativos por meio de seus diferentes níveis e ciclos.

As evoluções da humanidade e a consciência por ela tomada de-terminam os ajustes necessários na educação, bem como providên-cias, seja pela inclusão de disciplinas, métodos ou possibilidades (POENER, 1994; ROSSATO, 2005). Os ajustes em muito se respaldam na preocupação em tornar mais próximos, mais acessíveis, os co-nhecimentos produzidos no ambiente educacional. Dado ao papel e à função social da educação na vida dos indivíduos, esses devem vol-tar seus esforços e o manejo de seus conhecimentos para adequar-se à era do conhecimento e à vida em sociedade (DAVENPORT e PRU-SAK, 1998; PORTER e MONTGOMERY, 1998) em que está mais apto a agir aquele que entende ser fundamental o “saber pensar” (DEMO, 2002).

Este estudo está respaldado em algumas teses: no trabalho real como condição para a construção coletiva do conhecimento (KUEN-ZER, 1986; LLERA, 2016; HALLWASS, 2017); na importância da inte-ração social (VYGOTSKY, 1984; 1995; 2000) e da emoção (idem, 1991; 1998; 2003) no processo de aprendizagem. Seu objetivo deste artigo é relatar os desafios docentes e a produção de sentido na realização de ações sociais propostas a duas turmas de primeiro semestre (2016/2 e 2017/1) de cursos da área de negócios.

43. Universidade Federal de Pelotas.

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Fundamentação teórica

Responsabilidade social na administração e produção de sentido em ações sociais Iniciando esta fundamentação, cabe falar sobre a responsabilidade social na administração, fio condutor da experiência aqui descrita. Sua definição envolve consciência social baseada no pressuposto de que as organizações atuam e, logo, devem ter responsabilidade com a sociedade (MAXIMIANO, 2000).

Surgida da evolução das reivindicações da sociedade em rela-ção à atuação responsável das empresas (DRUCKER, 1998; ANSOFF e McDONNELL, 1999; ASHLEY, 2005; CAVALCANTI, 2006), ganhou força, mais tarde, pelas condições ambientais e de trabalho oferta-das, forçando as empresas a prestar contas sobre suas práticas e con-tradições na relação com a sociedade (TACHIZAWA, 2005; RAJAK, 2011) e assumiu na gestão do século XXI status de ação arbitrária – e também estratégica (idem) (CAMARGO, 2001; CAVALCANTI, 2006), tendo em vista que sua prática é fundamental para o desenvolvi-mento social, ambiental e economicamente sustentável da socieda-de (TACHIZAWA, 2005; CAVALCANTI, 2006).

A responsabilidade social é ponto extremamente relevante na formação em administração e, em geral, é trabalhado com os estu-dantes em sala de aula. Como tantos outros conceitos da adminis-tração norteiam as ações dos gestores e das empresas, fazendo-os assumir responsabilidades perante o macroambiente e a sociedade (KWASNICKA, 1995; DRUCKER, 1998; CHIAVENATO, 1999; MAXI-MIANO, 2000; CHIAVENATO, 2009). Na prática das organizações, a responsabilidade social é conceito altamente tangível ligando a perspectiva sobre os resultados aos resultados em si; mesmo assim, no contexto da sala de aula, muitas vezes ela se resume a explana-ções e exemplos abstratos. A falta de envolvimento com atividades faz com que a responsabilidade social pareça aos estudantes uma te-oria a ser compreendida, mas não uma prática cotidiana na realida-de da administração.

Focando especialmente na interação social e envolvimento, re-cém-comentados, cabe falar sobre a abordagem histórico-cultural vygotskyana da aprendizagem, pois o que se defende neste estudo é a possibilidade de, por meio da interação com os demais e do en-volvimento com a realidade, apresentar aspectos relevantes sobre a aprendizagem da responsabilidade social na formação em adminis-tração.

Vygotsky (1984; 2000), estudioso da psicologia da aprendizagem, afirmava que as principais ações da vida das pessoas têm cunho so-

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cial; o próprio ser humano aprende/desenvolve-se nas relações sociais que estabelece. Palangana (1998) afirmou que Vygotsky acre-ditava que os indivíduos atingem níveis de compreensão mediante interações sociais e, a partir delas, se apropriam de conceitos no-vos ou aperfeiçoam os que já possuem, tornando as atividades co-laborativas fundamentais para a aprendizagem. Por isso as trocas ocorridas entre os indivíduos e seus iguais eram tão relevantes para Vygotsky (2000), ao que ele incorporava a importância das questões emocionais.

Assumindo-se, então, que a natureza humana é predominante-mente social (VYGOTSKY, 1984; 2000), assume-se que no desenvol-vimento humano o intercâmbio entre os elementos da esfera social e pessoal dos indivíduos é igualmente essencial, pois o indivíduo ad-quire consciência em meio à convivência social graças aos estímulos sociais (VYGOTSKY, 1984), indicando que o convívio social auxilia o indivíduo a atingir seu potencial, conduzindo-o ao ápice de seu desenvolvimento mental (VYGOTSKY, 1984; 1995; 2000). É impres-cindível, nesse aspecto, a presença de alguns fatores na interação social, o de realidade, a necessidade de resolver problemas, os quais levam à construção do conhecimento e à aprendizagem dos indiví-duos (HALLWASS, 2010).

Vygotsky (1984) costumava explicar que a aprendizagem e o de-senvolvimento humano acontecem em uma combinação de inte-lecto e afetos, que existem nessas relações sociais. Nesses termos, a emoção não é menor do que o pensamento (VYGOTSKY, 1991; 2003). A aprendizagem aproximada do afeto abre um caminho de expli-cações do próprio pensamento. O que torna importantes os laços e relações criadas nessas relações é o fato de que os processos cogniti-vos são acionados. Atividades colaborativas, desse modo, são fun-damentais na aprendizagem formal, demonstrando potencial tanto para dar sentido à aprendizagem quanto para estimulá-la.

Por outro lado, o professor é desafiado a fazer com que apren-dentes pensem e sintam, suscitando-lhes a emoção e fazendo com que o conhecimento esteja a eles conectado (HALLWASS, 2010), pro-duzindo sentido relativo a eles (VYGOTSKY, 1998). A internalização de conceitos, dessa forma, deve envolver situações de interação so-cial com os pares, que lhes permita perceber os desafios e as limi-tações de trabalhar com tais conceitos em situações reais, gerando reflexões, resolução de problemas de forma coletiva – e por que não a própria emoção do desafio.

A internalização das relações sociais e da aprendizagem tem rela-ção estreita com outro conceito vygotskyano: mediação. Nessa pers-pectiva, o indivíduo aprende da esfera social para a individual, por

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meio da mediação de outro indivíduo que o respalda (VYGOTSKY, 2000). Vygotsky (1995; 2000) apostava na possibilidade de qualificar a atividade humana por meio da ação dos indivíduos, estudando os efeitos da sistematização e da intencionalidade da aprendizagem es-colar nos estudantes. Sobre a mediação, Bruner (1985) metaforizava que o mais competente apoiaria os demais como um andaime du-rante a aprendizagem.

Retomando o papel do professor, Vygotsky (1995) apostava na sistematização e intencionalidade do processo de aprendizagem. O autor (idem) afirmava que o bom ensino depende de o professor organizar especificamente espaços em que os pares estimulem os avanços uns dos outros, através da colaboração, da atividade intera-tiva, do desafio à atuação intelectual e no reforço das habilidades e conhecimentos já internalizados. Posto isso, a comunicação, as ati-vidades conjuntas, o convívio, as intervenções e as discussões entre os pares é fundamental para o processo de internalização de concei-tos no processo educativo (OLIVEIRA, 1997).

Em outras palavras, contribui Zanella (1992), a aprendizagem é facilitada quando acontece em ambiente interativo, onde os indiví-duos podem ter contato com algo novo acompanhado de outros mais experientes, aprendendo a partir das experiências desses, da troca de informações, da articulação de ideias e de crenças, bem como do compartilhamento de conhecimentos, de problemas, de soluções e também de emoções (HALLWASS, 2010).

Llera (2016) indica que, para os seres humanos, aprender den-tro de uma comunidade de prática é participar das negociações con-tínuas relacionadas ao conhecimento e à construção do discurso, contribuindo para a revalorização das teorias de Vygotsky, que enal-teciam a interação social e a mediação como forma de internalizar as condutas e as práticas culturais dos indivíduos. Por isso, pode-se afirmar que atividades práticas e colaborativas apresentam poten-cial para ser importantes ferramentas pedagógicas em prol da cons-trução do conhecimento e da aprendizagem dos indivíduos, tendo em vista que as habilidades de pensar, agir, comparar são estimula-das pelo contato social (idem).

Em se tratando especificamente do processo de aprendizagem, mesmo que vários autores discutam-na (BAQUERO, 1998; SACRIS-TÁN e GOMES, 1998; SPINILLO, 1999; HAMZE, 2015), fato é que ela é mudança de comportamento por meio da experiência construí-da por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais (HAMZE, 2015). Contudo, em tempos de discussões sobre o envolvi-mento de estudantes, sobre o trabalho docente e sobre metodologias diferenciadas e/ou ativas que os envolvam nesse processo, retoma-

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-se a perspectiva vygotskyana e questiona-se como os professores podem contribuir para a melhor aprendizagem, para a produção de sentidos e quais os desafios decorrentes.

Para Vygotsky (1984), a aprendizagem conduz ao desenvolvi-mento mental. E, segundo ele, é tão necessário e universal quan-to à organização correta da aprendizagem, resgatando os conceitos de sistematização e intencionalidade. Para ele (1998), o processo de aprendizagem não se dá no simples contato do indivíduo com um conceito; se dá pela sistematização e intencionalidade das experiên-cias do aprendente, que revelam interesses e motivação para apren-der, o que dá ao processo educativo uma integração orgânica, entre social e pessoal, envolvendo de forma íntima indivíduos e situa-ções. Cabe ao educador, no contexto educativo, o desafio de incluir no processo educativo esses fatores, fazendo não somente ter aces-so aos conceitos, mas também fazê-los pensar, sentir e experien-ciar (HALLWASS, 2010), o que pressupõe incluí-los na rede global de comportamento voltado a um fim: aprender.

Em outra mão, criar esse ambiente de interação social exige esfor-ço coletivo (HOUSEL, 2008), pois se relacionar com outras pessoas ou efetivar a interação dentro de uma organização social de indiví-duos, apontam Parker (1995), Maximiano (1997) e Fiorelli (2001), ex-põe diferenças e carece de cuidados relacionados ao equilíbrio de pontos de vista, à conciliação de diferentes tipos comportamentais, ao respeito aos níveis de aprendizagem dos indivíduos, à promoção de sinergia; à gestão de conflitos; à construção coletiva de motiva-ção e de integração; ao compartilhamento de objetivos e resultados; à mediação (BRUNER, 1985; VYGOTSKY, 1984; 2000), já tecendo link entre a interação social, com as aspectos emocionais envolvidos e o apoio mútuo entre os pares necessário para aprender.

Ao tratar desses pontos, importante registrar as atividades prá-ticas como ferramentas pedagógicas de aproximação entre estudan-tes, conteúdos e professor (MOORE e KEARSLEY, 1996), em que se incita diálogos, debates, discussões e trocas significativas e formas de aprendizagem, evidenciando ritmos, facilidade e dificuldades re-lacionadas a esses, da mesma forma que essas ações geram uma me-mória coletiva que contribui para a compreensão individual (REY, 2003; VYGOTSKY, 2000; DIEU, 2008; HALLWASS, 2010). Apesar dis-so, não são tão incentivadas quanto deveriam nas instituições de en-sino, priorizando mais comumente a aprendizagem e a avaliação individuais (MORAN, 2000).

Por fim, cabe comentar que a rapidez na evolução dos saberes, fruto da era do conhecimento, convoca pessoas à contínua atuali-zação, à produção de saberes cada vez mais novos, à eminência de

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criar novos contextos particulares e identidades incomuns, que bus-cam aquisição de inteligência e senso coletivos entre os pares (LÉVY, 1993).

As competências requeridas dos professores e dos aprendentes o são de forma contínua, considerando não somente conhecimen-tos, mas também habilidades e atitudes que agregam valor às ativi-dades educacionais. E dentre as mais valiosas competências, está a de aprender a aprender na qual se encara/valoriza a aprendizagem como desafio cotidiano, onde para além de analisar a realidade ele passa a nela intervir (KUENZER, 1986). Nesse sentido, Demo (2002) acrescenta que não é possível resumir a aprendizagem a procedi-mentos apenas técnicos e formais, ou instrucionais, porque uma vez que os aprendentes se restringem a seguir ordens não se consti-tuem sujeitos capazes de fazer das experiências sociais oportunida-des de aprender.

MetodologiaNuma pesquisa descritiva de abordagem qualitativa (MINAYO, 2003; CRESWELL, 2007), este estudo baseia-se nas experiências de apren-dizagem em uma disciplina de primeiro semestre (Introdução à Ad-ministração) dos cursos da área de negócios, nas turmas de 2016/2 e 2017/1 de uma instituição privada da região de Porto Alegre/RS.

As turmas em questão somavam ao todo em torno de 100 estu-dantes por semestre. O plano de ensino da disciplina contemplava o tema escolhido para o estudo (responsabilidade social). Com isso, foi proposta a realização de uma ação, desenvolvida em grupos, onde cada grupo planejaria, organizaria, dirigiria e controlaria uma ação de relevância social. A responsabilidade social serviria como tema transversal em relação aos demais (conteúdos). A ideia principal era de que dentro dessa ação social fossem trabalhados de forma prática e interativa todos os conteúdos da disciplina. Por exemplo, na aula sobre planejamento de recursos, cada grupo planejaria os recursos de sua ação social. Essa mesma ação seria a base para avaliações par-ciais e final da disciplina.

A coleta de dados se deu em momentos distintos e se valeu de ins-trumentos distintos: observação participante e fichamento.

Ao longo de todo o semestre, durante o planejamento, organi-zação, direção e controle da ação social, foi realizada observação participante. Intra e extraclasse, os estudantes foram observados e abordados em vários momentos do desenvolvimento da ação social, por vários quesitos, como mostrar liderança, ter problemas com o grupo, ter ideias inovadoras, não estar contribuindo, relatar dificul-

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dades em relação à ação ou ao grupo, estar muito seguro sobre os processos, precisar de recursos ou parcerias, entre outros. Foi pos-sível manter interações com praticamente todos os estudantes, em especial pois a atividade exigia isso entre os pares e a docente, que além de estar como pesquisadora, devia auxiliá-los em suas necessi-dades de aprendizagem.

Com base nessa observação, destacaram-se 46 estudantes, os quais demonstraram maior frequência de interações com os pa-res e com a docente – interações de qualquer ordem conforme os exemplos constantes no parágrafo anterior. Esses foram conside-rados a amostra intencional deste estudo (THIOLLENT, 1987; REA e PARKER, 2000). Essa amostra passou a ter suas interações regis-tradas, continuando a observação participante. Outrossim, partici-param da coleta de dados que previa o fichamento dos documentos produzidos por eles, quais sejam avaliações parciais da atividade, dos indivíduos e do grupo e o relatório final das ações sociais. As ava-liações parciais constituíam parte da avaliação da disciplina, assim como o relatório final das ações. Essa amostra gerou um montante aproximado de 110 documentos entre avaliações e relatórios para fi-chamento, que contribuíram para qualificar os dados obtidos me-diante a observação.

Todos os dados obtidos com a observação participante e com o fichamento dos documentos foram submetidos à análise temática (MINAYO, 2003), priorizando tópicos úteis para discutir como a re-alização de ações sociais contribuiu para a produção de sentido e os desafios docentes relacionados à tal proposta, os quais se constituí-ram nas categorias: relevância da ação proposta para a produção de sentidos; sistematização dos conteúdos da disciplina; mediação da aprendizagem; interação social como base da aprendizagem; e desa-fios docentes nas práticas voltadas à aprendizagem.

Resultados e considerações do estudo Nesta seção, constam fragmentos das falas dos estudantes que se mostraram significativas para este estudo, conforme as categorias anunciadas, assim como a discussão dos resultados a partir do refe-rencial teórico que dá suporte ao estudo. Os mesmos foram obtidos mediante a observação participante e o fichamento. Prezando pela não identificação dos sujeitos, esses serão tratados por siglas criadas a partir de seus nomes.

A relevância da ação proposta para a produção de sentidos abordou diferentes justificativas. Dentre elas: percepção da abran-gência da administração em ações que aparentemente não têm rela-

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ção com as empresas (WS, TC, GP1, AV e LP), mas que podem trazer benefícios a elas (EM, TC e LN); possibilidade de se aproximar de co-munidades que muitas vezes são esquecidas (LP, VC, EM, LF, LS, GN e TO); crescimento moral, ética e/ou percepção social (MB, JT, RK, LS, GC e AC). Enquanto PB falou sobre a mudança que as pessoas po-dem causar no mundo, outros elucidaram a alegria de fazer o bem para as pessoas, pois “independente do trabalho, eles queriam nossa presença lá” (CG); “quando cheguei, eu me senti tão bem-vinda que já não parecia ter a ver com os estudos, tinha a ver com a sensação de ajudar as pessoas. Foi bem emocionante!” (KO); “eu me foquei nas necessidades deles [...] porque isso poderia mudar a realidade deles, pelo menos por um tempo” (RK); “isso trazia muita responsabilida-de e uma sensação de medo” (CG). Surgiu também o entendimento da responsabilidade social como um desafio real e atual na realida-de do mundo (VG, GB1, GR, FK, MB, GP2, TF e LP). Outros mencio-naram a prática de um projeto organizacional (FR, JU, NA, JS, CF e IC). RK, BS, JT, JS e AV também falaram sobre a oportunidade de realizar um projeto, mas que “no começo, achei que não tinha nada a ver com administração, mas depois vi que é uma tendência” (BS). Crendo que esse receio estava relacionado com o ineditismo, resga-ta-se Vygotsky (1998) quando o autor comenta sobre colocar os indi-víduos em contato com conceitos novos e novas oportunidades de apreendê-los, dando em certa medida a integração entre o meio so-cial e pessoal, envolvendo os indivíduos a uma determinada situa-ção (VYGOTSKY, 1984; 1998).

Em relação à sistematização dos conteúdos da disciplina, CG manifesta que “sim, estávamos aprendendo aula a aula porque está-vamos aplicando [...] eu aprendi o que é planejar e executar ‘algo’, e isso vai servir para outras coisas da vida da gente” (CHIAVENATO, 1999; MAXIMIANO, 2000). KO e RK também comentaram sobre o quanto ainda utilizam os conceitos aprendidos. Segundo eles, havia muitos conceitos para estudar (FK, CF, JT), mas foi mais tranquilo entendê-los trabalhando em equipe e aplicando na ação social (CG, KO, AS, GR, AV e IC). “Não era fácil, mas parecia que quanto mais fazia mais eu aprendia”, disse GP2. JT, TF, GN e IC também falaram sobre como a aplicação de conceitos na ação social ajudava-os a en-tender o que eles significavam. LF afirmou que “antes de tudo isso eu nem tinha ideia do que era planejamento e de como virava um obje-tivo atingido” (MAXIMIAMO, 2000; CHIAVENATO, 2009). “Como a professora disse, ‘se a gente não tiver objetivos, metas e prazos cla-ros, tudo parece só um sonho que a gente fica esperando que se rea-lize’, não foi isso?”, complementou o estudante.

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GP2 considerou a experiência “um ótimo laboratório”, retoman-do do referencial teórico a imprescindibilidade dos fatores ‘reali-dade’, ‘a necessidade de confrontar problemas’ e a ‘interação com pessoas’, pois esses contribuem para a construção do conhecimen-to e para a aprendizagem dos indivíduos (VYGOTSKY, 1984; KUEN-ZER, 1986; LLERA, 2016). Aqui se trata da reflexão sobre a realidade por meio do trabalho e sobre as perspectivas em relação a sua execu-ção, reiterando a responsabilidade que os estudantes se colocaram ao construírem suas ações, bem como a produção de sentidos causa-da pela proposta da ação social. Posto isso, pode-se dizer que os resul-tados deste estudo mostram a importância das ações sociais para o desenvolvimento pessoal. Além de dar ideia da abrangência da área de negócios, possibilitou aproximação entre pares e uma percepção social que teoricamente não seria possível. Ações como essa permi-tem aos estudantes a aplicação prática dos conceitos de administra-ção em outras searas, inclusive na contribuição com a sociedade, o que contribui para a formação profissional; No que se refere à for-mação acadêmica, entende-se que os conhecimentos foram melhor apreendidos durante as discussões e troca de ideias de como plane-jar e executar as ações, graças ao envolvimento inclusive emocional com outras pessoas, que de diferentes formas poderiam contribuir para a aprendizagem do grupo (VYGOTSKY, 1984; BRUNER, 1985).

A mediação da aprendizagem também foi mencionada. “Acho que eu não aprenderia tudo sozinha, porque era muitos nomes [con-ceitos], mas todo mundo acabou se ajudando” (CG) (VYGOTSKY, 1984; BRUNER, 1985). “Foi estar em grupo que nos salvou” (WC). Aqui percebe-se a importância que foi dada ao nível de compre-ensão e de aptidão que cada um tinha no grupo e com a qual pôde contribuir (PALANGANA, 1998). Enquanto uns indicavam que era mais fácil aprender com os pares (CG, KO, AS) (VYGOTSKY, 1984), outros diziam que isso os ajudou a aprender na prática (FK, CF, JT) (HALLWASS, 2010). E outros associaram sua aprendizagem com apli-car os conceitos na prática e com apoio dos colegas e da professora (GP2, RK, MH, EF) (BRUNER, 1985). “Quando a gente se sentia per-dido, a gente sabia que tinha a quem recorrer. Tinha sempre alguém sabendo como fazer” (KO). “A professora também se virou para nos ensinar, tinha dias ela repetiu tudo mil vezes pra mim” (WS). A bus-ca por auxílio de alguém mais competente para executar uma fun-ção nova, remonta tanto a importância da interação (VYGOTSKY, 1984) quanto da mediação na aprendizagem (BRUNER, 1985).

A interação social como base da aprendizagem relevou carac-terísticas importantes da atividade conjunta (PARKER, 1995; FIO-RELLI, 2001; HOUSEL, 2008) e foi bastante mencionado. Nem todos

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têm o mesmo ritmo, conhecimentos, iniciativa ou tempo disponí-vel (LP, VG, IC, CG, JS e GB1). O ritmo pareceu o quesito mais cita-do: “tinha colegas que precisavam ser puxados” (GC); “tem pessoas que só falam, mas não fazem” (EM); “quem não fazia sobrecarregou os demais” (JT); “foi difícil algumas vezes ver as minhas tarefas de-pendendo das (tarefas) dos outros” (PR), entre tantas. A esta altura, vem à tona a extrema relevância das trocas ocorridas entre os indi-víduos e seus iguais para a aprendizagem (VYGOTSKY, 2000), mas também como se dão. Interagir e relacionar-se com as pessoas exi-ge esforço coletivo (PARKER, 1995; MAXIMIANO, 1997; FIORELLI, 2001; HOUSEL, 2008; CHIAVENATO, 2009), pois expõem diferen-ças relacionadas ao equilíbrio de pontos de vista, à conciliação de di-ferentes tipos comportamentais e ritmos de aprendizagem, e nisso carece de gestão, de motivação, de integração, de negociação de ob-jetivos e resultados comuns, fazendo link entre a interação social e a construção dos discursos e aprendizagem. Segundo Kuenzer (1986) e Llera (2016), o trabalho real é uma condição para a negociação e construção coletiva do conhecimento, o que não é tarefa simples.

Já no que tange aos desafios docentes nas práticas voltadas à aprendizagem, pode-se dizer que os estudantes encontraram rela-ções positivas com a ação, com a dinâmica entre os estudantes, os co-nhecimentos da disciplina e as ações sociais com vistas a direcionar os interesses e motivações para o fim educativo, em que cabe o pa-pel do educador de proporcionar não somente o acesso aos conceitos (HALLWASS, 2010), mas as experiências capazes de fazê-los sentir e de aprender (VYGOTSKY, 1984), equilibrando as interações comple-xas entre cognição, emoção e motivação, dimensões que precisavam atuar conjuntamente nas ações sociais com fim de dar à experiên-cia um sentido pessoal e movimentar a aprendizagem, que mesmo em contexto social é um processo interno do indivíduo. “No início, era apenas um trabalho da disciplina, mas foi se tornando uma ex-periência de aprendizado, pessoal e de responsabilidade” (LF). Em relação ao quanto a experiência suscitou motivações e interesses, opiniões distintas se formaram: “no começo eu só queria terminar o trabalho; depois eu vi que as discussões eram legais e fui me dei-xando levar, mas acho que senti medo o tempo todo” (LN) e “não sei se no começo eu estava entendendo” (EM). Em oposição a essa cor-rente havia outros. “Desde o começo eu estava motivada para fazer” (GP2). Outros colegas também apoiaram essa ideia (AC, RK, GP1, TC, LP, LN). Alguns estudantes externalizaram que talvez a ativida-de tenha contribuído mais para seu desenvolvimento pessoal do que para os conteúdos, dadas as dificuldades pessoais que enfrentaram (RT, DB, MF, MH, NA, TS, WC, PB, RP, LJ), pois era uma atividade

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que mexia com questões emocionais (VYGOTSKTY, 1984, 2000), se-gundo eles.

Vygotsky (1984; 1998) falava sobre orientar o comportamento para a aprendizagem e de o homem criar relações com as situações da vida a partir do significado que essas têm para ele, a fim de de-senvolver-se por meio delas. Os estudantes pareciam entender a im-portância da experiência prática: “Não sei se teria aprendido aquele monte de coisas só com a professora falando” (EM); “eu fiquei bem preocupado quando a professora disse que ia ter prova e depois fui fazendo a atividade e me dei conta que não importava a teoria, por-que eu estava aprendendo na prática, então eu sabia tudo” (RK). “Eu posso dizer que não aprendi só conceitos, eu aprendi a fazer uma coisa legal, algo humano e difícil e que as pessoas da nossa área deve-riam saber” (AC). Na medida em que o indivíduo atribui importân-cia ao que está fazendo desenvolve sentimento de pertencimento ou satisfação, galgando potencial para fazê-lo continuar na atividade, validando sua experiência pessoal como aprendente (VYGOTSKY, 1984; REY, 2003).

Nos aspectos referentes à organização da aprendizagem (VY-GOTSKY, 1984), houve críticas e elogios à proposta. “Eu reclamei muito sobre a prova, mas depois me dei conta que fazer prova era muito mais fácil do que trabalhar em equipe” (WJ). “Eu pedi para a professora rever a prova, porque era muita coisa, no final me dei conta que se a gente sabia na prática saberia responder” (TC) (MO-RAN, 2000; DIEU, 2008). “Eu não gostava quando ia pedir ajuda para a professora para o meu grupo e ela dizia que eu tinha que me posi-cionar e resolver” (DB). “Fiquei um pouco chateada, muito na ver-dade, mas acho que entendi o papel dela” (MH). (ZANELLA, 1992). A aprendizagem se coloca em melhores condições quando é embasada em apoios distintos, socialização e apoio mútuo. Da mesma forma, as atividades colaborativas, independentemente da corrente peda-gógica que se siga, constroem relações muito mais significativas e profundas do que as realizadas isoladamente (MORAN, 2000; DIEU, 2008).

Dessa forma, pode-se dizer que quando a aprendizagem é impor-tante também para o indivíduo, as conexões são mais profundas e impulsionadoras do pensamento, valorizando questões atuais, en-volvimento pessoal, interação e mediação necessárias, novos desa-fios e novas formas de ensinar e aprender, elevando as práticas de sala de aula, focando em atividades reais que se retroalimentam a partir dos acontecimentos do dia a dia, das facilidades, das dificul-dades e dos propósitos pessoais e comuns, constituindo-se em fun-damentos básicos para a educação e fazendo com que o homem

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encare questões que o levem a desenvolver formas próprias de ex-perimentar e pensar (KUENZER, 1986). A partir do exposto, pode--se dizer que essa experiência serviu para auxiliar os estudantes a produzirem sentidos relacionados à prática da administração. Mais do que isso, de aprender de uma maneira diferenciada de suas ex-pectativas e de se desafiarem, dando uma ideia de que os conteú-dos não estão presentes somente na sala de aula de forma teórica, mas que também podem extrapolá-la, sendo suas aplicações apoia-das nas necessidades da sociedade. Outrossim, concluir que, mesmo havendo desafios, são precisamente as reações emocionais que de-vem constituir a base do processo educativo, sendo os aspectos emo-cionais os mais importantes na medida em que criam um poder que administra os movimentos conscientes relacionados aos atos de en-sinar e de aprender.

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PARTE II

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O perfil dos estudantes das ciências agrárias da UFPel: mudanças de identidade?

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A educação brasileira, nas últimas décadas, sofreu forte expansão em todos os níveis e modalidades (SANTOS & SANTOS, 2014). No âmbito da educação superior nas universidades públicas, este fato ocorreu por meio do programa de apoio à Reestruturação e Expan-são das Universidades Federais (REUNI). A finalidade desse plano foi de ampliar o acesso e permanência nos cursos de graduação, me-lhorar a qualidade dos cursos, otimizar o uso da estrutura física e dos recursos humanos existentes nas universidades federais (NAR-DELLI et al., 2013). Essa expansão resultou no crescimento do núme-ro de instituições de ensino, do número de cursos e de vagas, e, por consequência, de ingressantes e concluintes (RISTOFF, 2014).

O Reuni foi apresentado às universidades federais em 2008 e nes-te mesmo ano conseguiu a adesão das 59 universidades federais do país. O governo cogitava à época alcançar em cinco anos 30% dos jo-vens (18 a 24 anos) matriculados no ensino superior, visto que em 2007 esse percentual se encontrava ao redor de 13%. As respostas vie-ram rapidamente e em 2013 o Censo da Educação Superior informou que a meta tinha sido praticamente alcançada (LIMA; MACHADO, 2016). O Reuni definiu estratégias de construção do conhecimento, valorizando novos saberes, a vivência de outras culturas, o respei-to ao diferente (BRASIL, 2007). Para tal, foram necessários investi-mentos em políticas de assistência estudantil, visando ao acesso e permanência desses novos contingentes de alunos no ensino supe-rior.

Diante dessa situação, objetiva-se neste estudo caracterizar o perfil recente dos estudantes das ciências agrárias (Agronomia, Me-

44. Universidade Federal de Pelotas.

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dicina Veterinária e Zootecnia) da Universidade Federal de Pelotas – UFPel. A área da ciência agrária constitui-se como uma das áreas pilares do ensino na Universidade, com longa tradição e identidade específica. O resultado final é a construção de uma tipologia de estu-dantes em termos de identidades típicas verificadas após a implan-tação do REUNI.

Identidade é o que assegura ao indivíduo sentir-se existir, aceito e reconhecido pelo outro, pelo seu grupo e sua cultura. O processo de identidade se apresenta como uma relação de compartilhamento de valores e crenças com o grupo e a cultura a que o indivíduo per-tence (RONZANI; RIBEIRO, 2003).

Nesse caminho, pode-se afirmar que cada curso é composto de sua própria identidade, oriunda das interações entre os indivíduos pertencentes ao grupo que o constitui na sua trajetória de constru-ção curricular. Essa identidade do curso é externalizada e captada pelos atores que circundam dada faculdade. Nesse sentido presume--se que essa identidade acaba influenciando no perfil de aluno que opta por entrar em dado curso, ou seja, que a identidade do curso se-leciona seus alunos. Indivíduos que compartilham de valores, cren-ças e significados semelhantes tendem a optar por fazer parte de um mesmo grupo, e, por essa razão, selecionam os mesmos cursos, uma vez que esse compartilhamento irá assegurar a cada indivíduo ser aceito e reconhecido pelo outro e pelo seu grupo.

AmostraRealizou-se um estudo descritivo, transversal, no qual foi investi-gada a presença de algumas variáveis consideradas descritores do perfil dos estudantes entrantes nos cursos das Ciências Agrárias da UFPel. Para tal usou-se de duas estratégias para levantamento de dados, sendo a primeira obtida no registro acadêmico da Universi-dade para trazer à luz a questão de gênero nas ciências agrárias. A segunda estratégia utilizada parte do levantamento dos ingressan-tes dos cursos de Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia do primeiro e segundo semestres de 2016. Os estudantes da amostra fo-ram convidados a preencherem um questionário durante as aulas de Introdução de cada curso na primeira semana de aula de cada se-mestre.

O questionário era do tipo fechado e possuía questões dicotômi-cas, bem como, questões medidas através de escalas do tipo Likert de cinco pontos. No total foram aplicados 326 questionários, distri-buídos entre os cursos conforme tabela 1.

PARTE II

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Foram admitidos à pesquisa estudantes de ambos os sexos que forneceram informações quanto à cor, origem, renda familiar, esco-laridade dos pais, tipo de escola onde cursaram o ensino médio, os motivos da escolha do curso, o desejo de trocar de curso e um con-junto de variáveis relativas ao desejo profissional para o período após a conclusão do curso de graduação.

Tabela 1. Distribuição dos alunos por curso e gênero

Gênero Curso Total

Agronomia Medicina Veterinária

Zootecnia

Feminino 61 87 37 185

Masculino 93 31 17 141

Total 154 118 54 326

Procedimentos analíticosPara a análise das variáveis foram utilizados o teste do Qui Quadrado (χ2) visto o caráter qualitativo (nominal e/ou ordinal) de muitas vari-áveis. O teste verificou a intensidade de associação entre frequentar o curso “X” e as demais variáveis analisadas neste estudo. Adiciona-dos a esta primeira análise também foi verificada através do teste de Qui quadrado se a intensidade da associação entre as variáveis de in-teresse (estar frequentando o curso “X” e as demais variáveis) man-tinha-se a mesma após controlada pela variável “gênero”. Ou seja, a caracterização do perfil dos estudantes foi baseada no curso no qual estavam matriculados e também em relação ao gênero.

Para a segunda parte deste trabalho, a qual objetivou segmentar os estudantes em relação às expectativas profissionais futuras, a téc-nica estatística utilizada foi a análise de cluster (HAIR et al., 1995). Os grupos homogêneos foram obtidos através do procedimento “two–step cluster” em virtude das variáveis serem categóricas e contínuas. Com a separação dos grupos, através da análise de cluster, cada gru-po obteve uma média para cada variável utilizada na clusterização. A média indica o nível/ou o grau de importância de cada uma das variáveis em cada grupo gerado. Uma vez definidos os grupos, es-ses foram caracterizados de acordo com o curso que frequentavam, o gênero, a cor, a origem, a renda familiar, a escolaridade dos pais, o tipo de escola onde cursaram o ensino médio, os motivos da escolha do curso e se desejavam trocar de curso.

PARTE II

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186Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Resultados e discussão

O perfil de gênero e cor dos entrantes nas ciências agrárias da UFPelOs dados fornecidos pelo setor de registros acadêmicos da UFPel, quanto ao total de ingressantes nos três cursos de Ciências Agrárias, demonstrado na figura 1, evidencia as diferenças entre gêneros na escolha da graduação. No curso de Agronomia prevalece o público masculino como maioria de ingressantes, enquanto na Medicina Veterinária, desde o ano de 2008, o gênero feminino é majoritário. No curso de Zootecnia, desde sua criação, a maioria é do gênero fe-minino, exceto no segundo semestre do ano de 2012.

Figura 1. Ingressantes nos cursos de Ciências Agrárias da UFPel

PARTE II

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Fonte: Registros acadêmicos da UFPel (2017)

A distribuição dos ingressantes das Ciências Agrárias em 2016, por curso e gênero, demonstra que mais de 56% são do gênero femi-nino (Figura 2), sendo que a concentração deste gênero se dá mais fortemente nos cursos de Veterinária (73,7%) e Zootecnia (68,5%). Já no curso de Agronomia os estudantes são majoritariamente do gê-nero masculino (60,4%), o que também corrobora estudos realiza-dos em outras universidades localizadas no mesmo estado, como na Universidade Federal de Santa Maria- UFSM (ARTUZO et al., 2012). O teste do Qui Quadrado (χ2 = 35,34, df = 2, p <,01) mostra que de fato há forte relação associativa entre estas variáveis. Portanto, para o caso da UFPel fica demonstrado que os cursos são diferentes quanto ao gênero.

Figura 2. Distribuição de gênero dos ingressantes de Ciências Agrárias no primeiro e segundo semestres de 2016

Fonte: Elaborado pelos autores

PARTE II

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Os alunos das universidades públicas são em geral de cor branca (RISTOFF, 2014). No caso das ciências agrárias da UFPel este também é o caso. Na tabela 2 observa-se que quase 80% deles se autodenomi-nam brancos. Pelo teste do Qui Quadrado há evidências de que não há associação entre cor e curso (χ2 = 9,03, df = 8, p = 0,34), ou seja, não há diferenças entre os cursos. Quando adicionamos o gênero na análise observa-se novamente que não há diferenças de cor entre os cursos. Ou seja, a cor dos estudantes está distribuída uniformemen-te entre os cursos, não importando se do gênero masculino (χ2 = 2,72, df = 8, p = 0,95) ou do feminino (χ2 = 10,18, df = 6, p = 0,11).

Tabela 2. Distribuição dos alunos das Ciências Agrárias por curso e cor (%)

Cor Proporção de alunos (%) Total

Agronomia Medicina Veterinária

Zootecnia

Branco/caucasiano

80,1 73,3 83,0 78,1

Negro 6,2 5,8 1,9 5,4

Pardo 11,2 20,0 11,3 14,4

Indígena 0,6 - - 0,3

Não sei 1,9 0,8 3,8 1,8

No senso comum é possível imaginar que tradicionalmente os cursos de Ciências Agrárias atraem estudantes oriundos do meio ru-ral, contudo os dados da pesquisa mostram que mais de 30% do to-tal dos estudantes entrevistados não possuem nenhum contato com o campo. No caso da Medicina Veterinária mais da metade dos alu-nos entrantes são oriundos de zonas urbanas sem nenhuma relação com a agropecuária (Figura 3) e apenas 9,2% destes viveram, desde sempre, no meio rural. Portanto, os dados mostram que há uma cla-ra associação entre a origem dos estudantes e o curso de graduação (χ2 = 43,99, df = 8, p < 0,01). Ademais, quando analisados por gêne-ro observa-se que a associação ocorre para o gênero feminino (χ2 = 29,08, df = 8, p < 0,01), mas não para o masculino (χ2 = 13,67, df = 8, p =,09), o que demonstra que a diferença de origem entre os cursos ocorre apenas entre as mulheres. Na Medicina Veterinária, as estu-dantes eminentemente urbanas respondem por 58,6% do total dos ingressantes, enquanto entre os estudantes do sexo masculino ape-nas 32,3% pertencem a esta mesma categoria.

PARTE II

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189Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Figura 3. Origem dos ingressantes dos cursos de Ciências Agrárias da UFPel, 2016

Fonte: Elaborado pelos autores

Identidade da carreira profissional Continuando a análise de dados, através do método cluster classi-ficou-se os estudantes em clusters homogêneos quanto ao plane-jamento profissional futuro, à pretensão salarial e o interesse em montar um negócio próprio após formados. O algoritmo de cluste-rização em duas etapas separou a amostra em três distintos clusters (Tabela 3), conforme a minimização do critério de Schwarz Bayesian (HAIR et al., 1995).

O primeiro cluster é formado por alunos com a menor pretensão salarial e que planejam fazer várias coisas após formados, ou seja, estão ainda imaturos quanto ao futuro, por isto os chamaremos de “Indecisos”. O segundo cluster aglomerou aqueles alunos com a maior pretensão salarial e que desejam montar um negócio próprio e/ou trabalhar no negócio da família e em menor grau seguir a car-reira pública através de concurso. Este grupo denominaremos de “Maduros”. Finalmente o terceiro segmento aglutina os estudantes que planejam continuar estudando após formados, e os denomina-remos de “Acadêmicos”.

PARTE II

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Tabela 3. Clusters de estudantes conforme a perspectiva futura após formatura

A caracterização de cada um dos clusters é realizada através das demais variáveis consideradas anteriormente neste estudo (Tabela 4). Para fins de economia de espaço serão detalhados apenas o gêne-ro, a origem e o curso do aluno, pois apenas estas mostraram-se sig-nificativamente associadas aos três clusters derivados acima.

O primeiro cluster é formado basicamente por estudantes do gê-nero feminino, sendo dois terços deles com predominância urbana e do curso de Medicina Veterinária. O segundo cluster predomina o gênero masculino, com forte presença de estudantes da Agronomia e com a menor proporção entre os demais clusters de estudantes eminentemente urbanos. Finalmente, o terceiro cluster é também composto por muitos estudantes da Agronomia, do gênero femini-no, tendo a maior proporção entre os demais clusters de estudantes que sempre viveram no meio rural.

PARTE II

Variáveis Cluster F ou χ2

Indecisos Maduros Acadêmicos

Pretensão salarial (em salários mínimos)

4,90 6,50 5,84 12,33**

Interesse em iniciar um negócio após formadoa

4,18 4,07 4,08 ,591

Planejamento futuro (em % da amostra)

Continuar estudando

88,6

χ2 = 542,00, df = 15, p < ,001

Montar negócio

37,2

Trabalhar no negócio da família

33,7

Trabalhar empregado

11,4

Fazer concurso

29,1

Fazer várias coisas

100,0

n 78 86 105

Nota: a Escala do tipo likert de 5 pontos, variando de 1 - nenhum, 2 - pouco, 3 - neutro, 4 - razoável e 5 - muito interesse. ** significativo a p <0.01

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191Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Tabela 4. Caracterização dos clusters

Depreende-se dos dados que ainda é possível de se observar nos entrantes das Ciências Agrárias da UFPel um grupo que perfaz a identidade típica do estudante das Ciências Agrárias de outrora (Ma-duros); um segundo grupo que já na entrada sabe que a realização profissional futura depende de estudar além da graduação, especia-lizando-se via cursos de pós-graduação (Acadêmicos); e um terceiro grupo, que para os padrões das Ciências Agrárias é a grande novida-de (Indecisos).

ConclusõesPartindo da reflexão apresentada por Hall (2011), analisando os re-sultados deste estudo, onde foram evidenciadas tantas mudanças no perfil de ingressos, pode-se afirmar que, de fato, há uma “crise de

PARTE II

Variáveis Cluster Total χ2 df p valorIndecisos Maduros Acadêmicos

Gênero (%)

Feminino 66,2 47,1 55,7 55,7

7,74 3 ,050Masculino 33,8 52,9 44,3 44,3

n 77 85 100 264

Origem (%)

Sempre rural 11,5 19,8 20,0 17,3

20,25 12 ,062

Nasceu no rural, mas mudou-se para a cidade

5,1 4,7 2,94,1

Urbano com contato no rural

35,9 50,0 33,3 39,5

Urbano sem contato com o rural

41,0 22,1 34,3 32,1

Outra 6,4 3,5 9,5 7,0

n 78 86 105 271

Curso (%)

Agronomia 33,3 58,1 54,3 49,8

13,78 6 ,032Medicina Veterinária 46,2 27,9 31,4 34,3

Zootecnia 20,5 14,0 14,3 15,9

n 78 86 105 271

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192Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

identidade”, dado que a identidade que se supunha fixa, coerente e estável, não se apresenta assim. A questão da identidade auxilia no processo de compreensão do modo pelo qual percebemos a contem-poraneidade. “A identidade é constantemente deslocada para toda parte, ora por experiências confortáveis, ora por vivências pertur-badoras” (NUNES; RÚBIO, 2008). No caso do nosso estudo, percebe--se uma profunda perturbação na identidade tradicional dos cursos, especialmente da Medicina Veterinária. Os alunos ingressantes em Ciências Agrárias da UFPel são identificados pelo predomínio do gê-nero feminino (56%), mas com diferenças marcantes entre os três cursos, visto que a Agronomia ainda é majoritariamente masculina e a Zootecnia e Medicina Veterinária majoritariamente feminina.

Apesar da existência da Lei de Cotas, que amplia o acesso à uni-versidade de pessoas da cor negra, ainda existe uma forte prepon-derância nos três cursos das Ciências Agrárias de alunos que se autoidentificam como de cor branca, aproximadamente 80%. Possi-velmente, esse processo de ampliação de alunos ingressantes da cor negra nas Ciências Agrárias está em processo inicial, exigindo um maior período de tempo para a sua consolidação.

Se outrora as Ciências Agrárias eram constituídas por estudantes eminentemente rurais, a identidade atual é muito diversa. Talvez este seja o elemento mais perturbador da formação identitária dos entrantes dessa área da UFPel. Cerca de um terço do total de entran-tes dos três cursos, não tem nenhum contato com o campo, sendo a Medicina Veterinária profundamente destoante, especialmente em relação aos entrantes femininos.

Em relação às expectativas profissionais futuras, dos três tipos predominantes emergidos da análise de cluster, dois tipos já entram na graduação ou identificados com a carreira de empreendedores/empresários rurais (Maduros) ou planejam seguir estudando (Aca-dêmicos). Um terceiro tipo, mais feminino, urbano e composto por entrantes da Medicina Veterinária ainda não está identificado com uma carreira futura. Conclui-se, assim, que os estudantes das Ciên-cias Agrárias já trazem uma identidade própria na entrada, mas que perpassa a fronteira do curso em que estão matriculados.

Portanto, parece-nos que atualmente, nas Ciências Agrárias, apenas um terço dos entrantes tem perfil similar à maioria dos en-trantes de outrora (25 ou mais anos atrás), onde havia predominân-cia de estudantes masculinos, com forte relação com a produção agropecuária, de origem rural e com desejos de seguirem atuando nesse meio, fosse como produtores ou como prestadores de serviços nas diversas cadeias produtivas agrícolas. Atualmente, parece-nos que apenas os componentes do segundo cluster têm características

PARTE II

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193Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

alinhadas com este perfil tradicional dos estudantes das Ciências Agrárias.

Como as identidades estão sempre em transformação, é na inte-ração, no contato com o ambiente universitário do curso, e no con-traste dele com o de outros cursos, que as definições de identidade de cada entrante, mas também de cada curso é construída. É evidente que há certa efervescência na identidade dos entrantes e dos cursos das Ciências Agrárias, mas que em futuros estudos precisa ser olha-da a partir de outras lentes, como dos concluintes destes cursos e dos egressos de outros tempos.

Por fim, a implantação do Reuni pela UFPel trouxe mudanças consideráveis de infraestrutura, a introdução do sistema de cotas, que ampliou as chances de ingresso de estudantes que outrora ti-nham poucas probabilidades de ingressar, entre outras. Neste senti-do, este artigo trouxe uma contribuição no sentido de avaliar o perfil e a identidade deste novo estudante da Universidade, especialmente de uma área bastante tradicional como é área das Ciências Agrárias.

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PARTE II

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194Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

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PARTE II

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A pesquisa nos Institutos Federais a partir de uma perspectiva da ciência Modo 2

elisa daminelli47

denise balarine cavalheiro leite48

Este artigo tem como tema a pesquisa e a produção de conhecimen-tos nos Institutos Federais, e apresenta resultados parciais dos es-tudos de doutorado sobre a pesquisa e a Iniciação Científica com estudantes de nível médio técnico nos Institutos Federais localiza-dos no Rio Grande do Sul. Os Institutos Federais de Educação, Ciên-cia e Tecnologia, criados pela Lei 11.892/08, representam uma nova configuração da Rede Federal de Educação Profissional, e incorpo-raram as Escolas Técnicas Federais e os Centros Federais de Educa-ção Tecnológica (CEFET).

A educação profissional no Brasil remonta aos primórdios do sé-culo XX com a criação das escolas de aprendizes artífices, em 1909, tendo como objetivos atender às classes menos favorecidas, com a oferta de formação para o trabalho em cursos técnicos, visando a atender as demandas do mercado por mão de obra qualificada. Um levantamento sobre a Rede Federal de Educação Profissional mos-trou que algumas escolas técnicas já realizavam pesquisas, espe-cialmente aplicadas, entretanto, pelo pouco investimento e falta de incentivo, a atividade de pesquisa não se desenvolveu na Educação Profissional. Em geral a perspectiva adotada era que as instituições da Educação Profissional eram destinadas exclusivamente ao ensi-no, deixando a pesquisa fora de sua alçada.

Ao longo do tempo as escolas técnicas passaram por inúmeras transformações, e também por longos períodos de esquecimento e poucos investimentos. Em 2008, com a criação dos Institutos Fe-derais, iniciou a maior expansão da Rede Federal de Educação Pro-fissional, atingindo 644 unidades em 2016. A criação dos Institutos Federais trouxe uma nova configuração para a Educação Profissio-nal, e entre os objetivos e finalidades estas instituições devem estar

47. Instituto Federal do Rio Grande do Sul.

48. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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196Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

dispostas a promover e incentivar a pesquisa aplicada e a produção de conhecimentos, inclusive levando em conta que o processo de formação profissional deve ser permeado pela formação científica.

É, portanto, considerando essa nova configuração e perspecti-va da Educação Profissional que este estudo se desenha, tendo como objetivo trazer uma reflexão acerca da produção de conhecimentos nos Institutos Federais gaúchos a partir das perspectivas de novos modos de produção do conhecimento, utilizando como referenciais os aportes teóricos sobre Ciência Modo 1 e Ciência Modo 2, trazen-do as concepções de Gibbons et tal (1994) sobre os princípios da apli-cabilidade, heterogeneidade, transdisciplinaridade e reflexividade.

Da Escola de Aprendizes Artífices aos Institutos FederaisAs primeiras experiências com a Educação Profissional no Brasil fo-ram registradas no final do século XIX. A preocupação com a Edu-cação Profissional surge pela necessidade de atender demandas de mercado oferecendo uma formação às classes menos favorecidas. Nesse aspecto, Moura (2010) destaca que no período colonial não ha-via preocupação com a educação das classes trabalhadoras, uma vez que não havia necessidade de pessoal qualificado para o trabalho.

Em 1909 o Decreto nº 7.566 cria 19 Escolas de Aprendizes Artífi-ces, destinadas ao ensino profissional, primário e gratuito. Esse decreto aponta a necessidade de que o governo se preocupe em pro-porcionar às classes proletárias meios de vencer as dificuldades, e aponta como solução oportunizar aos filhos das classes proletárias uma formação intelectual e técnica. Portanto, essas instituições ti-nham uma função de inclusão social dos mais humildes, ofertando uma Educação Profissional que visava desenvolver habilidades para o trabalho manual, diferenciando a Educação Profissional da for-mação reservada às elites.

As Escolas de Aprendizes Artífices se transformaram em Liceus Profissionais, em 1937, mas ainda mantiveram a divisão entre os cursos de ciências e humanidades (intelectual) e os cursos técnicos (manuais), não reconhecendo a formação em nível técnico como equivalente para ingresso em cursos superiores, demarcando a dua-lidade do sistema de educação. Nesse aspecto, a Educação Profissio-nal só foi reconhecida como equivalente aos cursos secundários em 1942, quando as Escolas de Aprendizes Artífices passaram a ser Esco-las Industriais e Técnicas. Depois disso, em 1959 essas instituições passaram a ter autonomia didática e de gestão, e receberam nova nomenclatura, indicadas como Escolas Técnicas Federais.

PARTE II

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197Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Posteriormente, ao longo de vários anos, algumas Escolas Técni-cas Federais se tornaram os Centros Federais de Educação Tecnoló-gica (CEFET). A expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica só ganhou força a partir de 2005, quando foram cons-truídas 64 novas unidades. Em 2007, através do decreto 6.095, o Go-verno estabeleceu as diretrizes para o processo de integração das instituições federais (Centros Federais de Educação Tecnológica - CEFET, Escolas Técnicas Federais - ETF, Escolas Agrotécnicas Fede-rais – EAF, e Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais) para a formação dos Institutos Federais. (BRASIL, 2016a).

Essas instituições integraram a Rede Federal de Educação Pro-fissional e Tecnológica, e deram origem aos 38 Institutos Federais, criados pela Lei 11.892 de 2008. No período entre 2002 e 2016 a Edu-cação Profissional vivenciou a maior expansão da rede Federal, que passou de 140 unidades em 2002 para 644 unidades em 2016, confor-me dados disponíveis no site do Ministério da Educação. (BRASIL, 2016b).

Os Institutos Federais têm entre seus objetivos e finalidades a atuação em diversos níveis e modalidades de ensino, incluindo a Educação Profissional de nível técnico, a oferta de cursos superiores de graduação e também atuam na pós-graduação. Além disso, pas-sam a ter como objetivos e finalidades a realização de pesquisas apli-cadas, visando à produção de conhecimento a partir das realidades locais e buscando o desenvolvimento dos arranjos produtivos locais.

Nesse contexto, buscamos investigar de que forma essas institui-ções estão produzindo conhecimento, considerando que os Institu-tos Federais se equiparam às Universidades em alguns aspectos, e ao mesmo tempo se distanciam das características da Universidade em outras questões, especialmente porque atuam na educação pro-fissional técnica de nível médio e, no caso da produção de conheci-mentos, têm como finalidade a pesquisa aplicada, que deve se voltar, prioritariamente, para as regiões nas quais está inserida, conforme aponta a Lei 11.892/2008.

Novos modos de fazer ciência e produzir conhecimentoA ciência tem papel fundamental na sociedade, e ao longo do tem-po as formas de produzir conhecimento e fazer ciência se modifica-ram e trouxeram novas questões que envolvem as responsabilidades da ciência, a interação entre pesquisadores e sociedade, as formas de financiamento, e o tipo de conhecimento e os lugares onde é pro-duzido e como é divulgado. Diferentes autores apontam mudan-ças na produção de conhecimento, e na forma de fazer ciência, em

PARTE II

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198Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

comparação a um modelo tradicional de produção do conhecimen-to científico. Em alguns aspectos essas novas formas se contrapõem ao modelo tradicional de fazer ciência, representando uma ruptu-ra com a ciência tradicional, e em outros aspectos elas representam uma continuidade e uma forma complementar de produzir conhe-cimento.

Vessuri (2008) destaca que a Universidade esteve por muito tem-po à frente da produção formal do conhecimento e da formação da elite profissional, e que atualmente novos lócus de produção do co-nhecimento estão emergindo, e envolvem novas parcerias e outras formas de avaliação de resultados e de financiamento da ciência. Es-sas novas configurações afetam as decisões sobre a ciência e a for-ma de produção do conhecimento científico, e demonstram que a ciência vive um processo de transição e está evoluindo para outras formas de produção do conhecimento, que incluem a valorização de outros tipos de saberes além do conhecimento científico.

Os estudos de Gibbons et al. (1994) apontam para o surgimento de novos modos de produção do conhecimento, que não afetam so-mente aquele que é produzido, mas também como ele é produzido, incluindo os contextos, a organização, os sistemas e os mecanismos de controle de qualidade sobre o que é produzido. Os autores utili-zam a denominação Modo 2 para descrever as mudanças que estão ocorrendo nas formas de produção do conhecimento, em contra-ponto ao Modo 1, indicado como a forma tradicional de produção do conhecimento e com a qual estamos familiarizados.

Conforme Gibbons et al. (1994), as características pertinentes ao Modo 1 estão relacionadas a um contexto acadêmico, e o conheci-mento produzido tem caráter disciplinar, homogêneo, hierárquico, com a participação de especialistas de uma área do conhecimento. A divulgação e o financiamento são institucionais, através de pu-blicações em canais próprios de divulgação científica, como revis-tas, conferências e relatórios de trabalho. A avaliação do impacto e o controle de qualidade são realizados pelos pares e em momento pos-terior, durante a análise e divulgação de resultados.

Em contraponto a essas características do Modo 1, a ciência Modo 2 é definida por Gibbons et al. (1994) como uma nova forma de pro-dução do conhecimento, que surge no contexto de aplicação, e tem como características a aplicabilidade, a transdisciplinaridade, a he-terogeneidade e diversidade organizacional, a reflexividade e a res-ponsabilidade social.

A aplicabilidade tem relação direta com a busca pela produção de um conhecimento que pretende ser útil na indústria ou no governo, ou na sociedade. Os problemas são definidos com base em questões

PARTE II

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199Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

sociais ou econômicas, em um contexto de aplicação. O trabalho no contexto de um problema revela a importância da transdisciplina-ridade, à medida que requer o trabalho em equipe, a cooperação em redes com outros profissionais, laboratórios e instituições diversas.

O Modo 2 se constitui com a participação de diferentes organi-zações e instituições, caracterizando a diversidade organizacional do novo modelo de produção do conhecimento. A reflexividade e a responsabilidade social são características da Ciência Modo 2, e permeiam todo o processo de produção do conhecimento, fato que reflete na interpretação e difusão dos resultados, e também na defi-nição dos problemas e na configuração das prioridades de pesquisa.

As características que se referem aos novos modos de produção de conhecimentos se mostram alinhadas com as diretrizes propos-tas para a pesquisa nos Institutos Federais, pois

os novos conhecimentos produzidos pelas pesquisas de-verão estar colocados a favor dos processos locais e regio-nais numa perspectiva de reconhecimento e valorização dos mesmos no plano nacional e global (BRASIL, 2010, p. 23).

Nesse sentido, buscou-se investigar quais são as características presentes nos modos de produção do conhecimento nos Institutos Federais gaúchos, e também como elas se aproximam de uma ciên-cia Modo 2.

Materiais e métodosO estudo teve uma abordagem qualitativa e se configurou em um estudo de caso, que buscou explorar e descrever o contexto e os su-jeitos envolvidos na pesquisa e na Iniciação Científica nos Institu-tos Federais gaúchos: Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Instituto Federal Farroupilha (IFFAR) e Instituto Federal Sul-Rio--Grandense (IFSUL). Utilizou também dados quantitativos adotan-do a perspectiva de Creswell (2010) para uma abordagem de pesquisa que combinou métodos qualitativos e quantitativos, com o intuito de ampliar as informações e melhorar a compreensão do fenômeno investigado.

Além de um levantamento documental sobre os três Institutos Federais gaúchos e sobre o tema investigado, o estudo contou com a análise de dados produzidos a partir da participação de 39 docentes e 41 estudantes das três instituições, que responderam questioná-

PARTE II

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rios contendo perguntas abertas, fechadas e de múltipla escolha so-bre a pesquisa e a Iniciação Científica. As tabelas a seguir mostram a distribuição dos sujeitos participantes do estudo por instituição.

Tabela 1. Distribuição dos professores por instituição

Fonte: Daminelli (2018)

Tabela 2. Distribuição dos estudantes por instituição

Fonte: Daminelli (2018)

Os resultados apresentados neste artigo trazem reflexões, a par-tir da análise dos materiais investigados, sobre as características da pesquisa e da produção de conhecimentos, nos Institutos Federais gaúchos, tendo como referencial para análise as concepções de Gi-bbons et al. (1994) para uma perspectiva de Ciência Modo 1 e Ciência Modo 2. Buscou, portanto, identificar aproximações entre a forma de fazer ciência nessas instituições e as características apontadas pelos referidos autores como uma nova forma de produzir conheci-mento, que envolve a aplicabilidade, a transdisciplinaridade, a he-terogeneidade e a reflexividade.

PARTE II

Instituto Federal

Feminino Masculino Total

IFFAR 4 36% 7 64% 11 28,2%

IFRS 7 41% 10 59% 17 43,%

IFSUL 6 55% 5 45% 11 28,2%

Total geral

17 44% 22 56% 39 100%

Instituto Federal

Feminino Masculino Total

IFFAR 6 60% 4 40% 10 24%

IFRS 15 65% 8 35% 23 56%

IFSUL 6 75% 2 25% 8 20%

Total geral

27 66% 14 34% 41 100%

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A produção de conhecimento nos Institutos Federais no Rio Grande do SulTradicionalmente, a pesquisa no Brasil sempre esteve ligada à Uni-versidade e aos programas de pós-graduação. Nesse contexto, o rela-tório do Fórum Nacional dos Dirigentes da Pesquisa e Pós-graduação (FORPOG) de 2009 apresentou o papel dos Institutos Federais no sentido de provocar alguma mudança nesse cenário, destacando a expansão e interiorização da Rede Federal de Educação Profissional, com a finalidade de realizar pesquisas aplicadas, com foco no desen-volvimento local e regional, e, portanto, com o papel de promover a produção científica nas mais diversas regiões do país.

Essas considerações denotam um caminho para a pesquisa nos Institutos Federais que, em princípio, se aproxima de uma nova con-cepção de ciência, voltada ao contexto de aplicação e mais inserida na comunidade local, indicando uma aproximação com os princí-pios da ciência Modo 2. As análises dos questionários e dos docu-mentos observados indicam que os Institutos Federais ainda estão pouco inseridos na comunidade em que atuam. As questões e proje-tos de pesquisa são determinados dentro da instituição, em geral os problemas investigados têm relação direta com a área de formação e atuação do pesquisador, e com pouca ou nenhuma participação da comunidade externa.

Dessa forma, caracteriza-se que a pesquisa que se desenvolve nessas instituições não se insere claramente em contextos de aplica-ção, pois é definida e realizada, prioritariamente, de forma endóge-na na própria instituição. Os resultados evidenciam que o princípio da aplicabilidade da ciência Modo 2 ainda é incipiente nessas ins-tituições, e também indicam que a atividade de pesquisa nos Insti-tutos Federais gaúchos tem se desenvolvida, prioritariamente, de forma homogênea, com pouca participação de agentes externos, ou especialistas e profissionais de outras áreas.

Os projetos de pesquisa assumem a lógica disciplinar, conforme a formação e área de atuação do pesquisador responsável, fatores que indicam que a transdisciplinaridade não é um princípio evidencia-do nos projetos de pesquisa dessas instituições. Os financiamentos são, em sua maioria, com recursos de origem do setor público, não havendo indícios de financiamento do setor privado. Entretanto, é preciso destacar que a produção de conhecimento dessas institui-ções se caracteriza como pesquisa aplicada, pois muitos dos projetos desenvolvidos resultaram em produtos e serviços que foram trans-feridos à comunidade.

PARTE II

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Esses resultados denotam que os projetos de pesquisa que estão sendo desenvolvidos nos Institutos Federais têm se voltado para a comunidade local. E, embora as propostas não se desenvolvam cla-ramente no contexto de aplicação e não tenham evidências da par-ticipação da comunidade externa na elaboração das questões, os objetivos das pesquisas e os resultados esperados têm se direciona-do para a produção de conhecimentos que possam ser úteis e aplica-dos na região, buscando seu desenvolvimento e qualificação.

Portanto, o princípio da reflexividade e da responsabilidade so-cial é evidenciado, ao menos em parte, no que se refere à busca para desenvolver resultados práticos visando a atender às demandas da região. A reflexividade e a responsabilidade social seriam mais abrangentes se outros princípios, como a aplicabilidade e a hetero-geneidade, também estivessem amplamente presentes nos projetos de pesquisa, garantindo a participação mais efetiva da comunidade na discussão das questões relevantes da pesquisa e na produção de conhecimentos.

Considerações finaisEste artigo buscou trazer uma reflexão acerca da produção de co-nhecimentos nos Institutos Federais localizados no Rio Grande do Sul, tomando por base os referenciais teóricos sobre novos modos de produção do conhecimento, em especial, considerando os princí-pios de aplicabilidade, transdisciplinaridade, heterogeneidade e re-flexividade, evidenciados por Gibbons et al. (1994) para uma ciência Modo 2. Os resultados indicaram que os Institutos Federais analisa-dos produzem conhecimento através da pesquisa, entretanto, tam-bém apontam que a atividade de pesquisa nessas instituições é ainda incipiente, embora conte com uma comunidade acadêmica quali-ficada, com expressivo número de mestres e doutores atuando em seus campi.

De forma geral, os resultados mostram que a pesquisa e a pro-dução de conhecimento, nos três Institutos Federais analisados, se desenvolvem com características, predominantemente, de uma ci-ência tradicional, uma ciência Modo 1 na concepção de Gibbons et al. (1994), que corresponde ao conhecimento homogêneo, hierár-quico e com pouca diversidade organizacional. Os processos são endógenos, com pouca participação da comunidade externa e sem evidências de parcerias e redes de colaboração em pesquisa. Entre-tanto, observa-se um esforço para desenvolver pesquisas aplicadas voltadas às demandas locais, de forma que muitos dos conhecimen-tos produzidos são disponibilizados às comunidades, denotando a

PARTE II

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203Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

perspectiva de reflexividade e responsabilidade social nessas insti-tuições.

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FÓRUM NACIONAL DOS DIRIGENTES DA PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO/ CONCEFET. O lugar da pesquisa, pós-graduação e inovação nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. São Luís, XXXII REDITEC,

PARTE II

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204Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3. Acesso em: 03 mar. 2018.

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Documentário como instrumento na educação frente ao preconceito de gênero: o caso Maria Luisa

jéssica dalcin da silva49

valmor rhoden50

valeska fortes oliveira51

Primeiras palavrasConhecer, descrever e interpretar as práticas educativas, tanto nas suas dimensões particulares quanto gerais, e as ligações entre elas, é um desafio para os pesquisadores-educadores. Problematizar quais aspectos da educação se manifestam como continuidade/perma-nência e/ou como descontinuidade/mudança na configuração do so-cial e do individual é outra finalidade dos estudos em Educação, aqui concebida como processo de humanização, socialização e participa-ção na cultura (CHARLOT, 2006). Também a pesquisa, além das fi-nalidades acadêmicas propriamente ditas, de produzir e acumular conhecimento científico, torna-se relevante na medida da sua con-tribuição ao fomento de práticas educativas que qualifiquem/am-pliem a vida coletiva e pessoal, e é nesse espírito que este texto é escrito. Assim sendo, uma história de vida é tomada como ponto de partida para reflexão das relações entre biografia e processos sociais de construção de gênero e sexualidade. A trajetória de vida de uma mulher trans revela o quanto aprender a ser mulher é um ato de re-beldia que apresenta significados de realização e de sofrimento.

A identidade transgênero pode ser pensada como uma forma de resistência (CASTELLS, 2000) em relação ao padrão hegemônico: o modelo heteronormativo. O pressuposto é de que as identidades culturais não são dadas naturalmente e não são fixas (HALL, 1997), sendo construídas socialmente, coletiva e individualmente, poden-do variar entre os indivíduos e ao longo da vida de cada um. A pro-blematização dessa história de vida tem a intenção de descrever e analisar a perspectiva do próprio sujeito e alguns dos efeitos sociais

49. Universidade Federal de Santa Maria.

50. Unipampa - São Borja.

51. Universidade Federal de Santa Maria.

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dessa construção identitária subversiva de gênero trans feminina (BUTLER, 2003), representados na construção de um documentário em vídeo para o uso pedagógico em ambientes de ensino-aprendi-zagem. Como será abordado em seguida, Maria Luisa foi vítima de preconceito em todos os níveis de formação em que participou, evi-denciando o empirismo de que, quase nunca, nível formativo seja si-nônimo de aceitação social.

Neste sentido, a proposta deste trabalho é trazer discussão so-bre a importância que o documentário pode ter na Educação como ferramenta de conscientização no ambiente universitário, a fim de diminuir o preconceito nas questões de gênero. Dentro dos espetá-culos do mundo moderno, como trazer a atenção a um tema sensí-vel e pungente, mas banalizado pelo cotidiano? Os noticiários em jornais e os vislumbres do dia a dia dessensibilizam o senso crítico, fazendo com que algo incomum seja visto como o normal. Assim, prolifera-se o preconceito em várias frentes, incluindo aí as ques-tões de gênero, com agressões verbais e outras formas de violência. Cabe ao docente trazer criticismo nos ambientes em que atua, e o cinema-documentário acaba por ser um meio extremamente prolí-fico para o estímulo a essas discussões. O documentário Marias e Lui-sas (GEPEIS-UFSM, 2018) tem a especificidade de tratar da situação de uma mulher trans que, quando jovem, foi um garoto criado em meio à cultura gaúcha de fronteira. É sabido que as tradições cultu-rais de fronteira costumam ser bastante machistas, pois valorizam a masculinidade necessária às relações interterritoriais. Após sair da cidade, assumir-se transexual e retornar em 2015 para estudar, Ma-ria Luisa esperava encontrar menos preconceito no cosmopolitismo de um ambiente acadêmico. Dentro de um evento acadêmico, ain-da, foi que se estimulou a produção de um documentário que trou-xesse sua história para a conscientização da presença da diversidade sexual no ambiente universitário. Mesmo sendo conhecimento e preconceito elementos antagônicos, o preconceito social de Maria Luisa começou na escola e continuou na academia.

Um documentário “pode ser definido, de forma breve, como uma narrativa que estabelece enunciados sobre o mundo histórico” (RAMOS, 2004, p. 163), traço marcante que o separa da narrativa de ficção.

Os documentários dão densidades discursivas [...] ao comportamento social [...], aos mundos invisíveis e aos personagens incertos. Marca mazelas e delícias de se vi-ver o contemporâneo (BODSTEIN, 2016, p. 2).

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É uma mídia visual das mais efetivas para a produção de sensi-bilidades sobre o tema escolhido, produzindo grande engajamento quando utilizada na forma pedagógica, pois “produz efeitos de sín-teses culturais acerca de quem somos no contexto que herdamos e reconstruímos para asseverar nossa existência” (idem). Além de pesquisa bibliográfica e do amparo da análise do documentário pro-duzido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Imaginário Social (GEPEIS), sobre a persona Maria Luisa, contou-se, ainda, com a entrevista integral realizada com a protagonista. O formato cine-ma-documentário permite vivências de imersão, pois “a especifici-dade da linguagem audiovisual oferece uma forma privilegiada, em relação a outras linguagens, de construir e revelar histórias de vi-das” (CRUZ, 2011, p. 27). O espectador é convidado a ocupar a cadeira ou o lugar de avaliador de uma realidade diversa da sua (BERNAR-DET, 1985), mediante a quebra de muros imaginários construídos em razão do preconceito. O documentário, após finalizado, torna--se produto científico e de divulgação de comportamento e vivência. Cada vez mais se compreende que não é possível viver todas as fa-cetas que o mundo oferece, e daí a importância da valorização e o resgate da memória, do passado, trazendo uma compensação àqui-lo que nos escapa, ou seja, ao ritmo acelerado do cotidiano das mu-danças, quase uma resistência à perda dos antigos modos de viver e de exercer a cotidianidade. Logo, os docentes podem utilizar tais re-cursos para trabalhar os conteúdos a serem ministrados com os es-tudantes, e para complementar sua própria formação.

Cinema autobiográfico: Marias e Luisas (2018)Sobre o cinema enquanto recurso, Fischer (2007) diz que

talvez um dos trabalhos pedagógicos mais revolucioná-rios seja o que se refere a uma ampliação do repertório (para) ampliar as possibilidades de estabelecer relações [...] para pensar de outro modo o presente que vivemos (2007, p. 298).

Muitas vezes o docente se depara com a realidade dicotomizada em sala de aula, que nada passa de imposições sociais que fazem a ma-nutenção do status quo e, assim,

o cinema, ao apresentar essas diferentes formas de retra-tar o ser humano, contribui para o entendimento de ques-

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tões do inconsciente que não se enquadram na racionali-dade pretendida pelo pensamento moderno (SIQUEIRA, OLIVEIRA E BRAGA, 2005, p. 05),

pois o indivíduo pós-moderno é muito mais complexo do que as conceituações ainda remanescentes na sociedade. Em um momento histórico de revisionismo dos papéis sociais, passa a ser de grande importância o estabelecimento de novos modelos de valores (como a tolerância e a empatia), que darão bases à relação de confiança que o indivíduo tece com o panorama social que se avizinha. Em especial, na sociedade hipermidiática em que o indivíduo só existe se aparece e se é reconhecido midiaticamente. Neste sentido, o documentário Marias e Luisas (GEPEIS-UFSM, 2018) pretende ser um instrumen-to que conta parte da trajetória de vida de uma mulher transgênero e dos desafios que enfrentou em vários momentos da vida e setores da sociedade, mas como também foi batalhadora na busca de seus direitos, pensando ainda em prol de um grupo maior. Além disto, mostra a necessidade de haver mais tolerância e respeito com as pes-soas que apenas querem ter o direito de Ser.

A busca do outro é o cerne do documentário, e do que é digno de nota no outro, deslocando o documentarista em uma experiência a um mundo diferente do seu. Neste sentido, o documentarista, ao es-colher esse mundo do diferente que irá retratar, também põe muito de si. Segundo Marcato (2014, p. 02),

as biografias permitem ao público uma viagem a outros contextos históricos e culturais através de um relato de uma vida em sua singularidade, um registro histórico da memória pessoal e coletiva de um indivíduo.

Afinal, isto é o que motiva a sua escolha e o direcionamento do seu olhar, ou seja: aquilo que lhe toca.

O preconceito social inicia em casa, segue na escola, perdura até hojeMaria Luisa nasceu ‘pela a primeira vez’ em 1982. Ela relata ter tido, ao menos, três nascimentos: um, biológico; dois, culturais. Primei-ro como Éwerton na infância, depois com Keli na juventude (quando se inicia na prostituição) e, por último, em 2012, como Maria Luisa. Sua trajetória é exemplar da experiência de constituição de identi-dades de gênero e sexo não binário, e das relações de poder que ora

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proíbem, dificultam, negam e excluem; ora motivam, facilitam e es-timulam outros processos de identificação.

A sua cidade natal é São Borja (RS), com 62.808 habitantes, segun-do o Censo do IBGE de 2010. O tradicionalismo gaúcho é elemento cultural amplamente difundido pelos Centros de Tradição Gaúcha, os CTGs. Como região de fronteira, traz no espírito de seu espaço imaginado algo que reforça a identidade do homem forte, estanciei-ro e criador de gado. Na infância, residia com pai (servidor público municipal), mãe e irmão caçula, em uma das ruas principais de um bairro periférico da cidade: família de religião católica, com prática da missa dominical. Uma das marcas da infância de Éwerton foi a morte da mãe biológica por câncer, quando ele tinha apenas 11 anos, que marcaria um certo peso de maturidade precoce sobre tornar-se um responsável pelo lar, no papel de primogênito.

Diz Maria Luisa que “[...] usava as roupas da minha tia. Mas es-ses comportamentos não eram aceitos: meu pai disse que se eu não parasse com aqueles trejeitos, ia me dar uma surra e me transfor-mar num homem. Aquele foi o primeiro susto da minha vida, tinha 9 anos”. Nesse ambiente de censura, após a morte da mãe e o novo casamento do pai, as dificuldades de relacionamento familiar leva-ram à saída de Éwerton da casa do pai e à ida para a casa da tia, aos 12 anos, depois de uma discussão em função da descoberta de uma car-ta de amor que o menino havia escrito para um vizinho. Ficou mais de uma década sem falar com o pai. Com o seu retorno para a cidade e os estudos, teve a reaproximação do pai e, atualmente, convivem harmoniosamente. 

A tia, irmã da mãe falecida, era casada e sócia de um dos CTGs da cidade. Essa tia, também já falecida, foi uma grande referência de como levar a vida com mais leveza: “Nos concursos, ela lavava as roupas e eu passava. Eu via naquela mulher que as coisas podem ser da forma mais simples. A conta de luz era em comum, e quando alguém não pagava – ficava assim, às vezes – ela atravessava a pra-ça para pegar água” (GELATTI, 2017). Foi quando Éwerton se inse-riu em uma nova fase marcante em sua trajetória de vida: “fizemos declamação, cultura campeira e fui no primeiro concurso – que não deu certo, mas depois ganhei várias competições e as pessoas me falavam que eu era boa. Eu gostava porque estava aprendendo um pouco da história [...], ter contato com pessoas que eu não imagi-nava”. Sentindo-se estimulada, envolveu-se ainda mais em ativida-des culturais e eventos no CTG: “Fiz história na minha cidade: era o primeiro Peão Farroupilha da região. Tinha trabalhos filantrópi-

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cos, éramos conhecidos e tínhamos influência, eu ajudava a prepa-rar prendas e peões, participei do concurso no estado [...], e minha tia junto, pra me ajudar e incentivar” (GELATTI, 2017). O reconheci-mento da comunidade pela sua atuação trouxe-lhe satisfação pesso-al; mas, para desfrutar dessa experiência de sucesso no movimento de tradições gauchescas, foi necessário ocultar o processo de identi-ficação de gênero em curso, pois tal cultura tradicionalista trata de um espaço de reprodução do modelo de gênero socialmente domi-nante.

No início da adolescência, por intermédio da orientadora voca-cional da sua escola, Éwerton começou a entender racionalmente o que era a homossexualidade que já vivenciava. Diz que “vivíamos numa época em que as pessoas não falavam muito no assunto e a gente era visto como doente. Eu não entendia muito bem o que era isto” (GELATTI, 2017). Percebe-se aqui que a escola, na figura de seus professores, tem papel fundamental no acolhimento e reconheci-mento da diferença, para que esta não se torne motivo de exclusão, pois, naquela época, mesmo compreendendo melhor sua sexuali-dade e obtendo apoio da escola, o preconceito, a discriminação e a violência por parte dos colegas permaneceram ao menino, causan-do marcas profundas. Após uma provocação forte de um colega du-rante a aula de Educação Física, “a partir daquele momento eu não fiz mais aulas. Eu ia para a biblioteca, ler, ou pra secretaria. Isso era um alívio. Lembro que teve outro momento, em que fizeram um corredor polonês no recreio – eles passavam a mão na minha bun-da, fiquei chateado” (GELATTI, 2017). Neste sentido, é essencial tra-balhar a questão de gênero nas escolas para diminuir o preconceito e o bullying. A OMS (Organização Mundial de Saúde) em 1990 retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças. O Brasil, por meio do Conselho Federal de Psicologia, deixou de considerar a op-ção sexual como doença ainda em 1985, antes mesmo da resolução da OMS. O sentimento de vitimização e impotência de quem sofre preconceito acaba, também, por atrasar a organização de movimen-tos e coletivos que clamam por visibilidade, respeito e cidadania:

As possibilidades de igualdades de direitos estão dadas científica e tecnologicamente, apesar de não estarem ao alcance de todos. Continuamos defasados, carentes na radicalização do sentido de garantir que as conquis-tas coletivas sejam coletivamente desfrutadas. E eis aqui uma excelente oportunidade para a escola resgatar uma dívida histórica contraída com as vítimas das inúmeras possibilidades de olhares depreciadores. É a isso que cha-

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mamos ressignificar o olhar – ou o exercício dos múlti-plos olhares (BIANCHETTI e CORREIA, 2011, p. 156-157).

Maria Luisa passou por Santo Angelo, Porto Alegre, Santo Au-gusto e Três de Maio, todas cidades no Rio Grande do Sul, depois que saiu de São Borja. Estudos, trabalhos em eventos e decoração foram algumas das ocupações que teve. Por necessidade financei-ra da família, inicia trabalhos como profissional do sexo, momento que ‘nasce’ Keli, sua persona para a noite. Porém, ‘Maria Luisa’ era o nome que desejava ter de batismo, caso seu sexo biológico fosse feminino. Indo para Porto Alegre, então, novamente rebatizou-se. Essa trajetória foi marcada por muitas situações e dificuldades. Dro-gas, falta de perspectivas e de dinheiro – e diversas extravagâncias – também permearam esta história. Noitadas festivas encaminha-vam-se facilmente à perda de controle, com prejuízos financeiros e de saúde, incluindo aí perigos reais de roubo e sequestro. A Agên-cia Brasil (2018) divulgou dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) que apontaram que apenas em 2017 foram contabilizados 179 assassinatos de travestis ou transexuais. Isso sig-nifica que, a cada 48 horas, uma pessoa trans é assassinada no Brasil. Em 94% dos casos, os assassinatos foram contra pessoas do gênero feminino. A organização aponta ainda que a situação mantém o Bra-sil no posto de país onde mais são assassinados travestis e transexu-ais no mundo.

Do total das pessoas mortas, 70% eram profissionais do sexo. Daí também o fato de 55% dos crimes terem ocorrido nas ruas, indican-do que há “ódio às prostitutas, em um país em que ainda não existe uma lei que regulamente a prostituição que, apesar de não ser cri-me, sofre um processo de criminalização, pois desqualificada por valores pautados em dogmas religiosos” (AGÊNCIA BRASIL, 2018).

Preocupada, a tia de Maria Luisa insistiu para que esta voltasse para São Borja, para o que teve o estímulo de outros amigos. Em fun-ção dos estudos, acabou sendo convencida a voltar, com mudanças para melhor: “Tudo bem que não me aceite, mas me respeite, e não venham me incomodar. Meu pai, no início, não aceitava. Aí voltei a estudar – fiz vestibular, e o resultado? Passei em quinto lugar para o curso Técnico em Eventos” (GELATTI, 2017). O nome social foi soli-citado e incluído na instituição de ensino; porém ela ainda passou por situações vexatórias em sala de aula, precisando provar seu va-lor constantemente, junto de outro colega homossexual:

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Quando passei, me muni com os documentos para que fosse incluído meu nome social. Mas a chamada ain-da era feita pelo nome civil e os professores falavam: o Éwerton ainda não veio? O meu receio era como as pes-soas iam aceitar isto, os colegas. Achei que os professores iam entender, mas foi o contrário. Eu sei que um profes-sor pegou no nosso pé e nós pegamos no pé dele também. Não pode ter estudo e ter preconceito (GELATTI, 2017).

Ao despertar para a busca de uma Cidadania no sentido mais am-plo, começou a trabalhar com a ONG Girassol. Também fala de si-tuação que passou com a tia doente, quando sofreu preconceito ao solicitar um auxílio de emergência em posto local de saúde, tornan-do visível a falta de interesse de alguns profissionais da saúde em ajudar, aliada à falta de políticas públicas para o tema. Essa necessi-dade de ajuda para a saúde da sua tia obrigou-a a buscar seus direi-tos em prol de melhor qualidade de vida para a mulher que a aceitou desde o início: “Fui na Secretaria de Saúde e, quando é a transexu-al a pedir ajuda, tem discriminação também no Sistema. Mas quan-do comecei a me empoderar, participei da Conferência Municipal de Saúde, para o qual fui escolhida Delegada, e isto ajuda” (GELAT-TI, 2017). Além disso, apesar de não ter sido sempre assim, na entre-vista, Maria Luisa parece estar bem ciente de sua identificação: “Eu me classifico como uma mulher trans. O meu psicológico, não meu órgão sexual. Já fui convidada para o Conselho Municipal das Mu-lheres, a gente tem que lutar para uma classe. Como trans e como mulher também, então tenho este entendimento” (GELATTI, 2017). A história de vida da Maria Luisa teve muitos momentos difíceis e foi marcada por vários recomeços. A busca pela cidadania, por viver sem ter que explicar quem é, ou seja, a busca por autonomia. Ela fala sobre o que representa este momento no país e no mundo, no qual a intolerância com a diversidade é muito grande. Ela se insere no con-texto onde está e como vê o mundo no qual está e, ao mesmo tempo, fala da necessidade de maior tolerância e respeito ao próximo: “Não gosto é que me julguem por causa daquilo que não sabem. Sou for-mada em eventos, faço vestido para festas, bordo, costuro. [...] Eu sei lidar, no meu caminho, no meu momento, como eu tenho que agir. Assim como sei me comportar em sala de aula, me posicionar e exigir” (GELATTI, 2017).

Isto é reforçado quando olhamos para os números oficiais. Se-gundo um relatório do Ministério das Mulheres, da Igualdade Ra-cial e dos Direitos Humanos, divulgados pela Innovare Pesquisa (2016), entre as denúncias feitas pelo Disque Denúncias, 51,68% fo-

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ram contra travestis, 36,77% contra gays e 9,78% contra lésbicas. De forma mais prática, Maria Luisa faz parte de um movimento global, no qual atua de forma direta para a defesa dos direitos que considera fundamental, por meio da ONG Girassol:

Cada pessoa ama do jeito que sabe, não prejudica nin-guém. Ama porque acha que aquilo é o correto pra ela. E acho que toda forma de amor é possível e fácil de enten-der. O que falta é compreender as pessoas. A gente vive num mundo de intolerância no qual se toma decisão pelo outro, e não é assim (GELATTI, 2017).

Apontamentos finais Em um momento histórico de questionamento dos papéis sociais tradicionalmente dominantes, passa a ser de grande importância o estabelecimento de novos modelos de valores, que darão bases à re-lação de confiança que o indivíduo tece com o panorama social que se avizinha. Os movimentos de luta pela livre construção e expressão de identidades de gêneros e orientações sexuais mobilizam a identi-dade de resistência que oferece aos indivíduos uma comunidade de pertencimento que os fortalece na luta pela construção do autorre-conhecimento e do reconhecimento social (CASTELLS, 2000). Pe-los relatos, percebe-se que Maria Luisa se empodera ao participar do movimento. Utilizou-se da força matriz da empatia na busca de seus direitos, pensando em prol de um grupo maior. Além disto, mostra que precisamos ter mais tolerância e respeito com as pesso-as que apenas querem ter o direito de ser quem são. Cada vez mais se compreende que não é possível viver todas as facetas do mundo, e daí a importância da valorização e a reconstrução da memória de cada época.

O documentário visa, ainda, a vir de encontro aos anseios de uma comunidade acadêmica que ainda não sabe, de modo geral, como transitar e lidar com as questões de gênero. Disponibilizado gratuitamente a ser exibido nos átrios dos centros de ensino e/ou sa-las de aula, a aproximação dialógica do vídeo-documentário Marias e Luisas abre espaços para o argumento e a compreensão, desejoso ainda de ser entendido como um alento, uma voz, a todo e qualquer grupo de menor representatividade. Reconstruir o trajeto de vida de Maria Luisa foi um exercício de escuta sensível e de desaprendiza-gens de todas as ordens, gerando outras aprendizagens individuais e como grupo. No campo autobiográfico nos revisamos, reflexiona-

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mos e nos reinventamos. Maria Luisa traz nas suas histórias a dor, a invisibilidade, o sofrimento; mas, também, a alegria, a militância, a coragem para gerir outras formas de viver e estar neste mundo.

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215Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

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A análise dos professores ingressantes sobre as formações pedagógicas da Universidade Federal de Pelotas

cecília de oliveira voloski52

gabriel gaia duarte53

aline nunes da cunha de medeiros54

IntroduçãoA preocupação quanto à formação de professores é uma demanda presente nas principais legislações brasileiras atinentes à educação, estando prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Plano Nacional de Educação e na Constituição Federal. Nos pri-meiros anos do século XXI, com o REUNI, o ensino superior brasilei-ro viveu uma fase de intensas mudanças. Esse fenômeno provocou o aumento do número de estudantes, docentes, cursos e vagas nas ins-tituições superiores. A partir dessa mudança houve necessidade das universidades voltarem-se para a formação de seus quadros. Busca-mos neste trabalho acompanhar esse movimento de transformação da universidade e investigar o que a Universidade Federal de Pelo-tas tem feito sobre repensar as práticas docentes e contribuir para o aperfeiçoamento do seu quadro.

Para compreender a complexidade da docência universitária nos valemos de textos de Pimenta (2003, p. 37), esta pesquisadora traz a reflexão de que “a docência na universidade ultrapassa os processos de saber de aula”. Contudo, deve-se analisar se esse professor está preparado para ultrapassar os processos da sala de aula. Será que sua formação lhe possibilita compreender as relações dos contextos sociais, culturais, tecnológicos e conhecimentos teóricos desenvol-vidos em sala de aula?

O ingresso de professores universitários bastante jovens no ensi-no superior, sem vivência com a docência, tem tornado-se bastante comum no ambiente universitário, provocando efeitos na constitui-

52. Universidade Federal de Pelotas.

53. Universidade Federal de Pelotas.

54. Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

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ção do “ser docente”. A aprendizagem decorrente de um stricto senso forma um pesquisador com conhecimento específico em determi-nada área e aprofundamento teórico com base na metodologia cien-tífica e conhecimento epistemológico. Feita a trajetória acadêmica, requisito para a carreira superior, o professor ingressa no quadro de uma instituição e se vê diante de turmas, com características singu-lares e sem nenhuma bagagem docente anterior. Frente a esse desa-fio os espaços acadêmicos têm buscado constituir setores dentro das universidades para dar suporte e auxílio ao quadro de professores ingressantes.

Freire (1996), outro teórico, no qual se sustenta este trabalho, con-tribuiu para pensar sobre a importância do ato de educar, do papel do professor no processo ensino-aprendizagem, que fundamental-mente deve instigar no estudante a curiosidade, não se restringindo à reprodução de conhecimentos historicamente construídos, mas sim produtores de ideias, com foco na transformação social, como sujeitos sociais, produtores e produtos desta história. A educação necessita de sujeitos preparados e abertos para agir em prol desta transformação, como também abertos a se transformarem. E, nes-se processo, a educação atua como via de mão dupla, ao formar tam-bém se forma o educador.

Surgimento da Coordenação de Pedagogia Universitária na UFPel e o papel do Núcleo de Formação de ProfessoresA aprovação da Resolução nº 15, de 25 de maio de 2017, pelo Conse-lho Coordenador do Ensino da Pesquisa e da Extensão (COCEPE), institucionalizou, no âmbito da Universidade Federal de Pelotas, o Programa da Pedagogia Universitária. A Coordenação de Pedagogia Universitária (CPU) é vinculada à Pró-reitoria de Ensino e concentra dois núcleos: o de Articulação com Coordenadores de Curso (NUA-C)55 e o de Formação de Professores (NUFOR). Neste trabalho serão abordadas as ações promovidas pelo Nufor, especificamente, quan-to à formação dos professores ingressantes.

55. O Nuac é responsável por realizar atividades formativas com os coordena-dores de curso, além de orientar docentes e discentes em questões que envol-vam assuntos voltados à educação. É responsável também pela organização de importantes eventos, tais como a I e II Mostra de Cursos, que aproximam a universidade com os estudantes do terceiro ano advindos das redes estadual e municipal de educação da cidade de Pelotas e municípios vizinhos. Atualmente está produzindo um manual para os coordenadores de curso que reúne informa-ções quanto a legislações e outros temas.

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Na referida Resolução ficou determinado que todo professor em estágio probatório deverá, obrigatoriamente, realizar uma for-mação de 40 horas, independentemente de já possuir experiência docente em outra instituição. A capacitação também poderá ser rea-lizada por docente que concluiu o estágio probatório, desde que haja vaga ociosa. O artigo 5º, em seu §1º, incisos IX e X, cria a possibilida-de de validar formações advindas do curso de formação continuada ou outras formações para substituir as 20 horas do módulo II, desde que compatíveis com as ações do Programa Institucional da Pedago-gia Universitária e após análise do setor competente.

Desde a sua criação a Coordenação da Pedagogia Universitária realizou quatro eventos para os professores em estágio probatório. Semestralmente é realizada uma semana de formação, com ativi-dades nos turnos da manhã e da tarde. Essas ações são previstas no calendário acadêmico da UFPel e têm por objetivo acolher os novos docentes. O cronograma envolve cinco dias destinados a refletir so-bre a docência e firma-se como um convite para apresentar a Uni-versidade.

O módulo I, desenvolvido no período da manhã, consiste em apresentar informações administrativas da instituição que envol-vem: introdução à universidade (legislação, direitos e deveres do servidor público), participação das equipes das Pró-reitorias forne-cendo orientações sobre a sistemática de elaboração de projetos (en-sino, pesquisa, extensão e inovação), além de levar conhecimento acerca da carreira docente.

O módulo II, ministrado no período da tarde, traz como carac-terísticas reflexões pedagógicas acerca da docência, da formação e de metodologias contemporâneas. Os assuntos do módulo II giram em torno de temas como a inclusão na universidade, a construção de projetos interdisciplinares, a avaliação, as relações de gênero e étnico-raciais, as metodologias no ensino superior, a constituição do professor universitário, relações éticas que envolvem discente e docente na orientação, entre outros. O fechamento da programação oferece um passeio a diversos prédios da Universidade, incluindo a visitação ao Conjunto Agrotécnico da Palma. A saída de campo con-ta com o acompanhamento de profissionais da área do Turismo e Patrimônio, culminando com uma confraternização no Campus Ca-pão do Leão. Essa atividade é bastante esperada, pois constitui um importante momento de socialização.

Este trabalho analisou as ações do Núcleo de Formação de Pro-fessores destinadas aos professores ingressantes, ocorridas nos anos de 2017 e 2018. A reflexão parte das impressões dos participantes em tais eventos, fornecidas de forma voluntária em instrumentos ava-

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liativos (pesquisa de satisfação e questões abertas) entregues ao final de cada manhã e tarde, dos módulos I e II. Os registros contendo o feedback dos participantes foram importantes, pois permitiram a organização de um cronograma de formação a partir das demandas elencadas, bem como a reavaliação de determinados procedimen-tos.

MetodologiaA abordagem qualitativa é a linha adotada nesta pesquisa que se uti-liza de análise de documentos. O referencial teórico se sustenta em Minayo (2002) e Gil (2004), bem como na perspectiva histórico-crí-tica. Para a metodologia foi usada a análise de formulários do goo-gle docs preenchidos pelos docentes no momento de inscrição dos eventos, no qual foi possível identificar critérios, tais como o ano de ingresso do docente, a área e a lotação. Além dos formulários foram analisadas as avaliações dos quatro eventos de formação de ingres-santes organizados pelo Nufor.

Todos os participantes inscritos receberam fichas para avaliação nos eventos. No I, II e IV eventos para professores ingressantes no ano de 2017 e no segundo semestre de 2018 as fichas tinham como es-trutura uma parte objetiva, em que o docente deveria atribuir notas entre 1 (menor avaliação) e 7 (maior avaliação) e responder a quatro questões abertas (opinar sobre os pontos fortes do evento, fragilida-des, sugestões de temáticas e comentários adicionais). Os itens in-cluíam a análise da organização do evento, da importância do tema abordado, dos métodos de trabalho e do material distribuído duran-te o curso. O instrumento avaliativo do III evento eliminou a etapa objetiva, substituindo-a pela escolha de uma imagem que indicava o nível de satisfação (excelente, satisfatório, ruim) e restringiu-se a uma questão discursiva, limitando-se a comentários sobre as pales-tras. Salienta-se que a avaliação era opcional e tinha um papel im-portante, pois permitia pensar as formações futuras.

Resultados e discussãoO primeiro evento de formação ocorreu de 22 a 26 de maio de 2017, organizado em dois módulos, manhã e tarde, totalizando 40 horas. O módulo da manhã contou com a presença de 49 professores, sendo 15 profissionais da área das exatas, 15 das ciências humanas e 19 da área da saúde. O módulo da tarde concentrou 52 participantes, sen-do 13 da área das exatas, 20 das áreas das ciências humanas e 19 das áreas de saúde.

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A segunda edição do evento efetuou-se entre os dias 02 e 06 de ou-tubro de 2017, no mesmo modelo do anterior. O primeiro módulo, realizado no turno da manhã, foi assistido por 42 profissionais, sen-do 13 da área das exatas, 15 da área das ciências humanas e 14 da área da saúde. O segundo módulo, realizado à tarde, contou com a parti-cipação de 35 docentes, sendo que nove das exatas, 11 da área das ci-ências humanas e 15 da área da saúde.

O terceiro evento, de 14 a 18 de maio de 2018, no módulo de intro-dução à Universidade, incluiu a participação da Pró-reitoria de As-suntos Estudantis (PRAE). No módulo II houve a inclusão do debate sobre a relação da orientação aluno-docente e das implicações desse vínculo. Na parte da manhã verificou-se a presença de 38 docentes, sendo que 11 da área das exatas, 14 das ciências humanas e 13 da área da saúde. No módulo II houve 35 participantes, sendo 16 da área das exatas, 11 das ciências humanas e oito da área da saúde.

O quarto evento ocorreu de 01 a 05 de outubro de 2018, no mesmo molde da terceira edição. Na parte da manhã houve a participação de 21 docentes, sendo seis da área da saúde, oito da área da saúde e seis da área das ciências humanas. À tarde, estiveram presentes 24 docentes, sendo oito da área das exatas, oito da área da saúde e oito da área das ciências humanas.

Na primeira formação para professores ingressantes houve o re-torno de 290 avaliações e, no segundo, 114 avaliações. O número de devolução do instrumento avaliativo foi bem inferior no terceiro e quarto evento; 60 avaliações no antepenúltimo e 22 avaliações no úl-timo evento. Percebe-se uma considerável queda quanto ao número de inscritos ao comparar o primeiro e último evento. No primeiro semestre de 2017 foi feito um levantamento pela Coordenação de Pe-dagogia Universitária a fim de contatar os docentes que ainda não tinham finalizado as 40 horas obrigatórias exigidas no estágio pro-batório, portanto, no ano de 2017, existia uma demanda reprimida o que justifica números mais elevados de inscritos.

Os comentários das avaliações nos quatro eventos coincidiram em algumas declarações, tais como o desejo de maior tempo para debate ao final de cada palestra e a sugestão de elaboração de manu-ais acerca das principais orientações para professores recém-admi-tidos. Os participantes manifestaram dificuldade para frequentar o módulo I e II conjuntamente, uma vez que os eventos ocorreram paralelamente às aulas da graduação e manifestaram o desejo de maior sensibilização por parte dos coordenadores de curso para a li-beração das atividades frente à importância do evento. O nível de sa-tisfação pela troca de experiência com outros colegas foi ressaltado nas avaliações, já que há um tempo para debates entre as palestras e

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até mesmo no coffee break. Por último, observa-se que em todas as edições os docentes solicitaram que fossem realizados cursos de Sis-tema Eletrônico de Informações (SEI) e Cobalto, porém estes cursos são oferecidos e realizados pela Coordenação de Desenvolvimento de Pessoal (CDP), que está vinculada à Pró-reitoria de Gestão de Pes-soas (PROGEP).

Outras sugestões incluíram a garantia do espaço de fala para o Sindicato, tratando da categoria profissional; cursos de reciclagem pedagógica para professores mais antigos na instituição, encontros esporádicos com professores em estágio probatório para formações e trocas de experiências; constituição de um canal permanente de informações na internet e a reflexão sobre métodos e técnicas de en-sino-aprendizagem e experiência de outras “escolas” com métodos alternativos de ensino. As relações interpessoais no trabalho, a mu-dança no perfil dos alunos ingressantes e a metodologia de ensino, com a aprendizagem sobre técnicas de avaliação e trabalho em gru-po, foram mencionadas como temas importantes em diversas ava-liações. Em uma das avaliações do último evento, desenvolvido em outubro de 2018, o docente expressou taxativamente a necessidade de formação pedagógica e como sugestão aclamou: “Práticas peda-gógicas, pois há docentes que tiveram pouca vivência em sua forma-ção”.

ConclusõesConclui-se que as atividades desenvolvidas pelo NUFOR buscaram aliar as demandas docentes às formações ofertadas, propondo, tam-bém, atualização quantos às novas metodologias, visando a auxiliar os professores nas tarefas do dia a dia docente. Os feedbacks recebi-dos através das avaliações dos eventos permitem afirmar que os par-ticipantes veem como benéfico esse período reservado para pensar na prática docente e também reconhecem o gesto de acolhimento da instituição aos professores ingressantes como zelo e cuidado, geran-do um sentimento de pertencimento à instituição.

Referências ALMEIDA, M. I. de; PIMENTA, S. G. Pedagogia universitária - Valorizando o ensino e a docência na universidade. Revista Portuguesa de Educação, São Paulo, v. 27, n. 2, p. 7-31, 2014.

FELDHAUS, K. C.; DA ROSA, G. A. Pedagogia universitária: enfoques frente à formação de professores do ensino superior. Revista Linhas, Santa Catarina, v. 17, n. 34, p. 242-265, 2016.

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FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia - Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

MINAYO, M. C. Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001.

PIMENTA, S. G. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2003.

UFPEL. Plano de Desenvolvimento Institucional 2015 - 2020. Instituto de Filosofia, Sociologia e Política, Pelotas, 03 fev. 2016. Online. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/ifisp/2016/02/03/plano-de-desenvolvimento-institu-cional-ufpel. Acesso em: 20 ago. 2018.

UFPEL. Resolução nº 15/2017. Pelotas. 2017. Online. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/scs/files/2017/04/Resolu%C3%A7%C3%A3o-15.2017-COCEPE.pdf. Acesso em: 20 ago. 2018.

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Desafios contemporâneos da extensão universitária: da invisibilidade à curricularização

rubya mara m. de andrade56

marília costa morosini57

eloisa maria wuebusch58

O caminho percorrido historicamente pela Educação Superior reve-la um projeto educacional, político e social elitista, distante das ca-madas sociais menos favorecidas e provocador de enfrentamentos por grupos organizados, de luta pelo acesso ao conhecimento cientí-fico, sua democratização e universalização do saber.

A extensão universitária, em seu percurso inicial, ocupou um es-paço de invisibilidade no que se refere à formação acadêmica e à pró-pria democratização do saber científico. Exerceu uma função que adequada ao período educativo da época, visou a atender às cama-das sociais mais vulneráveis social e economicamente, receptoras de um saber que lhes era depositados como uma espécie de doação, assistencialismo. Ratifica esse pensamento Vieira Pinto (1982, p. 13), afirmando que a educação é necessariamente intencional, “de acordo com a natureza (posição, interesse, fins) da consciência que comanda o processo educacional, tal qual será o tipo social de edu-cação”.

A presente investigação refletiu criticamente o compromisso das instituições de Educação Superior com o reconhecimento da função acadêmica exercida pela extensão universitária para potencializar seu caráter integrador da gestão, ensino e pesquisa a partir de sua efetiva curricularização. Para compreensão e sustentação da inves-tigação o aporte teórico utilizado envolveu as contribuições de Tei-xeira (2009), Freire (1991, 2011, 2013), Sousa Santos (2004, 2005, 2010), Andrade (2016), Ribeiro (1978), Fernandes (2003), Vieira Pinto (1982), entre outros.

56. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

57. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

58. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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Atualmente, temos o conceito de extensão universitária definido pelo FORPOREX59 em debate amplo e aberto60 com as universidades públicas, que reafirma sua missão de estar integrada às comunida-des, assumindo uma proposta de desenvolvimento humano, social, educativo e político a partir de suas diferentes realidades. A exten-são universitária, sob o princípio constitucional da

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo interdisciplinar, educativo, cultural, cien-tífico e político que promove a interação transforma-dora entre Universidade e outros setores da sociedade (FORPROEX, 2012, p. 42).

Nesse contexto, a extensão universitária integrada às diferentes comunidades, e indissociada do ensino e da pesquisa, representa a possibilidade da concretude de um espaço fecundo, crítico, político e social, mobilizador e provocador do acesso ao conhecimento cien-tífico, sua democratização e universalização do saber.

A extensão universitária espaço de formação/transformaçãoA extensão universitária, a partir de conceito estabelecido no For-proex (2001, p. 42), “tem a responsabilidade de desenvolvimento de uma “interação transformadora entre universidade e sociedade”, suscita um processo dialético em que ao transformar a sociedade, a universidade é também por ela transformada. Esse processo de inte-gração/tensão/transformação estabelecido fundamenta um movi-mento de reinvenção contínua dessas duas instâncias gestando um espaço crítico, problematizador, criativo e emancipatório.

Nesse espaço extensionista de integração/tensão/transformação entre universidade e sociedade, a extensão universitária desenvol-ve um processo acadêmico de aprendizagem e formação. Esse papel é reafirmado pela a Política Nacional de Extensão Universitária que

reafirma a extensão universitária como processo acadê-mico definido e efetivado em função das exigências da realidade, indispensável na formação do estudante, na

59. FORPROEX - Fórum dos Pró-reitores das Universidades Públicas.

60. Este debate que definiu o conceito de extensão universitária ocorreu, nos XXVII e XXVIII Encontros Nacionais do FORPROEX, realizados nos anos de 2009 e 2010.

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qualificação do professor e no intercâmbio com a socie-dade. (FORPROEX, 2012, p. 14).

A universidade responsável pela cientificidade dos saberes, na integração com a sociedade em uma perspectiva emacipatória, deve ter claro que sua atuação “não deve ser a de quem ‘estende’ o conhe-cimento por ela produzido”, afirma Freire (2013, p. 20), no entanto, é aquela que de forma sensível, através do diálogo e da problematiza-ção da realidade, busca respostas e soluções de forma colaborativa, propiciando a integração entre os saberes científicos e da experi-ência, resultando no possível empoderamento61 dos sujeitos envol-vidos. Esta perspectiva é partilhada por Sousa Santos (2010), que reforça a necessidade da luta contra o epistemicídio dos saberes não científicos:

No início do século XXI, pensar e promover a diversidade e pluralidade, para além do capitalismo, e a globalização, para além da globalização neoliberal, exige que a ciência moderna seja não negligenciada ou muito menos recusa-da, mas reconfigurada numa constelação mais ampla de saberes onde coexista com práticas de saberes não cien-tíficos que sobreviveram ao epistemicídio ou que, apesar da sua invisibilidade epistemológica, tenham emergido ou florescido nas lutas contra a desigualdade a discrimi-nação, tenham ou não por referência um horizonte não capitalista (SOUSA SANTOS, 2010, p. 155).

Na luta na garantia da universidade pública, respeito aos diferen-tes saberes e democratização do conhecimento, a extensão assume um processo de formação que respeita e integra os conhecimentos da experiência e os conhecimentos científicos em uma relação hori-zontal de respeito, escuta e reconhecimento aos saberes que vêm da realidade concreta.

O desenvolvimento da extensão universitária indissociada do ensino e da pesquisa em um processo integrador, democrático e emacipatório com a comunidade representa a concretude da demo-cratização do conhecimento, estimula o protagonismo dos sujeitos, seu empoderamento e a viabilização dos sonhos possíveis. “Uma das

61. Empoderamento - Na concepção Freireana constitui-se em um processo li-bertador que emerge das interações sociais e surge a partir da problematização e conscientização da realidade. É um ato social e político de intervenção e trans-formação social.

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tarefas políticas que devemos assumir é viabilizar os sonhos que pa-recem impossíveis” (FREIRE, 1991, p. 144).

Esse processo de formação que é construído a partir de princí-pios e paradigmas epistemológicos, éticos, ideológicos, sociais e políticos e que se tornam basilares na construção das propostas ex-tensionistas indissociadas do ensino e da pesquisa, deve ser refle-tido no horizonte de onde se pretende chegar. É mister refletirmos sobre algumas questões: Que homem, universidade e sociedade te-mos? Que homem, universidade e sociedade queremos? Que prin-cípios e paradigmas sustentam a concepção de homem, sociedade e universidade que queremos ver surgir? Transformar o quê? Para quê? Para quem? Como?

Nessa direção, faz-se necessário revermos sobre as ideologias subjacentes que sustentam as práticas e projetos pedagógicos exten-sionistas, entendendo que toda forma de educação é um ato políti-co. Assim, ao educarmos estamos optando pela sociedade, homem e mundo que sonhamos, conscientes de nosso papel de intervenção, transformação social e política da realidade.

A Política Nacional de Extensão Universitária orienta a partir de suas diretrizes a elaboração de propostas, projetos e programas de extensão universitária fundamentados em uma proposta na pers-pectiva da educação libertadora e emancipatória. Segundo Noguei-ra (2000, p. 46) são as seguintes as diretrizes: “Interação dialógica, interdisciplinaridade e interprofissionalidade, indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, impacto na formação do estudan-te e impacto na transformação social”.

A curricularização da extensão - uma proposta de formação cidadã no horizonte um novo projeto de universidadeA Curricularização da extensão universitária é uma meta a ser aten-dida a partir do Plano Nacional da Educação-PNE (BRASIL, Lei 13.005/2014), e desafia o coletivo universitário a assumir a necessi-dade de ressignificação de suas concepções de ensino, sociedade, aprendizagem e práticas pedagógicas na Educação Superior. A efeti-vação da meta 12.7 do Plano Nacional de Educação estipula que 10% do total da carga horária dos cursos de graduação devam ser desti-nadas a atividades de extensão, potencializa a criação de um espa-ço integrador, dialógico e interdisciplinar que de forma transversal redefine o currículo, comprometido com a reconexão social/terri-torial das instituições e com um processo de aprendizagem integra-dor, investigativo, dialógico, crítico e reflexivo.

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Esse processo pedagógico e democrático na Educação Superior mobiliza o enfrentamento de dívidas históricas com a elitização do ensino e a invisibilidade histórica da extensão universitária, vis-lumbrando em um futuro próximo a concretude de uma extensão universitária na contribuição de Sousa Santos.

A área de extensão vai ter no futuro próximo um signifi-cado muito especial. No momento em que o capitalismo global pretende funcionalizar a Universidade e, de fac-to, transformá-la numa vasta agência de extensão ao seu serviço, a reforma da Universidade deve conferir uma nova centralidade às atividades de extensão (com im-plicações no curriculum e nas carreiras dos docentes) e concebê-las de modo alternativo ao capitalismo global, atribuindo às Universidades uma participação activa na construção da coesão social, no aprofundamento da de-mocracia, na luta contra a exclusão social e a degrada-ção ambiental, na defesa da diversidade cultural (SOUSA SANTOS, 2004, p. 120).

De acordo com o PNE, a meta 12 traz o grande desafio, que é ex-pandir a Educação Superior para aumentar a escolaridade média da população através da ampliação de vagas e da interiorização das instituições. De acordo com a estratégia da meta 12.7, deverá ser as-segurado no mínimo 10% do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitá-ria, orientando sua ação, prioritariamente, para as áreas de grande pertinência social, fazendo Extensão Universitária vinculada dire-tamente a sua área de formação.

Percurso metodológicoA investigação teve uma abordagem qualitativa e para a coleta de da-dos utilizou-se questionários, com perguntas abertas, realizado com quatro participantes do GT de Curricularização, de uma universi-dade pública federal brasileira, sendo dois docentes e dois técnico--administrativos. Para a leitura, análise e interpretação de dados usou-se os princípios da análise de conteúdo proposta por Bardin (2009). A pesquisa emergiu três categorias: Curricularização da Ex-tensão, Conceito de Extensão Universitária, Democratização do Co-nhecimento.

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Análise e discussão dos resultadosQuanto à primeira categoria “Curricularização da Extensão”, o pri-meiro entrevistado ressalta que “É um desafio que potencializa a cons-trução de um novo projeto de universidade”; e o segundo entrevistado complementa que “Dará visibilidade à extensão e provocará o diálogo e a integração dos docentes, discentes e comunidade extensionista”. Os dois entrevistados são unânimes na compreensão do caráter forma-tivo e transformador da realidade, que envolve a curricularização da extensão universitária. Da mesma forma reforçam a importân-cia do trabalho cooperativo e integrado entre o ensino, pesquisa e extensão na efetivação de uma Educação Superior, comprometida com uma sociedade e um mundo melhor.

Se a opção é por um mundo mais justo, fraterno, respeitoso, in-clusivo e democrático, necessita-se potencializar na Educação Su-perior espaços dialógicos, integradores e formativos, geradores de propostas pedagógicas extensionistas que atinjam as diferentes re-alidades sociais a serem vivenciadas, na perspectiva da partilhada solidária dos saberes, compreensão e superação dos desafios postos. Corrobora essa reflexão Andrade (2016), que entende a curriculari-zação, da extensão como:

[...] um espaço de construção coletiva e partilha solidária de saberes e fazeres constitutivos dos sujeitos e favore-cendo a inserção social e cidadã. Temos neste contexto, o diálogo como princípio fundante de uma relação res-peitosa e crítica, entre educando, educador e sociedade que se desafiam em um processo de constante integração entre os saberes científicos e da experiência (ANDRADE, 2016, p. 67).

O terceiro entrevistado relata que a curricularização “É um pro-cesso que provoca a revisão de projetos PPCs, PDI e a adequação dos 10% de extensão nos currículos”; e o quarto entrevistado complemen-ta que “Constitui uma meta com prazo até 2024 a ser implantada e que compromete a gestão universitária com formação pedagógica e trabalho coletivo”. Nesta perspectiva de formação permanente necessária no processo de avaliação e reconstrução de novas formas de planejar e desenvolver a extensão universitária a partir de sua curriculariza-ção, Freire (2011, p. 40) afirma que:

[...] na formação permanente dos professores, o momen-to fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática.

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É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.

Nesse contexto, a curricularização da extensão na universidade possibilitará o surgimento de uma nova relação nos processos de en-sinar e de aprender, contribuindo com a criação de uma nova sala de aula universitária. Nessa proposta, entende-se a constituição da sala de aula universitária como destaca Fernandes (2003).

Prática intencional de ensino e de aprendizagem, não re-duzida à questão didática ou às metodologias de estudar e aprender, mas articulada a uma educação como práti-ca social e ao conhecimento como produção histórica e cultural, datada e situada numa relação dialética e ten-sionada entre prática-teoria-prática, conteúdo-forma, sujeitos-saberes-experiências e perspectivas interdisci-plinares (FERNANDES, 2003, p. 376).

Quanto à segunda categoria, que reflete “Como os entrevistados compreendem o conceito de extensão universitária?”, o primeiro entrevistado relata que “Eu considero a extensão com o propósito de le-var até as comunidades suas pesquisas e orientá-las”, já o segundo am-plia sua visão da relação entre universidade e sociedade, quando revela que, além de ensinar, a universidade aprende nessa integra-ção. Em suas palavras: “A Extensão é entendida como uma possibilidade da universidade entrar em contato com a comunidade e com ela também aprender, a partir da aplicação dos seus conhecimentos”. Ambos entre-vistados revelam que o processo de aprender e democratizar o ensi-no faz parte da proposta extensionista, porém um dos entrevistados deixa claro que este processo de aprender está intrinsicamente liga-do ao de ensinar.

A extensão universitária possibilita, nas palavras de Sousa Santos (2005, p. 55), o surgimento de uma nova universidade, “a extensão pode contribuir decisivamente para fazer emergir uma universi-dade de proximidade”. Essa universidade para o autor, a partir da extensão, pode vir a ser “concebida como bem público cujos bens simbólicos produzidos devem ser democratizados e estar acessíveis a todos os grupos sociais” (SOUSA SANTOS, 2005, p. 55).

O terceiro entrevistado relata que a extensão universitária cons-titui: “[..] um dos tripés da universidade que tem extrema importância, pois, como está em contato com as comunidades, propicia a democra-tização do conhecimento”; e o quarto complementa que a extensão

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universitária “Desde sua origem propõe uma relação dialógica e partici-pativa entre universidade e sociedade”. Na compreensão do Forproex:

A extensão universitária tornou-se o instrumento por excelência de inter-relação da universidade com a socie-dade, de oxigenação da própria Universidade, de demo-cratização do conhecimento acadêmico, assim como de (re) produção desse conhecimento por meio da troca de saberes com as comunidades (FORPROEX, 2012, p. 9).

A terceira categoria traz questões relativas à democratização do conhecimento a partir da extensão universitária. O primeiro entre-vistado relata que “Não só a extensão, mas o ensino e a pesquisa pre-cisam estar integrados nesta proposta”; e o segundo participante complementa esta reflexão comprometendo a gestão universitária neste processo: “A gestão universitária tem o compromisso de poten-cializar a partir da extensão (ensino, pesquisa), propostas integradoras e de impacto social”. Os dois entrevistados entendem a importância da construção de uma estrutura de trabalho colaborativo entre o ensino, a pesquisa e a extensão provocadoras de ações integradas e de transformação social. Darcy Ribeiro colabora com esta reflexão, quando aborda a origem da crise vivida pelas universidades: “a crise que se defrontam as universidades modernas apresenta-se sob múl-tiplas formas que permitem caracterizá-la como conjuntural, polí-tica, estrutural, intelectual e ideológica” (RIBEIRO, 1978, p. 55).

O terceiro interlocutor colabora explicitando que: “A democrati-zação do conhecimento acontece nas ações extensionistas com mais fa-cilidade, pois constitui sua finalidade”; e o quarto reforça a forma e a importância da participação dos sujeitos nas ações extensionistas: “Para democratizar é preciso que haja um trabalho coletivo, a participa-ção dos sujeitos na construção da aprendizagem que não pode ser depo-sitada”. Desta forma, quanto à democratização do conhecimento e o compromisso da curricularização da extensão universitária, essa proposta está relacionada ao entendimento da concepção de educa-ção como direito e a importância da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, articuladas e desenvolvidas na perspectiva de uma educação e metodologia libertadora. Essa opção revela o com-promisso ético pelo tipo de educação que se pretende e a observân-cia crítica aos processos educativos desenvolvidos. Colabora com essa reflexão, conforme Teixeira: “A experiência democrática só terá sido feita, portanto, quando, além do sistema de educação, se ti-verem organizado o sistema de pesquisas e o sistema de difusão dos conhecimentos” (TEIXEIRA, 2009, p. 65).

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Considerações finaisA pesquisa revelou que a curricularização da extensão universitá-ria representa um grande desafio a ser assumido pela gestão e cole-tivo das universidades, mas também uma experiência promissora para integração dos docentes, discentes e comunidade extensionis-ta, rompendo com práticas pedagógicas isoladas na Educação Su-perior. Provoca a revisão dos diferentes conceitos e práticas de extensão universitária, bem como possibilitará a compreensão de sua função política e compromisso social. Compromete o coletivo universitário a assumir uma nova postura ética baseada no trabalho partilhado e colaborativo de responsabilidade social gerador da de-mocratização do conhecimento.

Na perspectiva de se ter espaços institucionalizados de formação pedagógica universitária e a efetivação da indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e extensão, várias universidades estão avançan-do na estruturação de propostas para curricularização da extensão, com o cumprimento da estratégia 12.7 do Plano Nacional de Edu-cação. A aplicação dessa meta exige que, no mínimo, 10% (dez por cento) do total de créditos curriculares da graduação estejam vin-culados aos programas e aos projetos de extensão universitária. O cumprimento dessa meta gesta uma nova realidade na Educação Superior, integradora de docentes, discentes e comunidade exten-sionista, participando coletivamente de espaços de aprendizagem e de formação pedagógica, que resultarão na melhoria do desenvolvi-mento profissional docente e na garantia do cumprimento da fun-ção social da universidade de democratização do conhecimento e desenvolvimento das regiões historicamente negligenciadas.

ReferênciasANDRADE, R. M. M. Tertúlias Pedagógicas do Pampa, espaço de resistência e luta pelos sonhos possíveis na educação: O seminário integrado como espa-ço potencializador da pesquisa. In: MARTINS, C. S. L.; PESSANO, E. F. C.; MARINHO, J. C. B. (Org.). Tertúlias Pedagógicas: Curso de formação con-tinuada de professores na perspectiva dialógica. 1. ed. Herval D’Oeste - Santa Catarina: Polimpressos, 2016. v. 800. 256p.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Trabalho original pu-blicado em 2009.

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PARTE III

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232Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

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PARTE III

Page 233: SaberesPráticas Pedagógicas

Fatores de permanência e contrastes com formas de acesso nas licenciaturas e bacharelados da UFRGS

sérgio roberto kieling franco62

alessandra blando63

jaqueline molon64

A formação inicial de professores tem sido foco de discussões por parte das instituições de educação superior (IES) especialmen-te a partir da publicação, em 201565, das novas diretrizes curricula-res para a formação inicial e continuada de docentes (BRASIL, 2015). Além disso, o Plano Nacional de Educação (PNE) traz metas vincula-das à educação superior e à formação de professores em cursos de li-cenciatura. A meta 12 destaca a democratização do acesso à educação superior como um dos compromissos do estado brasileiro. O relató-rio da organização Todos pela Educação66 apontou que a taxa líqui-da de matrícula na Educação Superior cresceu no período de 2009 a 2015, porém em ritmo insuficiente para o cumprimento da meta em 2024 (garantir que 33% dos jovens de 18 a 24 anos estejam na Educa-ção Superior). No entanto, uma das estratégias dessa meta refere--se, justamente, ao fomento na oferta de educação superior pública e gratuita prioritariamente para a formação de professores para a Educação Básica com o objetivo de sanar o déficit de profissionais em áreas específicas.

O presente trabalho vincula-se a uma pesquisa, em andamento, que se insere nesse contexto, e buscará responder à seguinte questão

62. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

63. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

64. Instituto Federal do Rio Grande do Sul. Autora possui apoio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).

65. Embora a Resolução CNE/CP Nº 2/2015 tenha sido revogada pela Resolução CNE/CP Nº 2/2019, para efeito de análise neste capítulo, a primeira resolução continua sendo referência tanto pelo valor de seus princípios como pelo impac-to que gerou no currículo das licenciaturas.

66. Fonte: http://www.observatoriodopne.org.br/indicadores/metas/12-ensi-no-superior/indicadores.

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234Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

norteadora: “Quais as condições de permanência dos alunos com re-lação às formas de acesso aos cursos de licenciatura e bacharelados nas mesmas áreas ofertados na UFRGS?”. O estudo dá continuidade a outro realizado no período de 2013 a 2016 que investigou os fatores de acesso e permanência na formação docente na UFRGS e seus con-trastes com as expectativas e demandas do mundo do trabalho em escolas públicas da rede básica no Rio Grande do Sul. Dessa forma, a partir da análise dos cenários nacional e local, neste artigo serão abordados os aspectos voltados à formação inicial de professores pautados sob os resultados obtidos no estudo anterior.

O contexto de pesquisa: um olhar sobre os cenários nacional e localDados extraídos do Censo da Educação Superior do Instituto Nacio-nal de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), de 2013 a 2017, revelam que o quantitativo de estudantes em cursos de licenciatura é baixo se comparado às matrículas em cursos de ba-charelado. No entanto, sabe-se que a demanda por professores exige esforços das instituições formadoras no sentido de promover tanto a ampliação do número de matrículas quanto de egressos licencia-dos a fim de auxiliar no atendimento da necessidade existente.

No Brasil, no ano de 2013 o número de vagas ofertadas nos bacha-relados (3.120.626 vagas) foi maior que o dobro das vagas ofertadas na licenciatura (1.147.578 vagas). Essa proporção não se modificou nos anos seguintes, mesmo com o acréscimo no número de vagas em ambas as modalidades. Por sua vez, o número de matrículas nos bacharelados, no período de 2013 a 2017, é maior que o triplo do nú-mero de matrículas nas licenciaturas no mesmo período. Em 2013, havia 1.374.174 de matrículas nas licenciaturas e, em 2017, 1.589.440. Nos bacharelados, o número de matrículas em 2013 foi de 4.912.310 e em 2017 de 5.662.351. Chama atenção o fato de haver um tímido crescimento tanto na oferta de vagas quanto no número de matrí-culas no período e que houve, também, um pequeno acréscimo no percentual de estudantes matriculados em cursos de licenciatura em relação ao total de matrículas nas graduações (bacharelados, li-cenciaturas e tecnólogos) que passou de 18,66% em 2013 para 19,18% em 2017.

Em relação aos concluintes, observa-se, que houve incremen-to nos números de 2017, se comparado aos de 2013, tanto nos bacha-relados (aumento de 26,07%) quanto nas licenciaturas (aumento de 25,68%). No entanto, os números absolutos de concluintes são bas-tante inferiores aos de matrículas nesse período. Nos cursos de ba-

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charelado, em 2013, foram 594.695 concluintes e, em 2017, 749.714. Nas licenciaturas, em 2013 o número de concluintes foi de 201.353 e em 2017 de 253.056. Esses dados evidenciam que o número de diplo-mações é reduzido se comparado ao número de matrículas, e susci-ta a necessidade de avaliar aspectos vinculados à evasão, retenção e trancamentos ao longo do processo de formação67.

Ao considerar o recorte das universidades federais, destaca-se que o número de vagas oferecidas em 2017 se comparado ao quanti-tativo ofertado em 2013 também cresceu acompanhando o cenário nacional (aumento de 11,29% nos bacharelados e de 7,94% nas licen-ciaturas). Em relação ao número de matrículas, nos cursos de bacha-relado houve crescimento de 11,86% no período e nas licenciaturas, embora com queda nos números em 2014 e 2015 e retomada de cres-cimento a partir de 2016, o número de 2017 representa um acréscimo de 2,53% em relação ao de 2013. Quanto ao quantitativo de concluin-tes, nos dois graus acadêmicos houve crescimento no período, sen-do que apenas a licenciatura demonstrou pequeno decréscimo em 2017 em relação aos números de 2016, porém em 2017 diplomaram-se 33,97% e 16,27% mais alunos do que em 2013 nos cursos de bacharela-do e licenciatura, respectivamente.

Inserida no contexto da oferta de vagas tanto em cursos de ba-charelado quanto em licenciaturas está a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – campo de desenvolvimento das pes-quisas vinculadas ao presente artigo. Assim, é importante analisar os números da instituição e confrontá-los com o cenário nacional. A tabela 1 apresenta os dados de vagas, matrículas e concluintes da UFRGS de 2013 a 2017 da Universidade, os quais também foram ex-traídos do Censo da Educação Superior (INEP). Observa-se que exis-tem alguns números em contraste com o cenário nacional como um todo, bem como em relação ao conjunto das universidades federais.

Tabela 1. Números de vagas, matrículas e concluintes UFRGS - 2013 a 2017 (bacharelados e licenciaturas)

67. Como os cursos em média duram quatro anos, se não houvesse evasão e re-tenção, o número de concluintes deveria corresponder a cerca de 25% das ma-trículas. No entanto, a análise dos números mostra que a porcentagem de concluintes tende a ser a metade disso.

PARTE III

Ano Bacharelado Licenciatura

Vagas Matrículas Concluintes Vagas Matrículas Concluintes

2013 6.123 22.984 2.367 1.624 4.710 463

2014 6.950 22.999 2.431 2.182 4.571 461

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Fonte: Elaborado a partir de dados extraídos do InepData - Educação Superior - MEC/Inep/Deed

Em relação ao quantitativo de vagas ofertadas, os números nos dois grupos de 2017 são menores que dos de 2013. Nos bacharelados a redução é de 5,13% e nas licenciaturas de 8,33%, enquanto que ao considerar o cenário brasileiro houve crescimento bastante conside-rável em ambas as modalidades, sendo que oferta de vagas nas licen-ciaturas quase que dobrou. Em relação aos concluintes observa-se que, na UFRGS, houve um acréscimo de 30,17% na diplomação de bacharéis em 2017 se comparado a 2013, entretanto, nas licenciatu-ras o incremento na diplomação nesse período foi de apenas 0,86%.

Os dados do cenário nacional e local deixam em evidência, por-tanto, a necessidade de coadunar esforços para o desenvolvimento de estratégias que visem ao acesso, à permanência e ao êxito dos es-tudantes na universidade. E, de forma mais específica, aos cursos de formação inicial de professores, os quais exigem atenção por parte das instituições formadoras diante da necessidade do aumento no número de egressos para atendimento da demanda existente de pro-fessores para atuação na educação básica.

O que os dados da pesquisa com os estudantes de licenciatura da UFRGS revelaram?A pesquisa intitulada “Fatores de acessos e permanência que envol-ve a formação docente e seus contrastes com as expectativas e de-manda do mundo do trabalho em escolas públicas da rede básica no estado do Rio Grande do Sul”, tratou-se de um estudo desenvolvi-do no âmbito do Observatório da Educação (OBEDUC)68 que teve por objetivo investigar os fatores de acesso e permanência que envolvem a formação docente na UFRGS e seus contrastes com as expectativas

68. O Programa Observatório da Educação resultou da parceria entre a Capes, o INEP e a SECADI e foi instituído pelo Decreto Presidencial nº 5.803, de 08 de ju-nho de 2006. Mais informações em: http://capes.gov.br/educacao-basica/obser-vatorio-da-educacao, disponível em 30/11/2018.

PARTE III

Ano Bacharelado Licenciatura

Vagas Matrículas Concluintes Vagas Matrículas Concluintes

2015 6.019 23.142 2.539 1.839 4.626 426

2016 6.575 24.593 2.634 1.806 5.044 441

2017 5.809 24.308 3.081 1.352 4.882 467

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e demandas do mundo do trabalho em escolas públicas da rede bá-sica no Estado do RS. Para a realização desse estudo de cunho qua-liquantitativo, foram coletados, entre os anos de 2013 e 2016, dados dos 18 cursos de formação de professores da UFRGS69. Com a finali-dade de coletar os dados dos fatores locais de acesso e permanência das licenciaturas, utilizou-se a base de dados institucional.

A partir das respostas obtidas junto aos estudantes dos cursos de licenciaturas da UFRGS, pode-se fazer a descrição do perfil dos es-tudantes caracterizando-os pela média de idade que fica entre 25 e 38 anos. Sendo que 55% são mulheres e 44% são homens (1% não res-pondeu). Entre os participantes que responderam à pesquisa, houve um predomínio de estudantes matriculados no primeiro semestre do curso e que frequentam o período noturno, sendo que a maioria deles exerce atividade remunerada e em apenas um período do dia. As respostas apontam que os estudantes pretendiam permanecer no curso em que estavam matriculados e que tinham certeza quanto à escolha realizada.

Para verificação das motivações e a permanência nos cursos utilizou-se o Questionário de Expectativas Acadêmicas (QEA) (SO-ARES; ALMEIDA, 2001) e para verificar a adaptação no ensino su-perior o Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA-r) (SANTOS et al., 2005), ambos validados no Brasil e aplicados com amostra es-tudantil dos referidos cursos. Tais questionários contêm categorias que abordam aspectos do envolvimento curricular, vocacional, ins-titucional e social bem como à utilização de recursos disponíveis na universidade e as dimensões pessoal, interpessoal, de carreira, institucional e estudo. A análise foi realizada através da estatística descritiva e utilizou-se o Teste de Mann-Whitney. Além disso, fo-ram acrescentadas aos questionários duas perguntas abertas sobre as motivações de escolha de curso e as dificuldades enfrentadas para frequentá-lo, analisadas por análise de conteúdo.

O Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA),

é um instrumento de autorrelato constituído por 170 itens de formato Likert, repartidos por 17 subescalas que procuram avaliar dimensões pessoais, relacionais e ins-

69. Os dados foram coletados nos seguintes cursos de licenciatura: Artes Visu-ais; Ciências Biológicas; Ciências Sociais; Dança; Educação Física; Filosofia; Físi-ca; Geografia; Letras Português; Letras Espanhol; Letras Inglês; Letras Francês; Matemática; Música; Pedagogia; Química; Teatro. O curso de licenciatura em História não fez parte do estudo em sua totalidade, pois, o número de discen-tes participantes da pesquisa não correspondeu ao quantitativo necessário para compor uma amostra estatisticamente significativa.

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titucionais da adaptação dos estudantes ao contexto uni-versitário (ALMEIDA, SOARES e FERREIRA, 2002, p. 83).

O QVA-r contempla cinco dimensões: a Dimensão Pessoal que envolve questões associadas a percepções de bem-estar; a Dimensão Interpessoal com questões que incluem o relacionamento com os pares e o estabelecimento de relações mais íntimas e relativas ao en-volvimento com atividades extracurriculares; a Dimensão Carreira contempla questões relativas ao projeto vocacional e perspectivas de carreira; a Dimensão Estudo com questões associadas às compe-tências e hábitos de estudo, gestão do tempo, e de recursos de apren-dizagem; a Dimensão Institucional com itens que se relacionam ao interesse pela instituição, ao desejo de nela prosseguir os estudos, conhecimento e percepção da qualidade dos serviços e estruturas institucionais.

O gráfico 1 traz os resultados da satisfação com as vivências aca-dêmicas, apresentados a partir das médias de satisfação para cada uma das cinco dimensões do QVA-r a partir das respostas dos estu-dantes dos cursos de licenciatura pesquisados (sem distinção por curso). Ao analisar as médias de satisfação com as vivências aca-dêmicas em cada uma das dimensões nota-se que a pontuação en-contra-se entre os escores 3,0 e 4,0 (em uma escala de 1 a 5). Pode-se observar, no entanto, que as dimensões Carreira e Interpessoal ul-trapassam o escore 4,0 que indica satisfação significativamente positiva. Para compreender melhor do que resultam as médias op-tou-se por apresentar aqui os itens dos instrumentos que contribu-íram de forma mais expressiva para a obtenção das médias em cada uma das dimensões.

A Dimensão Interpessoal ficou com escore médio global igual a 3,66. O item com menor escore global (2,87) e único abaixo de 3,0 foi a afirmação “(37) Tomo a iniciativa de convidar os meus amigos para sair”. Os que ultrapassaram 4,0 foram os itens “(54) Não consigo fa-zer amizade com meus colegas”, com média 4,3770 e “(29) Tenho boas relações de amizade com colegas de ambos os sexos (4,22)”. As Di-mensões Pessoal e Estudo obtiveram os menores escores: 4,07 e 3,41, respectivamente. Ressalta-se, que entre os 23 itens que estão con-templados nessas duas dimensões, apenas um deles vinculado ao estudo obteve escorre maior que 4,0 – “(48) Tenho capacidade para estudar (4,16)”.

70. Item de análise reversa.

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239Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Gráfico 1. Média por dimensão do QVA-r

Fonte: Elaborado pelos autores

Na Dimensão Carreira (escore igual a 4,05) os oito itens que tive-ram médias superiores a 4,0 evidenciam percepções positivas acer-ca do curso e da profissão em relação às expectativas pessoais, entre eles: “(2) Acredito que posso concretizar meus valores na profissão que escolhi” (4,26), “(5) Olhando para trás consigo identificar as ra-zões que me levaram a escolher este curso” (4,30), “(7) Escolhi bem o curso que frequento” (4,26) e “(49) Meus gostos pessoas foram de-cisivos na escolha do meu curso” (4,33). Pode-se inferir, assim, que há uma tendência à satisfação positiva em relação à Dimensão Car-reira.

A Dimensão Institucional (escore médio global de 3,80) obteve média superior a 4,0 em quatro itens sendo o “(16) Gostaria de con-cluir o meu curso na instituição que agora frequento” (4,67) o mais expressivo. De forma geral, a análise dos dados dessa dimensão indi-ca que os estudantes reconhecem a instituição, querem concluir seus cursos nela, mas desconhecem alguns serviços, os quais por ventura poderiam estar associados, por exemplo, a aspectos de apoio estu-dantil. Amparar os estudantes ao longo da formação inicial é tarefa da instituição visando a sua permanência e êxito e, portanto, aten-tar para o fato dos alunos indicarem desconhecimento dos serviços oferecidos pela instituição representa um sinal de alerta.

O outro instrumento de pesquisa utilizado foi o Questionário de Envolvimento Acadêmico (QEA), um questionário de autorrelato sobre as expectativas dos discentes ingressantes no Ensino Superior (SOARES e ALMEIDA, 2001). Por meio dele avalia-se o que os estu-dantes esperam realizar e concretizar ao longo de suas trajetórias na

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universidade. É composto por 38 itens e contempla as dimensões: Envolvimento Curricular (EC), que analisa o envolvimento do estu-dante com as atividades propostas ao longo do curso, de forma mais específica nas atividades de estudo voltadas às disciplinas; Utiliza-ção de Recursos (UR), que se refere à utilização de espaços, recursos tecnológicos disponibilizados pela universidade como apoio ao es-tudo dos estudantes; Envolvimento Vocacional (EV), dimensão re-lacionada à carreira e ao interesse pela profissão e sua abordagem ao longo do curso; Envolvimento Institucional (EI), que levanta in-formações acerca da participação do estudante em agremiações estudantis, a projetos de pesquisa, a cargos acadêmicos, ao rela-cionamento com os professores para além da sala de aula e à busca por serviços institucionais de apoio acadêmico, como apoio social ou psicológico; e Envolvimento Social (ES), que analisa o relaciona-mento do estudante com colegas de curso sob aspectos não necessa-riamente acadêmicos, por exemplo, se o estudante fala com colegas acerca de questões sociais e éticas ou sobre questões atuais para além de discussões acerca do curso.

Através do QEA os estudantes dos cursos de licenciatura pesqui-sados analisaram diversas situações vinculadas ao envolvimento acadêmico. Para cada item do QEA a avaliação se dá a partir de uma escala 4 pontos (variando de 1 a 4) sendo que as opções significam: (1) nunca ou quase nunca; (2) poucas vezes; (3) muitas vezes; (4) sempre ou quase sempre. O gráfico 2 apresenta os resultados da aplicação desse questionário, a partir das médias obtidas para cada uma das cinco dimensões também considerando os alunos de forma global, ou seja, sem distinção por curso.

De maneira geral, ao analisar as médias relativas ao envolvimen-to acadêmico observa-se que em três dimensões (Envolvimento So-cial, Envolvimento Vocacional e Envolvimento Curricular) elas se encontram mais próximas do escore três enquanto que nas outras duas dimensões (Envolvimento Institucional e Utilização de Recur-sos) a média encontra-se mais próxima do escore dois. Consideran-do que o QEA utiliza uma escala de 1 a 4, optou-se por apresentar aqui os itens que obtiveram média abaixo de 2,0 e acima de 3,0 os quais se destacam para a obtenção do escore global em cada dimen-são.

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241Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Gráfico 2. Média por dimensão do QEA

Fonte: Elaborado pelos autores

Nas três dimensões cuja média está próxima de três nenhum item teve avaliação igual ou inferior a 2,0. A relação dos itens com contribuições mais positivas em cada uma dessas dimensões são apresentados na sequência. Na dimensão Envolvimento Curricular (EC): “(1) participo ativamente nas aulas” (média 3,18); “(12) tiro no-tas boas durante as aulas” (3,13); “(15) sou assíduo e pontual às aulas” (3,19). Na dimensão Envolvimento vocacional (EV): “(3) avalio se as matérias do curso vão ao encontro dos meus interesses acadêmicos e profissionais” (3,29); “(8) busco informações sobre profissões e em-pregos relacionados ao meu curso” (3,04); “(21) aplico conhecimen-tos aprendidos no meu curso em outras áreas da vida” (3,36); “(32) direciono meus conhecimentos e experiência pessoal para discus-sões das aulas ou realização dos trabalhos” (3,02). Finalmente, na dimensão Envolvimento Social (ES): “(2) falo com outros estudan-tes sobre assuntos relacionados com o curso que frequento” (3,09); e “(9) falo com colegas da universidade sobre assuntos da atualidade” (3,34)”.

A dimensão Utilização de Recursos (UR) obteve escore igual a 2,37, sendo que todos os itens obtiveram avaliação média entre 2,0 e 3,0. O item com menor avaliação foi o “(18) - Uso computadores da universidade para elaborar relatórios/trabalhos” com escore 2,06 o que indica que os estudantes utilizam poucas vezes os computadores da instituição para as tarefas. Um questionamento pertinente de ser realizado, a partir disso, é se os estudantes possuem computadores próprios e não necessitam dessa estrutura da universidade ou se os computadores não estão com acesso facilitado e à disposição dos es-

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tudantes. Esse, portanto, será um ponto de análise na continuidade da pesquisa.

A dimensão Envolvimento Institucional (EI) é a que merece maior atenção por parte da instituição por ter alcançado o menor escore. Dos dez itens da dimensão, sete obtiveram avaliação abaixo de 2,0 e nenhum item acima de 3,0: “(1) trabalho com meu profes-sores em projetos de pesquisa” (1,96); “(28) vou a reuniões convoca-das por grupos de estudantes da universidade” (1,64); “(7) participo ativamente nos grupos/organizações de estudantes da universida-de” (1,63); “(35) falo com professores sobre dificuldades e problemas pessoais” (1,57); “(19) assumo funções em cargos acadêmicos da uni-versidade” (1,55); “(36) procuro/uso serviços de apoio social ou psi-cológico da universidade” (média 1,19); e “(24) consulto especialista da universidade em orientação vocacional” (1,14).

A fim de complementar a compreensão acerca dos dados quanti-tativos, além dos instrumentos QVA-r e QEA, foram feitos duas per-guntas abertas aos estudantes: “por que motivo escolheu o curso em que está matriculado(a)?” e “qual(is) dificuldade(s) você encontra para frequentar o curso?”. Colaboraram com o estudo 910 estudan-tes e obteve-se um total de 971 respostas em relação às motivações da escolha de curso e 911 em relação às dificuldades para frequentar o curso71.

Dentre os argumentos levantados para justificar a escolha pro-fissional, 62,6% dos estudantes de licenciatura alegam identifica-rem-se com a área de conhecimento, 19,3% desejam ser professores e 7,7% estão na licenciatura como um segundo curso ou como for-ma de aperfeiçoamento de atividades que já praticam, porém sem necessariamente ter uma formação superior. Outros fatores foram mencionados pelos estudantes como motivo de escolha do curso: 3,7% pelo mercado de trabalho; 2,8% tiveram influência de familia-res e profissionais; 1,6% não tinham certeza da escolha atual ou frus-traram-se com uma escolha anterior; 0,7% desejam seguir carreira. Esses dados vão ao encontro dos escores positivos identificados nas dimensões Pessoal e Carreira do QVA-r e Vocacional do QEA.

No que diz respeito às dificuldades para frequentar o curso, 26,23% estão relacionadas ao descontentamento com os horários ofe-recidos; 24,37% a dificuldades pessoais; 14,38% ao descontentamen-to com a estrutura do curso; 11,64% às dificuldades em acompanhar

71. Dois aspectos precisam ser considerados quanto ao número de respostas ob-tidas nesta etapa da pesquisa: o primeiro refere-se ao fato de que um conjunto de respondentes utilizaram mais de um argumento, então suas respostas puderam ser classificadas em mais de uma categoria; e o segundo é que nem todos os 910 estudantes que participaram da pesquisa responderam as perguntas abertas.

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o curso; 3,73% ao descontentamento com a falta de investimento e de infraestrutura do curso e/ou da universidade; 2,41% à dificulda-de de encontrar emprego / estágio na área, 2,31% à desvalorização da docência; 2,09% ao descontentamento com a assistência estudan-til da universidade; 0,44% à desmotivação com o curso. Além dis-so, 2,96% seriam outros problemas diversos que não se encaixam nas categorias mencionadas. E 9,44% afirmaram não haver nenhu-ma dificuldade para frequentar o curso. Esses aspectos podem ser relacionados à análise dos escores das dimensões Envolvimento Ins-titucional e Estudo, do QEA e QVA-r, respectivamente, as quais são as dimensões que mais se aproximam das problemáticas apontadas nas quais se pode observar como reflexo a obtenção dos menores es-cores médios entre as dimensões avaliadas em cada instrumento.

Diante desses aspectos é possível dizer que um provável perfil dos discentes dos cursos de licenciatura da UFRGS é marcado pela identificação com a área teórica sendo que a docência enquanto es-paço de atuação profissional não corresponde como uma expectati-va de inserção no mundo do trabalho. Frente a isso, possivelmente, tem-se um problema a ser enfrentado pelos cursos de licenciatura que se refere ao incentivo da docência como profissão para profes-sores que estão em formação, sendo urgente pensar nos incremen-tos necessários para o desenvolvimento de uma sólida formação em cursos considerados de excelência.

Considerações finaisA partir da discussão dos dados acerca das matrículas, vagas e con-cluintes nos cursos de licenciatura e bacharelado do cenário nacio-nal em comparação com os dados locais, observou-se a necessidade da realização de estudos com a finalidade de apoiar a permanência e o êxito dos estudantes em ambos os graus acadêmicos, mas de forma prioritária nas licenciaturas tendo em vista que o crescimento da taxa de diplomação desses cursos é muito menor que o crescimento observado nos bacharelados no período analisado.

A pesquisa realizada com os licenciandos revelou as motivações, os fatores locais de permanência e os aspectos vinculados à adapta-ção dos estudantes aos cursos através do Questionário de Envolvi-mento Acadêmico (QEA) e do Questionário de Vivência Acadêmica - Reduzido (QVA - r), que levantaram os aspectos vinculados envol-vimento curricular, vocacional, institucional e social bem como à utilização de recursos disponíveis na universidade e as dimensões pessoal, interpessoal, de carreira, institucional e estudo. A caracte-rização do perfil dos licenciandos da UFRGS e os motivos que os le-

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varam a escolher o curso indicaram a existência de um descompasso relativo à formação de professores nas universidades: os estudantes que estão optando pela licenciatura, não o fazem, necessariamente, desejando exercer a docência, mas sim pelo valor do conhecimen-to em si que aquela área irá oferecer a eles. Neste aspecto, entende--se que há um desafio para os cursos de licenciaturas que é o de fazer uma conversão nas trajetórias dos estudantes alinhando-as a uma perspectiva profissional direcionada ao exercício da docência em instituições escolares de educação básica.

O estudo revelou a necessidade de identificar que diferenças po-dem ser observadas em relação ao perfil dos estudantes matricula-dos nos cursos de bacharelado da UFRGS, ofertados nas mesmas áreas das licenciaturas investigadas, a fim de compreender que as-pectos podem impactar nas diferenças observadas nas taxas de di-plomação dessas modalidades formativas na UFRGS, aspectos que suscitaram a pesquisa, em desenvolvimento, intitulada “Fatores de permanência dos alunos e seus contrastes com as formas de acesso aos cursos de licenciatura e bacharelados da UFRGS”.

Espera-se realizar o mapeamento do perfil dos estudantes desses cursos como possibilidade de apoio à promoção de ações institucio-nais em prol da sua permanência na instituição e identificar dife-renças entre fatores de permanência locais e nacionais, que possam mobilizar ações governamentais ou institucionais específicas para melhorar a realidade local. A partir desses aspectos, espera-se, tam-bém, desvelar as necessidades de mudanças institucionais colabo-rando para incremento na qualidade dos cursos, incentivando as melhorias necessárias para o desenvolvimento de uma formação docente de excelência na instituição.

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Modos de subjetivação no ensino superior e seu impacto no aprender discente

lisandra berni osório72

carla gonçalves rodrigues73

O curso da vida, para além de uma busca pela verdade como algo na-tural que lhe sossegue o espírito, transcorre por contornos em rele-vo. Desliza sobre superfícies de sentidos. Desdobra-se entre aquilo que faz pulsar e o que estanca o pensamento. Escrever sobre o apren-der impulsiona o pensamento a novos territórios e o leva até instan-tes de ruídos que desnudam as palavras, com efeito, “o aprender vai além do saber, esposando a vida toda” (SCHÉRER, 2005, p. 1183).

Com o propósito de afirmar um aprender inventivo e articula-do com modos de subjetivação de um corpus de discentes univer-sitários, este estudo busca na multiplicidade e singularidade do coletivo, agenciamentos com produções de sentidos, que ensejem transformações de si e do mundo. Distancia-se da hegemonia dos paradigmas da psicologia da aprendizagem, das linearidades de uma epistemologia genética e generalidades de conceitos que inten-tem verdades absolutas.

Diante de um cenário educacional em transformação face às novas formas de Gestão universitária, no que tange ao ingresso no ensino superior nos últimos anos, tais como o Programa de Reestru-turação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o Sistema de Seleção Unificada (SISU)74 e a Lei de Cotas75, contempla-se políti-cas afirmativas que favorecem a inserção de alunos. Nessa direção,

72. Universidade Federal de Pelotas.

73. Universidade Federal de Pelotas.

74. Consiste em um sistema informatizado em que instituições públicas de en-sino ofertam vagas para candidatos participantes do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), conforme MEC 2012.

75. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, obriga as universidades, institutos e cen-tros federais a reservarem para candidatos cotistas (que cursaram os três anos do ensino médio em escola pública, EJA ou ENEM, pretos, pardos e índios, en-tre as vagas separadas pelo critério de renda), metade das vagas oferecidas anu-almente.

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constatam-se mudanças no perfil do aluno, tanto em suas diversida-des socioculturais, quanto em suas vulnerabilidades na saúde men-tal, impactando seus aprendizados.

Nesse contexto, observou-se um aumento de 82% no índice de não aproveitamento acadêmico de bolsistas da Pró-reitoria de As-suntos Estudantis (PRAE) da Universidade Federal de Pelotas, entre 2012/2 a 2013/2, fomentando o objetivo deste estudo: capturar mo-dos de subjetivações em interface com o aprender em meio à vida universitária. Isto é, seja por dificuldades de aprendizagem, seja por sofrimento psíquico e/ou outros motivos, não alcançaram o mí-nimo de70%, adotados como um dos critérios de permanência nas referidas bolsas, condição entendida como indispensável para a continuidade dos seus estudos. Do crescente baixo aproveitamen-to acadêmico, pergunta-se: o que vem constituindo o aprender dos universitários atrelado aos seus processos de subjetivação?

Delineia-se a temática da investigação - a aprendizagem - quando se vislumbra que a mesma ganha dimensões existenciais no cotidia-no contemporâneo dos alunos. Nessa direção o aprender é levado para uma dimensão acerca das filosofias da diferença, consideran-do-o amalgamado aos processos que estão permanentemente pro-duzindo subjetivações no ambiente da Universidade, mas que antes de tudo alastra-se pela vida. Busca-se, em Deleuze (2000; 2010), na gênese do ato de pensar no pensamento e na contingência do encon-tro daquilo que o força, a violência e a estranheza necessárias para uma aprendizagem produtora de sentidos. Concepção que adota o aprender como invenção de problemas em um pensamento sem imagem, e não uma rasa solução de problemas pressupostos de uma imagem dogmática do pensamento, ou de uma recognição. Isso se-ria o mesmo que dizer que pensar passa pelo criar.

Adota-se a concepção de subjetividade em Guattari (2012, p. 19), a qual se remete ao “conjunto das condições que torna possível que instâncias individuais e/ou coletivas estejam em condições de emer-gir como território existencial [...]”, desenvolvendo-se junto a um socius, em intensidades intersubjetivas. Na esteira do pensamento do autor, os modos subjetivos são produzidos a partir da captura de elementos no tecido social, acolhem e emitem multiplicidades e he-terogeneidades, mantendo-se abertos e fazendo dessas interações uma construção coletiva viva.

MétodoA pesquisa com metodologia mista, ocupou-se no primeiro ano de um estudo quantitativo acerca de estudantes que não obtiveram

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aproveitamento acadêmico em 2013/1, momento em que o estu-do foi pensado. Assim, dos 700 discentes desse período, 557 foram possíveis de serem incluídos na investigação. Para realização des-sa análise documental (LUDKE; ANDRÉ, 1986), criou-se uma ficha orientadora dos dados concernentes às características sumárias encontradas no acervo da PRAE, contemplando características so-ciodemográficas, do contexto familiar e da situação acadêmica dos alunos. Os dados foram trabalhados por meio dos softwares EPI INFO e SPSS, utilizando-se dos testes estatísticos ANOVA e Teste-t para realizar a análise das variáveis em exposição, associando-as ao aproveitamento acadêmico. Medir sob este enfoque passa por en-contrar os pontos de fissuras, sobretudo numa direção ético-política que possibilita um jogo de forças no campo problemático (CÉSAR; SILVA; BICALHO, 2014).

No segundo ano da pesquisa, realizou-se uma intervenção em grupo com 12 daqueles estudantes, investindo na transformação que um aprender inventivo pudesse oportunizar a eles, no plano co-letivo de forças, de um fazer cartográfico. Os encontros, sob a for-ma de oficinas, estiveram mergulhados em composições das Artes, das Filosofias da Diferença e das Ciências Educacionais, abarcando cinco temáticas: liberdade, solidão, corpo, desejo e amor. A carto-grafia visa a acompanhar os processos subjetivos em curso, captu-rando instantes de rupturas, catalisando movimentos de passagens, em que metas e análises se delineiam durante todo o percurso, con-forme Tedesco, Sade e Caliman (2014). Dessa forma, menos desve-lar uma verdade, e mais inaugurar flutuações da experiência, seus graus de variação e implicação, “relações de reciprocidade que as-seguram cruzamentos múltiplos” (idem, p. 94), fazendo com que os objetos do mundo abram-se às constantes transformações.

Na abertura do plano coletivo de forças que emanam do contex-to da intervenção, acolhem-se intensidades e potência de criação. A análise, dessa forma, está no meio, no entre do grupo e das ofici-nas. Na experiência compartilhada, na coemergência dos planos de conteúdo e de expressão, os signos e suas diferentes modulações vão construindo pistas que favoreçam a produção de uma linguagem que passa pela invenção.

Resultados e discussãoAs diferenças de quantidades perpassam a qualidade que compõe os modos de vida dos discentes. Contornos provisórios que ganham forma e sentido, reverberando-se e reinventando-se, uma saliência, pontos de fissura. Assim, entre os resultados quantitativos destaca-

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-se que o sofrimento psíquico discente contrasta do aproveitamento de 2013/1 entre ter (27,2%) ou não (35,3%) acompanhamento psico-lógico, encontrando-se a depressão e a ansiedade ligadas à falta de confiança na capacidade de desempenho e desencadeamento de dis-túrbios psicossomáticos. Isto, somando-se às complicações na con-centração e adaptação, à carga excessiva de alguns cursos, à natureza subjetiva que coloca o alunos em contato com questões como mor-te e doença, assim como dúvidas sobre sua sexualidade, impasses nos relacionamentos afetivos e em sua nova vida (SILVA et al., 2011; VALLILO et al., 2011), recrudescem o mal-estar discente em sua for-mação. Como demonstram Nonticuri et al. (2014), por exemplo, em que 38% dos moradores da casa do estudante da mesma Universi-dade descrevem sofrer influência emocional em suas tarefas; e 50% não se percebem com boa saúde. Isso deflagraria “a perturbação que sofre o estudante ao chegar ao kafkiano mundo da Universidade. Sa-bemos quantos padecimentos ele terá para superar todos os tipos de dificuldades e inibições” (GUATTARI, 2004, p. 97).

O índice de infrequência em 2013/1 (61%) ganha protagonismo e, aliado ao de reopção (11%), demonstraram as dificuldades discentes para se vincular à Instituição, onde a ‘falta de base’ do aluno pode le-var a reprovações e até ao abandono do curso, em que o desempenho pode ser um preditor da permanência (ADACHI, 2009).

Encontrou-se a predominância, entre os estudantes, da faixa etária entre 20 e 23 anos, conjugando com outros achados (SCH-NORR, RODRIGUES, OSÓRIO, 2014; NONTICURI et al., 2014; OLI-VEIRA; FERNANDES, 2013), em que a média de idade circunda os 23 anos. Assim, embora as menores médias tenham sido encontra-das nos discentes que estavam entre 30 e 57 anos, este estudo vol-tará para a compreensão do ser jovem, e sua trajetória acadêmica em um contexto social-histórico da Universidade que vem sofren-do mudanças. Carrano (2009) menciona que o termo “juventude” compreende a população entre 15 e 29 anos, conforme a Constitui-ção Brasileira. O autor descreve estudos sobre a complexidade que enseja a questão: “Quando alguém deixa de ser jovem e atinge a vida adulta”? (idem, p. 3). Outros estudos sobre jovens englobam até os 34 anos, por exemplo, de modo a entender a dinâmica social daque-le que prolonga a juventude por não encontrar meios socioeconômi-cos para a vida adulta. Se, por um lado, há manutenção de vínculos de dependência material e afetiva para que essa fase seja alargada, por outro, fluxos de vida buscam autonomia. Ultrapassando os limi-tes norteadores que descrevem juventude em termos cronológicos, problematiza-se o que pode estar constituindo o ser jovem nos dias de hoje, seus guetos, narcisismos, vazios, seus modos de ser na era tecnológica, lutas e passividades.

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Quanto à naturalidade, os alunos apresentaram médias do apro-veitamento de 2013/1 significativamente diferentes entre as catego-rias, configurando as menores médias, entre os que são estrangeiros. Contudo, a segunda menor média, e o número mais expressivo, são alunos da cidade sede da Universidade, o que refutaria a hipótese de que dificuldades insurgem com mais frequência entre os que são de outros lugares, exigindo um suposto maior esforço de adaptação ao novo território. Isto revelaria que para além de sua cidade de ori-gem, seria inerente ao contexto estudantil um processo de absorver outra realidade vivida enquanto ser em transição a uma vida adulta e ao ambiente acadêmico.

Embora a grande maioria seja solteira, a menor média encontra--se entre os que são casados ou vivem com algum companheiro. Con-jugado-se ao fato de ter filhos, em que média menor está para alunos que os têm, e, somando-se ao da idade, desvela-se que apesar das di-ficuldades intrínsecas ao ser jovem, estudar na vida adulta, com fa-mília constituída, talvez interpele singularidades e diferenças. Por outro lado, se ter filhos denuncia um menor aproveitamento, como 485 alunos (comparados aos 71 com filhos) expressam mesma con-dição de não aproveitamento, sem ter que se ocupar de cuidar de outrem? Um arranjo de quantidades de forças e formas ganha di-mensões provisórias de multiplicidade em um caleidoscópio estu-dantil.

Assim, as subjetivações discentes podem deflagrar sofrimen-to psíquico em relações a vivências, como separação de pais [34,5% são filhos de pais separados], e apresentam morte significativa na fa-mília [19,5%], sobremaneira a pensar sobre as experiências difíceis de elaboração na vida dos jovens estudantes e sua indissolubilidade à aprendizagem. As inúmeras mudanças por que passa o estudan-te, seja de cidade, seja de condição social-econômica, e de atraves-samentos emocionais, além do próprio ambiente universitário que lhe confere adaptação, pode fazer com que manifeste impedimen-tos mais significativos em seu aproveitamento acadêmico no início do curso [57,2% estavam entre o 1º e o 3º semestre]. Isso pode reve-lar a importância na fase de adaptação, seja por questões pessoais, seja por fatores acadêmicos, podendo surgir vulnerabilidade emo-cional pelo esforço devido a essa situação, além de poder mobilizar disposições psíquicas preexistentes “pela sobrecarga dos alunos que conseguiram ingressar na universidade sem base” (CERCHIARI; CAETANO; FACCENDA, 2005, p. 418). Contudo, observa-se que a in-terface subjetiva da aprendizagem pode percorrer ao longo do cur-so, sendo a menor média (32,7% em 2013/1) naqueles estudantes que estavam entre o quarto e sexto semestre, haja vista que “na medi-

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da em que o acadêmico permanece na universidade há um aumen-to da tensão ou estresse psíquico, distúrbios psicossomáticos, falta de confiança na capacidade de desempenho e autoeficácia” (idem, p. 416), o que demonstraria que diminui a saúde mental.

Diante do sofrimento estudantil observado nos estudos, funda-menta-se na seguinte concepção enunciada por Rolnik (2005, p. 6):

um desenvolvimento humano favorável tem a ver justa-mente com esta capacidade de relacionar-se com o mun-do de maneira criativa: é isto que daria sentido à existên-cia, ancorando o sentimento de que a vida vale a pena ser vivida.

Dessa forma os fluxos do mal-estar discente são como as formas de conteúdo e expressão que se misturam aos signos de dor, de de-pressões, de rotinas cansadas, de esperança e anseios, noites mal dormidas, palavras engasgadas. Por trás de um não aproveitamen-to investiga-se a força contida em um “eu posso” de Agambem (2013, p. 240), que diante de uma experiência ineludível há chegado mo-mento de afirmar uma experiência da potência, não como uma indi-vidualidade, mas no coletivo que se produz em enunciados e que se constrói por agenciamento.

Nessa direção, modos de subjetivação neste estudo são vistos en-tão como um processo de constituição da subjetividade, em suas possibilidades de desvio e reapropriação. As possibilidades singula-res de aprender e maneiras de existir inaugurais embatem no muro da subjetividade estudantil. “Ora os devires são absorvidos por esse muro, ora sofrem verdadeiros fenômenos de implosão” (GUATTA-RI; ROLNIK, 2013, p. 59), envolvendo a sensibilidade, procurando dar conta de um movimento involutivo, que corresponda à “dessub-jetivação, que é condição para que os processos de subjetividade se mantenham em curso” (KASTRUP, 2005, p. 1276).

Os modos de subjetivação encontrados perfilam por (1) um es-tudante “aprisionado” àquilo que é esperado dele, interpelado por condições capitalísticas que o vulnerabiliza. Ele vê a Universidade e as coisas como uma “obrigação” – uma subjetivação que no ínfimo instante que ela surge não dá vazão à criação; remete-se a uma ima-gem do pensamento representacional e dogmático em uma linha molar; (2) um estudante que traça linhas de fuga às modelizações da sociedade, esculpindo sua existência por microvazamentos de pa-radigmas educacionais, muitas vezes, impulsionado por condições (econômicas, sociais, institucionais, familiares, religiosas); (3) um

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estudante que traça ritornelos, em processos de desterritorialização e reterritorialização: ora se encarna em uma representação endure-cida (mundo das obrigações); ora vivencia frestas de liberdade (mo-vimentos estudantis); ora fura o tecido das relações com o que lhe afecta (quer um social, um psicológico, um ambiental). Concluiu-se que o baixo aproveitamento acadêmico relacionava-se menos com dificuldades cognitivas e mais com contingências do contexto aca-dêmico, demonstrando que prejuízos na saúde mental dos alunos desempenha um impacto que vai além de sua aprendizagem.

Multiplicidades de sentidos, por vezes, deixam o jovem perdi-do e vulnerável, produzindo subjetivações que o engessam em um aprender recognitivo (DELEUZE, 2000); subjetivações que clamam por desterritorializações que tracem algo novo, escapando de uma aprendizagem marcada pela reprodução do idêntico (ibidem); sub-jetivações que se ritornelam, movimentos contínuos que se diferen-ciam na mínima repetição que enseje uma variação, onde subjaz uma diferença (ibidem). Elas se cruzam, coexistem, convivem com um socius, não cessam de se transformar. Mudanças na Educação que transcorrem por um viés sociopolítico, como a ampliação de cursos sem, necessariamente, um aumento nas condições de aco-lher os alunos em uma diversidade de dimensões; assim como a in-serção do coletivo que integra a instituição.

ConclusõesPerfazendo um mapeamento aberto e inacabado, problematiza que conhecer parte das contingências impeditivas do aprender permite pensar que o dado quantitativo revelado pelo não aproveitamento não emite um signo por si isoladamente e não denuncia uma difi-culdade de aprendizagem propriamente dita e indelével. Sob a con-cepção de um baixo desempenho acadêmico descortinam-se modos provisórios que contornam a vida estudantil, reverberando subje-tivações que se tornam obstáculos em seu percurso. Se aprender, como afirma Kastrup (2007), passa por fazer bifurcar e diferenciar a cognição, a política da invenção mantém o aprender sempre em curso, por meio de agenciamento e aberta ao devir. Nesse sentido, não se pode dizer que o discente universitário não passou por apren-dizagens por ter atingido um percentual abaixo de 70% no aprovei-tamento acadêmico. E uma vez que a concepção de aprender passa pela invenção, abraçando toda uma vida, seria demasiado repre-sentativo promulgar uma identidade ao aluno como aquele que tem dificuldades, pois “aprender a aprender é, então, também parado-xalmente, aprender a desaprender” (ibidem, p. 225). O modo como

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os jovens estudantes vêm se constituindo obedece a um fluxo pro-cessual de afecções, rompendo com certas estruturas pré-moldadas onde os corpos-aprendizes subjazem passivos pelo não aproveita-mento, rotulados pelo sofrimento psíquico [depressão, ansiedade] ou por um processo de adaptação em amplo espectro: à Universida-de, à nova vida.

Logo, às formas que esquadrinham ou modelam a existência, pode insurgir uma pequena irregularidade para um agenciamen-to que intente “fugir” de estratificações do aluno em seus modos de ser e estar no mundo. Rompendo barreiras, dando novas dimensões para os rijos critérios de avaliação acadêmica e perpassando pela di-versidade que o contemporâneo traz à vida estudantil,

a linha de fuga é uma desterritorialização. [...] Fugir não é absolutamente renunciar às ações, nada mais ativo que uma fuga. [...] Fugir é traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia (ZOURABICHVILI, 2014, p. 47).

Isso seria mencionar a possibilidade de pensar acerca da coabita-ção de mundos, de muitas universidades dentro de uma Universida-de, suas linhas de escape, suas resistências e revoluções, assim como suas formas de manutenção de um status quo em que se intenta esca-var brechas que sirvam de um respiradouro para existência, para o aprender. Na esteira de Kastrup (2005, p. 1279), “o novo e o antigo, o que surge e o que já estava lá, não são partes antinômicas, mas se li-gam por uma linha de repetição, diferenciação e invenção”.

Nessa perspectiva, a subjetividade não se remete à centralização no indivíduo-estudante, mas à produção que acontece em meio aos encontros que se vive com o outro, o qual pode ser o social, a natu-reza, as invenções, aquilo que cria efeitos nas maneiras de viver. A “aprendizagem surge como processo de produção de subjetividade, como invenção de si” (KASTRUP, 2005, p. 1277), sobretudo em mutu-alidade à invenção do próprio mundo. Isto dá a ver as teias de rela-ções que o aluno pode tecer a cada instante, constituindo-se de certa provisoriedade, em que há uma construção coletiva que emite e aco-lhe elementos heterogêneos. Logo, a heterogeneidade do contexto social em que o estudante vive, como seus diferentes tipos de mo-radia, variados modos de composição familiar, distintas geografias, ganham singularidades nas expressões que transversalisam pelas suas subjetivações que se circunscrevem em seu aprender em meio à vida. Permanentes abandonos e modificações dos modos de ser dis-cente, suas misturas e desvios, dão movimento às suas experiências.

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Diante do atual momento de mudanças no cenário de ingresso ao ensino superior que atravessa o discente, o aumento da população acadêmica e sua diversidade sociocultural, tornam-se necessárias intervenções que transformem o impacto daquelas e que capturem suas subjetividades em um processo de criação.

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PARTE III

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Monitoria & tutoria acadêmica como estratégias de apoio pedagógico para alunos ingressantes na Unipampa - Campus São Gabriel

carlos alberto xavier garcia76

dienuza costa77

O presente estudo surgiu a partir de uma provocação feita pelo anún-cio do XI Seminário de Educação Superior da Universidade Federal de Pelotas em 2018, quando então resolvemos refletir sobre a prática de monitorias realizadas na Universidade Federal do Pampa – Cam-pus São Gabriel – e que são organizadas e orientadas pelo Núcleo de Desenvolvimento Educacional.

Ao realizarmos uma pesquisa no Google encontramos artigos e dissertações produzidos acerca do tema monitoria no ensino supe-rior e que possui algumas descrições de experiências exitosas na re-gião sul e sudeste para serem compartilhadas.

Desde 2016 que estamos participando, enquanto Núcleo de apoio pedagógico, da organização de oficinas, palestras, workshops e mo-nitorias para alunos ingressantes, tendo em vista o alto índice de evasão e retenção em áreas que exigem maior domínio em cálculos, biologia e na própria leitura e interpretação de textos acadêmicos.

A palavra monitoria remonta a períodos históricos da antigui-dade clássica como a grega, que possuía pedagogos para orientar e auxiliar na educação de crianças e jovens. Também na Idade Média a função de monitoria assumia a finalidade de cuidar da discipli-na dos noviços. Já na Idade moderna, tendo como base o que ide-alizou Joseph Lancaster, o método de monitoria também chamado de ensino mútuo tinha como objetivo “ensinar um maior número de alunos usando pouco recurso, em pouco tempo e com qualidade” (DANTAS, 2014).

O método de monitoria já teve outras denominações, mas o obje-tivo é sempre o de oferecer um tempo com local e um aluno como fa-cilitador de aprendizagem no processo ensino-aprendizagem.

76. Unipampa Campus São Gabriel.

77. Unipampa Campus São Gabriel.

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257Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Nas Universidades brasileiras o monitor de disciplina aparece com a instituição da lei 5.540/68 e ainda hoje alguns professores uti-lizam para auxiliar no desempenho de atividades didáticas e práti-cas em determinados componentes curriculares.

Essas monitorias hoje podem ser voluntárias ou remuneradas, caso o coordenador da proposta submeta projeto no sistema e con-corra a algum edital que contemple com bolsa de ensino e ou de ges-tão acadêmica. No caso do Núcleo que atende também através da interface com o NInA (Núcleo de Inclusão e Acessibilidade) realiza--se o atendimento ao estudante com necessidades especiais.

A partir disso é que resolvemos empreender este estudo para compreender e mostrar o papel e a importância da monitoria e tuto-ria acadêmica como estratégia de apoio pedagógico para alunos in-gressantes na Unipampa – Campus São Gabriel.

MetodologiaO presente estudo tem como base metodológica o referencial teórico da pesquisa quanti e qualitativa em educação, conforme referência de André e Ludke. Realizamos a reflexão sobre o trabalho proposto e a observação das monitorias de forma participante.

As monitorias são realizadas a partir da mediação entre o Núcleo de Desenvolvimento Educacional (NuDE), os professsores, alunos com necessidades de monitoria em determinado componente curri-cular e os que necessitam de atendimento educacional especializado (AEE), que são atendidos pelo Núcleo de Inclusão e Acessibilidade (NInA). Este trabalho procura analisar o rendimento dessas moni-torias.

Para tanto, realizamos uma pesquisa qualitativa com análise de dados e observação do objeto de estudo. De acordo com André e Lu-dke (1986), os estudos de caso visam àdescoberta. O investigador deve se manter constantemente atento a novos elementos que po-dem emergir durante o estudo, buscando sempre novas respostas e novas indagações no desenvolvimento do seu trabalho. Assim, ana-lisamos cada caso e levantamos os dados quantitativos e qualitati-vos, para estudos que visem a melhorar o desempenho dos alunos atendidos pelas monitorias propostas.

A seleção de monitores ocorre por adesão voluntária e indicação de docentes em caso de atividade não remunerada e por seleção es-pecífica em edital para bolsas disponibilizadas pelas Pró-reitorias.

Em geral o edital estipula que o aluno monitor/tutor deve ser alu-no regularmente matriculado, a partir do terceiro semestre e com aproveitamento superior a 60% com análise do currículo lattes e

PARTE III

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258Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

experiências em projetos ou conhecimentos na área de inclusão e acessibilidade, LIBRAS por exemplo. No momento temos monito-rias oferecidas pelo PASP (Programa de Apoio Social e Pedagógico) e pelo NInA (Núcleo de Inclusão e Acessibilidade.

O Programa de Apoio Social e Pedagógico (PASP) consiste no fo-mento de alternativas para ampliar as condições de permanência dos acadêmicos na Universidade, por meio de estratégias de acom-panhamento sociopedagógico, tais como: orientações gerais sobre a vida universitária e sobre o acesso aos programas e benefícios de assistência estudantil; fornecimentos de materiais pedagógicos; monitorias; organizações de grupos de estudos; acompanhamento prévio a atividades avaliativas; apoio para planejamento de estudos; orientações sobre hábitos e rotinas de estudos e organização da vida acadêmica; entre outros.

Segundo relato do monitor PASP – 2018, J G. F. Jr:

Neste ano foi possível avaliar a importância do progra-ma, e a sua contribuição para permanência dos discen-tes no ensino superior, considerando que os que ingres-sam nas universidades vêm das mais diferentes classes sociais, etnias e religiões, muitos deles trazendo para a vida acadêmica muitas lacunas na aprendizagem e uma sobrecarga psicológica oriunda das mais diversas cau-sas, que acabam dificultando a adaptação às exigências de desempenho no ensino superior. Através das estraté-gias de acompanhamento sócio-pedagógico a que mais se destaca é a Monitoria Específica onde os monitores po-dem ter uma ação direta e voltada às necessidades indivi-duais do aluno acompanhado, criando alternativas para melhorar as condições de permanência dos acadêmicos na Universidade.

O Projeto de Apoio Social e Pedagógico (PASP) da Unipampa, se-gundo o monitor, é de fundamental importância, beneficiando não somente aos estudantes, mas à comunidade acadêmica como um todo. O PASP no campus São Gabriel tem obtido uma valorização maior por parte dos discentes, podemos perceber cada vez mais sua necessidade de complementar a Universidade Federal, através de atividades de orientações sobre a vida universitária, orientações so-bre os programas e benefício estudantil, monitorias, oficinas, entre outros, que podemos perceber um impacto positivo na vida dos dis-centes. No ano de 2018, 8 discentes foram atendidos pelos monitores PASP.

PARTE III

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O Núcleo de Inclusão e Acessibilidade (NInA) Campus São Gabriel conta com uma bolsista monitora que acompanha de perto os estu-dantes, estando atenta às necessidades destes, visando a auxiliá-los no decorrer do semestre acadêmico para um melhor desempenho dos mesmos. As atividades realizadas pela bolsista foram efetiva-das na Unipampa-Campus São Gabriel durante o período de maio a dezembro do corrente ano. Dentro desse contexto, realizamos uma pesquisa qualitativa com análise de dados e observação do objeto de estudo, com alunos do AEE da Unipampa Campus São Gabriel com a finalidade de identificar seu desenvolvimento acadêmico e social, encontrar ações que minimizam ou eliminam os empecilhos arqui-tetônicos, pedagógicos, atitudinais e assim garantir o livre acesso dessas pessoas no meio acadêmico.

Para começar o atendimento é feito um estudo de caso. Primeiro é feita uma reunião com a família e entrevista com os alunos enca-minhados ao AEE e após então fazemos uma avaliação dos relatórios de uma psicopedagoga para a qual encaminhamos os alunos através do NinA. Buscamos ter conhecimento do laudo médico e do desem-penho acadêmico dos mesmos nos anos anteriores. Este ano foi fei-to um estudo de caso para a elaboração de um plano de atendimento individualizado para uma aluna X, de forma que a monitoria a auxi-lie a continuar desenvolvendo suas capacidades e buscando superar suas dificuldades.

Foram desenvolvidas atividades que buscassem trabalhar, prin-cipalmente com o desenvolvimento da compreensão e fluência leito-ra, a fim de proporcionar melhor qualidade na leitura. Na sequência foram desenvolvidas atividades de produção escrita com temas es-colhidos pela monitora, a fim de tornar a escrita da aluna mais clara e coerente para que assim ela conseguisse expressar sua opinião por meio da escrita de maneira mais efetiva, bem como atividades de ra-ciocínio lógico.

Este estudo de caso está em andamento, foi visto melhora nas notas e a aluna obteve aprovação em disciplinas que havia reprova-do mais de duas vezes, o NinA trabalha com cada aluno de manei-ra diferente e de acordo com suas necessidades específicas. Este ano duas alunas foram atendidas semanalmente nas monitorias e onli-ne sempre que procuravam auxílio, tanto pedagógico, através das monitorias específicas de componentes curriculares, quanto ativi-dades de AEE.

Abaixo podemos exemplificar o número de alunos atendidos por monitorias específicas, através de um quadro resumo de um relató-rio de atividades na área de cálculos.

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260Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Relatório resumido: dados discentes atendidos em atividades de monitoria de Cálculo Aplicados às Ciências Agrárias, Cálculo Aplicado à Biologia, Cálculo Aplicado

à Biotecnologia e Álgebra e Geometria Analítica Aplicada à Engenharia Florestal

Bacharelado em Biotecnologia

Mat. Aplicada à Biotecnologia

Bacharelado em Engenharia Florestal

1º Sem: Mat. Aplic. Ciências Agrárias

2º Sem: Álgebra Aplic. Eng. Florestal

Ciências Biológicas (Bacharelado/Licen- ciatura)

Mat. Aplicada Ciências Biológicas

2015 1º Sem.: 21 discentes 1º Sem.: 22 discentes2º Sem.: 13 discentes

2º Sem.: 12 discentes

2016 1º Sem.: 31 discentes 1º Sem.: 33 discentes2º Sem.: 21 discentes

2º Sem.: 13 discentes

2017 1º Sem.: 36 discentes 1º Sem.: 30 discentes2º Sem.: 06 discentes

Não houve procura

Fonte: Diego Nunes – TA- Monitoria de cálculos

A partir do quadro resumo e da observação acerca das monito-rias conseguimos perceber que a realização de tais monitorias e tu-torias tem surtido efeito positivo no processo ensino-aprendizagem dos alunos que frequentam as monitorias. Com o desenvolvimento de uma rotina de estudo e acompanhamento dos alunos atendidos pelos monitores, e a partir dos resultados das avaliações, podemos verificar, através da análise qualitativa, que os alunos que frequen-tam as monitorias e tutorias, e com o acompanhamento dos profes-sores de forma individual, tm resultado em melhora no índice de aprovação e obviamente no sucesso e permanência desses alunos na Instituição.

Este trabalho não está finalizado, mas de forma parcial podemos apresentar uma estratégia para a manutenção e promoção do su-cesso acadêmico de alunos ingressantes nos cursos de graduação da Unipampa – Campus São Gabriel-.

ReferênciasDANTAS, O. M. M. Fonte de saberes à docência superior. Rev. Bras. Estud. Pedagog., Brasília, v. 95  n. 241, set./dez.  2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sciarttext&pid=S2176-66812014000300007. Acesso em: 15 dez. 2018.

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261Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

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TARDIFF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Editora Vozes, 2007.

TARDIFF, M.; LESSARD, C. O Trabalho Docente - Elementos para uma Teoria da Docência como Profissão de Interações Humanas. Petrópolis: Editora Vozes, 2008.

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Disciplina de Libras nos cursos de Fonoaudiologia: uma estratégia para governar e incluir os surdos

angela nediane dos santos78

Este trabalho apresenta o recorte da tese de Doutorado em Educa-ção que realizou uma análise acerca dos efeitos discursivos da in-serção obrigatória da disciplina de Libras em cursos de licenciatura no Brasil, intitulada “Efeitos discursivos da inserção obrigatória da disciplina de Libras em cursos de licenciatura no Brasil” (SAN-TOS, 2016). O referido recorte aborda sobre a inserção obrigatória da disciplina de Libras nos currículos dos cursos de fonoaudiologia. A análise, de inspiração foucaultiana, debruçou-se sobre os discur-sos inscritos em Projetos Pedagógicos de cursos de licenciatura, em programas analíticos de disciplinas de Libras e no Decreto Federal nª 5.626/2005. Os discursos inscritos nessas materialidades são to-mados no sentido atribuído por Foucault (2002), fabricando os obje-tos de que falam.

A produção e circulação dos processos de significação de mundo passam pela linguagem, e é por meio dela que construímos os signi-ficados. Segundo Costa (2007, p. 102), “quando indivíduos, grupos, tradições, descrevem ou explicam algo em uma narrativa, discur-so, temos a linguagem produzindo uma realidade”. Nesse sentido, para além do processo de significação, a linguagem constitui uma realidade, pois ela não apenas a relata, ou seja, ela a inventa, crian-do uma verdade sobre algo.

A língua brasileira de sinais (Libras) deve ser inserida obrigato-riamente como disciplina curricular não apenas nos cursos de for-mação de professores, mas também nos cursos de Fonoaudiologia, conforme determina o Artigo 3º do Decreto Federal nº 5.626/2005. A inserção dessa disciplina nos cursos de formação de professores é justificada rapidamente pela necessidade imperiosa da inclusão de todos na escola regular. Todavia, por que inserir obrigatoriamente a disciplina de Libras também nos cursos de Fonoaudiologia?

O presente artigo pretende responder a tal questionamento, ar-gumentando que a inserção da disciplina de Libras de forma obri-

78. Universidade Federal de Pelotas.

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gatória nos cursos de Fonoaudiologia é mais uma ação política curricular instituída no/pelo decreto supracitado. Tal inserção está no mesmo campo discursivo da inserção obrigatória da discipli-na de Libras nos cursos de licenciatura. Deste modo, ambas as in-serções curriculares fazem parte do mesmo jogo político, que vem produzindo a necessidade imperiosa da inclusão plena do surdo na sociedade.

No site do Conselho Federal de Fonoaudiologia consta a informa-ção de que a profissão é “[...] oriunda da preocupação da medicina e da educação com a profilaxia e a correção de erros de linguagem apresentados pelos escolares”.79 A partir daí, fica evidente o papel que o fonoaudiólogo desempenha no desenvolvimento da lingua-gem dos alunos, entre eles os estudantes surdos. Nesse sentido, é im-prescindível que o fonoaudiólogo tenha em sua formação ao menos uma disciplina de Libras. Assim, por exemplo, caso haja uma pessoa surda que se comunique apenas em Libras, poderá ter atendimento fonoaudiológico por meio do uso da língua de sinais.

Além disso, como o decreto trata da educação bilíngue, cabe sa-lientar o papel do fonoaudiólogo no bilinguismo, conforme argu-mentam Guarinello et al. (2013, p. 335):

“[...] ressalta-se que a proposta bilíngue, também, fun-damenta uma perspectiva de atuação clínica fonoaudio-lógica que tem como prioridade a aquisição da segunda língua, tanto em sua modalidade oral, quanto escrita.

Convém observar que o trabalho do fonoaudiólogo é realizado em relação à linguagem (oral e escrita), isto é, à audição, voz e sistema sensório motor oral.

No entanto, além do desenvolvimento da linguagem oral e es-crita, o trabalho fonoaudiológico tem sido realizado, recentemen-te, também para o desenvolvimento da linguagem sinalizada. Cruz (2013, p. 144) trata das propostas de intervenção fonoaudiológicas para o desenvolvimento da linguagem em língua de sinais:

A proposta de intervenção fonoaudiológica com crianças surdas em uma proposta bilíngue (uma língua oral e uma língua de sinais) no Brasil ainda é recente (MOURA, LODI e HARISSON, 1997; LICHTG e BARBOSA, 2009; CRUZ,

79. Disponível em: http://www.fonoaudiologia.org.br/cffa/index.php/historia--da-fonoaudiologia. Acesso em: 06 out. 2015.

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2011) e inovadora, pois diferentemente das propostas an-teriores que eram voltadas exclusivamente para o ensi-no de uma língua oral, reconhece que crianças surdas podem ter um processo de aquisição de linguagem espe-rado/normal, e que este processo deve ocorrer de forma natural em uma língua que lhe permite acesso comple-to às informações linguísticas, como a língua de sinais. Essa proposta inclui o trabalho voltado para o desenvol-vimento das habilidades auditivas e o ensino da língua oral, e tem como ponto de partida os conhecimentos lin-guísticos da criança na língua de sinais.

Atender em Libras para, por fim, ensinar a Língua Portuguesa. Essa é a estratégia lançada pelo decreto em relação ao trabalho que os fonoaudiólogos devem realizar com as pessoas surdas. O relato do Grupo de Estudos e Pesquisas Emmanuelle Laborit (Gepel), co-ordenado pela fonoaudióloga Marlene Canarin Danesi, a partir de uma experiência sobre alternativas inovadoras para introdução da segunda língua, reforça esse entendimento:

[...] consideramos como consequência mais importante o papel identificatório que o uso da língua de sinais tem no grupo, sendo facilitadora do desenvolvimento cogni-tivo, afetivo e social; e consequentemente na aprendiza-gem da segunda língua.80

Assim, o fonoaudiólogo deve aprender a língua de sinais para promover o desenvolvimento da linguagem do surdo, especialmen-te no que se refere à aprendizagem da Língua Portuguesa como se-gunda língua, seja na modalidade escrita, seja na oral.

Como o significado de bilinguismo contido no decreto é consti-tuído por uma questão puramente linguística, o mesmo se garante pela presença da Libras e da Língua Portuguesa em todo o proces-so de ensino e aprendizagem do aluno surdo, inclusive no proces-so de desenvolvimento linguístico. É principalmente nesse último aspecto que o fonoaudiólogo realiza o seu trabalho. Nesse sentido, é necessário que os profissionais da fonoaudiologia, que tratam da aprendizagem de segunda língua, estejam habilitados para atender a partir da Libras.

80. Este relato está descrito no corpo do artigo “A Importância da Língua de Si-nais na Aprendizagem da Segunda Língua: O Português”, produzido pelo Ge-pel. Disponível em: http://fonoaudiologa.com.br/trabalhos/artigos/artigo-010.htm. Acesso em: 13 jul. 2014.

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Guarinello et al. (2013, p. 335) ressaltam a “[...] necessidade de expandir o ensino da Libras a profissionais envolvidos diretamente com os processos de ensino-aprendizagem e com o desenvolvimento da linguagem vivenciados pelos surdos”. Dessa forma, não só os pro-fessores precisam ter em seus currículos a disciplina de Libras, mas também os fonoaudiólogos necessitam ter em sua formação uma disciplina que os possibilite atender em Libras, já que são profissio-nais que estão diretamente envolvidos no desenvolvimento da lin-guagem das pessoas surdas.

Ao instituir a obrigatoriedade da inserção da disciplina de Libras nos cursos de Fonoaudiologia, fica explícita a necessidade dos fono-audiólogos desenvolverem seu trabalho com todas as pessoas sur-das, inclusive com aquelas que se comunicam somente por Libras. Assim, ao menos para estabelecer uma primeira comunicação com essas pessoas, esses profissionais devem aprender a usar Libras. Guarinello et al. (2013, p. 338) argumentam que “Cabe esclarecer que a inclusão da disciplina de Libras no curso de Fonoaudiologia obje-tiva formar profissionais aptos a estabelecer relações com surdos a partir da língua de sinais”, mesmo que o objetivo final seja a apren-dizagem da Língua Portuguesa como segunda língua, nas modalida-des escrita e/ou oral.

A todo o momento, o decreto produz significados acerca da educa-ção bilíngue, sempre enfatizando a necessidade de, além de Libras, o surdo aprender a Língua Portuguesa, entretanto essa aprendizagem não deve se restringir à modalidade escrita, pois também se almeja que esta deva ser aprendida na modalidade oral. Consta no decreto, o Artigo 16, que trata especificamente da modalidade oral da Língua Portuguesa, no âmbito da educação básica. Segundo o referido arti-go essa:

[...] deve ser ofertada aos alunos surdos ou com deficiên-cia auditiva, preferencialmente em turno distinto ao da escolarização, por meio de ações integradas entre as áre-as da saúde e da educação, resguardado o direito de op-ção da família ou do próprio aluno por essa modalidade (BRASIL, 2005).

Especificamente em relação ao direito à saúde das pessoas sur-das ou com deficiência auditiva, o decreto ressalta que deve ser dada prioridade aos alunos matriculados nas redes de ensino da educação básica. Assim, os fonoaudiólogos que tiverem em sua formação a disciplina de Libras poderão desenvolver a modalidade oral e escri-

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ta da Língua Portuguesa, com todos os alunos surdos. Saúde e edu-cação se unem para tornar o surdo bilíngue e garantir a sua inclusão social. Mais uma vez, atrelam-se educação e saúde para governar os sujeitos surdos.

Historicamente, o governo das pessoas surdas vem sendo produ-zido pela articulação entre educação e saúde. Articular ações da área da educação e da saúde para governar a população é uma estratégia de governamental recorrente. A história da educação de surdos é marcada pelo domínio de práticas oralizadas, que busca(ra)m (re)habilitar a voz e a audição das pessoas surdas. Assim, na educação de surdos, pelo menos do final do século XIX até quase o final do sé-culo XX, as práticas oralistas dominaram as práticas educacionais. Por muito tempo, tais práticas negaram a existência das línguas de sinais, alegando que a aprendizagem dessas línguas prejudicaria a aprendizagem da língua oral. Essa aprendizagem baseava-se em práticas do campo clínico, por meio de exercícios, treinamentos e tratamentos para reabilitar a audição e a voz. Tratava-se de uma educação que era baseada nas práticas da saúde.

Hoje, porém, vê-se uma prática com ênfase na oralidade, que não nega mais a língua de sinais, pelo contrário, articula-se à ela, nego-cia com ela. Conforme argumenta Cruz (2013, p. 145):

O fato de a criança iniciar seu processo de aquisição da linguagem por meio da língua de sinais, em nada impede que receba a indicação de uso de aparelhos auditivos e/ou implante coclear, pois a aquisição da linguagem bilíngue bimodal pode ocorrer adequadamente, como comprova-do em estudos.

É a partir dessa negociação que muitas práticas daquilo que se chama hoje de educação bilíngue vem se constituindo. Logo, per-manecem articulando-se educação e saúde para governar os surdos.

O texto do decreto estabelece estratégias que devem ser imple-mentadas pelo campo da saúde para garantir a inclusão do surdo, especialmente do aluno surdo, ou melhor, nos termos do decreto, conforme seu Artigo 25, “[...] prioritariamente aos alunos matricu-lados nas redes de ensino da educação básica” (BRASIL, 2005). Cabe ao Sistema Único de Saúde (SUS) e às empresas que detêm conces-são ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, garan-tir a atenção integral à saúde dessas pessoas. Tudo isso deve ser feito “[...] na perspectiva da inclusão plena das pessoas surdas ou com de-ficiência auditiva em todas as esferas da vida social”, como consta no artigo 25 (BRASIL, 2005).

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267Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

Ao propor a inclusão plena, em todas as esferas da vida social das pessoas surdas, esse documento legal evidencia suas vincula-ções com o imperativo da inclusão, que é operado e acionado pela governamentalidade neoliberal. Esse sistema governamental age e é produzido no cruzamento das formas de condução das condutas de uns sobre os outros – governamento – e das ações do sujeito so-bre ele mesmo – subjetivação. Nesse cruzamento, a inclusão81 exerce uma função importante, uma vez que ela “[...] pode ser compreen-dida como uma peça na articulação que a governamentalidade co-loca em movimento entre o sujeito e a população” (VEIGA-NETO; LOPES, 2011, p. 9).

Por meio de ações a serem realizadas pelo campo da saúde, em ar-ticulação com o campo da educação, tendo em vista que se destinam prioritariamente aos alunos surdos matriculados nas redes de en-sino da educação básica, devem garantir a inclusão e o consequen-te governo dos surdos, em todas as esferas de suas vidas. Ou seja, a inclusão deve ser plena, não apenas no campo da educação ou da saúde, mas em todas as esferas sociais, uma vez que estar incluído plenamente em todos os aspectos da vida social é uma necessidade imperiosa em tempos neoliberais.

No texto do decreto são elencadas dez ações a serem realizadas pelo campo da saúde, as quais aparecem em forma de incisos do Ar-tigo 25. São ações estratégicas que visam a garantir a inclusão plena das pessoas surdas e com deficiência auditiva em todas as esferas da vida social. Tais ações incidem especificamente na saúde auditiva, e devem ser acompanhadas por médicos e fonoaudiólogos. São estra-tégias que vão desde a prevenção até o tratamento clínico, passando pela reabilitação, bem como pela seleção, adaptação e fornecimento de prótese auditiva ou aparelho de amplificação sonora, quando in-dicado. Essas ações devem estar integradas com a área da educação, especialmente quando se tratar do atendimento fonoaudiológico de crianças, adolescentes e jovens matriculados na educação básica.

Além disso, as ações previstas pelo decreto também atingem as famílias, que devem ser orientadas pelos profissionais da saúde so-bre as implicações da surdez e sobre a importância para a criança

81. Nesse trabalho, a palavra inclusão é utilizada a partir dos sentidos atribuídos por Lopes (2011, p. 7): “[...] inclusão pode ser entendida como um conjunto de prá-ticas que subjetivam os indivíduos a olharem para si e para o outro, fundadas em uma divisão platônica das relações; também pode ser entendida como uma con-dição de vida em luta pelo direito de se autorrepresentar, participar de espaços públicos, ser contabilizado e atingido pelas políticas de Estado. Ainda, inclusão pode ser entendida como conjunto de práticas sociais, culturais, educacionais, de saúde, entre outras, voltadas para a população que se quer disciplinar, acom-panhar e regulamentar.

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com perda auditiva ter, desde seu nascimento, acesso à Libras e à Língua Portuguesa. As estratégias perpassam também a formação e a capacitação dos profissionais da saúde quanto ao uso de Libras e à sua tradução e interpretação. Essa formação está garantida pelo próprio decreto, que, em relação aos fonoaudiólogos, insere nos currículos dos seus cursos de formação Libras como disciplina obri-gatória e, aos demais profissionais, a possibilidade de a terem como disciplina optativa. Todas essas estratégias explícitas no Artigo 25 são estratégias de governamento que fazem funcionar o imperativo da inclusão. Tais ações não são apenas destinadas às pessoas surdas ou com deficiência auditiva usuárias da Libras, mas também para aqueles surdos que não são usuários da língua, conforme disposto no parágrafo primeiro do referido artigo.

Em suma, o surdo precisa aprender a se comunicar na Língua Portuguesa, preferencialmente na modalidade escrita, mas tam-bém, se possível, na modalidade oral, para que se efetive a sua inclu-são plena. A Libras também é, a partir da Lei de Libras e do decreto, uma forma de comunicação reconhecida e válida que deve propiciar a inclusão dos surdos, especialmente na escola. Contudo, é a Língua Portuguesa que garante a inclusão em todos os âmbitos sociais. Qua-dros (2005, p. 14) argumenta que

As políticas linguísticas ainda mantêm uma hierarquia vertical entre o Português e as demais línguas no Brasil, apesar de algumas iniciativas no sentido de reconheci-mento das ‘diversidades’ linguísticas do país.

Nesse sentido, o decreto que regulamenta a Lei de Libras, que é a lei que reconhece a Libras como a língua dos surdos brasileiros, impõe a necessidade de o surdo ser bilíngue para ser incluído.

O trabalho que desenvolve o fonoaudiólogo na aquisição da língua portuguesa é fundamental, em articulação com as ações desenvolvidas no campo da educação. Por isso ele precisa, obrigato-riamente, ter em seu currículo de formação, pelo menos uma disci-plina de Libras.

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COSTA, M. V. Pesquisa-ação, pesquisa participante e política cultural da iden-

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269Saberes e práticas pedagógicas na educação superior: desafios contemporâneos

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PARTE III

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Relações entre currículo e a prática pedagógica na educação superior

daniele amaral fonseca82

daniel da silva silveira83

débora pereira laurino84

Nos últimos anos a sociedade passa por momentos de transforma-ções que revolucionam os processos de organização do planejamen-to e desenvolvimento das atividades, devido à recorrente utilização de tecnologias digitais que visam ao acesso rápido a todo tipo de in-formação e está presente em diferentes ações de nosso cotidiano. O mesmo não é diferente no contexto educativo, na escola ou na Uni-versidade, uma vez que os estudantes de todos os níveis de ensino praticam alguma atividade com as tecnologias no seu dia a dia, fa-zendo parte de seu lazer, na sua forma de agir e compreender o mun-do engendrado a sua cultura.

Porém as possibilidades de experenciar e explorar situações atra-vés do uso das tecnologias digitais em sala de aula ainda são poucos vivenciados no contexto escolar com finalidade pedagógica, uma vez que os professores estão adentrando nessa nova cultura repen-sando sua prática docente considerando o uso desses artefatos.

Para Maturana (2014), ao operarmos as tecnologias digitais nos constituímos enquanto sujeitos de nossas ações, e nos provocamos a refletir sobre nossas vivências, ressignificando nossa prática peda-gógica de forma a potencializar mudanças no processo de ensinar e de aprender, o que pode também impulsionar na transformação do currículo.

Nessa mesma perspectiva compreendemos o currículo na visão de Silva (2015), como uma construção de saberes, a partir de uma vi-são de mundo, de nós e de outros que estão ao nosso redor, de como agimos, refletimos e compreendemos o processo educativo, que contribuem para a construção de nossas experiências, as quais nos constituem como professores.

82. Universidade Federal do Rio Grande.

83. Universidade Federal do Rio Grande.

84. Universidade Federal do Rio Grande.

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Sendo assim, este trabalho tem como objetivo discutir as relações entre o currículo e uso das tecnologias digitais na prática pedagógi-ca de Matemática no Ensino Superior, por acreditar que é através do conversar e do refletir que podemos modificar a forma como conce-bemos e operamos os artefatos digitais na ação educativa.

Durante o estudo apresentamos a teoria que baliza as escolhas pelo tema de estudo, organização das atividades a partir das metodo-logias ativas de ensino. Ao tecermos algumas considerações finais, observamos que a experiência possibilitou momentos de reflexões sobre as diferentes metodologias educativas, aliadas ao uso de tec-nologias digitais. E, ainda que o uso dos recursos digitais potenciali-ze a compreensão dos conceitos pela praticidade, desenvolvimento da autonomia, os mesmos não substituem o professor.

Contexto teóricoNos dias atuais, com a presença dos estudantes nativos digitais (PRENSKY, 2001) o computador e os smartphones são vistos como ferramentas necessárias em sala de aula, principalmente no ensino de Matemática, e saber operá-los de forma recorrente na prática do-cente ainda é um desafio para os professores. Assim, nos sentimos provocados a buscar reflexões e discussões que visem nossa forma-ção e a formação de outros profissionais, cientes dos múltiplos do-mínios de realidades diferentes.

Kenski (2003) enfatiza que a aprendizagem não está centrada ape-nas no domínio de conteúdos, mas também na complexidade que ela determina os valores, as ações e a visão de mundo de cada sujei-to que vive em sociedade. Maturana (2001) corrobora ao afirmar que o conhecimento não é construído pelo processamento de informa-ções oriundas de um mundo anterior à experiência do observador, mas no momento que estamos interagindo no mundo, o observador faz surgir um mundo em sua própria ação de distinção. Ainda, se-gundo o autor (2001), o sujeito produz conhecimentos na interação com o outro e com o meio em vive. Nessa perspectiva, não temos como pensar no ensinar e no aprender sem refletir sobre o impac-to das tecnologias digitais, que transpassam no cotidiano das pes-soas, logo, na educação não seria diferente. No entanto, é relevante pesquisarmos e discutirmos com nossos pares sobre o potencial das mesmas ao aprendizado, uma vez que não basta usufruirmos sem fim pedagógico.

O uso inadequado das tecnologias nas escolas compromete o ensino, para tanto o professor precisa compreender como utilizar a mesma, bem como as melhores formas para sua utilização (KE-

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NSKI, 2003). No campo da Matemática, especificamente, observa-mos o dinamismo em operar as tecnologias digitais, assim como fica evidente as diferentes maneiras em que os estudantes utilizam a tec-nologia.

Sendo assim, os cursos de formação de Matemática na era digi-tal (PRENSKY, 2001) devem priorizar atividades que possibilitem através do experienciar com o uso das tecnologias digitais, situações em que os conceitos matemáticos auxiliem na solução de problemas cotidianos. Situações que ainda são poucos explorados nos espaços educativos.

Para Cunha (2005), toda a construção do conhecimento sobre si supõe a construção de relações tanto consigo quanto com o outro.

Lévy (1999, p. 17) define cultura digital como um “conjunto de técnicas, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de va-lores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do cibe-respaço”. Sendo assim, percebemos que os professores ao rever sua prática e ao evidenciarem a importância da inserção do uso da tec-nologia digital através de softwares livres específicos para o ensino da Matemática possibilitará a busca de maneiras ao relacionar o en-sinar como o cotidiano do estudante, bem como seu modo de pensar e agir em sociedade. Moraes (2012) destaca que as tecnologias digi-tais são ferramentas que influenciam na nossa cultura alterando as formas de atuarmos em sociedade, isso ocorre pelas profundas mu-danças na compreensão de formalização do conhecimento.

As inovações e as modificações que ocorrem a todo instante na tecnologia causam impactos tanto no comportamento humano quanto na aprendizagem dos estudantes, uma vez que nós, seres hu-manos, agimos culturalmente mediados por tecnologias presentes neste momento. Assim, “toda aprendizagem, em todos os tempos é mediada pelas tecnologias disponíveis” (KENSKI, 2003, p. 3).

A presença dos nativos digitais nos espaços escolares se contra-pondo com a maioria dos professores imigrantes digitais aponta a necessidade de que professores e estudantes mudem suas posturas a fim de reverter o ensino centrado em procedimentos mecaniza-dos desprovidos de significados para o estudante. Nesse sentido, os professores devem fazer relações entre a teoria e a prática, tornado a sala de aula espaço de interação e troca de saberes, onde através das dinâmicas, atividades coletivas e/ou individuais proporcionem os estudantes momentos de expor seus conhecimentos sobre o tema abordado, assim como assimilar novos conhecimentos.

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Processo metodológicoPesquisas em educação, principalmente em Educação Matemática (BICUDO, 1999; D’AMBRÓSIO, 2009), crescem constantemente, o que contribui para o conhecimento dos processos de ensino e apren-dizagem que envolve a construção de significados e conceitos. Esses estudos refletem nos espaços escolares, no sentido de promover re-formulações curriculares e reflexões sobre o fazer pedagógico. Tais reformulações exigem que tanto o professor quanto o estudante mudem suas posturas em sala de aula de maneira que modifiquem o modo de pensar, de agir, de sentir e até mesmo de relações entre as pessoas, ou seja, não é por estar utilizando-se da tecnologia digi-tal para a comunicação e informação que as relações humanas dei-xam de existir. O uso das tecnologias digitais nas aulas torna-se um ponto de partida importante para a educação, considerando que, se-gundo Levy (1999), as novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas através do mundo da informática.

Pensando nisso, iniciamos a descrever nosso procedimento me-todológico que se deu a partir da implicação como observadores de uma prática pedagógica, a qual era propor atividades que consistiam na construção, estudo e análise de gráficos de funções no software GeoGebra, realizada em uma turma de Bacharelado em Matemáti-ca Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, no pri-meiro semestre de 2018. A turma era constituída por 69 estudantes, a maioria calouros ingressantes pelo SISU (Sistema de Seleção Uni-ficada) na Universidade.

A respeito da prática pedagógica realizada, iniciamos pela abor-dagem do conteúdo de função com exemplos discutindo conceitos sobre domínio, imagem, pontos de intersecção, raízes, pontos de mínimo e máximo. Na plataforma Moodle, eram propostas ativida-des complementares e de construção dos gráficos de funções utili-zando o software GeoGebra, bem como solicitávamos uma análise da representação gráfica gerada pela ferramenta tecnológica. Após a postagem das atividades pelos estudantes, nós analisávamos cada material enviado e, se necessário, levávamos para sala de aula os er-ros e dúvidas recorrentes sobre os conteúdos conceituais e procedi-mentais.

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Figura 1. Atividade realizada por um dos estudantes

Fonte: Autores (2018)

ResultadosEssa dinâmica nos oportunizou momentos de troca de saberes sobre diferentes formas de ensinar, aprender e discutir Matemática. Pro-por atividades, em sala de aula, que explore a tecnologia digital para analisar situações conceituais da Matemática, é uma forma de opor-tunizar aos estudantes experiências mais dinâmicas e interativas no processo de aprender e na forma de agir em sociedade. Para Silveira (2017), o uso das tecnologias digitais não deve ser apenas como meio de executar tarefas, mas como um mecanismo que potencializa a construção do conhecimento que prepare o estudante para enfren-tar as constantes intervenções da vida, principalmente no que se re-fere à presença e à implementação das tecnologias em nosso fazer social, cultural e educacional.

A cada atividade proposta e realizada pelos estudantes, fizemos um exercício de refletir sobre nossa prática pedagógica a fim de evi-denciar a importância do uso das tecnologias digitais nas discipli-nas dos cursos de graduação, uma vez que somos influenciados a todo instante por uma cultura digital. Para Lemos e Lévy (2010), a cultura digital é uma forma sociocultural que possibilita a mudança nos hábitos sociais, nas práticas de consumo, de produção cultural

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e nas ações pedagógicas, o que potencializa novas relações de traba-lho e de lazer, outras configurações na sociabilidade e na comunica-ção social pelo operar das tecnologias digitais.

Para Kenski (2003), a aprendizagem não está direcionada apenas ao domínio de conteúdos, mas na complexidade que ela determina os valores, as ações e a visão de mundo de cada pessoa que vive em sociedade. Especificamente no ensino de Matemática, observamos a versatilidade e o dinamismo potencializado pela tecnologia digital quando evidenciamos diferentes maneiras com as quais os estudan-tes a utilizaram na construção e análise dos gráficos.

As tecnologias digitais, portanto, são ferramentas que auxiliam o professor de Matemática na proposição da prática pedagógica e podem estimular seus estudantes na produção de saberes e na aná-lise das informações. Cabe ressaltar que ao fazermos uso desses re-cursos digitais em sala de aula podemos facilitar a compreensão de determinados conceitos matemáticos, que antes eram extremamen-te estáticos e, com a tecnologia, se tornam dinâmicos e interativos. Mas, no entanto, nós, como professores, ao fazermos uso das tec-nologias digitais, carecemos estar familiarizado com a ferramenta para poder propor atividades que sejam relevantes ao estudante e que possam contribuir para o seu aprender.

A tecnologia digital assume cada vez mais um papel fundamental na construção, geração e disseminação do conhecimento, ultrapas-sando a perspectiva de tecnologia voltada para o uso apenas como mais um recurso. No entanto, a forma como ensinamos deve ser co-erente com a realidade em que o estudante está inserido. Assim en-tendemos que o uso de softwares em aulas de Matemática possibilita a liberdade de ação e interação desafiando os estudantes a buscar di-ferentes formas de realizar as tarefas. Tecemos a partir de agora al-gumas considerações finais.

ConclusãoVivemos em um tempo onde estudantes possuem uma afinidade considerável com as ferramentas digitais. Logo, como docentes, po-demos nos utilizar desse fato para atualizarmos as propostas peda-gógicas. O estudante carece de metodologias de ensino ativas, para se sentir parte da construção de seu conhecimento, ao perceber que suas ideias e vivências são importantes e úteis para chegar ao propó-sito.

Este estudo revelou que, ao incluirmos nos currículos das dis-ciplinas dos cursos de graduação a proposição de atividades que explorem a potencialidade do sujeito, o uso da tecnologia digital po-

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derá auxiliar na sua compreensão conceitual, bem como ajudar na contribuição para os processos de interação entre professores e es-tudantes, mobilizando-os a refletir sobre o aprender, assim como serem sujeitos participativos dessa ação. Especificamente, do pon-to de vista da construção do conhecimento matemático, as tecnolo-gias digitais podem gerar a realização de diferentes representações a partir de processos dinâmicos que simulam situações reais ou hi-potéticas, que conduzem à reflexão e à análise de conceitos, proce-dimentos e atitudes.

Ao longo do desenvolvimento da prática pedagógica, ficou evi-dente no comportamento dos estudantes o desafio de encarar uma nova realidade de sala de aula com o uso de tecnologias digitais. Acreditamos que isso ocorreu pelo fato dos estudantes ainda faze-rem parte de uma cultura de ensino concebida no fazer do professor, e que na maioria das vezes não considera os saberes dos estudantes, bem como não é proposta alguma atividade que o centre no proces-so de construção do conhecimento. Para além, afirmamos que a ex-periência na atividade com o uso de recursos tecnológicos digitais na educação possibilitou momentos de reflexões sobre as diferentes metodologias educativas, aliadas aos softwares, o que potencializa a compreensão dos conceitos pela praticidade, desenvolvimento da autonomia e interação, o que não substitui o professor.

Destarte, podemos concluir, com este estudo, que ao experien-ciar e ao operar as tecnologias digitais nos constituímos enquanto sujeitos de nossas ações, nos provocamos a refletir a partir de nossas vivências a repensar a prática pedagógica, alterando a dinâmica da sala de aula, por meio da ação cooperativa e do uso de tecnologias di-gitais articuladas aos processos de ensinar e de aprender.

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A influência de Paulo Freire em contexto internacional: análise de uma metodologia participativa na Espanha

rodrigo weber da fontoura85

A democracia que, antes de ser forma política é forma de vida, se caracteriza sobretudo por forte dose de transi-tividade de consciência [...] Transitividade que não nas-ce e nem se desenvolve a não ser dentro de certas condi-ções em que o homem seja lançado ao debate, ao exame de seus problemas e dos seus problemas comuns. Em que o homem participe (FREIRE, 2008, p. 88).

IntroduçãoEste texto apresenta uma síntese das análises desenvolvidas ao lon-go de 2018, a respeito da relação entre a pedagogia freireana e a meto-dologia adotada pelo Orkestra – Instituto Basco de Competitividade, localizado em Deusto. O tema é um recorte do projeto de pesquisa Políticas de Participação Popular e Mediações Pedagógicas, coordenado pelo professor Danilo Romeu Streck, e está articulado com o Centro de Estudos Internacionais em Educação (CEIE) da Unisinos, que obje-tiva criar condições para o desenvolvimento de estudos comparados e internacionais na educação. Dentre os interesses do referido pro-jeto, destaca-se, para fins desta análise, o estudo sobre as influências de Paulo Freire em nível internacional (em políticas públicas, em ambientes escolares e não escolares, em instituições privadas, em universidades do exterior, entre outros), com ênfase nas reinterpre-tações do legado freireano nos múltiplos contextos e diante das di-versidades que a realidade implica atualmente.

O presente artigo analisa, portanto, uma metodologia de pes-quisa participativa, nomeada de Pesquisa Ação para o Desenvolvi-mento Territorial (PADT), utilizada pelo Orkestra Instituto Basco de Competitividade, que é vinculado à Universidade de Deusto, na Es-panha. Em 2010 esse instituto passa a ter contato com obras de Pau-

85. Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

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lo Freire, durante a mesma época em que havia um debate entre os pesquisadores do Orkestra, que apontava para aspectos limitantes na relação entre teoria e prática no campo do desenvolvimento ter-ritorial (LARREA, 2018).

Refletindo sobre suas autocríticas, articuladas às considerações de Freire, o grupo passa por uma reforma metodológica nesse perío-do. Há, portanto, uma singular reinterpretação da obra freireana na proposta desenvolvida pelo Orkestra. Reinterpretação esta que ade-re ao campo de atuação específico do instituto. O interesse é perce-ber de que modo a PADT e a obra de Paulo Freire se relacionam e que transformações repercutem a partir dessa aproximação teórico-me-todológica. O educador foi fundamental para repensar o contexto e amplitude da participação dentro do desenvolvimento territorial, bem como enriquecer a metodologia com diversos conceitos.

Para melhor compreender essa influência o texto é organizado em 5 momentos. Primeiramente o objetivo é explicar e contextua-lizar o que é o Orkestra, bem como seus modos de atuação para o desenvolvimento territorial. Após, será aprofundada a análise da participação democrática na PADT, bem como algumas aproxima-ções com o pensamento freireano. A terceira parte tratará dos ato-res territoriais e seus processos de mediação. Seguido disso, haverá a reflexão sobre as problemáticas do território e do desenvolvimen-to, articulados às considerações de Freire. Por fim, o último tópico aponta que o educador auxiliou o instituto a refletir sobre a recons-tituição da sua metodologia e, por consequência, sua práxis, o que possibilitou práticas mais horizontais de participação para o desen-volvimento territorial.

Orkestra e padtO Orkestra Instituto Basco de Competitividade existe desde 2007 e está situado no município de Bilbau, capital do país Basco, provín-cia autônoma ao extremo norte da Espanha. O Instituto tem como interesse impulsionar transformações territoriais através de pes-quisas e consultorias que envolvam, sobretudo, projetos de parce-ria público-privada entre pequenas e médias empresas, junto com os governos da região. Também busca contribuir com a produção de material acadêmico que tenha relação com o desenvolvimento e a transformação territorial. Muitos desses materiais são resultados da reflexão e dos dados obtidos nas consultorias e intervenções que

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o Instituto realiza com empresas, governos e sociedade civil.86

Em uma das diversas frentes de atuação do Orkestra está situado o objeto de estudo analisado neste texto. A PADT pode ser compre-endida tanto como uma tática interventiva no campo de ação para o desenvolvimento territorial quanto uma metodologia de pesqui-sa participante com viés acadêmico. Busca refletir coletivamente com os diversos atores que compõem determinado território, sobre alternativas que deem conta das múltiplas demandas e alteridades que emergem quando se busca o desenvolvimento territorial (LAR-REA, 2018).

Nesse processo, ao mesmo tempo investigativo e interventivo, muitas estruturas hierárquicas são questionadas e novos arranjos organizativos são propostos para que novos espaços de diálogo se-jam possíveis. Segundo Costamagna e Larrea (2017), a PADT é uma “[...] estratégia que permite desenvolver processos de mudança ba-seados no diálogo entre atores territoriais” (p. 23-24).

Participação, dialoguicidade e democratizaçãoConforme é possível averiguar no livro Atores facilitadores do desen-volvimento territorial: Uma aproximação a partir da construção social, de Costamagna e Larrea (2017), em 2010, o instituto Orkestra atra-vessou um período de guinada para novos modelos epistemológicos que viessem a colaborar com as ações para o desenvolvimento terri-torial. Naquele momento, havia certa insatisfação acerca dos pro-cessos adimplidos até então. Refletindo sobre suas estratégias para o desenvolvimento territorial, em diálogo com o pensamento de Pau-lo Freire, os membros perceberam que era necessário democratizar o processo com os demais atores do território para além dos cargos de chefia, políticos, de execução e especialistas vinculados ao Insti-tuto. No livro, os pesquisadores apontam que os “atores territoriais são todos aqueles que, em um território, refletem, decidem e agem” (p. 71). São, assim, sujeitos políticos, cujos problemas são justamen-te os problemas do território onde existem e se inter-relacionam.

Por isso o intento da participação significou mediar esses ato-res que não se encontravam nos cargos e espaços de deliberação e escolha institucional, através da dialogicidade crítica emergente. Por um lado, isso significou trabalhar “[...] a partir da experiência dos participantes” (p. 59) que não mais ocupavam, somente, cargos de chefia, e, por outro, buscou deixar “[...] para trás os conceitos de

86. Essas informações encontram-se disponíveis no site do Orkestra Instituto Basco de Competitividade. Disponível em: https://www.orkestra.deusto.es/es. Acesso em: 05 de dez. de 2018.

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competitividade e capital social” (p. 65) que vinham de uma lógica bancária e engessada, criticada duramente pelos próprios especia-listas do Instituto. Segundo os autores, “a solução não vem exclusi-vamente do conhecimento especializado, senão é preciso integrar este conhecimento em processos de construção social [...] é preciso construí-la de dentro para fora” (p. 53).

Desde já é possível traçar algumas linhas convergentes entre a perspectiva pedagógica de Paulo Freire e a metodologia participati-va do Orkestra, ressaltando a autocrítica que o Instituto faz sobre sua própria atuação. A percepção de que os especialismos eram prejudi-ciais ao desenvolvimento territorial, por serem prescritivos e terem pouco contato com os variados problemas e demandas do território, se vincula com a crítica à lógica bancária da perspectiva freireana. Ao explicitarem que conceitos como “competitividade” e “capital humano” tiveram que se remodelar à nova metodologia, pois eram engessados a partir de uma visão restrita, o posicionamento insti-tucional do Orkestra endossa a consideração de Freire (2008) que afirma que “o que importa, realmente, ao ajudar-se o homem é aju-dá-lo a ajudar-se [...] fazê-lo agente de sua própria recuperação [...] pô-lo numa postura conscientemente crítica diante de seus proble-mas” (p. 66). Ou seja, passa a haver um movimento de aproximação dialógica entre as diversas realidades dos atores, onde o pesquisador assume um papel de mediador, em detrimento de uma prática não crítica que inviabiliza o diálogo.

Desse modo, o diálogo passa a ser uma das ferramentas funda-mentais para o desenvolvimento territorial através da PADT. É a me-diação dos conflitos emergentes no cenário dos atores que possibilita que o território desenvolva. Para isso os espaços de diálogo devem ser estimulados, de modo que se estabeleça uma linguagem comum entre os atores, onde esses aprendam uns com os outros sobre a com-plexidade dos problemas do território. É assim que se torna possível pensar qual é o desenvolvimento que se deseja e que ações são possí-veis para realizá-lo. Nesse sentido Costamagna e Larrea (2017) apon-tam que:

É através do diálogo, de como vai sendo gerada a aprendi-zagem, que permite a construção de visões compartilha-das para a ação. A inclusão do poder e da cultura no diá-logo permite, além disso, que este seja, ao mesmo tempo em que é um processo de aprendizagem, também um processo de negociação e colaboração (p. 47).

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É possível perceber que este movimento metodológico integra de maneira mais ampla as pluralidades de atores que constituem o es-paço territorial. Por isso é preciso considerar que há a intenção de democratização dos espaços deliberativos da PADT e, sobreposto a isso, a possibilidade de estender o caráter participativo. Se, por um lado, o interesse do grupo é sobre desenvolver o território, por ou-tro lado aponta para o estabelecimento de um paradigma dialógi-co, onde gestores e representantes políticos passam a perceber que as escolhas acerca do território só podem se dar através da partici-pação dos múltiplos atores. Essa é uma das razões pela qual a PADT se caracteriza por possuir um foco pedagógico (COSTAMAGNA & LARREA, 2017), onde há o “reconhecimento de que existem diferen-tes tipos de conhecimento e nenhum é superior ao outro” (p. 32).

Assim, Costamagna e Larrea afirmam a dinâmica do diálogo como ferramenta pedagógica para impulsionar o desenvolvimento territorial, de modo que o diálogo gere ações práticas no território. Essas ações geram efeitos que serão debatidos criticamente pelos atores participantes da PADT para, assim, gerar novas ações. Esse processo é similar ao conceito freireano de ação-reflexão, processo dialético crítico que se dá na práxis. Segundo Kronbauer (2016), esse conceito corresponde ao “saber que realimenta criticamente o fa-zer, cujo resultado incide novamente sobre o saber e, assim, ambos se refazem continuamente” (p. 23). De forma análoga, ambos os pro-cessos pressupõem caráter participativo da multiplicidade de atores para pensar e agir crítica e conjuntamente sobre suas vidas. É nesse sentido que se implica o aspecto democrático da PADT cujo supor-te e os atravessamentos podem ser percebidos nos conceitos freire-anos.

Atores, pesquisadores e neutralidadeEntre os atores que o Orkestra traz ao centro de suas análises e ações, é factível indicar que se integram: as instituições públicas e priva-das, não só enquanto instituições, mas também enquanto composi-ção de múltiplas pessoas, com distintas funções e percepções sobre a instituição; a população civil, com seu caráter independente, nor-malmente sem vínculo institucional, mas com interesses explícitos sobre o desenvolvimento territorial; os movimentos sociais, poden-do ser associações de bairro, sindicatos ou quaisquer modelos de or-ganização da sociedade civil; os representantes políticos (LARREA, 2018).

Outro aspecto que se destaca é o constante olhar crítico que os membros do Instituto buscam manter para perceber quais atores

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que compõem o território e estão sendo silenciados e excluídos do processo, partindo do pressuposto da impossibilidade de uma par-ticipação totalmente democrática no contexto do desenvolvimen-to territorial. Além disso, leva em conta a implicação dos próprios pesquisadores no processo de investigação e transformação dos ter-ritórios, o que lhes distancia da função de meros especialistas exe-cutores de metodologias preestabelecidas. No contexto da PADT são justamente os dados empíricos, emergentes da dinâmica que se constrói em cada espaço, que viabilizam a produção dos substratos da transformação territorial (COSTAMAGNA & LARREA, 2017).

Ao pesquisador interessa o papel de facilitar o processo de diálo-go e aprendizado mútuo entre os diversos membros e componentes de determinada intervenção, além de buscar estabelecer equidade quanto aos diferentes atores, posto o fato das hierarquizações de cargos, setores e instituições que, muitas vezes, deixam alheios ao debate e às deliberações os diversos sujeitos que vivem no território que se busca transformar. O que indica, portanto, a preocupação em traçar um equilíbrio entre as alteridades polissêmicas dos diversos atores e as decisões pragmáticas que o coletivo tomará para executar um desenvolvimento territorial.

É interessante fazer uma aproximação entre os pesquisadores do Orkestra em sua metodologia participativa e a concepção do papel do educador em Freire, pois o autor compreende que “há uma plu-ralidade nas relações do homem com o mundo, na medida em que responde à ampla variedade dos seus desafios. Em que não se esgota um tipo padronizado de resposta” (FREIRE, 2008, p. 47). Para ele, o papel do educador é ser capaz de mediar essas pluralidades e auxi-liar a pensar criticamente sobre as relações que esses sujeitos esta-belecem com o mundo, visando a construir coletivamente o próprio espaço de existência. Os pesquisadores do Orkestra são, de modo si-milar, chamados de facilitadores territoriais. Seu interesse é articu-lar as distintas pluralidades de atores que se relacionam de modos diversos com o mundo para que, em conjunto, sejam capazes que in-cidir transformações territoriais (COSTAMAGNA & LARREA, 2017). Cabe, assim, considerar que existem inter-relações verossímeis en-tre o educador em Freire e o facilitador territorial da PADT.

Além disso, Costamagna e Larrea (2017) explicitam a influência de Paulo Freire na concepção do facilitador territorial, no que tange à questão da neutralidade,pois a percepção vigente, antes desta vi-rada metodológica, quando os pesquisadores se reduziam aos seus especialismos ao invés de serem mediadores dialógicos, era a de que os saberes acadêmicos carregavam consigo a neutralidade. Isso re-percutia no próprio posicionamento dos pesquisadores durante as

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ações com os atores territoriais. Larrea (2018) informa que os pes-quisadores se sentiam desconfortáveis com esse fato, pois notavam que eram parte ativa do território, implicados e, muitas vezes, resi-dentes e interessados diretos, do ponto de vista pessoal, nos assun-tos debatidos. Assim, Costamagna e Larrea (2017) destacam que uma das influências de Freire “é a assunção da impossibilidade da neutra-lidade do pesquisador” que acarreta “integrar uma figura do pesqui-sador que é também ator do território e tem uma visão da sociedade que quer construir, que não pode deixar quando pesquisa” (p. 33). Passa a compreender o pesquisador como um sujeito integral, como gente que age e participa, ao invés de um sujeito fragmentado e im-parcial frente aos problemas e soluções territoriais.

Território e desenvolvimentoÉ preciso citar Larrea (2018) ao explicar que, para o Instituto Orkes-tra, o conceito de territorio se define como “[...] os actores que viven en un lugar con su organización social, económica y política, su cul-tura e instituciones además su entorno físico” (p. 180). Se percebe que esse conceito aparece de maneira aberta e consegue abarcar múl-tiplas possibilidades de território, sem dimensioná-las totalmente. Essa definição não se reduz aos espaços físicos que circundam bu-rocrática e institucionalmente fronteiras de regiões. Compreende, ao contrário, que o território possui uma dinâmica própria, com ar-ranjos particularmente seus e, sobretudo, de maneira relacional. Esse fato se destaca já no início da citação que conceitua território: “os actores que viven em un lugar”. Ou seja, o território é, antes de tudo, pessoas, instituições, organizações que existem no território. É, desse modo, o conjunto de atores que dá os moldes ao território onde vivem. É saliente a centralidade dos atores que, a partir de uma realidade que se constitui singular, produzem o próprio espaço onde vivem. Tal fato vai ao encontro das considerações acerca das trans-formações territoriais, pois reitera que o território depende de um conjunto amplo de ações que estão espalhadas pelos mais diversos atores, ao invés de limitadas às ações centralizadas, sobretudo insti-tucionais, porque se o território é entendido como os atores, logo a transformação do território é a transformação e articulação desses atores.

É interessante relacionar esse conceito com a ideia de sociedades em trânsito, de Paulo Freire (2008). Para o autor, a falta de espaço de diálogo e a desarticulação da participação popular caracterizam uma sociedade fechada e pouco democrática. As sociedades em trânsito conseguem dar vazão à sua dinâmica através da ampla par-

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ticipação popular nas deliberações políticas, dialogicamente pro-gredindo e se emancipando. Desse modo, parecem necessárias as condições de trânsito social para consolidar uma democracia parti-cipativa, o que implica, dentro do contexto da PADT, possibilitar um trânsito dos atores, sobretudo com suas reflexões e ações, em con-junto e invidualmente. A articulação entre essas duas perspectivas aponta para uma metodologia cuja constituição implica em um pro-tagonismo social desalienante, onde os atores se tornam capazes de compreender que são parte do território, não apenas vivem-no.

Nesse sentido, convém abordar os tópicos de uma webconferên-cia concedida por Miren Larrea87 ao CEIE da Unisinos no dia 17 de outubro de 2018. A pesquisadora aponta que, no contexto das me-todologias participativas, o Orkestra compreende que o território é uma composição de sujeitos coletivos que querem definir seu pró-prio futuro. Aponta, também, que o foco pedagógico da PADT com-preende que o território, enquanto sujeitos, pode ser transformado a partir dos diálogos dos atores territoriais, num processo em que se espalha a reflexão e a ação pelos diversos atores singulares, com o interesse de fomentar a percepção da existência das multiplicidades de ideias que esses atores possuem entre eles.

Assim, a perspectiva de desenvolvimento se estabelece na me-dida em que as próprias noções singulares de desenvolvimento vão sendo colocadas no espaço do diálogo reflexivo e em ações. As diver-sas visões de mundo, os anseios individuais ou institucionais acer-ca do desenvolvimento do território, vão sendo trazidos ao centro do diálogo, demonstrando aos atores a miríade que existe de pers-pectivas sobre o desenvolvimento territorial. Como a constituição do conhecimento e das deliberações se dão através de uma lingua-gem comum que se estabelece entre os atores da PADT, o aspecto do desenvolvimento pode ser reconfigurado diversas vezes pelo grupo.

Costamagna e Larrea (2017) afirmam que “o conceito de desenvol-vimento deve ser multidimensional e dinâmico” (p. 25). Além disso, os autores acrescentam que a perspectiva de desenvolvimento que é adotada em certa localidade, acarreta transformações permanentes no território,o que conduz dizer que os aspectos relevantes para o desenvolvimento territorial não podem se reduzir ao espectro eco-nômico, produtivo ou político, senão às questões e fatores que sur-gem da multiplicidade de perspectivas dos atores territoriais. Por isso Costamagna e Larrea (2017) narram que “a realidade social pos-sui diferentes motores de tração e funciona a partir de lógicas dife-

87. A citação do conteúdo desta conferência foi informada e autorizada por Mi-ren Larrea.

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rentes que podem se complementar e, ao mesmo tempo, estar em permanente conflito” (p. 35).

A mediação dessas diferenças e semelhanças, através da práxis, possibilita que, do conjunto de diversas perspectivas, se constituam aspectos coletivos para o desenvolvimento territorial. Como explica Larrea (2018), ao dizer que uma definição possível para o proceso de desenvolvimento territorial pode ser a de “procesos de movilizaci-ón y participación de los actores (públicos y privados) en los que dis-cuten y acuerdan estrategias que pueden guiar el comportamiento tanto individual como colectivo” (p. 180).

Por isso é necessário observar que o pensamento de Paulo Freire veio a contribuir para a elaboração do conceito de desenvolvimento territorial, ao explicitar um foco pedagógico com caráter emancipa-tório, onde a participação dos debates democráticos implica trans-formações do território, bem como dos atores territoriais, pois, conforme o próprio educador, só através das mudanças das pessoas que é executável esperar as mudanças do mundo.

ConclusãoO Orkestra atua e tem pensado sua atuação, através da PADT, com reflexões teórico-metodológicas ricas, que não podem ser reduzidas aos conceitos abordados neste artigo. Os conceitos apresentados são explicitados apenas como alguns dos exemplos da PADT. As apro-ximações com Paulo Freire não acabam aí. Mesmo assim é explíci-to que a PADT é uma prática pedagógica emancipatória capaz de se constituir a partir do legado de Freire. Se destaca a maneira pouco usual com que a pedagogia freireana é abordada frente aos proces-sos de desenvolvimento territorial.

Ajudando a pensar metodologias libertadoras, Paulo Freire cola-bora para a internacionalização do pensamento latino-americano e, além disso, para a elaboração de processos emancipatórios e de ci-dadania. Como no caso do Orkestra, em que apura a criticidade so-bre as implicações dos jogos de poder do território que incidem na pesquisa. Através do educador, o Orkestra foi capaz de pensar um desenvolvimento territorial baseado em uma educação problemati-zadora, com o intuito da emancipação dos atores que constituem o território.

Freire também foi fundamental para perceber as implicações po-líticas que os pesquisadores possuem, aspecto decisivo para pensar uma metodologia que não implicasse objetivos apriorísticos, mas a constituição de uma noção de desenvolvimento territorial a partir das realidades dos atores, em diálogos plurais, de modo que a PADT

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potencializa modificações coletivas de paradigmas que constituem determinada realidade, que repercutem processos de transforma-ção de longo prazo, atravessados por uma lógica da participação crítica e reflexiva na vida política dos atores territoriais, reorgani-zando os espaços de colaboração e articulação política.

ReferênciasCOSTAMAGNA, P; LARREA, M. Atores facilitadores do desenvolvimento territorial: Uma aproximação a partir da construção social. Orkestra – Instituto Vasco de Competitividade Fundação Deusto, 2017.

FREIRE, P. Educação como Prática da Liberdade. Paz e Terra. Rio de Janeiro, ed. 31, 2008.

KRONBAUER, L. Ação-reflexão. In: REDIN, E; STRECK, D; ZITKOSKI, J. Dicionário Paulo Freire. 3. ed, Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.

LARREA, M. Paulo Freire en la Investigación Acción para el Desarrollo Territorial: Una Reflexión Desde la Práctica En El País Vasco - Reflexão e Ação. Santa Cruz do Sul, v. 26, n. 1, p. 179-196, 2018. DOI: 10.17058/rea. v26i1.11773.

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Sobre as organizadoras

Gabriela Machado Ribeiro

É Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Do-cente da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universi-dade Federal de Uberlândia. Integra o Grupo de Investigação em Pedagogia Universitária - GIPEDU (UFPel/CNPq) e o Observatório de Políticas Públicas (UFU/CNPq).

Email: [email protected] Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3143-1335

Eleonora Campos da Motta Santos

É Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia. Professora permanente no PPG em Artes Visuais e do Centro de Artes, ambos da Universidade Federal de Pelotas. Na graduação, atua no Curso de Dança - Licenciatura. Integra o Grupo de Pesquisa OMEGA - Observatório de Memória, Educação, Gesto e Arte (UFPel/CNPq). É bailarina e mãe.

E-mail: [email protected] Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5129-8017

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