SacerdoteS 25

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A Sacerdotisa do Tempo

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Capítulo 25 – A Sacerdotisa do Tempo

Certo dia Mirundil, o atual Guardião do Tempo naquela época, resol-veu ceder às tentações de Mon. Mirundil sempre foi respeitado por todos, mas ninguém desconfiava da sombra que se instalava lenta-mente em seu coração. Aquela foi uma das várias tentativas de Mon para conseguir se libertar do Exílio, e quase funcionou. Essa última tentativa foi há quinze anos. Mon tentou se apossar da espada Kentairen, um perigoso artefato ca-paz de assassinar almas. Com essa espada Mon acreditava que teria poder o bastante para se libertar do Exílio, onde foi aprisionado pelos durante a Guerra Elementar. Ele enxergou a sombra que havia no co-ração de Mirundil e percebeu que ele era o aliado perfeito, aquele que, enfim, conseguiria livrá-lo de sua prisão. Sob os desejos de Mon, Mirundil planejou tudo. Mandou os Generais e Guerreiros do Tempo mais poderosos para falsas missões nos lugares mais longínquos de Gardwen. Fez o que pôde para deixar os Domínios do Tempo o mais vazio possível, com sua proteção limitada. Feito is-so, o exército de kenrauers de Mon marchou para os Domínios do Tempo, para onde Mirundil os levaria. Lá os kenrauers roubariam uma esfera do Tempo e com ela descobririam onde estava escondida a espada Kentairen. Mas o plano do Guardião do Tempo não funcio-nou, pois ele não contava com a intervenção do Mago do Tempo Mor-ton. Morton percebeu o que estava acontecendo e agiu em segredo, sempre contando com a ajuda do seu eterno amigo, o Mestre da Alma Nai-Kalimuns. Quando o exército de kenrauers chegou aos Domínios do Tempo, já estava tudo preparado. Houve uma terrível e sangrenta ba-talha, uma batalha que Morton sabia não poder vencer.

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Foi nesse momento que tomou sua decisão, uma decisão muito bem estudada, mas desesperadora. Sabendo que a sua alma era a alma-guardiã do Tempo, Morton se sacrificou. Com a sua morte, os Domí-nios do Tempo foram selados e, assim, o exército de Mon foi contido. Impulsionado pelo sacrifício de Morton, o colar de Mirundil percebeu o que seu dono estava fazendo, então o puniu. Desde então o Tempo esteve sem Guardião, mas isso foi há quinze anos e já está na hora de um novo Guardião ser eleito.

♦ Kalimuns, Sáturan e Cronos continuavam meditando dentro do Palá-cio do Guardião. Ninguém dizia nada, pois ninguém tinha nada a di-zer. Estavam todos tensos, sem saber qual seria o próximo passo de Mon. Preocupavam-se pelos Sacerdotes que estavam dentro dos Do-mínios da Magia, enfrentando cada um dos nove Cavaleiros para ter a chance de salvar Zander, o Guardião da Magia. Aquela parecia uma missão suicida, algo impossível de se concretizar, mas Sáturan tinha esperanças neles. Kalimuns também. Essa era a única forma de aju-dar: acreditando naqueles três corajosos protetores. De repente algo aconteceu e fez os três saltarem de suas acomodações. O primeiro a ver foi Cronos, mas Sáturan sentiu antes dele. Em pé, os três olhavam para o colar do Guardião do Tempo, ainda sem dono, que estava sobre um pequeno altar ao lado do broto de antúnia, no centro do salão. O colar estava emitindo um intenso brilho anil. Imediatamente o colar de Sáturan também começou a emitir um intenso brilho, por sua vez rubro. Os colares-guardiões estavam reagindo entre si. Aonde quer que Zander estivesse aprisionado, seu colar estaria brilhando também e,

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assim como Sáturan, ele já devia ter entendido o que estava aconte-cendo. — O que está acontecendo? – Cronos perguntou. Sáturan não respondeu de imediato. Estava demasiado emocionado para poder dizer o que quer que fosse. Entre os três, somente ele com-preendia a importância do que estava acontecendo. Só ele enxergava a diversidade de coisas que isso significava e a grande quantidade de opções e vantagens que eles teriam na guerra contra Mon. O que esta-va acontecendo era algo maravilhoso. — Ele fez a escolha! – sussurrou Sáturan, finalmente respondendo a pergunta de Cronos. – Finalmente o novo Guardião do Tempo foi es-colhido. Cronos emudeceu-se. Não teve reação alguma. Durante quinze anos, ele e os demais Sábios do Tempo, Linus, Morpheus e Taiglin, eles to-maram as decisões que envolviam o Tempo. Foram eles que zelaram pelo Elemento durante os últimos quinze anos, mas finalmente um novo Guardião ocuparia o trono. Cronos estava tão contente como não se lembrava de estar em toda a sua vida. Em tempos tão obscure-cidos pelo medo, finalmente algo bom. As coisas estavam começando a mudar. — Agora é uma questão de tempo para sabermos quem é o novo Guardião! Cronos olhou desconcertado para Sáturan. — Por que não ficamos sabendo agora? Por que adiar ainda mais is-so? — Porque esta escolha deve trazer alguma conseqüência. O colar-guardião deve estar agindo para que as coisas se encaixem assim que o novo Guardião assumir o Tempo. Um colar não pode se precipitar e anunciar um novo Guardião sem antes pensar nas implicações que isso

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trará. Mas alegre-se Cronos, muito em breve saberemos quem foi esco-lhido pelo Tempo. Finalmente, após quinze anos, os três Guardiões estariam juntos mais uma vez

7° Cavaleiro da Magia – Zephir Arma Branca – Garras de Logus

A multidão vibrava a cada golpe. Dezenas de protetores estavam ali, ansiosos pelo fim do torneio. E parecia que isso estava próximo; ou pe-lo menos era o que todos estavam pensando nos últimos vinte minu-tos. Mas Zephir insistia em se levantar do chão, não se dava por ven-cido, por mais que todos acreditassem que não lhe restavam mais for-ças para ficar em pé. Ele sempre se levantava. Isso foi há aproximadamente vinte anos. Seguindo os conselhos de Kam, seu mais novo Cavaleiro, Zander planejou um torneio entre os Generais da Magia; tudo sob a presença de uma das armas brancas, as Garras de Logus, pois Zander tinha esperanças de que ela escolhesse um dos Generais para usá-la como mais um Cavaleiro. Realmente Kam estava certo: as garras demonstravam escolher seus donos atra-vés das habilidades físicas, independente do caráter de cada um, assim como algumas das armas brancas costumavam fazer. O torneio estava praticamente finalizado, mas a arma branca ainda não havia se mani-festado de nenhuma maneira. Dois Generais chegaram às finais do torneio após um longo dia de competições: Zephir e Káfka, dois grandes amigos dentro dos Domí-nios da Magia. As regras do torneio diziam que os combatentes deve-riam apenas usar habilidades físicas, deixando armas e técnicas mági-cas de lado. E os dois demonstravam uma grande habilidade na arte

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de luta corpo a corpo, mas cada um se destacava em quesitos diferen-tes: Káfka era forte, tremendamente forte, enquanto Zephir era veloz. Zephir estava com o nariz sangrando, enquanto seu oponente não trazia nenhum ferimento à vista. Zephir estava mais uma vez no chão, enquanto Káfka aguardava que ele se levantasse para continua-rem a luta. E ele se levantou, arrancando mais um sorriso do rosto do amigo que estava em pé. — Você não desiste? – perguntou Káfka, esperando alguns segundos antes de atacá-lo mais uma vez. Zephir passou o dorso de uma das mãos, limpando o sangue que lhe escorria da boca, mas que ainda as-sim não era capaz de esconder seu sorriso. — Ah, vamos lá Káfka! – disse ele após limpar o sangue. – Não vai vencer o torneio com esses golpes fraquinhos. Ainda sorrindo, Káfka se adiantou; deu o primeiro soco, do qual seu amigo se desviou com incrível facilidade, fazendo-o atingir apenas o ar; o segundo quase atingiu Zephir, mas ele se agachou antes de ser atingido; Káfka tentou atingi-lo com os pés, mas Zephir já estava em pé antes de Káfka pensar em atingi-lo. Ele era muito rápido, realmen-te rápido, fazendo os golpes de Káfka parecerem estupidamente len-tos. Por mais de um minuto a luta prosseguiu desta maneira, até que finalmente Káfka conseguiu atingi-lo com um gancho de direita, le-vantando-o no ar e jogando-o ao chão pela vigésima terceira vez na-quela luta. Mas, mesmo com a dor e com o cansaço, ambos sorriam. Enquanto isso, Zander assistia a luta com uma crescente irritação. Olhando impaciente para o alto quando, mais uma vez, Zephir se le-vantou, exclamou para Kam que estava ao seu lado: — Isto está ridículo, Kam. Vamos parar com esta luta agora. Esta-mos perdendo tempo aqui…

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— Não, espere mais um pouco – pedia Kam, sorrindo, assistindo a luta daqueles dois. ‒ Olhe à nossa volta. Todos estão se divertindo. Esta luta não foi uma perca de tempo, afinal de contas, só a diversão já valeu a pena… — Esta luta era para que as garras escolhessem um novo Cavaleiro – Zander estava realmente irritado. As garras ao seu lado continuavam sem qualquer reação perante a batalha que se realizava diante dela. ‒ Olhe para aqueles dois: Káfka e Zephir. Sinceramente Kam, já imagi-nou algum deles sendo Cavaleiro? Nenhum deles quer esse título, ja-mais serão Cavaleiros. Estão lutando apenas por diversão, me fazendo perder tempo aqui. As garras não irão escolher alguém que não as quer. Zephir estava novamente no chão, pela vigésima quarta vez. Mas não demorou para que estivesse em pé novamente. Antes de provocar Káf-ka mais uma vez a atirá-lo no chão, Zephir analisou seu pulso direito. Sabia o que aquela dor significava. — Você deslocou meu pulso, Káfka – ele acusou o amigo, que sorria ao vê-lo. Os dois não deixavam de brincar um segundo sequer. Um novo corte havia aparecido sobre seu olho, resultado do último soco, de onde escorria sangue para se juntar ao sangue que escorria de seu nariz e de sua boca. ‒ Mas isso não significa que quero que pegue le-ve. Vamos lá, me mostre tudo o que tem. Apenas com a mão esquerda, Zephir colocou seu pulso no lugar, de-monstrando grande habilidade e frieza; Quando ouviu os estalos do pulso sendo recolocado em seu lugar, Káfka não ouviu nem um gemido de dor do amigo. Zephir levantou os dois punhos diante do rosto e fez sinal para Káfka atacar, o que fez o amigo soltar uma gargalhada. Káfka sorriu como alguém que acaba de entender uma piada realmen-

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te engraçada, mas apenas um ou outro protetor que assistia a luta riu com ele; Kam era um desses. — AHHHHH – Káfka gritou. – Eu desisto! É impossível derrotar você Zephir. Estou fora… E este foi o fim do torneio. Káfka se retirou da arena de batalha, pas-sando pelas dezenas de protetores que estavam assistindo a disputa e desaparecendo, ainda rindo como uma criança. Zephir fez o caminho oposto ao amigo, indo de encontro para o Guardião que o encarava com uma certa decepção no rosto. — Vim buscar meu prêmio – disse ele para Zander, ainda com um sorriso no rosto. — Não é assim que funciona – o Guardião respondeu, a impaciência claramente identificada em sua voz. ‒ Kam explicou a todos vocês que se inscreveram no torneio: as garras escolheriam seu dono! E tam-bém não era certo que isso acontecesse, como de fato não aconteceu. Esta luta foi uma grande perca de tempo, todo o torneio aliás… Zephir levantou a camiseta, empapada de suor, e limpou o sangue que lhe sujava o rosto. Feito isso levou um dedo a boca e, com um gemido de lamentação, exclamou: — Káfka tem a força de um urso! Me arrancou um dente… Kam sorriu. A multidão de protetores que assistia a luta já se disper-sava. — Vá embora Zephir – disse Kam contendo um riso ao ver Zephir olhar para trás para tentar localizar o dente perdido. ‒ Você não foi escolhido pelas garras… — Mas eu tenho o direito, não tenho? – ele perguntou, fazendo men-ção de tocar as garras com as mãos. A arma branca continuava impas-sível entre Kam e Zander. ‒ Posso pelo menos tentar?

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Querendo acabar logo com aquilo, Zander fez um sinal positivo com a cabeça, incentivando-o. Zephir levou as mãos sujas de sangue em di-reção a arma branca e a tocou. Ao contrário do que qualquer um espe-rava, houve um lampejo de luz que fez Zander abrir a boca de espan-to. As garras reagiram ao toque do General, elegendo-o como seu mais novo Cavaleiro. — Não foi uma completa perca de tempo, afinal de contas – disse Kam, também surpreso. Zander não conseguiu dizer nada, completa-mente absorto. Estivera errado quanto a Zephir. Definitivamente ele nunca demonstrou desejo em tornar-se Cavaleiro e, mesmo agora, Zander não via este desejo nele; mas Zephir estava ali, seu mais novo Cavaleiro, como se tudo aquilo fosse uma grande brincadeira. — Posso levar? – perguntou, inseguro, como se as garras fossem sim-plesmente um troféu para deixar esquecido numa estante, não levando em conta a responsabilidade que teria de ter a partir de agora. — Pode – Kam teve de responder ao ver que o Guardião não diria nada. ‒ São suas agora, Cavaleiro. Zephir pegou as garras com as mãos suadas e sujas de sangue mas, an-tes que se afastasse, Zander finalmente conseguiu dizer algo: — Por que entrou no torneio, Zephir? — Para vencer – respondeu ele com tamanha simplicidade. — Mas sei que não queria tornar-se um Cavaleiro, jamais quis isso. Então por que você insistia em se levantar cada vez que caía? Nin-guém é capaz daquilo se não tiver um objetivo, alguma coisa que lhe dê forças e que lhe impulsione a se levantar. Sei que ter essas garras não era o seu objetivo, então por que entrou no torneio? Zephir sorriu ao sentir a mente de Zander tentando penetrar a sua e arrancar aquela resposta que atormentava tanto o Guardião da Ma-

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gia neste momento. Habilmente Zephir bloqueou a consciência do Guardião e a guiou para fora da sua, então mentiu: — Só entrei no torneio por diversão! Dizendo isso deu às costas aos dois e seguiu para o meio dos poucos protetores que ali estavam; nenhum deles havia percebido o que havia acontecido e olhares assustados perseguiam Zephir quando o viam portando as Garras de Logus entre seus braços. — Zephir – Kam o chamou antes que se afastasse muito. ‒ A ceri-mônia será ao anoitecer. Terá que fazer o juramento de lealdade ao Guardião… Zephir levantou o polegar para o companheiro, com o mesmo sorriso infantil no rosto, então continuou seu caminho. Ele procurou por al-guém entre os poucos protetores que haviam ficado ali, mas não en-controu quem queria. A notícia de que ele se tornara um Cavaleiro lo-go se espalharia pelos Domínios da Magia, então queria encontrá-la o quanto antes. E sabia onde procurar. Elisa estava em seus aposentos sentada em sua cama; analisava um pequeno mapa de Gardwen quando alguém entrou na porta sem bater. Era Zephir, que ainda pingava suor e continuava sujo de sangue. Ao vê-lo, ela exclamou: — Já soube. Parabéns Zephir… — Me tornei um Cavaleiro por você! – ele exclamou, interrompendo-a. Elisa demonstrou uma expressão confusa ao perguntar: — Por que faria isso? Achei que só estava se divertindo… — Fiz isso para te mostrar que sou forte. Pra te mostrar que sou ca-paz de te ajudar. Os olhos da Feiticeira da Magia brilharam ao ouvir isso.

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— Não importa qual seja o seu problema, Elisa. Sou um Cavaleiro agora. Eu posso te ajudar, então me conte… Elisa já não conseguiu conter as lágrimas que agora desciam por seu rosto tão delicado. — Você não pode me ajudar, Zephir. Ninguém pode. Eu só não acho justo o modo como eles nos recrutam como protetores: nos tiram de nossas famílias, apagam nossas memórias e… — Por que está dizendo isso? ‒ Zephir estava assustado. — Eu investiguei Zephir. Sei que é proibido e este é o meu problema, o problema que você tanto quis descobrir. Se tornou um Cavaleio à toa, pois não poderá me ajudar mesmo que se torne Guardião. Eu in-vestiguei e descobri que vim daqui – disse ela colocando o dedo sobre um determinado ponto no mapa de Gardwen. Zephir inclinou a cabe-ça para ler o nome da pequena cidade: Buor. ‒ É daqui que eu vim. Descobri que tenho mãe, pai, irmãos… Eu não posso mais agüentar. Não posso continuar me sacrificando por Gardwen e ignorando minha família… Zephir ficou sem palavras enquanto observava o sofrimento da sua amiga tão preciosa e querida por ele. — Eu sei como se sente – ele disse, encarando Elisa profundamente, de um modo quase penetrante. Assemelhava-se a Zander quando ten-tava invadir a mente de alguém, mas ainda assim era de um modo di-ferente. Ele a encarava de um modo especial, de um modo que ela não pôde suportar, mas que ainda assim não conseguiu desviar os olhos. ‒ Eu também tenho sentido algo que não deveria… Ela desviou os olhos, mas ele não conseguiu. Continuou admirando-a, mesmo enquanto estava aos prantos: continuava linda. Mas ele apie-dou-se do sofrimento dela e resolveu ser aquilo que ele sempre foi: o amigo.

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— Sei que este não é o conselho que eu deveria te dar mas… é que me importo com você. Se isso lhe é tão importante… ‒ ele hesitou brevemente ‒ deixe de ser uma protetora! Volte para sua família… Ela o abraçou e, desta forma, não viu quando o rosto de Zephir corou. — Obrigada Zephir. Você é um amigo muito especial. Se eu soubesse que iria me apoiar, já teria lhe contado tudo há meses. Mas isso não diminui minha dor, pois tenho alguém aqui dentro que me impede de partir… não sei o que fazer… Zephir não entendeu os motivos dela, mas soube que ela não falava dele. Tudo o que conseguiu dizer foi: — Ouça o que o seu coração diz. Pela sexta vez Elkens atravessou um portal dentro dos Domínios da Magia. Logo atrás dele vieram Meithel e Kanoles. Estavam agora no sétimo templo. Pela sexta vez Elkens viu-se em um lugar completamente diferente ao atravessar um portal. Não via mais o dourado do Templo do Sacrifí-cio. O lugar em que se encontrava era um lugar novo, desconhecido para ele. Há pouco mais de cinqüenta metros de onde estava pôde ver o arco de pedra sobre o altar. Era exatamente igual ao portal que estava atrás dele, aquele que havia acabado de atravessar, a única diferença era que aquele portal ainda estava fechado. Para passar por ele precisari-am do colar do sétimo Cavaleiro da Magia, o que significava mais uma dura batalha. Conforme iam avançando pelos templos os Cava-leiros eram mais fortes, o que significava que esta batalha seria mais difícil que todas as outras que já tiveram até agora. A única coisa que havia entre eles e o portal era uma comprida ponte. A ponte era mais elevada no centro que nas extremidades, e era toda

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construída por pedras brancas. Sob a ponte corria um rio de águas claras e mansas, mas não havia nada sob o rio. Não havia nada ao re-dor da ponte, nem sobre ela. Era tudo branco, um grande vazio. Ali só havia dois Sacerdotes, um caçador de recompensas, uma ponte, dois portais, um rio… e um Cavaleiro da Magia sentado no centro da ponte! Mas Meithel nem parecia se importar com o Cavaleiro. Não por en-quanto. Ele estava olhando para o rio sob a ponte. As águas brotavam do na-da e desapareciam após passar pela ponte. Sempre foi daquela manei-ra, mas Meithel sabia que havia alguma coisa errada. Ficou olhando atentamente para o rio de águas claras, procurando qualquer vestígio de que o rio estivesse, de alguma forma, violado. — Você sabe para onde parte daquela água vai, Elkens? – perguntou Meithel ainda pensativo. O Sacerdote da Alma não respondeu, então Meithel continuou: — Ela vai para as cavernas sob a montanha Monaltag. Elkens lembrou-se de quando estiveram lá, então perguntou: — Então está é a Nascente Branca? – ele olhou assustado para o rio, pois a quantidade de água que passava sob a ponte era muito superior a que chegava na montanha Monaltag. Era óbvio que apenas parte da água seguia para fora dos Domínios da Magia. — Sim. Essas águas estão carregadas com muita magia, e é esta ma-gia que mantinha o portal no lago Lushizar aberto. Mas vocês se lem-bram de quando estávamos nas cavernas e vimos as águas da nascen-te? Elas desapareciam na metade da cachoeira, simplesmente sumiam no ar. Essas águas não estão mais indo para o lago Lushizar e este é um dos motivos pelo portal ter desaparecido sem deixar vestígios.

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Elkens e Kanoles meditaram por algum tempo. Kanoles ainda se lembrava do frio que sentiu em sua barriga ao constatar que a água realmente desaparecia. Ela seguia pelo chão, caía pela parede de pe-dra, mas então desaparecia no ar antes de atingir o chão, sem nenhu-ma explicação possível. — Foi Shiron quem fez isso! Era o Cavaleiro da Magia quem estava falando. Falava com indife-rença. Não parecia nem um pouco surpreso pela presença de Elkens e os outros em seu templo, muito pelo contrário: estava tremendamente calmo, confiante de si. Elkens, Meithel e Kanoles ficaram de frente para o Cavaleiro. Os Sacerdotes com as mãos em seus colares; o caça-dor de recompensas segurando sua espada negra. Todos preparados para atacar. Mas ainda não era hora de lutar e Meithel sabia disso. Zephir, o sé-timo Cavaleiro, lhes dera uma informação sem que nenhum deles pe-disse. Ao contrário dos outros Cavaleiros, Zephir parecia estar dispos-to a contar algumas coisas. Era hora de conversarem. — E por que Shiron faria isso? O Cavaleiro levantou-se de onde estava sentado, mas não deu um pas-so sequer. Seus cabelos eram espetados; seu corpo não era forte compa-rado aos outros Cavaleiros, era demasiado magro. Mas sua aparência não o fazia parecer alguém frágil, pelo contrário. Por sua estatura, Shiron devia ser um dos mais ágeis Cavaleiros da Magia. E pensando bem, isso realmente fazia sentido. O primeiro Cavaleiro, Káfka, só precisava manter-se atrás de seu escudo branco durante a batalha; Algoz ataca apenas com sua marreta; Shanara luta com seu báculo; Kam cria espectros com sua coroa, sem nem ao menos mover um dedo, ele luta com a mente; Magai utiliza suas correntes e Shiron, o Cava-leiro que não conheceram em combate, duelava criando suas ilusões

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com o auxílio de seu espelho. Zephir era o primeiro adversário que enfrentariam que realmente precisava se mover no meio de um comba-te. Suas garras eram poderosas, mas não fariam nada de longe. Shiron precisava se aproximar do adversário e por isso precisava ser ágil. O estilo de Zephir era batalha a curta distância. Mas Elkens ainda não conheceria a agilidade do Cavaleiro, pois pri-meiro iriam conversar. Deixando de sorrir, Zephir respondeu a per-gunta de Meithel: — Shiron foi o primeiro de nós a se rebelar. Ele tentou matar o Guar-dião da Magia, como você mesmo testemunhou Meithel, mas não con-seguiu e por isso teve de fugir. Depois de sua fuga, Kaiser o perseguiu e eles se enfrentaram. “Shiron quis dominar tudo aqui dentro, por isso lançou um feitiço pa-ra que as águas da Nascente Branca nunca chegassem ao lago Lushi-zar e assim o portal seria fechado. Mas seu plano não foi bem elabo-rado, pois a magia que já estava no lago era suficiente para mantê-lo aberto por semanas, talvez meses. Foi por isso que ele teve de mudar seus planos, pois não podia correr o risco de alguém mais forte que ele entrar aqui e o deter. Após sua fuga, Shiron passou a procurar pelo Cristal de quatro Faces, o que lhe daria o poder de trancar todos os portais que ligavam Gardwen aos Domínios da Magia. Levou três di-as para conseguir isso, mas então retornou e conseguiu realizar o seu desejo. Acredito que isso tenha acontecido no exato momento que você saiu dos Domínios, por isso quando tentou voltar, o portal já estava selado. Ainda utilizando-se do poder do Cristal, Shiron conseguiu aprisionar o Guardião”. “Agora acredito que Shiron esteja em algum lugar lá fora. Não sei o que se passa em sua cabeça, mas ele abandonou tudo o que lutou para

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conseguir. Agora nós é que estamos seguindo os seus planos e esta-mos aguardando até que ele se junte a nós mais uma vez”. Meithel tentava absorver toda a história que Zephir contava. Sabia que parte dela podia ser mentira, ou toda a história, mas havia uma parte em especial que lhe chamava a atenção, que lhe dizia que aquilo tudo não podia ser verdade. — O que você diz é mentira! – exclamou o Sacerdote. – Shiron nunca esteve com as quatro faces do Cristal, pois uma das faces que nós te-mos estava em Rismã, um pequeno vilarejo humano. — Shiron é esperto. Deve ter percebido que não seria sábio guardar todos os cristais juntos, pois Kaiser ainda estava atrás dele. Foi por isso que decidiu esconder uma das faces do Cristal num vilarejo hu-mano, um lugar muito improvável de Kaiser procurar. Meithel ainda não engolia a história do Cavaleiro. Shiron não escon-deu o cristal em Rismã, o cristal sempre esteve lá, pelo menos nos úl-timos dezessete anos, quando Laserin chegou ainda bebê ao vilarejo. Pelo menos foi isso o que Tûm lhes contou e Meithel havia acreditado nele. — Mas por que Kaiser queria recuperar as quatro faces do Cristal? — Primeiro porque ele queria abrir os portais e segundo, e mais im-portante, porque esse é o único meio de libertar o Guardião da prisão que Shiron lhe impôs. Meithel sentiu seu corpo encher-se de esperança. Esse é o único meio de libertar o Guardião da prisão… Eles tinham uma chance e agora sabiam o que devia ser feito. Com a ajuda do Cristal de quatro Faces, libertariam Zander, o Guardião da Magia. Zephir continuou falando: — Mas logo Kaiser percebeu que Shiron estava certo e decidiu que es-tava na hora de haver uma… revolução. E todos nós concordamos.

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— Mas se vocês não querem mais libertar Zander, por que ainda continuam querendo o Cristal? A pergunta fazia sentido, mas Zephir não pôde deixar de sorrir. Era óbvio que eles não pretendiam libertar Zander; na verdade o que eles queriam era… — O Cristal de quatro Faces é a relíquia da Magia mais poderosa e só ela pode nos ajudar a libertar Mon do Exílio!

♦ O coração de Meithel deu um salto. Era tudo tão óbvio, tudo tão sim-ples. Engenhosamente simples. Ele estava surpreso que ninguém ti-vesse percebido isso na Convocação Elementar. Primeiro Shiron ten-tou impedir que qualquer um entrasse nos Domínios da Magia para impedi-lo de iniciar a Revolução Elementar, por isso todos os portais foram trancados. Mas quando Kaiser também se rebelou, eles não es-tavam mais com as quatro faces do Cristal, pois Shiron as tinha es-condido por toda Gardwen. Por isso mandaram Mudriack atrás deles, para conseguir a última face que ainda não tinham. Mas Mudriack falhou e por isso Shiron criou o Templo do Sacrifício na Floresta de Pedra com a intenção de matá-los, mas ele também falhou e foi então que Kaiser enviou o Feiticeiro Ego e o Guerreiro Calarrin. Só que pela terceira vez os Cavaleiros da Magia falharam, então resolveram espe-rar por eles. Assim que entrassem nos Domínios da Magia vários Guerreiros estariam preparados para matá-los, mas ninguém contava que Elkens estivesse em posse do colar de Morton, que os salvou. Fi-nalmente os Cavaleiros decidiram eles mesmos matarem os intrusos e pegarem o cristal. Mas novamente falharam, ou pelo menos cinco de-les…

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Káfka, Algoz, Shanara, Kam e Magai não conseguiram derrotá-los e, segundo Zephir, Shiron não estava dentro dos Domínios da Magia, deixando a passagem pelo seu templo completamente livre. Agora es-tavam ali, diante do sétimo Cavaleiro, tão perto de cumprir a missão que antes julgaram ser impossível. Meithel jamais imaginou que pode-riam chegar tão longe e se orgulhava de estar ali, ao lado de Elkens e Kanoles. — Mas vocês nunca vão libertar Mon – disse Meithel em tom de voz desafiador. – Dois dos cristais viraram pedra e ouvi Magai dizer para Kam que alguém roubou os outros cristais que vocês tinham. Nunca terão o Cristal de quatro Faces completo… — Engana-se! Os cristais que viraram pedra voltarão ao normal as-sim que os quatro cristais estiverem juntos. E quanto aos cristais rou-bados, sabemos que eles estão com o Mensageiro Gauton e também sa-bemos que ele está voltando para dentro dos Domínios. Vocês preci-sam dos quatro cristais para salvar o Guardião, e Gauton sabe disso, por isso está vindo para cá. “Eu matarei vocês agora e pegarei o cristal que está com você, e já mandei Longuard voltar até o templo de Shanara para pegar o cristal que está com a garota inconsciente. Assim que Gauton chegar, todos os cristais estarão aqui, então finalmente poderemos libertar Mon”. Agora tudo se encaixava. Os Cavaleiros precisavam dos quatro cris-tais para libertar Mon, do mesmo modo que Elkens e os outros preci-savam dos quatro cristais para salvar o Guardião da Magia. De um jeito ou de outro os quatro cristais iriam se encontrar ali e o mais forte iria usá-lo para o seu propósito, fosse ele libertar Zander ou Mon. Era exatamente por isso que eles precisavam derrotar todos os Cavaleiros antes que Gauton retornasse, era a única maneira de impedir que Kai-ser se apossasse do Cristal.

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No silêncio que se seguiu após a revelação de Zephir, Meithel pen-sou em várias maneiras de eles derrotarem todos os Cavaleiros restan-tes o mais rápido possível, antes que Gauton chegasse com os outros cristais. Mas era óbvio o que devia ser feito: precisavam se separar mais uma vez. Por algum tempo Meithel pensou em como ocupar Zephir para que Elkens e Kanoles tivessem a chance de prosseguir até o oitavo templo, mas logo percebeu que isso não seria possível. Esqueceu-se completa-mente de que o portal que os levaria para o próximo Cavaleiro ainda estava fechado e precisariam do colar de Zephir para abri-lo. Mas pa-ra pegar o colar precisariam primeiro derrotar o seu dono. Finalmente era hora de batalhar, chega de conversa. Tocando seu co-lar, Meithel conjurou o habitual gládio formado por luz branca, muito maior que a espada empunhada por Kanoles, Sangrini. Elkens tam-bém estava preparado para a batalha e à sua volta girava um turbi-lhão de esferas rubras prontas para atacar. Zephir encarou seus inimigos e também percebeu que estava na hora de lutar. Com movimentos suaves, puxou as mangas da sua veste. As-sim Elkens pôde ver algo em suas mãos. Usava uma espécie de luva de couro branco, mas esta não lhe servia como proteção. Na verdade, pre-sa a cada uma das luvas, havia três garras brancas, feitas do mesmo material que todas as outras armas dos Cavaleiros. Aquelas eram as garras de Zephir, grandes o suficiente para cravá-las no peito de um homem e vê-las atravessar em suas costas. Preparado para a luta, Zephir começou a correr. Era realmente muito rápido, mais rápido do que eles podiam imaginar. Antes de chegar ao fim da ponte, Zephir já tinha escolhido seu alvo. Quando estava mui-to próximo, Elkens disparou suas esferas. Cada uma delas explodiu

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quando encontrou o chão, mas Zephir desviou de todas com incrível facilidade. De frente para Meithel, Zephir finalmente atacou. Suas garras bri-lharam no ar, mas jamais chegaram a atingir o peito do Sacerdote da Magia. No último momento Kanoles percebeu o que iria acontecer, então se jogou contra o amigo, empurrando-o para o lado. Meithel caiu no chão com o empurrão inesperado, mas pôde ver quando Kano-les foi atingido em seu lugar. As garras deslizaram pelo peito do caçador de recompensas. Suas ves-tes negras foram rasgadas e sua carne foi cortada com facilidade. Três cortes paralelos surgiram em seu peito e o sangue escorreu no mesmo instante. Apesar de não ser um ataque letal, Kanoles certamente mor-reria pela perca de sangue. Fraquejou e caiu de joelhos. Tentou segurar Sangrini, mas ela escorregou-lhe entre os dedos. Kanoles estava fora da batalha. Zephir sorriu maliciosamente ao ver que o homem se sacrificou pelo outro, um sorriso cheio de maldade. Mas apesar disso, não era um sor-riso sincero, era um sorriso que seguia às vontades de Kaiser, um sorri-so forçado. Na verdade, apesar de não conseguir demonstrar, Zephir sentiu um aperto em seu coração ao encarar o homem ferido. Honra e justiça eram virtudes do verdadeiro Zephir, virtudes que ele prezava. Se não estivesse sob controle de Kaiser, aquele seria o fim da batalha. Zephir era amante da luta justa e o sacrifício para salvar um amigo era uma das coisas que ele mais respeitava. Amizade: era esta a virtude que tanto prezava. Ao ver Kanoles sacrificando-se pelo outro, lembrou-se de Káfka sacrificando-se por ele em mais de uma missão, seu grande amigo dentro dos Domínios da Magia. Kanoles não havia morrido, mas certamente morreria se o sangramento não fosse contido, e sua atitude para salvar Meithel era o bastante para Zephir respeitá-

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lo. Suas garras eram muito poderosas, mas ele não gostava de usá-las daquela maneira. Somente usava suas garras para matar contra ini-migos que realmente merecessem isso, mas havia muito tempo que suas garras não sentiam o gosto de sangue (a não ser contra os inúmeros protetores que Zephir se viu obrigado a matar sob as ordens de Kai-ser). Assim como Meithel percebeu enquanto lutava contra Magai, o feiti-ço de controle de Kaiser não estava funcionando tão bem contra os Cavaleiros mais fortes, e em Zephir o feitiço também apresentava fa-lhas. Com sua incrível velocidade, Zephir não gastaria mais que um segundo para matar Kanoles de vez, mas ele não fez isso. Deixou Ka-noles onde estava caído e avançou contra Meithel. Com seu gládio Meithel conseguiu evitar o ataque das garras, mas ig-norava que as garras não eram as únicas armas de Zephir. Na verdade todo o seu corpo era uma arma, cada membro trabalhando em conjun-to com os demais, perfeitamente sincronizados. Tendo suas garras pre-sas contra a espada de Meithel, Zephir atacou com sua perna. Seu joe-lho atingiu Meithel no estômago e este se desequilibrou e voltou a cair no chão. Meithel estava ajoelhado de frente para Zephir, sem ainda ter se re-cuperado do ataque inesperado. Então o Cavaleiro acertou-lhe um chute no rosto, jogando-o de costas no chão. Elkens assistia a tudo horrorizado. Estava acontecendo tão rápido que ele ficava sem reação alguma. Zephir debruçou-se sobre Meithel, usando seu corpo para imobilizar o Sacerdote no chão. Encostando as seis garras no peito de Meithel, pronto para cravá-las ali, Zephir sussurrou: — Sua missão termina aqui!

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Aquele décimo de segundo arrastou-se por uma eternidade. Meithel lembrou-se de coisas que jamais imaginaria lembrar perante a morte. Agora sabia que iria morrer e nada podia evitar isso. As garras atra-vessariam seus pulmões, seu coração. Aquele era o fim para o Sacerdo-te da Magia e ele aceitou isso. Sentiu uma dor imensa por não ter tido a chance de vingar todas as mortes causadas por Kaiser, principal-mente de Mudriack, seu eterno amigo, e Lakar, seu tutor. Talvez a morte não fosse ruim. A dor seria momentânea, passageira. Logo viraria uma alma e voaria para os Domínios da Alma, onde fica-ria aguardando pacientemente o dia de sua reencarnação. Sentiu as garras de Zephir pressionando seu peito, mas sentiu mais alguma coi-sa. Sentiu alguma forma de magia se manifestando, uma magia que não estava presente na batalha até então. Era uma magia familiar, mas ainda não foi capaz de descobrir a sua fonte. Era familiar, embo-ra levemente diferente da que ele se lembrava. No segundo seguinte as coisas estavam diferentes. Zephir não estava mais sobre ele, tampouco suas garras. O Cavaleiro encontrava-se em pé, alguns passos afastados de Meithel, mas estava completamente imobilizado. Não mexia um músculo sequer. Sem compreender o que estava acontecendo, Meithel levantou-se. As-sim que se levantou percebeu um peso a mais em seu pescoço. Agora havia dois colares ali, ao invés de um. O primeiro era de Sacerdote da Magia, o dele mesmo; o segundo era de Cavaleiro da Magia, o de Zephir! Meithel estava completamente confuso. Como conseguiu se salvar do ataque de Zephir? Como foi que o Cavaleiro saiu de cima dele sem que ele tivesse consciência disso? E o mais importante: como foi que o co-lar de Zephir foi parar em seu pescoço?

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Ele virou-se para Elkens, para ver se o amigo compreendia o que es-tava acontecendo. Era como se Meithel tivesse perdido alguns minu-tos num piscar de olhos, como se tivesse sido congelado enquanto as coisas continuavam a seguir normalmente. Elkens não estava olhando para ele, olhava cheio de emoção para trás. Meithel olhou na mesma direção em que o outro e se surpreendeu com o que viu. Mais alguém havia acabado de atravessar o portal que vinha do Tem-plo do Sacrifício. Era uma mulher que Meithel conhecia, mas que ao mesmo tempo parecia ser outra mulher, completamente diferente. Era Mifitrin, mas não a mesma Mifitrin que chegou a conhecer. Diferente da outra, esta esbanjava confiança. Estava até mesmo sor-rindo. Seu colar não era mais de Guerreira do Tempo e sim de Sacerdo-tisa do Tempo. Não usava mais as armaduras de Guerreira, pois as trocara pelas vestes de uma Sacerdotisa. Mas estas não eram as úni-cas diferenças, na verdade eram as menos visíveis. Aquela realmente parecia ser outra mulher. Seu rosto expressava a mais pura alegria e também liberdade; não tinha mais a mesma expressão séria de antes, tampouco parecia tão severa consigo mesma. Já não carregava peso algum em seus ombros, o peso que Meithel, em sua mente, atribuiu ao fato de ela ainda se sentir culpada pela morte de Morton, quinze anos atrás. Ela estava tocando seu colar com as duas mãos e estava com os olhos fechados, sinal de que estava se concentrando muito em algum feitiço. Feixes de luz anil giravam à sua volta e Meithel sabia o que eles sig-nificavam. Mifitrin estava manipulando o Tempo, e fizera isso para salvar a sua vida. Supostamente também foi ela quem tirou o colar de Zephir e colocou no pescoço dele. Passando a surpresa, Meithel correu para onde Kanoles estava caído e o ajudou a se levantar.

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— ELKENS! – gritou Meithel para o amigo que ainda olhava ad-mirado para Mifitrin. – JÁ TEMOS O COLAR DE ZEPHIR. VAMOS PARA O PRÓXIMO TEMPLO. — NÃO! – protestou o Sacerdote da Alma. – Vai você. Eu fico para ajudar a Mifitrin. Meithel encarou o amigo. Viu em seus olhos a necessidade desesperada de ficar ao lado de Mifitrin, mas Meithel sabia que não era isso o que a Sacerdotisa queria. — ELKENS! – gritou Meithel mais uma vez, tentando trazer o amigo à razão. – PRECISAMOS IR. MIFITRIN ESTÁ SEGURANDO ZEPHIR PARA NOS DAR TEMPO. PRECISAMOS IR E LEVAR KANOLES DAQUI. VOCÊ VIU O PODER DE ZEPHIR E SABE QUE NÃO PODEMOS DERROTÁ-LO. Elkens meditou por um longo momento. Olhava de Meithel para Mi-fitrin, sem conseguir se decidir, então olhou para as garras de Zephir ainda sujas de sangue e por fim olhou para Kanoles com os cortes em seu peito. Ao ver o amigo em tais situações, precisando da ajuda de Meithel para se manter em pé, Elkens finalmente se decidiu. Olhou uma última vez para Mifitrin, relutante em abandoná-la, mas Meithel gritou mais uma vez: — AGORA ELKENS! PRECISAMOS IR. Não havia mais o que esperar, já estava decidido. Mesmo com um peso no coração, correu para ajudar Meithel. Passou um dos braços de Ka-noles em seu pescoço e juntos seguiram para a grande ponte. Levaram mais de um minuto para atravessá-la, mas quando finalmente chega-ram ao outro lado, o colar de Zephir no peito de Meithel passou a rea-gir e o portal se abriu.

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Antes de atravessá-lo, Meithel pegou o colar de Zephir e jogou-o no chão, como ele e Elkens fizeram com todos os outros Cavaleiros. Uma vez que haviam ganhado a luta, não havia sentido separar o colar de seus donos, ainda mais depois que Meithel descobriu que todos os Ca-valeiros estavam sendo controlados. Era por isso que não precisava levar o colar de Zephir consigo. Os três atravessaram o portal, não sem antes Elkens olhar mais uma vez para trás.

Gauton ficou esperando Mifitrin por menos de meia hora. Logo ela re-tornou, mas não estava mais usando suas armaduras de Guerreira. Estava usando vestes de Sacerdotisa, pois era isso o que ela era agora. Gauton veio até os Domínios do Tempo para dizer a ela que Elkens e os outros estavam precisando da sua ajuda, por isso Mifitrin se viu obrigada a desistir de ser uma Guerreira para voltar a ser uma Sacer-dotisa, conseguindo assim autorização para ir até os Domínios da Magia. — Estou pronta! Leve-me até os meus amigos. Gauton sorriu e assentiu. Eles saíram pelo portal principal dos Domí-nios do Tempo, no Pátio da Antúnia, então correram até a Colina Amiga. De lá usaram um portal paralelo para levá-los até os Domí-nios da Magia. — Karnar e Kanoles também estão lá dentro – informava o Mensa-geiro enquanto corriam. – Eu os levei para lá antes de vir buscá-la. Você também encontrará um homem chamado Yusguard. Ele está do nosso lado.

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Após entrar nos Domínios da Magia e se libertar do feitiço de con-trole de Kaiser, Gauton passou a procurar pelas três faces do Cristal que Kaiser tinha posse. Enfrentou grandes perigos para conseguir en-contrá-las, e finalmente teve a oportunidade de tirá-las do poder de Kaiser. Feito isso, Gauton decidiu abrir todos os portais para que qualquer ajuda pudesse vir, mas logo descobriu que o Tempo e a Alma não iriam ajudar, pois temiam enfrentar os Cavaleiros e iniciar a Guerra Elementar. Foi então que decidiu ir atrás da única pessoa que ele acreditava que iria ajudá-los: Mifitrin. Mas antes de ir buscá-la, Gauton se encarregou de entregar um dos cristais para Meithel e com ele o Sacerdote pôde derrotar Shanara. Mas depois disso Gauton não sabia de mais nada do que havia acon-tecido. Quando chegaram à Colina Amiga, imediatamente Gauton os levou para dentro. Enquanto faziam a travessia, Mifitrin sentiu alguma presença estranha, como se alguém os observasse. Aconteceu alguma coisa muito rápido, alguma coisa que ela não teve consciência do que se tratava, mas parecia que estavam tentando impedi-los de atraves-sar o portal. Ouviu Gauton sussurrar algum feitiço e no mesmo se-gundo sentiu seus pés tocarem o chão dos Domínios da Magia. — O que foi aquilo? – ela perguntou. — Os vigias de Mon. Eles tentaram nos atacar durante a travessia, mas agora já aprendi a detê-los. Mifitrin nem deu tanta atenção ao fato. Estava sentindo uma grande alegria por estar lá dentro, finalmente. Agora estava perto de Elkens e só pensava em ir atrás dele. Precisava desesperadamente fazer isso. — Está vendo aquele templo lá na frente? – perguntou Gauton apontando. – Aquele é o Templo dos Cavaleiros, a entrada para os demais templos. Lá dentro há um portal aberto para o templo seguin-

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te, e dentro do segundo há um outro portal aberto que dá acesso ao terceiro templo. Siga sempre em frente que você encontrará todos os portais. Sei que Elkens e Meithel já passaram por pelo menos três Ca-valeiros, mas não sei se já conseguiram derrotar Kam, o quarto Cava-leiro. — Você não vem comigo? – perguntou Mifitrin desapontada. — Não posso ir com você agora. Preciso descobrir o que realmente es-tá acontecendo aqui. Quero saber o que Kaiser e os outros pretendem, e o motivo de eles quererem o poder do Cristal de quatro Faces. Assim que eu obter as respostas irei atrás de vocês para ajudá-los. Mifitrin concordou, então Gauton tocou seu colar e utilizou o tele-transporte, desaparecendo. Sozinha, Mifitrin correu em direção ao Templo dos Cavaleiros. Antes de chegar ao lugar, percebeu que havia muitos destroços pelo chão, destroços de uma torre gigantesca que aparentemente crescia em espiral no centro dos Domínios da Magia. Aqueles destroços eram o que restou da Torre Espiral, derrubada por um dos ataques de Rashuno, a besta celestial. Mas Mifitrin não sabia disso, nem precisava saber. A única coisa que precisava fazer agora era seguir em frente. Não encontrou nenhum obstáculo pelo caminho, nem qualquer inimigo que fosse. Entrou no templo e correu por seu enorme corredor, passan-do entre as duas fileiras de estátuas de antigos Cavaleiros da Magia. Ao chegar ao fim do templo encontrou um homem alto e forte caído no chão, inconsciente. Um grande escudo branco estava quebrado, cada parte de um dos lados do seu corpo inerte. Mas Mifitrin não se demo-rou ali; seguiu correndo para o altar e atravessou o portal no arco de pedra. Agora estava no interior de uma caverna escura. Logo encontrou ras-tros pelo chão e os seguiu. Sem saber, estava seguindo os passos de

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Meithel, por isso não tardou a encontrar o fim da caverna. Lá fora correu entre as enormes muralhas de pedra, sempre seguindo os rastros no chão de areia e pedra. Não tardou em encontrar o portal, que tam-bém estava aberto. Passou pelo segundo Cavaleiro, também inconsci-ente no chão, ao lado de uma marreta branca. Mifitrin encontrava-se num grande e belo jardim. Todo o lugar era cheio de árvores e flores, de todas as espécies existentes por toda Gar-dwen, ou pelo menos foi o que ela pensou. Seguiu sempre correndo, sem nunca parar ou olhar para trás. Não estava com medo, apenas com pressa de reencontrar seus amigos. Quando estava passando por um local desprovido de árvores, pequenos cipós tentaram enrolar-se em seus pés, mas Mifitrin manipulou o tempo e fez com que todo o can-teiro de limíceas ficasse imobilizado, permitindo que ela prosseguisse calmamente. No fim do templo Mifitrin encontrou duas pessoas caídas no chão. A primeira era uma mulher muito bonita e estava caída ao lado de um báculo branco, mas foi para a segunda pessoa que Mifitrin correu. Era Laserin e Mifitrin sentiu um aperto em seu coração ao vê-la caída ali. Temeu que alguma coisa realmente ruim tivesse acontecido en-quanto esteve ausente. — Laserin? – chamou enquanto se aproximava, mas nenhuma respos-ta foi dada. Mifitrin ajoelhou-se ao lado da garota e procurou deses-perada por ferimentos, mas não havia nenhum, a não ser arranhões que ela adquirira em suas últimas aventuras, ou algumas queimadu-ras. Então Mifitrin se tranqüilizou ao ouvir as batidas de seu cora-ção, batendo forte e de forma ritmada. Laserin estava viva. Mifitrin mexeu em sua bolsa de couro que estava ao seu lado e ali en-controu o cristal que a jovem trazia desde o vilarejo Rismã, mas havia algo muito estranho com o cristal. Ele havia se transformado em pe-

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dra. Não era mais tão belo quanto ela se lembrava, era apenas um grande e inútil pedaço de pedra. Mas ela não podia perder muito tempo ali. Não demorou em perceber que Laserin foi deixada para trás para que ficasse em segurança, e ela faria o mesmo. Deu um beijo carinhoso no rosto da menina inconscien-te, então levantou-se e atravessou o portal. Mifitrin viu-se em uma grande catedral branca. Tudo ali era perfei-tamente branco. Cada escultura, cada imagem. O branco era a única cor na Catedral Alva. Gauton lhe dissera que não sabia se Elkens e Meithel tinham conseguido passar pelo quarto Cavaleiro, mas ela se contentou ao ver que eles haviam conseguido. Do outro lado da cate-dral havia um homem caído no chão. Um filete de sangue escorria por debaixo de seus cabelos e manchava seu rosto; longe dele havia uma bela coroa branca caída no chão, adornada por três pequenos fragmen-tos de cristal. Mifitrin atravessou mais um portal e se surpreendeu com o que viu adiante. Lá estava um grande demônio alado. Estava caído no chão, mas estava vivo. A toda a sua volta havia árvores mortas sobre um chão podre. Enroladas entre as árvores, soltas pelo chão em todas as direções, havia inúmeras correntes brancas, todas ligadas a um dos Cavaleiros que também havia sido derrotado. Mifitrin contentou-se em ver mais um Cavaleiro da Magia derrotado, então correu pelo ca-minho de pedra que serpeava entre as árvores mortas até o próximo portal. Mas ao passar pelo demônio alado, viu um homem atrás dele. — Karnar! – exclamou ela feliz. – O que aconteceu? Havia cortes pelo corpo de Karnar, alguns profundos, mas ele não aparentava estar sentindo dor alguma.

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— Que bom vê-la, Mifitrin. Mas não se preocupe, está tudo bem aqui. Só preciso de mais algum tempo para reanimar o valadur. Vá em frente e ajude o Elkens; nos encontraremos mais tarde. Ela não hesitou em fazer o que Karnar lhe pedia. Chegou até o outro portal e o atravessou. Agora encontrava-se em um grande corredor dourado. Correu pelos corredores do Templo do Sacrifício que pareciam não ter fim, até que finalmente encontrou dois homens se enfrentando com espadas. Eram praticamente idênticos um ao outro. Eram irmãos gêmeos com toda certeza. — Quem é Yusguard? – ela perguntou. — Eu – respondeu um dos homens sem se desconcentrar da batalha. – Você é Mifitrin? — Sim. Eu sou Mifitrin. O homem sorriu. — Então vá em frente. Elkens, Meithel e Kanoles atravessaram o portal não faz muito tempo e podem estar precisando da sua ajuda. Mifitrin obedeceu e deixou os dois homens se enfrentando. Agora ela sabia que estava perto. Correu o mais rápido que podia em direção ao portal, pois sabia que do outro lado veria Elkens. Sorria tolamente. Estava muito feliz. Atravessou o portal… Mas a primeira coisa que viu fez seu coração gelar. A batalha contra o sétimo Cavaleiro da Magia já havia começado. Kanoles estava ajoelhado no chão, com três cortes em seu peito por onde o sangue não parava de escorrer. Ao lado dele Meithel estava ca-ído de costas no chão e o Cavaleiro da Magia estava debruçado sobre ele, apontando três pares de garras afiadas para o seu peito. Mifitrin percebeu o que iria acontecer e ficou horrorizada. Instintivamente to-cou seu colar e congelou o tempo.

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Agora nada nem ninguém estava se movendo e ela teria tempo para salvar Meithel. Ou pelo menos foi o que ela pensou, pois ali estava al-guém muito poderoso, alguém que não ficou preso na sua manipulação do tempo. O Cavaleiro que estava sobre Meithel sentiu a sua presença, então se levantou sem ferir o Sacerdote. Ele ficou em pé e olhou com curiosida-de para Mifitrin. Ela ficou assombrada. Ele era tão poderoso que nem ao menos era influenciado pelas suas manipulações do tempo. Ao con-trário dele, Elkens, Meithel e Kanoles estavam tão imóveis quanto três estátuas. O sangue parou de escorrer do ferimento de Kanoles, as-sim como as águas da Nascente Branca pararam de correr. Mifitrin precisaria elevar ainda mais sua concentração para congelá-lo no tempo, mas isso não seria necessário por enquanto. — Quem é você? – o Cavaleiro perguntou para a mulher. — Sou Mifitrin, Sacerdotisa do Tempo, e não vou permitir que você machuque os meus amigos. Zephir sorriu ao ouvir que Mifitrin era amiga e desta vez foi um sor-riso sincero. Sem dizer mais nada, ele retirou o seu próprio colar do pescoço e o colocou no pescoço de Meithel, ainda imóvel no chão. — O que está fazendo? – perguntou Mifitrin confusa. O Cavaleiro olhou para ela. — Estou tentando ajudar. Meithel precisará do meu colar para abrir o portal… — Ajudar? Como pode dizer isso? Se eu não chegasse a tempo você o teria matado e agora diz que quer ajudar? — Você não entende. Todos nós estamos sendo controlados pelo Ca-valeiro-Líder e estamos sendo forçados a lutar. Acho que o seu poder de manipular o tempo deve ter aberto uma falha no feitiço de controle, mas sinto que ele está voltando a me dominar…

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Mifitrin viu o homem se contorcer de dor e sua voz falhou por algum tempo. — Estou voltando a ser controlado – disse ele se esforçando para manter-se livre do feitiço de controle, mas isso era impossível. – Apro-veite que estou sem o meu colar e me paralise mais uma vez. Só me sol-te quando os seus amigos já tiverem atravessado o portal. Mifitrin estava confusa, mas acreditava no Cavaleiro. Precisava fa-zer o que ele estava mandando. Elevou sua concentração para o ter-ceiro estágio, o Roe-gan, então fez o que tinha de ser feito. Precisou inverter a manipulação, libertar Elkens, Meithel e Kanoles e prender Zephir. Não era algo difícil de se fazer, mas se exigia muita concen-tração. Felizmente ela conseguiu. De olhos fechados, Mifitrin ouviu os seus amigos: — ELKENS! JÁ TEMOS O COLAR DE ZEPHIR. VAMOS PARA O PRÓXIMO TEMPLO. — NÃO! Vai você. Eu fico para ajudar a Mifitrin. — ELKENS! PRECISAMOS IR. MIFITRIN ESTÁ SEGURANDO ZEPHIR PARA NOS DAR TEMPO. PRECISAMOS IR E LEVAR KANOLES DAQUI. VOCÊ VIU O PODER DE ZEPHIR E SABE QUE NÃO PODEMOS DERROTÁ-LO. Silêncio. — AGORA ELKENS! PRECISAMOS IR. Então se foram. Quando atravessaram o portal, Zephir já não estava mais preso no tempo. Os dois estavam sozinhos e a luta entre o Cava-leiro da Magia e a Sacerdotisa do Tempo estava prestes a começar. Aproximadamente vinte anos atrás, a Feiticeira da Magia Elisa abordou o Guardião. Zander ficou chocado com o que via e ouvia. A

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Feiticeira estava em completo desespero quando revelou ao Guardião que havia investigado sua vida pré-protetora. — Você deveria ser punida, Elisa – Zander havia dito com repug-nância na voz. Aonde estava o orgulho de protetora daquela mulher? Onde estava o juramento que havia feito para com a Magia e Gar-dwen? Havia perdido qualquer orgulho que um dia teve, havia que-brado todos os juramentos. Mas Elisa o convenceu que qualquer puni-ção seria inútil, qualquer atitude que Zander tomasse seria inútil. Pa-ra a Feiticeira só restava a maior punição que um protetor poderia re-ceber, embora fosse exatamente isso que ela pedisse: deixaria de ser uma protetora. Seria devolvida a sua vida humana e lhe tomariam o colar. E para a missão de levá-la para o local de onde foi tirada, Zander de-signou Zephir, seu recém-escolhido Cavaleiro. E agora os dois seguiam em direção à cidade de Buor, ambos com uma dor insuportável em seu peito. Os dois amigos conversaram durante toda a viagem, uma con-versa da qual Zephir jamais se esqueceria de palavra alguma. Do mesmo modo como um humano tem sua memória apagada ao tornar-se protetor, o mesmo também ocorre na situação inversa. Elisa se esque-ceria de tudo o que viveu como protetora da Magia, esquecer-se-ia de tudo que tivesse visto, ouvido, sentido, aprendido e conhecido nos úl-timos anos de sua vida. Esquecer-se-ia de tudo, inclusive de Zephir. Esquecer-se-ia de todos os momentos que passaram juntos, de cada brincadeira, de cada palavra trocada, de cada conselho, absolutamente de tudo. Iria se esquecer da grande amizade que havia entre os três: Eliza, Zephir e Káfka; de todos os anos felizes que passaram ao lado um do outro. E o fato de Zephir nunca ter-lhe dito que a amava agora não tinha a menor importância, pois tendo dito ou não, ela não se lembraria do mesmo jeito.

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— Só posso ir até aqui – disse Zephir quando se depararam com o grande portão de madeira da pequena cidade de Buor. ‒ Minha mis-são é deixá-la aqui. Zephir lutava bravamente para segurar as lágrimas que Elisa já não conseguia conter. Obedientemente ela tirou seu próprio colar do pesco-ço e o ofereceu ao amigo. Zephir o pegou e não soube o que fazer. — No momento em que eu colocar isso no meu pescoço o Ritual de Banimento de Zander será finalizado e você perderá toda a sua me-mória… Com o passar dos dias talvez você comece a se recordar de sua vida pré-protetora, mas não é certeza… Elisa limpava as lágrimas do rosto. — Espere… ‒ disse ela soluçando. ‒ Não coloque o meu colar ainda. Tenho que te dizer algo… Então ela voltou a chorar e palavra alguma saiu de sua boca. — Então também preciso lhe dizer algo – disse Zephir tomando uma decisão. Iria se declarar, isso tinha de ser feito agora. Não suportaria viver sabendo que nunca teve coragem de lhe dizer que ela não era apenas sua amiga. Era muito mais que isso… — Me deixe dizer primeiro, senão não sei se irei conseguir – disse a Feiticeira quando conseguiu conter um pouco do choro. ‒ Káfka está em missão e não consegui vê-lo. Você poderia, por favor, dizer que eu acho… que eu também o amo? Zephir sentiu que uma estaca atravessou seu corpo. Não teve reação alguma diante da notícia inesperada e apenas conseguiu continuar ouvindo-a: — Por favor, diga que eu vou esquecê-lo, mas que sempre vou esperá-lo aqui em Buor. Diga que eu espero, do fundo do meu coração, que tudo o que ele me disse seja verdade e que, se realmente for verdade,

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diga que eu espero que ele tenha a coragem que eu tive. Eu sempre vou estar aqui. Zephir apenas acenou positivamente com a cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa. O que estaria acontecendo entre seus dois melhores amigos que ele foi tão cego a ponto de não ver? Mas não importava, não mais. Tudo estaria acabado quando ele colocasse o colar de Elisa em seu pescoço. Coisas ditas ou não ditas, coisas feitas ou não, nada disso teria mais importância. Zephir tinha parado até mesmo de cho-rar. — Por favor, vamos acabar logo com isso ‒ pediu Elisa entre soluços. ‒ O que você ia me dizer, Zephir? Ele continuou sem reação por um longo momento, então se recuperou e caminhou na direção da amiga. Ele a abraçou como jamais a abraçou em toda a sua vida, apertando o corpo dela contra o seu e sentindo aquele seu perfume que ele tanto apreciava. Ele aproximou os lábios de seu ouvido e disse: — Que você vai me fazer uma falta tremenda. Não tenho como lhe pedir para não me esquecer, pois isso acontecerá em dois minutos, mas eu jamais irei esquecê-la. E assim ficaram abraçados, por um tempo que Zephir achou longo demais, mas que nos dias que se seguiram achou que foi extremamente curto. Se soubesse disso jamais a teria soltado de seus braços, mas fi-cou surpreso com a facilidade que teve para afastá-la dele. Ele lhe deu um carinhoso beijo no rosto quando se separaram, e ela retribuiu. Zephir afastou-se um ou dois passos e, sorrindo, levou lentamente o colar dela em direção ao seu pescoço. Ela assistia a finalização do ri-tual, acenando um adeus e, mesmo às lágrimas, dando um sorriso que ele jamais esqueceria, o sorriso mais lindo que já viu naqueles lábios. Então ele não pôde mais enfrentar o destino; não pôde impedir que

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aquilo acontecesse, e ficou grato por isso. Levando o colar ao pescoço e admirando aquele lindo sorriso, finalmente disse: — Eu a amo! E esse momento ficou eternizado em sua memória. Um breve segundo que se estendeu pelo o que pareciam horas. A mão de Elisa que acena-va um adeus caiu ao lado de seu corpo. O sorriso, o seu mais belo sor-riso, sumiu-lhe do rosto repentinamente, e o que Zephir viu ali foi apenas um vazio, um rosto que não expressava sentimento algum. Ela estava confusa, mas jamais teve tempo de esboçar a reação que teria. Nesse momento o colar da Feiticeira tocou o colar do Cavaleiro, am-bos no peito de Zephir agora. Ele a viu abrindo a boca para dizer al-go, mas Elisa não teve tempo. Zephir queria ouvi-la uma última vez, saber o que ela diria diante de sua declaração, mas já era tarde demais. O ritual foi concluído. Elisa já não se lembrava dele. Estava em tran-se. Ele teria apenas alguns segundos para desaparecer antes de ela acordar confusa e completamente desmemoriada diante de sua cidade natal. Zephir não soube o que ela iria dizer, mas jamais se esqueceria daquele sorriso.

Mifitrin viu quando Zephir voltou a ser controlado pelo feitiço de Kaiser. Lentamente seus olhos adquiriram um tom mais agressivo, ao mesmo tempo em que um sorriso malicioso brotava em seu rosto. Ha-via um toque de insanidade nele, uma insanidade que o impulsionava a fazer qualquer coisa para cumprir as vontades de quem o controla-va. — Você pagará por ter se intrometido, Sacerdotisa do Tempo.

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Mifitrin permaneceu calma, sem dar atenção ao que Zephir falava. — Antes que eu te mate me diga por que está aqui. Mifitrin encarou o adversário. — Vim para ajudar os meus amigos e também para obter respostas. De alguma forma Mon está tentando escapar do Exílio e está usando vocês para isso. Zephir já tinha sua resposta. Não precisava mais perder tempo. Cor-reu com sua incrível velocidade na direção de Mifitrin e assim que fi-caram cara a cara, ele sussurrou: — Morra. Mas assim que Zephir atacou com suas garras, a única coisa que elas encontraram foi o ar. — Precisa ser mais rápido – disse Mifitrin. Zephir olhou para trás e viu a Sacerdotisa, muito longe de onde esti-vera um segundo atrás. Ela se encontrava na metade da ponte que li-gava os dois portais. Águas claras e mansas corriam sob a ponte. — Estou impressionado com as suas habilidades – disse Zephir com entusiasmo. – Nem parece uma Sacerdotisa. Mifitrin não respondeu que já foi uma Guerreira. Não precisava fazer isso, pois Zephir já sabia. Apesar de ser uma Sacerdotisa agora, os movimentos de Mifitrin eram de um Guerreiro, assim como o seu modo de andar e falar. Mas agora Zephir sabia que teria de se esforçar um pouco mais para derrotá-la, então se preparou para usar uma das ha-bilidades mais desenvolvidas. Entre os Cavaleiros ela era conhecida como a investida de Zephir, uma seqüência de ataques certeiros e rá-pidos, que derrubou praticamente todos aqueles que ousaram enfren-tar Zephir. Ele apontou os dois braços para direções opostas, exibindo suas garras afiadas. Encarou Mifitrin mais alguns segundos, então investiu con-

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tra ela. Soltando um grito, Zephir correu com incrível velocidade na direção de Mifitrin. Ele deu seu primeiro ataque, mas suas garras er-raram o alvo. Tão rápido quanto atacou, Mifitrin desviou, mas a in-vestida de Zephir era muito mais que aquilo. Um ataque atrás do ou-tro; um ataque mais rápido que o outro. Uma mistura de agilidade, habilidade e surpresa. Mifitrin não desviava os olhos dos olhos de seu oponente, mas ainda assim conseguia desviar de todos os seus golpes. Ela decifrou o truque; ele era baseado apenas em surpreender o inimigo, atacando onde ele menos esperava. Mas Mifitrin foi uma ótima Guerreira e conhecia muito bem esses truques. Assim como Meithel, ela logo descobriu que todo o corpo de Zephir funcionava como uma arma individual, perfei-tamente sincronizada com as demais. O Cavaleiro não atacava apenas com as garras, mas com cada parte do seu corpo, porém isso também não foi problema para a Sacerdotisa. Enquanto ele atacava, Mifitrin ia desviando de cada golpe e recuan-do para trás. Era uma cena impressionante de se ver. Zephir e Mifi-trin estavam frente a frente, lutando sobre a ponte. Ele atacava com uma velocidade incrível, uma velocidade em que era praticamente im-possível acompanhar os seus movimentos. Ao mesmo tempo, Mifitrin desviava de cada ataque com igual velocidade. A cada golpe ela recu-ava um passo em direção ao final da ponte, mas Zephir a acompanha-va sem deixar de atacá-la. Logo chegaram ao final da ponte e finalmente Zephir deixou de ata-car. Mais uma vez eles voltaram a se encarar, cara a cara. — Você é a primeira pessoa que resiste à minha investida – disse ele sem esconder o entusiasmo por estar enfrentando uma pessoa à altura das suas habilidades. Mifitrin sorriu.

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— Agora é a minha vez! Ela tocou seu colar e utilizou a habilidade de conjurar arma, então conjurou um longo bastão formado por luz anil. A batalha recomeçou, mas agora a cena havia se invertido. Mifitrin atacava Zephir com golpes rápidos ao mesmo tempo em que ele se defendia de cada um deles com suas garras. Enquanto Mifitrin atacava e ele se defendia, iam recuando para o lado oposto da ponte. A cada segundo os golpes de Mifitrin se tornavam mais rápidos, mas Zephir os acompanhava com incrível precisão. Já não era possível en-xergar os movimentos de cada um deles, apenas borrões. Logo estavam mais uma vez no centro da ponte, onde a disputa entre os dois havia começado. Novamente pararam, arfantes. Ambos sorri-am, pois mesmo agora sendo uma Sacerdotisa, Mifitrin sentia tanto prazer pela luta corpo a corpo como um Cavaleiro. Mas estava na ho-ra de interromper aquele prazer. — Gostei de ter um adversário com tamanhas habilidades – disse Mi-fitrin – mas está na hora de eu acabar com esta luta e ir ajudar os meus amigos. Mifitrin tocou levemente seu colar, então voltou a atacar Zephir com seu bastão anil. O Cavaleiro se defendeu facilmente do golpe, mas en-quanto observava sua adversária com uma curiosa admiração, outra Mifitrin surgiu às suas costas e o atacou. Zephir olhou espantado para trás, mas neste momento surgiu uma terceira Mifitrin e o atacou. Desta vez ele conseguiu se defender, mas ainda continuava sem entender o que estava acontecendo. — O que é isso? Mifitrin sorriu. — Eu abri pequenas fendas do Tempo. Esse feitiço serve para se ver algo que aconteceu em um período do Tempo que já se passou, em de-

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terminado lugar. Mas ao elevar a concentração, também posso mes-clar o presente com o passado dessas fendas. É por isso que você está vendo várias de mim, pois são Mifitrins do passado, de alguns segun-dos atrás. Mas de qualquer forma, ainda sou eu quem está te enfren-tando. Mifitrin deu às costas para o seu oponente e seguiu para o fim da ponte, onde o portal aberto estava esperando por ela. Zephir tentou detê-la, mas logo outra Mifitrin surgiu e o atacou. Por alguns segun-dos ele conseguiu se defender, mas a cada segundo surgia mais uma Sacerdotisa do Tempo e o atacava. Quando Mifitrin chegou ao portal que a levaria para junto de Elkens, ela olhou para trás e viu que Zephir continuava a lutar bravamente, mas ele não estava mais resistindo à grande quantidade de adversá-rias. Enquanto lutava com as Mifitrin do passado, Zephir acabou sendo jogado da ponte. Finalmente foi derrotado, então Mifitrin atravessou o portal e desapareceu.

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