Salinger - Uma Vida - Kenneth Slawenski

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Biografia do escritor

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    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel.

  • Ficha Tcnica

    Kenneth Slawenski 2010Esta traduo de Salinger. Uma vida foi publicada em acordo com Pomona England Ltd. (www.pomonauk.co.uk) e erzUahl perspektive Literary Agency M.

    & K. Grner, Germany (www.erzaehiperspektive.de).Traduo para a lngua portuguesa Texto Editores Ltda., 2011.

    Ttulo original: J. D. Salinger. A Life Raised High

    Direo editorial: Pascoal SotoEditora: Mariana Rolier

    Produo editorial: Sonnini RuizMarketing: Lo HarrisonTraduo: Luis Reyes Gil

    Preparao de texto: Giselle MouraReviso: Mrcia Duarte

    Diagramao: S4 EditorialCapa: Gabinete de Artes

    Imagem de capa: Getty Images

    Dados internacionais de catalogao na publicao (CIP-Brasil)Ficha catalogrfica elaborada por Oficina Mirade, RJ, Brasil.

    S631 Slawenski, KennethSalinger : uma vida / Kenneth Slawenski ; traduo: Luis Reyes Gil. So Paulo : Leya, 2011.

    416 p. : il.Traduo de: J. D. Salinger. A Life raised high.

    ISBN 97885630669781. Biografia. 2. Escritores americanos biografia. 3. Literatura americana.

    4. Salinger, J. D. (Jerome David), 1919-2010. I. Ttulo.11-0117 CDD 928.1

    TEXTO EDITORES LTDA.[Uma editora do grupo LeYa]

    Av. Anglica, 2163 Conj. 175/17801227-200 Santa Ceclia So Paulo SP

    www.leya.com

  • minha me

  • Introduo

    O site que mantenho na internet sobre a vida e as obras de J. D. Salinger tem crescido bastantecom o tempo e recebe um saudvel volume de trfego, mas raro ele gerar mais do que umpunhado de e-mails por dia. Por isso vocs podem imaginar minha surpresa quando fui abriros e-mails na quinta-feira, 28 de janeiro de 2010, e encontrei no trs ou quatro mensagensesperando para serem lidas, mas cinquenta e sete. E elas ficaram sem abrir tambm durantehoras, at eu ter coragem de encar-las. Quando dei uma olhada de relance no primeiro e-mailda lista, soube exatamente o que havia acontecido, e tambm soube que iria lembrar desse diapara sempre. A notcia da minha caixa de entrada que me deixou perplexo estava no cabealhomais cru e desagradvel possvel. Dizia: Descanse em paz J. D. Salinger. Deveria dizer:Areia movedia.

    Acho que aqui cabem algumas explicaes. Mais ou menos pelo mesmo tempo em que vinhatocando meu site sobre Salinger, eu estava tambm de certo modo arquitetando este livro,determinado a algum dia publicar um relato verdadeiro, justo e no sentimental da vida deSalinger, e merecidamente infundido de apreo pelas suas obras. Depois de sete anos, eu porfim conclura a tarefa. Na verdade, acabara de entregar meu ltimo captulo apenas umasemana antes. Assim, durante sete anos vivi imerso em Salinger: em seus escritos, suafilosofia e nos mnimos detalhes da sua vida. Salinger se transformara no meu companheiroconstante. E agora ele no estava mais aqui.

    Embora talvez eu pudesse ter deixado meus e-mails de lado por um tempo, senti que o siteno podia ficar ignorado. Meu ltimo post era de trs semanas atrs, uma mensagem deparabns ao escritor pelo seu aniversrio de 91 anos com votos carinhosos de uma vidalonga, que agora, de uma hora para outra, pareciam obscenos. Tentando lidar de algum jeitocom a morte de Salinger, procurei conceber um tributo, que eu j deveria ter preparado, masfora incapaz at de cogitar. Sem sucesso, busquei um sentimento que pudesse combinar com ohomem. No um epitfio. Lembrei da averso de Holden Caulfield por todas aquelas pessoasfalsas colocando flores no tmulo de Allie, at que comeou a chover e as prioridades delasmudaram na mesma hora. Salinger no acreditava na morte, e eu sabia disso. O que euprecisava oferecer era uma saudao, trazer as pessoas para um sentimento de gratido, e node pesar. O que Salinger merecia era uma afirmao, e pedi que outras pessoas se juntassem amim para apresent-la.

    Ainda duvido da qualidade do que produzi ento. Tem pouco brilho comparado com osincontveis memoriais eloquentes que Salinger tem recebido. Mas honesto e de corao.No um pranto pelo morto. um convite para uma saudao. Uma saudao no memria,mas essncia de J. D. Salinger, e eu a ofereo aqui de novo a qualquer um que deseje honraro escritor agora ou a qualquer momento nos anos que esto por vir:

    Leia. Explore, pela primeira vez ou pela vigsima, O apanhador no campo de centeio. LeiaNine Stories, Franny and Zooey, Raise High the Roof Beam, Carpenters and Seymour anIntroduction. Experimente de novo as obras de Salinger como um tributo ao autor que est to

  • entranhado nelas. Salinger, o homem, pode ter ido embora e por isso o mundo um lugarmais vazio , mas ele sempre viver nas pginas que criou, e atravs da sua arte permanecerto vivo hoje e amanh como nos dias em que caminhava pelas avenidas de Nova York epasseava pelos bosques de New Hampshire.

    Kenneth SlawenskiMaro de 2010

  • 1. Sonny

    A Grande Guerra havia mudado tudo. No incio de 1919, as pessoas acordavam num mundonovo em folha, um mundo cheio de promessas, mas tambm de incertezas. Os antigos modosde vida, crenas e pressupostos estabelecidos por dcadas eram agora questionados ouabolidos. As armas haviam silenciado fazia apenas algumas semanas. O Velho Mundo estavaagora em runas. Em seu lugar erguia-se uma nova nao pronta para assumir a liderana. Enenhum lugar nesse pas estava mais ansioso ou mais preparado para isso do que a cidade deNova York.

    Era o primeiro dia do primeiro ano de paz, quando Miriam Jillich Salinger deu luz ummenino. A irm dele, Doris, nascera seis anos antes. Nos anos posteriores ao nascimento deDoris, Miriam tivera uma srie de abortos.

    Essa criana tambm quase foi perdida. Portanto, era com uma mistura de alegria e alvioque Miriam e Solomon Salinger deram as boas-vindas ao filho. Puseram-lhe o nome deJerome David, mas desde o primeiro dia chamaram-no de Sonny.

    Sonny nasceu numa famlia judia de classe mdia, uma famlia pouco convencional ebastante ambiciosa. O ramo dos Salinger remontava vila de Sudargas, pequeno ncleojudaico (shtetl) na fronteira lituano-polonesa do Imprio Russo, uma vila onde, segundo osregistros, a famlia vivia pelo menos desde 1831. Mas os Salinger no eram muito de cultivartradio ou nostalgia. Na poca em que Sonny nasceu, seu vnculo com aquele mundo haviaquase se evaporado. O pai de Sonny era forte e motivado, determinado a seguir seu prpriocaminho na vida. Tpico filho de imigrantes, decidira se libertar de qualquer conexo com omundo em que seus pais haviam nascido, um lugar que ele considerava atrasado. EmboraSolomon no soubesse disso na poca, sua rebeldia era na verdade uma tradio familiar. OsSalinger levavam as coisas do seu jeito havia geraes, raramente olhando para trs, etornavam-se mais prsperos a cada passo. Como Sonny iria um dia ponderar, seus ancestraistinham um incrvel pendor para mergulhar de imensas alturas em pequenos recipientes degua e acertar seu alvo todas as vezes.1

    Hyman Joseph Salinger, o bisav de Sonny, havia se mudado de Sudargas para a cidademais prspera de Taurage a fim de se casar com a filha de uma famlia proeminente. Por meiode seus escritos, J. D. Salinger mais tarde imortalizaria seu bisav como o palhao Zozo,homenageando-o como o patriarca da famlia e confidenciando que sentia sempre o esprito deseu bisav zelando por ele. Hyman Joseph continuou na Rssia a vida inteira e morreu noveanos antes do nascimento de seu bisneto. Salinger o conhecia apenas por uma foto, umaimagem que lhe oferecia um vislumbre de outro mundo. Mostrava um campons idosotransbordando nobreza, bem aprumado em sua longa tnica preta, com sua barba brancaondulante e ostentando um nariz imenso um trao que Salinger confessou t-lo feitoestremecer de apreenso.2

    O av de Sonny, Simon F. Salinger, tambm era ambicioso. Em 1881, um ano de escassezde alimentos (embora no na prpria Taurage), ele abandonou o lar e a famlia e imigrou para

  • os Estados Unidos. Assim que chegou Amrica, Simon casou-se com Fannie Copland,tambm imigrante lituana, em Wilkes-Barre, Pensilvnia. O casal ento se mudou paraCleveland, Ohio, onde encontraram um apartamento em um dos muitos bairros de imigrantesda cidade e onde, em 16 de maro de 1887, Fannie deu luz o pai de Sonny, Solomon, osegundo dos cinco filhos que sobreviveram.3

    Por volta de 1893, os Salinger viviam em Louisville, Kentucky, onde Simon frequentou afaculdade de medicina. Sua instruo religiosa na Rssia foi-lhe muito til, permitindo-lheexercer a funo de rabino a fim de bancar sua educao.4 Depois de se formar mdico, Simondeixou o plpito e, aps um breve retorno Pensilvnia, mudou-se com a famlia para seudestino final no centro de Chicago, onde montou um consultrio no muito longe do CookCounty Hospital.5 Sonny conheceu bem seu av, assim como os leitores de O apanhador nocampo de centeio. O doutor Salinger viajava com frequncia a Nova York para visitar o filhoe nele que foi baseado o av de Holden Caulfield, aquele amvel homem que iria deixarHolden encabulado ao ficar lendo em voz alta, dentro do nibus, todos os nomes de placas derua. Simon Salinger morreu em 1960, pouco antes de seu centsimo aniversrio.

    ***

    Na abertura de O apanhador no campo de centeio, Holden Caulfield recusa-se acompartilhar o passado de seus pais com o leitor, tachando de ridculo fazer qualquer relatosobre o que eles faziam antes que eu nascesse e toda essa lenga-lenga tipo DavidCopperfield. Meus pais, ele explica, teriam um troo se eu contasse qualquer coisa ntimasobre eles. Essa atitude esquiva demonstrada pelos pais de Holden foi diretamente importadadas atitudes da me e do pai do prprio Salinger. Era raro Sol e Miriam falarem de eventospassados, especialmente com seus filhos, e essa atitude criou um ar de segredo que permeou olar dos Salinger e fez com que Doris e Sonny crescessem como pessoas muito reservadas.

    O zelo dos Salinger por sua privacidade tambm levou inveno de rumores. Com opassar dos anos, a histria de Miriam e Sol foi em vrias ocasies embelezada. Isso comeouem 1963, quando o crtico literrio Warren French repetiu uma declarao de um artigo darevista Life, segundo a qual Miriam seria escocesa-irlandesa. Tempos depois, essaespeculao transformou-se numa assero de que a me de Salinger havia de fato nascido emCounty Cork, Irlanda. Isso por sua vez levou quela que talvez a histria mais comumenterepetida sobre a me e o pai de Salinger: que os pais de Miriam, supostamente catlicosirlandeses, se opunham tanto ao casamento dela com Sol, pelo fato de ele ser judeu, que noderam ao casal outra escolha a no ser fugir para casar. E que depois dessa atitude de desafioda filha eles nunca mais falaram com ela.

    Nada disso tem qualquer base em fatos, se bem que na poca da sua morte em 2001, at airm de Salinger, Doris, estava convencida de que sua me nascera na Irlanda e que ela eSonny haviam sido propositalmente impedidos de ter contato com os avs.

    As circunstncias que envolveram a famlia de Miriam e seu casamento com Sol j eramsuficientemente dolorosas sem os ornamentos de todos esses boatos. No entanto, os pais deSalinger exacerbaram essa dor ao tentarem encobrir seu passado dos filhos. Com isso, no sderam margem criao de verses fictcias sobre a sua histria, mas tambm confundiram os

  • filhos. Ao tentarem restringir a curiosidade natural de Doris e Sonny, Miriam e Sol acabaramdando credibilidade a um passado inventado que permaneceu com eles a vida inteira.

    A me de Sonny nasceu como Marie Jillich, em 11 de maio de 1891, em Atlantic, umapequena cidade do meio-oeste americano no Estado de Iowa.6 Seus pais, Nellie e GeorgeLester Jillich, Jr., tinham vinte e vinte e quatro anos, respectivamente, na poca em que elanasceu, e segundo registros ela era a segunda dos seis filhos sobreviventes.7 Os avs deMarie, Sr. George Lester Jillich e Mary Jane Bennett, foram os primeiros Jillich a se instalarem Iowa. Neto de imigrantes alemes, Sr. George viera de Massachusetts para Ohio, ondeconheceu e se casou com a esposa. Ele serviu por um breve tempo no 192o Regimento deOhio durante a Guerra Civil, e depois que voltou para casa, em 1865, Mary Jane deu luz opai de Marie. Sr. George acabou virando um bem-sucedido comerciante de gros e por voltade 1891 tinha uma boa posio como chefe do cl Jillich, com seus filhos George Jr. e Frankseguindo-lhe os passos nos negcios.

    Embora Marie mais tarde sustentasse que sua me, Nellie McMahon, nascera em KansasCity em 1871, filha de imigrantes irlandeses, quatro registros do Censo federal (1900, 1910,1920 e 1930) sugerem que mais provvel que ela fosse de Iowa. A tradio familiar sustentaque Marie conheceu Solomon no incio de 1910 numa feira regional perto da fazenda dafamlia Jillich (uma localizao improvvel, j que nunca existiu tal fazenda). Gerente de umcinema de Chicago, Solomon, apelidado de Sollie pela famlia dele e de Sol por seusamigos, tinha mais de 1,80 metro de altura e um toque sutil de sofisticao de cidade grande.Com apenas dezessete anos, Marie era de uma beleza impressionante pele clara e longoscabelos ruivos, que constrastavam com a tez mais morena de Sol. A paixo entre os dois foiimediata e intensa, e Sol estava decidido a se casar com Marie desde o incio.

    Uma rpida srie de eventos, alguns deles dolorosos, iria ocorrer naquele ano, culminandocom o casamento de Marie e Sol na primeira metade de 1910. Enquanto os Salingercontinuavam melhorando de posio desde a chegada de Simon, os Jillich de repenteenfrentavam dificuldades. O pai de Marie morrera no ano anterior.8 Sem condies de mantera famlia, a me dela havia pego o filho mais novo e se instalado em Michigan, onde casou denovo mais tarde. Marie no foi com a me, devido idade e ao seu relacionamento com Sol.Seu rpido romance e casamento com Solomon foram portanto providenciais, especialmentese levarmos em conta que, poca que Sonny nasceu, em 1919, a me de Marie, Nellie,tambm j havia morrido.9 A perda de ambos os pais talvez fosse suficiente para que Marierelutasse em falar deles at mesmo com os prprios filhos. Em vez de se ater ao passado, elase dedicou totalmente a uma nova vida com o marido. Tendo agora apenas os Salinger comofamlia, buscou ser aceita por eles adotando o judasmo e mudando o nome para Miriam, airm do patriarca Moiss.

    Simon e Fannie achavam que Marie, com sua pele branca leitosa e cabelo ruivo, pareciauma pequena irlandesa.10 Numa cidade com milhares de garotas judias para escolher, elesnunca imaginaram que Sollie iria trazer para casa uma garota no judia de cabelo vermelho doIowa, mas aceitaram Miriam como sua nova nora, e ela logo se mudou para a casa deles emChicago.

    Miriam arrumou emprego no mesmo cinema de Sol e foi trabalhar na bilheteria. Apesar dos

  • esforos dos dois, o cinema no foi adiante e fechou, obrigando os recm-casados a sarematrs de outro emprego. Ele logo arrumou um cargo na J. S. Hoffman & Company, umaimportadora de queijos e frios da Europa conhecida pelo nome comercial de Hofco. Aps adecepo com o cinema, Sol jurou que nunca mais iria falhar nos negcios e se aplicou s suasnovas obrigaes na empresa com muito afinco. Essa dedicao deu frutos, e depois donascimento de Doris, em dezembro de 1912, ele foi promovido a gerente geral da diviso deNova York da Hoffman, tornando-se, como ele declarou sem entusiasmo, gerente de umafbrica de queijos.11

    A nova posio de Sol exigiu que os Salinger se mudassem para o centro de Nova York,onde se instalaram num apartamento confortvel na West 113th Street, 500, perto daUniversidade Columbia e da Catedral de Saint John, the Divine. Embora Sol estivesse agorano negcio de vender, alm dos queijos, uma linha de pernis sem dvida, a menos kosherdas comidas , ele conseguira manter a tradio dos Salinger de avanar em relao geraoprecedente, uma conquista da qual estava muito orgulhoso. Mas os negcios acabaramabsorvendo-o totalmente, e na poca de seu trigsimo aniversrio em 1917, seu cabelo estavatodo cinza ferro.12

    ***

    A dcada de 1920 foi de uma prosperidade sem precedentes, e nenhum lugar tinha brilhomaior que a cidade de Nova York. Era a capital econmica, cultural e intelectual da Amrica,talvez at do mundo. Seus valores se irradiavam pelo continente atravs do rdio e eramabsorvidos por milhes de pessoas por meio de revistas e jornais. Suas ruas detinham ocontrole da vitalidade econmica das naes, e sua propaganda e seus mercadosdeterminavam os desejos e gostos de uma gerao. Nesse lugar e nesse tempo muitooportunos, os Salinger prosperaram.

    Entre o nascimento de Sonny em 1919 e o ano de 1928, Sol e Miriam mudaram deresidncia trs vezes, sempre para um bairro mais rico de Manhattan. Quando Sonny nasceu,eles moravam na Broadway, 3681, num apartamento situado no North Harlem. Antes do finaldaquele ano, haviam se mudado para o seu bairro original em Nova York, uma casa no nmero511 da West 113th Street. Uma mudana mais ambiciosa ocorreu em 1928, quando a famliaalugou um apartamento a poucas quadras do Central Park, na West 82nd Street, 215. Esta casaj tinha dependncias de empregada, e Sol e Miriam logo contrataram uma criada que dormiaem casa, uma inglesa chamada Jennie Burnett. Sonny cresceu num ambiente de conforto cadavez maior, protegido pelos mimos dos pais e por seu status social cada vez mais elevado.

    Na dcada de 1920, religio e nacionalidade ganhavam importncia cada vez maiorconforme a pessoa ascendia na escala social. Em Nova York, especialmente, linhagem eprotestantismo eram as marcas de respeitabilidade. Conforme os Salinger ascendiam e seaproximavam do centro da cidade, entravam cada vez mais em uma atmosfera de intolernciaque iria se revelar desconfortvel.

    Como reao a isso, eles criaram Sonny e Doris com uma mistura indiferenciada detradies religiosas e tnicas. Nunca obrigaram os filhos a irem igreja ou sinagoga, e afamlia celebrava tanto o Natal quanto a Pscoa judaica. Mais tarde na vida, Salinger iria

  • construir a maioria de seus personagens com antecedentes similares. Tanto a famlia Glasscomo a Tannenbaum admitiam com naturalidade sua herana meio crist, meio judaica, eHolden Caulfield comentaria que seu pai havia sido catlico por um tempo, mas [havia]desistido.

    Miriam adorava o filho. Talvez porque o seu parto havia sido difcil ou como reao ao fatode ela ter se sentido abandonada durante a prpria juventude, ela sempre o cobria de mimos.Nada do que Sonny fizesse estava errado. Isso colocou Solomon na incmoda posio detentar disciplin-lo e ao mesmo tempo tentar no despertar a ira da esposa, que podia serconsidervel. Pela maioria dos relatos, quando surgia uma crise familiar, era em geral apalavra de Miriam que prevalecia, o que deixava Sonny com rdea frouxa.

    Salinger se desenvolveu sob as atenes da sua me e foi muito prximo dela a vida inteira,chegando a dedicar O apanhador no campo de centeio minha me. Ela sempre acreditouque seu filho tinha um destino grandioso pela frente, uma crena que ele veio a compartilhar.Consequentemente, havia entre os dois um raro lao de compreenso. J bem adulto, Salingere sua me trocavam cartas de fofocas, e ele se deliciava em contar-lhe as histrias fortes daspessoas que conheceu. Mesmo durante a guerra, Miriam gostava de recortar artigos de revistasde artistas de cinema e mandar para o filho, acrescentando seus prprios comentriosrabiscados nas margens. Salinger passava horas no front lendo os clippings que sua me lhemandava, enquanto sonhava com Hollywood e com o lar. Dando fora um ao outro dessamaneira, Miriam e Jerome compartilhavam um senso de humor e uma proximidade que osunia, o que com frequncia implicava a excluso de outras pessoas. Pelo fato de sua mecompreend-lo to bem e acreditar no seu talento completamente, ele passou a esperar amesma reao dos outros e tinha pouca pacincia ou considerao por quem duvidasse dele ouno compartilhasse seu ponto de vista. Entre os que duvidavam estava o pai de Salinger.Conforme ganhou status, Sol passou a se identificar com o mundo de seus vizinhos, em geralhomens de negcios ricos e corretores da Bolsa, e deixou que seus antecedentes de filho deimigrantes judeus passassem discretamente para segundo plano. Em 1920, quando descreveu asi mesmo como o gerente de uma fbrica de queijo aos funcionrios do Censo, admitiu queseus pais tinham nascido na Rssia. Em 1930, j apresentou sua situao de modo diferente,informando ao Censo que trabalhava na produo de alimentos como comerciantecomissionado e que seus pais haviam nascido em Ohio. Solomon claramente no via nada deerrado em se camuflar, como uma forma de alcanar o sucesso. Embora alguns possam verisso como evidncia de um talento para a fico que seu filho depois herdaria, Sol veiorepresentar justamente os valores que seu filho desprezava, aspectos que os futurospersonagens de Salinger iriam condenar, como usar de falsidade, fazer concesses e serganancioso.

    Pior ainda, Sol nunca pareceu entender as aspiraes de seu filho e ficava imaginando porque Sonny no conseguia ser mais prtico. Quando Salinger, numa idade precoce, expressou odesejo de se tornar ator, Sol fez pouco da ideia, apesar da aprovao tcita da esposa. Equando mais tarde Sonny anunciou a inteno se se tornar escritor, Sol zombou de novo. Nosurpreende, portanto, que Salinger tenha crescido considerando seu pai estreito de viso einsensvel, e a relao entre os dois tenha ficado tensa. Anos mais tarde, o melhor amigo deSonny, Herb Kauffman, lembraria de uma vez num jantar na casa dos Salinger, quando era

  • adolescente, em que Sonny e Sol comearam a brigar: Sol simplesmente no queria que seufilho fosse escritor, ele observou, acrescentando que Jerome com frequncia tratava o paicom desdm.

    Talvez por insistncia de Sol, Sonny era enviado todo vero, nas frias, a Camp Wigwam,que ficava longe da cidade de Nova York, no meio dos bosques do Maine. No entanto, se Solesperava que a experincia de Sonny no acampamento fosse ensin-lo a ser mais submisso, elese equivocou. Fundado em 1910, Camp Wigwam era um modelo de diversidade, e dava fortenfase tanto ao atletismo quando s artes criativas. Sonny cresceu nessa atmosfera. Osregistros de Camp Wigwam mostram que ele era muito bom em esportes e em outrasatividades de grupo, mas que sentia uma atrao especial pela programao de teatro doacampamento. Em 1930, aos onze anos, Jerome (no acampamento Salinger era chamado tantode Sonny como de Jerome) participou de vrias peas ali, estrelando duas delas, e foinomeado Ator Favorito do Acampamento.13 Essa distino produziu um fascnio pelo teatroque duraria muitos anos. Salinger tambm se destacava fisicamente. Era mais alto que asoutras crianas, e a foto do grupo do acampamento de 1930 mostra-o olhando por cima doresto, com a camisa rasgada de brincadeira para ficar parecido com Tarz.

    Pelo fato de desfrutar de toda essa ateno, Salinger gostava de Camp Wigwam, e asmemrias dos veres de sua infncia nas montanhas sempre foram felizes e vvidas. Maistarde na vida, elas iriam inspir-lo a procurar refgio num ambiente similar e a voltar para lem suas histrias, mandando seus personagens para acampamentos, um atrs do outro.

    ***

    Em 1930, a Grande Depresso pegou a Amrica em cheio. A cidade de Nova York no eramais o lugar das oportunidades. As cenas fulgurantes de intenso comrcio e otimismo foramsubstitudas por filas de po e por desespero. Se Sol e Miriam haviam dado grandes passosem direo alta sociedade na dcada anterior, agora essa ascenso tornava-seimpressionante. Desafiando a onda de pobreza que permeava a cidade, os Salingercontinuaram a ficar cada vez mais ricos e a melhorar seu status social. Em 1932, fizeramaquela que seria sua ltima mudana: cruzaram o Central Park at o majestoso Upper EastSide. Sol trouxe a famlia para um luxuoso apartamento no bairro de Carnegie Hill, na ParkAvenue, 1133, esquina com 91st Street. Numa cidade de bairros contrastantes, onde oendereo era um fator que definia o quanto uma pessoa valia, a nova casa dos Salinger era umtimo indcio de seu sucesso. Luxuoso e confortvel, o prestigioso edifcio tinha vista doCentral Park e ficava a uma distncia relativamente curta a p do zoolgico do parque e doMetropolitan Museum of Art. Os Salinger estavam to orgulhosos de seu novo lar que durantemuitos anos usaram um papel de carta personalizado cujo cabealho no trazia o nome dafamlia, mas inclua o endereo na Park Avenue.

    At a mudana dos Salinger para o 1133, Sonny frequentou escolas pblicas no West Side.Mas os filhos de homens de negcios da Park Avenue no iam para escolas pblicas. Emgeral, eram mandados para escolas internas particulares de prestgio, longe de casa. OsSalinger queriam algo parecido para seu filho, mas no estavam dispostos a v-lo longe, entodecidiram coloc-lo no j familiar West Side, e o matricularam na McBurney School, na West

  • 63rd Street.A McBurney com certeza era um progresso em relao escola pblica, mas estava bem

    longe das esplndidas escolas secundrias frequentadas pelos novos vizinhos dos Salinger.Mais impressionante ainda que a escola era dirigida pela vizinha YMCA, o que significavaque Sonny, que na poca tinha treze anos, foi direto do seu bar mitzvah para a AssociaoCrist de Moos.

    Na McBurney, Sonny desenvolveu um interesse cada vez maior por teatro, apresentando-seem duas peas da escola. Era tambm capito da equipe de esgrima, cujo equipamento maistarde ele alegou ter perdido no metr. Tambm comeou a escrever e participou do jornal daescola, The McBurnian. Quanto aos estudos, parecia desatento e entediado nas aulas, epassava os dias olhando atravs da janela para o Central Park e visitando o Museu de HistriaNatural, que ficava perto. Como resultado, suas notas davam apenas para passar de ano e ocolocavam perto dos piores alunos da classe. No ano escolar de 1932-1933, tirou 66 emlgebra, 77 em biologia, 80 em ingls e 66 em latim. O ano letivo de 1933-1934 foi pior: 72em ingls, 68 em geometria, 70 em alemo e 71 em latim.14 Numa escola pblica, Sonnypoderia ter ido levando com essas notas, mas numa escola particular, onde a mdia das notasinflua no custeio dos estudos, seu desempenho era inaceitvel. Apesar de frequentar aManhasset School durante o vero, numa tentativa de melhorar a sua mdia, a direo daMcBurney solicitou que ele no se matriculasse em 1934.

    A expulso de Sonny da McBurney tambm cortou sua ligao com a YMCA, que seria sualtima conexo da infncia com uma organizao religiosa formal. Conforme seus paisavanaram socialmente, a educao de Sonny e Doris foi ficando cada vez mais secular, atque, em meados da dcada de 1930, a famlia abandonou qualquer indcio externo de filiaoreligiosa. Quando Doris se casou em maio de 1935, numa cerimnia que teve lugar na sala deestar dos Salinger, o casamento no foi oficiado nem por um rabino, nem por um padre, maspelo famoso reformador humanista John Lovejoy Elliott, o lder da New York Society forEthical Culture.

    ***

    Em setembro de 1934, Sonny tinha quase dezesseis anos. Os pais perceberam que seu filhoestava numa encruzilhada. Com relutncia, viram que precisava de uma atmosfera maisdisciplinada do que a domstica. Com uma me supertransigente e um pai controlado pelaintensidade da me, ficou evidente que Sonny deveria ser mandado para um internato. Sonnyqueria estudar arte dramtica, mas Sol se ops: com a Depresso ainda espreita, nenhumfilho dele iria virar ator. Sonny em vez disso iria frequentar uma escola interna militar.

    Seria fcil imaginar que Sol mandou Sonny embora como uma espcie de punio por eleter sido recusado pela McBurney. No entanto, tudo indica que os Salinger escolheram a ValleyForge Military Academy juntos, como famlia. Tambm provvel que Sonny tenhaconcordado em se matricular na Valley Forge sem os protestos ou a rabugice que poderamosassociar ao personagem Holden Caulfield. A lgica por trs dessa concluso simples:Miriam nunca teria obrigado o filho a fazer o que quer que fosse contra a vontade dele, e Solno ousaria desafiar Miriam.

  • Depois de entrar em contato com a academia, Sol decidiu no acompanhar o filho naentrevista para a matrcula. O fato de ele no comparecer tem sido citado como uma prova dadeteriorao do relacionamento entre pai e filho; mas havia outra razo, mais perturbadora,para a ausncia de Sol. A Depresso teve um efeito sombrio na posio dos judeus naAmrica. A dcada de 1930 foi uma poca de antissemitismo nos Estados Unidos, como emoutras partes. Muitos americanos colocaram a culpa do colapso econmico na cobia dosbanqueiros e passaram a olhar com ressentimento para os judeus, muitos dos quais eramfiguras destacadas nessa rea. Essa animosidade foi profunda, e os judeus forammarginalizados ou excludos da vida social em vrios nveis. A educao no foi exceo. Amaioria das universidades e escolas particulares aplicou cotas a fim de manter as matrculasde judeus num nvel mnimo. Sol sem dvida tinha conscincia dessa poltica. Quando chegouo dia da entrevista de Sonny na Valley Forge, ficou em casa. Mandou a mulher, com sua tezbranca e cabelo ruivo, no lugar dele. Nada indica que Sol tenha alguma vez tentado negar suareligio. Mas nesta ocasio ele escolheu no se sujeitar a um escrutnio que poderiaprejudicar as chances do filho. Ao longo de todo o seu problemtico relacionamento, nadapoderia falar mais alto sobre o amor que Sol tinha pelo filho do que sua ausncia naquele dia.

    Quando Sonny, sua irm e a me chegaram a Valley Forge na tera-feira, 18 de setembro,procuraram ostentar seu melhor comportamento. Com a matrcula marcada para o sbadoseguinte, era importante que causassem boa impresso, especialmente porque a McBurneyenviara o histrico de Salinger para a academia junto com uma avaliao resumida docandidato, onde qualificava sua ateno como confusa e o punha em dcimo-quinto lugarnuma classe de dezoito alunos. A McBurney medira o QI de Sonny em 111, comentando queembora sua capacidade fosse plena, ele no era aplicado. Segundo o relatrio, o garotohavia sido duramente afetado pela adolescncia em seu ltimo semestre conosco (sic).Felizmente, a Valley Forge ainda era uma escola nova, que competia com academias maisricas e mais na moda. Assim, mesmo que o solicitante fosse confuso, ela relutava emrecusar a mensalidade de um calouro, e a matrcula de Sonny foi aceita. Dois dias mais tarde,desde o seu escritrio na Franklin Street em Manhattan, o aliviado Sol Salinger enviou academia os 50 dlares da taxa de matrcula junto com um bilhete agradecendo aoentrevistador por sua cortesia. Tendo em mente o relatrio da McBurney, ele tambm garantiuao diretor da escola, Chaplin Waldemar Ivan Rutan, numa carta datada de 20 de setembro de1934, que Jerome ir se comportar adequadamente e... o senhor descobrir que seu espritoescolar excelente.

    ***

    Quando Jerome entrou na Valley Forge em 1934, juntou-se aos outros 350 cadetes naqueleregime escolar de disciplina, instruo militar e rotina rgida. Os cadetes eram tirados dacama s 6 horas da manh para iniciar um dia de treinamentos, aulas, palestras e marchasinterminveis. As atividades eram conjuntas e obedeciam a um esquema rigoroso. Os cadetesdormiam em quartos compartilhados, comiam juntos no refeitrio e exigia-se que fossem missa aos domingos. O toque de recolher era s 10 horas da noite em ponto, encerrando o dia.Todos esses rituais eram supervisionados de perto e realizados dentro de uma atmosfera

  • militar que enfatizava o dever, a honra e a obedincia. As infraes s regras eram tratadascom severidade; e havia muitas regras em Valley Forge. Os itens pessoais de um cadetedeviam ser arrumados segundo as normas. Era obrigatrio usar uniforme em todas as ocasiese mant-lo impecvel. Sair dos limites da academia era uma falta grave. Estava proibida apresena de mulheres no campus. Podia-se fumar apenas com autorizao escrita dos pais docadete e era proibido faz-lo nos dormitrios.

    Depois de passar a vida sendo mimado pela me, recusando-se a se empenhar mais nosestudos e no dando ateno s poucas regras que por ventura lhe eram impostas, o ingressonesse mundo de disciplina militar inflexvel foi um grande choque para Jerome. O que tornou atransio ainda mais difcil foi o fato de muitos dos cadetes de Valley Forge no gostaremdele. Salinger era um adolescente magricela, desengonado (as fotos de escola mostram-nodesajeitadamente enfiado no seu uniforme, sempre na ltima fileira), com uma atitudenovaiorquina que alguns estudantes consideravam pedante. Outros cadetes se ressentiam dofato de ele ter entrado em Valley Forge dois anos depois da maioria e de ter escapado comisso do trote dos calouros. Sozinho, e sem o apoio da famlia pela primeira vez, Sonny serefugiou no sarcasmo e numa aparente indiferena, atitudes que no o tornavam popular.

    Salinger logo se adaptou. Ele descartou o apelido Sonny e recusou-se a ser chamado deJerome. Conhecido agora apenas como Jerry Salinger, comeou a ostentar um humor mordaz,que atraiu um punhado de cadetes para o seu lado, alguns dos quais se tornariam seus amigosmais dedicados. Vrios dos cadetes mais velhos, como William Faison e Herbert Kauffman,continuaram ligados a Salinger por muito tempo depois de formados. Os dois colegas dequarto de Salinger, os cadetes Richard Gonder e William Dix, tornaram-se seus amigosntimos. Dcadas mais tarde, Salinger relembrou Dix como o melhor e o mais amvel,15enquanto Gonder rememorava com alegria suas faanhas com Salinger, descrevendo Jerrycomo prepotente, mas amoroso.16

    Fica claro que Salinger usou Valley Forge como inspirao para a escola secundria deHolden Caulfield ao escrever O apanhador no campo de centeio, e os leitores tm procuradodesde ento descobrir a personalidade de Holden dentro do jovem Salinger. Aoridicularizarem a falsidade das escolas que frequentavam e os presunosos que conduziam arotina, Jerry e Holden compartilhavam vrios atributos. Como Holden, Salinger gostava dequebrar as regras, mesmo que fosse s para dar uma escapada do campus por algumas horasou fumar dentro do dormitrio. Os dois garotos gostavam de ficar arremedando os outros,tinham um humor cido e viviam fazendo piada. Mas para cada qualidade de Holden queSalinger exibia em Valley Forge, exibia tambm outra muito diferente das do personagem queiria criar.

    s vezes, Salinger era convidado casa de seu professor de ingls para um ch da tarde, eessas reunies sem dvida foram a inspirao para as visitas de Holden ao professor Spencerno Apanhador no campo de centeio, mas com certeza nunca implicaram ficar sujeito adiscursos sobre a vida ou a ensaios sobre os egpcios.

    Havia realmente um cadete chamado Ackley matriculado em Valley Forge na poca deSalinger. Muito tempo depois da publicao da novela, o melhor amigo de Ackley saiu emdefesa dele com veemncia, afirmando irado que seu amigo no tinha nada a ver com o

  • personagem do livro.O desventurado personagem de James Castle tambm parece ter se baseado em fatos. Os

    colegas de Salinger relataram que um cadete morreu ao pular de uma janela da academiapouco antes de Salinger entrar para a escola. Havia uma evidente controvrsia a respeito decomo fora essa queda, e a tragdia virou imediatamente uma lenda do campus.

    O coronel Baker, fundador da Valley Forge, e seu equivalente, o senhor Thurmer, diretor daPencey, se pareciam em vrios aspectos. Os dois eram vidos coletores de fundos econstruram uma espcie de aldeia Potemkin para as famlias dos cadetes aos domingos. Todoempertigado e cheio de ornamentos militares, o coronel Baker deve ter sido um alvo fcil dasgozaes sarcsticas de Jerry. No entanto, anos depois, Salinger recorreu a Baker em vriasocasies para procurar ajuda e aconselhamento, e foi o endosso dado por Baker ao carter deSalinger que muitas vezes serviu para ofuscar as opinies de outras pessoas.

    Salinger saiu-se bem em Valley Forge. Apesar da sua revolta ntima contra o autoritarismodo lugar, a academia sem dvida lhe deu a disciplina que precisava para se aplicar mais. Suasnotas melhoraram bastante. Ele criou um pequeno crculo de amigos ntimos. Envolveu-se nasatividades do campus, incluindo esportes e, o que no era muito do seu feitio, o coral. Osclubes e grmios dos quais Salinger fez parte em Valley Forge iriam ser-lhe teis mais tarde.O Clube Francs, o Clube de Oficiais No Comissionados, o Plebe Detail (um grupo deoficiais cadetes), o Clube de Aviao e seus dois anos de servio no Corpo de Treinamentode Oficiais da Reserva iriam todos ser teis durante seu servio militar na Segunda GuerraMundial e, ainda que o escritor relutasse em admiti-lo, talvez o tenham ajudado a sobrevivernaqueles anos.

    Embora Salinger preenchesse todos os requisitos esperados de um cadete,17 seusverdadeiros interesses eram o teatro e a literatura. Alm de desenvolver as atividades queeram exigidas dele, Salinger filiou-se a duas organizaes do campus cuja importnciaeclipsava todas as outras: o clube de teatro, Mask and Spur, e o clube do anurio daacademia, Crossed Sabres.

    Depois que suas atuaes nas peas da McBurney lhe permitiram conquistar a reticenteadmirao do corpo docente, que no mais lhe era hostil, atuar no palco era algo que entrarapara a zona de conforto de Salinger e ele morria de vontade de continuar representando depoisque foi exilado para Valley Forge. Assim, embora possa ter se filiado maioria dos outrosclubes por obrigao, ele entrou para o Mask and Spur por convico. Nenhum dos dezoitooutros atores iniciantes do clube era mais talentoso do que Jerry, e ele participou de todas aspeas que foram montadas. Popular ou no, todos concordaram que Salinger era um ator nato.Um colega lembrou que mesmo fora do palco ele sempre falava de uma maneira pretensiosa,como se estivesse recitando alguma coisa de Shakespeare. Os anurios da Academiadestacam fotos de Salinger, que d todas as mostras de estar muito vontade no figurino dapea, fazendo caretas para a cmera e se divertindo.

    Salinger com frequncia declarava ter virado escritor em Valley Forge. Os amigos lembramdele rabiscando sob as cobertas luz de uma lanterna, bem depois do toque de recolher.

    Ele foi o editor literrio do anurio nos dois anos em que frequentou a escola e aparece com

  • destaque nas duas edies. Na verdade, difcil virar uma pgina de Crossed Sabres tanto de1935 como de 1936 sem deparar com Jerry Salinger. Ele retratado em quase todos osclubes, em todas as peas, e aparece at na equipe editorial do anurio. Sua foto de 1936 grande, ocupando meia pgina. Suspeita-se at que Jerry tenha dado uma mo no layout doanurio, que quase poderia passar por um suplemento fotogrfico de O apanhador no campode centeio. H fotos da capela, da torcida no jogo de futebol e at de um jovem montado numcavalo saltando. Mas a maior contribuio de Salinger para o Crossed Sabres foram seusescritos. Sua voz pode ser ouvida praticamente em cada pgina: irnico, observador e com umhumor amvel. Ao fazer previses sobre seus colegas de classe numa seo chamadaProfecias da Classe, Salinger previu que um cadete iria jogar strip poker com MahatmiGhandi (sic), enquanto ele mesmo iria escrever uma grande pea de teatro.18

    ***

    Quando Salinger se formou pela Valley Forge em 1936 depois de dois anos muitoconstrutivos, parecia ter encontrado seu caminho. Quaisquer que fossem suas apreenses aoentrar na escola, havia explorado seus talentos num grau que teria sido improvvel em NovaYork. possvel entrever em sua precocidade e suas observaes mordazes que Jerry sentiaafeto pelo lugar. Por meio da Crossed Sabres , ele legou escola um presente ao se formar,que traduzia de modo fiel o esprito que ele cultivara l, aquela mistura de cordialidadegenuna com sarcasmo velado. Salinger escreveu a letra da cano da classe de 1936, e elaainda cantada em Valley Forge at hoje:

    Hide not thy tears on this last day.To march no more midst lines of gray,

    No longer play the game.Four years have passed in joyful ways.

    Wouldst stay these old times dear?Then cherish now these fleeting days

    The few while you are here.The last parade, our hearts sink low:

    Before us we survey Cadets to be, where we are nowAnd soon will come their day.

    Though distant now, yet not so far,Their years are but a few.

    Aye, soon theyll know why misty areOur eyes at last review.

    The lights are dimmed, the bugle soundsThe notes well neer forget.

    And now a group of smiling lads:We part with much regret.

    Goodbyes are said, we march ahead

  • Success we go to find.Our forms are gone from Valley Forge

    Our hearts are left behind.19

    ***

    No outono de 1936, Salinger matriculou-se na Universidade de Nova York, no campus daWashington Square, com a inteno de se formar bacharel em artes. A Washington Square, quefica no Greenwich Village, levou Salinger de volta sua casa na Park Avenue e mesmaatmosfera que sua ida para Valley Forge tivera a inteno de evitar. Longe da disciplina daacademia militar, ele logo voltou ao tdio e disperso.

    primeira vista, a faculdade da Washington Square parecia um cenrio ideal para Salinger.Vanguardista nos seus gostos e tendncias, esta seo da Universidade de Nova York eraconhecida pela sua fuso entre o esprito acadmico e o artstico. Tudo indicava que Salingeriria se sobressair ali e talvez fosse essa sua inteno. Mas a atmosfera bomia do campus doVillage talvez tenha servido mais como disperso do que como uma oportunidade paraSalinger desenvolver seu talento. Os arredores da faculdade, com seus teatros, cinemas ecafs, talvez tenham exercido uma atrao muito mais irresistvel em Salinger do que a sala deaula. Das matrias em que se inscreveu, no se sabe quantas ele realmente frequentou. Aoreceber as notas das primeiras provas, quando j estava no segundo semestre, ficou claro queno iria passar, e ele de uma hora para outra abandonou a faculdade.

    Depois que Salinger saiu da Universidade de Nova York, o pai tentou dar-lhe algumadireo. Homem prtico, Sol esperava envolver Jerry no negcio de importao de queijos efrios, que tinha sido to bom para ele. Jerry, claro, no tinha a menor inclinao para seguiro caminho do pai, ento Sol de certo modo aucarou ou disfarou a oferta. Depois de informaro filho que sua educao formal estava formalmente concluda,20Sol ofereceu-lhe, de formano muito detalhada,21 a oportunidade de viajar para a Europa a pretexto de aprimorar seufrancs e seu alemo. Esperando com isso que o filho viesse a desenvolver um interesse pelonegcio de importao, Sol arranjou-lhe uma viagem Polnia e ustria como intrpretepara um parceiro de negcios da Hofco, muito provavelmente um exportador de pernilchamado Oskar Robinson, um dos homens mais ricos da Polnia e conhecido em toda aEuropa como o Rei do Bacon. Salinger concordou. Na realidade, no tinha muita escolha.Quaisquer que fossem as opes que ele tivesse a respeito dessa questo, elas estavamexcludas pelas suas notas baixas. Assim, no incio de abril de 1937, Salinger partiu para aEuropa, onde passaria aquele ano.

    Depois de curtas estadias em Londres e Paris, ele viajou at Viena. L, passou dez mesesmorando no bairro judeu da cidade com uma famlia que logo passou a adorar e com cuja filhateve seu primeiro caso de amor srio. Sabemos pouco a respeito da famlia austraca deSalinger, apenas que ele a idealizou a ponto de consider-la um smbolo de pureza eintegridade pelo resto da vida. Salinger com frequncia iria relembr-los, e com umaidealizao cada vez maior, fazendo comparaes entre a vida no seio da sua prpria famliae a felicidade domstica que encontrara em Viena. Com Ernest Hemingway, ele mais tarderelembraria a beleza inocente da filha daqueles judeus austracos. Ao ser acometido pelo

  • desalento aps a guerra, voltou para a ustria tentando localiz-la, em vo. Em 1947,imortalizou-a, bem como famlia dela, em sua histria A Girl I Knew.

    Enquanto Salinger se ocupava do seu romance austraco, seu patrocinador polons, OskarRobinson, morria de um ataque cardaco num cassino de Viena, pelo que consta depois deganhar na roleta, e Salinger foi enviado para o norte, at a cidade polonesa de Bydgoszcz,onde ficou num apartamento de hspedes do frigorfico de Robinson e experimentou o ladomais bsico do negcio de importao de seu pai.22 Isso inclua levantar antes do amanhecer etrabalhar com camponeses no matadouro da cidade. Toda manh, Salinger iria dar duro,abatendo porcos destinados ao mercado americano como pernis de piquenique enlatados.Junto com ele ia o principal mestre abatedor, que adorava disparar sua arma nas lmpadaseltricas, sobre as cabeas de porcos guinchando, e nos pssaros que ousavam cruzar seucaminho. Logo ficou claro para Jerry que seja l do que se tratasse a vida de um exportador decarne, os porcos dominavam a maior parte dela. Se Salinger aprendeu algo na Polnia, foi queno havia sido feito para o tipo de trabalho do pai.

    Em 1944, Salinger sustentava que, numa tentativa de faz-lo aprender o negcio familiar,seus pais haviam-no arrastado at a Polnia para sacrificar porcos.23 Em 1951, o editorda The New Yorker , William Maxwell, concluiu que, embora Salinger odiasse a soluotentada pelo pai para os seus problemas, no h experincia, agradvel ou no, que no sejavaliosa para um escritor de fico.24 Alm disso, impossvel examinar o ano que Salingerpassou na Europa fora do contexto da poca. A atmosfera de ameaa to presente na ustria ena Polnia enquanto Salinger viveu l com certeza teve profundo efeito sobre o jovemaspirante a escritor e iria marcar at suas memrias mais caras desses lugares com as dores aeles associadas.

    A estadia de Salinger se deu num momento crucial da histria. Em 1938, a Europa estavaentrando de cabea na Segunda Guerra Mundial. Nos meses em que viveu em Viena, osnazistas austracos assediavam o poder, e criminosos nazistas, libertados das prises apesardos crimes que haviam cometido, aterrorizavam as ruas de Viena com total impunidade.Passantes suspeitos de terem ascendncia judaica eram obrigados a varrer as sarjetas paraescrnio dos espectadores, enquanto lares e negcios judeus eram roubados por bandos desaqueadores. Ao testemunhar esse pesadelo, a sensao de risco pessoal de Salinger s erasuperada pelos seus temores em relao famlia que o acolhera em Viena. Ele podiaabandonar aquele lugar perigoso, mas seus anfitries no tinham para onde ir. Antes queSalinger voltasse para Nova York, as foras alems j haviam entrado em Viena, e a ustriadeixara de existir como nao. Em 1945, todos os membros da famlia austraca de Salinger jhaviam sido mortos no Holocausto.

    Ao chegar Polnia, Salinger entrou numa nao to tensa quanto a ustria havia sidoperigosa. Rodeada de inimigos, a Polnia vivia imersa num sentimento de inquietao que eleno tinha como no sentir aps o que testemunhara na ustria. Poucas daquelas pessoas queSalinger conheceu enquanto sacrificava porcos iriam sobreviver.

    Em 9 de maro de 1938, Salinger embarcou no le de France em Southampton para osEstados Unidos. De volta segurana do apartamento de seus pais na Park Avenue, longe dastenses da Europa, sentiu-se feliz por estar em casa. Mas a observao acima de Maxwell

  • contm mais de um elemento de verdade. A vida de Salinger podia no ter sido afetada pelaEuropa da maneira que seu pai esperava, e talvez ele no estivesse menos perdido do que aopartir, mas depois de ter estado com pessoas cujas vidas eram to diferentes da sua, vidasfeitas de luta e perigo constantes, aprendeu a valorizar pessoas com as quais antes disso teriasentido ter pouca coisa em comum. Nos anos seguintes, quando Salinger foi lutar na Alemanhadurante a Segunda Guerra Mundial, essa mudana de atitude ficou muito evidente. Enquantoviveu na Europa durante 1937-1938, Salinger acabou se aproximando da cultura alem, dalngua alem e do povo alemo, e aprendeu a distinguir entre os alemes merecedores deadmirao e os nazistas no meio deles.

    ***

    No outono, Salinger matriculou-se na Ursinus College, situada na zona rural da Pensilvnia,no muito longe da Academia Militar de Valley Forge. Tirando a sua localizao familiar, afaculdade era um destino improvvel para Salinger. A Ursinus era patrocinada pela igrejaalem reformada, e muitos dos colegas de Salinger vinham das famlias holandesas daPensilvnia. Os estudantes da Ursinus tinham que usar crachs com seu nome e trocarcumprimentos toda vez que se cruzavam no campus. Um lugar pequeno, isolado, Ursinus eratotalmente diferente do complexo mundo do Upper East Side de Manhattan em que Salingerhavia sido criado.

    O efeito de um garoto judeu privilegiado de Nova York estudando naquela pequenafaculdade deve ter sido extraordinrio. Embora muitos dos antigos colegas de Salinger emUrsinus afirmem mal lembrar dele, outros o guardam na memria com ressentimento geralmente os colegas de Salinger do sexo masculino. As mulheres invariavelmenteconservaram lembranas agradveis de Jerry (o que talvez explique a atitude hostil dosestudantes homens de Ursinus). Na poca em que Salinger comeou a frequentar a Ursinus,tinha quase vinte anos e j era um jovem bonito, de sorriso maroto. Com mais de 1,80 metrode altura e um porte esbelto, destacava-se no grupo. Seus dedos eram compridos, apesar demanchados de nicotina e com as unhas rodas. Sua pele era morena e seu cabelo quase preto.Mas seu atributo mais memorvel deve ter sido os olhos, profundos, penetrantes e escuros.Tudo isso compunha uma aparncia quase extica para a Ursinus de 1938, e as mulheres oadoravam. Quarenta e sete anos mais tarde, uma das alunas de Ursinus relembrou:

    Jerry no era algum que voc pudesse esquecer facilmente. Era um novaiorquinobonito, gentil e sofisticado, num casaco Chesterfield preto [. . .]. A gente nunca haviavisto nada assim. Ficvamos encantadas com seu humor cortante e cido [. . .]. Amaioria das garotas ficou doida por ele na hora.25

    Alm de encantar as mulheres, Salinger perseguiu seus outros interesses com entusiasmorenovado. Das oito matrias em que se matriculou, quatro estavam relacionadas a linguagem eescrita: literatura inglesa, francs e dois cursos diferentes de composio em ingls. Ao entrarpara o jornal da faculdade, The Ursinus Weekly , logo ganhou sua prpria coluna. De inciochamada de Musings of a Social Soph: The Skipped Diploma [Meditaes de um Sofista

  • Social: O Diploma Omitido], no levou muito tempo para mudar de nome para J.D.S.s, TheSkipped Diploma. Esses artigos consistiam em comentrios de Jerry sobre diversos tpicosdo campus, desde frases espirituosas sobre a vida na faculdade at longas e invariavelmentesarcsticas resenhas sobre peas de teatro. Ele j criticava regularmente romances por seremphony [falsos, mistificadores, fteis].

    Numa ocasio, saiu atacando a escritora Margaret Mitchell: Pelo bem de Hollywood, seriabom que a autora de E o vento levou rescrevesse o romance, dando senhorita ScarlettOHara ou um olho um pouco vesgo, um dente cariado ou um sapato tamanho 42.26 Em outraresenha de livros, tratou com igual desdm seu futuro amigo Ernest Hemingway: Hemingwayconcluiu sua primeira pea completa. Esperamos que seja digna dele. Ernest, ao nosso ver,tem trabalhado de menos e falado demais desde O sol tambm se levanta, Os assassinos eAdeus s armas .

    The Skipped Diploma com certeza no era nada que se aproximasse da literatura, masmesmo assim foram as primeiras coisas que ele publicou e ainda lido por seus admiradores embora muitas vezes com uma mistura de decepo e absolvio. Se h algo em TheSkipped Diploma que remotamente se relacione com a prpria situao de Salinger, ou pelomenos com sua deciso de frequentar a Ursinus, est contido em um de seus primeiroscomentrios, intitulado Story e datado de 10 de outubro de 1938: Era uma vez um hovem queestava cansado de tentar deixar crescer o bigode. Esse mesmo jovem no queria trabalhar parao seu Paizinho ou para qualquer outro homem pouco razovel. Ento o jovem voltou para afaculdade.

    Quisesse ou no trabalhar para o seu Paizinho, Salinger ficou na Ursinus por apenas umsemestre, antes de voltar para Nova York. Embora suas notas na Ursinus no fossem boas, elegostou da experincia e sempre falou muito bem da faculdade e do tempo que passou l. Noentanto, j encontrara uma direo definida para a sua vida: o desejo de se tornar escritorprofissional. Era uma deciso que exigia confiana e convico e que tambm precisaria doapoio de outras pessoas.

    Depois que saiu da Ursinus, Salinger no procurou aprovao dos pais para o caminho quedecidira tomar. Em vez disso, simplesmente anunciou sua inteno de se tornar escritor,apresentando-a como um fato consumado. Sua me, claro, deu total apoio, mas Sol semostrou menos entusiasmado. Em 1938, os Estados Unidos ainda engatinhavam para sair daGrande Depresso. Sol passara os ltimos nove anos protegendo sua famlia da pobreza e dodesespero que a rodeava. Vira homens de negcios brilhantes destrudos pelas incertezasdaqueles anos e sabia que a vida no d garantias. Para Sol, a deciso de Sonny pareciaimprudente e perigosa. Se havia um fosso entre pai e filho, ele com certeza se ampliou ento.Mais tarde, Salinger ainda teria dificuldades em perdoar o pai por aquilo que entendeu comouma falta de viso e de confiana da parte dele.

    Salinger encontrou apoio numa fonte mais objetiva do que seus pais. Em Valley Forge,fizera amizade com um cadete mais velho, de Staten Island, chamado William Faison. Napoca em que Salinger se formou, Faison apresentou-lhe sua irm mais velha, ElizabethMurray, que acabara de voltar da Esccia, onde vivera com o marido e a filha de dez anos deidade. Por volta dos trinta anos de idade, refinada, culta e muito viajada, Elizabeth deixou

  • Salinger encantado, e ele logo passou a respeitar a opinio dela mais do que a de qualqueroutra pessoa. Por sua vez, Elizabeth apoiava Jerry totalmente. Em 1938, comearam a se vercom frequncia, passando longas noites nos restaurantes e cafs do Greenwich Village,discutindo literatura e as ambies de Salinger. Ele lia suas histrias para ela, que davasugestes. A conselho de Elizabeth, Salinger comeou a ler F. Scott Fitzgerald. Ele descobriuem Fitzgerald no s um escritor que podia ser tomado como modelo, mas tambm umaespcie de alma gmea. Elizabeth Murray entrou na vida de Salinger quando ele maisprecisava de estmulo, e ele tinha com ela uma imensa dvida de gratido. Continuariamamigos e confidentes por muitos anos. Por volta do final de 1938, Salinger j havia tomado afirme deciso de ser escritor profissional. Como concesso aos pais, dos quais apenas umapoiava sua pretenso, concordou em voltar para a faculdade mais uma vez, agora paraestudar composio literria.

    1 J. D. Salinger, Raise High the Roof Beam, Carpenters and Seymour An Introduction (Boston: Little, Brown andCompany, 1991), p. 144

    2 Ibid., p. 177.

    3 Certides de nascimento de Solomon Salinger, Conselho de Sade da Cidade de Cleveland, 16 de maro, 1887. Essedocumento d a Fannie 22 anos de idade e a Simon 26. O local de nascimento de ambos os pais dado como Polania, Rssia,j que a Litunia era ento parte do Imprio Russo. O documento tambm fornece como endereo dos Salinger Hill Street, 72,Cleveland, um endereo que no existe mais.

    4 Paul Alexander, Salinger: A Biography (Los Angeles: Renaissance Books, 1999), p. 31.

    5 Ibid.

    6 Nmero do ndice de Falecimentos da Previdncia Social 107-38-2023; Miriam Jillich Salinger. Os registros da PrevidnciaSocial e do Censo do 1891 como ano de nascimento da me de Salinger, mas Miriam com frequncia insistia ter nascido em1882.

    7 Dcimo segundo Censo dos Estados Unidos, 1900.

    8 Dcimo terceiro Censo dos Estados Unidos, 1910.

    9 Dcimo quarto Censo dos Estados Unidos, 1920.

    10 De Sidney Salinger para o autor, 26 de dezembro de 2005.

    11 Dcimo quarto Censo dos Estados Unidos, 1920.

    12 Servio Militar Obrigatrio, Solomon Salinger, 5 de outubro de 1917. O alistamento foi para a Primeira Guerra Mundial econtinha uma descrio fsica dele aos 30 anos.

    13 Anurio de Camp Wigwam de 1930, p. 65.

    14 Boletins de 1932-1933 e 1933-1934 para Jerome Salinger, da McBurney School, cpias nos Papis de Trabalho de IanHamilton.

    15 Salinger a Jeffrey Dix, julho de 1993.

    16 Richard Gonder a Ian Hamilton, maro de 1985.

    17 Na primavera de 1936, a submisso de Salinger ao esprito e ao currculo da academia foi recompensada por sua promoo

  • a coronel-cadete, poca de sua graduao.

    18 J. D. Salinger, Class Prophecy, Crossed Sabres, anurio da Academia Militar de Valley Forge de 1936.

    19 No oculta tuas lgrimas no ltimo dia./Tua tristeza no deve envergonhar-te: / No marchars mais em meio a linhascinza, / no haver mais jogo para jogar. / Quatro anos se foram, divertidos. / Iremos lembrar deles com carinho? / Entovamos celebrar esses dias fugazes, / So poucos e ainda estamos juntos. / ltimo desfile, o corao se aperta: / Bem nossafrente j vislumbramos / Futuros cadetes, esto aonde estamos agora / E logo chegar seu dia. / Embora distante agora, masnem tanto, / Eles tm poucos anos pela frente. / Ah, logo sabero por que esto marejados, / nossos olhos na ltima revista. /As luzes vo sumindo, a corneta toca / As notas que jamais esqueceremos. / E agora um grupo de jovens sorrindo: / Partimos,no h outro jeito. / Todos se despedem, marchamos em frente, / O sucesso nos aguarda. / Nossas formas partiram de ValleyForge, / Mas nossos coraes ficaro l. (N. do T.)

    20 J. D. Salinger, A Girl I Knew, Good Housekeeping, fevereiro de 1948, p. 37.

    21 Aqui a inferncia de Salinger que seu pai nunca lhe mencionou que a viagem era para a Polnia, pois esse detalhe teriafeito Salinger parar para pensar.

    22 A Polnia se orgulha de suas ligaes com Salinger. H planos em Bydgoszcz de homenage-lo com um festival Salingeranual e de colocar uma esttua no local onde ele trabalhou, que hoje um shopping center. Segundo o jornal Krakow Post, foiescolhido um projeto em 2009 com uma escultura de Salinger em p sobre um fardo de centeio.

    23 J. D. Salinger, Contributors, Story, novembro-dezembro de 1944, p. 1.

    24 William Maxwell, J. D. Salinger, Book-of-the-Month Club News, julho de 1951.

    25 Francis Glassmoyer a Ian Hamilton, 12 de fevereiro de 1985.

    26 J. D. Salinger, Musings of a Social Soph: The Skipped Diploma, The Ursinus Weekly, segunda, 10 de outubro de 1938, p.2.

  • 2. Ambio

    Salinger matriculou-se na Universidade Columbia em janeiro de 1939. Inscreveu-se num cursode escrita de contos dado por Whit Burnett, que tambm era editor da revista Story, e numcurso de poesia ministrado pelo poeta e dramaturgo Charles Hanson Towne. Embora jdecidido a adotar a escrita como meio de vida, Salinger ainda no sabia bem a que gnero sededicar. A partir do seu interesse por arte dramtica, via-se fazendo roteiros de cinema, mastambm tinha interesse em escrever contos. Assim, tentando chegar mais perto de uma deciso,inscreveu-se nos dois cursos, dados por profissionais bem conhecidos e bastante diferentesum do outro na abordagem e no estilo.

    Whit Burnett gostava de correr riscos. Ele e sua ento esposa, Martha Foley, haviamfundado a revista Story em Viena em 1931, durante o pior perodo da Depresso. Em 1933, ocasal mudou a empresa para Nova York, montando escritrios na Fourth Avenue. Sob aorientao de Burnett, a Story dedicou-se a apresentar o trabalho de jovens escritores, amaioria dos quais havia sido recusada por revistas mais convencionais e mais populares. Ofaro esttico de Burnett era bem confivel, e ele apresentara ao mundo autores comoTennessee Williams, Norman Mailer e Truman Capote. Com uma modesta circulao de 21mil exemplares em 1939 e sempre lutando para pagar as contas, a Story era respeitada noscrculos literrios e considerada frente do seu tempo.

    Em contraste com Burnett, Charles Hanson Towne era a imagem do convencionalismo.Sessenta e um anos de idade quando Salinger entrou para o seu curso, Towne se destacava emquase todas as reas da literatura. Profissionalmente, havia sido editor e dirigira muito bemvrias revistas de grande circulao, como Cosmopolitan, McClures e Harpers Bazaar .Apesar das responsabilidades editoriais, Towne ainda arranjava tempo para trabalhar em seusprprios escritos. Os termos prolfico e multiforme mal definem a extenso da suaproduo. Escreveu muitas peas de teatro, novelas, letras de msicas e at um manual deetiqueta. Mas o grande amor de Towne era a poesia. Seus poemas, como seus outros esforos,faziam sucesso porque atendiam s expectativas dos leitores. Sua poesia sempre rimava eusava as frases rebuscadas que os leitores da poca esperavam encontrar. Um exemplo tpicodo estilo de Towne seu poema de 1919, Of One Self-Slain [Sobre um Suicida]:

    When he went blundering back to God,His songs half written, his work half done,

    Who knows what paths his bruised feet trod,What hills of peace or pain he won?I hope God smiled and took his hand,

    And said, Poor truant, passionate fool!Lifes book is hard to understand:

    Why couldst thou not remain at school?27

  • O que Salinger esperava aprender com versos assim no fica claro, mas provvel que sesentisse atrado por Towne devido fama dele como autor de peas teatrais e no por suareputao como poeta. Towne, no entanto, escolhera ensinar poesia na Columbia, obrigandoSalinger a estudar uma forma de arte pela qual nunca expressou nenhum interesse mais srio.

    A ida de Salinger para a Columbia foi sua terceira tentativa de cursar uma faculdade em trsanos, e a aposta agora era alta. Em Ursinus, ele tinha se gabado com os colegas de classe deque um dia escreveria o Grande Romance Americano. Havia at desafiado os pais com seupedido de que o deixassem frequentar aulas de composio literria a fim de realizar seupotencial. Mas assim que o semestre comeou, Salinger j estava mais aptico edesconcentrado do que nunca. Na aula de Burnett, era raro se apresentar como voluntrio, eno produziu quase nada. Em vez disso, como Burnett com frequncia iria relembrar, passavao tempo sentado na ltima fileira, olhando para fora da janela.28

    Em contraste com seu desempenho aptico nas aulas de Burnett, Salinger mostrava-se maisconsciencioso nas aulas de poesia. Sem dvida, sentia ter mais coisa em comum com CharlesHanson Towne do que com Whit Burnett. Towne havia sido mais bem-sucedido como escritordo que Burnett, e seu interesse por arte dramtica e dramaturgia coincidia com o de Salinger.Nas aulas de Towne, Salinger desenvolveu um interesse genuno por poesia, tentando criarversos que revelavam um forte desprezo pelas ambies da classe alta. Embora seus trabalhosna aula de contos tenham desaparecido, ainda sobrevive uma amostra da sua poesia na pocada Columbia. Entre os papis coligidos de Charles Hanson Towne, h vrios trabalhos feitospor seus alunos da Columbia em 1939, incluindo um de Jerry Salinger intitulado Incio doOutono no Central Park, que comea com Slobber and swarm, you condemned brownleaves...29 [Gosmentas e aglomeradas, oh condenadas folhas marrons].

    No final do seu primeiro semestre na Columbia, Salinger foi recompensado, emreconhecimento sua aplicao, se no ao seu talento, com um exemplar do livro de poesia deTowne de 1937, An April Song. provvel que cada um dos outros nove estudantes de poesiade Towne tenha tambm recebido um exemplar. A dedicatria no livro de Salinger dizia:

    Para Jerome Salinger,Por sua dedicada ateno no curso de primavera, 1939,

    na Universidade Columbia,de Charles Hanson Towne, Nova York, 24 de maio de 1939.

    Na Columbia, algo profundo aconteceu com Salinger que o tirou da sua complacncia. Oevento no ocorreu na aula de poesia de Towne, como Jerry poderia ter esperado, mas na aulade Burnett; e embora tenha sido um evento sutil, mudou Salinger para sempre. Foi num dia emque Whit Burnett decidira ler em voz alta para seus alunos That Evening Sun Go Down, deWilliam Faulkner. Burnett leu a histria num tom de voz impassvel: Voc recebia seuFaulkner direto, sem qualquer intermediao, Salinger relembrou. Nem por uma nica vez...Burnett se intrometeu entre o escritor e seu amado leitor silencioso.30 O exerccio ensinou aSalinger os limites da boa autoria e o respeito pelo leitor. Ao longo da sua carreira, elelembraria da lio de Burnett e se esforaria para escrever a partir dos bastidores, a nunca

  • interferir com o leitor e a histria, submergindo o prprio ego para permitir uma comunicaodireta entre o leitor e o personagem.

    Segundo Salinger, Burnett costumava chegar atrasado na sala de aula e sair antes do sinal,mas ensinava com humildade e eficcia. Sua paixo por contos contagiava a classe, e seuamor por essa forma de arte j era por si o maior dos ensinamentos. Dando a conhecer aosseus alunos escritores de todos os status e estilos, ele apresentava cada histria sem emitiropinio, ensinando a eles no s a importncia de uma boa escrita, mas tambm de uma atitudereverente em relao leitura.

    Portanto, no final foi a inspirao de Whit Burnett que assumiu as rdeas. Como resultado,Salinger finalmente passou a se aplicar aos seus estudos. Tambm comeou a escrever fora dasala de aula, em casa e por iniciativa prpria. Depois de passar seu primeiro semestreolhando pela janela e soltando piadas para o aluno do lado, Salinger se inscreveu de novo nocurso de Burnett e fez nova tentativa.

    Em setembro, Jerry ocupou seu lugar na aula de segunda noite de Burnett, mais uma vezsentando quieto na ltima fileira, dissimulando o fato de que algo dentro dele havia mudado eque esse algo estava sabotando aquela atitude anterior insolente, sarcstica que ele ostentaraem toda a sua vida escolar. Numa carta a Burnett naquele ms de novembro, Salingerdeclarou-se arrependido, admitindo que havia sido preguioso e havia se trancado demais noprprio ego.31 Encarando por fim as coisas com seriedade, e tomando uma deciso que exigiacerta coragem, abordou seu professor com uma amostra variada de seus escritos. Folheando aspginas, Burnett ficou surpreso ao descobrir o grande talento que se escondia naquele jovemaptico da ltima fileira. Vrias histrias pareciam vir da sua mquina de escrever jprontas, ele lembrou anos mais tarde, ainda com assombro, e a maioria delas acabou sendopublicada.32

    Por volta do final daquele semestre, Whit Burnett havia virado mentor de Salinger, umafigura quase paterna a quem Jerry recorria para obter aconselhamento e aprovao. Salingeracabou se assentando a partir desse esforo para agrad-lo. Suas cartas da poca o retratammuito como o garoto ingnuo, cheio de admisses de ignorncia e de surtos de pieguice. Talera sua gratido em relao s atenes de Burnett que certa vez ele chegou a garantir aoeditor que faria qualquer coisa por ele exceto cometer um assassinato.33

    Ao final de 1939, Salinger terminara um conto chamado The Young Folks , e apresentou-o aBurnett para que este fizesse uma reviso. Burnett gostou tanto do conto que sugeriu a Salingerapresent-lo Colliers, uma revista popular, que publicava contos entremeados de anncioschamativos. Colliers, The Saturday Evening Post, Harpers e algumas outras revistas paramulheres eram conhecidas tambm como the slicks [as acetinadas] e eram o veculo maiscomum para publicao de contos nas dcadas de 1930 e 1940.34

    Na manh de 21 de novembro, Salinger, com o manuscrito em mos, foi at os escritrios daColliers no centro da cidade e entregou sua histria pessoalmente. A revista o recusou, comoSalinger suspeitou que faria.35 Esta, porm, era a primeira vez que Jerry encarava a briga defoice do ambiente editorial, e ele estoicamente reconheceu o valor da experincia.

    Depois que a lio de seu estudante com as slicks foi completada, Burnett pediu de volta ooriginal de The Young Folks e levou-o Story Press, onde ficou semanas engavetado enquanto

  • ele discutia com os prprios botes se devia public-la ou no na revista Story. Para Salinger,a quem Burnett no prometera nada, a espera deve ter parecido uma eternidade.

    Whit Burnett no ficou mimando Salinger. No descobriu um gnio literrio sentado naltima fileira da sua aula de segunda-feira e quis projet-lo instantaneamente para a fama. Emvez disso, forou Jerry a batalhar pelo prprio sucesso. Como mentor, Burnett pode muito bemter tido a inteno de publicar seu aluno, mas como professor exigiu primeiro que seu alunoesgotasse outras opes. S depois que The Young Folks foi rejeitado por uma outra revista que Burnett veio em seu resgate e recuperou a histria.

    Pouco depois de seu vigsimo primeiro aniversrio, em janeiro de 1940, Salinger foinotificado pela Story de que The Young Folks havia sido aceita e seria publicada na prximaedio. Ele escreveu a Whit Burnett dizendo-se emocionado e tambm de algum modoaliviado. Imaginou seus antigos colegas de classe dizendo: Graas a Deus, sem dvida ele jfalou sobre isso o suficiente!.36 Entusiasmado com seu feito e ansioso para seguir adiantecom as prprias pernas como escritor profissional, Salinger decidiu no se matricular de novona Columbia. Seus dias de estudante haviam terminado.

    Convencido agora de ter embarcado num caminho brilhante de triunfos literrios, Salingertratou The Young Folks como um recm-nascido. Em 5 de fevereiro, a revista Story informou-lhe que iria distribuir cartes anunciando a publicao do conto e o aparecimento do novoautor no cenrio literrio. Salinger de bom grado deu os nomes dos destinatrios dos cartes eem troca recebeu uma cpia da edio antes do lanamento.

    Salinger disse que cada dia que passava espera da publicao da revista parecia umavspera de Natal. Impaciente, planejou sair para comemorar, mas em vez disso foram seuspais que saram, deixando Jerry sozinho em casa para passar alguns dias tocando discos,tomando cerveja, levando a mquina de escrever de um quarto para o outro e lendo em vozalta para o apartamento vazio.37 Distrado com sua excitao, foi apenas em 24 de fevereiro,quase seis semanas depois que The Young Folks havia sido aceito, que Salinger lembrou deagradecer devidamente revista pela oportunidade. A reao de Burnett ao entusiasmo deJerry foi quase paternal. Ele disse a Salinger que esperava que a apresentao do conto semostrasse altura do seu olhar discriminador e convidou-o para o jantar anual do Clube dosEscritores em maio. Salinger aceitou satisfeito.38

    A edio de primavera da revista Story finalmente apresentou ao mundo os escritos de J. D.Salinger. Dentro de sua capa em vermelho e branco descansava seu conto de cinco pginas,pelo qual o escritor recebeu, com atraso, 25 dlares. A histria satirizava personagens queeram muito parecidos com ele mesmo e com as pessoas que conhecia: estudantes de faculdadede classe alta obcecados com os detalhes insignificantes de suas vidas precrias. Eracaracterstico de sua poca e fortemente influenciado pelo estilo de escrita de F. ScottFitzgerald.

    The Young Folks basicamente um dilogo entre dois jovens que se conhecem numa festa:uma garota impopular chamada Edna Phillips e William Jameson Junior, um bebedor deusque que ri as unhas e que lembra o prprio Salinger. A maior parte de sua conversa tensa, j que Edna tenta de todas as maneiras manter a ateno de Jameson; ele estobviamente distrado com uma loira estpida que ele v sendo cortejada na sala ao lado.

  • Como muitos de seus futuros personagens, os jovens desajustados fumam um cigarro atrsdo outro para se entreter, o que permite a Salinger criar o adereo central da histria: umacigarreira com incrustaes de pedras imitando diamantes da qual Edna fuma o ltimo de seuscigarros. Quando Jameson por fim consegue se livrar da companhia de Edna, ela vai para oandar de cima e entra numa srie de quartos vazios, cujo acesso estava vedado aosconvidados. Depois de vinte minutos, Edna volta. Do outro lado da sala uma atraente loiraest sentada, curtindo a companhia de um punhado de garotos. Um deles segura um usquenuma mo e ri as unhas da outra. Edna ento abre sua pequena cigarreira preta comincrustaes de pedras imitando diamantes e contendo uma dzia de cigarros mais ou menos.Tirando um, pede aos outros participantes da festa que troquem de msica. Edna Phillips querdanar.

    ***

    Como a Grande Depresso persistia, as pessoas gostavam de ler sobre as afortunadas vidasdos ricos. Mas em vez de retratar a vida dos jovens afluentes como algo invejvel, The YoungFolks acendeu um forte refletor sobre as verdades poucos glamorosas da alta sociedade. Eleexpunha o vazio e as realidades pouco romnticas de sua existncia mimada: os personagensdo primeiro conto de Salinger so tolos e frgeis, e seu traquejo social trivial h muito tempoeclipsou qualquer vestgio de introspeco ou empatia.

    Quando a euforia de Salinger em relao a The Young Folks comeou a se atenuar, eledescobriu que era incapaz de vender outro conto. Durante oito meses, fez vrias tentativasseguidas com outras revistas, recebendo apenas bilhetes de recusa como resposta. Por fora,dava mostras de estoicismo, afirmando reconhecer o valor do processo e comentando comWhit Burnett que estava por fim orientado para a sua nova carreira. Mas, por dentro, sentia umdesalento cada vez maior e reconsiderava a possibilidade de se tornar ator ou de escreverpara o teatro.

    Em maro de 1940, Salinger submeteu apreciao de Burnett outra tentativa chamada TheSurvivors, que ele devia ter comeado no ano anterior. O trabalho confirmou o talento deSalinger, mas Burnett achou que seu final era ambguo e devolveu-o para que ele refizesse otexto. No ms seguinte, Salinger apresentou outra histria ao editor, uma pea de dilogo tensointitulada Go See Eddie, sobre uma femme fatale belssima mas autocentrada que devastava avida das pessoas sua volta para fugir do tdio. Burnett tambm recusou essa tentativa, masfez isso com muita gentileza, explicando que embora ele pessoalmente gostasse do texto, arevista no tinha como encaix-lo, uma desculpa comum na Story Press.39 Em 16 de abril,ele mandou uma carta a Salinger sugerindo que a histria fosse encaminhada revista Esquiree incluiu uma carta de referncia pessoal destinada ao editor da Esquire, Arnold Gingrich.Salinger dissimulou sua decepo com uma resposta otimista no dia seguinte, expressando suagratido a Burnett por ter aprovado pessoalmente a histria. Isso j quase satisfaosuficiente, declarou ele do modo ambguo; mas enquanto escrevia essas palavras, Go SeeEddie j estava a caminho da Esquire junto com o aval de Burnett.40 Semanas mais tarde, ootimismo de Salinger comeou a minguar. A Esquire recusara Go See Eddie e parece evidenteque outras tentativas acabaram tendo destino similar.

  • Naquele maio, entretanto, a Harold Ober Associates, uma das agncias literrias de maiorprestgio na Madison Avenue, concordou em representar Salinger. A agncia designouDorothy Olding, uma agente que estava havia dois anos na Ober, para colocar o trabalho deSalinger no mercado. Com trinta anos recm-completados, Olding j tinha alguma projeo epodia contar entre seus clientes com Pearl S. Buck e Agatha Christie. Mas no foi a prpriaOlding que impressionou Salinger. A Harold Ober Associates era a agncia literria de seudolo, F. Scott Fitzgerald. No entanto, se Jerry esperava que sua nova agente fosse garantir quesuas histrias seriam compradas pelas revistas, estava enganado. Logo depois de assinar coma Ober, ele relatou que havia uma histria sua aguardando para ser publicada na HarpersBazaar. Mas nenhuma histria de Salinger iria aparecer na Harpers antes de 1949, e no foipossvel encontrar nenhuma outra referncia a esse texto. Outra pea sem ttulo foi submetida aWhit Burnett em agosto. Tambm foi recusada.

    Salinger pelo menos podia atenuar suas dvidas com o fato de saber que Scott Fitzgeraldsofrera um perodo similar de rejeio. Na verdade, bastaria que Salinger andasse apenas umquarteiro para que pudesse apreciar o apartamento onde Fitzgerald havia sentado, remoendosua prpria incapacidade de vender seu trabalho. Pois quando Fitzgerald se mudou pelaprimeira vez para Manhattan, apenas seis semanas aps o nascimento de Salinger, instalou-sena Lexington Avenue, 1395, esquina com a 92nd Street. Para chegar l, Salinger s tinha quedobrar a esquina do prdio onde morava agora, na Park Avenue.

    Com a Ober parecendo incapaz de promover suas histrias, Salinger ficou ansioso ecomeou a falar de novo em virar dramaturgo. Pensou em reescrever The Young Folks para oteatro e fazer ele mesmo o papel principal. Por um tempo, tentou escrever roteiros para ordio e fez uma curta colaborao num programa de rdio produzido pela Story Press.41 Demodo geral, teve pouco sucesso em escrever roteiros para rdio e considerou seriamente apossibilidade de desistir de vez de escrever.42 Fiquei imaginando se eu j no estaria fora demoda aos vinte e um anos, angustiava-se.

    No final do vero de 1940, Salinger partiu para uma viagem de um ms pela Nova Inglaterrae pelo Canad, onde aproveitou para avaliar que rumo tomar na vida. A solido e a paisagemparecem ter tido um efeito restaurador, e ele comeou a trabalhar num longo conto sobrepessoas sentadas num lobby de hotel. Escrevendo para Burnett de Quebec, contou feliz queEste lugar est cheio de histrias. Conforme seu entusiasmo ganhava fora, Salingercomeou a perceber que estava destinado acima de tudo a ser um escritor de contos. E, peloresto de sua vida, sempre que sua criatividade empacava, ele tentava recriar os efeitos de suaestadia no Canad.

    Quando Salinger voltou, estava mais otimista do que nunca, mas alguns eventos minaram suaconfiana. Em 4 de setembro, a Story recusou outra histria. No mesmo dia, Salinger concluiuo conto sobre o hotel, que iniciara no Canad, e mandou-o para Jacques Chambrun, umobscuro agente que Burnett lhe apresentara no ms de maro anterior.43 Salinger relata terinstrudo Chambrun a apresentar seu texto Saturday Evening Post.44 No houve maisnenhuma meno a esse conto (ou a Chambrun, quanto a esse assunto), e com certeza ele foitambm rejeitado. Sem se abalar, Salinger tirou sua velha histria The Survivors do que eledescreveu como a ltima gaveta de baixo e reescreveu-a. Enviou-a de novo Story junto

  • com um bilhete encabulado, desculpando-se pela sua falta de qualidade. Como suspeitava,Burnett recusou o trabalho mais uma vez, e esta histria tambm desapareceu.

    Apesar desses contratempos, Jerry no perdeu o prumo. Longe de desanimar, em setembroanunciou a Whit Burnett e Elizabeth Murray seus planos de escrever uma novelaautobiogrfica, algo novo, prometeu.45 No ficava claro exatamente que tipo de coisa navida dele poderia ser to irresistvel a ponto de levar as pessoas a pagarem para ler, masBurnett mostrou-se entusiasmado com a ideia. Depois de sua reao bastante morna aostrabalhos recentes de Jerry, a magnitude de seu interesse deve ter sido desconcertante, masSalinger era jovem e ingnuo, embora possa ter visto as coisas de outro modo. Mas se eleachou que a seduo de uma novela iria tornar suas outras histrias mais atraentes para oeditor, estava enganado. O interesse de Burnett logo se transformou em insistncia, e emboraas rejeies da Story continuassem no mesmo nvel, eram agora acompanhadas pelos pedidosde uma novela.

    ***

    Jerry Salinger, apesar de ter forte intuio em relao ao seu objetivo, vivia perodos deprofundas dvidas, evidentes em comentrios autodepreciativos que s vezes expressavam umautntico desnimo. No entanto, Salinger possua ou acabou desenvolvendo uma notveltenacidade profissional, que preservou durante toda a sua carreira. Nunca permitiu que asdvidas a respeito de si mesmo dilussem sua ambio. Poucos traos dele poderiam ter sidomais valiosos.

    Ao examinar a carreira de Salinger, especialmente durante os primeiros anos, importantedistinguir entre ambio e confiana. Com certeza, Salinger tinha abundante autoconfiana,mas quando a confiana ficava escassa, era a ambio que lhe permitia seguir adiante. Em1940, sua ambio estava voltada para o reconhecimento e o sucesso literrio. Nos anosseguintes, o alvo da sua ambio iria mudar, mas seu instinto nunca iria abandon-lo.

    Existe uma explicao adicional para a persistente serenidade de Salinger nessa poca: seuconto Go See Eddie fora finalmente aceito para publicao. Embora no tivesse sidoescolhido por nenhuma das revistas de primeira linha, sua aceitao deve ter sido recebidarealmente como um desagravo pelo escritor.

    Ao final de 1940, Go See Eddie foi publicado pela City Review, da Universidade doKansas, uma revista acadmica de circulao restrita. Enquanto isso, Salinger comeou aesboar a estrutura de uma novela que um dia iria virar O apanhador no campo de centeio.

    Ao mesmo tempo em que Go See Eddie era publicada e Salinger recuperava a confiana, F.Scott Fitzgerald morria em Hollywood, aos quarenta e quatro anos de idade.

    ***

    Em 1941, Salinger firmou-se como um escritor em ascenso, ao mesmo tempo profundo evendvel.46 O desafio que se apresentava agora era quanto direo: durante aquele ano,Salinger produziria dois tipos diferentes de histrias, um comercial e o outro convidando oleitor cada vez mais a um autoexame. Conforme o ano passava e sua maturidade e reputaocresciam, Salinger ficou cada vez mais dividido entre os dois.

  • Nenhum contraste retrata melhor esse paradoxo que os episdios que abriram e fecharam oano de 1941: o primeiro deles relacionado a uma diverso sem compromisso e o ltimo iminncia da guerra. Sentindo-se mais encorajado pela venda de Go See Eddie, mas semdinheiro e precisando de emprego, no incio de 1941 Salinger e seu melhor amigo, HerbKauffman, arrumaram emprego na equipe de entretenimento do SS Kungsholm, um luxuosocruzeiro art dco operado pela empresa sueca American Line.47

    Em 15 de fevereiro, o navio saiu do frio porto de Nova York para uma viagem de dezenovedias pelo Caribe, com escalas em Porto Rico, Cuba, Venezuela e Panam. Junto compassageiros que procuravam as amenidades do clima tropical e um alvio para aspreocupaes despertadas pela guerra, Jerry Salinger partiu para uma espcie de frias,trabalhando, namorando garotas e relaxando com seu amigo ao sol.

    Como membro da equipe de entretenimento, Salinger fez papis em peas, acompanhou asfilhas de passageiros ricos em bailes e passou os dias organizando e participando de esportesno convs do navio. A foto de Salinger a bordo do Kungsholm mostra-o feliz, impecavelmentevestido e arrumado, a prpria imagem da simpatia. Ele adorou esses dias a bordo doKungsholm. Mais tarde, quando sua mente procurava fugir de realidades mais sombrias,sempre iria lembrar dessa viagem, das praias ensolaradas de Porto Rico e do porto de Havana luz do luar.

    O tempo vivido a bordo do Kungsholm mostraria ser um crepsculo da inocncia, noapenas para o jovem escritor, mas tambm para a nao. A Segunda Guerra Mundial comearana Europa havia mais de um ano e, embora os Estados Unidos resistissem a ser arrastadospara o conflito, este projetava uma sombra sobre cada aspecto da vida americana. Comoresposta imediata invaso da Frana pela Alemanha em 1940, o Congresso aprovara a Leide Servio Seletivo, estabelecendo o primeiro alistamento em tempo de paz da histria dopas.

    Mesmo a bordo do Kungsholm, a guerra era sempre assunto de conversas, e Salinger deixouo navio em 6 de maro tendo avaliado corretamente o apetite popular por relatos positivossobre os militares. Identificando uma oportunidade de despertar interesse nas revistascomerciais que pagavam bem, ele imediatamente redigiu The Hang of It, uma histria curta econvencional sobre as virtudes da vida no exrcito. Criada para atender s expectativas dogrande pblico leitor, a histria abandonava as tentativas anteriores de Salinger de expor asfragilidades dos jovens da classe alta e no continha nenhum vislumbre de profundidadepsicolgica. Uma histria simples, com um fecho convencional estilo O. Henry, The Hang ofIt foi concebida para fazer o leitor sorrir e com a inteno de vender bem.

    Quase numa imitao dos personagens militares da sua histria, ou talvez emulando ScottFitzgerald, que havia se alistado vinte e trs anos antes, Salinger, depois de concluir TheHang of It, tentou se alistar no exrcito e satisfazer um desejo que havia expressado no verode 1940. Talvez um pouco ingenuamente, ele se via escrevendo sua novela enquanto servisseno exrcito.

    Como Salinger nunca demonstrara nenhum patriotismo ostensivo no passado, esse desejopode parecer desconcertante. Talvez s reste especular que ele achava cada vez mais difcilescrever morando na casa dos pais. Tendo em vista sua idade e ambies, com certeza sua

  • posio no era das melhores: The Young Folks havia levantado 25 dlares, e mesmo queSalinger conseguisse vender uma histria por ms, ele claramente no poderia se bancarsozinho.

    Levando em conta seu relacionamento com a me, que no concordava em deixar o filho irembora, bastante improvvel que os Salinger permitissem que o filho se instalasse sozinhonum apartamento, mesmo que ele pedisse. Talvez tenham sido motivos desse tipo, mais do quequaisquer sentimentos em relao guerra na Europa, que o levaram a querer se juntar sforas armadas. Espantosa, vista em retrospecto, a sua ideia de que a vida no exrcitopoderia lhe permitir o tempo livre necessrio para construir uma novela.

    Quando Salinger foi at o centro de alistamento militar, teve uma surpresa desagradvel: foireprovado. Seu exame mdico revelou uma leve irregularidade cardaca que eledesconhecia.48 Na poca, as foras armadas americanas escolhiam os potenciais recrutasclassificando-os em nveis que iam de 1-A a 4-F, isto , de perfeitamente aptos a totalmenteincapacitados. O problema cardaco de Salinger deu-lhe a classificao 1-B no era umasria ameaa sade, mas era suficiente para impedir seu recrutamento. Salinger ficouindignado com o veredito. Em 1948, ele relembraria vividamente essa mgoa por meio dopersonagem Franklin de Just Before the War with the Eskimos , e tambm atravs de muitosoutros personagens que iriam sofrer as consequncias de alguma espcie de problemacardaco.49

    Embora o exrcito tivesse recusado o escritor, a instituio aceitou com entusiasmo suahistria. Tanto em 1942 como em 1943, The Hang of It foi includo no Kit de Livros paraSoldados, Marinheiros e Fuzileiros Navais , uma coletnea de histrias e desenhos destinadaa acompanhar os homens em servio no front. Assim, The Hang of It foi a primeira apariode Salinger num livro, que era carregado em batalha por inmeros soldados.

    ***

    Antes de fazer parte do Kit de Livros, The Hang of It foi publicado na Colliers, ondeganhou pgina dupla ilustrada em 12 de julho. Sob certo aspecto, Salinger via a histria comoalgo constrangedor e aconselhou os amigos a no lerem. Mas sob outro o da ambio e doavano profissional , sentiu sua estreia na Colliers como uma vitria. Naqueles dias pr-televiso, quando a leitura era a principal fonte de entretenimento leve, a Colliers era umadas revistas mais populares do pas e garantia aos seus colaboradores uma imediata exposioem escala nacional. E pagava bem. Assim, embora Salinger estivesse insatisfeito com a faltade contedo srio da histria, ficou impressionado com o retorno produzido pelo enfoquecomercial dela. Alm disso, raciocinou, se conseguisse se firmar nos locais mais populares,eles iriam pensar melhor e talvez aceitassem suas obras mais incisivas e arriscadas.50

    O vero de 1941 produziu o cenrio perfeito para Salinger explorar esse recentereconhecimento, quando ele saiu de frias com seu velho amigo de Valley Forge, WilliamFaison, irmo mais novo de Elizabeth Murray. Eles passaram o vero juntos na casa deMurray, na rica cidade de praia de Brielle, em New Jersey. Murray, que Salinger apelidara desua Golden Girl, estava orgulhosa de seu recente sucesso e ansiosa para apresent-lo aosseus amigos, um crculo social do qual faziam parte os pais da elite das debutantes. Em julho

  • de 1941, portanto, Salinger viu-se no meio de um monte de moas ricas e bonitas, que eramassunto constante das colunas sociais dos jornais o tipo de garota que ele havia descrito tosarcasticamente em suas histrias. Entre elas, o inseparvel trio composto por Carol Marcus,que estava namorando o escritor William Saroyan; Gloria Vanderbilt, a famosa pobre meninarica; e Oona ONeill, filha do dramaturgo Eugene ONeill.

    Animada e cativante, Oona ONeill tinha uma beleza que era frequentemente descrita comoperturbadora e enigmtica. Para aumentar seu atrativo, o pai era o maior dramaturgo daAmrica, um aspecto que com certeza elevava seu status aos olhos de Salinger. Mas apesardas descries serem quase sempre elogios rasgados sua beleza, poucos atribuam a Oonaqualquer profundidade de carter. Ela parecia ser uma garota rica superficial, preocupadaapenas consigo mesma. Alguns culpavam o pai. Eugene ONeill abandonara a famlia quandoOona tinha apenas dois anos de idade e a ignorara desde ento, deixando-a com umapersonalidade vida de ateno e uma frivolidade que era exacerbada pelas suascompanheiras, Carol Marcus e Gloria Vanderbilt. A filha de Elizabeth Murr