SANTOS, Milton. Metrópole Corporativa Fragmentada o Caso de São Paulo

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    Coordenao editorial Carla Milano Benclowicz

    Assistente editorial Martha Assis de Almeida

    Reviso Maria Vieira de Freitas (coordenao) Sandra Regina de Souza

    Colaborador Maria Aparecida Amaral

    Capa Desenho de Walter Arruda de Menezes

    A reduo no preo deste livro foi tornada possvel pela co-edio patrocinada pela Secretaria de Estado da Cultura de So Paulo.

    Dadoa de Oa'a1OCa\l0 na Pll'blioapo (OU) Illteraaotonal (01__a Braatle1ra 40 Livro, IP, BraaU)

    Sa.ntos, M1lton, 1926Metrpole corporativa fragmentada: o caso de B40 Paulo I Milton Sano

    tos. - SA.o Paulo, Nobel: Secret&r1a de Estado da Oultura, 1990.

    Blbl1ogra.f1&.

    ISBN 8B213-0661-2

    1. Geogra,na. urbana 2. Politloa urbana - Bras1l - B40 Paulo, Reg1Ao metropoUt.a.n& 3. SA.o Paulo, Reg1Ao metropolitana - OondlQOes econOmlO&S 4. B40 Paulo, Reg1Ao metropolitana - OondlOes soo1&is 5. Urbanlz84o - Brasil - B40 Paulo, ReIiAo metropolitana 1. Titulo. lI. Srie.

    ODD711.4098161 . 711.l3095161 711.14098161

    90-1271 910.091732

    fllldJMa para oa"I."o aillWlIli'tool 1. Geog:r&f1a. urbana 910.091732 2. Gl'&lld.e SA.o Paulo : Polltloa urbana : :ratores econOml00s 711.14098161 3. Grande SA.o Paulo: Polttloa urbana : :ratores soo1&is 711.l3098161 4. Grande SA.o Paulo: Pol1tloa urba.na., Urba.n1smo 711.4098161 8. Grande B40 Paulo: UrbanlJil&9&o 711.40981B1

    Milton Santos ,

    METROPOLECORPORATIVA

    FRAGMENTADA

    o OASO DE SO PAULO

    1990

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  • 1990 Livraria Nobel S. A. ) Agradecimentos

    Livraria Nobel S. A.

    Departamento Editorial

    Rua Maria Antnia, 108

    01222 - So Paulo, SP

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    proibida a reproduo

    Nenhuma parte desta obra poder ser reproduzida sem a permisso por escrito dos editores por qualqer meio: xerox, fotocpia, fotogrfico, foto mecnico. Tampouco poder ser copiada ou transcrita, nem mesmo transmitida por meios eletrnicos ou gravaes. Os infratores sero punidos pela lei 5988, de 14 de dezembro de 1973, artigos 122-130.

    Impresso no Brasill Printed in Brazil

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    A Fundao de Amparo Pe~quisa do Estado de So Paulo (Fapesp) merece um duplo agradecimento: o presente manuscrito resulta de um rela~ trio de pesquisa e foi parcialmente redigido durante estgio ps-doutoral em Paris, ambos financiados por essa entidade. Devo dizer que ~o foi is; .. apenas o que fiz durante a vigncia da bolsa ps-doutoral e que o texto presente no resultado exclusivo da mencionada pesquisa. Isso d idia do risco a ser incorrido, quando devemos fazer agradecimentos regulamentares e no podemos relacionar os inmeros apoios e encorajamentos recebidos durante uma vida de estudo. No caso vertente , sem dvida, Fa, pesp que vai o principal de nosso reconhecimento. Temos, porm, que s para nos limitar aos apoios recentes - mencionar a Finep e o CNPq, que nos ajudaram em outros empreendimentos, de cuja experincia este trabalho tambm devedor.

    No plano mais pessoal, devo destacar a colaborao recebida de minha mulher, a gegrafa Marie-Hlne Tiercelin, que discutiu comigo a problemtica do estudo e me ajudou na formalizao dos resultados, cujas diversas verses datilografou.

    Quero tambm deixar registrado o apoio recebido de colegas, como Armen Mamigonian, com quem discuti vrios aspectos deste trabalho, e de alunos de ps-graduao, meus orientandos (Denise de Souza Elias, Cilene Gomes, Sergio Gertel, Wilson dos Santos), que muito contriburam no -desenvolvimento da pesquisa.

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    Sumrio

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    Introduo ................................................ . 9

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    So Paulo: uma breve apresentao ........................... . 13

    Captulo 1

    Tamanho da cidade, especulao, vazios urbanos ................ . 17

    O tamanho da cidade ......................... '........ . 17

    Os vazios urbanos .................................... . 2S

    A especulao ....................................... . 30

    Capitulo 2

    Ocupao perifrica e reproduo do centro .................... . 37

    - . O problema da habitao .............................. . 37

    - A ocupao perifrica ................................. . 47

    - Centro e periferia: a cidade carente ...................... . S3

    - A reproduo do centro ............................... . 62

    CapituloJ Imobilidade relativa e fragmentao da metrpole. Os transportes .. . 7S

    - A problemtica dos transportes ......................... . 7S

    - Como as viagens so feitas ............................. . 7S

    - Dependncia dos transportes coletivos ................... . 77

    - A locomoo dos pobres ............................... . 78

    - Ascenso e predomnio do transporte individual ............ . 79

    - Imobilidade relativa e fragmentao da metrpole ......... . 84

    Capitulo 4

    Crise fiscal ou metrpole corporativa: .......................... 93

    - Gnese da metrpole corporativa ........................ . 93

    - Crise fiscal ou seletividade do gasto pblico? .............. . 96

    7

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    CaptuloS A realidade como tendncia. O que aponta o futuro .. , . , .. , , , . , . " 100

    - A realidade como tendncia ,' .. , , , , . , ..... , ... , ... , , .. , ,. 100 - O que aponta o futuro , , , , . , , , ....... , , , . , . , , .......... ' 110

    Bibliografia , ..................... , .. , ........ , .. ,.......... 114

    Introduo

    Em nosso mundo de hoje, quando, mais do que nunca, os objetos intermedeiam nossas aes, as grandes cidades freqentemente nos aparecem como monstruosas, intratveis, ameaadoras da integridade social e individual, pelo fato de que elas separam em lugar de unir e nos deixam a impresso de que empobrecem a vida cotidiana ao invs de melhor la,

    Tais sentimentos so comuns aos moradores de todas as grandes aglomeraes mundiais e tambm aos seus visitantes. Mas nos pases subdesenvolvidos, graas s peculiaridades de sua histria, os problemas so ampliados, os contrastes mais agudos, os remdios com freqncia se impem como novos problemas e assim as esperanas de solues adequadas parecem, as mais das vezes, impossveis de realizao.

    As metr6poles contemporneas so os maiores objetos culturais jamais construidos pelo homem. Nas ltimas dcadas - no importa onde se situem -, elas trabalham em compasso com o ritmo do mundo, na medida em que a realidade da g1obalizao se impe sobre o processo secular de internacionalizao. Desse modo, essas metr6poles funcionam e evoluem segundo parlmetros globais, Mas elas tm especificidades, que se devem hist6ria do pais onde se encontram e sua pr6pria hist6ria local. O mundo e o lugar, intermediados pela formao socioeconmica e territorial, eis a um princpio de mtodo a adotar, se quisermos apreender o significado de cada caso particular.

    sob essa luz que colocamos nosso projeto de anliSe de alguns aspectos da aglomerao paulistan.a, cuja situao atual, considerada critica, talvez aponte para tendncias nem sempre valorizadas pelos administradores e mesmo pelos pesquisadores.

    Pretendendo apoiar-nos no mtodo geogrfico, pomo-nos, todavia, sob um ponto de vista da economia poltica. Entendemos que a geografia urbana tradicional, enquanto desejo de enfocar toda a problemtica urbana em busca de uma sntese, dificilmente pode atingir o objetivo perseguido nas condies mundiais atuais. Talvez valha mais procurar alguns pontos

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    de apoio c consider-los de maneira sistmica, na busca de um esquema interpretativo abrangente. Esse esforo, que no deve e no pode deixar de lado as evidncias empricas, obrigar-se- a retom-las no contexto do presente e de sua elaborao. Para tanto, pretendemos realar as variveis seguintes: o papel do Estado, seja ':.j';';. sua ao contingente, seja no de formulador de um modelo econmico que perdura; a distribuio da renda e os contrastes agudos entre a riqueza e a pobreza; o papel do crescimento econmico e da crise econmica e sua influncia sobre os diversos aspectos da vida social; o tamanho da cidade e sua repercusso sobre a sociedade e a economia; o papel da especulao e o dos vazios urbanos; a questo da metrpole corporativa, da relativa imobilidade dos mais pobres dentro da cidade e da fragmentao da metrpole; o problema do gasto pblico e sua seletividade social e espacial, assim como as tendncias que podem ser inferidas da anlise da realidade atual.

    I ) Muito numerosos tm sido os estudos j realizados para ajudar a en

    tender o papel do Estado em relao urbanizao e cidade no Brasil. De tudo o que se sabe, pode-se, de um modo geral. asseverar que dois traos fundamentais so comuns ao das polticas pblicas, ainda que variem os aspectos particulares. De um lado, o Estado tem um papel importante quanto ao processo de urbanizao, atravs do modelo de desenvolvimento que permite ou provoca e da conseqente diviso territorial do trabalho, o que tem a ver com o processo geral de urbanizao e seus aspectos localizados, e, de outro lado, quanto ao prprio formato do crescimento urbano, em seus aspectos fsico e social, graas ao modelo de investimento adotado para as reas urbanas.

    Mas cada uma das outras questes acima enunciadas dispe de uma certa autonomia, a despeito do seu entrosamento necessrio com a instncia poltica e, desse modo, cada uma delas merece um estudo autnomo. Somente assim o todo, que o organismo urbano em seu conjunto, pode chegar a ser definido, evitando-se que um fator isolado (seja ele o Estado em si ou a economia em si) venha a ser visto como um dado absoluto, o que implicaria arriscar-nos a laborar em abstrato, ainda que trabalhando com dados empricos. No-se trata de um Estado em abstrato, assim definido de uma vez por todas; nem de uma especulao fundiria em abstrato, independente de sua historicidade; nem de um tamanho urbano em abstrato,

    I encerrado em si mesmo; nem de uma pobreza em abstrato, independente ;1. do espao urbano em que se insere. Trata-se do entendimento de um sis

    .. tema, o que supe sua historicidade, da qual lhe advm sua singularidade .

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    Para isso, a prpria cidade, como materialidade, tem de ser colocada na frente da cena, porque ela se impe aos demais figurantes como uma estrutura de enquadramento - isto , um dado dinmico -, sem a qual, de nosso ponto de vista, a prpria vida social dificilmente pode ser entendida. Nosso ensaio busca valorizar esse dado explicativo, como se quisssemos dizer, com insistncia, que o urbano tanto pode ser mais, como pode ser menos que a cidade; e que, sem o entendimento desta, considerada em unssono como corpo e ao, a interpretao do urbano freqentemente acanhada e insuficiente.

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    So Paulo: uma breve apresentao

    A rea metropolitana de So Paulo formada por 39 municpios, dos quais o mais importante tem o mesmo nome, ou ainda melhor, empresta o seu nome rea. A populao total da Regio Metropolitana de cerca de 19 milhes. Como, a cada ano, d-se um incremento demogrfico de 400 a 500 mil habitantes, admite-se que, na virada do sculo, So Paulo estar beirando os 24 milhes de habitantes e ser a segunda metrpole mais populosa do mundo, logo aps Mxico. Essa aglomerao representa, hoje, 11 % da populao brasileira, mas concentra cerca de 40% da produo industrial.

    Metrpole de um pas subdesenvolvido industrializado, So Paulo , certamente, o melhor exemplo, no Terceiro Mundo, de uma situao de modernidade incompleta. Nela se justapem e se superpem traos de opulncia, devidos pujana da vida econmica e suas expresses materiais, e sinais de desfalecimento, graas ao atraso das estruturas sociais e polticas. Tudo o que h de mais moderno pode a ser encontrado, ao lado das carncias mais gritantes.

    So Paulo - a cidade e sua regio - comea a ganhar flego, na histria econmica e territorial brasileira, no mesmo momento em que se instala a era industrial. A regio paulista praticamente j nasce moderna, tanto pelo lado da produo, quanto pelo lado do consumo (graas importao, pelos imigrantes, de hbitos e aspiraes),. mas tambm pelo meio ambiente construdo, propicio s transformaes. em sua hinterlndia que a mecanizao do espao geogrfico se d com maior fora no Brasil, criando as condies de uma expanso sustentada. A cada movimento renovador da civilizao material nos pases centrais, So Paulo e o seu retropais reagem afirmativamente, adotando o novo com presteza e assim, reciprocamente, gerando cJ:escimento. O Estado e sua Capital vo dever seu sucesso, dai por diante, possibilidade de adoo das moderni dades sucessivas, no campo e na cidade.

    13

  • J, h quase meio sculo, Alcntara Machado (1943) retratava esse pouco-caso com a memria do espao construdo, marcada na paisagem urbana: "As ruas de So Paulo no envelhecem. No tm tempo de envelhecer. ( ... ) Aqui as casas vivem menos do que os homens. E se afastam para alargar as ruas. Nem h nada acatado. defin,itivo" (Maria do Carmo Bicudo Barbosa, 1987, p. 8). Ou, como escreveu Benedito Lima de Toledo. na introduo ao seu belo livro (1980) : "As cidades brasileiras crescem muito rapidamente e, entre elas, So Paulo, mais que qualquer outra. A velocidade to grande, a ponto de apagar, no espao de uma vida humana, o ambiente de uma gerao anterior: os jovens no conhecem a cidade, onde, jovens como eles, viveram os adultos. Assim, as lembranas so mais duradouras que o cenrio construdo e no encontram nele um apoio e um reforo" (Maria do Carmo Bicudo Barbosa, 1987, p. 8-9).

    Nenhuma outra rea, no Terceiro Mundo. foi assim aberta s mudanas, nenhuma foi to capaz de, rapidamente. adaptar-se, em suas infraestruturas e no seu comportamento econmico, s condies exigidas para o aumento da eficincia e da rentabilidade. O fato de que sua zona de influncia, to aberta renovao, seja praticamente justaposta a uma metrpole que no se detm para olhar o passado, tambm original em um pais subdesenvolvido e constitui uma das chaves de explicao do seu progresso econmico continuo, ainda que isso empobrea a herana cultural do espao construdo.

    Mas a modernizao incompleta tambm seletiva, deixando do lado de fora uma parcela dos seus artfices. So Paulo a aglomerao brasileira que acolhe as mais numerosas e expressivas classes mdias, conseqncia . de sua importante atividade econmica e do seu papel de comando. A Grande So Paulo contava, em 1980, com quase 700 mil pessoas com mais de dez anos de idade, com renda superior a dez salrios mnimos, enquanto no Rio de Janeiro esse nmero era de 310 mil. (No pas como um todo, havia 2900 mil pessoas ativas nessas condies.)

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    Mas o que est cada vez marcando mais a vida urbana na cidade mais rica do pais que nela se exibem contrastes chocantes entre a riqueza de alguns e a pobreza de muitos. As disparidades de renda, embora menos gritantes que em outras aglomeraes, so considerveis na Grande So Paulo. Contando-se as pessoas com dez ou mais anos, em 1980, eram 37,51 % as que ganhavam menos de trs salrios mnimos mensais. Eram cerca de 3662729 pessoas num total de 9758071 residentes. -Mas, retirando-se desse total os indivduos que no dispunham de rendimento, o

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    percentual dos que atingiam os trs salrios mnimos beirava os 60%. Aqueles que ganhavam at dois salrios mnimos (2607230 pessoas) representavam mais de 430/0.

    Na Regio Metropolitana de So Paulo, a renda se distribuia da seguinte maneira:

    At 1 salrio mnimo 15,2% De 1 at 2 salrios mnimos 29,6% De 2 at 5 salrios mnimos 35,4% Mais de 5 salrios minimos 19,70/0

    Enquanto 30% da populao vivia abaixo da chamada "linha de pobreza" na rea metropolitana de So Paulo, essa linha, quando traada nas outras reas urbanas (no metropolitanas), apenas alcanava 25.1 A, do total das pessoas e 26,8% na rea rural no metropolitana (Vera Lcia Fava, 1984).

    Conforme a Pesquisa de Emprego e Desemprego n? 19, do convnio Seade-Dieese, a situao de pobreza na Grande So Paulo alcana 40,7% dos ocupados, isto , mais de 2500 mil pessoas, caso o limite de pobreza considerado seja o salrio mnimo necessrio per capita, ou 28,4%, interessando a 1 750 mil pessoas, se o critrio for o do salrio mnimo real de 1985. Esse ndice mais baixo (18,5%) abrangendo 1140 mil pessoas, tomando-se como base os rendimentos inferiores ao salrio mnimo nominal.

    A participao da massa de rendimentos mensais dos 25% mais pobres na massa total de rendimentos na Grande So Paulo consideravelmente baixa:

    Dezembro 1984 4,2% Dezembro 1985 4,4% Dezembro 1986 4,9%

    Fonte: Seade, PED n!' 27, p. 35.

    A pobreza estrutural e no residual. Ela aumenta medida que a cidade cresce. Entre 1979 e 1983, a parcela das famlias cujos rendimentos slo menores que dois salrios mnimos passa de 21 para 24,1 % (os que ganham menos de um salrio mnimo slo 6,2%, em 1979, e 7,9%, em I1983). Segundo Cline Sachs (1987, p. 30), o nmero de lares pobres au

    ..menta em 111,1% entre 1977 e 1982 (passando de 278466 para 587972 15

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    o nmero dos que ganham menos de dQis salrios mnimos), enquanto o nmero de lares indigentes cresce de 200,8%, com efetivos de 63441 e 190851 nos anos referidos.

    Por outro lado, e nesse quadro de extremas disparidades socioecon8micas, a extenso desmesurada da cidade, enquanto dentro dela se mantm tantos vazios especitivos, uma das causas do seu crescimento perifrico. Esses fen8menos trabalham em conjunto, influenciando-se mutuamente e agravando a problemtica urbana, cujas dimenses so multiplicadas pelas formas t:eCentes do crescimento metropolitano: preferincia pelos terrenos distantes para o estabelecimento de projetos habitacionais para as classes pobres; polticas privadas de criao e manipulao de loteamentos; polticas pblicas ligadas modernizao do sistema virio, com localizao seletiva das infra-estruturas, valorizao diferencial dos terrenos, e expanso da especulao, com todas as conseqncias derivadas da superposio de medidas elaboradas para atender a preocupaes particulares e interesses individualistas, agravando, desse modo, a crise urbana e as dificuldades em que vive a maioria da populao.

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    Grande 510 Paulo, dirislo poUtII:o-administrativa

    Fonle: Emplua. SIlnI4rio de DGdos. 1982

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    1 Tamanho da cidade, especulao, vazios urbanos

    o tamanho da cidade

    J em 1914, com pouco menos de 500 mil habitantes, a cidade de So Paulo ocupa uma rea to grande quanto a de Paris (Jorge Wilhelm, 1965, e Maria Adlia A. de Souza, 1986).

    Em mensagem ao Congresso Legislativo de So Paulo, Carlos de Campos, presidente da provincia em 1925, mostrava o crescimento, a extenso da cidade "com a maior liberdade de construo" - a "expanso desmedida" que prejudicava o servio de abastecimento de gua, esgotos, viao, calamento, iluminao, policiamento domicili rio etc. (Maria do Carmo Bicudo Barbosa, 1987, p. 267-269).

    Nos seus trs primeiros sculos e at 1870, o raio do crculo que continha a Area construda no ultrapassava 1 km. Em 1954, quarenta anos depois, esse raio alcanaria 15 km (Manuel Lemes, pesquisa para tese de mestrado, indita). Em nossos dias, o continuo urbano, o que os urbanistas ingleses tradicionalmente chamavam de brick and mortar %one, alcana medidas to significativas, como 80 km na direo Este-Oeste, e 40 km na direo Norte-Sul, considerando-se no apenas a cidade, mas a Regio Metropolitana de So Paulo.

    A definio dessa rea metropolitana e, dentro dela, a fixao dos limites para o que se deveria chamar de bllilt environment, ou seja, a paisagem construda, varia conforme os autores.! Segundo Lcio Kovarick e Milton Campanrio (1984), houve U(...) um aumento de nove vezes da mancha urbana (da metrpole paJ,llista) nas trs ltimas dcadas. Somente nos anos 80, foram incorporados 480 km 2 de ms perifricas que permanecem desprovidas dos principais servios urbanos necessrios reprodu

    17

  • o da fora de trabalho". Conforme dados oficiais (Sumrio de Dados de 1983, Emplasa, p. 347), a Grande So Paulo conta hoje com 962 km 2, enquanto, em 1965, a rea respectiva era de 550 km2, segundo Maria Adlia A. de Souza (fev. 1982).

    Um dos traos dominantes da geografia paulistana so, pois, a enorme ) extenso da cidade e o ritmo crescentemente rpido com que, desde fins do sculo passado, expande-se a aglomerao. Considera-se que, entre 1950 e 1980, a rea urbana cresceu nove vezes. enquanto a populao se multiplicou por 4.5 vezes.

    Distncias de alguns municpios

    da Regio Metropolitana ao centro

    do municpio de So Paulo (em km).

    Sales6polis (L.) 98

    Biritiba-Mirim (L.) 79

    Guararema (L.) 76

    Rio Grande da Serra (S. E.) 52

    Santa Isabel (N. E.) 49

    Pirapora do Bom Jesus (N. W.) 54

    Juquitiba(S. W.) 70

    Francisco Morato (N.) 47

    ltapevi(W.) 39

    Cotia(W.) 34

    Jandira(W.) 36

    \ So Paulo

    rea urbanizada Populao (em km2) aproximada

    1880 2 40000 1900 .... 200000 1930 130 1000000 1954 420 3000000 1965 550 6500000 1980 900 1983 962 1987

    -~

    Fontes: Maria Adlia A. de Soou. 1982; Emplasa. Silo Paulo, 1983; Francisco C. Scarlato, 1987.

    Um dos estudiosos da metrpole paulistana, j em 1976, considerava sua rea "desproporcionalmente grande, seja em relao ao crescimento demogrfico e de atividades, seja em relao capacidade do poder pblico promover os investimentos necessrios para equip-la dos servios pblicos" (Luiz Carlos Costa, 1976, p. 19). Um documento de 1978, da Empresa Metropolitana de Planejamento (Emplasa 43021A), dedicado ao estudo da evoluo da mancha urbana contnua da Grande So Paulo, deplora que essa expanso "planejada para ocorrer a leste e a nordeste da aglomerao deu-se, porm. ao sul do municpio de So Paulo e a sudeste da Regio Metropolitana, reas onde no se devia construir para evitar o que justamente aconteceu. isto . o transbordamento do habitat dentro, mesmo. da rea de proteo aos mananciais".

    Os indicadores de crescimento territorial chamam ainda mais a ateno quando comparados com o que se verifica em pases da Europa. Veja-se, por contraste, o caso da Espanha, mencionado por Jacinto Rodriguez Osuna (1983, p. 42), onde as principais cidades teriam mantido os mesmos limites externos por meio sculo, entre 1900 e 1950, e somente algumas os ampliam de mais de 10 km entre 1950 e 1975, poca em que esse pas ibrico conhece o seu "milagre econmico" e participa mais plenamente da era do automvel.

    O fenmeno pode ser observado em outras cidades brasileiras e tambm nas de outros pases subdesenvolvidos. A rea construda em Salvador cresce menos de quatro vezes. entre 1724 e 1894, mas entre este ltimo ano e 1980 aumenta vinte vezes. enquanto a populao entre 1890 e 1984 cresceu 9.5 vezes (Laerte Pedreira Neves, 1985). Em Londrina, a rea urbana passou de 74,60 km em 1970, para 177,01 km 2, em 1980 (Yoshiya Nakagawara e D. Ziobar, 1984).

    Na Cidade do Mxico, enquanto a rea urbana cresce mais de quatro vezes em vinte anos, entre 1950 e 1970 cai a densidade populacional, o que revela uma cada vez maior disperso dos habitantes.

    rea(km1) Densidade(km2) : 1950 1960 1970

    175,7 411,7 742,2

    16 ,

    12 11,7 J

    -

    ....Fonte: Roberto Segye, 1981. p. 215,

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    Em Lima, segundo o mesmo autor, a superfcie ocupada aumentou mais 4,5 vezes no mesmo perodo, passando de 108,7 km 2, em 1950, para 142,1 km2, em 1960, e para 254,8 km2, em 1970. Em Santiago do Chile a expanso foi mais modesta, mas, ainda assim, foi significativa, crescendo a rea construda de 155,7 km2, para 294,5 km 2, em 1970_ Em San Juan de Porto Rico, a rea ocupada foi multiplicada por cinco, em 25 anos (1975), enquanto a populao apenas dobrou.

    Se esse fenmeno praticamente comum aos pases subdesenvolvidos, mostra, todavia, como alis normal, uma especificidade para cada cidade. Assim, no caso de So Paulo, combinam-se causas gerais ligadas histria geral da urbanizao no Terceiro Mundo a razes mais particulares, devidas histria do pas, da regio e do prprio lugar_

    Na maior parte dos pases hoje subdesenvolvidos (Argentina e Uruguai sendo excees) o desenvolvimento ferrovirio praticamente no se deu, abortado pela implantao de um modelo rodovirio, que iria dominar tanto a configurao territorial do pas como um todo, como a configurao urbana. No caso de So Paulo, as ferrovias no eram propriamente urbanas ou suburbanas, contrariamente ao que ocorreu na Europa, no leste dos Estados Unidos, na Argentina. Por outro lado, a criao de subways retardada de praticamente um sculo (Buenos Aires , tambm aqui, uma exceo). So Paulo inaugurou o seu metr em 1974.

    Alis, a extenso das linhas de metr relativamente reduzida nos pases novos, quando comparada de outros pases. Em 1980, a rede paulistana contava com menos de 20 km sendo vinte vezes menor que a de Londres, dezoito vezes menor que a de Nova Y ork, dez vezes menor que a de Paris e Moscou. No final dos anos 80, pequena a densidade das linhas de metr em relao populao, mesmo comparando-se o sistema paulistano com o de outros pases da Amrica Latina.2

    De um modo geral, nos primeiros decnios de seu desenvolvimento metropolitano, a cidade praticamente no servida por transportes de massa, j que os trens apenas veiculam uma pequena parcela de populao. Os tramways, rdativamente importantes na conformao de um primeiro esqueleto urban,>, vem o seu papel limitado. Quando a cidade atinge maiores propores, no final da dcada de 50 e incio da de 60, os bondes so eliminados da circulao e seus trilhos retirados ou recobertos de asfalto, de modo a permitir que se pudesse implantar o modelo de desenvolvimento rodovirio que hoje ainda dominante. Isso parecia aos administradores

    / )

    22

    ) ~

    23

  • I da poca e mesmo a uma boa parcela da opinio pblica como um impe\ rativo do progresso.

    Essa expanso rodoviria, combinada a fatores institucionais, acarreta, direta ou indiretamente, duas principais conseqncias: a primeira se d quanto ao desenho urbano, com a cidade se expandindo ao longo de avenidas radiais mais ou menos adaptadas s linhas de relevo; a segunda, parcialmente resultante da primeira condio, verifica-se atravs de um grande empurro no processo de especulao que iria acompanhar a evoluo urbana at os nossos dias. A tendncia formao de uma cidade espalhada, intercaladas as reas ocupadas com grandes espaos vazios convidativos especulao, data dos primeiros decnios deste sculo (Maria do Carmo Bicudo Barbosa, 1987). Essa tendncia vai, porm, tornar-se exponencial no ltimo quartel do sculo.

    O planejamento urbano tem um papel importante nesse processo, segundo as suas premissas. Para Nadia Somekh (1987, p. 16) a legislao urbanstica joga tambm um papel no processo. Ela utiliza o exemplo das cidades americanas cuja planificao prev uma densificao e, portanto, gabaritos mais altos, para mostrar que, "de acordo com a legislao vigente e mantidos os atuais ndices, Nova York permitiria um volume de construo capaz de abrigar uma populao de 70 milhes de habitantes, Chicago 200 milhes e So Paulo (a cidade) apenas 20 milhes".

    A respeito da forma como cresce a aglomerao paulistana, Miranda M. MagnoU, em sua tese de 1982 (p. 78), nota que "o modelo urbano de habitao unifamiliar impe uma extenso territorial de baixa densidade, para o qual impossvel a estruturao funcional da totalidade do aglomerado, a organizao das infra-estruturas, a preveno a srios problemas do meio fsico e o controle de efeitos decorrentes".

    O crescimento horizontal um trao antigo da evoluo paulistana e que iria marcar a fisionomia da cidade. Em 1920, enquanto o Rio de Janeiro j contava com 3 016 prdios, com mais de trs andares, todo o Estado de So Paulo tinha somente 625 (Manuel Lemes, 1985, p: 20). Em 1933, j havia 5 417 prdios desse gabarito no Rio, enquanto So Paulo vai alcanar 4702 somente em 1940 (Luiz Cezar de Queiroz Ribeiro, 1983, p. 52, e Nadia Somekh, 1987, p. 75). .

    Mesmo com a tendncia verticalizao, que tambm se tornarcaracte~. ristica da So Paulo moderna, pois as torres se erguem tanto no centro quani to em bairros residenciais, So Paulo continua, tambm, uma cidade horilo

    zontal. Segundo Nadia Somekh (1986, p. 70). as residncias verticais ocupariam 13 789246 m2, enquanto as horizontai&.utilizariam 235909498 m2

    Recentemente o ritmo de expanso da cidade vertical foi mais rpido que o da cidade horizontal, mas as casas ainda so a grande maioria dos domiclios, assim como maior a parcela correspondente da populao. Entre 1981 e 1985, o nmero de casas aumentou de 4.23% e o de seus moradores de 1,81 %, enquanto o estoque de apartamentos cresceu em 9,36% e o dos respectivos habitantes em 5.91 %. consideradas as mdias anuais.

    Grande Silo Paulo

    Casa Apartamento Rsco Quarto ou

    cmodo Sem

    Total L...------- ... _

    -_._----

    Domiclios Moradores 1981 1985 1981 1985

    2678170 3161308 11483095 12790373 390560 558576 1250420 1764284 97863 100461 472728 449295

    51827 ~:~:_L 143~1 242670 879 - 5715 -~192~ _. 3923172 13355019 15246627

    -

    Fonte: Sumrio de Dados de 1987. v. 3. Emplasll. 510 Paulo (edilo provisria).

    Os vazios urbanos

    A cidade expande os seus limites, deixando, porm, no seu interior, quantidade de terrenos vazios. O fenmeno antigo, embora sem a expresso atual. Em seu famoso artigo sobre So Paulo, Caio Prado Jr., falando dos bairros da cidade, escreve o seguinte: "( .. ) surgindo como surgiram da noite para o dia, ao acaso das convenincias ou oportunidades da especulao, no so (os bairros), em regra, contnuos, sucedendo-se inin 11 terruptamente, como seria em uma cidade planejada: espalham-se por a

    11 toa, fazendo de So Paulo, nestes setores mais afastados do centro, uma 24

    i 25 ~ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRAN(j~ 00 SLiL 11~UOTF.C'.SHORJAI..DE CINCIAS SOCIAIS f. HUMANIDADE. ,---.~ ~ _._.L

  • sucesso de reas urbanizadas, com interrupo de outras completamente ao abandono, onde, muitas vezes, nem ao menos uma rua ou caminho transitvel permite o acesso direto" .

    Em estudo recente sobre o tema, Milton Campanrio (1984) nos d um retrato da situao:

    Vazios urbanos 118. cidade de Sio Paulo, 1976 (em m2) (I),

    Vazios ! (2)

    Ocupados (3)

    Total 1:3

    Centro J 663024 11358411 13021435 12,77% Anel intermedirio 46881705 160 176051 207057756 22,64% Periferia 107664196 143800440 341464636 57,89% Cidade de

    So Paulo 246208925 315334902 561543827 43,85%

    Fonte: Op. cit. p. 15.

    Segundo essa fonte, a esmagadora maioria dos terrenos vagos se encontrava na periferia (80,280/0), enquanto eram 19,04% no anel intermedirio e 0,68% no centro da cidade.3

    Em outro estudo, Lcio Kowarick e Milton Campanrio (1984) afirmam que "( ...) a terra retida para fins especulativos ( .. ) atinge, em So Paulo, 43% da rea disponivel para edificao", enquanto Pedro lacobi (1982, p. 53-69) nos indica que "toda a terra ociosa localizada no centro e nos anis intermedirios dispe de todos os servios urbanos e representa 25% do total de todas as reas que so estocadas com fins especulativos". 4 Utilizando-se de informaes da Folha de S. Paulo (10.6.1981), este ltimo autor nos relembra que, na cidade de So Paulo, "a terra ociosa atinge 242S0 hectares, o que representa aproximadamente 45% da terra total existente no municpio".5

    Seriam, segundo dados mais recentes, "cerca de 229 milhes de metros quadrados completamente vazios, pertencentes Prefeitura, Estado, Unio e particulares". sen.do que estes detm a maioria dos terrenos, enquanto a r Prefeitura somente poderia dispor de 3,7 milhes de metros quadrados,

    . pouco mais de 1,6% do total.

    t 26

    A expresso numrica dos vazios urbanos na Grande So Paulo e no municpio de So Paulo sujeita a controvnia. A verdade. porm, que significativa. Os mapas permitem reconhecer sua ordem de grandeza Fonte: Shopping News. 20/05/1990

    Vazios urbanos em So Paulo Grande So Paulo Fonte: ZAN, Pedro. O Estado de S. Paulo. 21105/1918

    ---.....

    m."" D.,.,

    ta"

    L .. I

    I

    27

  • Os terreaos vazios da Prefeitura estariam assim distribudas (em m2):

    Santana-Tucuruvi I taquera-Guaianases Penha Santo Amaro Freguesia do S Vila Maria-Vila Guilherme Mooca Lapa Vila Mariana So Miguel Paulista-

    Ermelino Matarazzo Vila Prudente Pinheiros Ipiranga Pirituba-Perus Butant Parelheiros-Capela do Socorro

    2447903 407727 135566 134534 107475 101988 88340 46517 28174 22056

    14996 10249 5414 2563

    292 238

    O

    A Unio possui 1,9 milho de metros quadrados, em 76 propriedades, e o Estado de So Paulo dispe de 909,4 mil metros quadrados em 73 imveis (O Estado de S. Paulo, 27.11.1988). propriedade privada cabem 225,5 milhes de metros quadrados, dos quais 42,8% estio em mos de apenas 954 donos, o que d uma idia de sua vulnrabilidade especulao.

    Segundo outra fonte, somente no municpio de So Paulo os terrenos baldios representam 430 milhes de metros quadrados, com um valor estimado de 10 bilhes de dlares em 1981 (Movimento, 14 a 20.9.1981). Seriam, ento, cerca de 2 mil terrenos com rea superior a 10 mil metros quadrados cada um, verdadeiros latifndios urbanos.

    Em 1978, o maior terreno desocupado do municpio de So Paulo estava localizado na regio oeste, contando com 6 milhes de metros quadrados e se estendendo desde a Marginal do Tiet at o Pico do Jaragu. Del

    I veria ser objeto de uma importante operao imobiliria da Companhia City de Desenvolvimento, que se prevaleceria dos investimentos de infra

    28 ~

    estrutura, criados na proximidade, para estabelecer 1951 lotes residenciais, 195 manses e 175 casas comerciais, "distribudos em quatro ou cinco glebas de alto e bom padro", que teriam entre 450 e 5 mil metros quadrados (O Estado de S. Paulo, 21.5.1978). B, mais uma vez, a conhecida saga da especulao.

    O fenmeno semelhante ao que se verifica em outra grande metrpole brasileira, o Rio de Janeiro. A estimativa de lotes no ocupados na respectiva Regio Metropolitana, em fins do decnio anterior. bem ilustrativa e foi colhida em uma entidade oficial, a Fundrem (Macrozonealllento da Regio Metropolitana): um total de mais de 880 mil lotes vazios, para uma populao ento de aproximadamente 9 milhes de habitantes, o que d um lote a mais por cada duas famlias existentes ...6

    Em estudo mais recente sobre A questo fundiria urbana, Mauricio Nogueira fala de 1 200 mil lotes vazios na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro, "o que representa 60% da ocupao residencial urbana". So desse mesmo autor os comentrios seguintes: "Instalando uma famlia em cada um deles, estes lotes dariam para abrigar uma populao da ordem de 5,5 milhes de habitantes, o que equivaleria a mais da metade da populao em 1980. No municpio de So Paulo, 45"10 dos terrenos edificveis esto vazios. Na Regio Metropolitana de Belo Horizonte, em 1975, o municpio de Contagem tinha, desocupados, 67% do nmero total de lotes e Betim possua mais de 80% de lotes sem ocupao" ( ...). (Seria possvel) ( ...) "duplicar o nmero de habitantes, sem ampliao da rea urbanizada, em grande parte das cidades brasileiras" (segundo estudo feito pela Diretoria de Mobilizao de Terras do BNH, em 1983).

    A relao entre espaos vazios e especulao reconhecida tambm em outras capitais do Terceiro Mundo: "Apesar dos esforos intensivos de planificao, os espaos vazios so um fenmeno freqente no interior da zona construda principal, o que constitui ao mesmo tempo a causa e a conseqncia de uma especulao fundiria espantosa" (Mohamed A. B. EI-Fadly, 1984). No entanto, em cada aglomerao, sua significao no independente dos outros aspectos da hist6ria urbana e da 'hist6ria nacional, e isto o que lhe d singularidade. No caso particular de So Paulo, esse contexto que explica, ao mesmo tempo, o enorme tamanho da cidade material, a importncia dos vazios urbanos e o papel da especulao fundiria.

    oi

    29

    L >

  • J A especulao

    A especulalo velha conhecida da aglomerao paulistana. O estudo de Caio Prado Jr. sobre a So Paulo do primeiro quartel deste sculo mostra a ..... especulao de terrenos em 'lotes e prestaes' (como) o maior veio de ouro que se descobriu neste So Paulo de Piratininga do sculo XX. Desenvolveram-se, muitas vezes mesmo, no porque o local escolhido fosse o melhor ou respondesse mais s necessidades imediatas da cidade, mas simplesmente porque eram vendidos com facilidades maiores de pagamentoou acompanhados de propaganda mais intensa ou mais hbil ( ...)".

    Langenbuch (1971, p. 219) revela como a especulao imobiliria forte nos bairros mais ricos da cidade, quando So Paulo ainda no era uma metrpole corporativa, assinalando "( ... ) nos bairros-jardins, Jardim Paulista, Amrica, Europa, Paulistano, a ocupao relativamente lenta de loteamentos residenciais de classe alta". E explica: "Isso se deve tanto presso da populao relativamente pequena, inferior verificada nos (bairros) destinados s classes pobres, quanto especulao imobiliria, sempre mais intensa nos lugares finos". )

    Numa anlise penetrante, Rodrigo Brotero Lefvre (1979) busca entender o papel dos preos de terrenos em negcios imobilirios em So Paulo, a partir do que chama de "preo geral de produo", cuja existncia, a seu ver, "pode ser explicada pela no importncia (pelo menos, no importncia fundamental) da localizao para o consumidor de apartamentos em grandes cidades, atualmente". Isso se deveria disseminao do automvel, existncia de vias expressas, atrao dos servios pela residncia. Desse modo, seriam "as camadas mais pobres e as mais ricas (no consumidoras de apartamento) que apresentar.'\m maiores exigncias quanto localizao". Quando, porm, as classes mdias se instalam numa determinada rea criam, com os seus hbitos de consumo, uma "ecologia" particular que participa do processo de valorizao diferencial. 7

    enosso ponto de vista que, nestas condies, pode-se falar na gestao, assim, de um verdadeiro sitio social, cujas conseqncias so semelhantes s do stio natural como ingrediente do processo especulativo.' Ademais, a acessibilidade depende da dotao diferencial dos servios pblicos na cidade e isso o que conduz disputa das reas consideradas melhores entre as diversas classes sociais e de renda. Sem dvida, o fenmeno mais acentuado em 'uma cidade como o Rio de Janeiro, onde as condies natu

    30

    rais demarcam possibilidades diferentes do que em So Paulo, mas isso no quer dizer que o fenmeno no exista.na metrpole paulistana.

    A presena do Banco Nacional de Habitao desde 1964 responsvel por uma presso recente das classes mdias ampliadas, cujo acesso propriedade e terra facilitado pela sua ao. O modelo BNH te"iu sido criticado sob muitos pontos de vista. Uma dessas crticas, trazida pela arquiteta Miranda M. Magnoli, em sua tese de 1982 (p. 78), refere-se sua total desarticulao: "As solues por unidades plurifamiliares so sempre estereotipadas em blocos rgidos, desarticulados entre si, desarticulados com o entorno, desarticulados com o suporte. Esquemas repetitivos, despersonalizados, annimos, sem qualquer justificativa sequer de sistema construtivo" .

    O modelo BNH tambm desarticulador da cidade como um todo. Vista a posteriori, a escolha das terras para a edificao dos conjuntos parece ter obedecido a um critrio principal, o distanciamento do centro figurando praticamente em todos os casos como um dado obrigatrio.9 O resultado, como em So Paulo, o reforo de um modelo de expanso radial, deixando espaos vazios nos intersticios e abrindo campo especulao fundiria. A localizao perifrica dos conjuntos residenciais serve como justificativa instalao de servios pblicos, ou, em todo caso, sua demanda. ~ assim que se criam nas cidades as infra-estruturas a que Manuel Lemes chama de "extensores" urbanos, como a aduo de gua, os esgotos, a eletricidade, o calamento, que, ao m~smo tempo, revalorlzam diferencialmente os terrenos,IO impem um crescimento maior superfcie urbana e, mediante o papel da especulao, asseguram a permanncia de espaos vazios. Como estes ficam espera de novas valorizaes, as extenses urbanas reclamadas pela presso da demanda vo, mais uma vez, dar-se em reas perifricas.1I O mecanismo de crescimento urbano torna-se, assim, um alimentador da especulao, a inverso pblica contribuindo para acelerar o processoP

    Os pobres so as grandes vitimas, praticamente indefesas, desse processo perverso. "Num primeiro momento, para as classes trabalhadoras, as transformaes revelando-se em melhoramentos, benfeitorias proporcionadoras de melhores condies de vida, slo aceitas com euforia. Sempre h os que permanecem reticentes, preocupados em face da expectativa de aumento nos imRQStos e taxas a serem pagos" (Regina Clia Braga dos San Jjtos, 1986, p. 7i): Mas "qualquer investimento realiZado implica maior valo

    rizao do espao, em geral muito acima do que a parcela mais explorada da ."

    31 ...

    L~ ...

  • )

    ~

    classe trabalhadora pode pagar. Ela ento expulsa para as reas menos valorizadas, as quais, mais cedo ou mais tarde, tambm sero alcanadas pelas inverses capitalistas e da nova expulso ... Assim. a cidade vai sempre expandindo, incorporando novas reas e sempre segregando os seus moradores de acordo com a estratificao social" (Regina Clia Braga dos Santos. 1986, p. 72).

    O resultado o mesmo, diferenciao e espoliao, mas o fenmeno assume as mais diversas modalidades para cumprir o seu papel negativo. Vejamos como Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1978, p. 77-8) descreve a realidade da especulao imobiliria, tomando como exemplo o caso de So Paulo: "Numa rpida viso do processo que envolve os loteamentos na cidade de So Paulo" (n.), "no de todo comum os grandes investidores do mercado imobilirio (de terra) estarem frente dos loteamentos" ( ... ), "mas uma empresa imobiliria" que o administra. (Superados os trmites imobilirios), "o segundo passo colocar apenas parte da gleba loteada venda", a oferta dos lotes sendo, "sempre que possvel, inferior procura". ( ... ) "Instalados os servios bsicos (padaria, farmcia, botequim, mercearias, linhas de nibus etc.), chegada a hora de colocar novas reas venda, obviamente por um preo superior primeira, a 'melhoria' da localizao permitindo, dessa vez, aumentar a renda diferencial e, conseqentemente, a renda fundiria auferida pelo proprietrio do solo. E assim vai at o final das ltimas reas ou lotes, levando evoluo dos preos das reas mais bem localizadas, numa espiral que sobe vertiginosamente" .

    Segundo compreendemos da conhecida argumentao de Igncio Rangel, as tendncias especulativas da terra ora existentes no Brasil, tanto no mundo rural quanto no mundo urbano, sero contrariadas quando um grande esforo for feito para suprimir as "reas de estrangulamento", a comear pelos grandes servios de utilidade pblica. Esse novo campo de investimento atrairia os capitais que hoje no se podem empregar a contento em reas econmicas nas quais a expanso cria problemas de mercado. A especulao com as terras seria causada exatamente pela falta de servios de utilidade pblica. Essa falta geradora de escassez de terrenos viveis e pressiona o seu preo para o alto. A especulao imobiliria seria reduzida, desde que a dotao de infra-estruturas sociais fosse adequada e os preos da terra tendessem a cair. '

    A verdade, porm, que a situao atual desastrosa para a maioria da populao. As disparidades de renda, a convivncia na urbs entre capitais dos tipos os mais diversos, o grande fluxo migratrio que avoluma a popu" Ij 32 ,l

    I ' o.

    L

    lao urbana e exige, cada ano, mais terra equipada, a acessibilidade dife

    rencial aos servios e aos lugares so causas de uma valorizao tambm

    diferencial dos terrenos, justificando uma disputa acirrada entre os agentes

    sociais e econmicos pelo uso e a propriedade da terra, o que conduz a uma

    ";Ospeculao fundiria desenfreada. O papel do BNH nesse processo permite afirmar que a especulao alimentada pela ao governamental. Isso se d ao mesmo tempo em que o Estado proclama o seu empenho em resolver a questo habitacional e os problemas urbanos.

    ,~

    33 I

  • i Notas

    1. Assim como em muitos outros aspectos de hist6ria urbaoa. as fontes divergtm quanto aos dados. ! Quanto ao crescimento da rea constru1da de Slo Paulo, essas divergncias nlo empanam o fato da

    enorme expanlll." 4!lsuperficle urbana durante este s6c:ut0. Leiam-se os seguintes depoimentos: ) "O enorme crescimento de Slo Paulo pode ser expresso atravs de um indicador, que ~ o crescimento do seu espao urbano. Dos 130 Itm2 que a cdade possuia de espao urbano em 1940, passou para 420 em 1954, para triplicar aps o surto de industrialli:alo verificado a partir desta data, chegando hoje a aproximadamente 1200 km2" (FranciscoCapuano Scarlato, 1987, p. 115). "(... ) desde 1930. a rea de mancha urbana de Slo Paulo aumentou aproximadamente lIOve vezes, sendo que, na ltima d~ada, foram incorporados a ela cerca de 480 Itm2 o equivalente em lrea a quase uma Pono Alegre ou uma Salvador e meia" (Folha deS. Paulo, 22.4.1986) . ..... a mancha urbana da Reglo Metropolitana possui. atualmente. mais de 1500 km2, nove vezes superior imperante em 1930, e ( ... ) somente na ~ada de 70 ela se expandiu em 470 1tm2, de uma forma altamente especulativa e predatria" (Lcio Kowarick, 1985, p. 14).

    2. Carllderistlcudoametriol~ Superfcie (kml) rAgloll1eraio* Populalo Linhas Inicio do ItmllCJhab.

    (milhes) (ltm) servioaglomeralo cidade Mxico 18 1250 540 113 1969 6,28SIoPaulo 15 84()1350 28,5 1974 1,90 Rio de Janeiro 13 (5925) 26,9 1979 2,06

    -Buenos Aires 9 (3880) 200 35,4 1913 3,93Santiago 4,5 490 50 25,5 1974 5,68Caracas 3,5 360 200 11,7 1983 3,34

    Fonte: Henry, E., 1988, p. 48 (Quadro 1) * Em outros casos, trata-se do conjunto de aglomeralo.

    3. SIoPaWoIVllGlIU'banol r-

    Tamanho do lote Centro Anel intermedWio Periferia SIoPauio

    4. Ainda aqui variam as contagens, avalial\es e estimativas. Enquanto Nadia Somelkh (1986) se refere a 39,8"1. da terra urbana formada por terrenos vagos, Cline Sachs (1987) d o percentual de 43,85%, Iouvando-se em documento da Cogep (1977). J G. Mathias (1985). p. 18, arredonda esse percentual para 45%. 5. Segundo Arlete M. Rodrigues e Manuel Seabra (1986), p. 19, "(' ..l, dos 70 mil hectares de rea urbanizada do Municpio, cerca de 24 mil hectares estio desocupados, representando cerca de 400,;'. da rea da cidade. Desse total, 25% concentram-se no corpo central e nas lreas intermedirias que dis pem de todos os servios urbanos(. .. ) Na Zona Sul, 310,;'.; na Zona Sudoeste, 12%" (Jornal da Tarde, 02.5.1983).

    6. Et6mad...de Iota f1Io.ocupacb na aetlllo MetrepoIIfaaade RlodeJuelro,I978.

    Munieipios Populallo urbana (1000)

    Lotes nlio-ocupados (1000)

    Rio de laneiro Caxias Itaboral Itagua Mag Mangaratiba Maric Nil6poIis Niteri Nova Iguau Paracambi Petr6polis SIoGonalo Slo Joio de Meriti RegIo Metropolitana

    do Rio de Janeiro

    I

    5.254,3 612,4 53.4 34.7

    143.4 9.5

    13,7 159,1 409.4

    1.078,4 32,6

    195,0 607.3 410.1

    9.013,7

    198.4 42,0 68,0

    128.3 36,2

    7.2 87,2 -

    50.0 172.3 -

    22,9 67.8

    880,3

    Fonte: Fundrem (Macromneamento da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro), 1979.

    7. Luiz Cezar de Queiroz Ribeiro ( 1982) parte da cocltistencia de "processos diferenciados responsveis

    pela conflgUrallo espacial da cidade", para defini1a tanto como "um conjunto de mercadorias imobi

    Iiirias" quanto como um "valor de uso compleJJ". dai a sua heterogeneidade. Dai ele infere a in

    fluencia do mercado de terra na estruturallo do espao urbano atravs das "formas como 510 produ.

    zidas e distribuidas as moradias". Dessas premissas vem o seu entendimento sobre a questio fundiria

    urbana.

    8.,Wanderley M. da Costa e Antllnio Carlos R. Moraes (1979, p. 73) mostram os mecanismos pelos

    quais "o espao diferentemente valorizado", explicando que "nlo se trata tlo-somente de suas poten

    cialidades naturais no processo produtivo, mas, principalmente, nos dias de hoje, do valor que lhe

    atribuldo". ( ...)"0 preo da terra relalivizase no processo histrico de construlo sobre 11 do upw;o".

    (...) "ele ~ uma medialo fundamental na determinalo do uso da terra latu se_. Mas ~ o valor

    crWIo (tIO espao) que cada vez mais determina o seu preo" ~~

    9. "A maior parte das glebas de tenas da Cohab e dos conjuntos habitacionais situase na Zona Leste

    do Muncipio, em reas com caretlcia quase absoluta de equipamentos coletivos. distantes do centro ."

    L 35

    ..

    ..

    '.

    (m2 )

    0- 60 61 - 120

    121 - 200 201- 300 301- SOO 501- 1000

    1001 - 5000 5001 - 10000

    10001 - 15999 15999 - .... r Fonte: Milton CampanArio, 1984, p. 15.

    34

    t I

    (%)

    0,45 1,71 4,07 6,03

    11,56 20,49 35,95 8.66 4,15 6.66

    (%)

    0,05 0,69 2,69 6,22

    13.66 15,73 17.98 8,79 5,10

    29.00

    (%)

    0,01 0,51 4,79

    14,14 12,61 5,80 8,16 5,38 3,69

    44,91

    (%)

    0,02 0,55 4,38

    12,58 12.80 7,79

    10.21 6.05 3,08

    41,62

  • metropolitano, dos meios de transporte e de loeais de emprego" (Arlete M. Rodrigues e Manuel Seabra,1986, p. 46). 10. "Como bvio, a especulalo imobiliria do se exprime tlo-somente pela reteno de terrenos que se situam entre um centro e suas zonas perifricas. Ela se apresenta tambm com imenso vigor dentro das pr6prias reas centrais, quando zonas estagnadas ou decadentes recebem investimentos em servios ou infra-estruturas bsicas. O surgimento de uma rodovia ou vias expressas, a canalizao de um simples crrego, enfun, uma melhoria urbana de qualquer tipo, repercutem imediatamente no preo dos terrenos" (Lcio Kowarick, 1980, p. 37). 11. Um estudo muito bem documentado de Adriana R. C. Batistuzzo e Regina Silvia V. M. Pacheco (1981) descreve e interpreta com detalhe o processo de valorizao dos terrenos na Vila do Encontro, bairro da periferia atingido pela interveno concentrada do Estado. 12. Pablo Trivielli (982) chama a ateno para o fato de que "os investimentos pblicos so fonte importante de valorizalo dos terrenos numa primeira etapa e. precisamente por essa ruo, estimulam a especulao quando nlo h uma poIftica compreensiva do solo" (p. 25). ~ desse modo que as inverses pblicas "dl\o orientao espacial li especulao com os terrenos" (p. 26).

    )

    >

    i r

    36 ~ t

    2 Ocupao perifrica e reproduo do centro

    o problema da habitao

    A situao habitacional na Grande So Paulo, uma das respostas problemtica anteriormente enunciada, reveladora da crise profunda em que vive a sociedade urbana e constitui um aspecto visvel de uma estrutura socioeconmica flagrantemente inegalitria. Os dados de que se dispem para o conjunto da Regio Metropolitana esto, todavia, muito aqum da importncia do problema, o que leva muitos autores a privilegiarem em sua anlise o que se passa no municpio de So Paulo, enquanto uma consolidao estatstica interessando a toda a rea metropolitana ainda espera sua vez. mesmo se existem dados, nem sempre comparveis, para certos municpios perifricos.

    A introduo ao Sumrio de Dados da Grande So Paulo de 1986 (publicado pela Emplasa, em 1988) assinala que "a Regio Metropolitana de So Paulo possui cerca de 3,7 milhes de domiclios,' sendo que SOOJo deles ostentam padro de qualidade bastante baixo (barracos, favelaS e habitaes precrias)" , e indica, tambm, que um tero da populao dessa rea mora em cortios ou favelas. Seriam, assim, mais de 5 milhes de pessoas residindo sob condies infranormais.!

    De acordo com a tabela V.12 do Sumrio de Dados da Grande So Paulo de 1986, da Emplasa, a seguinte a distribuio dos domicilios. segundo a relao de propriedade e a renda, dentro da Regio Metropolitana:

    .1

    31 ..

  • / C-.

    Condio de ocupao dos domiclios Rendimento

    mensal do domiclio . Total

    outra Pr6prios Alugados Cedidos ou

    At 1 salrio mnimo 47,1 25,0 27,9 100 De 1 a 2 salrios mnimos 100 De 2 a 5 salrios mnimos

    45,5 37,6 16,9 47,6 10,9 I 100 Mais de 5 salrios mnimos 41.5 4,9 10063,6 31.5 I

    Fonte: Emplasa. SumQr;o de Dados, 1986_

    Em todos os casos, o percentual de domiclios representados por casas prprias elevado, mas oua:. n:ssalvas se impem. Em primeiro lugar, esse ndice maior entre as famlias com maior rendimento, e, em segundo lugar, boa parte das casas prprias possudas pelos mais pobres se inscreve entre as habitaes subnormais. O maior percentual de domiclios alugados encontra-se no grupo de rendimento mensal entre dois e cinco salrios mnimos, seguido pelo de renda entre um e dois salrios mnimos. Os de renda mais alta (mais de cinco salrios mnimos) renem um nmero relativo de locatrios maior que o de renda mais baixa. Todavia, o quadro acima somente ganha toda expresso quando notamos a participao dos domiclios cedidos e de outras formas de ocupao. Aqui, a condio de pobreza parece mais definidora, j que a distncia entre os ndices relativos aos diversos grupos de renda bem maior que na coluna dos domiclios prprios e na dos alugados.

    Quanto menor a renda, maior o recurso aos domiclios cedidos ou a outro tipo de ocupao diferente da propriedade ou do aluguel. Tanto maior a renda, maior o acesso propriedade, o aluguel parecendo atingir, sobretudu, os estratos mais baixos da classe mdia.

    Na Grande So Paulo, em 1984, 90% moravam em casas alugadas, em 1972 eram apenas 41 0/0. Em 1987, ainda menos, isto , 34,4%; pois 63,3% viviam em casas prprias e 5% em habitaes cedidas ou outro tipo de relao. O nmero de famlias vivendo em casa pr6pria est crescendo. Mas, entre as casas pr6prias, incluem-se as favelas, as autoconstrucs. Por isso, talvez, seja a classe mdi baixa que mais paga aluguel, comparada com os I~ que tm os niveis de renda mais babc:os ou mais altos. (Ver a primeira tabela da pgina seguinte.) 38

    l

    2)

    Ao,

    "' ~-~\1\-1l.. .. . DISTRIBUiO DAS FAVELAS

    SEGUNDO OS DISTRITOS E SUBOISTRITOS NO MUNIClplO DE

    SOPAULO 1980

    A populao paulistana que vive em domicilios exiguos tende acrescer. Os nmeros fornecidos para a Grande So Paulo pela PNAD - Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar -, de 1985, podem ser sujeitos a dvida, pois mostram uma diminuio do nmero de domicilios com mais de quatro dormit6rios. Mas -expressivo o aumento daqueles com apenas um ou dois dormit6rios. assim como o crescimento da populao neles residente.

    1".... , .-.....--'* ........ I....

    ... ~...,.".,

    ."",*-"iIIt" U lHImICOa .. "..... .. ao ..... ..,....

    39

  • /

    l

    Domiclios particulares permaueate.s, por eendIio de oeapaio, segando o rendimento lIIeDUl do domiclUo

    Rendimento mensal .. fPrprios Alugados Cedidos ou Total

    outra

    At 1 salrio mnimo De 1 a 2 salrios mnimos De 2 a 5 salrios mnimos Mais de 5 salrios minimos Total

    At 1 salrio mnimo De 1 a 2 salrios mnimos

    ! De 2 a 5 salrios mnimos Mais de 5 salrios mnimos Outros Total

    Fonte: Emplasa, 1987, tabela V. 11.

    Domlcilios plll'tkuJans permanentes sepndo O nmero de dormitrios

    Dormitrios Domicilios Moradores 1981 1985 1981 1985

    1 2 3 4 Total

    Fonte: PNAD, 1985.

    40

    63689 39616 31920 135225 165818 129602 69939 365359 590793 521341 167567 1279701

    1307712 652420 104078 2064668 2172654 1367518 382S4a 3923178

    Em%

    47,1 29,3 23,6 100 45,4 35,5 19,1 100 46,2 40,7 13,1 100 63,3 31,6 5,0 100 - - - -

    55,4 34,4 9,8 100

    1409450 1788638 4490299 5328944 1290729 1584268 5866604 6930573

    441142 475962 2480776 2546718 77978 74310 517340 440392

    3219299 3923178 13355019 15246627

    Nesses cinco anos, o estoque de domiclios com um nico dormitrio foi acrescido de quase 380 mil unidades e o de seus moradores cresceu de quase 840 mil. Quanto queles com dois dormitrios, seus efetivos aumentaram cerca de 290 mil e os respectivos moradores de perto de 1,5 milho . Quanto aos domiclios de trs dormitrios, seu nmero cresceu um pouco menos de 35 mil e a populao respectiva de perto de 66 mil. Enquanto nos dois primeiros casos a densificao evidente, no ltimo as condies de vida melhoraram.

    Os dados publicados em 1986 pela Emplasa mostram que, em 1984, assim se distribuam os domicilios da Grande So Paulo, de acordo com a respectiva densidade de moradores:

    Nmero de pessoas por dormitrio

    Percentagem de domiclios

    At 1 De 1 a 1,5 De 1,5a2,0 De2,Oa3,O Maisde3

    10,6 14,3 31,7 24,9 18,6

    Fonte: SlImrio de Dadm da GrlUJde So Palllo, Emplasa. SIo Paulo, 1986, tabela V. 9.

    Apenas em 391 948 dos 3707 129 domicilios encontrados em 1984 na Regio Metropolitana de Sito Paulo (10,6% do total) havia menos de uma pessoa por dormitrio, enquanto em 690516 domiclios. isto , 18,60/'0 do total, havia mais de trs pessoas para cada dormitrio existente. Esses nmeros caracterizam uma clara situao de amontoamento.

    O confinamento parece ser maior entre os domicilios com renda entre um e cinco salrios Dnimos e menor entre os que tm rendimento superior a cinco salrios mfnimos e inferior a um salrio minimo. Em rigor, segundo os dados da mesma publicao da Emplasa (tabela V.9), a situao seria mesmo melhor entre os domicilios de renda mais baixa. Como explicar esse fato, esse verdadeiro paradoxo? Podemos, num primeiro momento, admitir que, de um lado, tm melhor situao aqueles cuja renda mais alta (mais de cinco salrios Dnimos, em vez de um a quatro) e, de outro lido, defendem-se ainda melhor os que se encontram na base da pirmide das

    d

    41 .1

    ...

    ~

    ~

    :

    -_._----_.~ ~---"~-=-~~---

  • rendas, obrigados, pela sua extrema pobreza, a fabricar, como podem, os seus alojamentos e impossibilitados de qualquer outro recurso para morar, como o aluguel por exemplo. Aproximemos, somente a titulo de curiosidade, os seguintes nmeros: em 1984, 62416 domiclios prprios pertenciam a fa::nlias com renda menor que um salrio mnimo e 51039 domiclios com apenas um morador por dormitrio correspondiam mesma classe de renda I menos de um salrio mnimo).

    Enq~tO se avoluma o dficit de habitaes, os recursos postos disposio ..a populao pelo poder pblico ficam muito longe de corresponder ao agravamento da situao. Apesar da relativa ampliao dos esforos a partir e 1'f79. o nmero de alojamentos entregues ainda bem menor do que as ne..:essidades.

    O es:-.:..:io de Arlete M. Rodrigues e Manuel Seabra (1986, p. 46) nos mostra C'5 :-esultados obtidos pela Cohab-SP, entre 1965 e1984:

    4JW"

    C nldades habitacionais construdas

    Hat-::.=..;es Casas i Apartamentos

    Lotes Embries Total

    Entregues.u 1975IDd9" "'"9 De 1%0, 1984 Total

    2801 5324 2191 9816

    .

    I

    I I

    1296 10356 47770 59602

    -

    -

    1863 1863

    -

    528 6098 6626

    3597 16388 57916

    -

    Uma outra avaliao das realizaes da Cohab-SP nos d conta de 68858 apanamentos. 8635 casas e 11957 lotes e embries, durante o perodo de 196 a 1985 tCline Sachs, 1987, tabela A.7.1). Estes nmeros incluem @TIllldes conjuntos residenciais, como I taquera I (com 11 610 apartamentos e 650 casas). Itaqueras 11 e III (com 17240 apartamentos, 1782 casas e 5-& embries e lotes preparados) e Carapicuba (Conjunto Presidente CasteUo Branco. com 13504 apartamentos e 856 casas).

    ) A participao do BNH na produo da moradia destinada s famlias-.,

    ~~ urbanas que ganham menos de cinco salrios minimos de apenas 5% do total(Amaldo Barbosa Brando, 1985). Os mais pobres tem de inventar as frmulas possveis de ajud-los a resolver esse problema fundamental da existncia. So caso panicular de So Paulo, o mercado pblico de habil~ 42

    taes para populao de baixa renda atingia apenas 4 % da populao (SuzanaPasternakTaschner, mar. 1985). .

    No , pois, de se estranhar que 77% do dficit habitacional se situe nas famlias cujos rendimentos so inferiores a trs salrios mnimos. Esse percentual (do dficit) cai para 120/0 nas familias cujas rendas esto entre trs e cinco salrios mnimos, que devem ser postos em paralelo com a constatao de que apenas 6,5% do saldo de financiamento da casa prpria foi encaminhado para famlias com renda de at 3,5 salrios mnimos e outros 14% para aquelas situadas na faixa de 3,5 a 5 salrios mnimos, totalizando, porm, 20,5% apenas. O restante foi para as camadas de rendas mais elevadas (Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, abro 1985).

    Uma resposta problemtica da habitao popular foi, por muito tempo, a disseminao dos chamados loteamentos "clandestinos", ou irregulares, isto . formas de urbanizar desobedientes, em parte ou no todo, aos regulamentos vigentes, por isso, tambm, chamados de loteamentos ilegais. A proibio dessa prtica, em 1979, teria tido como resposta o agravamento das condies de moradia da populao carente,2 aumentados, assim, os contingentes forados a morar em favelas e cortios. Ermnia Maricato, entre outros, defende esta tese ("O usucapio urbano e a gafe da Fiesp", Folha de S. Paulo, 14.7.1988).

    Mais de 70% das casas construdas na metrpole paulista so produtos de autoconstruo. J Esse processo de construo mais freqente no anel externo da Regio Metropolitana, atingindo os 90% e mais nos municpios de Embu, Franco da Rocha e Jandira e, se aproximando desse ndice, em Itapevi e Francisco Morato (Revista Construo So Paulo, n~ 1494, 27.9.1976).

    "O fenmeno da autoconstruo ". traz em si a marca da excluso". diz o relatrio Construo de moradias na periferia de So Paulo; aspectos socioeconmicos e institucionais, trabalho produzido em 1979, para a Secretaria de Planejamento do Estado de So Paulo, que acrescenta: "A essa forma de se produzirem os alojamentos destinados a abrigar a maioria das massas trabalhadoras no se contrapem alternativas capazes de viabilizarlhes o acesso casa prpria" e que sejam compatveis "com as' suas precrias condies de existncia", Das 610 mil famlias que em 1975, na Grande So Paulo, utilizavam o processo de autoconstruo, mais de metade tinha uma rendaJamiliar entre dois e cinco salrios mnimos (Pedro Jacobi, 1982, p. 55).

    43

    ~l I "IJ- l , )

  • Na Regio Metropolitana, os loteamentos clandestinos ocupam 35% da rias. isto . 55% da populao em condies de moradia subumanas, serea urbanizada e abrigam 4 milhes de pessoas. Somente a cidade de So gundo dados oficiais da Prefeitura Municipal de So Paulo (Folha de S. Paulo contava, em 1982, com 3500 loteamentos clandestinos. ocupando Pau/o. 20.11.1988).5

    "I uma rea de 34 mil hectares dos 60 mil hectares da rea urbana (Pedro Em 1978. quando Olavo Setbal constatava que 32% dos moradores da Jacobi, 1982, p. 57). cidade de So Paulo viviam em condies totalmente insatisfatrias, eram,

    Em So Paulo, entre 1972 e 1980. o nmero de barracos cresceu de ento. nas favelas, 490 mil pessoas vivendo em 90 mil unidades (O Estado 403%, enquanto a populao aumentou um pouco mais de 40% (Lauro de S. Paulo. 23.11.1978). Em 1971, havia apenas 41 mil favelados e, Ferraz, 1982). Entre 1975 e 1977, o nmero de favelados dobrou, pas mesmo em 1975. no passariam de 120 mil. fato que as estatsticas corsando de 117 mil a 230 mil, distribudos em 919 ncleos. Segundo Suzana respondentes se subordinam aos critrios mais diversos (por exemplo. para Pasternak Taschner (1984), os favelados seriam, em 1980. perto de 600 a Proluz haveria 146939 barracos em 1985. enquanto, para a Eletropaulo, mil. isto , 70/0 do total da populao municipal. HA favela aparece como seriam 158694. Quanto ao nmero de favelados, uma fonte contabiliza uma das nicas trajetrias possveis para um crescente nmero de traba 460 mil e outra 866500. tambm no mesmo ano), e uma das melhores lhadores de baixa ou nenhuma qualificao", diz a autora (1984, p. 37-65). estudiosas do assunto, Suzana Pastemak Taschner (1984) mostrou muitas Segundo suas observaes, se, em 1973, j se percebia que a favela no das incongruncias reveladas pelas diversas contagens e props uma consoconcentrava uma populao com caractersticas de lumpen, agora se sabe

    ) lidao interessante e fivel, porque foram utilizadas diversas fontes e

    ! que ali habitam muitos trabalhadores do setor secundrio, e o percentual mencionados os respectivos critrios. a partir dos seus estudos que reude autnomos no era 40,5% como em 1973, mas somente 14,23%.4 nimos, aqui, alguns dados reveladores da rapidez com que se acelera o

    Os cortios so uma antiga presena na paisagem urbana paulistana fenmeno. numa cidade onde praticamente quase no havia favelas, nem (Kowarick e Ant, 1982), mas os ltimos decnios mostram uma expanso favelados h ainda trinta anos.

    considervel do fenmeno, paralelamente ampliao da pobreza e da

    deteriorao das condies de vida da populao. Seriam 250 mil famlias Parte das favelas no estoque de residncias encortiadas, em 1977, e o dobro (500 mil) cinco anos depois, em 1982 do municpio de So Paulo (Pedro Jacobi, 1982, p. 55). Quase 3400 mil paulistanos estariam vivendo em cortios (3377 571), ou seja, 39,5% da populao do Municpio. de 1973 1,2%acordo com dados oficiais de meados desta dcada. Seriam 125 mil cor 1975 1,6 tios, a comparar com os 91 mil barracos das 1086 favelas. Em 1975, os 1978 4,0 que viviam em cortios no municpio de So Paulo constituam 9,3070 1980 7,0 da populao atual e, em 1981, formavam um percentual semelhante ao

    Fonte: SUZAna Pastemak Taschner. 1985. atual(39,5%).

    Amparando-se em publicaes oficiais, Cline Sachs (1987) nos mostra

    como, somente no municpio de So Paulo, 5060 mil pessoas, isto , 52,7% Em 1981, haveria 3567 loteamentos clandestinos, apenas no municpio da populao, habitam alojamentos precrios, sendo 460 mil em favelas de So Paulo, ocupando uma rea total de 311474774 hectares, a maioria (4,73%); 2576 mil em cortios e em casas subnormais (26,5%) e 2024 mil esmagadora situada na zona urbana, enquanto os da zona rural dispuem casas autoconstruidas (20,83%), nmeros tirados do Plano Habita nhamem mdia de reas maiores. (Ver segunda tabela na pgina seguinte.) cional do Municpio de So Paulo 1983-87. So cifras encontradas tam Um fato importante deve ser concluido dessas contagens s vezes conbm no Plano Diretor do Municpio de So Paulo. publicado em 1985. tradit6rias . .:;:, conforme j vimos, a agravao do problema da residnciaI" Esses dados se referem a 1983. J em 1987 haveria 600 mil pessoas mo na maior cidade brasileira. Na dcada 1970-80. a taxa de crescimento do

    fenmeno trs vezes mais rpida que a do processo migratrio, o que

    ,--, )

    rando em favelas. 2970 mil em cortios e 2420 mil em habitaes prec

    ...

    I- \ L 44 45

  • Nmero total de favelados e percentagem bitao Popular (HabO. O nmero de barracos aumentou de 713% entre 1975 e 1985 (Folha de S. Paulo, 10.3.1985), A populao urbana cresce a uma taxa de 5% ao ano, enquanto que o nmero de favelados conhece uma taxa igual a 300/'0 (Pedro Jacobi, 1982, p. 61).

    Das 1530 favelas existentes, 39% estavam em terrenos pblicos. 41

  • Onde viio se localizar os novos moradores urbanos? Como se relocaliza O" ,Mi a populaiio j residente? Jean Philippe Damais (1987) se refere a "uma ,a: forte turbulncia centrfuga interna prpria aglomeraiio", dizendo que '11

    "uma primeira observaiio quanto mobilidade residencial intra-urbana ,,;;',,' entre 1970 e 1980 permite verificar que, de um total de 920 mil pessoas ". residindo h menos de dez anos nos municipios onde foram recenseados

    em 1980, masj! moradoras na Grande So Paulo em 1970, eram 12,50/'0 as que se haviam mudado de uma sub-regiiio para outra, cerca de 19,50/'0 dentro de uma mesma regio, enquanto dois teros saam do municipio de So Paulo para um ou outro dos municpios da Regio Metropolitana".

    Pelo fato de que o preo da terra sobe nas reas mais bem dotadas, perto do centro, a maior parte das pessoas termina sem poder instalar-se em localizaes centrais, devendo ir morar cada vez mais longe. Em 1960, 77,4% da populaiio da Grande Siio Paulo vivia no municpio de So Paulo; so 64% em 1984. Em 1950, 83% da populaiio da rea metropolitana vivia nas partes centrais e 170/'0 apenas na periferia; j em 1980, as reas centrais abrigam 720/'0 e a periferia, 28%. Entre 1960 e 1970, a populao cresceu em 140/'0 no centro, 31% na periferia imediata e 69% na periferia intermediria. Entre 1970 e 1980, enquanto a Regio Metropolitana como um todo via sua populaiio aumentada em 540/'0, a municipalidade de So Paulo conhecia um incremento de 43%. Os demais municlpios cresciam demograficamente entre 100 e 426%. Dentre os novos habitantes encontrados na Regio Metropolitana de So Paulo entre 1970 e 1980, 40% foram para os municpios da periferia.

    Em comparaiio com a Regiiio Metropolitana, o municpio de Siio Paulo v sua populao decrescer nos ltimos quarenta anos. Nela viviam 83,8% da populao metropolitana, em 1940, e, em 1984, apenas 64,5%:

    (%) 1940 83,8 1950 81,1 1960 77,4 1970 72,8 1980 67,6 1984 64,5

    Isto se verifica a despeito do fato de que o incremento demogrfico da rea metropolitana de So Paulo , em grande parte, absorvido pelo Municpio da Capital.

    Rela.lo entre a renda familiar e a distncia a partir do centroda cidade de S10 Paulo. 1966 Renda familiar mensal em cruzeiros de 1967

    15001

    usoI

    10001-

    1501

    5001-

    :!SOl-

    I I O ro ~ ~

    Distincia em quilmetros a partir do centro da cidade < Fonte: 11I0MSON. l.,n, "EI tr&n$porre urbano en Amrica Latina. consideraciones acerca de lU igualclad y eficiencia!'. Revista d4 Cepdl, n!' 17, aaosto, 1982

    49 ....

    '.L

    48

  • No se deve, assim, inferir que a periferia urbana (no :;cntido de reas distanciadas do centro) acolha menos gente que o miolo metropolitano.

    '" ~" Devido ao seu tamanho e sua conformao, h reas no prprio municipio de So Paulo que podem e devem ser consideradas perifricas.

    Nab Georges Bonduki (1982, p. 111) parece associar crescimento perifrico, seletividade na instalao de infra-estruturas e valorizao diferencial dos terrenos, quando escreve a respeito de So Paulo no inicio do sculo: "C ..) pode-se dizer que no existia, at 1918, uma clara e definida segregao espacial na cidade de So Paulo. Estava ocorrendo, no entanto, o incio de um processo segregatrio, que j levava setores da classe dominante a procurarem bairros exclusivos da elite e a transformar o centro numa zona nobre, assim como a discriminar os bairros que apresentavam uma caracterstica mais acentuada de ocupao operria. Estes, no entanto, nlo eram habitados exclusivamente pela populao de baixa renda, mas incluam tambm, por vezes, habitaes de classe mdia e at burguesas, alm de indstrias e do comrcio local, como o caso do Ipiranga e mesmo do Brs. O que nos parece fundamental notar que a 'soluo cortios e casas alugadas', sem incluir o fenmeno da periferizao, , na sua natureza, um modelo que no permite, numa cidade densa e concentrada da escala de So Paulo de ento, a existncia de uma segregao espacial muito acentuada que possibilite uma distribuio totalmente desigual dos investimentos pblicos, como a que ser vivel a partir do desenvolvimento do padro perifrico de crescimento urbano".

    Esta nova realidade assinalada pelo testemunho de Lcio Kowarick (1986, p. 14-5): ..... com a chegada de melhorias urbanas em reas antes desprovidas, cresce seu preo econ&mico na medida em que decai seu nus social. No momento em que ocorre este processo de valorizao, estas reas, antes acessveis s faixas de remunerao mais baixa, tendem a expulsar a maioria dos locatrios, os proprietrios que no podem pagar o aumento de taxas e impostos, transformando-se em zonas para camadas melhor remuneradas" C .. ). "(Igualmente), o contingente de: novos moradores pauperizados deve procurar, em outro local, desprovido de benfeitorias, um terreno para construir a sua 'casa prpria'."

    So os mais pobres que buscam a periferia. Um grfico estabelecido por lan Thomson (1986) mostra a relao entro. a receita familiar e a distncia do centro da cidade, no caso de So Paulo. I Uma das razes pelas quas os pobres tendem a nlo se fixar, sendo levados para localizaes sempre mais perifricas, vem do custo dos servios.

    50lI L

    Esses gastos com gua, energia eltrica e limpeza urbana so inversamen te proporcionais renda, consumindo uma parcela substancial da renda dos menos favorecidos. Isto significa que a chegada de melhoramentos urbanos a uma rea conduz,a mdio prazo, expulso dos pobres, pela impossibilidade de arcarem com as respectivas despesas.

    Pobreza e periferizao aparecem como dois termos e duas realidades interligadas. O nexo entre os dois assegurado pelo processo especulativo, que aparece segundo diversas fisionomias, agrupando fatores diversos, conforme dive"fsas modalidades. Henrique Rattner(1975, p. 27-8) chama a ateno para o fato de que "(. .. ) a poltica de 'desapropriao' para fins de 'modernizalo' do sistema virio - sobretudo em funo do nmero sempre crescente de carros particulares - contribui para expulsar para a 'periferia' contingentes crescentes de habitantes, distanciados assim de seus antigos lugares de trabalho, tendo como efeito a intensificao da demanda de transportes". Na sua busca de soluo para o problema da moradia, os pobres seriam condio e vtimas desse processo especulativo desenfreado. O afluxo de populaes de baixa renda, expulsas das reas centrais, e de migrantes para os bairros perifricos teve, entre outros, o efeito de elevar os preos dos terrenos e propriedades imobilirias, afastando ainda mais para a periferia os economicamente menos aptos.

    H uma relao entre o valor mdio da terra, as diferenas de acessibilidade e a segregao espacial.

    DomiclIios lCalizalo

    Ncleo Periferia

    imediata Periferia

    jn....., ..

    Valor mdio de terra (1975)

    4993

    1070

    93

    Comigoa

    81,6

    80,7

    59,6

    Ligados rede geral de esgotos

    73,9

    33,9

    4

    Ugados rede eltrica

    97,2

    94,5

    88,6

    Na medida em que muita gente obrl8ada a viver na periferia, os preos da terra sobem nas reas mais prximas ao centro. Desse modo, a tendncia expanso espacial da aglomerao se mantm, deixando vazias

    l~ parelas do territrio urbano, quase metade dele. 51

    ...

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    UNIVEFSIDAOE FED'::f(AL lJC RIU c..;I~:H,,,-,. ,.,_ ."J:.

    JIBUOTE;Cf.. SE fORJAI. DE CIENCIASo SO

  • Na medida em que a ppulao vai se espraiando ao longo das vias de transporte, aumentando o tamanho da cidade, os preos da terra e das ~. ' casas vo normalmente aumentando dentro da cidade. assim que a exJ;j:: panso territorial e a especulao se do paralelamente, uma sendo a causa

    e o efeito da outm. um terrlvel circulo vicioso. Para David McKee (s.d., p. 3). "nos paises maduros o setor desvan

    tajado da economia urbana tende a criar problemas no centro da cidade. : I~ Ele caracterizado por bairros decadentes, slums, e, naturalmente, por

    problemas sociais que paralelamente podem ser esperados. Isso resulta na queda dos valores da terra urbana, uma evaso de impostos e, em geral, um xodo da classe mdia, que deixa o centro da cidade. Isso resulta num crescimento explosivo nos subrbios - da o fenmeno conhecido como urban sprawl, exteriorizao da cidade. Assim, enquanto o dualismo urbano constitui um elemento restritivo nas economias no maduras, uma fora explosiva na economia madura, levando as cidades a se expandirem de forma descontrolada". Para esse mesmo autor, "nos pases emergentes, o dualismo intra-urbano tende a ser um problema da periferia urbana. Assim, tende a interferir na expanso ordenada da cidade".

    Um trao distintivo - real desta vez - entre as cidades dos pases desenvolvidos e as dos pases subdesenvolvidos estaria na existncia nestes de extensas periferias ocupadas por gente pobre, a qual, seja qual for sua localizao na cidade, geralmente desamparada pelo poder pblico que, alm de no lhe proporcionar os servios essenciais, raramente lhe paga alocaes de desemprego, quando este o caso. O exemplo do Brasil o de um pas onde o salrio-desemprego foi institudo apenas em 1986, o nmero de beneficirios e o tempo de remunerao so mnimos e a soma que paga, ridcula em relao s necessidades bsicas, pois, em geral, nem alcana um salrio minimo.

    Quando o imposto territorial conhece um crescimento mais rpido que o do imposto predial, os proprietrios de terra mais abastados tm maior oportunidade de reter seus terrenos que os mais pobres, muitos dos quais tambm no podem construir. O aumento do imposto territorial, tantas vezes apontado como soluo questo da especulao, no garante os resultados assim desejados mas, ao contrrio, pode p~ipitar o movimento no sentido da concentrao das terras dispomveis em poucas mlos. Infelizmente, a tendncia nas cidades brasileiras a elevao mais rpida do imposto territorial do que a do imposto predial. A presso dos moradores e suas associaes , nesse particular, mais convincente que a dos proprie

    S2

    trios de terras, cuja causa menos simptica. Assim, no Rio de Ianeiro, entre 1970 e 1980 o valor do imposto predial passa de crS 32,30 para Cr$ 11.407,40, enquanto o do imposto territorial sobe de Cr$ 42,20 para Cr$ 31.262,10, tomado o exemplo de um morador em terreno de 400 m2 (Hlio de Arajo Evangelista, O impacto da expanso metropolitana numa rea perifrica, mar. 1981). O imposto predial multiplicado por 3S6. enquanto o imposto territorial cresce 744 vezes.

    O progresso tcnico tambm d sua contribuio ao apressamento do processo de expulso das favelas, porque a evoluo dos processos construtivos facilita a conquista dessas reas por habitantes das camadas mais altas da sociedade urbana.

    O progresso tcnico certamente no atua isoladamente. ele no tem fora causal por si s. Ao mesmo tempo, colaboram as novaS condies da especulao numa sociedade crescentemente de consumo, a presso das novas classes mdias geradas pelo sistema econmico e poltico e o prprio papel do Estado, atravs das facilidades abertas s classes mdias para obterem uma casa ou apartamento prprios. Onde os habitantes de favela puderam se organizar politicamente, o processo de expulso no se deu ou foi mais lento.

    Centro e periferia: a cidade carente

    A oposio entre a cidade visvel e a cidade invisvel, subterrnea, chocante. A paisagem urbana se estende muito mais depressa do que os servios destinados a assegurar uma vida correta populao. Desse modo, a parcela maior da sociedade urbana, em grau mais ou menos grande. fica excluda dos beneficios do abastecimento d'gua, dos esgotos, do calamento, dos transportes etc. Eis ai, tambm, um dos aspectos mais chocantes dos contrastes entre centro e periferia.

    Por volta de 1973, 900/0 de todos os investimentos feitos na cidade de So Paulo incidefll sobre o centro expandido. Quanto Regio Metropolitana de So Paulo, ela repete uma constante: as despesas com infra-estruturaS econmicas e sociais so muito mais elevadas no municpio central do que nos municpios perifricos; na Grande So Paulo, a proporo de, 1,8:1, menor, alis, que no Grande Rio; onde de 4,7:1 (Diagnstico 75, Emplasa).

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  • Os recursos sociais so gritantemente concentrados, como exibe o quadroabaixo:

    Grande Sio Paulo, 1986

    :' Pronto-socorrosHospitais AmbulatriosLeitos;~/'

    ~t Municipio de, So Paulo

    Sudeste Santo Andr

    ,I S. B. do Campo S. C. do Sul

    (0J0 )(0J0) (0J0)(0J0)

    70,563,5 65,8 67,9 15,415,9 16,212,5

    4,7 7,3 ! 6,73,5 5,1 4,4 4,73,4

    1,4 2,02,2 1,4 I-~ Fonte; Emplasa, 1987, tabela 111.2.3.

    Um estudo da Emplasa mostra que os municpios que mais centralizam investimentos em infra-estrutura social so os municpios de So Paulo, Santo Andr, So Bernardo do Campo, So Caetano do Sul e Guarulhos, sendo que Santo Andr, So Caetano do Sul e So Bernardo do Campo so os de maiores investimentos per capita, notadamente So Bernardo do Campo. Quanto ao volume de gastos por habitante, a primazia na Regio Metropolitana de So Paulo est com os municpios de So Paulo, Santo Andr, So Caetano do Sul, Ribeiro Pires e So Bernardo, que so os que mais investem em infra-estrutura econmica, sendo So Bernardo do Campo o primeiro. Todavia, em todos os municipios os investimentos em infra-estrutura econmica so maiores que os com a infra-estrutura social (Pesquisa de Campo, Emplasa, 1980).

    Na Grande So Paulo, a presena de iluminao eltrica domiciliar variava, em 1970, segundo os municipios. Apenas em cinco deles, mais de 900/0 dos domiclios contavam com esse servio (So Caetano do Sul, Slo Paulo, So Bernardo do Campo, Santo Andr e Osasco). Eram oito os que contavam com 80 a 90%: Taboo da Serra, Ribeiro Pires, Po, Moji das' Cruzes, Mau, Guarulhos, Franco da Rocha e Diadema. Mas nove dentre os municipios da Regio Metropolitana dispunham de menos de .500;0 de residncias com instalaes eltricas, dentre os quais um, luquitiba, contava com menos de 20%.' Na rea urbalta do municipio de Guarulhos, apenas 5% dispem de redes de esgotos e 59% de gua canalizada. Para atender populao da rea em Guaianases, Itaquera e So Miguel Paulista, em meados da dcada de 70 (1974), havia dezessete postos de sade, 54

    ) --.. ,.

    dezesseis mdicos e dez funcionrios da sade sem nvel universitrio. As escolas consideradas caren tes eram 78%. ,

    Em sua comunicao ao colquio A metrpole e a crise (mar. 1985), Suzana Pasternak Taschner nos d indicaes reveladoras acerca das condies sanitrias reinantes no municpio de So Paulo e na Regiao 'Metropolitana. Enquanto, no Jardim Amrica, 98,81 % dos domiclios so ligados rede geral de esgotos, esse percentual baixa para 65,34% no Butant e para 32,72% na Capela do Socorro. Os ndices para o Municipio e para a Regio Metropolitana eram prximos: 53,88 e 52,89%. Nos barracos, a situao, em 1980, era ainda mais precria que em 1973, pois eram 66,05% os que se liberavam dos dejetos ao ar livre ou em crregos, contra 29,69% em 1973.6 J a utilizao de fossas secas ou negras baixou de 68,17% para 30,890/0 nesse perodo de sete anos.

    Os bairros cuja populao dispe de uma renda alta so mais bem contemplados com servios pblicos do que aqueles onde a renda ' mais baixa.' Veja-se o exemplo do percentual de residncias com instalao sanitria ligada rede geral. H variaes segundo os subdistritos, mas essas variaes so entre nveis mximos nos subdistritos mais ricos e entre nveis mnimos naqueles mais pobres.

    Subdlstritos com renda mdia mais alta (%)

    Jardim Amrica 98,1 de ligaes Indian6polls 87,2 de ligaes Aclimao 98,3 de ligaes Vila Mariana 94,9 de ligaes Ibirapuera 71,2 de ligaes

    SubcUstritos com renda mdia mais baba (%) Guaianases 0,8 de ligaes So Miguel Paulista 2,6 de ligaes ltaquera 3,3 de ligaes Ennelino Matarazzo 6,6 de ligaes Vila Nova Cachoeirinha 11,8 de ligaes

    No se trata a de uma relao de causa e efeito, como pode ter sido invocado o tende a parecer primeira vista. A explicao deve ser encon-

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    trada na deciso poltica de satisfazer a certas camadas de populao, em 9: detrimento de outras, mesmo quando esto em jogo servios essenciais. ,t O esquema centro-periferia desfavorece amplamente os habitantes dos Ir:. ~; municpios perifricos, quanto distribuio dos servios de sade. O mu

    nicipio clt: So Paulo dispe, sozinho, de 69,2% dos hospitais, 78,6% dos",, ;-: leitos hospitalares, 69,40/'0 dos ambulatrios e mesmo 7lA% dos pronto

    socorros e 75,90/'0 dos centros de sade da Regio Metropolitana. A distri:f~ buio geogrfica do nmero de leitos hospitalares varia, em 1975, de

    1 a 40, sendo a Oeste a sub-regio mais bem servida e a menos equipada a Norte. Mas o centro rene uns 64% do total de leitos. Quase dez anos depois, em 1984, as disparidades se mantm, os coeficientes variando entre um mlimo de 0,15 e 12,66 leitos por 1000 habitantes, isto , uma variao de 1 para 84. Os leitos em hospitais privados correspondem a 73,420/'0 do total, mas em quatro subreas chegam a 100%. No municpio de So Paulo, tomado isoladamente, o esquema se reproduz, pois o conjunto formado pelo centro e pelo centro expandido rene 57,40/'0 dos ambulatrios, 56,2 % dos pronto-socorros e 15,30/'0 dos postos de sade.

    Mais de 780/'0 da populao escolar do ensino primrio, ou seja, 1062872 crianas vo a p para a respectiva escola (Primeiro censo escolar, Prefeitura Municipal de So Paulo, 1917). Isso faz com que uma parcela considervel da popuiao seja, para esse servio, dependente da rea contigoa. O fato de que essa funo largamente exercida pela iniciativa privada mostra at que ponto o ensino pago pesa sobre o oramento de centenas de milhares de pessoas, empobrecendo-as assim.

    Na Grande So Paulo, a participao do setor privado quanto ao nmero de leitos de hospitais gerais maior que a de leitos especializados, o que , exatamente, o opqsto do que se poderia esperar, sobretudo quando pobre a maioria da populao. Obedecendo a um raciocnio de lgica formal, consideraramos um paradoxo que as reas pobres abriguem menos servios pblicos que as reas ricas. Os servios ligados . educao e sade costumam, em maioria, ser pagos na periferia e gratuitos no centro. Desse modo, os pobres so duplamente atingidos. Devendo pagar por bens pblicos, so empobrecidos por viver onde esto. A pobreza no apenas criada por causas econamicas, mas tambm por causas geogrficas. O valor de cada um ditado pelo lugar onde se encontra (Milton Santos, 1987).

    Conforme foi assinalado por Kieran McKeown (1987, p. 217), "muitos bens de consumo so fixos em localizaes particulares (por exemplo, casas, escolas, hospitais, teatros, bares, reas pitorescas etc.) e criam um 58

    ) .

    _._.. L

    efeito positivo ou negativo - uma externalidade - em torno do ponto onde esto localizadas e em funo do fato de serem bens de consumo positivos ou negativos. esse 'efeito da externalidade' que atribui aos bens de consumo sua dimenso espacial". Bens de consumo positivos so os que favorecem e valorizam as localizaes e os bens de consumo negativos, pelo contrrio, so aqueles que as desvalorizam ou desfavorecem.

    A relao entre atividades e servios cuja utilizao supe a presena do usurio no lugar, como a educao ou a sade, ajuda a explicar a queda da qulidade de vida na aglomerao e a acessibilidade cada vez menor a tais servios dos estratos mais pobres. Isso equivale a um empObrecimento ainda mais sensvel dos j pobres e das classes mdias, pelo fato de que, para aceder a esses bens que deveriam ser fornecidos pelo poder pblico, essa camada da populao tem de pagar, isto , utilizar, na remunerao de bens de mercado, recursos que poderiam ser poupados.

    A forma como a cidade geograficamente organizada faz com que ela no apenas atraia gente pobre, mas que ela prpria crie ainda mais gente pobre. O espao , desse modo, instrumental produo de pobres e da pobreza: um argumento a mais para considerarmos o espao geogrfico no apenas como um dado ou um reflexo, mas como um fator ativo, uma instncia da sociedade, como a economia, a cultura e as instituies (Milton Santos, 1980 e 1986).

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