Sc 3 de 8 capítulo iii
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CAPÍTULO III
O INTERIOR DA IGREJA BARROCA
Função e organização do espaço interior
____________________________________________________________
A primeira função da arquitectura em geral é a de abrigo. Desde os mais remotos
tempos que o homem procurou abrigar-se dos rigores do frio e da intempérie, numa
gruta, numa cabana, numa casa. Logo a seguir surgiu a necessidade estética, como se a
beleza seja inerente ao ser e ao saber estar no mundo.
Seguindo o primordial exemplo da arquitectura civil, também a arquitectura religiosa
responde a essa função radical: abrigar os ícones das divindades, em primeiro lugar, e
acolher os fiéis que aí buscam protecção, auxílio e abrigo.
Por conseguinte, não se imagina um sítio sagrado, muito menos se trata de uma igreja
cristã e católica, sem os aposentos reservados a Deus e a outras entidades da corte
celestial, promovidas pela história sagrada dos homens à categoria de divindades
intercessoras junto do Pai.
Tais aposentos respeitam uma determinada organização – definida e regulada pelos
Doutores da Igreja responsáveis pela Teologia –, vigiada ou fiscalizada, com mais ou
menos regularidade, através de visitações pastorais dos prelados e seus representantes,
sobretudo a partir dos finais da Idade Média. E é lógico que assim seja, porque os
serviços da liturgia carecem de espaços bem definidos, organizados e decentemente
ornamentados, cuidadosamente apetrechados em conformidade com as exigências do
rito Católico, Apostólico e Romano.
Antes de mais, os espaços reservados ao padroeiro e aos eleitos do santuário devem ser
decentes, assim o exigem as visitações dos bispos, sítios dignos das imagens a venerar,
devidamente enquadrados por estruturas complexas, feitas tanto quanto possível de
materiais nobres.
No século XVII emergiu o estilo barroco, que se propagou rapidamente por toda a
Europa, ultrapassando largamente o mundo católico. Sobretudo na segunda metade
deste século e na primeira metade do século XVIII, no nosso país em particular, a
madeira de excelente qualidade entalhada e recoberta a folha de ouro, estofada e
pintada, sobressaiu na confecção dos altares e retábulos, estes inspirados em elementos
estruturais da arquitectura (a coluna e a pilastra, o arco de volta perfeita, o friso e o
nicho, entre outros), destinados ao acolhimento das imagens sagradas.
Depois da recuperação da independência face a Espanha, em 1640, foram-se criando as
condições para que tal acontecesse. É sabido que muito ouro corria do Brasil, com a
exploração das jazidas auríferas a partir do último quartel do século, enriquecendo o
erário régio, os altos dignitários e o património nacional. Ainda que muitas das riquezas
coloniais – provenientes das especiarias e artigos de luxo orientais, do açúcar, do
tabaco, do tráfico negreiro, do ouro e diamantes – acabassem por desaguar nos portos
das nações poderosas, sobretudo nos da Inglaterra.
Arte cénica, onde a luz, o movimento e o som desempenham um papel
fulcral, o barroco procura, utilizando todos os processos, fazer apelo aos
sentidos. Arte de contrastes, onde dor e júbilo se misturam, se festeja a Vida
e a Morte, se coloca, lado a lado, magnificência e horror, o barroco é a
manifestação colectiva grandiosa, a exaltação da glória, a apoteose
sensorial […].
Ao longo dos séculos XVII e XVIII, a arte da talha sofre um grande
desenvolvimento no nosso país. Reflexo da prosperidade ocasionada pelo
ouro do Brasil, e respondendo aos critérios estéticos da época, as
encomendas para retábulos – e outras obras de talha – sucedem-se,
obedecendo a um único objectivo: a glorificação de Deus1.
1 FERREIRA-ALVES, Natália Marinho – A Arte da Talha no Porto na Época Barroca (Artistas e
Clientela. Materiais e Técnica), Vol. I, p. 39.
No interior do Senhor Bom Jesus da Cruz, como é característico das igrejas barrocas,
são várias as formas de expressão artísticas que o vão revestindo e decorando ao longo
de várias décadas.
O espírito barroco tem horror ao vazio, por isso é necessário o máximo de
ornamentação no preenchimento das paredes, pendurar telas de pinturas, colocar
imagens nos nichos e nas peanhas ou mísulas, encher todos os espaços a partir dos quais
se realiza o culto. Saturar e transbordar os espaços pelo excesso decorativo.
Nas igrejas barrocas, apenas as salas ou naves permanecem relativamente desafogadas,
para permitirem a concentração de grandes assembleias de fiéis. No interior destas
igrejas, a atmosfera carrega-se dos fumos da cera ardida nos castiçais, do azeite das
lâmpadas e do incenso queimado nos turíbulos; da luz quente e intensa que as largas
frestas deixam invadir, dos sons do cantochão e da musicalidade do órgão, das
salmodias e das rezas que se cantam, tudo para louvar a Deus e acentuar o fervor
religioso.
Nos finais do século XVII e na primeira metade do século XVIII, este horror ao vazio
amplia e diversifica substancialmente o mobiliário religioso e todos os objectos a ele
associados visando enriquecer o ritual litúrgico, impressionar pela riqueza e pela beleza,
pela luz, pela cor e pelo som, pela quantidade de peças de elevado valor material a que
Pormenores do interior do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz.
se acrescenta um inolvidável valor espiritual. É pois impossível vislumbrarmos um
templo católico da primeira metade do século XVIII sem esta profusão decorativa.
O templo do Senhor Bom Jesus da Cruz não foge à regra. Estando a estrutura
arquitectónica erecta, necessário era preenchê-la, mobilá-la e ornamentá-la. Uma casa
habitável, sobretudo a casa de Deus, só tem verdadeiro sentido depois de mobilada e
decorada.
Antes de mais havia que resolver o problema dos altares destinados às três capelas (a
maior e as duas colaterais, todas voltadas para as portas de acesso ao interior),
integrados em estruturas de retábulos inspiradas em elementos arquitectónicos (o
retábulo é, não raras vezes, desenhado por arquitectos), conferindo-lhe um aspecto
cenográfico. Retábulos elaborados em boa madeira, rica e exuberantemente trabalhada.
Esta exuberância da arte da talha revestida a folha de ouro não se limita aos retábulos e
aos seus altares: também as sacras, os castiçais e as jarras, as credencias e os anjos que
alumiam a entrada da capela-mor, as sanefas que sustentam os cortinados de damasco
vermelho, o cadeiral do coro e a caixa do órgão, fazem parte do repertório da arte
entalhada para o Senhor Bom Jesus da Cruz, depois de 1709.
Uma vez resolvido o problema dos retábulos e seus altares, verdadeiramente
prioritários, era imperioso pensar nas imagens (um altar sem imagens é como um jardim
sem flores), nos castiçais das banquetas, nos crucifixos, nos missais e breviários, nas
sacras, nos evangelhos, nos lavabos, nas flores para os dias festivos e solenes.
Pormenor da caixa do órgão, executada pelo entalhador Miguel Coelho, em 1730.
As imagens podiam sair das mãos de excelentes escultores, algumas magnificamente
trabalhadas, ou resultavam da sua armação de roca, estas compostas com vestes de luxo,
geralmente de damasco, seda, tafetá, holandilha, brocado, com seus galões de ouro e de
prata… para esconderem o corpo da divindade.
Dos mesmos tecidos ricos, franjados a ouro ou a prata, eram encomendados os
paramentos dos sacerdotes que oficiavam no Senhor da Cruz, sobretudo nos dias de
maior solenidade, e os cortinados para os altares, as janelas, os púlpitos, a portada
principal e as portas de acesso à sacristia e à sala das sessões da mesa da irmandade.
O mesmo esmero, ou superior, era observado na ornamentação do sacrário e do trono
eucarístico em cujo topo era exposta a sagrada custódia, quando devidamente autorizada
pela autoridade eclesiástica.
Exemplo de sacras e de
jarras, em talha dourada,
existentes no templo do
Senhor da Bom Jesus da
Cruz, dos séculos XVIII e
XIX.
Capa de damasco bordado a fio de ouro e pormenor da custódia
de prata, século XVIII.
Evidentemente que o luxo e o requinte, o colorido festivo e a utilização de valiosas
alfaias em torno do cerimonial litúrgico permanecem, nos dias que correm, muito
semelhantes aos do passado.
Surgem também imagens narrativas em pinturas sobre telas, como se fizera no retábulo
maneirista do século XVII, e como se fez no século XVIII nas grandes telas destinadas
às paredes da capela maior, numa das remodelações deste espaço fundamental.
Quanto às paredes do corpo da igreja, foram revestidas com painéis azulejares que, uma
vez mais, recontam aspectos fulcrais da história sagrada, com uma finalidade
eminentemente didáctica. Afinal, as obras de arte nas igrejas servem para acentuar o
carácter pedagógico da acção pastoral do bispo, os ofícios do capelão, o verbo do
sacerdote/pregador.
Como veremos, nas proximidades de 1730 hão-de figurar os painéis de azulejo azul e
branco com os Passos da Paixão de Cristo e os expressivos anjos alados que nos exibem
os instrumentos do martírio, num revestimento da generalidade das paredes
impecavelmente harmonizadas com a robustez do granito.
Elegância, serenidade e fidalguia nos trajes e expressões dos personagens, no
enquadramento geral de uma temática alusiva a um sofrimento atroz e que nos muros se
evoca quase festivamente, porque se sabe que depois da dor sem limites e da morte
cruel sobreveio a Ressurreição.
Painel azulejar com um anjo, exibindo num estilo
muito humano e barroco um dos instrumentos da
Paixão de Cristo.
Mais tarde, mas ainda no século XVIII, oito quadros de pinturas bíblicas e da Paixão de
Cristo vêm recobrir os oito panos de parede (dispostos nos registos superiores do eixo
central), banhados pela luz redonda do óculo da cúpula.
Ao triunfo e à festa do barroco temos ainda de juntar a paramentaria, como atrás se
disse, as ricas toalhas dos altares, os cortinados de damasco vermelhos ou roxos (a
serem utilizados consoante as festividades), os missais de luxo, os objectos em metais
preciosos – sobretudo as alfaias do culto como os cálices, as galhetas e patenas, os
sanguinhos, os turíbulos, a custódia –, mas também as cruzes, as estantes e credencias, o
canto coral e a música ecoada do órgão de tubos tipo ibérico, o cheiro inebriante do
incenso e o verbo inflamado da pregação.
Painel pictórico representando o tema da Crucifixão, elaborado pelo pintor
barcelense Manuel Luís Pereira, talvez na segunda metade do século XVIII,
e restaurado na década de 1990 pelo pintor Fernando Rosário, de Esposende.
Imaginária e devoção no novo templo
____________________________________________________________
Senhor absoluto na velha capela durante duzentos anos (desde cerca de 1505), o Senhor
Bom Jesus da Cruz vai deixar-se acompanhar por outras invocações e imagens, agora
que novas condições foram criadas, com a nova igreja, a partir de 1710.
Os inventários dos séculos XVIII e XIX e as imagens que ainda existem denunciam
uma nova dinâmica vitalizadora deste famoso pólo de devoção cristológica, ao longo
dos últimos quase trezentos anos.
À imagem do Senhor Bom Jesus (da Cruz, dos Passos, de Barcelos…), exclusiva
durante os séculos de Quinhentos e Seiscentos, acrescentaram-se novas invocações, em
conformidade com a evolução do culto, por vezes imposta pela insistência dos devotos.
Antes de mais, naturalmente, a imagem da Senhora das Dores, que foi colocada no seu
altar em 1717, ocupando a capela do lado da Epístola; depois, pelo menos a partir de
1726, a imagem do Menino Jesus (patrono de uma irmandade que em sua honra se
fundou no templo, como à frente se verá), ocupando logicamente um lugar de destaque
ao lado de Sua mãe, a Nossa Senhora das Dores, por vezes também chamada das
Angústias.
Mas outras e novas invocações têm vindo a invadir o templo ao longo dos quase três
séculos da nova igreja.
Para além do Senhor Crucificado – duas formosas estátuas, uma de médias dimensões
que se colocou cerca de 1715 na banqueta do altar-mor, junto ao sacrário, e outra que
Algumas das imagens existentes no templo do Senhor
Bom Jesus da Cruz.
mede 1,84 m e que se plantou no coro, encostada às suas grades e de costas voltadas à
capela-mor –, e do Senhor Ressuscitado, entraram no moderno templo as invocações
(acompanhadas das respectivas imagens) de S. João Evangelista e Santa Maria
Madalena, Nossa Senhora da Piedade, Santo Agostinho, Santo Inácio de Loiola
(invocando-se o espanhol fundador da Companhia de Jesus, mas também, quem sabe,
homenageando Inácio Medela, atendendo a que foi colocada sobre uma estante do coro
por ele instituído), Santo António, S. José e várias Nossas Senhoras: a da Conceição, a
do Auxílio, a da Assunção, a do Sameiro, a de Fátima, a Peregrina…
Isto sem esquecermos o Cristo
dos Santos Passos, em diversos
momentos da Paixão,
representado não apenas nos
painéis de azulejo azul e
branco, mas ainda em diversas
telas de apreciável valor
histórico e estético, quadros
que poderão ter integrado o
retábulo do século XVII e que
é urgente restaurá-los… antes
que o tempo e a nossa
desatenção completem a obra
da demolição.
IMAGENS EXISTENTES NO TEMPLO DO SENHOR DA CRUZ SEGUNDO O
INVENTÁRIO DE 1840
Imagem/Invocação Localização
Senhor Bom Jesus da Cruz – escultura de
madeira.
Altar da capela colateral, lado do
Evangelho. Apenas se mostrando nas
principais festas e às Sextas-feiras,
durante a primeira missa. Nossa Senhora das Dores – imagem “feita de
armação de roca, e vestida de seda”. Altar da capela colateral, lado da
Epístola. Nossa Senhora das Dores – idêntica à
anterior. Utilizada na Semana Santa.
Nossa Senhora das Dores – armação de roca. Guardada mas já sem serventia. Nossa Senhora da Conceição – escultura. Altar da capela colateral, lado da
Epístola. Santíssimo Coração de Jesus – escultura. Altar da capela colateral, lado da
Aspecto de uma das telas figurando um dos momentos da
Paixão, em que Sireneu ajuda Cristo a erguer-se de uma
das quedas no percurso a caminho do Calvário.
Epístola. Menino Jesus – imagem com um vestido. Altar da capela colateral, lado da
Epístola. Nossa Senhora e o Menino – pintura sobre
tela. Cunhal junto ao altar da capela colateral,
lado da Epístola.
As Cinco Chagas – pintura sobre tela. Cunhal do lado oposto ao anterior. Senhor Crucificado “em ponto grande e as
imagens do pé da cruz” – pintura sobre tela. Frente à tribuna do altar-mor.
Nossa Senhora da Piedade – escultura. Altar-mor, lado do Evangelho. Santo Agostinho – escultura. Altar-mor, lado da Epístola.
Santo Inácio – escultura. Estante dos livros do coro. Senhor dos Passos “que vai na procissão no
segundo Domingo da Quaresma” – armação
de roca.
Andor – Procissão dos Passos.
Senhor Crucificado “grande” – escultura
feita em pasta.
Monte do Calvário, no dia da Procissão
dos Passos.
S. João Evangelista – armação de roca. Utilizada na Procissão dos Passos.
St.ª Maria Madalena – armação de roca. Utilizada na Procissão dos Passos.
Corpo do Senhor – articulação de
madeira, com “dois andares de braços e
pernas”.
“Serve de diversos modos nos sermões
das tardes da Quaresma”.
Senhor Preso à Coluna. Sem uso.
Crucifixo. Sacristia “aonde os clérigos se
paramentam”.
Cruz prateada. Altar-mor.
Cruz dourada. Altar do Senhor da Cruz.
Cruz de estanho. Altar da Senhora das Dores.
Santo Sudário.
Dois anjos “encarnados” – esculturas de
madeira.
Em cima de “seus tamboretes, ao lado dos
arcos da capela-mor”, cada um com sua
tocha na mão.
Os Dois Ladrões do Calvário – imagens
de pasta, palha e lona.
Utilizadas na Procissão dos Passos.
Remodelações na capela-mor
____________________________________________________________
Como atrás se disse, em 19 de Novembro de 1709 o escultor Miguel Coelho foi
contratado para a execução dos três retábulos, o da capela-mor e os das capelas
colaterais, entalhados segundo dois desenhos, um por si elaborado e outro
encomendado ao arquitecto lisboeta João Antunes. Nessa data, o mestre entalhador
recebeu 40 moedas em ouro no valor de 192.000 réis, como entrada inicial de uma obra
que foi orçada em 320.000 réis, conforme o teor do contrato então celebrado.
Pela análise documental concluímos que aquando da provável inauguração da igreja em
1710, apenas o retábulo do altar-mor estaria concluído e que o da capela de Nossa
Senhora das Dores ainda estava por colocar em 1715, pois nesta data o tesoureiro
Manuel Ferreira tinha na sua posse 30.000 réis para entregar ao artista assim que o
mesmo “assentar o retábulo”2.
Aliás, em 1718 Miguel Coelho anda ainda às voltas com o frontal do altar do Senhor da
Cruz, ano em que esculpiu os magníficos anjos lampadários que se encontram junto à
capela-mor, de cujas obras recebeu 16.000 réis. Foi também neste ano que o mestre
entalhador fez a moldura de uma “vidraça do Senhor”, decerto para proteger a
veneranda imagem dos devotos (que sempre querem tocar nas figuras, para se
insuflarem do sagrado), o que nos fornece uma imagem completamente diversa da que
conhecemos do actual retábulo do Senhor Bom Jesus da Cruz.
Como é sabido, e adiante se salientará, o retábulo que saiu das mãos de Miguel Coelho
virá a ser substituído pelo actual, este saído da arte de Luís Pereira da Costa, aquando
das obras de remodelação nas capelas colaterais, em 1736.
Quanto à capela-mor, esta foi bem cedo remodelada, primeiro com a renovação do altar
e do seu retábulo, depois com a realização de duas grandes telas afixadas nas paredes
laterais, entre o retábulo e o arco-cruzeiro.
2 AISC, Livro das receitas e despesas de 1706-1721, fl. 33.
Seguindo as contas encerradas em Fevereiro de 1723 (oficialmente aprovadas a 18 de
Maio do mesmo ano pelo Dr. José Pereira Coutinho – desembargador de sua majestade,
provedor e contador da fazenda real com alçada na comarca e na provedoria da vila de
Viana, foz do Lima)3, várias rubricas atestam a realização de diversas obras no interior
da igreja em geral e na capela-mor em particular.
Miguel Coelho, estando aparentemente em Braga em 1722, foi chamado para renovar o
retábulo da capela-mor, antes de mais devendo apresentar um esboço ou desenho, tarefa
em que será assistido, na tomada de medidas, pelo mestre pedreiro Miguel Fernandes.
Com efeito, o tesoureiro José Gomes Garcia despendeu nesse ano 240 réis pelo aluguer
do animal que transportou Miguel Coelho no seu retorno à cidade de Braga, quando o
mesmo “veio fazer o rascunho” para o retábulo, e 100 réis para um homem que “foi
buscar a besta”; também pagou 50 réis a um rapaz que foi levar uma carta ao mestre
Miguel Fernandes “para vir assistir” com Miguel Coelho no registo das medidas para a
planta do novo altar-mor. Pouco tempo depois o mesmo tesoureiro efectuou um
pagamento de 220 réis a quem veio de Braga trazer à irmandade a planta elaborada por
Miguel Coelho, “quando se quis pôr a lanços o retábulo”4.
Uma vez posta a obra a lanços, sabemos que foi seleccionado o mestre entalhador de
Barcelos, que assinou o contrato em 15 de Novembro de 1722, confirmado pelo
apontamento que se segue.
Despendeu para o mestre Miguel Coelho imaginário que tomou a obra do
retábulo da capela-mor e o conserto e acrescentamento do dito retábulo na
forma da planta […] e apontamentos na forma de uma escritura feita na
nota do tabelião Manuel Lopes da Costa em 15 dias do mês de Novembro
de 1722 anos e se lhe entregou em princípio de paga noventa e seis mil réis
3 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 39-40.
4 Idem, fls. 33 e 34.
Capela-mor com seu retábulo, desenhado e entalhado
pelo mestre barcelense Miguel Coelho, 1722-1724.
como consta do assento na escritura que foi o preço de duzentos e sessenta
mil réis o retábulo – 96.0005.
Infelizmente não dispomos do contrato, mas dispomos do retábulo, ainda que
parcialmente mutilado aquando da intervenção em 1910, com a substituição do trono
eucarístico.
No novo retábulo Miguel Coelho libertar-se parcialmente do chamado estilo nacional,
que obedecia a um esquema algo rígido organizado em arcos de volta inteira, com a
pilastra de permeio, incorporando a peanha para a colocação de imagens da Senhora e
de santos de elevadíssimo estatuto na corte celestial.
O retábulo maior do Senhor da Cruz acabará por receber duas magníficas esculturas:
uma representando Santo Agostinho e a outra Nossa senhora da Piedade.
Não é evidentemente ainda um retábulo tipicamente joanino, altamente cenográfico e
teatral, mas a robusta graciosidade dos arcos rematam e coroam uma estrutura de tipo
arquitectónica, escultoricamente trabalhada, como que garantindo a simbiose entre duas
tendências do gosto, uma ainda ligada ao estilo nacional e outra com laivos inovadores
e de recorte joanino.
5 Idem, fls. 34-34v.
Pormenor do retábulo do altar-mor, executado pelo
mestre entalhador Miguel Coelho e dourado pelo
mestre dourador e pintor João Alves da Barca, da
freguesia de Poiares, Barcelos, em 1725-1726.
No meio das colunas ainda pseudo-salomónicas (tão em voga no estilo nacional), de
madeira douradas, as pilastras sugeridas, mais do que afirmadas, quase desapareceram,
para darem lugar a peanhas e nichos, num retábulo que parece favorecer a
multiplicação de imagens e invocações, reservando-lhes honroso lugar. Enquanto no
lado do Evangelho se colocará a Senhora da Piedade, o lado da Epistola acolherá um
dos maiores Doutores da Igreja, Santo Agostinho.
Trata-se, seguramente, de um retábulo de transição entre o estilo nacional e o estilo
joanino.
Em 1724 Miguel Coelho assentou o moderno retábulo e no ano seguinte entalhou o
magnífico frontal do altar-mor, pelo preço de 12.000 réis6.
6 Idem, fl. 77.
As imagens de Nossa Senhora da Piedade e de Santo Agostinho, duas obras de arte do século XVIII de
excelente qualidade, ocupando um lugar de destaque no retábulo do altar-mor.
(Em 1741 há-de proceder-se a uma ligeira alteração, talvez relacionada com a melhor
circulação na zona do altar-mor e sua tribuna: o mestre carpinteiro João da Silva
recebeu nesse ano 1.600 réis “por mudar o altar-mor mais para fora, com tabuado de
castanho barrotes e pregos e uma tábua na tribuna com três dobradiças e um remendo
de soalho com tábuas de castanho junto ao lavatório da sacristia”)7.
Para além do mestre entalhador, escultor e imaginário Miguel Coelho, vários artistas e
artífices participaram na remodelação total da capela-mor, na década de 1720.
Nela encontramos os mestres pedreiros Miguel Fernandes, Domingos Francisco, da
freguesia de Cossourado, Domingos Lourenço, da vila e Paulo da Silva e vários
oficiais, em trabalhos de adaptação do espaço arquitectónico à novíssima obra de talha.
A pedra “que faltava” para a construção da banqueta veio do monte de Remelhe, tendo
sido pago pela sua extracção 1.440 réis.
O mestre ferreiro António da Costa Leitão, da vila, foi chamado a fornecer e colocar as
ferragens e um mestre serralheiro de Barcelinhos forneceu uma fechadura, as
dobradiças e os pregos para o sacrário novo.
Por seu lado, o pintor Manuel Furtado de Mendonça, natural do Porto mas assistente
em Barcelos (note-se que este artista será contratado em 1728 para pintar a sacristia e
os coros alto e baixo da igreja de S. Bento, hoje conhecida como igreja do Terço)8,
executou uma pintura sobre tela para se dependurar frente à tribuna, enquanto o mestre
pintor e dourador João Alves da Barca foi contratado para o douramento do retábulo e
7 Idem, fl. 234.
8 ADB, Registo Notarial de Barcelos, Livro 180, fls. 134-135v.
Frontal do altar-mor, entalhado por Miguel Coelho em 1725 e dourado por
João Alves da Barca, em 1726.
quatro anjos foram encomendados ao mestre Miguel Coelho, de Barcelos e outros
tantos ao mestre António de Campos, da cidade de Braga.
Em 2 de Novembro de 1725 foi arrematada a obra do douramento do retábulo-mor, pelo
mestre barcelense João Alves da Barca. Esta arrematação ocorreu depois da petição ao
“juízo geral” da vila nesse sentido, entidade que nomeou o tabelião Manuel Lopes da
Costa (que se fez acompanhar do porteiro do mesmo juízo geral, Francisco Gonçalves
Pimenta) para a execução do público acto.
Uma vez colocada a obra a lanços no adro da igreja, na presença de vários mestres
pintores e douradores, a sua execução foi confiada ao mestre dourador e pintor que
lançou a mais baixa oferta – João Alves da Barca, da freguesia de Poiares –,
comprometendo-se o mestre a dourar o retábulo pelo valor de 435.000 réis, empreitada
que deverá concluir até às Endoenças de 1726. (Este valor deve ter sido posteriormente
renegociado, porquanto nas despesas de 1731-1734 mencionou-se a entrega de 22.000
réis ao pintor João Alves, dinheiro “que se lhe ficara devendo do acréscimo que a mesa
lhe mandou dar como consta do livro dos termos”)9.
Segundo o contrato de 1725, o artista obrigou-se a concretizar a obra nas condições
estabelecidas por uns apontamentos que ele próprio assinou naquele instante; mas, para
que fosse garantida a perfeição, o mestre dourador obrigou a sua pessoa e seus bens
9 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 161v.
Remate do retábulo maior, entalhado por Miguel Coelho e dourado
por João Alves da Barca, 1722-1726.
móveis e de raiz, podendo vir a apresentar fiadores nos termos a definir pela mesa da
irmandade. O pagamento da obra ocorreria em três partes ou conforme a obra fosse
correndo.
Este contrato envolveu 10 homens, que nele
deixaram a sua assinatura: o mestre dourador João
Alves da Barca, o juiz da irmandade Dr. Manuel de
Andrade e Almada e o cónego Manuel de Faria de
Eça, mais quatro elementos da mesa, duas
testemunhas (Manuel da Costa, da freguesia de S.
Pedro de Vila Frescainha e José Gomes Garcia, da
vila) e o tabelião Manuel Lopes da Costa10
.
Os apontamentos pelos quais o mestre devia guiar-
se foram realmente elaborados e estão ainda,
felizmente, a salvo.
Trata-se de um documento não datado, mas que é seguramente daquela altura já que nas
contas de 1725 surge uma despesa de 120 réis relacionada com uma mulher que foi a
Braga “buscar os apontamentos” para se dourar o retábulo da capela-mor11
e revela-se
como uma importante fonte para uma melhor compreensão da obra e do processo da sua
execução.
Mais do que o contrato notarial, os apontamentos descrevem ao pormenor as obrigações
do mestre dourador e mostram-nos a complexidade do douramento e pintura das obras
de talha.
Depois de devidamente espanado, para a remoção de terra e de poeiras, o retábulo seria
primeiramente aparelhado com duas de mão de gesso grosso e estucado nas partes
necessárias para o tapamento de buracos, fendas ou rachas da madeira; de seguida seria
aplicada uma terceira de mão de gesso grosso e lixado, a fim de ficar a obra bem lisa,
sem borbotos; uma quarta de mão de gesso grosso precederia a aplicação de cinco mãos
de gesso mate e outras tantas de bolo; finalmente o retábulo era dourado, com aplicação
10
AISC, Caixa 1, Documento da arrematação do douramento do retábulo-mor. 11
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 91.
Pormenor do retábulo do altar-mor.
de ouro subido (da melhor qualidade) em toda a superfície do retábulo, excepto nas
partes foscas e a estofar nas quais havia de levar ouro comum.
O documento era também claro quanto às partes a
dourar. Assim, do meio das colunas para baixo seria a
obra “toda dourada”.
Os meninos e os serafins seriam “encarnados” e
levariam um “polimento de bom lustre”, estofando-se-
lhes as asas. Também as flores e os pássaros eram para
estofar com uma policromia de tintas “finas”, levando a
folhagem seus rubis “onde mais convier”.
Para além do retábulo propriamente dito, nos mesmos apontamentos faz-se referência a
10 anjos com 7 palmos cada, “que serão estofados dois a dois, com correspondência da
cor” e pintados com tintas “subidas e finas”, com aplicação de rubis verdes e
vermelhos.
A alusão a 10 anjos de tamanho quase natural, leva-nos a formular a hipótese de que
poderiam tratar-se dos dois conjuntos de quatro jovens (mais dois anjos lampadários)
com ar festivo e quase ingénuo, que suportam os andores onde actualmente se
Quatro anjos suportam o altar/andor inamovível, da Senhora
das Dores.
encontram o Senhor da Cruz e a Senhora das Dores e que devem ter sido encomendados
aos escultores Miguel Coelho e António de Campos.
Estamos também em crer que estes oito jovens/anjos foram encomendados para a área
da capela-mor, porquanto das duas verbas pagas em 1725 ao mestre escultor e
imaginário de Braga, António de Campos, a de 24.000 réis foi efectuada por “conta dos
quatro anjos que faz para a capela-mor de que passou paga”12
. Os outros quatro foram
esculpidos por Miguel Coelho.
Quanto aos dois anjos que faltam para completar a dezena, os apontamentos
mencionam os “dois anjos presbitérios”, o que nos faz pensar nos anjos lampadários
que tinham sido esculpidos em 1718 por Miguel Coelho, pelo preço de 16.000 réis.
É certo que nas contas de 1718-1719 surge-nos uma despesa de 4.800 réis relacionada
com o pagamento ao pintor Manuel Fernandes Pinto, relacionado com o “encarnamento
dos anjos das lâmpadas”, tratando-se, evidentemente, dos anjos lampadários esculpidos
pelo mestre barcelense.
Todavia, acreditamos que o ímpeto de renovação de toda a capela-mor, 1722-1728,
obrigou ao seu repinte e douramento, ficando os presbitérios anjos concordantes com o
novíssimo retábulo do altar-mor.
Na mesma ocasião, cerca de 1725, devem ter sido esculpidos, pintados e dourados os
jovens/anjos que actualmente suportam os andores do Senhor da Cruz e da Senhora das
Dores.
12
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 79v.
Quatro anjos suportando o altar/andor inamovível do Senhor Bom Jesus da Cruz.
No século XVIII, estas belas estátuas que carregam actualmente os andores das capelas
colaterais, deveriam suportar outras imagens das mesmas invocações, não nos retábulos
onde se encontram, mas muito possivelmente na zona da capela-mor.
Advertimos, porém, que nenhum documento foi ainda encontrado que confirme esta
hipótese. Oxalá, venhamos a ser cabalmente iluminados e corrigidos pela luz
documental.
Por enquanto resta-nos a luminosidade das obras de
arte; o brilho emanado do ouro, o traje e os corpos
graciosos, coloridos, numa pose cerimonial de quem
vai num cortejo, numa procissão muito
religiosamente humana; a solenidade e a elegância
quase sensual, furtivamente mirada por donzelas
devotas da elite social; a serenidade esboçada num
sorriso ingénuo, mas contido, subjugado pela
firmeza dos oito imberbes cortesãos carregando
cada conjunto de quatro a sua imagem – um grupo
transporta o Senhor Bom Jesus da Cruz e o outro
Nossa Senhora das Dores.
Tudo ditado pelo gosto e pela mentalidade da primeira metade do século XVIII. E pela
sensibilidade e criatividade do artista!
Fosse como fosse, todo este cortejo de anjos humanos que vimos referindo, e ainda mais
dois “que se hão de pôr sobre o sacrário”, deveriam ficar totalmente dourados e
estofados tanto pela parte da frente como pela parte de trás – estofados “à moda”, com
tudo o necessário à sua beleza, para além de ornamentados com rendas douradas e
pintadas.
Sobre estes últimos – a colocar talvez na banqueta junto ao sacrário –, as contas de 1726
fazem referência a “dois anjos pequenos” que duas mulheres de Barcelos tinham ido
buscar à cidade de Braga e às quais o tesoureiro pagou 300 réis pelo frete13
.
13
Idem, fl. 94.
Em baixo, um dos dois anjos lampadários feitos em 1718 por Miguel
Coelho. À esquerda, um dos 8 jovens/anjos que suportam os andores
do Senhor da Cruz e da Senhora das Dores, devendo datar de 1725.
Pormenor de anjo segurando o andor
inamovível do Senhor da Cruz.
Quanto ao belo frontal do altar-mor, à sacra e aos evangelhos, diz o documento que
serão todos dourados em harmonia com o retábulo, quer na qualidade do ouro, quer na
policromia e no estofado.
Ao mestre coube ainda o tratamento da
cantaria, já que no envasamento onde assenta
o retábulo dever-se-ia aplicar um muito fino
alvaiade, de modo a não ferir a graciosidade e
a alvura da pedra, devendo aplicar-se nele
“ouro mate subido”, nomeadamente nas faixas
dos pedestais e nos filetes das suas molduras,
bem como na parte superior, circular, nos seus
enrolamentos.
Define-se nestes apontamentos a própria metodologia do andamento da obra.
Na sua execução, e depois de limpa de poeiras e devidamente engessada, a obra devia
realizar-se em 3 etapas ou lanços consecutivos: na primeira etapa o retábulo seria
tratado até ao friso; na segunda, completava-se até ao envasamento de granito e, numa
terceira e última etapa, tratar-se-ia do banco propriamente dito. Este método seria
utilizado tanto no estofar como no encarnar e no esmaltar, isto para “ficar mais limpa a
Pormenor do frontal do altar-mor.
dita obra”. Toda esta obra de pintura e douramento do retábulo maior e sua tribuna
deveria estar pronta de modo a permitir a sua utilização aquando das Endoenças de
1726, pelo que o artista que a arrematar “pegará logo nela”.
Quanto às estadas ou andaimes necessários para a sua execução, seriam da
responsabilidade “de quem tomar a obra”.
Para além de se poder exigir ao artista uma fiança nos termos a estabelecer pelos
encomendadores, na fase final poderia ser solicitado, desde que tal se justificasse, um
parecer técnico – caso se detectasse algum incumprimento, a irmandade contrataria dois
“louvados” a expensas do dourador, sem excluir as obrigações resultantes da arbitragem
dos técnicos14
.
O chamado “quadro da tribuna”, uma pintura sobre tela encomendada ao pintor Manuel
Furtado de Mendonça, para colocar frente ao trono eucarístico, custou à irmandade
50.000 réis. O tema representado deve ter sido o da Ressurreição e a tela estaria exposta
quotidianamente. Mas em ocasiões especiais, nomeadamente aquando da Exposição do
Santíssimo Sacramento, um sistema de roldanas e cordas fazia deslizar a pintura,
guardando-a num fosso cavado no subsolo da capela-mor.
Diz o documento que o tesoureiro entregou aos dois pedreiros “que fizeram o fosso
para se descer o painel da tribuna” 960 réis, por três dias de trabalho e despendeu 140
réis com outro pedreiro que “acabou o fosso para receber o quadro”; para além dos
14
AISC, Caixa 1, Apontamentos para o duramento e pintura do retábulo-mor.
À esquerda, o sacrário do altar-mor e pormenores do frontal e
da banqueta do retábulo. Em cima, um pormenor do sacrário.
gastos com a comida fornecida aos “lavradores que tiraram a terra do dito fosso”,
envolvendo 270 réis.
Mas era ainda necessário preparar o espaço remodelado, para a colocação de cortinados
novos. Por isso um pedreiro “abriu e broqueou” a abóbada da capela-mor, para se fixar
o ferro dos cortinados, por 200 réis e o mestre ferreiro da vila, António da Costa Leitão,
forneceu as ferragens para prender as cortinas, apresentando a despesa de 6.000 réis.
Nas contas do tesoureiro Gervásio Barroso e Basto, encerradas a 12 de Dezembro de
1726, surge a despesa de 29.250 réis despendida com 195 côvados de holandilha e
algodão, para as cortinas do altar-mor, preço considerado satisfatório “porque saíram
compradas na mão do Inglês à razão de 3.400 a peça […] sem direitos alguns que não
pagou, nem nisso quis ter lucro algum”15
.
Em 1727-1728 Domingos Pereira recebeu 2.400 réis pela “grade corrediça do quadro
da tribuna do altar-mor”; foi pago pelo “caixão para receber o dito quadro” a quantia de
4.500 réis; por alguns arranjos nas grades dos fossos (do adro) e nos taburnos fronteiros
aos altares gastou-se 300 réis; e pelo sobrado que “fez por detrás da tribuna” 4.500 réis.
O carpinteiro António Dinis, de Barcelinhos, consertou uns castiçais, enquanto Manuel
Nogueira fez a armação para as Endoenças de 1727, por 480 réis e o alfaiate Bento da
Silva “fez as cortinas do altar-mor” por 1.440.
Enfim, despenderam-se várias rubricas relacionadas com as capela mor e colaterais:
240 réis com uma sacra, um evangelho, e um lavabo para o altar-mor; 500 em fitas
“com que se fizeram as cortinas”; 1.980 por “nove oitavas de serrilha de ouro para as
ditas cortinas”; 580 em damasco branco e 290 em holandilha para o sacrário (e pagou-
se 30 réis a quem limpou a ferrugem da sua chave); e 9.420 pelas “esteiras para os
taburnos da capela-mor e altares colaterais”16
15
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 98. 16
Idem, fls. 109-110.
Aspecto do altar-mor, cujo frontal foi parcialmente escondido pela
intrusão da moderna mesa, e dois castiçais de talha dourada de apreciáveis
dimensões, enquadrando o espaço central das celebrações litúrgicas.
DESPESAS COM A REMODELAÇÃO NA CAPELA-MOR – 1722-172817
MESTRE, ARTISTA OU
ARTÍFICE
TIPO DE DESPESA E OBRA EFECTUADA VERBA
(RÉIS)
Aluguer do animal que transportou Miguel Coelho na sua ida à cidade de Braga, aquando da
vinda a Barcelos deste mestre entalhador para fazer o desenho do retábulo, incluindo “cem
réis para um homem que foi buscar a besta”.
340
Pagamento a um rapaz que foi levar uma carta ao mestre pedreiro Miguel Fernandes, para vir
ajudar Miguel Coelho a “tomar as medidas” para a planta do altar-mor.
50
Pagamento a quem veio de Braga trazer à Irmandade do Senhor da Cruz a planta elaborada
pelo mestre Miguel Coelho, “para se pôr a obra a lanços”.
220
Mestre entalhador Miguel
Coelho – da Porta do Vale,
vila de Barcelos.
Entrada inicial aquando da assinatura do contrato para a renovação do retábulo do altar-mor.
96.000
Mestre pedreiro Domingos
Lourenço – da vila.
Pelo corte do “arco de pedra tosco” da capela-mor para colocação “mais atrás” do novo
retábulo (a mesa deu-lhe a pedra sobrante, conforme “ajuste que com ele se fez”).
8.000
Mestre pedreiro Miguel
Fernandes – Cossourado.
Pela participação de oficiais seus na banqueta do retábulo do altar-mor. 30.000
Mestre pedreiro Domingos
Lourenço – Barcelos.
Pelo corte da pedra “que faltava para a dita banqueta”, no monte de Remelhe. 1.440
Mestre ferreiro António da
Costa Leitão – da vila de
Barcelos.
Pelo aguce dos picos e cinzéis “para a dita obra”.
1.550
António da Costa Leitão. Pelas ferragens das cortinas do altar-mor. 6.000
Bento da Costa – de
Barcelos.
Para “gastos com os carreteiros da dita pedra”. 210
17
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 33v-97 e 109-110.
Oito alqueires de cal “para a mesma obra”. 600
Um carro de saibro. 100
Miguel Coelho. Pagamento efectuado nesta data, além dos 96.000 réis que lhe haviam sido entregues aquando
da assinatura da “escritura do retábulo”, verba lançada “nas contas do outro ano”.
62.400
Oficiais. Pagamento aos “oficiais do retábulo quando assentaram a fronteira”. 80
Miguel Coelho. Novo pagamento, “além das 33 moedas que já tem […] tudo pelo retábulo” da capela-mor. 9.600
Mestre Domingos
Francisco – Cossourado.
Pela abertura de uma porta para a tribuna – verba alusiva a “jornais para ele e oficiais, e
ferreiro que aguçou os picos”.
2.220
Miguel Coelho. Despesa que “com a qual quantia e com as mais parcelas que lhe tinha dado ajusta quarenta
moedas de ouro tudo a conta do retábulo da capela-mor ou renovação dele”.
24.000
Mestre pedreiro Paulo da
Silva – Barcelos
Pagamento de jornais ou ordenados dos seus oficiais que picaram a abóbada da capela-mor,
“quando se assentou o retábulo”
600
Miguel Coelho. Completamento do “ajuste do computo do retábulo, que importou duzentos e sessenta mil
reis, e lhe tinha já antecedentemente satisfeito o mais”.
68.000
Miguel Coelho. Pela escritura de distrate feita com o mestre, “de estar pago de todo o preço”. 240
Miguel Coelho. Despesa que o mestre “tinha pago a um pedreiro […] quando assentou o retábulo”. 80
Mestre serralheiro – de
Barcelinhos.
Por uma fechadura, dobradiças e pregos “para o sacrário” do altar-mor. 432
Miguel Coelho. Por conta dos anjos que estava a esculpir. 19.200
Pagamento a quem retirou o entulho e a pedra que estavam por detrás da tribuna do altar-mor. 100
Pagamento a uma mulher que foi a Braga buscar os apontamentos para o douramento do
retábulo do altar-mor.
120
Pintor Manuel Furtado –
do Porto, assistente na vila
de Barcelos.
Pagamento pela pintura do “quadro da tribuna” – um painel de tela que se colocou frente à
tribuna do altar-mor, podendo deslizar para o subsolo sempre que se pretendia mostrar o trono
eucarístico ou fazer a Exposição do Santíssimo Sacramento.
50.000
Despesa com “os pedreiros que fizeram o fosso para se descer o painel da tribuna em que
gastaram três dias que eram dois homens”.
960
Despesa com “os lavradores que tiraram a terra do dito fosso em lhe dar de comer”. 270
Despesa com o pedreiro que “acabou o fosso para receber o quadro”. 140
Despesa com o pedreiro que “abriu e broqueou a abóbada da capela-mor para se meter o ferro 200
para as cortinas”.
Miguel Coelho. Pelas plumas que esculpiu para os anjos. 1.200
Miguel Coelho. Pagamento por conta “do pagamento dos quatro anjos”. 9.600
Miguel Coelho. Compra de pregos para fixar as plumas dos anjos. 94
Miguel Coelho. Novo pagamento pelos anjos “que fez”. 13.200
Com o “porteiro que apregoou a arrematação do retábulo da capela-mor”. 240
Mestre imaginário António
de Campos – da Porta de
S. Tiago, Braga.
Pagamento por conta “dos anjos que há de fazer”.
9.600
António de Campos. Verba entregue a José Velho, da Rua das Chagas, Braga, para dar ao mestre escultor e
imaginário António de Campos, por “conta dos quatro anjos que faz para a capela-mor”.
24.000
Mestre pintor e dourador
João Alves da Barca –
Poiares.
Pagamento do douramento e pintura do retábulo-mor e dos anjos, de acordo com o “preço por
que arrematou a dita obra conforme escritura de obrigação”.
435
Carpinteiro Domingos
Pereira – Barcelos.
Pela “grade corrediça do quadro da tribuna do altar-mor”. 2.400
Domingos Pereira. Pelo caixão para receber o referido quadro fronteiro à tribuna. 1.500
Domingos Pereira. Pelo sobrado que “fez por detrás da tribuna”. 4.500
Domingos Pereira. Consertos dos taburnos e das grades dos fossos. 300
Por uma sacra, um evangelho e um lavabo para o altar-mor. 240
Compra de fitas para as cortinas do altar-mor. 500
Compra de meio côvado de damasco branco para as cortinas do sacrário. 580
Compra de “nove oitavas de serrilha de ouro para as ditas cortinas”. 1.980
Compra de holandilha para aplicar no sacrário, “por baixo do livro”. 290
Pagamento a quem limpou a ferrugem da chave do dito sacrário. 30
Alfaiate Bento da Silva –
Barcelos.
Confecção das cortinas do altar-mor. 1.440
Esteiras para os taburnos da capela-mor e das capelas colaterais. 9.420
Oito anos depois voltou-se a remodelar a capela-mor, desta vez na ornamentação das
suas paredes laterais. Havia que preenchê-las com nova luz, cor, movimento e acção
dramática.
Para esse efeito ter-se-ão encomendado em 1736 ao pintor italiano João Baptista
Pachini, radicado no Porto, duas telas de grandes dimensões, cada uma com 4 x 3,50
metros18
.
O encerramento das contas em 23 de Julho de 1737 permite-nos saber que, nesta data,
já os referidos quadros tinham sido entregues, embora só viessem a ser afixados em
1738. O documento não refere os temas representados (tão-pouco o nome do pintor),
mas não é difícil adivinhar que também estas pinturas estariam relacionadas com a
Paixão de Cristo.
Abra-se um parêntese para
observarmos os painéis de
azulejo azul e branco, que
actualmente revestem as
paredes laterais da capela-
mor, elaborados aquando da
intervenção de 1909-1910 e
nos quais se reafirmou a
temática da Paixão de Cristo,
patenteada nas paredes do
templo desde 1730.
Estes painéis revivalistas feitos em Gaia pelo ceramista Domingos Costa obrigaram à
retirada dos velhos quadros de João Baptista Pachini, dos quais lamentavelmente não
sabemos o destino que lhes foi dado.
Regressando ao século XVIII, para além da irmandade ter gasto 105.600 réis “com o
pintor dos quadros da capela-mor pela factura deles”, pagou mais 800 pelo aluguer do
animal quando o tesoureiro se deslocou ao Porto a fim de “saber do pintor”. De
seguida, desembolsaram-se 1.130 réis pelo “caixão e papel para trazer os quadros” e
18
Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., pp. 67-68.
Painel azulejar da capela-mor, lado da Epístola, 1910.
1.390 réis por nova deslocação à cidade invicta para, entre outras incumbências,
despachar as telas que estavam prontas. A quem trouxe do Porto as telas pintadas, mas
ainda não emolduradas, pagaram-se 300 réis.
Do Porto só vieram realmente as pinturas, já que quem executou as molduras de talha
dourada foi o carpinteiro de Barcelos António Simões, que também forrou as paredes
onde haviam de encostar os quadros.
Mas era preciso ainda pintar e dourar as molduras e pregar-lhe as telas feitas por João
Baptista Pachini, antes da sua fixação nas paredes, tarefas que aparentemente foram
executadas entre 1737-1738, a avaliarmos pelas despesas então lançadas.
Nesta data gastaram-se 1.200 réis com João da Silva, carpinteiro que veio “fazer as
estadas para assentar os quadros da capela-mor e fazer quatro cavaletes de madeira para
os pintores se usarem e pintarem as molduras”; gastaram-se mais 1.060 réis por se
“fazer segunda vez a estada para os quadros da capela-mor e no carreto das madeiras
para ela e pregos”. Na pintura e douramento das molduras participou o mestre pintor
João Gonçalves Ribas, da freguesia de Balugães, recebendo de salários que “ganhou na
obra dos quadros” 5.400 réis. As tintas foram fornecidas pelos estabelecimentos dos
comerciantes Bento da Costa e Paulo Roiz e, para o douramento propriamente dito,
compraram-se 10 livros de ouro que custaram à irmandade 7.320 réis. Antes de,
finalmente, se colocarem nas paredes os famosos e desaparecidos quadros de Pachini,
foi ainda preciso chamar o mestre ferreiro António Leitão, a quem se pagaram 200 réis
por chumbar os ferros nas paredes onde se fixaram os quadros19
.
Na década de 1740 decorrem ainda algumas obras relacionadas com a capela-mor.
Nas contas de 8 de Janeiro de 1742 a 20 Abril de 1743, o tesoureiro Manuel Miranda
registou o pagamento de 9.600 réis a Manuel de Oliveira, de Barcelinhos, por uma
credência para a capela-mor.
Ao mestre carpinteiro João da Silva fez o tesoureiro várias pagamentos, uma boa parte
dos quais relacionados com a tribuna do altar-mor: 3.300 réis por 3 braças de taburnos
(estrados frente aos altares); 640 por 4 jornais para fazer uns alçapões e levantar os
taburnos “com chaços mais altos para guardar a escada de mão”; 390 pela madeira para
“as testas, chaços, travessas e pregos” para o referido conserto; 160 por um jornal que
gastou em apertar os sinos e pregar duas fechaduras; 5.600 por fazer “uma planta ou pé
19
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 188-191, 189v, 197, 198v e 200.
para assentar a imagem da Ressurreição” (cujo feitio custara 4.480 réis e, de “encarnar
e dourar a mesma imagem”, tinha-se pago 3.480 réis); 5.600 por fazer 4 portas de
castanho, com suas “fixas chumbadas por detrás da tribuna para reparar o vento que
nela entrava”; 200 por tapar de “tabuado a fresta de trás da tribuna”; 920 por 20
dobradiças para as portas de trás da tribuna e para os alçapões da escada e pregos; e
1.200 réis pelo chumbo e de chumbar as quatro portas20
.
Outras despesas de 1742 surgem associadas à Quaresma e à Festa das Cruzes.
Assim, ao “trombeta” que tocou nos Passos da Quaresma pagou-se 800 réis; os
adereços para os anjos e para a Verónica custaram 2.170; gastou-se em retrós roxo para
o pavilhão do Senhor dos Passos 740; o padre pregador, “guardião dos Capuchos”
recebeu, pelos sermões do Mandato e da Soledade, 4.800 réis.
A quem foi a Braga buscar a licença para se expor o Santíssimo Sacramento nas
Endoenças e na festa da Invenção da Santa Cruz pagou-se 220 réis; pela pregação dos 3
sermões na festa da Invenção da Santa Cruz desembolsou-se 14.400; aos gaiteiros e
clarinete deu-se-lhes 1.380; aos cónegos e acólitos pagou-se-lhes 2.250 e aos sacerdotes
que assistiram 1.200; ao padre Manuel, pela celebração da missa festiva, pagou-se-lhe
9.600. Em velas de sebo e lumes gastaram-se 600 réis21
.
Nos anos seguintes encontramos a trabalhar no templo do Senhor da Cruz o mestre
carpinteiro João da Silva em várias obras de carpintaria relacionadas com o sino, os
taburnos, a cruz dos Santos Passos, entre outras. Mas no Senhor da Cruz trabalham
também ferreiros, sineiros, pedreiros, entalhadores, douradores, pintores.
O carpinteiro ou entalhador Manuel Oliveira, por exemplo, recebeu 3.000 réis em 1744-
1745, “por fazer as sanefas das portas da sacristia e casa da mesa” e mais 9.600 por ter
feito quatro peanhas “para os anjos”22
.
No mesmo ano o tesoureiro Manuel de Miranda “despendeu para um sacrário novo
3.000 réis – em damasco para o forro, dobradiças e fechadura da porta, “o qual se fez
para colocar o Santíssimo Sacramento nas ocasiões em que se acha impedido o
principal do altar-mor para a administração da sagrada comunhão”. Gastou ainda 700
réis na compra de 4 micheiros para os anjos “do pé da tribuna para neles se sustentarem
as tochas que têm nas mãos” e no conserto de outros “que estavam quebrados”; pagou
20
Idem, fls. 242-242v. 21
Idem, Ibidem. 22
Idem, fl. 265.
por 6 mesas de corporais para os altares e 4 varas de renda para uma toalha de renda,
pano e feitio, 3.620 réis; para o “ornato da tribuna” comprou 8 dúzias e meia de ramos,
por 4.820 réis e pagou a Manuel Nogueira 2.880 réis, pelo conserto dos seguintes
Passos: para os sermões das Sextas-feiras da Quaresma, para o do Calvário e para os da
Procissão dos Passos23
.
Em 1746-1748, o mestre carpinteiro João da Silva volta a destacar-se nas obras do
Senhor da Cruz. Para além de intervir em várias reparações de carpintaria, João da
Silva executou um arco em madeira de castanho “que faz em volta 20 palmos e quatro e
meio de largo para se cobrir o tecto da tribuna para se armar o Passo do Calvário e os
mais nas Sextas-feiras da Quaresma e ficar para o tempo futuro”, pelo preço de 600
réis. Na mesma data recebeu 2.000 réis “pela madeira e jornais de fazer o concerto na
tribuna na ocasião das Endoenças a qual madeira fica servindo para os mais anos e por
meter os chumbadouros no coro”24
.
Ornamentar o interior barroco
____________________________________________________________
Ao mesmo tempo que se realizaram as obras de remodelação na capela-mor (tendo a
primeira ocorrido em 1722-1728), outras iam decorrendo no interior da igreja, uma
parte delas, como se viu e se verá, relacionadas com a mesma capela maior.
Mas havia que ornamentar, embelezar e enriquecer todo o templo, dotando-o, por
exemplo, das imagens necessárias ao desenvolvimento do moderno culto.
23
Idem, fls. 266v-267. 24
Idem, fls. 297-297v.
A antiga e célebre imagem do Bom Jesus, flamenga, maciça, feita de carvalho e em
tamanho natural, carregando no Seu ombro esquerdo uma pesada cruz, era de todo
insuficiente.
Já sabíamos que, desde 1714, se encontravam na tribuna do altar-mor as imagens de
Nossa Senhora e de S. João Evangelista, feitas pelo imaginário Gualter de Sousa, da
freguesia de Lijó. Sabíamos também que, desde 1717, Nossa Senhora das Dores
ocupava o seu lugar na capela colateral, do lado da Epístola.
Desde 1722, e destinada ao seu papel tradicional na dramatização/recriação dos Santos
Passos, foi a vez de Maria Madalena fazer a sua entrada triunfal no templo. Foi neste
ano, pois, que o mesmo artista de Lijó, Gualter de Sousa, recebeu 8.000 réis por fazer a
imagem de Santa Maria Madalena25
.
No entanto, o patrono do templo e da sua
irmandade não perdeu nenhuma
importância, antes pelo contrário:
começaram a multiplicar-se as cruzes, os
crucifixos, as insígnias da Paixão e os
principais momentos do martírio, enfim
as imagens alusivas ao Senhor Bom
Jesus da Cruz.
Em primeiro lugar, o pintor barcelense
Luís de Oliveira pintou a extraordinária
imagem de Cristo Crucificado, que
desde 1714 se encontrava no centro do
altar-mor.
Mais tarde, julgamos que ainda no século XVIII (não aparece referida nos inventários
de setecentos e de oitocentos), uma poderosa escultura do Senhor Crucificado, com
1,84 m, foi plantada junto à grade do coro, voltada de costas ao altar-mor, esmagando
com o seu vivo exemplo de homem sacrificado a pequenez do grupo de capelães, quem
sabe se ociosos e pouco dados a sacrifícios (como se poderá depreender das palavras
25
Idem, fl. 28.
Imagem do Senhor Crucificado, cerca de
1714.
quase cáusticas do instituidor do coro, Inácio da Silva Medela, que bem cedo parece
olhar os capelães como homens interesseiros e materialistas).
Era preciso ornamentar, dar vida, cor e luz ao interior barroco. Por isso, antes de
Fevereiro de 1723 foram colocadas as cortinas nas janelas maiores da nave. De cor
rubra.
Para esse efeito compraram-se cerca de 70 côvados de serafina vermelha para as
“frestas grandes do meio da igreja para as cortinas”, que, com o feitio incluído, ficaram
por 21.260 réis; o mestre ferreiro António da Costa Leitão fez os varões e “mais ferros”
para os referidos cortinados “donde entrou em desconto os ferros do sino pequeno que
estava detrás da porta principal” e por isso só se lhe pagou 1.010 réis; pelas franjas
verdes para as mencionadas cortinas e por 24 argolas de bronze pagou-se 7.200 réis e
com o carpinteiro Domingos Pereira, por duas tábuas de castanho “que fez donde estão
as sanefas das cortinas pregadas” gastou-se 120 réis; com um pedreiro de Cossourado
“que andou a abrir os buracos nas frestas” para chumbar os ferros das cortinas 180 réis;
pelo chumbo comprado na casa de Agostinho Nogueira, “que se gastou nos ferros das
cortinas e no ferro que tem mão na porta principal” 310 réis; pelo cordel das referidas
cortinas 75; e pelas tachas para “pregar as sanefas nas tábuas que estão nelas” 10 réis26
.
Para além das capelas mor e colaterais, todas as aberturas que ligam os espaços do culto
ao exterior e às diversas dependências do templo recebiam o seu cortinado de damasco
vermelho que, em ocasiões como a Quaresma, era substituído em geral por outro, de
cor roxa.
26
Idem, Ibidem.
Em 1719, os retábulos e seus altares haviam sido já objecto de atenção e asseio,
passando pela aquisição de uma vassoura de “cabelo estrangeiro” para a sua limpeza27
.
Aliás, com alguma frequência verificamos na documentação dos séculos XVIII e XIX
esta preocupação com a remoção da sujidade e do pó dos retábulos e dos azulejos,
sobretudo nas vésperas da festividade de Maio.
Em 1721 comprou-se uma sacra para o altar do Senhor da Cruz e o imaginário Gualter
de Sousa, de Lijó, cobrou 6.500 réis pelo “feitio da imagem de S. João”; posteriormente,
talvez no ano seguinte, recebeu “do resto que se lhe estava devendo do feitio da Senhora
do altar-mor” 2.660 réis. Foi-lhe ainda paga a factura de 225 réis na estalajadeira “A
Braga”, de quando o mestre imaginário de Lijó veio ao Senhor da Cruz “aperfeiçoar as
imagens” de S. João e de Nossa Senhora28
.
Como atrás se mencionou, no retábulo executado por Miguel Coelho entre 1722-1724 e
dourado por João Alves da Barca, entre 1725-1726, podemos hoje observar a imagem
de Santo Agostinho, no seu aparente nicho do lado da Epístola e a imagem de Nossa
Senhora da Piedade, feita de madeira mandada do Brasil por Inácio da Silva Medela,
colocada no lado do Evangelho.
27
AISC, Livro das receitas e despesas de 1706-1721, fl. 58. 28
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 14 e 15.
Neste pormenor da capela-mor pode ver-se o belo
efeito do cortinado pendurado numa das suas portas.
Na sua carta de 30 de Junho de 1730, endereçada ao juiz e mais irmãos da mesa da
irmandade, Inácio Medela dá-nos indicações claras, quer quanto ao envio do toro de
cedro para a referida imagem e sua colocação, que desejava fosse sobre a banqueta, quer
quanto à motivação de mais esta dádiva ao Senhor Bom Jesus da Cruz29
(assunto que
retomaremos no Capítulo IV, relacionado com o coro do Senhor da Cruz).
Ainda no ano de 1721 encomendou-se um
palio roxo e suas varas ao mestre Francisco de
Araújo, da cidade de Braga, cujos “custo e
feitio aparelhado” orçaram em 37.640 réis.
O aluguer da mula para ir a Braga buscá-lo
ficou por 240 réis, aproveitando-se a viagem
para trazer um Breve de Indulgências emitido
para o “altar privilegiado do Senhor” e que
custou à irmandade 1.920 réis30
.
Em Fevereiro de 1723 registaram-se algumas despesas relacionadas com o
funcionamento do culto, com alguns arranjos e a ornamentação da igreja. Foram pagos
a Gervásio Barroso e Basto 1.620 réis, porque “o mais se fez de esmolas”, para um
29
AISC, Caixa 2, Carta III de Inácio da Silva Medela. 30
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 13.
Edital do breve papal que instituiu o
altar do Senhor da Cruz como altar
privilegiado, 1721.
frontal roxo; comprou-se uma corrente para o breve papal das Quarenta Horas de Maio,
que veio de Roma, válido para os três primeiros dias de Maio por um período de 7 anos,
breve “que está no cartório desta confraria”; repararam-se as vidraças e colocaram-se as
portas das sacristias, feitas no ano anterior por António Simões; pagaram-se a
Domingos Pereira 1.970 réis, pelas portas dos púlpitos, para os quais o pedreiro
Domingos Cardoso, de Cossourado, “mandou um homem abrir os chumbadouros”;
vários artífices e artistas participam em obras de acabamentos; o mestre pintor de
Balugães, João Gonçalves Ribas, utilizou 7 varas de pano de linho para pintar 6 painéis
dos 7 Passos que existiam; as imagens de S. João e de Nossa Senhora, feitas por
Gualter de Sousa, foram pintadas por Manuel Ferreira Pinto, por 8.500 réis.
Ainda em 1723, Miguel Coelho comprou em Braga por 2.880 réis duas pedras de ara,
uma para o altar-mor e outra para o altar da Senhora das Dores, exigidas pela
autoridade eclesiástica, aquando de uma visitação, por “estarem os cultos incapazes”.
Na sequência da reforma dos estatutos (1714-
1721), ou porque a autoridade bracarense assim
o exigiu, todos os irmãos da mesa passaram a
participar na Procissão dos Santos Passos, cada
um transportando a sua bandeira.
Para esse efeito, coube ao carpinteiro Domingos
Pereira fornecer as 13 varas necessárias,
enquanto as telas pintadas a pendurar, ilustrando
motivos condizentes com a evocação da Paixão,
foram executadas pelo pintor Manuel Fernandes
Pinto, pelo preço de 1.650 réis31
.
Ao longo da primeira metade do século XVIII, o ensejo de modernizar, enriquecer e
embelezar o interior do templo continuou incessantemente. Os livros das contas e das
actas (alguns infelizmente ausentes do arquivo), os inventários dos séculos XVIII e
XIX e outra documentação são bem elucidativos do rebuliço de obras relacionadas com
o revestimento das paredes e o equipamento do coro; com a remodelação das capelas e
a encomenda de obras de arte (sem esquecermos a aquisição de alfaias e outros objectos
31
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 31-36.
sagrados, paramentos, toalhas, cortinados e as pequenas intervenções quase bianuais,
por ocasião da Festa das Cruzes); com a repavimentação após a abertura do cemitério
municipal; enfim com o brilhantismo das festas definidas estatutariamente e os
cuidados com a beleza e riqueza dos lustres que iluminam a igreja.
Remodelação nas capelas colaterais
____________________________________________________________
Segundo se pode apurar das contas apresentadas pelo tesoureiro Manuel de Miranda, na
ocasião da encomenda e colocação dos quadros na capela-mor, 1736-1738, procedeu-se
a uma profunda remodelação dos altares colaterais, que incluiu a substituição dos
retábulos entalhados por Miguel Coelho entre 1709 e 1715.
Vários mestres e oficiais, artistas e artífices, estiveram envolvidos nesta remodelação.
Miguel Coelho, que se encontrava a trabalhar em Caminha, foi chamado “para a obra
dos retábulos” novos das capelas do Senhor da Cruz e da Senhora das Dores. Todavia, a
sua execução foi confiada ao entalhador portuense Luís Pereira da Costa, conforme se
pode ler no livro de receitas e despesas de 1721 a 1750.
Da cidade invicta foi também contratado o arquitecto António Pereira32
que veio a
Barcelos “a tomar as medidas dos retábulos e idear a forma das plantas” e ao qual se
pagou na altura 9.600 réis, depois de se registar uma despesa de 480 réis, com o homem
que foi ao Porto “chamar o mestre que fez a planta que aí se não achou por ter partido
para Lisboa”.
Destaque-se, pois, a presença de mestres entalhadores e arquitectos de relevo no
panorama artístico, em obras de remodelação no templo do Senhor da Cruz,
nomeadamente Luís Pereira da Costa, exímio entalhador do Porto, António Pereira,
arquitecto e mestre de estuque e Miguel Francisco da Silva, arquitecto e mestre
32
Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., pp. 67 e 70.
entalhador, estes últimos oriundos de Lisboa mas radicados no Porto – dois homens que
desempenharam “um papel da maior importância como arquitectos na Sé” portuense.
António Pereira, enquanto arquitecto na cidade invicta, virá mesmo a ocupar “um lugar
de grande relevância no segundo quartel do século XVIII” 33
.
Outras despesas patentes no livro referido confirmam a presença do mestre em
Barcelos: foram pagas duas quantias, uma no valor de 720 réis e outra de 1.180, “dos
gastos que fez na estalagem”, enquanto o risco das "plantas para os dois retábulos”,
feito arquitecto António Pereira terão custado 14.400 réis.
Tal como na capela-mor, também aqui foi necessário adaptar o espaço arquitectónico
para receber os novos retábulos. Várias despesas aparecem relacionadas com a
participação de oficiais de pedreiro barcelenses, que vieram cortar o “arco tosco” das
capelas colaterais.
Como se disse, Luís Pereira da Costa foi o mestre entalhador contratado para a
execução dos dois retábulos das capelas colaterais. Várias despesas registadas entre
1734 e 1737 provam não apenas a responsabilidade deste mestre entalhador na
elaboração dos retábulos mas ainda a sua participação no fabrico de peças de talha
essenciais, como eram o frontal do altar e também a sacra, o evangelho e o lavabo (trio
de pequenos quadros emoldurados que normalmente se colocavam sobre a mesa do
altar e que funcionavam como ponto ou auxiliares de memória do sacerdote quando da
celebração da missa).
33
FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. – O Porto na Época dos Almadas. Arquitectura. Obras
Públicas, Vol. I, Edição da Câmara Municipal do Porto, 1988, p. 68.
A arrematação da obra deve ter ocorrido em 1735, pelo preço de 500.000 réis, quantia
que foi entregue antes de Julho de 1737 ao artista pelos “dois retábulos colaterais” que
fez e que já se destinava a liquidar “todo o preço que por eles se ajustou”. Mas alguma
alteração deve ter sido entretanto introduzida no contrato, na medida em que ser-lhe-
iam entregues mais 74.400 réis, “pelo acréscimo da obra dos retábulos”.
Entretanto, sabemos que foram pagos 480 réis pelo “tabuado do altar do Senhor” e
1.350 por pregos e salários relacionados com o mesmo altar, pelo que a irmandade
forneceu pelo menos parte da madeira e a mão-de-obra coadjuvante.
Ao mesmo entalhador Luís Pereira da Costa foram ainda pagos 33.600 réis pelos
frontais “dos dois altares colaterais” e 5.000 pelos “pilares sacra e evangelho e lavabo
de um altar”, certamente o altar do Senhor da Cruz já que ao entalhador Miguel
Francisco da Silva, residente também no Porto, coube a execução da “sacra, evangelho,
e lavabo do altar da Senhora das Dores” obras pelas quais auferiu a quantia de 2.800
réis.
O pormenor do frontal, que a seguir se apresenta, evidencia todo um programa
iconográfico e estético de altíssimo significado: todo o rectângulo é profusamente
trabalhado, com motivos vegetais e meninos dourados e policromados. No centro da
composição, em campo liso de oiro delimitado por um ondulante losango curvilíneo, o
artista esculpiu os três cravos da Crucifixão apontados à cruz aureolada e uma inscrição
de elevado interesse iconológico, onde pode entrar o nome do Jesus Senhor, o Homem
da Santíssima Trindade.
No frontal do altar da Senhora da Dores, o conjunto da composição conheceu a mesma
organização formal, mas no seu centro pontifica uma simbólica menos complexa,
alusiva à Virgem enquanto rainha e mãe de Deus. Três estrelas de David ajudam a
preencher o fundo liso e dourado.
Retábulos do Senhor Bom Jesus da Cruz e de Nossa Senhora das Dores, duas obras do mestre
entalhador Luís Pereira da Costa, entalhadas entre 1735-1737.
Na sequência desta remodelação, em 1736 foi vendido o velho retábulo do altar do
Senhor da Cruz a António Carneiro Leão, da freguesia da Carvalhosa, Paços de
Ferreira, pelo preço de 72.000 réis. Ao homem que foi à Carvalhosa “avisar o homem
que comprou o retábulo”, já se havia pago 480 réis.
Do antigo retábulo de Nossa Senhora das Dores nada se sabe acerca do seu destino. O
mais certo, no entanto, é ele ter sido reutilizado, no todo ou em parte, noutros espaços
de culto existentes na vila ou fora dela. As contas de 1737-1738 referem uma receita de
2.400 réis proveniente do “frontal de madeira que se vendeu para a capela do Espírito
Santo por não ter serventia no templo”.
Pormenor do frontal do altar do Senhor da Cruz, cerca de 1736.
Para se proceder à instalação dos retábulos, logicamente que as imagens tiveram de ser
deslocadas. Sabemos que a imagem do Senhor da Cruz foi transferida para o altar-mor
enquanto decorreram as obras, porquanto a irmandade pagou 180 réis por um barrote
“para o altar do Senhor quando se mudou para o altar-mor”, e por meio-dia de trabalho
a um carpinteiro.
Para a colocação do retábulo e do frontal do altar da Senhora das Dores, foi preciso
remover os restos mortais dos cadáveres que se encontravam sepultados no seu subsolo:
pagou-se então ao coveiro Francisco Gomes a quantia de 1.200 réis “por mudar ou
trasladar os ossos dos cadáveres que estavam sepultados no supedâneo do altar da
Senhora das Dores para outras sepulturas”.
Miguel Coelho foi chamado em 1740, aquando do douramento dos retábulos, para
“limpar o frontal da cera e consertar os retábulos colaterais nas partes em que abriram
para se dourarem”, recebendo 800 réis relativos a quatro dias de salário. Neste conserto
foi utilizado tecido de linho, que ficou por 2.700 réis e uma quarta de cola, no valor de
30 réis.
No mesmo ano, foi contratado o mestre dourador Jacinto de Azevedo para dourar os
dois retábulos, os frontais, as banquetas e as sacras dos altares colaterais, pelo preço de
540.000 réis. Porém, a irmandade teve ainda de gastar 1.600, em Braga, para clarificar
as dúvidas colocadas pelo “pintor da dita cidade” relacionadas com o mencionado
douramento.
Pormenor do frontal do altar de Nossa Senhora das Dores, cerca de 1736.
Pormenor do retábulo de Nossa Senhora das Dores, entalhado
ao gosto joanino por Luís Pereira da Costa e dourado pelo
mestre Jacinto de Azevedo.
Uma vez resolvido o problema dos retábulos, havia que compor e refazer os taburnos
ou estrados fronteiros aos altares e colocar cortinados novos. Embora se tenha pago
1.400 réis por braça e meia de taburnos “que se fez de novo no altar do Senhor”, o
carpinteiro João da Silva foi chamado em 1738 para construir outros dois, novos, para
os altares colaterais e consertar o do altar-mor, tudo pelo preço de 3.000 réis.
Algumas despesas com ferros e chumbo (fornecidos pelo mestre Leitão, da vila) estão
associadas à colocação das cortinas azuis nos dois altares colaterais e que custaram
28.162 réis.
Ainda em 1738 gastaram-se 20.025 réis por 22 côvados de damasco carmesim para as
cortinas da Senhora das Dores e 720 com Manuel Nogueira por “pratear duas varas
para os estandartes da tribuna que servem nas ocasiões que se expõe o Santíssimo
Sacramento e pratear também a espada para a imagem da Senhora das Dores”. No
mesmo ano pagou-se 1.370 réis ao alfaiate Manuel Pereira, por “fazer as cortinas da
Senhora, e o pavilhão do vazo, e o pavilhão do sacrário e consertar o pavilhão do trono
quando se queimou, e fazer o véu de ombros, e consertar dois frontais”.
DESPESAS RELACIONADAS COM O SACRÁRIO – 1737-173834
Descrição da despesa Quantia
(réis)
Pagou-se ao mestre “prateiro”, filho de António Dias, que fez o vazo de
prata para o sacrário – “pelo que mais pesou o dito vazo do que o cálice de
prata que se lhe deu para converter no dito vazo”.
3.200
Ao mesmo mestre, pelo feitio do dito vazo, entrando nesta verba 240 réis
dos consertos de um cálice, de uma colher e da custódia.
4.000
Ao portador que foi ao convento de Palme para sagrar o vazo. 120
Com a “preparação do breve” no Juízo Apostólico de Braga, para se colocar
o Santíssimo Sacramento no sacrário.
1.360
Ao padre Domingos da Costa, do Carregal, pela despesa feita em Braga
relacionada com o breve para se colocar o Santíssimo Sacramento no
templo.
240
Por 4,5 côvados de tafetá para o forro do sacrário. 1.305
Por 4 oitavas e meia de renda de prata para ornar o vazo do sacrário. 900
Damasco branco para o pavilhão do sacrário. 7.000
Tafetá carmesim para o forro do sacrário. 2.900
Damasco branco para o forro do sacrário. 610
Galão de ouro “que faltou” para o sacrário. 4.060
34
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 197v-204.
Mais damasco “que faltou” para o sacrário. 910
Uma folha de papelão para o sacrário. 100
Quatro alamares de ouro para o pavilhão do sacrário. 1.230
Franja de ouro para o mesmo pavilhão. 4.250
Por cera que se comprou para a “festa do Sacramento no dia da colocação
dele no sacrário”.
33.150
A Manuel Pereira, alfaiate, de “fazer as cortinas da Senhora, e o pavilhão do
vazo, e pavilhão do sacrário, e consertar o pavilhão do trono quando se
queimou, e fazer o véu de ombros, e consertar dois frontais”.
1.370
Ao mestre carpinteiro João da Silva, por “um banquinho ou escabelo que
fez para com mais facilidade se abrir e fechar a porta do sacrário por este
ficar alto”.
200
Por uma sacra lisa para o altar-mor “que se fez para mais comodamente se
poder mover e não ocupar nem embaraçar o fechar e abrir a porta do
sacrário”.
200
Mas as grandes e pequenas obras no templo do Senhor da Cruz não paravam. Aliás, a
leitura da documentação disponível permite-nos perceber uma dinâmica quase
permanente de grandes ou pequenas obras, algumas de remodelação dos espaços, outras
de simples manutenção.
Em 1740 compraram-se duas dúzias de argolas para as cortinas dos altares colaterais.
Mas em 1741 o alfaiate Manuel Pereira cobrou 1.200 réis pelo feitio de novas cortinas,
desta vez feitas de damasco roxo e que custaram 69.160 réis. É preciso ainda juntar
17.720 de galão, 300 de retrós e 480 réis que custaram as quatro dúzias e meia de
argolas de metal compradas para os cortinados roxos.
Pelas contas de 1740-1741 o tesoureiro Manuel de Miranda pagou ao mestre ferreiro
Francisco António 8.400 réis, pelo ferro para as portas principal e do lado poente; ao
mestre ferreiro Manuel Gomes liquidou a conta de 2.980 relacionada com o conserto
dos ferros dos sinos, a roldana do sino “que se toca nas missas”, 6 micheiros para a
tribuna do altar-mor e os ferros das cortinas roxas dos altares colaterais.
Também o mestre carpinteiro João da Silva recebeu várias quantias da sua ampla
participação em pequenas obras no Senhor da Cruz: 2.700 réis por 3 dúzias de tábuas
de forro “para amparar os foles do órgão da humidade”; 2.000 de barrotes e “terceiros
também de castanho”; 480 de pregos e dobradiças, 1.700 de jornais; 2.680 do conserto
da porta lateral do lado nascente e do tabuado com que a forrou por dentro, de “pôr em
pedaços o sino que quebrou” e de consertar um caixilho das cortinas que quebrou e
chumbar o ferro do sino “que se tange para as missas”; 4.770 por forrar e chapear as
duas portas, a “principal e a travessa da parte das casas”; 2.220 por “fazer umas portas
novas de castanho para o Passo de trás da sacristia da colegiada com sua fechadura e
almofadas de ponta de diamante“; e 480 por “dois bancos que fez de castanho para
sobre eles estar o andor com a imagem do Senhor dos Passos no tempo que se dilata na
colegiada” 35
.
Nos finais do século XVIII e inícios do século XIX, hão-de renovar-se as sanefas da
capela-mor, as das capelas colaterais e as dos púlpitos.
Em 1793, o mestre pintor André Lopes de Oliveira foi contratado para reparar todos os
ferros das cortinas dos altares e, em 31 de Agosto do mesmo ano, assinou um
documento em como recebeu 33.535 réis, dizendo-se pago dos seus jornais e do seu
oficial, inclusive “o custo do ouro, e chumbos de barra para chumbar os ferros das
cortinas” dos altares do templo do Senhor da Cruz36
.
Já no início do século XIX, um entalhador do Porto, José Luís de Freitas, foi contratado
para fazer as novas sanefas dos altares colaterais, certamente ao gosto neoclássico então
vigente. Também as sanefas do púlpito sairão das suas mãos.
Em 1800 fora encomendado o desenho e o entalhe da sanefa do arco-cruzeiro37
, talvez
da autoria do mestre João António de Sousa e Azevedo, a fazermos fé num documento
não datado, assinado pelo padre e membro da mesa António de Matos Faria e Barbosa,
no qual se pode ler que “o mestre João António de Sousa e Azevedo que tem ultimado a
sanefa do Bom Jesus da Cruz desta vila pretende ser satisfeito dos acréscimos que fez,
do risco que fez, das vindas a esta vila fora do seu ajuste, e de alguma gratificação do
bom desempenho na obra”.
35
Cf. AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 176v, 182v, 183v-184, 185v, 187-188v, 191,
195v, 202, 203, 221-223v e 229v. 36
AISC, Caixa 1, Documento sobre o douramento dos ferros das cortinas. 37
Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 67.
Não podendo o referido mestre esperar pelo regresso do clérigo que seguiria
imediatamente “para banhos do mar”, diz António Barbosa que é favorável ao
pagamento dos referidos “acréscimos” e do “risco segundo o seu valor que costuma ser
estimativo, visto que não houve ajuste, e as jornadas segundo constar”; uma gratificação
que correspondesse “à honra, e dignidade da mesa segundo também o estado de
possibilidade actual”38
.
Entre 1800 e 1802 encontrámos a trabalhar no Senhor da Cruz, José Luís de Freitas,
residente no Porto. A 29 de Agosto de 1800 este entalhador recebeu 28.800 réis, verba
que lhe foi entregue pelo tesoureiro Carlos Luís de Sousa, relacionada com o tratamento
das portas principais do templo e suas almofadas39
. A 1 de Maio de 1802, José Luís de
Freitas assinou um documento em como recebeu do mesmo tesoureiro a quantia de
103.006 réis como “produto das duas sanefas que lhe fiz para os altares colaterais”.
Com data de 20 de Agosto de 1802, o mesmo entalhador portuense assinou em como
recebeu 28.800 réis relativos ao entalhamento das duas sanefas dos púlpitos, verba que
lhe foi entregue pelo mesmo tesoureiro40
.
A pintura e douramento de todas as sanefas foi realizado em 1804, já que a 25 de
Novembro deste ano o padre António Manuel de Melo assinou um texto no qual se diz
que “importou a pintura, e douramento das sanefas” do templo do Senhor da Cruz em
78.340 réis e, acrescenta, “menos importariam se me não dessem a palavra de que lhe
botasse o oiro, que fora bastante para as enriquecer, visto não serem todas douradas”,
verba que lhe foi entregue “em dinheiro de metal” por José António Rodrigues
Dourado41
.
38
AISC, Caixa 1, Documento sobre o risco e entalhe da sanefa do arco-cruzeiro. 39
Idem, Recibo das almofadas da portada principal. 40
Idem, Documento sobre o entalhamento das sanefas dos altares colaterais e dos púlpitos. 41
Idem, Documento sobre a pintura e douramento das sanefas.
Sanefa do arco da capela-mor, encomendada em 1800 e
dourada e pintada em 1804.
O revestimento azulejar
____________________________________________________________
Não sabemos se constaria ou não dos planos do arquitecto João Antunes a ideia de
mandar revestir o interior da igreja com painéis de azulejo azul e branco.
Sabemos, todavia, que estava incorporada na tradição seiscentista forrar parcial ou
totalmente o os muros interiores dos espaços sagrados, em tons amarelos e azuis, tendo
merecido do investigador Santos Simões um comentário face ao que vira na igreja de
Marvila, Santarém, que é um inequívoco elogio aos ceramistas da capital: “o génio dos
azulejadores de Lisboa transformou essa enorme caixa de pedraria na mais equilibrada
sinfonia cromática, em acordes melódicos de azuis e amarelos sobre a limpidez do
reticulado dos azulejos”42
.
A partir dos finais do século XVII vingou a moda dos painéis de azulejo azul e branco
que, a par da talha dourada e da pintura a óleo, transformam por completo o espaço
arquitectónico.
O espaço amplia-se quando o azulejo se converter em estrutura narrativa,
através da cena perspectivada ou do trome l’oeil. O azulejo impõe-se então
ao olhar do crente, sedu-lo, convence-o, domina-o. É o reino da cor, da
vibração lumínica, de uma outra realidade tectónica que mascara a pobreza
dos muros […]. Um outro aspecto é dado pela enorme riqueza do azulejo
como meio narrativo, relacionado com a literatura e a cultura da época43
.
O país não teria os meios financeiros nem os arquitectos necessários ao
desenvolvimento de monumentais obras de arquitectura (com uma ou outra excepção),
mas dispunha de excelentes entalhadores, douradores/pintores, nomeadamente no norte,
incluindo o Minho.
42
Citado por PEREIRA, José Fernandes, in Arquitectura e escultura de Mafra. Retórica da perfeição,
Lisboa, Editorial Presença, 1994, p. 26. 43
PEREIRA, José Fernandes, ob. cit. p. 27.
Também dispúnhamos de ceramistas, homens que começavam pela pintura a óleo e
daqui passavam ao azulejo, justificando-se deste modo, segundo José Fernandes Pereira,
a concentração de oficinas em Lisboa. E foi exactamente da capital que vieram os
mestres azulejadores enriquecer os interiores das mais belas igrejas barcelenses, entre as
quais a do Senhor Bom Jesus da Cruz.
Datava de 1726, pelo menos, a intenção de
se revestir as paredes desta igreja com
painéis de azulejo azul e branco. Nesse ano
foram gastos 170 réis com uma “merenda
que se deu a João Neto e a quem assistiu
com ele a tomar as medidas para o azulejo
que se quer mandar vir de Lisboa”44
. Nas
contas de meados de 1728 aos inícios de
1730 mencionou-se que o tesoureiro,
Gervásio Barroso e Basto, entregou 57.600
réis ao prior da colegiada, quantia a ser
enviada ao padre Domingos de Santa Maria,
assistente em Lisboa, relacionada com a
encomenda “que se tem mandado fazer […]
para despesa à conta do azulejo”45
.
Estamos em crer que a encomenda da obra deve ter ocorrido em 1728, embora não
conheçamos a data exacta da celebração do contrato entre o artista e os
encomendadores, nem as gravuras ou desenhos inspiradores dos ceramistas da oficina
lisboeta onde foram fabricados, tão-pouco existem quaisquer apontamentos onde
figurem a natureza da obra e condições da sua execução.
44
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 95. 45
Idem, fls. 122v e 23v.
Painel de azulejos figurando a Agonia no Horto,
uma obra do mestre lisboeta João Neto, 1730.
Já quanto a uma parte significativa do processo construtivo, nomeadamente ao
transporte, os materiais, o assentamento dos painéis de azulejo e as pessoas envolvidas,
estamos na posse de alguns elementos esclarecedores.
O mestre azulejador foi, sem qualquer dúvida, João Neto da Costa, a quem foram pagos
54.450 réis de “assentar o azulejo”, totalizando cerca de 9 “milheiros” e 900 azulejos,
dando-se assim cumprimento ao “que se ajustou na mesa” e que teria sido a cerca de
5.400 réis o milheiro46
.
Mas para que os painéis fossem colocados no seu devido lugar, algumas tarefas prévias
foram feitas e remuneradas, a saber: pelo “frete, e mais despesa que fez o azulejo desde
a cidade de Lisboa até se recolher na cidade do Porto”, pagou-se 19.160 réis; aos 10
carreteiros que trouxeram os caixotes do azulejo do Porto entregou-se-lhes 7.680 réis; a
Bento Domingos, de Remelhe, 2.520 réis pelo carreto de 12 sacos de cal que trouxe do
Porto; e Domingos António, também de Remelhe, forneceu 4 sacos de cal para o
azulejo, pelos quais cobrou 3.600 réis.
Compraram-se 8 carros de areia que custaram à irmandade 820 réis e mais 3 sacos de
cal por 2.700. A quem arrumou as caixas do azulejo deu-se 60; por um cadeado para
“reserva do azulejo, e de mudar a cal” pagou-se 240; mais 5 carros de cal que custaram
500 réis.
Enfim pagou-se 380 réis por “um jornal de um pedreiro que picou uma pedra para se
assentar o azulejo”47
.
46
Idem, fl. 141. 47
Idem, fls. 138v-139.
Painel evocativo da prisão de Cristo no Monte das Oliveiras.
Outros homens e outras despesas surgem associados ao mestre que revestiu as paredes
de azulejo, nomeadamente Brás Gomes, que recebeu da irmandade 20.300 réis por
126,5 dias de jornal, a 160 cada, por “gramar a cal” e ajudar João Neto da Costa.
Por sua vez José Domingos, “que andou a ajudar” o referido Brás Gomes na cal e a
“picar a velha” durante 17 dias, a 160 réis, auferiu 2.720 réis de jornais. O carpinteiro
Bento Pereira trabalhou 32 dias a fazer as estadas ou andaimes para assentar o azulejo,
vindo a receber 4.800 réis. De novo Brás Gomes, que andou “a gramar a cal” e pelo
“último ajuste” recebeu 960 réis relativos a mais 6 dias de jornal.
Compraram-se ainda 25 rasas de cal por 1.400 réis e mais 12 rasas, que vieram do Porto
e que custaram 8.640 e mais 3 carros de areia, por 300 réis.
Talvez na fase final do cumprimento do contrato, antes de 9 de Março de 1731, João
Neto recebeu 900 réis, sempre na qualidade de “assentador do azulejo”48
.
Para além destas referências documentais, temos os painéis azulejares quase intactos,
descontando um ou outro arranjo de mão pouco hábil e o desgaste inevitável do tempo e
do uso.
Uma vez descontados estes senãos, que aliás são de pouca monta, a obra fala por si: é
simples e concisa nas mensagens que transmite: narra-se os episódios fundamentais
associados ao martírio do Homem que Deus concebera e destinara à condição de
Redentor da humanidade pecadora: entra-nos pela retina, com gosto ou a contra-gosto, o
reino da barbárie, contra um homem que clamava justiça.
48
Idem, fls. 141-141v.
Pormenor do painel onde se representou a Coroação de Cristo.
Os painéis de azulejo, que muito enriquecem o interior do templo do Senhor da Cruz (a
exemplo do que se passara na vizinha igreja beneditina cujos muros da nave e da
capela-mor foram completamente recobertos com a azulejaria azul e branca, da qual,
aliás, não faltam exemplos em Barcelos e em todo o país), completam de forma plena a
simbologia de uma igreja que se fundou e fundamentou há quinhentos anos no milagre
da Santa Cruz.
Não bastava à irmandade e à
mentalidade dos séculos XVII e XVIII
proclamar a devoção ao Senhor Bom
Jesus da Cruz e à corte celestial em Seu
redor. Era forçoso impressionar os fiéis,
embelezando os espaços sagrados,
multiplicar e sacralizar os instrumentos
da Paixão, teatralizar o sacrifício da
Morte, exaltar a Vida. Porque o mundo
pecador espera pela Ressurreição, por
uma hipótese de imortalidade.
Nas alas laterais do templo, onde o espaço o permitia,
forraram-se as paredes com quatro importantes Passos
– a Agonia no Horto, a Prisão do Senhor, a Flagelação
e a Coroação de Espinhos – e nas pequenas superfícies
entraram os anjos, uns grandes, outros de menor
dimensão, todos participando na festa da Morte que se
aproxima, exibindo sinais ou instrumentos do flagelo:
Painel com a cena da Flagelação.
Pormenor de anjo com o martelo como
instrumento da Crucifixão de Cristo.
o cálice anunciador do pior, o martelo, os três cravos,
a escada, a turquês, a esponja, a lança… Magníficos
anjos representados de forma quase pecaminosa, as
asas os denunciam alados mas o traje é mundano (e os
anjinhos, afinal, têm sexo), são anjos que participam
da festa, sem a alegria dos anjos/rapazes que
transportam os andores do Senhor da Cruz e da
Senhora das Dores, mas insinuando-se com uma
postura algo mundana e sensual.
O luxo sugerido pelos panejamentos, a nudez do peito, dos braços, das pernas e das
coxas (tudo carnes bem alimentadas), a leveza da sandália deixando perceber um sexto
dedo no pé que se deixa ver inteiro (querendo com esta deficiência o artista demonstrar
o quê? O excesso face à simplicidade dada pela vida de Cristo? Que codificação se
esconde neste pormenor que não escapa ao olhar do curioso?).
O revestimento azulejar das paredes laterais da capela-mor, que hoje pode observar-se,
teve lugar aquando das obras de remodelação de 1909-1910, previsto num orçamento
elaborado em 3 de Fevereiro de 1909 e que incluía a “reconstrução do pavimento,
paredes laterais da capela-mor, adro e uma tribuna no templo do Senhor Bom Jesus da
Cruz”49
. Sem referir a temática a desenvolver pelo artista a contratar (e ao destino a dar
às telas pintadas por Pachini, que se encontrariam nas paredes laterais da capela-mor e
49
AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Orçamento de 3 de Fevereiro de 1909.
Painel de azulejos da capela-mor, lado da Epístola, evocando o
Caminho do Calvário, uma obra de Domingos Costa, 1910.
das quais nada se sabe) o orçamento perspectivava um revestimento de azulejos
“imitação renascença”, que andaria pelos 3.895.700 réis.
Segundo as condições então registadas, os referidos painéis de azulejo deveriam ser “a
reprodução perfeita de desenhos, que sobre estudos prévios nos azulejos existentes,
artista competente apresentará, para ser convenientemente apreciados e aprovados”. Na
execução da obra aplicar-se-iam “os melhores materiais, devendo o seu colorido e
desenho confundir-se com o dos existentes e na sua colocação será observada a maior
segurança e perfeição”50
.
Estes painéis, estilisticamente revivalistas do período barroco (para condizerem com os
restantes painéis que revestem as paredes interiores do templo), foram executados pela
oficina de Domingos Costa, de Vila Nova de Gaia. Iconograficamente representam os
Passos do “Ecce Homo” e do Caminho do Calvário.
50
Idem, Ibidem.
Painel azulejar da capela-mor, lado do Evangelho, figurando o Ecce
Homo.
O sistema de iluminação do templo
____________________________________________________________
Para além da luz natural que
invade a igreja pelos vãos das
paredes e do zimbório, dois
lampadários de prata resolviam a
iluminação do interior, devendo
um ter transitado da capela
seiscentista já que nas contas de
1710, ano da inauguração, surge
uma pequena verba relacionada
com a limpeza do lampadário de
prata.
Em 1719, o mestre ferreiro António da Costa Leitão fez a roldana de um lampadário e
colocou-se a corda para o pendurar, comprada na loja do comerciante e ex-tesoureiro
Agostinho Nogueira. Tratava-se de um lampadário de prata “que está no altar-mor” mas
que foi preciso acrescentar-lhe um “balaústre que faltava para o remate dele”. Pela
prata, mão-de-obra e limpeza deste lampadário, “para condizer tudo ao nível desta
obra”, pagou a irmandade 9.240 réis51
.
Para um lampadário também de prata que estava “no meio da igreja” será igualmente
comprada uma corda em 1721, na loja do mesmo Agostinho Nogueira52
.
Mais tarde, em 1723, regista-se a despesa com um candeeiro de madeira novo, feito
para as Endoenças; um ferreiro de Cima de Vila preparou 6 chapas de ferro para o dito
candeeiro, por 180 réis, enquanto António Mendes cobrou 830 pelos ferros das
lâmpadas; gastou-se 260 com um quartilho de óleo e dois de zarcão para o pintar e
1.600 réis por 48 vidros para as lâmpadas do mencionado candeeiro53
.
Foi neste ano de 1723 que Inácio da Silva Medela, um rico comerciante barcelense
estacionado no Rio de Janeiro, iniciou o patrocínio do combustível utilizado nos
candeeiros, através do donativo anual de 16.000 réis destinados a azeite.
51
AISC, Livro das receitas e despesas de 1706-1721, fl. 58. 52
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 15. 53
Idem, fls. 28v-29.
Fresta da fachada nascente, junto a uma das abóbadas.
Recebeu [o tesoureiro] de Joaquim da Costa e Silva da vila de Guimarães
dezasseis mil reis por mão de Francisco Pereira da Costa desta vila de
esmola que mandou dar todos os anos Inácio da Silva Medela assistente no
Rio de Janeiro para azeite das lâmpadas do Senhor e principiou o ano desta
esmola em Fevereiro de 1723 e acaba em Fevereiro de 1724 anos de que
lhe passou recibo em Maio de 1723 – 16.00054
.
De notar que esta esmola enviada anualmente do Brasil teve início um ano antes de
Inácio da Silva Medela manifestar a intenção de instituir um coro permanente no
Senhor da Cruz, que inicialmente será dotado de 7 capelães, mas que a partir de 1728
contará com 9 capelães e 2 meninos.
Aquando da remodelação das capelas colaterais, surgiram várias despesas relacionadas
com três lampadários – do conserto dos 3 lampadários de prata, da compra de roldanas
e das cordas para os mesmos; da aquisição de 4 vidros para as lâmpadas; do pagamento
de 1.050 réis ao mestre carpinteiro, João da Silva, de fazer e desfazer os andaimes para
a colocação das roldanas das lâmpadas; uma outra despesa com salários alusivos à
colocação das referidas roldanas e também do “movimento da sepultura de Sebastião
Luís”, no valor de 1.980 réis –, o que parece indicar que em 1736 foram colocados
candeeiros defronte às referidas capelas55
.
Sob a cúpula do templo havia, como atrás se referiu, um lampadário de prata.
Entre 1746-1748 surgem várias despesas relacionadas com a sua renovação numa
ourivesaria de Lisboa.
Entretanto, a obra envolveu outros actores, nomeadamente um escultor de nome
Francisco Pereira, a quem a irmandade pagou 4.300 réis “por fazer a águia e um tarjão
para o lampadário”; os pedreiros que assentaram e chumbaram o ferro para o dito
lampadário receberam 500 réis; o mestre ferreiro Manuel Gomes cobrou 6.680 réis “no
forro que se fez para o mesmo lampadário” e 3.720 réis por 31 palmos de cadeado de
ferro para o pendurar.
Em 1749 o mestre dourador António Vieira recebeu 40.000 réis por dourar a credência,
as peanhas dos anjos, um sacrário portátil, a tarja e a águia e por pratear o cadeado do
54
Idem, fl. 42v. 55
Idem, fls. 189v e 191.
lampadário. Por seu lado, o ourives Domingos da Silva recebeu pelo conserto do dito
lampadário de prata e pela limpeza de um outro a quantia de 1.200 réis56
.
Despesa do lampadário conforme a conta mandada pelo ourives de
Lisboa.
Pesou o dito lampadário cento e dois marcos duas onças e três oitavas que
a respeito de seis mil e quatro centos por marco importou o dito peso […]
654.700; importou o feitio […] 306.750; custou a borla de retrós e ouro
[…] 4.000; custou o caixão de madeira […] 2.000; custou o carreto do
transporte […] 10.400; […] pano de linho que se mandou em
agradecimento a quem aplicou e tratou da dita obra […] 13.400; custou o
porte do correio do dito pano […] 760; despendeu mais no conserto que se
fez ao mesmo lampadário no acaso que teve quando caiu, cujo conserto foi
o ourives desta vila […] 6.00057
.
Entretanto, junto às capelas colaterais, para além da luz do dia oriunda das grandes
frestas deveria parecer insuficiente e pobre a luminosidade dos candeeiros que aí foram
colocados 34 anos antes.
Tanto mais que o lampadário central fora renovado. Era fundamental acentuar a
importância dos altares, particularmente o do Senhor da Cruz. Impunha-se iluminar,
enriquecer e embelezar este espaço sagrado.
Por isso em Fevereiro de 1770 a mesa da irmandade requereu autorização para mandar
fazer dois lampadários de prata, para se colocarem frente aos altares do Senhor da Cruz
e da Senhora das Dores. Neste seu querer, os lampadários contribuiriam para melhor
ornamentar a igreja e melhor servir o culto divino, devendo ser concebidos “ao
moderno”, isto é, dentro do estilo neoclássico então em voga. A licença foi passada pela
autoridade no dia 6 de Fevereiro, recomendando-se aos requerentes que os lampadários
fossem feitos “com a decência precisa”58
.
Porém, vários meses passaram sem que os referidos lustres fossem colocados, conforme
podemos deduzir de uma certidão de termos exarada pelo tabelião António José de
Queirós (no cumprimento de um despacho do juiz de fora Dr. José Lourenço do Vale,
56
Idem, fls. 306v-307 e 317v. 57
Idem, fl. 306v. 58
AISC, Caixa 4, Licença para a colocação do lampadário de prata.
relativo a um pedido do procurador da Irmandade do Senhor da Cruz, Caetano Ribeiro),
pela qual somos informados que, na sua reunião de 4 de Junho de 1770, a mesa
determinou mandar fazer dois lampadários de prata “a moderno”, para cujo efeito já
tinha licença do provedor, isto em prol duma maior veneração da milagrosa imagem do
Senhor Bom Jesus da Cruz, e porque os que existiam “estavam incapazes” de servirem
o culto.
Desconhecemos a data da colocação dos lampadários de prata frente aos altares
colaterais, assim como o mais que provável descaminho que levaram – estes e o do
centro da igreja –, na conturbada primeira metade do século XIX:
As invasões francesas entre 1807-1810; a agonia e a queda da Monarquia
absoluta, com a revolução liberal iniciada no Porto a 24 de Agosto de 1820; a
instabilidade sócio-política a preencher toda a década de 20, opondo absolutistas
e liberais; a guerra civil de 1832-1834 entre liberais e miguelistas e a vitória
definitiva do liberalismo sob a liderança de D. Pedro, o quarto; a prolongada
crise do liberalismo e a instabilidade social provocada pelo governo autoritário
de Costa Cabral, já na década de 1840; enfim, a revolta popular apelidada de
Maria da Fonte, seguida da Patuleia, em 1846-1847, fortemente vividas na
província do Minho mas projectada em todo o território nacional.
Em 1858 foram comprados no Porto novos lampadários para se colocarem frente aos
altares do Senhor da Cruz e da Senhora das Dores. A ideia e o apoio financeiro foram
dados pelo abade da freguesia de Creixomil, D. António de Nossa Senhora Delgado,
que foi secundado pelo colega da mesa Manuel Sebastião Rodrigues da Cunha.
Diz o documento que, estando o secretário e mais elementos da mesa reunidos em 14 de
Abril de 1858 – em cuja reunião decidiram celebrar a Festa das Cruzes nos dias 2, 3 e 4
de Maio, devido às eleições gerais no país estarem convocadas para o dia 2 (Domingo),
o que muito afectaria o concurso das gentes, de dentro e fora da vila, sobretudo no
segundo dia do tríduo festivo, caso este ocorresse como de costume nos três primeiros
dias de Maio –, o abade de Creixomil, D. António Delgado, propôs a aquisição de um
lustre ou lampadário de vidro cristalizado, que contribuísse para uma maior veneração,
decência e ornamentação do altar do Senhor da Cruz.
Acto contínuo, D. António Delgado fez a promessa de contribuir com 25.000 réis, que
concretizaria logo que a compra fosse efectuada. A mesa não só aprovou a proposta e
aceitou a oferta, como nomeou um dos seus membros, David Barros e Silva Botelho,
para procurar um lampadário dentro das características apontadas, “que servisse a
veneração e ornato do altar do Bom Jesus da Cruz” mas cujo preço, depois de contar
com a verba oferecida, fosse proporcional aos meios de que a irmandade dispunha.
Aquando da reunião de 30 de Abril do mesmo ano de 1858, Silva Botelho dá-nos conta
das indagações feitas no Porto, onde encontrou dois lampadários que tomou logo a
liberdade de trazer e pendurar, para serem examinados pela mesa, um no valor de
50.000 réis e o outro 36.000 réis.
Uma vez observados e avaliados pelos irmãos, e eis que Manuel Sebastião Rodrigues da
Cunha ponderou que, uma vez colocado um lustre frente ao altar do Senhor da Cruz era
indispensável que outro fosse igualmente colocado frente ao altar da Senhora das Dores.
Sequentemente, Rodrigues da Cunha propôs aos seus pares a compra dos dois
lampadários, o de 36.000 réis para ser colocado em frente ao altar de Nossa Senhora das
Dores (a ser pago pela irmandade) e que, nessas circunstâncias, contribuiria também
com 25.000 réis para o lampadário ou lustre do Senhor da Cruz.
Assim, decidiu-se a mesa pela compra dos dois lampadários, até porque, argumentou-se,
para além de um deles ser pago com as esmolas referidas, acrescia que “a colocação de
um exigia a colocação do outro” e porque, enfim, o preço daquele que a mesa tinha de
pagar era barato, atendendo à sua qualidade59
.
Destes lampadários ficou-nos uma pequena parte da sua memória escrita. Nada sabemos
quanto ao seu destino. De quando em vez, parece que “milagrosamente”, vão
desaparecendo parcelas patrimoniais de inolvidável valia.
O lustre central que actualmente existe sob a cúpula da igreja parece ter resultado de
uma subscrição dos inícios de 1868, liderada por Custódio Rodrigues Leite, irmão do
tesoureiro Anselmo Costa Leite, conforme informação dada em reunião da mesa de 14
de Fevereiro.
Desejava-se um lustre “para ser colocado no centro do templo, pendente na abóbada
dele”, um candeeiro que já estava a ser fabricado, e em estado adiantado, por “um
curioso desta vila”, o pintor Joaquim Borges de Queirós.
Segundo o tesoureiro,
existiriam condições para a
sua colocação pela Festa das
59
AISC, Livro das actas de 1842-1861, fls. 29v-30v.
Cruzes. E, com efeito, na
reunião de 28 de Abril de
1868, em plena reunião da
mesa da irmandade, os
irmãos Leite fizeram a
entrega do mencionado
lustre, que custou 159.700
réis e se colocou de imediato
“pendente debaixo da
abóbada”.
Ficou registado em acta que a comissão de subscrição foi constituída pelo padre
António Bernardino da Silva Machado, pelo mesário Manuel Pereira Leite de Carvalho,
Manuel José de Sousa e presidida por Custódio Rodrigues Leite60
.
Quanto aos que actualmente existem fronteiros aos altares colaterais, parece terem sido
adquiridos na sequência de uma decisão da mesa de 2 de Fevereiro de 1885 que foi no
sentido de incluir no orçamento ordinário “para o corrente ano” as verbas necessárias “e
arbitradas por peritos para a compra de dois lustres de cristal para os altares laterais da
igreja da nossa irmandade”61
.
60
AISC, Livro das Actas de 1865-1893, fls. 15-15v. 61
Idem, fl. 90.
O culto aos mortos e a função cemiterial
____________________________________________________________
A par do culto ao Senhor Bom Jesus da Cruz, à Senhora das Dores e a vários santos e
santas que vão ocupando os seus lugares a partir do século XVIII, o templo do Senhor
da Cruz, como a generalidade das igrejas até ao último quartel do século XIX,
funcionou como um amplo cemitério, morada segura dos irmãos que ali eram
enterrados.
Como é sabido, o culto aos mortos e o espaço que
lhes era reservado nas igrejas e nos mosteiros ou
conventos, desde a Idade Média, andavam em
conformidade com o poder e a riqueza dos cristãos.
Evidentemente que a função funerária se destinava
a todos os fregueses, num mundo em que toda a
freguesia se sentia cristã.
Mas é também evidente que as condições de vida, o
trato social e a posição institucional projectavam-se
além-túmulo, como se o poder e a riqueza fossem
denominador comum no acesso mais célere à
salvação.
A benfeitoria e a compra do lugar na igreja garantiam mais e melhores celebrações,
sobretudo um espaço especial para o jacente, desde que o pudesse pagar e sustentar.
Logicamente que o preço variava em função do sítio que por sua vez se destinava,
aparentemente, aos melhores protectores.
Excluindo importantes excepções, parece que a Igreja sempre se deu melhor com os
poderosos. Assim parece ser desde a conversão do imperador Constantino, no primeiro
quartel do século IV. Apenas perante Deus todos permanecem iguais. Nada que nos
escandalize: ainda se vão reproduzindo no cemitério contemporâneo as desigualdades
socioeconómicas e culturais da vida do aquém.
A escassa documentação relativa ao século XVII deixa-nos entender que a antiga capela
cumpria o dever de acolhimento dos irmãos e seus familiares, uma vez falecidos.
O mesmo veio a acontecer na actual igreja: depois do dobre de finados, ou dos “sinais”
badalados na torre da igreja pela morte dos irmãos e seus entes queridos, o corpo era
colocado em câmara ardente, designada no século XVIII pela expressão “pôr o corpo
sobre terra”, seguindo-se depois o funeral com os ofícios determinados pela Igreja e
pelos estatutos da irmandade.
Assim, nos séculos XVIII e XIX, centenas de cristãos da vila e de várias freguesias
foram sepultados no chão do templo do Senhor da Cruz, pelo que se tratava de um
espaço algo diferente daquele que hoje contemplamos.
Em 1870 foram registadas em livro próprio 42 sepulturas, na maioria das quais estavam
depositados vários cadáveres.
Entre 1870 e 1879 (ano em que se inaugurará o cemitério municipal) foram sepultados
64 defuntos, a maioria residentes na vila e seus arrabaldes – Rua Direita, Rua dos
Loureiros, Rua da Nogueira, Rua da Nogueira de Baixo, Rua da Nogueira de Cima, Rua
Nova dos Lanterneiros, Rua de S. Francisco, Largo do Apoio, Rua das Capelas, Campo
da Feira, Rua da Fonte de Baixo, Largo da Porta do Vale, Largo do Benfeito, Campo de
S. José, Rua Nova de S. José, Rua da Estrada, Rua do Soalheiro, Casa da Quinta da
Barreta, Rua dos Ferreiros, Rua das Velhas, Largo do Pelourinho, Campo dos Touros,
Rua da Palha –; mas também de outras freguesias e lugares, nomeadamente: Alvelos,
Lugar do Pinheiro; Santo André de Barcelinhos, Rua de Baixo e Largo da Ponte; S.
Pedro de Adães, Lugar do Paço; Santa Eulália de Rio Covo, Lugar da Devesa; S.
Martinho de Aborim, Quinta de Celeiro; Santa Maria de Lijó, Lugar de Raindo; S.
Mamede de Arcozelo, Lugar das Torgas; Santa Maria do Abade de Neiva, Quinta do
Castelo; Vilar de Figos; e Póvoa de Varzim.
Devidamente identificadas, as sepulturas privadas, ainda que simples e modestas,
destacavam-se no pavimento do templo, ocupando os fiéis defuntos o subsolo do espaço
de culto dos fiéis vivos. No chão do templo do Senhor da Cruz dominava a morte, na
esperança duma ressurreição prometida.
Junto dos altares e das paredes do templo destacavam-se algumas tumbas privativas,
que mereceram a descrição do sacristão, responsável pelo seu registo em livro próprio:
Sepultura 1 – Sepultura de pedra com a cobertura de lousa, pertencente a Guilherme
Augusto Ferraz de Sá Felgueiras Benevides, residente na Casa da Lamela, na freguesia
de S. Salvador de Minhotães. Era dos seus antepassados, tendo-a reedificado em 1869
entre Agosto e Outubro, juntamente com outras sepulturas e lajeamento contíguo. Tinha
a seguinte inscrição: “Sepultura particular de Guilherme Benevides e seus descendentes
– reedificada em 1869 – N.º 1 = Aos 3 de Janeiro de 1870 e setenta”.62
Sepultura 2 – Tratava-se de uma tumba “toda encaixilhada de pedra com tampa de
madeira”, com sete palmos de profundidade, pertencente ao bacharel Francisco António
Luís da Costa e Silva – sepultado a 16 de Março de 1870 – e ao António José Rodrigues
Leite, solteiro – ali depositado em 27 de Agosto de 1875. Eram moradores no Campo da
Feira.63
Sepultura 3 – Também “encaixilhada” de pedra e com sete palmos de profundidade.
Ali jaziam António José dos Santos Figueiredo, enterrado a 20 de Janeiro de 1867, e D.
Maria Teresa Rodrigues Leite, a 30 de Setembro de 1877. Eram também do Campo da
Feira.64
Sepultura 4 – Igualmente de pedra e com lousa por cima, esta sepultura pertencia ao
negociante Joaquim Barroso e Matos, morador no Lugar da Calçada, e aos seus
descendentes. Tinha pertencido à extinta casa da Bagoeira cuja sucessora, a viúva D.
Ana Augusta de Sousa Gomes, a cedeu ao novo proprietário. A mesa da irmandade não
se opôs a tal cedência “em razão do dito Barroso fazer a expensas suas todas as obras,
não só de reedificação na mesma sepultura mas ainda das mais que lhe ficam contíguas
e competente lajeamento naquele quarteirão deste templo”65
.
Nesta remodelação, operada também entre Agosto e Outubro de 1869, terá gasto o
comerciante Joaquim Barroso e Matos 148.745 réis, cujo “beneficio feito a esta real
irmandade, tomou a mesa em consideração”. Na cobertura foi gravado o seguinte:
“Sepultura de Joaquim Barroso e Matos, desta vila – 1869 – N.º 4. Aos 3 de Janeiro de
62
AISC, Livro dos óbitos e sepulturas, fl. 107. 63
Idem, fl. 108. 64
Idem, fl. 109. 65
Idem, fl. 110.
1870 e setenta”. De salientar que para esta tumba foi trasladada a irmã de Joaquim
Barroso, D. Maria Emília Barroso Pereira Matos, em 22 de Março de 1870, trasladada
da sepultura n.º 27 que se encontrava “junto ao altar de Nossa Senhora das Dores”, onde
inicialmente se encontrava66
.
Saliente-se que, de facto, na reunião de 4 de Julho de 1869, o proprietário e negociante
da vila, Joaquim Barroso e Matos apresentou na sessão da mesa da irmandade a
cedência de uma sepultura dos senhores da Bagoeira, feita pela “actual senhora da
casa”, sepultura localizada defronte ao altar do Senhor da Cruz; o comerciante pediu
autorização para a transferência do respectivo domínio e para “forrar de pedra e lajear a
mesma sepultura”, colocando-lhe a tampa com uma inscrição; e como esta obra tinha de
“jogar com as sepulturas contíguas”, uma das quais era a de Guilherme Benevides, já se
havia acordado com este proprietário para arranjar igualmente a sua sepultura “e se
obrigava a preparar as três restantes à sua custa, bem como a fazer o lajeamento daquela
parte da igreja”.
A mesa aceitou a proposta apresentada, mas sob a condição de que logo que cessasse a
“faculdade de enterramentos no templo […] pelo estabelecimento do cemitério público,
nenhuma indemnização poderia exigir-se”67
.
Sepultura 5 – Esta sepultura pétrea, com sua tampa de madeira, encontrava-se sem
residente e “sem terra alguma”68
, provavelmente à espera de freguês.
Sepultura 6 – Sepultura com “lousa de pedra” e com armas safadas, localizada nas
proximidades da capela-mor. Pertencia à extinta Casa de Perna Longa e ali fora
sepultado D. António de Bragança, em 30 de Maio de 1823.69
Sepultura 7 – Com tampo de pedra, localizada junto à capela-mor. Nela estavam José
António Pereira da Fonseca, depositado a 1 de Outubro de 1863; e D. Ana Emília
Bezerra da Silva, a 18 de Fevereiro de 1873. Haviam sido residentes na Fonte de
Baixo.70
Sepultura 42 – Do legatário e benfeitor Dr. Manuel de Andrade e Almada, morador no
Campo da Feira, jacente a 9 de Setembro de 174571
. De notar que este defunto foi juiz
da irmandade durante longos anos, conforme a correspondência enviada do Brasil por
Inácio da Silva Medela documenta.
66
Idem, Ibidem. 67
AISC, Livro das actas de 1865-1893, fls. 19-19v. 68
AISC, Livro dos óbitos e sepulturas, fl. 111. 69
Idem, fl. 112. 70
Idem, fl. 113. 71
Idem, fl. 148.
A função cemiterial das igrejas tinha, no entanto, os dias contados. Há muito que a
legislação exigia lugares públicos para os enterramentos. Os governos liberais exigiam
o cumprimento da lei, tendo dado origem a revoltas e tumultos (embora andassem
associados outros motivos, como a pesada carga fiscal), sobretudo no norte do país, e
das quais se destacou a revolta de Maria da Fonte, em 1846.
Em Barcelos, o cemitério municipal será
construído ainda na década de 1870. Num
ofício datado de 7 de Março de 1874, dirigido
ao provedor da Real Irmandade do Senhor da
Cruz, o presidente da CMB comunicava a
intenção de dar início às obras do cemitério e
perguntava se a irmandade pretendia reservar
algum espaço privativo para irmãos,
considerando que, uma vez concluídas as
obras, não mais poderiam realizar-se enterros
fora dele. A autarquia também pretendia
inteirar-se da contribuição possível da
irmandade para as obras do cemitério, caso a
mesma desejasse um espaço privativo.
Tratando a Câmara Municipal […] de dar princípio à construção do
cemitério público de urgente necessidade para esta vila, e sendo certo que
construído que ele seja nenhuns enterramentos se podem fazer fora dele,
convido por isso a V. Ex.ª antes de mais nada para que em sessão com a
mesa […] resolver se para o enterramento dos irmãos dessa confraria
pretende ter local privativo dentro do mesmo cemitério e qual a área a fim
de que nos estudos a que se vai proceder se tomar isso em consideração, e
ainda sobre o quanto em tal caso essa confraria contribuirá para a mesma
construção72
.
Cinco anos depois, no dia 25 de Maio de 1879, o cemitério seria benzido pelo arcebispo
primaz, no final de uma procissão que saiu da igreja colegiada às 10 horas da manhã em
72
AISC, Caixa 4, Correspondência da CMB, Ofício n.º 39 de 1874.
Cemitério Municipal de Barcelos,
inaugurado em 1879.
direcção ao cemitério. O convite endereçado ao provedor da irmandade, para participar
na efeméride, foi assinado pelo presidente da câmara, José de Abreu do Couto de
Amorim Novais73
.
A partir de 1879, ano da inauguração do cemitério municipal, alguns restos mortais
começam a ser trasladados, cessando definitivamente a função de cemitério no templo
do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos.
A repavimentação da igreja e do adro: 1909-1910
____________________________________________________________
Datava de 1907 a intenção de se proceder a obras de renovação na igreja do senhor da
Cruz. No dia 26 de Maio deste ano foi elaborado um documento intitulado “medição e
orçamento” pelo denominado “chefe de conservação”, José António Monteiro Torres.
No documento prevêem-se obras de pedraria, carpintaria, assentamento de mosaico e
“cercadura”, tudo orçado em 608.692 réis. Prefigurava-se o levantamento do lajeado
existente e a sua remoção, seguido de um calcetamento e uma cobertura de chapas,
terminando com um soalho de riga, travado e suportado por barrotes. Previsivelmente, a
referida obra incluía “mosaico e cercadura”, assentes em cimento74
. Porém, as intenções
de 1907 não tiveram sequência.
Com data de 3 de Fevereiro de 1909, e aprovado pela mesa a 6 do mesmo mês,
elaborou-se um novo orçamento prevendo-se uma despesa global de 1.800$000 réis,
contemplando-se: a repavimentação do interior e do adro da frontaria da igreja, o
revestimento a azulejos das paredes laterais da capela-mor e a construção de uma
tribuna para o altar-mor75
. Embora passando por algumas vicissitudes, este projecto veio
a concretizar-se.
73
AISC, Caixa 4, Correspondência da CMB, Ofício n.º 14 de 1879. 74
AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Orçamento de 1907. 75
Idem, Orçamento de 1909.
Em 16 de Maio de 1909, António Miranda, mestre-de-
obras da vila de Barcelos arrematou a empreitada de
reconstrução do pavimento do interior da igreja do
Senhor da Cruz e da parte do adro frente à fachada
principal.
No auto de arrematação então escrito estabeleceram-se
30 condições, a maioria das quais relacionada com a
salvaguarda da qualidade técnica e artística da
intervenção, como pelo extracto que de seguida se
apresenta se pode conferir.
Primeira – todo o pavimento do templo e adro fronteiro, será desmontado
de modo a não danificar o material existente; segunda – a escolha do
material existente, que ainda possa ser aproveitado, será feita pelo
encarregado da fiscalização da obra, que designará a forma do seu
emprego; terceira – a pedra que tiver qualquer mancha, ou defeito de
construção, será substituída por outra à custa do empreiteiro, sem que este
possa exigir qualquer indemnização pelos prejuízos que porventura possa
haver; quarta – toda a pedra branca a fornecer, será da mais dura que se
encontrar no monte da Penida; quinta – toda a pedra azul a fornecer, será
da freguesia de São João de Vila Boa, e será escolhida a mais escura que se
encontrar; sexta – a pedra lavrada a escoda, terá a superfície perfeitamente
lisa e as juntas corridas a cinzel, não sendo admitidas falhas de qualquer
natureza; sétima – todas as juntas perpendiculares serão sem falhas, numa
espessura de dez centímetros e nenhuma pedra terá menos de vinte
centímetros de espessura; oitava – todas as juntas serão cimentadas, tanto
no templo como no adro; nona – os desenhos, que serão formados por
varias fiadas de pedra, sendo uma azul e outra branca, não são mais que a
reprodução do existente; e, para que não haja dúvidas depois da
desmontagem, estará patente no acto da arrematação uma planta, que
depois será entregue ao arrematante; décima – a qualidade da pedra será
toda igual a duas amostras que estarão patentes no acto da arrematação, e
a pedra que não for aplicada no templo e adro será lavrada e aplicada
debaixo dos taburnos, por fiadas, o mais regular e artisticamente possível76
.
Sendo António Miranda o único concorrente, a obra foi-lhe adjudicada, no valor de
720.000 réis, a ser liquidado em três partes. A obra deveria concluir-se em 4 meses77
.
Todavia, uma acta da mesa da irmandade, datada de 4 de Outubro do mesmo ano, revela
que foram aprovadas alterações ao projecto inicial de repavimentação da igreja e do seu
adro, tendo-se seguido parcialmente as orientações de um parecer que havia sido
encomendado ao arquitecto de Leiria, Ernesto Korrodi78
, parecer este confirmado por
uma nota de despesa de 5 de Janeiro de 1909 na qual se dizia que foi “pago ao Korrodi
arquitecto” a quantia de 31.8000 réis”79
.
Pensamos que se pretenderia realizar as obras de modernização no pavimento da igreja
antes da vinda do rei D. Manuel II a Barcelos, atendendo a que, com data de 28 de
Fevereiro, foi registada uma despesa de 505 réis relacionada com os telegramas
dirigidos a sua majestade80
.
Mas tratava-se, sem dúvida, de uma obra fundamental. Uma vez terminada a função
cemiterial na igreja, era imperioso dignificá-la com uma pavimentação que não
desmerecesse em qualidade técnica e artística. Por isso, na reunião convocada para
aprovar as alterações ao projecto inicial (que parece ter levado pouco em consideração
as opiniões do arquitecto, que defendera a aplicação do mármore de várias cores), o
provedor António Albino Marques de Azevedo expôs as dificuldades que se depararam
na execução das obras de pedraria, então a decorrer:
A pedra negra escolhida torna-se quase impossível de ser trabalhada, além
de que, contra aquilo que havia informado o técnico, desmerece muito em
76
AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Auto de arrematação da obra do pavimento em
1909. 77
Idem, Ibidem. 78
As alterações ao projecto inicial virão a ser ratificadas pelo Governo Civil de Braga, em 7 de Julho de
1710, conforme despacho registado na parte superior direita da cópia da acta enviada. 79
AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Caderno de receita e despesa de 1908-1909. 80
Idem, Ibidem.
cor, de modo a não estabelecer o pretendido contraste para melhor realce
do respectivo desenho81
.
Juntavam-se a estas preocupações técnicas e estéticas o custo avultado da mencionada
pedra, já que excedia em mais do dobro o preço do granito branco. É neste contexto que
se reconsidera e leva mais em consideração o parecer, ainda que não na totalidade,
elaborado pelo arquitecto Ernesto Korrodi:
Sabido era de todos que o ilustre arquitecto, senhor Ernesto Korrodi, que a
mesa havia consultado para proceder às reparações e restaurações
necessárias sem incorrer nos muitos desatinos que aí se têm perpetrado e
não contribuir por sua vez para novas desfigurações, dissera que o
pavimento, para não prejudicar a feição monumental do templo, devia ser
feito em pedra sob um desenho conveniente, que inscrevesse uma cruz
central, debaixo do elegante zimbório. Aconselhava especialmente o
mármore branco e preto, e, para o painel circular do centro da aludida
cruz, roxo e amarelo82
.
A opção inicial prendera-se com as dificuldades financeiras pelo que apenas se havia
considerado, e muito parcialmente, a questão da cor (o granito escuro a contrastar com o
granito branco). Ora, como permaneciam as mesmas dificuldades de financiamento, a
mesa optou pela aplicação parcial das ideias do arquitecto, circunscrevendo ao centro da
igreja a aplicação dos mármores, conforme pode hoje observar-se. E sem os mármores
roxo e amarelo.
81
Idem, Ibidem. 82
Idem, Ibidem.
Com efeito, “o mais curial era adoptar em todo o templo granito branco, salientando-se
o desenho por filetes de massa hidráulica preta e que a cruz fosse então de mármore, nos
termos precisos da consulta do arquitecto Korrodi. Deste modo ajustavam-se
perfeitamente as circunstâncias financeiras da irmandade às indicações do proficiente
consultor, não se ofendia a arte, nem se maculava a estrutura arquitectural do templo.
Além disso, mantinha-se o projecto devidamente aprovado que era apenas alterado
quanto ao material”83
.
Foram pois estes aspectos que justificaram as opções da direcção da irmandade.
No projecto inicial havia sido ainda determinada a construção de seis taburnos em
madeira, para cuja construção estava contratado o carpinteiro José António de Barros,
da freguesia de S. Paio de Carvalhal. Esta obra de carpintaria, arrematada por 155.000
réis, deveria estar concluída no mês de Setembro de 1909. Segundo as condições do
contrato, o carpinteiro deveria seguir o esquema delineado numa planta, desenhada a
tinta azul e na qual figurava a distribuição dos taburnos; estes deveriam ser executados
em pinho de riga de excelente qualidade, sem manchas nem nós; cada taburno seria
dotado de quatro aberturas laterais para garantir a ventilação, enquanto o soalho seria
pregado em forma de xadrez, conforme o desenho da referida planta84
.
Todavia, esta obra não chegou a realizar-se. Concordou a mesa com a proposta do
provedor António Albino Marques de Azevedo, que defendeu a não construção dos
taburnos de madeira por se concluir que a sua colocação em tão nobilitado espaço seria
“uma forçada transigência que não deixava de ofender o aspecto monumental do
templo”. Encarregou-se um elemento da mesa, Sousa e Silva, de proceder ao necessário
entendimento com o carpinteiro a quem tinha sido entregue a obra, visando a rescisão
do contrato85
.
Ainda relacionada com as obras de 1909-1910, surgem-nos várias despesas envolvendo
a participação de pedreiros, carpinteiros, pintores, materiais e o seu transporte:
83
Idem, Ibidem. 84
AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Auto de arrematação da obra dos taburnos 1909. 85
Idem, Acta de 4 de Outubro de 1909.
QUADRO RESUMO DE DESPESAS COM OBRAS – 1909-191086
DATA TIPO DE DESPESA MONTANTE
(RÉIS)
10/10/1909 Francisco Jorge da Silva, por desmontar os confessionários. 680
10/12/1909 Jornais (dias de salário) a Francisco Jorge da Silva. 1.880
20/03/1909
Jornais a Francisco Jorge da Silva. 4.460
Jornais ao trolha José Gomes Rodrigues. 3.100
Jornais a José Gomes Rodrigues. 980
01/04/1910
Por 10 dobradiças, trinques e chapas para os anteparos. 4.960
João Gonçalves da Silva, pela raspagem e arranjos nos
confessionários.
12.000
Jornais a João Gonçalves da Silva. 2.760
Outros jornais. 2.030
Jornais a duas mulheres. 900
Jornais a José Gomes Rodrigues. 5.320
07/04/1910
Por 2 crivos para os confessionários. 480
Jornais a Francisco Jorge da Silva. 1.400
Jornais a José Gomes Rodrigues. 7.200
Jornais a João Gonçalves da Silva. 5.560
Outros jornais. 2.360
Abril de
1910?
António Miranda, arrematante da obra de pedraria:
“Por virtude da liquidação a que se procedeu”.
Pelos reparos no adro, lado poente.
Por salários.
Mais salários.
667.806
23.104
32.576
41.946
Gratificações ao fiscal Faria. 42.500
Gratificações aos artistas de Fanzes. 2.500
Ao servo dos Terceiros. 5.000
Pelo mármore que veio de Lisboa. 160.010
Prémio de seguro e selo. 905
Transporte do mármore, da estação dos caminhos-de-ferro da
vila.
500
Transporte do mármore, pelo caminho-de-ferro de Lisboa. 16.450
Hospedaria de um operário que veio de Braga. 2.890
Hospedaria de outros operários. 11.560
Deslocação a Braga, de comboio. 500
Gratificações aos homens que assentaram o mármore. 1.000
Despacho no caminho-de-ferro. 190
Cimento, ferros e parafusos. 30.300
Cal e cimento. 2.570
Cimento comprado ao Maciel. 7.550
Mármore e salário a Artur Teixeira da Silva, de Braga. 40.000
30/06/1910
Domingos Alves Teixeira, de Fanzes:
Limpeza de 4 portas e decorações metálicas. 35.000
Limpeza e pintura das portas laterais do templo. 38.000
Limpeza e pintura da porta principal. 38.000
Restauro do guarda-vento. 47.000
Restauro da grade do coro. 15.000
Restauro da grade do antecoro. 10.000
Restauro de duas portas na capela-mor. 9.000
86
Idem, Caderno da receita e despesa de 1909-1910.
Envernizamento dos confessionários. 8.000
Restauro da balaustrada dos púlpitos. 18.000
A substituição do trono eucarístico
____________________________________________________________
Surpreende ao visitante atento a cor branca da tribuna do retábulo do altar-mor do
século XVIII. Também a nós nos surpreendia a obra inacabada, por dourar, e, por outro
lado, evidentes cicatrizes nesta composição de talha denunciavam diferentes mestrias,
ainda que seja notada a aproximação estilística entre o retábulo propriamente dito e a
sua tribuna. Ali houvera obras de restauro, sabíamos.
Mas quando?... Uma pequena luz acendeu-se no túnel documental e, na escuridão, uma
notícia pequena transformou-se numa grande candeia. Uma preciosa lamparina, pois,
esclareceu-nos que no dia 5 de Outubro de 1867, Joaquim Borges de Queirós, da vila de
Barcelos, recebeu 2.250 réis “por uma planta que tirou para a reforma da tribuna que se
projecta fazer”87
.
Mas, como acontece com frequência, quando outro documento surge, nova e mais luz
acrescenta melhor conhecimento ao objecto de estudo. Era preciso procurar. Encontrar.
E eis que nova fonte documental surgiu,
graças à procura quase desenfreada doutras
fontes documentais e graças à sorte de nos
vir parar às mãos mais um papel velho, com
quase um século de idade.
Ficamos então a saber que a actual tribuna
foi restaurada em 1910 pela oficina de
Soares Barbosa, da cidade de Braga, pelo
87
AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Caderno da conta particular de 1866-1869.
preço de 760.000 réis, conforme proposta de
orçamento de 12 de Março, aprovada pela
mesa da irmandade, reunida no dia 15 do
mesmo mês.
Na proposta apresentada, o entalhador
comprometeu-se a realizar um restauro
correcto e completo da tribuna (trono e sua
maquineta), em madeira de castanho, de
acordo com um desenho elaborado88
.
Uma cuidada observação e análise de todo o
retábulo permitiu-nos concluir que a tribuna do
século XVIII era mais profunda que a actual,
devendo o trono onde se expõe a sagrada hóstia
encostar à parede fundeira da capela-mor.
O entalhador e quem o autorizou negaram-nos
uma parte da obra de arte. Mais de meio metro
de talha do retábulo do século XVIII ficou
escondida entre a parede fundeira da capela-mor
e a maquineta do trono eucarístico, onde se
expõe o Santíssimo Sacramento. Talvez para
facilitar o acesso ao topo, pelas traseiras.
No restauro efectuado por Soares Barbosa nota-se a tentativa de aproximação, em
termos formais e estilísticos, ao modelo pré-existente, porém, o resultado não foi de
modo algum feliz: faltou ali mão de artista, que casasse de forma harmoniosa a sua arte
de restaurar com a arte de entalhar do mestre Miguel Coelho, autor do retábulo do
século XVIII.
Um restauro que, para além de imperfeito, não se completou. Ficou a obra
inexplicavelmente por dourar, denunciando à vista desarmada, com o gesso branco que
mostra, a enorme nódoa numa obra de grandíssimo valor artístico. Um erro que é
88
AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Orçamento do restauro da tribuna.
Pormenor do retábulo do século XVIII,
escondido por detrás do trono eucarístico
de 1910.
preciso reparar. Não basta classificar o templo do Senhor Bom Jesus da Cruz como
património nacional!
Em 7 de Setembro do mesmo ano de
1910, Soares Barbosa elaborou outro
orçamento, desta vez destinado ao
fabrico de 10 bancos e 13 mochos para
a nave da igreja. A obra seria realizada
em madeira de castanho, com couro
escuro e aplicações de metais
decorativos, conforme um croqui
remetido pelo entalhador, tudo no
valor de 208.000 réis89
.
Estes bancos – aos quais se juntaram outros
recentemente, numa imitação perfeita dos que
se fizeram em 1910 –, vieram acrescentar
beleza e requinte ao interior do templo.
E mostram ao devoto atento que neles se senta
e ao visitante que os vê uma expressiva
gravura no seu couro escuro, condizente com
o tema da Paixão.
89
Idem, Orçamento de mobiliário para o Senhor da Cruz.