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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ-SEED

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃOCOORDENAÇÃO ESTADUAL DO PDE

GELZA MARIA GIULIANGELI BROGIATO

A CULTURA DO AFRODESCENDENTE E SUA TRAJETÓRIA DE VIDA Compartilhar as diferenças na comunidade escolar pelas entrevistas

LONDRINA

2012

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GELZA MARIA GIULIANGELI BROGIATO

A CULTURA DO AFRODESCENDENTE E SUA TRAJETÓRIA DE VIDA Compartilhar as diferenças na comunidade escolar pelas entrevistas

Artigo apresentado ao Departamento da Educação da Universidade Estadual de Londrina, no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED).

Orientadora: Profª Drª Márcia Elisa Teté Ramos

LONDRINA

2012

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A CULTURA DO AFRODESCENDENTE E SUA TRAJETÓRIA DE VIDA

Compartilhar as diferenças na comunidade escolar pelas entrevistas

Autora: Gelza Maria Giuliangeli Brogiato1

Orientadora: Profª Drª Márcia Elisa Teté Ramos2

RESUMO

O presente artigo foi desenvolvido através de estudos e análises de alguns autores que versam sobre o racismo silencioso a disparidade branca e negra, a emancipação do afrodescendente e as novas Diretrizes estabelecidas pelo MEC, que entraram em vigor com a lei 10.639/03. Todos esses aspectos foram apresentados com o intuito de resgatar a cultura do negro na construção da sociedade brasileira, ou seja, o negro fazendo parte do processo histórico-social. Utilizando a metodologia da História Oral, os alunos realizaram entrevistas com os afrodescendentes moradores da comunidade em que a escola está inserida, os quais puderam através das respostas obtidas terem noções sobre a história local que infelizmente não se encontram nos livros didáticos. Através do trabalho desenvolvido esses alunos tiveram a oportunidade de se verem participantes do processo histórico de sua comunidade e, desta forma interagir com os subsídios necessários para compreender os elementos culturais que os cercam, construindo suas identidades, rompendo as barreiras do preconceito e atingindo o objetivo de entender todos os aspectos que culminaram na sociedade atuam possuindo agora uma visão histórica mais critica, e ao mesmo tempo sensível para questões como o respeito ao próximo e suas diversidades étnico-raciais.

Palavras- chave: História Oral; História Local; Ensino de História.

1. INTRODUÇÃO

Após a Constituição de 1988, o Brasil buscou efetivar a condição de um

Estado democrático de direito com ênfase na cidadania e dignidade da pessoa

humana, porém ainda existe uma realidade de posturas que circulam na sociedade

como: preconceito, racismo, e discriminação aos afrodescendentes.

1 Professora de História da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional da Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED-PR.

2 Profª Drª Márcia Elisa Teté Ramos. Docente da Universidade Estadual de Londrina.

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Os movimentos sociais impulsionaram o Estado a realizar mudanças

legislativas reconhecendo o problema da disparidade branco-negro em nossa

sociedade e a necessidade de intervir de forma positiva. Assim, em compromisso de

eliminar as desigualdades sociais, o Governo Federal sancionou, em março de

2003, a lei 10.639/03-MEC e a lei 11.645/08, que altera a LDB (Lei Diretrizes e

Bases) e estabelece as Diretrizes Curriculares para a implementação da mesma.

Essa lei instituiu a obrigatoriedade do Ensino de História da África e dos africanos no

currículo escolar do Ensino Fundamental e Médio.

A escravidão acabou oficialmente em 1888, após a Abolição, os filhos netos

e bisnetos dos escravos não tiveram as mesmas oportunidades de sobrevivência

que os descendentes dos homens livres. Hoje, será que os negros ou mestiços têm

mais chance de sobrevivência? Desfrutam dos mesmos direitos dos brancos? Será

que os negros são em geral mais pobres porque são preguiçosos, como dizem ainda

alguns? Até que ponto cada um de nós não alimenta o preconceito? Como combater

o mito da “democracia racial”, a qual neutraliza o poder da reação do oprimido? .

Na fase inicial da escolaridade, torna-se necessário um trabalho de

conscientização dos alunos, construindo conhecimentos como: valorização da

memória de determinada comunidade em que a escola está inserida. Neste Projeto

buscou-se em especial, a memória do grupo dos afrodescendentes partícipes da

comunidade.

Nesse contexto, este artigo abordará a análise e discussão acerca do tema e

sobre o trabalho desenvolvido, focalizando diretamente a conscientização dos

alunos sobre a importância da cultura afrodescendente na localidade em que ele

vive, ou seja, o negro fazendo parte do processo histórico-social. Por meio das

entrevistas realizadas pelos próprios alunos, procurou-se resgatar a memória dessa

comunidade e ver o que ela pensa de temas como a escravidão, preconceito e

diversidade étnicos racial.

2. Construindo o conhecimento histórico em sala de aula

2.1. A História Local pela História Oral

Todo o trabalho desenvolvido com os alunos tomou por base alguns autores

que tratam de temas relacionados ao racismo silencioso e à emancipação do

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afrodescendente, utilizando a metodologia da História Oral, por meio de entrevistas

que possam dar noções sobre a História Local.

Segundo Schmidt e Cainelli (2004, p. 62), para ensinar o conceito de história

são necessários valorizar duas questões: a primeira é respeitar o conhecimento do

aluno, sua história de vida, que são elementos que este traz para a sala de aula.

Esses conhecimentos podem ser considerados como marco inicial e que devem

servir como ponto de partida para dar significado ao ensino de história.

A outra questão está ligada à primeira: partindo de suas representações, o

aluno será capaz de efetivar suas próprias ideias sobre os objetos e fenômenos do

mundo social. É graças a essas representações que o aluno pode interrogar o

discurso do professor, os documentos, operar a seleção entre os conteúdos julgados

pertinentes, validá-los ou refutá-los.

Algumas perspectivas do trabalho com História Oral têm levado ao entendimento de que a utilização de fontes orais constituiria uma reação às explicações globalizantes, apoiadas somente em documentos escritos. Trata-se de um mito, pois pode se trabalhar os depoimentos pessoais com base na escolha de temas comuns consultados em diferentes fontes, procurando explorar os conteúdos sem desvinculá-las das categorias mais amplas das estruturas social, econômica e política. É importante evitar o que Dosse chamou de “história em migalhas” (SCHMIDT; CAINELLI, 2004,

p. 127).

Para que isso não ocorra (a história em migalhas, ou em outros termos: a

fragmentação do conhecimento histórico), as experiências individuais ligadas ao

contexto de aprendizagem precisam estar articuladas com diferentes fontes, sem se

desvincular das categorias mais amplas da estrutura da sociedade. Outro mito é a

afirmação de que, ao dar voz ao outro, principalmente àqueles considerados

excluídos da História, aos vencidos, a História Oral permitiria ao historiador abdicar

de sua própria voz e abrir espaço para a redenção do outro, mas quando o

historiador comanda o processo do saber histórico, seleciona os depoentes, recorta

os temas, reescreve as falas, constrói e explica a história com base nos dados

recolhidos, o mito se desconstrói.

Consideradas “arquivo de palavras”, as fontes orais apresentam limites e possibilidades. Um dos principais cuidados é a necessidade de levar em consideração o fato em que o depoente, ao rememorar suas experiências, ao contá-las e emitir sua opinião, ao conferir sentido ao real, narra histórias de vida que, necessariamente, não esclarece fatos passados; são, contudo,

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interpretações atuais deles. Nesse sentido, pode se conhecer a maneira como alguém ou algum grupo vivenciou determinados acontecimentos resgatando sua subjetividade, sem confundi-la com fatos objetivos. O emprego de outras fontes (além das escritas) e a comparação diferentes fontes orais, adotando a perspectiva da interlocução entre as diversas fontes documentais, é fundamental no trabalho com a História Oral (GARRIDO apud SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 128).

Para que a metodologia de História Oral se torne significativa foi necessário

planejar cuidadosamente o trabalho a ser desenvolvido: definir objetivos, verificar os

recursos disponíveis e selecionar as estratégias adotadas como: entrevistar pessoas

da comunidade em que a escola está inserida. Focando o tema desejado, no caso o

afrodescendente e o resgate de sua cultura hoje.

Ao entrevistar pessoas da comunidade para resgatar sua trajetória de vida

em um determinado local, os alunos ampliaram seus conhecimentos para além

dessa localidade. Para Schmidt e Cainelli (2004, p. 128), ao propor o ensino de

História Local no ensino de História, algumas questões precisam ser consideradas

como: é importante observar que a realidade local não contém a sua própria

explicação, pois os problemas políticos, econômicos, culturais e sociais de uma

localidade, explicam-se pelas relações de outras localidades, países, estados,

municípios, ou processos mais amplos.

Ao propor o ensino de História Local, como o indicador do processo de

identidade, não se pode esquecer de que o atual processo de mundialização é

importante que a construção de identidade se relacione com as referências, que

devem ser conhecidos e situados, como o local de sua vivência e expandir para

outros locais mais amplos.

Como elemento constitutivo da transposição didática do saber histórico para o saber escolar, a História Local pode ser vista como estratégia pedagógica. Trata-se de uma forma de abordar a aprendizagem a construção e a apreensão do conhecimento histórico com proposições que podem ser articuladas com interesses do aluno, suas aproximações cognitivas, suas experiências culturais e com a possibilidade de desenvolver atividades diretamente vinculadas à vida cotidiana. Como estratégia de aprendizagem, a História Local pode garantir uma melhor apropriação do conhecimento histórico baseado em recortes selecionados do conteúdo, os quais serão integrados no conjunto do conhecimento (VAZQUEZ apud SCHMITD; CAINELLI, 2004, p. 113).

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O estudo do local ou da história regional contribuiu para uma compreensão

múltipla da História, pelo menos em dois sentidos: na possibilidade de se ver mais

de um eixo histórico na História Local e na possibilidade de análise da micro-história.

2.2. A naturalização do preconceito o torna “silencioso”:

Através de entrevistas que foram realizadas e da História Local este trabalho

tem como enfoque, como diz Ferreira (2002): “O brasileiro, o racismo silencioso e a

emancipação do afrodescendente”, através de outro autor, Rodrigues (2002, p. 70):

Preconceito: ”atributo do outro”? Não caçamos pretos, no meio da rua, a pauladas como nos Estados Unidos. Mas fazemos o que talvez seja pior. A vida do preto brasileiro é toda tecida de humilhações. Nós tratamos com uma cordialidade que é o disfarce pusilâmine de um desprezo que fermenta em nós, dia e noite (RODRIGUES, 2002 apud FERREIRA, 2002, p. 70).

Ferreira (2002, p.70), “especialista” em denunciar aquilo que se esconde por

detrás das aparências, aponta uma farsa da qual, muitas vezes o brasileiro se

orgulha que o Brasil vive uma “democracia racial.” O preconceito contra o negro, em

função do mito que o nega, torna-se difícil de ser compreendido e combatido. Existe

um tratamento pseudocordial, levando a crer que a discriminação etnoracial não

existe. No Brasil o preconceito não é abertamente afirmado, por isso se torna difícil à

elaboração de leis que favoreça a reversão do mesmo. A ideologia de que no Brasil

as diferenças são aceitas e valorizadas, um verdadeiro exemplo para outras nações,

termina por encobrir o problema. Em função disso, são negadas para os negros as

condições de viver melhor e exercer a sua cidadania.

Para Ferreira (2002), que escreveu sobre experiências realizadas numa

família que sofria preconceitos, composta pelo casal João e Neuza, as filhas Sandra,

21 anos, Rosa, 19, e José, o filho de 16 anos, esta família apresentava uma

configuração muito comum, no caso brasileiro, no que se refere à categoria raça,

pois as pessoas se posicionavam em „lugares‟ diversos dentro de uma gradiente

étnico de cor. Conforme as percepções dessas pessoas, o pai e o irmão eram

considerados negros; Neuza, era considerada branca e hoje, negra; Rosa, via-se

como morena e a irmã Sandra, como mulata, e hoje ambas definem-se negras. A

partir de participações em grupos de militância e movimentos culturais, como o rap,

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por exemplo, todos passaram a considerarem-se negros. Na família em questão,

quando os filhos eram crianças, não se falava em questões raciais e preconceitos,

consideravam essas questões insignificantes.

Segundo Cavalleiro (2005, p. 37), tais depoimentos revelam que nos lares

de famílias negras e na escola, a maneira mais silenciosa de se lidar com

preconceito é o silêncio. Nessa família o termo “moreno” era para se auto referir as

características etnoraciais. Parece-se “politicamente correto” na cultura brasileira

chamar de moreno, o afrodescendente, uma estratégia simbólica de fuga da

discriminação. Questões que se tornaram difícil de lidar no Brasil, com o preconceito.

Apesar de se considerar o país da democracia racial, é desenvolvido um

mundo simbólico, onde as características fenotípicas operam para o preconceito. No

caso do afrodescendente esse processo torna-se dramático, encobre de “frases

educadas” alimentando o mito brasileiro de estarmos num paraíso de coexistência e

de aceitação das singularidades.

Tal visão conserva o problema, que deixa de ser enfrentado pela ideia de

não existir. Se for assumido que as inteirações sociais são processos constitutivos

das identidades pessoais, como o caso da família que nega sua própria identidade,

podem favorecer introjeção de valores negativos, não só por parte do “outro grupo” e

sim pelo próprio afrodescendente em relação a si mesmo.

Em torno do século XlV, o homem ocidental lançou-se no mundo das

Grandes Navegações, deparou-se com um universo de extrema diversidade. Por

isso, ele precisava se organizar de maneira segura em sua realidade, através de

reflexão conseguiu controlar os acontecimentos. Bauman (1999) nos direciona a

uma das chaves de compreensão da construção da subjetividade do homem

moderno. O processo de classificar, obsessão da civilização ocidental, constituiu-se

nos atos de incluir o semelhante num padrão considerado desejável e correto,

excluindo o diferente.

Ordem e progresso são condições que legitimavam transformações do outro

no “mesmo.” Para o africano escravizado, restava ter que tornar-se cristão, apagar

sua história, através de um processo de branqueamento e aculturação, tornar-se

“branco”, como o caso da Sandra, a mulher negra que se considerava branca. Essa

ideia foi defendida no início do século XX por vários cientistas e intelectuais

brasileiros que eram os representantes das “verdades” estabelecidas.

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Após essas reflexões podem ser apontados alguns itens mais importantes

que favoreceram o preconceito no Brasil. Com a concepção constitutiva do mundo

ocidental, que se desenvolveu na modernidade, com uma questão de ordem,

desvalorizando ou eliminando o diferente, e assim, o africano era visto como um

mero objeto de uso. Após a abolição, surge a suposição de inferioridade racial do

negro, apoiada pela ciência, prevendo sua extinção na constituição do povo

brasileiro.

Ferreira (2002) argumenta que segundo Gilberto Freyre, nos anos trinta, o

mestiço passa a ser louvado como símbolo de nossa identidade. Primeiro a

desvalorização, depois a exaltação, surgindo assim o mito da “democracia racial”,

aqui está à construção do racismo silencioso. Uma visão negativa do afro-

descendente e um discurso contrário que tenta negá-la, mas acaba naturalizando-a.

Pode haver a valorização da cultura do afrodescendente, considerando:

danças, festas, músicas, estudos, leituras, filmes e outras. O próprio negro, em

busca de autovalorização, ressalta tais manifestações culturais como fundamentais.

No entanto é preciso mais do que isso, ou seja, deve-se valorizar o papel do negro

na sociedade, a construção histórica da discriminação, a problematização do

passado na relação com o presente. Neste processo, no início é sempre um desafio

para o sujeito negro envolvido, mas aos poucos se vai construindo outro tipo de

“valorização”, superando a “valorização” apenas das manifestações culturais, e

assim, descobre que seus valores e sua visão de mundo não permitem mais a

dominação.

Outra problemática é a questão de que os grupos de militância negra, por

vezes, constroem um preconceito “às avessas”:

Num ensaio onde são analisados aspectos da identidade das pessoas que participam da militância como um modo de vida. Ele ressalta que o militante tende a desenvolver uma identidade apoiada em procedimentos de exclusão e vedamento que resultam na “repetição estéril do próprio terreno que pretendia transformar‟, Independente do contexto-político, religioso, cientifico, - e da direção “revolucionária”,” conservadora” ou “alternativa”– em que a militância esteja sendo exercida. Tratando-se do desenvolvimento de uma identidade articulada em torno de características etnoraciais, o fechamento em torno de suas novas referências pode alimentar uma atitude preconceituosa, agora contra o euro-descendente, preservando exatamente o mesmo padrão de subjetividade que o militante visa transformar (FIGUEIREDO, 2004, p. 114).

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Apesar dos problemas apontados acima, torna-se importante que os

afrodescendentes formem grupos para organizarem-se em movimentos, pois o

militante tem a possibilidade de recuperar os valores da cultura e da história

africana. A militância pode transformar a vergonha de ser negro em orgulho de ser

negro, onde ele passa ter uma nova história, intensificando a luta que já vem desde

a escravidão. A participação em grupos de militância, voltados para valores, com

objetivos culturais e políticos pode favorecer a reconstrução pessoal dos

interlocutores que vivem o problema, realizando um exercício de padrões negativos

internalizados e analisando a história omitida.

A “nova identidade” constituída tem três funções dinâmicas: defender e proteger a pessoa de agressões psicológicas; promover um sentido de pertença e ancoradouro social e promover uma fundação, ou ponto de partida, para transações com pessoas de culturas diferentes daquelas referenciadas em matrizes africanas. O indivíduo, além de manter relações com pares negros, estabelece relacionamentos significativos com não negros no seu convívio, respeitando suas autodefinições. Deverá estar pronto, também, para realizar coalizões, com membros de outros grupos organizados em torno de projetos ou valores distintos, deixando de referenciar-se no preconceito como um universo por si só. A referência raça e a cultura africana, antes vistas como de pouca importância, tornaram-se fundamentais para a vida diária. O afrodescendente passa a sentir-se aceito, com propósito de vida, sentindo-se profundamente enraizado na cultura negra, sem deixar de pertencer às condições às quais está submetido num mundo que o vê com preconceito. As matrizes africanas passam a ser efetivamente afirmada. Torna-se negro. “hoje eu tenho certeza que sou negra..., não tinha mais como lutar contra isso e achar que não éramos negras... eu acho que não nasci negra. Eu me tornei negra.” (CROSS,1991 apud FERREIRA, 2002, p. 80).

A sucessão de pequenos episódios vividos pelas pessoas cria um efeito

cumulativo, leva-as a tomar consciência de que são rejeitadas, como se fossem de

menos valia. Como já foi dito, um primeiro passo para que as mudanças ocorram

será partir sim, da valorização das manifestações culturais afrodescendentes, e

também refletir sobre eventos, informações, experiências levando em conta à

história, a cultura, a economia, no sentido de tomar tais esferas como referência

pessoal.

2.3. A questão legislativa:

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Depois da Abolição o Governo nada fez para que os escravos conseguissem

se inserirem na sociedade de maneira digna, muitos sem oportunidades de emprego

se marginalizaram para conseguir sobreviver o que com o passar das décadas não

mudou muito, apesar do slogan do atual governo ser „‟Brasil, um pais de todos‟‟, a

igualdade seja financeira ou racial está longe de ser a ideal, diante desse panorama

para equalizar a situação novas leis estão sendo criadas para minimizar os efeitos

dessa disparidade branco-negro, antes os afrodescendentes eram lembrados

apenas como meros coadjuvantes na construção de nosso pais, agora com as

novas Diretrizes ensinar nas aulas de História a cultura afro-brasileira é obrigatória

nos termos que regem a lei 10.639/03 e alterada pela lei 11.645/08 sejam essas

instituições de ensino públicas ou particulares e os conteúdos devem ser

apresentados desde o ensino fundamental até o ensino médio.

O advento da Lei n.°10.639/03 foi um grande passo. A seguir, a aprovação pelo Conselho Nacional de Educação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, foi um mergulho de cabeça na questão, estabelecendo passos, ritmos, princípios e programas. Alguns ainda poderão dizer que isto é um racismo às avessas, que todos sempre tiveram direito à educação, que tudo é uma questão de mérito, etc., Mentira ou mistificação; de várias formas, direta ou indiretamente, velada ou abertamente, os negros-descendentes têm sofrido um processo de constrangimento e exclusão. (SEED, 2006, p.22)

A lei 10.639/03 foi alterada, pois não abordava e não tratava sobre a

obrigatoriedade do ensino da cultura indígena, outro importante aspecto da nossa

cultura que tende a ser inferiorizado em relação à cultura do homem branco.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1

o O art. 26-A da Lei n

o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a

vigorar com a seguinte redação: “Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1

o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos

aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § “2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo

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escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e histórias brasileiras.” (NR) Art. 2

o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (LEI Nº 11.645,

DE 10 MARÇO DE 2008. )

Com a criação dessas leis o objetivo do MEC foi à inclusão dos temas que

façam com que os alunos reflitam sobre a democracia racial e como se deu a

formação de nossa cultura.

Cumprir a Lei é, pois, responsabilidade de todos e não apenas do professor em sala de aula. Exige-se, assim, um comprometimento solidário dos vários elos do sistema de ensino brasileiro, tendo-se como ponto de partida o presente parecer, que junto com outras diretrizes e pareceres e resoluções, têm o papel articulador coordenador da organização da educação nacional. (MEC, 2004, p. 27)

2.4. A desconstrução do preconceito na escola:

Apesar de ser um processo lento, percebe-se que já tenha caminhado numa

direção favorável a diminuição de atitudes preconceituosas. Não só a militância é

estratégia para que se desconstrua o preconceito e o autopreconceito. Um amplo

debate, em termos educacionais, sobre o preconceito, discriminação e como superá-

las, faz com que a escola possa ser núcleo estruturante formadora de futuros

adultos, colaborando com esta problemática. A educação formal pode ser de grande

contribuição, quanto à enfatizar as nossas raízes nos currículos e reconstruir a

história do processo de formação do povo brasileiro, com uma visão mais crítica.

Com recuperação nas matrizes curriculares africanas a história da diáspora,

reivindicações políticas sociais, o afrodescendente pode ser visto com qualidades

que o outro não percebia, e ao mesmo tempo os aspectos culturais que também o

constituem. Através de trabalhos cuidadosamente estudados é muito importante que

a pessoa branca deixe de negar suas raízes culturais africanas e também indígenas,

assim como o negro brasileiro, suas raízes culturais europeias e também indígenas.

Essa é uma luta do “brasileiro”, sejam eles brancos, negros ou índios, somos uma

mistura de raças.

São relações ligadas à estrutura social e grupal e ainda a ideia de rearranjo

e reapropriação do social que o sujeito pode, através de sua narrativa, construir

conhecimento histórico. Sua narrativa histórica, contudo, sozinha não promove uma

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superação do preconceito ou da construção de saberes significativos, a não ser

quando posta na interação em sala de aula, junto com as orientações do professor

no desenvolvendo do conceito de escravidão - que é a prática social em que um ser

humano assume direitos de propriedade sobre outro designado por escravo, ao qual

é imposta tal condição por meio de força - (GONÇALVES; LISBOA, 2007, p. 87).

Por meio de estudos e reflexões dos temas estudados, podem-se

desconstruir preconceitos existentes desde as primeiras civilizações. Segundo

Freitas (2010, p. 15-28), a inclusão nas escolas é um dos problemas encontrados

que podem ser resolvidos, por meio legal que se concretize através da sanção de

leis e decretos, que garantam a igualdade de oportunidades a todos. Cabe aos

governantes e gestores a discussão e a capacitação de seus professores e

profissionais da educação, para que ocorra a promoção na prática e ações

cotidianas, visando a eliminação de qualquer barreira que impeça o acesso à

escolarização. A educação de qualidade pauta-se na garantia do direito de todos à

educação e pela valorização das diferenças sociais, culturais, étnicas, raciais,

sexuais, físicas, intelectuais, emocionais e linguísticas. Em vista disso, coloca-se o

debate da obrigatoriedade do ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira

na pauta das discussões sobre a inclusão, com a representação da Lei nº 10.639.

Ao mesmo tempo, apresentar encaminhamentos para trabalhar a temática em sala

de aula e propor mudança curricular dinâmica que leve em consideração a

diversidade cultural no contexto educativo.

A promulgação da lei nº 10.639, apresenta um passo significativo para

promover a igualdade racial. No entanto, o texto da lei não é garantia de sua efetiva

realização. Vê-se a necessidade de cursos de formação continuada aos professores,

subsídios teóricos, práticas que auxiliarão a promover a eficácia da lei e torná-la viva

em sala de aula. O desafio é não resvalar no preconceito e nem cair no exótico. O

importante é adaptá-lo no dia a dia, deixando-se de evidenciar a contribuição dos

africanos e afrodescendentes apenas no dia 13 de maio ou no dia 20 de novembro

(Dia Nacional da Consciência Negra). São atos que fazem a diferença; no dia das

mães, por exemplo, devemos trabalhar com recortes de famílias brancas, negras,

mestiças. O importante é jamais deixar de levar em conta a diversidade em todo seu

aspecto, considerando-a sempre no cotidiano escolar.

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4. A Implementação do Projeto:

O projeto implementado visou trabalhar os conteúdos mencionados,

procurando desfazer uma mentalidade racista e discriminatória. É necessário romper

com o etnocentrismo que consiste em julgar especificidades culturais como “certa”

ou “errada”, desqualificando as formas como outros povos veem o mundo. Deve-se

dar ênfase a uma atividade vinculada ao respeito à diversidade.

O intuito de ensinar sobre a cultura desses povos em sala de aula, tem uma

explicação muito simples, a escola não é apenas onde adquirisse conhecimento, é

onde o indivíduo passa a interagir em sociedade e se molda a ela, na escola são

transmitidos não apenas conteúdos, mas também valores.

Essa lei com a inovação promoveu uma educação que visa valorizar a

diversidade que compõe nossa população e, se compromete com as origens de

nosso povo, desse modo atendendo a implementação da lei 11.645/08, os objetivos

da pesquisa de campo foi traçado.

Portanto, é neste objetivo que este projeto de ensino de História se insere:

no repensar sobre a cultura afrodescendente, de modo a dar condições para o aluno

enfrentar com consciência crítica os desafios de um cotidiano ainda pautado em

representações preconceituosas.

Toda a criação e desenvolvimento do projeto basearam-se nas fontes orais

obtidas através de entrevistas abertas, com um roteiro de questões, que atendesse

aos pressupostos apontados na lei.

A implementação do projeto ‟‟A cultura do Afrodescendente e sua trajetória

de vida‟‟, ocorreu em uma turma de sétima serie do Colégio Estadual Padre José

Herions. No início do ano letivo, em um primeiro momento, foram discutidas em sala

de aula todas as questões referentes à diversidade cultural, a valorização e

compreensão da cultura africana e afrodescendente. Nesse primeiro momento,

foram expostas as atividades aos alunos, tais como leituras a cerca do assunto e a

entrevista com os moradores próximos a escola. O questionário da entrevista foi

delimitado aos alunos, os quais se mostraram interessados com a possibilidade de

realizarem entrevistas com os afrodescendentes da comunidade, pois tratava-se de

uma atividade nunca antes desenvolvida pelos mesmos.

Segundo as diretrizes da educação básica em relação, entrevistas podem

ser vistas como produtoras de fontes históricas numa abordagem renovada:

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A história, no ensino Fundamental e Médio, pode se beneficiar dessa corrente historiográfica, porque ela valoriza a diversificação de documentos, como imagens canções, objetos arqueo lógicos, entre outros, na construção do conhecimento histórico. Tal diversidade permite relações interdisciplinares com outras áreas do conhecimento (Paraná, DCEB, 2008, p.53)

A entrevista foi realizada com afrodescendentes que foram considerados

“pioneiros”3 na cidade de Rolândia4 e fazem parte da História Local e por muitos

anos passaram despercebidos. O roteiro elaborado priorizou a história do cotidiano

das pessoas comuns, as quais são pouco lembradas pela historiografia tradicional.

Os temas discutidos foram habitação, língua, alimento, costume, trabalho, música

brincadeira de criança, namoro, casamento, submissão da mulher, família,

escravidão, etc. Todos os entrevistados residem na cidade de Rolândia há mais de

35 anos, uns não são alfabetizados e outros não concluíram o segundo grau.

Em sala de aula os alunos foram informados que após a realização da

entrevista os mesmos fariam a tabulação dos dados e registrariam seus novos

conhecimentos e impressões em uma redação que seria a etapa final do projeto,

além de participarem de um debate reflexivo sobre tudo o que foi pesquisado.

No que se refere aos dados obtidos nas entrevistas, os depoentes

mostraram-se bastante contundentes com a situação geral de todos os

afrodescendentesem nosso país. Foram histórias não somente de luta e

preconceito, mas também de vitórias, o que significa que pode-se ter uma noção

3 Existe uma concepção de “pioneiros” que destaca apenas homens importantes que “venceram” no processo de colonização do norte do Paraná. Se “venceram”, são os homens de posses, da elite. No caso de Rolândia, é comum os textos didáticos ou o senso comum priorizar como “pioneiro” os imigrantes estrangeiros como japoneses, alemães, italianos, portugueses, espanhóis, sírio-libaneses, húngaros, suíços, poloneses, tchecos, austríacos, entre outros. Não se fala do negro como “pioneiro”. Aqui entendemos “pioneiros” como aquele ou aquela, de qualquer classe social, tipo de trabalho ou etnia que chegou primeiro, ou seja, chegou no início da colonização.

4 A cidade de Rolândia foi fundada pela “Companhia de Terras Norte do Paraná”, subsidiária da “Paraná Plantation Ltda”, cujos donos eram ingleses. No dia 29 de junho de 1934, iniciou-se a construção da primeira casa no perímetro urbano, o Hotel Rolândia. Daí para frente as construções se sucederam e uma próspera vila emergiu no local da mata. A fama da fertilidade da “Terra Roxa” se espalhou por todos os rincões do país e o Norte do Paraná ficou sendo conhecido como a Canaã Brasileira. Logo, estrangeiros mineiros, paulistas e filhos de imigrantes alemães radicados em Santa Catarina e Rio Grande do Sul estavam povoando e construindo Rolândia. Os imigrantes estrangeiros foram direcionados a se estabelecerem aqui, ou por alguma Sociedade que cuidava da imigração, ou por orientação da própria Companhia de Terras. O nome de Rolândia é de origem germânica, nome dado em homenagem a Roland, legendário herói alemão, que na Idade Média guerreava ao lado de seu tio, Carlos Magno, e seu lema era lutar pela “Liberdade e Justiça”.

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geral das dificuldades enfrentadas antigamente e o novo panorama que estão

vivenciando.

A primeira questão da entrevista acerca do tema estudado e que trata sobre

a origem da família dos entrevistados, não teve respostas muito discrepantes, pois a

maioria veio do estado de São Paulo, ou em raros casos lugares bem distantes

como a Bahia, que foi citada por um dos entrevistados. Quando questionados sobre

o motivo da vinda e como esta foi realizada, os entrevistados, responderam que

seus pais e avós chegaram em busca de novas oportunidades, emprego e

condições de vida melhores, já que aqui, na época, havia grandes lavouras e

plantações e assim, era um excelente local para formarem e fixarem suas famílias.

Acerca da questão sobre como era a cidade antigamente e o que

consideram dela nos dias de hoje, a maioria descreveu que a cidade era tranquila e

pequena, sem violência, com muitas lavouras e habitações de madeira, material que

era abundante na época. Indagados ainda quanto à forma que enxergavam à cidade

em seu estado atual, a maioria descreveu que a cidade aumentou e prosperou. Um

dos poucos pontos negativos foi o aumento da violência. O comentário mais

marcante e inusitado de um dos entrevistados foi que ele considera a cidade uma

verdadeira metrópole5.

Durante as perguntas os entrevistados puderam contar um pouco de como

era a cidade e o comportamento das pessoas na época. Nos relatos destacaram que

apesar das dificuldades, as pessoas frequentavam mais as igrejas do que hoje em

dia. Um comentário unânime foi quanto à disciplina e rigidez que havia não somente

nas escolas, mas em todos os aspectos. Segundo eles, havia uma maior dedicação

dos pais com a disciplina, fato este que chamou atenção dos alunos.

Não somente a convivência social, mas também os trajes utilizados na

época eram diferenciados, os uniformes usados nas escolas eram camisas brancas

e saia de prega para as meninas e calças para os meninos. As roupas eram

confeccionadas em casa, pelas próprias mulheres que compravam tecidos e

costuravam para suas famílias.

Devido ao fato da maioria da população trabalhar nas lavouras e a

dificuldade para conseguir alimentos, a alimentação segundo os entrevistados, era

5 Rolândia tem 57.870 habitantes, segundo IBGE de 2010 e uma área de 460,153 km². Fica a 399 quilômetros da Capital.

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limitada a alface, mandioca, milho, ou seja, se alimentavam com o que plantavam e

colhiam.

Outro aspecto que foi levantado na entrevista foi em relação às formas de

lazer e as brincadeiras que os jovens daquela época dispunham. As respostas foram

às seguintes: brincavam de esconde-esconde, pega-pega, pular corda, amarelinha,

„‟burquinha‟‟ (bolinha de gude) e boneca de espiga de milho. Isto mostrou que a

história é feita de mudanças, mas também de permanências, pois muitos dos alunos

ainda brincam da mesma forma. Um dos participantes ainda trouxe uma informação

interessante: “Não tínhamos lazer, não festejávamos o Natal, nem sabia o que era

isso‟‟.

Quanto aos aspectos comportamentais e também o mais discrepante em

relação à nossa época, foi à forma como era tratado o namoro. A pesquisa revelou

que os jovens namoravam já com o intuito de casar, ao contrário do que ocorre hoje,

que rapazes e moças casam-se tarde e possuem vários namorados durante a vida.

Segundo a pesquisa não havia os beijos e abraços em público. Os participantes

mais idosos relataram que os casais nem mesmo podiam pegar nas mãos, somente

depois de casados. Os entrevistados mais jovens descreveram que podiam

paquerar como se nota nesse depoimento: „‟Na vila andávamos em volta da igreja

paquerando até encontrar alguém‟‟. Outro ainda informou que, „‟Pra namorar, a

gente tinha que pedir pro pai e tinha hora pra volta pra casa‟‟. Um caso ainda mais

extremo, de como era rígido o padrão na época, um dos entrevistados revelou para

os alunos, a maneira como se casou, “Só comecei a namorar com 19 anos e só

beijamos uma vez, então fugi e casei com ela‟‟.

O tema discriminação, apresentado na pesquisa, revelou um fato

interessante e significativo: a maioria dos entrevistados disse que não sentem a

discriminação e que não se importam com o preconceito que sofreram no passado.

Outros participantes informaram que sofreram a maior parte do preconceito na

infância, pois viviam zombando deles, pela sua cor. Isto pode dar indicação de que o

preconceito é “naturalizado” ou silenciado, como dito antes, pelo próprio negro. Mas

pode também ser entendido como uma postura de força, de equilíbrio, frente ao

preconceito.

Quando questionados sobre a escravidão na época da colonização, do

Brasil, alguns descreveram o que era a escravidão para eles e como se sentiam em

relação a tudo o que aconteceu,„‟ Foi um período muito triste‟‟, „‟Se eu fosse daquela

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época eu não iria sobreviver, era muito ruim‟‟. Deve-se lembrar que nem todos os

depoentes tinham escolarização completa no que diz respeito ao Ensino

Fundamental ou ao Ensino Médio, portanto, pode-se inferir que o conhecimento que

se tem sobre a escravidão, não advém necessariamente da escola, mas das

narrativas históricas que circulam na sociedade/comunidade e na própria família.

Em relação à atualidade, os participantes foram unânimes em informar que

acreditam que ainda exista escravidão no Brasil, mas de uma forma diferente. Hoje,

não só as pessoas negras, mas também brancos são escravizados em diversos

tipos de trabalhos, „‟Existe sim, escravidão no Brasil em lugares escondidos‟‟,„‟Lá pro

lado da Amazônia tem‟‟, „‟Mais ou menos, algumas pessoas negras e brancas que

fazem trabalho doméstico e não são respeitados‟‟. Interessante perceber que a

escravidão não é diretamente associada ao trabalho compulsório do

afrodescendente, mas estendido a todos.

A pesquisa revelou dados importantes que muitas vezes passam

despercebidos nos livros e, além disso, despertou nos alunos uma nova visão do

passado. Após os dados coletados na pesquisa os alunos realizaram uma redação

contando o que acharam da entrevista e o que aprenderam. Alguns alunos

emocionaram-se com as histórias, principalmente com o participante mais idoso, que

é o coveiro na cidade de Rolândia: “Já se passou muito tempo, mas não saiu da

memória”. E assim ele contou sobre sua vida, seu passado, sua história, com toda

emoção de quem rememora, e mais, de quem se sente importante porque tem uma

história para contar às novas gerações.

Outros alunos encararam a pesquisa mais do que como uma tarefa escolar,

e segundo eles foi uma verdadeira aventura: “No começo eu estava bem nervosa

com a ideia de ser repórter, mas eu sabia que tinha dado o meu melhor, com certeza

se precisar eu faria novamente‟‟. Podemos afirmar que a atividade didático-

pedagógica no ensino de História empreendia foi satisfatória de todas as formas, na

medida em que entusiasmou entrevistado e entrevistadores.

Os alunos se surpreenderam muito com as respostas obtidas nas

entrevistas, eles escreveram em suas redações, principalmente, sobre as formas de

conduzir a educação da época e o quanto é diferente da que eles vivenciam hoje:

„‟As pessoas eram muito educadas e respeitavam seus pais , hoje em dia, as

pessoas são sem educação.‟‟ Outro aspecto que os deixou surpresos foi como as

pessoas namoravam e se casavam no passado. Em uma das redações, um aluno

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escreveu sobre o senhor que fugiu com sua esposa, “Ele só foi beijar com 19 anos,

e o hoje mal namoram e já fazem coisa que não devem”.

Vários aspectos foram levantados nas redações, por meio destas se viu que

as diferenças, o preconceito não diz respeito apenas ao ambiente escolar, do

presente, mas sim a toda sociedade, do passado e do presente. Viram que o

preconceito infelizmente ainda existe, mas que desde a infância dos entrevistados

até hoje, houve muitas transformações, não somente em relação às leis, mas a

mentalidade das pessoas vem mudando, segundo os alunos, „‟O preconceito

infelizmente ainda existe, mas as coisas que aprendemos com certeza é uma lição

para nossas vidas. ‟‟

Um dos princípios que devem orientar os temas, os projetos e as atividadespedagógicas em relação à questão do negro na escola é a desconstrução do preconceito racial e a reafirmação de uma auto-estima positiva da população negra emestiça. Ensinar e aprender sobre e na diversidade, propor situações deaprendizagem que sejam desafiadoras e que tragam novos conhecimentos são cuidados que se deve ter quando o que se estuda vem carregado de imagens ecrenças baseadas no preconceito e na discriminação. (MEC, 1996, p.01)

Para o encerramento do projeto os alunos tiveram a oportunidade de

comparar os dados obtidos com todos os textos estudados em sala de aula, artigos

e documentos que foram previamente selecionados para este Projeto. O trabalho

final apresentado por eles compôs-se de introdução, os dados obtidos na entrevista,

e as considerações finais foram as redações e em anexo as entrevistas realizadas.

Foi solicitado ainda que os alunos apresentassem uma cópia do trabalho para os

entrevistados. Com essa última tarefa, os alunos tiveram a oportunidade de mostrar

que as atividades desenvolvidas foram não só pedagógicas, mas importantes no

sentido de criar laços com a comunidade, de estreitar o relacionamento com os

membros da comunidade, articulando comunidade e escola.

5. Conclusão

A implementação ocorreu de forma gradativa ao longo dos bimestres,

primeiramente, foram tratados temas relativos à diversidade cultural e

posteriormente foram abordados os assuntos sobre a cultura africana e os

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afrodescendentes, que fazem parte da comunidade. O projeto foi baseado em

estudos com ênfase sobre a importância da diversidade cultural, do conhecimento

de várias culturas para um melhor conhecimento dos povos que tanto trabalharam

para a formação do país. Dessa forma é importante salientar, que a pesquisa de

campo realizada pelos alunos através das entrevistas, desempenhou um elemento

de suma importância ao valorizar o papel desempenhado por esses povos, que

infelizmente são tão discriminados e desvalorizados na sociedade. Até mesmo nos

conteúdos escolares, essa realidade de discriminação era uma tendência, antes da

lei sancionada em 2003 entrar em vigor. Os grandes acontecimentos citados nos

livros didáticos se concentravam nas atividades europeias e o continente africano

era tratado por muitos livros didáticos de forma pejorativa como um local de violência

miséria e primitivismo, esses fatores só fazem complementar as impressões e

atitudes preconceituosas.

Diante desse panorama, pode-se afirmar que os objetivos propostos no

projeto foram alcançados, os alunos puderam desmistificar a imagem de passividade

dos povos africanos. Por meio dos trechos transcritos das redações dos alunos

participantes da pesquisa, verificou-se a importância e o impacto que esse trabalho

causou, nos mesmos. A conscientização sobre como é realizado o conhecimento

histórico resgatou no íntimo desses alunos, um respeito que há muito não se via, ao

verem histórias reais, de pessoas próximas a eles, que sofreram preconceito, mas

acima de tudo, o mais importante foi que o conteúdo que aprenderam será levado

para a vida toda e com certeza terá reflexo positivo em futuro não tão distante.

Essas intervenções pedagógicas mostram-se cada vez mais necessárias e

eficientes e a aplicação do presente projeto demonstrou sua atualidade e

funcionalidade, em um mundo onde ainda convive-se com racismo e preconceito,

Foi muito importante encontrar pessoas da comunidade que estavam dispostas a

compartilhar com suas histórias e transmitir um pouco de sua trajetória aos alunos

que puderam aprender a partir da História Oral e História Local, uma nova visão de

mundo sem preconceito e entendendo a importância de todos os personagens que

compõe a história até os dias de hoje.

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6. Referências

BAUMAN, Z. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

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