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CAPÍTULO 81 Sedação e Anestesia em Endoscopia Digestiva Mauro Pereira de Azevedo, TSA/SBA* Introdução A endoscopia digestiva experimentou um grande desenvolvimento nos últimos anos, seja em termos técnicos (aparelhagem e acessórios) quanto em possibilidades de aplicações diagnósticas e terapêuticas, como p.ex. a eco-endoscopia, a colocação de próteses coledocianas, de esôfago e outras mais. Este desenvolvimento levou, então, à realização de procedimentos mais complexos, em pacientes com mais co-morbidades e com idade mais avançada; ocorre também uma tendência à maior duração dos procedimentos. O aumento da complexidade dos procedimentos demanda uma maior infra-estrutura para oferecer segurança e conforto tanto ao paciente quanto à equipe que realiza o procedimento, e esta infra-estrutura só é normalmente disponível em centros hospitalares. Hoje, praticamente só são realizados em consultórios proce- dimentos de baixa morbidade, como endoscopia digestiva alta com biópsias ou retossigmoidoscopia rígida ou flexível. Todos os demais procedimentos são realizados em unida- des ambulatoriais devidamente equipadas, anexas ou vinculadas a hospitais de suporte, como manda a legislação. O aumento da complexidade dos procedimentos não permite ao médico endoscopista realizar conjuntamente a sedação e o procedimento proposto. O surgimento de drogas mais modernas, com perfil farmacocinético e farmacodinâmico adequados aos procedimentos endoscópicos (início de ação rápido, alta potência hipnótica, margem de segurança adequada, recuperação rápida, poucos efeitos adversos) tornou necessário agregar à equipe de endoscopia o médico anestesiologista, o qual provê a sedação/analgesia necessária ao procedimento e * Co-responsavel do CET/SBA do Hospital Naval Marcilio Dias Responsável pela Clinica de Cor Aguda – Casa de Saúde São Jose - RJ

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CAPÍTULO 81

Sedação e Anestesia emEndoscopia Digestiva

Mauro Pereira de Azevedo, TSA/SBA*

Introdução

A endoscopia digestiva experimentou um grande desenvolvimento nos últimos anos, sejaem termos técnicos (aparelhagem e acessórios) quanto em possibilidades de aplicaçõesdiagnósticas e terapêuticas, como p.ex. a eco-endoscopia, a colocação de próteses coledocianas,de esôfago e outras mais. Este desenvolvimento levou, então, à realização de procedimentosmais complexos, em pacientes com mais co-morbidades e com idade mais avançada; ocorretambém uma tendência à maior duração dos procedimentos. O aumento da complexidade dosprocedimentos demanda uma maior infra-estrutura para oferecer segurança e conforto tanto aopaciente quanto à equipe que realiza o procedimento, e esta infra-estrutura só é normalmentedisponível em centros hospitalares. Hoje, praticamente só são realizados em consultórios proce-dimentos de baixa morbidade, como endoscopia digestiva alta com biópsias ouretossigmoidoscopia rígida ou flexível. Todos os demais procedimentos são realizados em unida-des ambulatoriais devidamente equipadas, anexas ou vinculadas a hospitais de suporte, comomanda a legislação.

O aumento da complexidade dos procedimentos não permite ao médico endoscopistarealizar conjuntamente a sedação e o procedimento proposto. O surgimento de drogas maismodernas, com perfil farmacocinético e farmacodinâmico adequados aos procedimentosendoscópicos (início de ação rápido, alta potência hipnótica, margem de segurança adequada,recuperação rápida, poucos efeitos adversos) tornou necessário agregar à equipe de endoscopiao médico anestesiologista, o qual provê a sedação/analgesia necessária ao procedimento e

* Co-responsavel do CET/SBA do Hospital Naval Marcilio DiasResponsável pela Clinica de Cor Aguda – Casa de Saúde São Jose - RJ

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monitoriza o paciente, garantindo a segurança e liberdade necessária ao médico endoscopistapara realizar suas tarefas.

O número de procedimentos onde o anestesiologista é convidado a prestar assistência émuito grande, cada qual com sua especificidade.

Quadro I - Procedimentos endoscópicos rotineiramente auxiliados por um anestesiologista

ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA – pacientes pediátricos, com déficits cognitivos ou men-tais, intolerantes à manipulação, avaliação pré-operatória de cirurgia bariátrica.COLONOSCOPIACOLANGIOPANCREATOGRAFIA ENDOSCÓPICADILATAÇÃO DE ESÔFAGOCOLOCAÇÃO DE PRÓTESES ESOFAGEANASDIVERTICULOTOMIA DE ZENCKERGASTROSTOMIA ENDOSCÓPICA PERCUTÂNEAECOENDOSCOPIAESCLEROTERAPIA DE VARIZES ESOFAGEANASCAUTERIZAÇÃO DE ESÔFAGO DE BARRET COM PLASMA DE ARGÔNIO

Bases legais da prática da anestesia

A prática da anestesia é regulamentada por algumas resoluções do Conselho Federal deMedicina, quais sejam:

Resolução 1.363/93 – trata da importância da avaliação prévia do paciente, da respon-sabilidade do médico anestesista e das condições mínimas de se-gurança para a prática da anestesia;

Resolução 1.409/94 – trata da prática de atos cirúrgicos e endoscópicos em regimeambulatorial, quando em unidade independente do Hospital;

Resolução 1.670/03 – define níveis de depressão da consciência os limites de segurançaem relação ao ambiente, qualificação do pessoal, responsabilida-des por equipamentos e drogas disponíveis para o tratamento deintercorrências e efeitos adversos.

Unidade Ambulatorial Independente ou Unidade Hospitalar

Diversos procedimentos endoscópicos são realizados em unidades criadas em centros médi-cos independentes de hospitais. A grande vantagem de se trabalhar em hospitais é o aporte desegurança que se tem com a retaguarda da instituição. Os procedimentos endoscópicos não sãoisentos de complicações, como sangramento, perfuração e infecções, com freqüências variáveis de0,1% para endoscopia digestiva alta e 0,2% para colonoscopia. No caso da ocorrência de algumacomplicação, como uma perfuração de cólon ou uma hemorragia após polipectomia de cólon, seráfundamental o apoio dos serviços auxiliares de diagnósticos só presentes em hospitais, assim comoos recursos necessários ao tratamento da complicação. Estando em uma unidade ambulatorialisolada, o paciente ainda terá de ser removido para a unidade de apoio, o que pode requerer umtempo considerável. Por este motivo a maioria dos anestesiologistas se sente mais seguro estando

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no seu “habitat” natural, que é o hospital. Em função destas exigências existe a necessidade de semontar estruturas adequadas e seguras para atender aos pacientes.

Quadro II - Infra-estrutura necessária para a realização de anestesia ambulatorial

Condições estruturais de higiene e condições de esterilização e desinfecção dos instrumentosde acordo com as normas vigentesEquipamentos para a manutenção da via aérea permeável e administração de oxigênio – más-caras faciais, máscaras laríngeas, cânulas naso e orofaríngeas, tubos endotraqueais e laringoscópiocom lâminasMedicamentos para tratamento de intercorrências e eventos adversos sobre os sistemascardiovascular e respiratórioAparelho de anestesiaAparelhos de monitorização – pressão arterial, oxímetro de pulso, cardioscópio, capnógrafoEquipamentos para reanimação cárdio-respiratória cerebral – desfibrilador, bolsa auto-insuflável(AMBU)Sala de recuperação pós-anestésicaMaterial para documentação completa do procedimentoPresença de um acompanhante adulto, lúcido e previamente identificado.Garantia de suporte hospitalar

Preparo do paciente

A realização dos procedimentos endoscópicos exige, muitas vezes, preparos específicos.

Jejum pré-procedimento

O jejum é necessário para todos os pacientes que irão fazer procedimentos com qualquertipo de anestesia ou sedação. Em geral utilizam-se os critérios adotados estabelecidos pela AmericanSociety of Anesthesiology.

Quadro III - Resumo das recomendações de jejum para redução do risco de aspiração pulmonar

Material ingerido Período Mínimo de Jejum (h) Líquidos claros (sem resíduos) 2Leite materno 4Fórmula infantil 6Leite não-materno 6Refeição leve 6

- O período de jejum não se aplica a todas as idades. - Exemplos de líquidos claros incluem água, suco de frutas sem polpa, refrigerantes, chá preto e café preto. - O leite materno é semelhante a sólidos no tempo de esvaziamento gástrico, a quantidade ingerida deve ser

considerada na determinação do tempo de jejum apropriado. - Uma refeição leve tipicamente se constitui de torradas e líquidos claros. Refeições que incluem frituras ou

alimentos gordurosos podem prolongar o tempo de esvaziamento gástrico. Tanto o tipo quanto a quantidade dacomida ingerida devem ser considerados na determinação do tempo de jejum apropriado.

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Para a realização de Endoscopia Digestiva Alta normalmente é solicitado ao paciente umperíodo maior de jejum, inclusive para líquidos claros, para não atrapalhar a realização do exame eporque os mecanismos naturais de proteção contra regurgitação (esfíncteres esofagianos inferior esuperior) serão abertos durante a passagem do aparelho de endoscopia.

O uso rotineiro de bloqueadores da secreção ácida do estômago e de anti-eméticos e pró-cinéticos gástricos não é recomendado em pacientes sem fatores de risco para aspiração pulmonar.São considerados fatores de risco para aspiração pulmonar: obesidade, presença de hérnia dehiato ou doença do refluxo gastro-esofágico, diabetes, doença úlcero-péptica, tabagismo, procedi-mentos de urgência, insuficiência renal, gravidez, megaesôfago, cirurgia prévia do estômago, tumo-res obstrutivos de aparelho digestivo, causas de aumento de pressão intra-abdominal (ascite, p.ex.),e outras.

Existe uma controvérsia em relação ao tempo de jejum dos pacientes que irão submeter-se apreparo de cólon para realização de colonoscopia. Vários fatores vão influenciar a decisão de quantotempo de jejum é adequado antes da realização do procedimento, tais como: (1) hora da ingesta dolíquido de preparo (à noite ou pela manhã), (2) volume ingerido,(3) hora da realização do procedimen-to, (4) efeito ocorrido, (5) presença de náuseas e vômitos durante o preparo, (6) idade e condiçõesclínicas do paciente, (7) presença de fatores de risco para aspiração pulmonar e outros.

Preparo do cólon

O preparo mecânico (limpeza) do cólon normalmente é feito através da ingestão de umasolução oral osmótica com o objetivo de causar uma diarréia catártica, que “lava” o cólon, facilitan-do a progressão do aparelho e a visualização do seu interior.

O primeiro e mais utilizado agente (no Brasil) é o manitol, que é um oligossacarídeo nãoabsorvido com eficiência de 75 – 80%. Este agente causa uma diarréia catártica, que termina porpromover a limpeza do cólon, facilitando sua visualização durante a colonoscopia. Tem como pro-blemas: (1) causa maior desidratação, o que é um problema principalmente nos pacientes maisidosos e naqueles com história de sangramentos; (2) maior incidência de náuseas e distensão du-rante o preparo; (3) risco de explosão do cólon devido à produção de hidrogênio livre comoresultado da digestão bacteriana; (4) maior volume de solução ingerido – 750 a 1000 mL.

Alguns endoscopistas utilizam solução de polietilenoglicol, que causa menos alteraçõeseletrolíticas que o manitol. Mais recentemente foi introduzido o preparo com solução de fosfatosódico (Fleet Enema®). Este tem a vantagem de ser ingerido em menor volume – 90 mL), tornan-do-o mais barato e de melhor aceitação. Esta solução tem como riscos a produção de hiperfosfatemiaacentuada e hipocalcemia em pacientes renais e cardiopatas.

Em termos de volume de solução ingerida, o preparo de cólon com fosfato sódico é melhor,por minimizar o risco de aspiração pulmonar. Porém, a maioria dos pacientes em nosso meio faz opreparo com Manitol oral, o que gera a dúvida de quanto tempo devemos deixar o paciente emjejum antes do procedimento. O manitol é um líquido claro e assim tolera-se um jejum de pelomenos 2 horas? Ou o fato de ser altamente osmótico e absorver muito líquido da parede intestinaldetermina que o jejum seja maior? Existe ainda o risco de o volume ingerido ser alto. Na realidadeexiste uma carência de estudos específicos sobre o tempo de esvaziamento gástrico após a ingestãodo manitol.

O paciente eletivo já estará fazendo uma dieta dias antes do exame e a possibilidade depresença de resíduos sólidos ou mais consistentes no estômago é mínima. O maior problema ocor-

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re nos pacientes de urgência, muitas vezes com quadros obstrutivos intestinais, e naqueles comfatores de risco para aspiração pulmonar. Nestes, a tolerância dever ser menor, e devem ser utiliza-das todas as medidas possíveis para redução do volume e do pH da secreção gástrica.

Avaliação pré-operatória

A avaliação pré-operatória do paciente se inicia com uma entrevista e exame clínico, queserão determinantes da conduta a ser seguida. A entrevista pode ser feita no dia do procedimento(preferencialmente deve ser feita antes). Utilizamos em nosso grupo um formulário previamentefornecido aos pacientes quando da marcação do procedimento, o qual será entregue e completadopelo médico no dia do procedimento. Este questionário serve como guia para a avaliação pré-operatória do paciente. Dependendo do tipo de procedimento ao qual o paciente vai se submetido,pode ser necessário fazer uma completa avaliação pré-operatória. Esta avaliação será determinadade acordo com o quadro clínico apresentado pelo paciente.

A história do paciente deve incluir:1. Anormalidades de órgãos e sistemas;2. Experiências prévias com sedação/analgesia/cirurgia;3. Medicações em uso corrente – principalmente auto-medicações, ervas e as que

atuam sobre a coagulação;4. História de reações alérgicas;5. Tempo de jejum e6. História de uso de álcool e tabaco e abuso de substâncias.

O exame físico deve incluir, no mínimo: (1) exame das vias aéreas; (2) exame pulmonarincluindo auscultação dos pulmões e (3) exame cardiovascular.

Quadro IV - Preditores de Via Aérea de Difícil Manuseio - Karam & Bailey, 2004

HISTÓRIA. Problemas prévios com anestesia/sedação. Ronco, estridor ou apnéia do sono.. Artrite reumatóide avançada. Anormalidades cromossômicas (ex. trissomia do 21)

EXAME FÍSICO. Hábitos- Obesidade (especialmente envolvendo pescoço e face). Pescoço e Face- Pescoço curto, extensão limitada do pescoço, distância hióide-mento diminuída (<3cm) em Adultos, massa de pescoço, doença ou trauma da coluna cervical, desvio detraquéia, dismorfismo facial (ex. Sínd. Pierre-Robin). Boca – classificação de Mallampati- Abertura reduzida (<3 cm em adultos); adontia. Incisivos protusos, falhas dentárias ou dentesencapados, palato alto ou arqueado, macroglossia, hipertrofia de amígdalas, úvula não visível. Mandíbula- Micrognatia, retrognatia, trismo, má-oclusão significativa.

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Em geral pacientes hígidos que vão se submeter a exames diagnósticos como a endoscopiadigestiva alta não necessitam de nenhum exame complementar. No caso da realização decolonoscopia, por ser um exame que é feito com sedação profunda, muitos médicos solicitam arealização de risco cirúrgico de rotina, com E.C.G. prévio, hemograma e coagulograma, no mínimo.Este último deve ser solicitado especialmente naqueles pacientes com história de uso de anti-agregantes plaquetários, após o período ótimo de suspensão do medicamento, e nos pacientes comhistória de pólipos intestinais ou probabilidade elevada de necessidade de instrumentação cirúrgicaendoscópica. Nenhum exame deve ser solicitado por rotina em todos os pacientes, mas sim guia-dos pela avaliação pré-operatória e exame físico e de acordo com o tipo e grau de invasividade doprocedimento proposto.

A avaliação do risco cirúrgico deve ser reservada aqueles pacientes com mais de 40 anos deidade e história prévia de doença cardiovascular ou respiratória. Não devemos nos esquecer quemuitos pacientes não estão em condições ótimas, pois apresentam problemas que dependem doexame ao qual serão submetidos para a realização do diagnóstico, logo, não podemos exigir que opaciente esteja no seu melhor desempenho físico.

Sedação e Endoscopia

Resolução CFM nº. 1.670/03

Sedação é um ato médico realizado mediante a utilização de medicamentos com oobjetivo de proporcionar conforto ao paciente para a realização de procedimentos médicosou odontológicos.

Pode ser classificada em:- Sedação leve – é um estado obtido com o uso de medicamentos em que o paciente respon-

de ao comando verbal. A função cognitiva e a coordenação podem estar comprometidas. As fun-ções cardiovascular e respiratória não apresentam comprometimento.

- Sedação Moderada/Analgesia (“Sedação Consciente”) é um estado de depressão da cons-ciência, obtido com o uso de medicamentos, no qual o paciente responde ao estímulo verbal isola-do ou acompanhado de estímulo tátil. Não são necessárias intervenções para manter a via aéreapermeável, a ventilação espontânea é suficiente e a função cardiovascular geralmente é mantidaadequada.

- Sedação Profunda/Analgesia é uma depressão da consciência induzida por medicamentos,e nela o paciente dificilmente é despertado por comandos verbais, mas responde a estímulos dolo-rosos. A ventilação espontânea pode estar comprometida e ser insuficiente. Pode ocorrer a neces-sidade de assistência para a manutenção da via aérea permeável. A função cardiovascular geral-mente é mantida. As respostas são individuais.

A resposta dos pacientes aos comandos durante os procedimentos realizados com sedação/analgesia serve como guia para seu nível de consciência. Pacientes cuja única resposta é o reflexode retirada aos estímulos dolorosos estão profundamente sedados.

De acordo com a American Society of Anesthesiologists Task Force on Sedation and Analgesiaby Non-Anesthesiologists, “sedação e analgesia” englobam um continuum de estados quevão da sedação mínima (ansiólise) até anestesia geral. Por ser um continuum, nem sempre épossível predizer como um indivíduo particular vai responder. Também por este motivo, quemadministra a sedação a um determinado nível deve ter habilidade de assistir o paciente cujo nível de

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sedação se aprofunda mais que o inicialmente desejado. As principais causas de morbidade asso-ciada com sedação/analgesia são a depressão respiratória induzida por drogas e a obstrução dasvias aéreas.

Observação importante: As respostas ao uso desses medicamentos são individuais e os ní-veis são contínuos, ocorrendo, com freqüência, a transição entre eles. O médico que prescreve ouadministra a medicação deve ter a habilidade de recuperar o paciente deste nível ou mantê-lo erecuperá-lo de um estado de maior depressão das funções cardiovascular e respiratória.

A sedação/analgesia promove dois tipos gerais de benefícios:(1) permite tolerar um procedimento desagradável ao aliviar a ansiedade, o desconforto ou a dor;(2) em crianças e adultos não-cooperativos, a sedação/analgesia permite agilizar a condução

de procedimentos que não são particularmente desconfortáveis, mas que podem exigir a imobilida-de do paciente.

Diferentes pacientes requerem diferentes níveis de sedação para o mesmo procedimento e omesmo paciente pode variar os níveis de sedação necessários durante um procedimento. Em geralprocedimentos diagnósticos e terapêuticos de vias digestiva alta e baixa são realizados com sedaçãomoderada; níveis mais profundos de sedação são, em geral, necessários para procedimentos maiscomplexos como CPRE (Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica), USG endoscópica (eco-endoscopia), colonoscopia ou pacientes com problemas prévios com sedação.

O risco da sedação está relacionado às condições prévias do paciente e ao tipo de procedi-mento a ser realizado. Pacientes com doenças prévias, especialmente cardiovascular e respiratória,via aérea difícil, obesidade mórbida e idade avançada estão em especial risco durante a sedação.

Monitorização da Sedação/Analgesia

Nível de SedaçãoObservação clínicaBIS

O nível de resposta dos pacientes aos comandos serve de guia para identificação dos níveisde sedação. Devemos observar a possibilidade de vocalização, que indica que os pacientes estãorespirando. Pacientes cuja única resposta é o reflexo de retirada ao estímulo doloroso es-tão profundamente sedados.

A monitorização pelo Índice Bi-espectral pode servir de guia para o nível de sedação. Boweret al. em estudo sobre sedação em procedimentos endoscópicos utilizando-se associação dediazepam e meperidina (que ainda é um padrão de sedação em muitos centros, principalmentequando feito pelo endoscopista), concluíram que o BIS entre 75 e 85 tem uma probabilidade maiorou igual a 0,96 de termos um paciente com sedação adequada para endoscopia. A sedação comcetamina não se correlaciona bem com os valores de BIS10.

Ventilação PulmonarCapnografia

Como o risco de depressão respiratória e obstrução das vias aéreas aumentam com oaprofundamento dos níveis de sedação, a ventilação deve ser monitorada pela observação e aus-cultação. Nos casos de sedação profunda, principalmente, a capnografia é fundamental para au-mento da segurança do ato. A apnéia, detectada pela capnografia, pode preceder o desenvolvi-

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mento de hipoxemia e servir de “alarme precoce” de problemas respiratórios. Esta monitorizaçãopode ser feita com a colocação de um cateter (tipo de aspiração) de tamanho 6 ou 8 na narina ounasofaringe do paciente. A capnografia permite a monitorização em tempo real da ventilaçãoe reduz a incidência de sedação excessiva. O padrão respiratório e não o valor absoluto é quedeve ser a base da interpretação.

Figura I - Depressão ventilatória dectada por cateter nasofaríngeo

Deve-se ter em mente que a ventilação e a oxigenação são processos fisiológicos diferentes.Pode-se manter uma oxigenação satisfatória por algum tempo sem que a ventilação esteja eficiente.

OxigenaçãoOximetria de pulso

Monitorada pela oximetria de pulso, que detecta a dessaturação e hipoxemia de maneiramais eficiente que a observação. A oximetria pode se manter satisfatória por tempo variável, apesarde a ventilação não estar eficiente (ex: atelectasia pulmonar – shunt pulmonar).

Figura II - Cânula naso-faríngea com entrada lateral que permiteacoplar fonte de oxigênio com fluxo alto

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HemodinâmicaPressão arterial, freqüência cardíaca e ritmo cardíaco.Deve-se monitorar de modo contínuo a pressão arterial e a eletrocardiografia, principalmente nos

níveis mais profundos de sedação, com o objetivo de identificação precoce de possíveis complicações.A sedação/analgesia pode bloquear a resposta compensatória à hipovolemia, e, por outro

lado, uma sedação/analgesia ineficiente pode potencializar respostas deletérias autonômicas.

Registro dos parâmetrosTodos os parâmetros analisados devem ser registrados de modo regular, pelo menos a cada

5 minutos.

Uso de oxigênio suplementarDeve ser usado sempre, principalmente em níveis mais profundos de sedação/analgesia, para

reduzir a incidência de hipoxemia.

AspiradorDeve estar sempre disponível para uso, pois pode ocorrer regurgitação de material gástrico,

principalmente nos procedimentos de via digestiva alta. Ele deve ser independente do aspiradorque normalmente é utilizado pelo médico endoscopista.

Em conclusão, todo paciente que vai ser submetido a um procedimento sob sedação moderadaou profunda, com possibilidade de duração prolongada, ou pacientes com condições clínicas adver-sas devem ser monitorizados plenamente (cardioscópio, pressão arterial, oximetria de pulso, capnografia)e deve ser oferecido sempre oxigênio suplementar via cateter nasal, naso-faríngeo ou máscara facial.

Drogas mais utilizadas em sedação para endoscopia e métodos de administração

As drogas mais utilizadas para realização de sedação em endoscopia são os benzodiazepínicos(diazepam e midazolam), os opióides (meperidina e fentanil) e para hipnose, o propofol. Em situa-ções particulares podemos utilizar o droperidol, os agonistas á-2 adrenérgicos (clonidina oudexmedetomidina) e a cetamina.

Quadro V - Princípios farmacológicos a serem seguidos para a realização da sedação

1. Os pacientes geralmente experimentam ansiedade e dor;2. Sedativos e ansiolíticos produzem hipnose e amnésia, mas não analgesia;3. Os opióides produzem analgesia potente, dose-dependente, porém pouca sedação;4. Dor moderada a severa deve ser tratada com analgesia/sedação moderadas;5. Existe sinergismo significativo na associação ansiolíticos e opióides;6. Existe variabilidade farmacodinâmica significativa e imprevisível;7. É mais importante o modo de administração da droga do que a droga administrada;8. Antagonistas farmacológicos devem ser usados como resgate.

Xilocaína spray

Utilizada como rotina pelos endoscopistas para anestesia tópica da boca, orofaringe ehipofaringe, com o objetivo de facilitar a introdução do aparelho de endoscopia, aumentar a

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tolerância do paciente e diminuir o reflexo faríngeo de expulsão e vômito. Os dados sobre seubeneficio são conflitantes em face das doses de sedativos normalmente utilizadas. Seu maiorbenefício talvez seja para os pacientes que não serão sedados ou naqueles que serão minima-mente sedados.

Utiliza-se o spray a 10%, sabendo que cada borrifada libera cerca de 10 mg de soluçãoanestésica e a dose máxima é de 4 mg.kg-1. Essa forma de uso associa-se com uma absorçãosignificativa do medicamento pela mucosa, podendo ocorrer intoxicação se não observarmos asdoses recomendadas.

Benzodiazepínicos

Induzem relaxamento do paciente, facilitando o procedimento. Podem causar depressão res-piratória significativa, principalmente se utilizado em conjunto com opióides. Não tem nenhumaação analgésica, anti-depressiva ou anti-psicótica. Deprime o tônus das vias aéreas, com aumentoda resistência das vias aéreas.

As drogas mais utilizadas são o diazepam e o midazolam. O midazolam é preferido porquetem ação mais rápida, produz maior amnésia anterógrada, duração mais curta e não causa dor àinjeção. É 4 a 6 vezes mais potente que o diazepam.

Para sedação consciente se inicia com doses de 0,5 a 2 mg IV lento de midazolam(a injeção rápida pode causar soluços); as doses podem ser repetidas a cada 2 a 3 minu-tos até atingir o efeito desejado. Em associação com opióides deve-se reduzir a dose deem 30%.

O diazepam tem propriedades semelhantes ao midazolam, porém tem maior meia-vida, pro-duz menos amnésia e maior risco de causar flebite. Utilizam-se doses iniciais de 2,5 a 5,0 mg, comincrementos de 2,5 mg a cada 3 a 4 minutos.

Em caso de superdosagem deve-se usar o antagonista específico – flumazenil – o qual impe-de a ligação do agonista ao receptor específico (o receptor GABA). Utilizam-se doses de 0,2 mgaté um máximo de 3 mg, com cuidado para não haver síndrome de retirada.

Opióides

Os opióides se ligam a receptores específicos no SNC e aumentam o limiar de dor e alterama percepção da dor. A dose do fentanil é de normalmente 25 a 50 µg, repetido a cada 1 a 2 minutosaté atingir o efeito desejado. A meia-vida é de 2 a 4 horas. A meperidina é utilizada em doses de 50a 100 mg.

O fentanil é preferido porque não libera histamina e tem duração curta de ação quandoutilizado em pequenas doses.

O remifentanil só deve ser utilizado por anestesiologistasEm caso de superdosagem – ocorrência de depressão respiratória - o antagonista específico

a ser utilizado é a naloxona. Esta droga pode causar liberação de catecolaminas e deve ser usadacom cuidado em pacientes de risco.

Os narcóticos devem ser utilizados com cuidado em pacientes que utilizam outras drogasde ação no SNC, especialmente os IMAO. A meperidina deve ser utilizada com cuidado empacientes com doença renal, pelo risco do acúmulo de metabólitos que podem causar convul-sões. O fentanil pode causar rigidez torácica (doses altas e injeção rápida) e dificuldade respira-tória.

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Droperidol

É um neuroléptico, com efeito, anti-emético, ansiolítico, sedativo fraco e bloqueador alfa-adrenérgico. Utilizado em doses de 1,25 mg até um máximo de 2,5 mg. Deve ser considerado empacientes selecionados com história de intolerância prévia a outros sedativos ou procedimentoscom expectativa de duração prolongada.

Está associado ao desenvolvimento de arritmias cardíacas (prolongamento do QT e desen-volvimento de torsades de pointes). Pacientes com cardiopatia congestiva, bradicardia, hipertrofiacardíaca, hipocalemia, hipomagnesemia ou em uso de drogas que prolongam o QT, devem sermonitorados com cuidado durante o uso de droperidol.

Propofol

Utilizado para produção de sedação profunda especialmente em procedimentos complexosde longa duração, como colonoscopia e colangiografia endoscópica retrógrada. Tem vários efeitosdesejáveis, como: início de ação rápido, sedação e despertar tranqüilos, anti-emético. Porém,causa dor à injeção que pode ser melhorada com adição de 10 a 20 mg de xilocaína à solução.

Causa depressão respiratória e diminuição do tônus das vias aéreas com aumento da resis-tência à ventilação. Pode causar apnéia. Não tem efeito amnésico. Causa queda da pressão arteri-al. É contra-indicado em pacientes alérgicos a ovos e soja. Seu baixo índice terapêutico indica seuuso somente por anestesiologistas.

Pode ser usado de várias formas, como injeção em bolus intermitentes, infusão venosa contínua,infusão alvo-controlada ou sedação administrada pelo paciente. As doses em bolus são normalmentefeitas após sedação prévia com ansiolítico e/ou opióide e são utilizadas cerca de 20 a 40 mg.dose-1 atéatingir o efeito desejado. A infusão contínua é feita utilizando-se de 40 a 100 µg.kg-1.min-1 (normalmenteadicionada com pequenas doses bolus quando necessários – em função da intensidade do estímulo).

A sedação controlada pelo paciente permite ao paciente atingir o seu nível de sedação deacordo com a duração, complexidade e grau de estimulação percebido durante o procedimento.

Diversos estudos não foram definitivos em recomendar o uso do propofol em endoscopiaalta e baixa de rotina. Quanto às doses, uso de narcóticos e método de administração, não existeconsenso. Seu melhor uso se dá nos procedimentos terapêuticos e de longa duração.

Antagonistas

Não devem ser utilizados de rotina para reverter a sedação. O risco de re-sedação com oflumazenil e a naloxona é grande porque a duração de ação destas drogas (30 a 60 min) é menorque a dos sedativos e opióides.

O flumazenil é uma droga muitas vezes utilizada sem critérios corretos; além do seu alto custoe da meia-vida menor que a do agonista, ela pode causar cefaléia, náuseas e vômitos, o que podecomprometer a recuperação e a alta do paciente ambulatorial.

Endoscopia sem sedação

Pode ser feita em pacientes selecionados, especialmente se forem utilizados os aparelhosultrafinos (diâmetro de 5,3 a 6 mm), que melhoram a tolerância. Em geral utilizam-se a anestesiatópica para melhorar a tolerância.

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Procedimentos endoscópicos mais comuns – particularidades

Via baixa

Colonoscopia

Procedimento feito normalmente sob sedação profunda, pois envolve desconforto na mani-pulação das alças intestinais. Esta manipulação também pode acarretar arritmias, especialmentebradicardia sinusal, por tração ou distensão das alças abdominais. A vigilância deve ser intensa.Não está indicado o uso preventivo de anti-colinérgico, exceto naqueles pacientes nos quais amenor manipulação de alças acarreta bradicardia. Também pode ser feita com anestesia geral,normalmente com oxigênio e sevoflurano sob máscara laríngea. Um fator muito importante na deci-são da técnica anestésica é o tempo do endoscopista e a quantidade de manipulações que ele fazpara atingir o objetivo (alcançar o íleo ou o ceco); para isso o relacionamento anestesista/endoscopistaé fundamental.

O preparo de cólon e a diarréia conseqüente causam desidratação, muitas vezes severa,acarretando alterações eletrolíticas que podem causar até arritmias. Esta perda de líquido podelevar também a hipotensão severa durante a sedação, especialmente com propofol, que, eventual-mente é corrigida com uso de vasopressores, especialmente a efedrina.

O procedimento é feito normalmente em decúbito lateral esquerdo, com eventual mudança paradecúbito dorsal. Com o uso dos sedativos ocorre diminuição do tônus das vias aéreas, com risco deobstrução, especialmente quando o procedimento é feito em decúbito dorsal. Neste caso a instrumentaçãodas vias aéreas para permeabilizá-las é mais comum (uso de cânulas oro ou naso-faríngeas).

Neste procedimento há um momento de grande estímulo, que ocorre durante a entrada doaparelho, quando o endoscopista traciona as alças intestinais e as dilata com ar, causando dor erespostas cardiovasculares; neste momento a necessidade de sedação é maior que durante a saídado aparelho, quando já ocorreu estabilização do mesmo; neste momento a necessidade de sedaçãodiminui muito.

Muitos pacientes submetem-se à colonoscopia em decorrência de sangramentos crônicos,cursando com anemia às vezes intensa. Como o procedimento é, eventualmente, fundamental paraa elucidação diagnóstica, fazemos a sedação com cuidado; a transfusão prévia deve ter indicaçãoprecisa. Nos casos de hemorragias agudas (ex. sangramento diverticular), seguimos o protocolo detratamento da hemorragia aguda.

Frequentemente o auxiliar da colonoscopia necessita fazer manobras de compressão abdo-minal para auxiliar na progressão do aparelho. Manobras muito intensas, especialmente no andarsuperior do abdome, podem causar restrição respiratória e até regurgitação gástrica.

Finalizando, devemos ter atenção para os pacientes que fizeram preparo com manitol e o usode corrente elétrica, pelo risco de explosão do cólon determinado pelo acúmulo de íons H+.

Via alta

Nos procedimentos feitos com a introdução do aparelho pela cavidade oral devemos obser-var algumas particularidades:

1. Competição com a via aérea – caso ocorra dificuldade respiratória do paciente (estridor,ronco, hipoxemia, má-ventilação), devemos interromper o procedimento e tentar melho-

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rar a ventilação; se não conseguirmos, devemos intubar o paciente;2. Risco de regurgitação e broncoaspiração – observar o jejum prévio e a prevenção

farmacológica, se indicada. Preferir o decúbito lateral, que diminui o risco debroncoaspiração. Ter sempre à disposição um bom aspirador, independente daquele utili-zado pelo endoscopista.

3. Cuidado com partes dentárias móveis ou em mau estado de conservação, pois pode haverquebra das mesmas e eventuais aspirações e obstrução respiratória.

Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica

Utiliza-se um endoscópio de visão lateral com cerca de 12 mm de diâmetro para visualizar eabordar as vias biliar e pancreática. Indicada para tratamento de diversas patologias obstrutivas,infecciosas e litiásicas destas vias. A papila de Vater (local de entrada do cateter) tem cerca de 2mm e localiza-se na 2ª porção duodenal. Frequentemente os pacientes se apresentam sépticos(colangite supurativa) necessitando drenagem das vias biliares, ou ictéricos (por obstrução). Quan-do os pacientes se apresentam desta forma, podem ter alterações do coagulograma, especialmentedo TAP, por dificuldade de absorção de vitamina K. Eventualmente tratamos com reposição devitamina K ou, se houver urgência no procedimento ou sangramento pós-procedimento, podemosfazer uso do plasma fresco, que repõe estes fatores de coagulação.

Atualmente o número de procedimentos diagnósticos foi bastante reduzido com o adventoda colangio-ressonância; a CPRE hoje é quase exclusivamente terapêutica

Figura III - Posição lateral extrema, quase prona, para realização de CPRE.

O procedimento é minucioso e requer imobilidade do paciente, muitas vezes por tempoprolongado e em uma posição especialmente desconfortável – decúbito lateral avançado, quaseventral, com a cabeça rodada para a direita. Este decúbito acarreta uma série de problemas, como:dificuldade de acesso à via aérea, restrição torácica, compressão de vasos e nervos (no membroque fica na posição inferior), porém oferece uma relativa proteção caso ocorra regurgitação.

O procedimento pode ser feito sob sedação moderada, na dependência da tolerância do pacien-te, mas normalmente é feito sob sedação profunda, devido aos fatores acima, ou mesmo anestesia geral

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(com intubação traqueal). Esta é reservada para os pacientes intolerantes à sedação ou não-colaborativos,aqueles com via aérea difícil (como medida de segurança) ou aqueles com especial risco de aspiraçãopulmonar (ex. obesos), pacientes com história de abuso de substâncias e pacientes que recusam asedação. Existem relatos de realização deste procedimento com uso de máscara laríngea.

Algumas medicações são comumente utilizadas durante este procedimento, para os quaisdevemos ter atenção, como por exemplo:

1. Contraste radiológico – para melhorar a visualização das vias biliar e pancreática. Há quese ter cuidado nos pacientes alérgicos e evitar ao máximo o risco de bronco-aspiração, jáque causam pneumonite aspirativa grave.

2. Anti-colinérgico (escopolamina) – para causar diminuição da motilidade duodenal, já quea peristalse pode atrapalhar a manipulação da papila de Vater. Pode causar taquicardiasevera (doses altas e injeção rápida, principalmente), o que pode aumentar o risco empacientes cardiopatas).

3. Glucagon – era (retirado do mercado) utilizado no lugar do anti-colinérgico pois é despro-vido de efeito cardiovascular; causa porém hiperglicemia significativa (não utilizar em dia-béticos) Determina potente paralisia da musculatura lisa intestinal, porém por pouco tem-po (cerca de 15 min.), o que exige repetições freqüentes.

A sedação ou anestesia geral é feita normalmente com uso de propofol ou oxigênio esevoflurano. Podemos fazer anestesia venosa total ou balanceada, mantendo a anestesia com algumagente inalatório, especialmente o sevoflurano. Se possível deve-se evitar o uso de opióides, poisestes causam espasmo do esfíncter de Oddi e eventualmente chega-se a tornar impossível a pene-tração dos cateteres nas vias biliares. Caso o tenhamos utilizado pode ser necessário injetar peque-nas doses de naloxona para diminuir este espasmo.

O uso de agonistas α2-adrenérgicos, especialmente a dexmedetomidina, facilita muito asedação. Ocasionalmente podemos utilizar o droperidol nos pacientes tolerantes à sedação.

Gastrostomia endoscópica percutânea

Procedimento que envolve uma etapa endoscópica (para visualização do melhor ponto depunção gástrica) e outra etapa abdominal (para realização da punção gástrica percutânea).

Feita normalmente em pacientes com distúrbios de deglutição, muitas vezes pacientes comneuropatias diversas, que cursam com episódios de broncoaspiração, ou pacientes com patologias di-versas, impedidos de alimentar-se por via oral e que necessitam de outra via para o aporte de alimentos.

Normalmente este procedimento pode ser tratado como a endoscopia digestiva alta, ou seja,com sedação moderada. Na parte dolorosa do procedimento, a punção abdominal, deve ser feitainfiltração local com xilocaína.

Cuidado especial deve-se ter com a permeabilidade das vias aéreas e com o excesso desecreções na cavidade oral e faríngea.

Eco-endoscopia

Aparelho de endoscopia digestiva com sensor de ultrassonografia acoplado em sua extremi-dade. Requer imobilidade do paciente já que é um procedimento minucioso e muitas vezes comduração prolongada.

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Riscos da sedação

Os riscos podem ser relacionados ao procedimento ou à sedação.A literatura cita um risco de mortalidade devido à sedação entre 1 em 2.000 a 1 em 20.000.

As reações alérgicas são raras e a maioria das complicações são de pequena gravidade; o maiorrisco da sedação está ligado à depressão respiratória ou obstrução respiratória e a produção dehipoxemia, com possível desenrolar para um acidente mais grave. A maior incidência de hipoxemiadurante endoscopia ocorre nos pacientes que fazem o procedimento sedado, especialmente quan-do o anestesiologista não está presente e quando não é utilizado o oxigênio suplementar.

Critérios de alta

A maioria dos procedimentos endoscópicos são feitos em regime ambulatorial ou day-clinic,e o paciente retorna à residência tão logo esteja apto.

Os critérios que seguimos são:

1. Sinais vitais normais e estáveis;2. Ausência de náuseas e vômitos;3. Lucidez e orientação;4. Micção espontânea;5. Ausência de dor – cólicas abdominais são comuns após colonoscopia, quando o ar injeta-

do fica aprisionado no cólon; devemos estimular o paciente a expeli-los antes da alta;6. Presença de acompanhante maior de idade;7. Paciente deve alimentar-se no hospital antes de ir embora;8. Recomendação para não dirigir ou exercer atividades que exijam atenção fina no dia do

procedimento;9. Disponibilidade de acesso ao médico ou hospital em caso de complicações após o retorno

à residência.

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