Seminario_015
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1. INTRODUÇÃO
Desde o século XVIII, naturalistas, pensadores e eminentes políticos brasileiros já
atentavam para o fato de que as florestas e demais formas de vegetação nativa tinham outras
funções, além de fornecedoras de madeira. A relação entre conservação florestal e o ciclo da
água (chuvas, velocidade de escoamento, infiltração, manutenção de nascentes), bem como
entre desmatamento e erosão/assoreamento de corpos d'agua, eram impressionantemente claras
já àquela época, mesmo antes do surgimento das ciências biológicas e da ecologia, que só
vieram confirmar o que o empirismo já apontava. (1)
O primeiro Código Florestal surgido em 1934 tinha como objetivo preservar a flora em
suas múltiplas funções, seja em áreas públicas (parques nacionais), seja em áreas privadas.
Nesse segundo aspecto, até hoje o mais controverso, a lei tinha duplo objetivo: a) permitir a
proteção de áreas de grande beleza cênica e daquelas vulneráveis a erosões e b) estimular o uso
sustentável e parcimonioso das florestas, incentivando seu plantio e exigindo a manutenção de
um mínimo da vegetação nativa em todos os imóveis, bem como seu uso racional. (1)
O Código Florestal garante para todos a produção de água, a regulação das chuvas, a
regularização da vazão hídrica em bacias hidrográficas, a proteção à biodiversidade, a
polinização, o controle de pragas, o controle do assoreamento de corpos d´agua, a estocagem de
carbono, redução de emissões de gases de efeito estufa, entre tantos outros benefícios que nos
prestam as florestas nativas. Pode até parecer que não, mas o Código Florestal tem a ver com a
qualidade de vida de todos os brasileiros. A lei é vital para a permanência ou a recuperação dos
serviços ambientais básicos que sustentam a vida e a economia no campo e na cidade. (2)
2. OBJETIVOS:
O objetivo do seminário foi possibilitar diferentes visões técnicas acerca da importância do
Código Florestal para a conservação dos ecossistemas terrestres e aquáticos, suas
biodiversidades e os serviços ambientais prestados por eles, bem como dos solos e das
águas, (insumos básicos da agropecuária) e também a importância de se poupar os
produtores rurais da exigência de destruir os atuais campos de produção de alimentos para
neles reconstituir florestas.
3. HISTÓRIA DO CÓDIGO FLORESTAL
Período Colonial
As primeiras regras e limitações à conversão de uso do solo (desmatamento) e à exploração
florestal no Brasil são anteriores ao Código Florestal. A Coroa Portuguesa editou diversas
normas para manter o estoque florestal da então colônia brasileira. Além das regras, foram
definidas severas penalidades, até mesmo a pena capital e o exílio, para aqueles que
desrespeitassem as regras de utilização do solo e das florestas existentes no país. (2)
1934 - Primeiro Código Florestal do Brasil
Por meio do Decreto 23.793, de 23/01/1934, foi instituído o “Código Florestal Brasileiro”. O
decreto estabeleceu, entre outros pontos, o conceito de florestas protetoras. Embora semelhante
ao conceito das Áreas de Preservação Permanente (APPs), o decreto não previa as distâncias
mínimas para a proteção dessas áreas. Também foi definida a obrigatoriedade de uma espécie de
“reserva florestal” nas propriedades. O objetivo desse ponto era assegurar o fornecimento de
carvão e lenha – insumo energético de grande importância nessa época – permitindo a abertura
das áreas rurais em, no máximo, 75% da área de matas existentes na propriedade. Porém,
autorizava a substituição dessas matas pelo plantio de florestas homogêneas para futura
utilização e melhor aproveitamento industrial. Essa linha foi seguida pela Lei 4.771/65, texto
que deu origem ao Código Florestal. (2)
1965 - “Novo Código Florestal” – Lei Federal 4.771/65
Essa lei e as posteriores alterações estabelecem, entre outros pontos, as limitações ao direito de
propriedade no que se refere ao uso e exploração do solo e das florestas e demais formas de
vegetação.
São dois os principais pontos, constantes nessa lei, de interesse do produtor rural:
• Reserva Legal (RL);
• Áreas de Preservação Permanente (APPs)
1986 – Lei 7511: Modifica a reserva florestal e as APP’s
O conceito de área de reserva florestal - posteriormente denominado de reserva legal - sofreu
diversas alterações.
O conceito de reserva florestal, instituído pelo Código Florestal de 1934 vigorou até 1986,
quando foi publicada a Lei Federal 7.511/86. Essa lei modificou o regime da reserva florestal.
Até então, as áreas de reserva florestal podiam ser 100% desmatadas, desde que substituídas as
matas nativas por plantio de espécies, inclusive exóticas. Embora essa lei tenha modificado o
conceito de reserva florestal, não mais permitindo o desmatamento das áreas nativas, manteve a
autorização para o proprietário repor as áreas desmatadas até o inicio da vigência dessa lei, com
espécies exóticas e fazer uso econômico das mesmas.
Essa lei também alterou os limites das APP’s, originariamente de 05 metros para 30 metros,
sendo que nos rios com mais de 200 metros de largura a APP passou a ser equivalente à largura
do rio. (2)
1989 – Criação da Reserva Legal e alteração nas APP’s
Em 1989, a Lei Federal 7.803 determinou que a reposição das florestas utilizasse
prioritariamente espécies nativas, embora não proibisse a utilização de espécies exóticas. Nesta
Lei foi instituída a Reserva Legal, que é um percentual de limitação de uso do solo na
propriedade rural. Essa área não é passível de conversão às atividades que demandem a remoção
da cobertura vegetal. Também criou-se a obrigação de 20% de Reserva Legal para áreas de
cerrado que, até esse momento, era somente para áreas florestadas encerrando, assim, a fase da
“reserva florestal”, substituída pela “reserva legal e definindo que a averbação da reserva legal
fosse feita à margem da matrícula do imóvel no registro de imóveis competente.
A Lei 7803 alterou novamente o tamanho das APP´s nas margens dos rios e criou novas áreas
localizadas ao redor das nascentes, olhos d’água; bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da
linha de ruptura do relevo, ou ainda se a propriedade estiver em altitude superior a 1,8 mil
metros; ou se ocorrer qualquer das situações previstas no artigo 3.º, da Lei Florestal.(2)
1996 – Medida Provisória 1511/96 –
Amplia restrição em áreas de floresta
A primeira de uma a serie de Medidas Provisórias editadas, até a MP 2166-67/2001, restringiu a
abertura de área em florestas. Embora não tenha aumentado a reserva legal, passou a permitir
apenas o desmatamento de 20% nos ambientes de fitofisionomia florestal. A partir da MP
2080/2000 a reserva legal em áreas de floresta passou a ser de 80%.(2)
1998 – Lei de Crimes Ambientais
Essa lei também mudou dispositivos do Código Florestal, transformando diversas infrações
administrativas em crimes, alterando a Lei de 1965. A lei abriu brecha para a aplicação de
pesadas multas pelos órgãos de fiscalização ambiental, criando novas infrações, inexistentes
anteriormente. (2)
2001 – MP 2166-67/2001 - ALTERA CONCEITOS E LIMITES DE RESERVA
LEGAL E APPs
A MP 2166 novamente alterou os conceitos de reserva legal e áreas de preservação permanente.
Definiu a reserva legal como sendo “a área localizada no interior de uma propriedade ou posse
rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos
naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da
biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas. O tamanho mínimo da reserva
depende do tipo de vegetação existente e da localização da propriedade. No Bioma Amazônia, o
mínimo é de 80%. No Cerrado Amazônico, 35%. Para as demais regiões e biomas, 20%.
As APP’s sofreram diversas modificações. Passou a ser a faixa marginal dos cursos d’água
cobertos ou não por vegetação. Na redação anterior era apenas a faixa coberta por vegetação.
Nas pequenas propriedades ou posse rural familiar, ficou definido que podem ser computados
no cálculo da área de reserva legal os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais,
compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com
espécies nativas. (2)
2010 – Aprovação da proposta em comissão
A Comissão Especial do Código Florestal aprovou no dia 6 de junho de 2010 a proposta do
deputado Aldo Rebelo para modificação do Código Florestal Brasileiro. Com treze votos a
favor, a proposta foi acatada pela comissão e está pronta para apreciação no plenário da Câmara
e do Senado. (2)
4. A PROPOSTA DE ATUALIZAÇÃO DO CÓDIGO
- O direito adquirido
Os proprietários que comprovarem que na época da abertura da área foi respeitado o índice de
reserva legal então vigente ficam dispensados da sua recomposição ou compensação,
reafirmando o art 5º, inciso XXVI da Constituição Federal – “Direito adquirido”.
Exemplo: Proprietário de área da Amazônia que desmatou antes do ano 2.000, época em que a
reserva legal era de 50%, não será obrigado a se adequar ao índice atual (80%). Ou ainda, quem
desmatou área de Cerrado, antes de 1989, também fica desobrigado de se adequar à regra atual .
(2)
- Programa de Regularização Ambiental - PRAS
Programas de Regularização Ambiental – PRAs
Deverão ser elaborados, no prazo de 05 anos, pela União, Estados e Municípios. É o mecanismo
pelo qual, através de estudos técnicos, serão indicadas as condições para a consolidação de
áreas, bem como as que deverão ser recuperadas.
Até a implementação do PRA pelo Estado, ficam asseguradas a manutenção das atividades
agropecuárias e florestais consolidadas em APPs, Reserva Legal, e Áreas de Uso Restrito
(várzeas, inclinação entre 25 e 45º, etc) desde que a supressão de vegetação tenha ocorrido antes
de 22.07.2008, e sejam adotadas práticas conservacionistas do solo e recursos hídricos e seja o
imóvel cadastrado no cadastro ambiental.
Feito o cadastro no PRA o proprietário não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de
22.07.2008, ficando suspensas a cobrança das multas decorrentes de atos anteriores à essa data.
O Programa de Recuperação Ambiental poderá regularizar as atividades em área rural
consolidada em APP, definindo formas de compensação. No caso da Reserva Legal, caso o
PRA estabeleça sua recomposição, permite fazê-lo de três formas:
• Recomposição na propriedade: prazo inferior a 20 anos (1/10 a cada dois anos), podendo usar
até 50% de exóticas intercaladas com nativas.
• Regeneração natural.
• Compensação:
• Aquisição de cota de reserva ambiental (CRA).
• Arrendamento de área sob regime de servidão.
• Doação de área em Unidade de Conservação.
• Contribuição para Fundo Publico para regularização fundiária de UCs. (2)
- Áreas de Preservação Permanente - APPSÁreas de Preservação Permanente – APPs
Foi criada mais uma faixa para cursos d’água de menos de 05 metros de largura cuja faixa
mínima de proteção deverá ser de 15 metros (atualmente são 30 metros). As acumulações de
água (açudes, lagoas e represas) com área inferior a 01 hectare ficam dispensados da faixa de
proteção (hoje varia de 30 a 100 metros). Fica permitido o acesso de pessoas e animais para
obtenção de água sem o excesso de restrições da norma atual.
Regularização de APPs: os PRAs devem considerar o ZEE (Zoneamento Ecológico
Econômico), os Planos de Recursos Hídricos e estudos técnicos e científicos de órgãos oficiais
de pesquisa, além de outras condicionantes relativas aos aspectos socioambientais e
econômicos. Fundamentado nesses critérios, o PRA poderá regularizar até 100% das atividades
consolidadas nas APPs, desde que não haja novos desmatamentos, devendo inclusive
estabelecer medidas mitigadoras e formas de compensação.(2)
- Reserva Legal
Reserva Legal
Foram mantidos os percentuais (80%, 35% e 20%). O computo da APP na Reserva Legal
poderá ser feito, desde que não haja novos desmatamentos, e que a APP esteja conservada ou
em regeneração e o proprietário tenha feito o cadastro ambiental.
Outra novidade é que, na Amazônia Legal, será permitido usar como servidão ambiental
(quando o proprietário de um imóvel rural destina o excedente da vegetação além do exigido
para reserva legal a um imóvel rural de terceiro), o percentual de vegetação que exceder a 50%
nas áreas de floresta e a 20%, nas de Cerrado (hoje a servidão somente pode ser instituída nas
áreas que excedem a de reserva legal, ou seja, além dos 80% e 35% da propriedade).(2)
Regularização de Reserva Legal:
1. Consolidação – Ficam desobrigadas da recomposição ou compensação as propriedades com
área que até 04 módulos fiscais (pequena propriedade). As propriedades com área acima de 04
módulos fiscais também terão isenção até esse limite, ficando obrigadas a regularizar a reserva
legal sobre a área excedente, permitido o cômputo das APPs. (para beneficiar principalmente as
médias propriedades). (2)
2. Recomposição na propriedade – prazo inferior a 20 anos (1/10 a cada dois anos), podendo ser
utilizadas espécies exóticas intercaladas com nativas, em até 50%.
3. Regeneração natural
4. Compensação. – será possível a utilização dos seguintes mecanismos:
• Arrendamento, através de servidão ambiental, fora da bacia hidrográfica e do Estado – onde
localizar-se a propriedade – desde que no mesmo Bioma;
• Aquisição de Cota de Reserva Ambiental (título representativo de vegetação nativa sob regime
de servidão ambinetal, de Reserva Particular do Patrimônio Natural ou reserva legal instituída
voluntariamente sobre a vegetação que exceder os percentuais estabelecidos);
• Doação ao Poder Publico, de área localizada no interior de Unidade de Conservação, pendente
de regularização fundiária ou contribuição para Fundo Publico, que tenha essa finalidade.
Não há como negar a importância das modificações para assegurar a exploração econômica com
equilíbrio ambiental, compensando erros cometidos no passado e evitando novos
desmatamentos.(2)
- A questão da Moratória
Pelo período de 05 anos não será permitido o desmatamento de florestas nativas, ficando
assegurada a manutenção das atividades agropecuárias existentes em áreas desmatadas até
22.07.2008. A moratória é exclusiva sobre as florestas nativas, não se aplicando sobre as demais
formas de vegetação (cerrado, pampa, caatinga). Excetuam-se da moratória os imóveis com
autorização de desmatamento já emitidas e das áreas em licenciamento, cujo protocolo seja
anterior à data da publicação da lei.(2)
5. PONTOS DE VISTA DE RURALISTAS E AMBIENTALISTAS
A. Mudanças propostas pelos ruralistas
São várias as propostas dos ruralistas para alterar o Código Florestal. Algumas foram
apresentadas publicamente pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA,
e foram incorporadas a alguns dos diversos projetos de lei em tramitação no Congresso
Nacional. Tais propostas suscitam outras questões que são comentadas abaixo. Os principais
projetos ruralistas discutidos no Congresso são:
- Anistia para desmatamento e ocupação de Áreas de Preservação Permanente
O que eles querem: Desobrigação de recuperar as Áreas de Preservação Permanente
irregularmente ocupadas, incluindo topos de morros, margens de rios, restingas, manguezais,
nascentes, montanhas, terrenos com declividade superior a 45º.
Justificativa: A recuperação dessas áreas traria o caos à agricultura nacional, prejudicando
sobretudo os pequenos agricultores e algumas culturas cultivadas em áreas de declive ou de
várzea, como o arroz, café e maçã.
Consequências: uma anistia geral e irrestrita como essa condenaria à morte muitos dos rios do
Sul e Sudeste do país - onde vive a maior parte da população – que já tiveram suas margens
excessivamente desmatadas e só agora começam, com a ajuda do Código Florestal, a serem
recuperadas. Além disso, abriria espaço para multiplicação de ocupações em áreas de risco,
como encostas e dunas, multiplicando também situações de desmoronamentos e enchentes
como os vistos em Santa Catarina.
A ideia de que recuperar as APPs tornaria inviável a agricultura também não corresponde à
realidade. Estudo realizado pelo WWF-Brasil nos principais municípios produtores de maçã,
café e uva mostraram que menos de 5% da produção atual está localizada em APPs.(1)
- Fim das Áreas de Preservação Permanente
O que eles querem: Não ter mais APP definida em lei. O Zoneamento Econômico Ecológico
(ZEE) estadual deverá indicar as áreas de Vegetação Ciliar e outras Áreas Frágeis – declives
sujeitos à erosão, topos de morros, etc – que deveriam ser, caso a caso, preservadas. As margens
com uso já consolidado deverão ser objeto de licenciamento ambiental, que poderá manter o
uso, readequá-lo, ou realocá-lo para outra área. As demais áreas hoje correspondentes às APPs
poderão ter seu uso mantido, exceto se comprovado dano relevante por laudo técnico.
Justificativa:A recuperação dessas áreas traria o caos à agricultura nacional, prejudicando
sobretudo os pequenos agricultores e algumas culturas cultivadas em áreas de declive ou de
várzea, como o arroz, café e maçã.
Consequências: a proposta rasga o princípio da precaução, pois parte do suposto de que toda
ocupação em áreas frágeis é permitida até que se prove que ela causa danos ambientais. Realizar
licenciamento ambiental para cada ocupação em beira de rio é algo absolutamente irreal, pois
não há no país nenhum órgão com estrutura para dar vazão aos milhares – ou milhões – de
pedidos que surgiriam com a aprovação dessa regra. Na prática quase todo mundo poderia
ocupar as áreas frágeis pelo resto da vida, o que só faria aumentar os casos de deslizamentos,
enchentes, assoreamentos de rios, ocupação de dunas e aterramento de manguezais, com claro
prejuízo à sociedade. A proposta é um convite à irresponsabilidade ambiental.(1)
- Permitir que os estados diminuam o tamanho das APPs
O que eles querem: permitir que os estados possam definir seus próprios parâmetros para as
APPs, podendo definir áreas menores do que as atualmente dispostas na lei.
Justificativa: Uma lei não pode impor os mesmos parâmetros para todo o país, pois passa por
cima das características locais e comete injustiças.
Comentário: É razoável pensar que, do ponto de vista técnico, seria possível definir com mais
acurácia os limites e regimes de uso das APPs, levando-se em consideração a complexa
interação de fatores antropogênicos, bióticos e abióticos de cada localidade. Esse é um ponto
praticamente inquestionável. Porém, isso tornaria ainda mais complexa uma legislação que já é
tida como complicada e tornaria mais confuso ao agricultor saber qual o tamanho e localização
da área que ele tem que preservar. Além disso, a regra vai na lógica de permitir a diminuição da
proteção, mas nunca de aumentá-la, o que significa que, na prática, quer legitimar casos como o
de Santa Catarina, que por lei estadual diminuiu o tamanho de todas as APPs de beira de rio,
independentemente de estudos técnicos e das muitas peculiaridades de cada uma das regiões do
Estado.(1)
- Fim da Reserva Legal ou anistia para seu desmatamento
O que eles querem: acabar com a figura da Reserva Legal, ou desobrigar sua recuperação nos
casos de desmatamento ilegal ocorridos até 2006.
Justificativa: áreas que foram ocupadas “historicamente”, algumas vezes com “ajuda do
governo”, ou quando “era permitido” não devem ser recuperadas, pois isso significaria uma
imensa perda para a agricultura nacional e uma injustiça para muitos agricultores. Não seriam,
supostamente, permitidos desmatamentos novos.
Consequências: o principal efeito de qualquer anistia é estimular novas ilegalidades, pois gera a
expectativa de que uma nova anistia virá mais adiante para perdoar tudo o que aconteceu.
Portanto, anistia significa, na prática, aumento no desmatamento, mesmo que a lei diga que
“daqui pra frente não pode mais”, e, sobretudo, se não há qualquer medida nova para, de fato,
evitar novos desmatamentos.
Por outro lado, as reservas legais são espaços importantes para a conservação da biodiversidade
e, segundo muitas análises, para o equilíbrio do próprio ciclo da água (chuva-infiltração-
evaporação-alimentação de corpos d'agua), pois as matas ciliares sozinhas não conseguem
garantir esse equilíbrio. Acabar com a RL, ou desobrigar sua recuperação, significaria acabar
com a esperança de recuperação de alguns biomas excessivamente desmatados – como é o caso
da Mata Atlântica – condenando expressiva parcela da biodiversidade nacional definitivamente
à extinção e vastas regiões do país – como o interior de São Paulo, Minas Gerais ou Rio Grande
do Sul – a conviverem eternamente com problemas de déficit hídrico (falta de água) nas épocas
de estiagem, comuns nessas áreas.
Ademais, não se pode considerar desmatamentos “históricos” os ocorridos em 2006, e quem
desmatou nessa época sabia que estava fazendo algo contra a lei, mas contava com uma anistia
para lucrar em cima de áreas importantes para a sociedade. Portanto, anistia significa premiar os
que jogaram contra a sociedade.
Há que se lembrar também que nas áreas onde há mais desmatamento no país, os percentuais de
RL são os mesmos desde 1934. Portanto não houve mudanças nas regras que tenham “pego de
surpresa” agricultores que tinham aberto suas áreas regularmente. Mesmo na Amazônia, onde a
RL aumentou de 50% para 80% em 1996, pouquíssimos são os proprietários que haviam aberto
regularmente suas terras antes dessa data.
Embora a anistia proposta seja um absurdo, é possível identificar casos nos quais seria
importante o apoio do Estado à recuperação de RLs. Imóveis com desmatamento realmente
antigos (30 anos ou mais), cujos atuais proprietários em nada contribuíram para o fato, ou
imóveis da agricultura familiar, cujos proprietários têm maiores dificuldades financeiras para
recuperar suas áreas, deveriam ser objeto de políticas públicas que subsidiassem e
incentivassem a recuperação, incluindo sistemas de pagamento por serviços ambientais e
incentivos no crédito agrícola.(1)
- Recomposição da Reserva Legal com exóticas
O que eles querem: Poder recuperar as RLs desmatadas com até 50% de espécies exóticas
(plantas originárias de outros biomas ou mesmo de outros países).
Justificativa: acrescentar espécies de uso econômico para possibilitar a recomposição da área.
Consequências: permitir que metade da RL seja formada por espécies exóticas – qualquer
espécie, incluindo agrícolas – significa, na prática, que ela terá apenas metade do tamanho atual,
o que em grande parte do país seria de apenas 10% do tamanho do imóvel, pois já está mais do
que comprovado que plantações homogêneas de espécies exóticas – e mesmo de nativas – não
cumprem com o papel de proteção da biodiversidade e de produção da maioria dos serviços
ambientais prestados pela vegetação nativa. É perfeitamente possível recompor a RL com
espécies nativas de uso econômico, como já está definido nas regras atuais.(1)
- Escambo de áreas desmatadas na Mata Atlântica ou no Cerrado por floresta na
Amazônia.
O que eles querem: em vez de recuperar a RL, comprar áreas em regiões remotas, sobretudo na
Amazônia, para supostamente proteger lá essas áreas.
Justificativa: recuperar a RL é muito caro e faria com que áreas produtivas fossem perdidas
para voltar a ter florestas, portanto melhor preservar onde a terra é mais barata e ainda tem
florestas.
Consequências: Comprar uma área no Amapá para compensar a falta de uma RL no Paraná não
faz nenhum sentido do ponto de vista ambiental, econômico ou social. Seria manter mais
floresta onde já tem floresta em troca de desobrigar a recuperação onde está precisando. Isso
significa, em outras palavras, desobrigar a recuperação das RLs nos lugares onde há maior
desmatamento, com as consequências relatadas acima.
Todas as regiões são igualmente importantes do ponto de vista de conservação da
biodiversidade, e essa proposta trocaria uma suposta conservação na Amazônia – quem vai
cuidar dessas áreas? - pela consolidação de desertos verdes em outras regiões do país, com a
extinção irremediável da biodiversidade local. Além disso, os serviços ambientais prestados
pela vegetação nativa são necessários em todas as regiões, e não apenas na Amazônia.
Por outro lado, recuperar as RLs em suas regiões de origem não significa necessariamente
deixar de produzir alimentos ou outros produtos agrícolas. Em todas as regiões há terras
subaproveitadas, muitas delas em terrenos mais frágeis e de aproveitamento marginal para a
agricultura ou pecuária, que poderiam servir para a recuperação da vegetação nativa e,
consequentemente, dos serviços ambientais necessários à própria produção agrícola. Por
exemplo, na bacia do Alto Piracicaba, área de manancial para a Região Metropolitana de São
Paulo, mais de 50% das APPs estão ocupadas por pastagens degradadas, de baixíssima
rentabilidade, que poderiam ser perfeitamente recuperadas para auxiliar na produção de água.
Se juntarmos essa proposta com a de consolidação de todas as ocupações ilegais realizadas até
2006 – citada acima – percebemos que a ideia é não ter mais vegetação nativa em grande parte
do país.
Hoje a legislação já permite a compensação, mas dentro da mesma microbacia hidrográfica. Há
propostas de ONGs e movimentos sociais permitindo a ampliação dessa compensação para até a
bacia de segunda ordem, dentro do mesmo bioma, o que permitira a flexibilidade na busca de
uma área mais barata – normalmente pior para a agropecuária – mas com sentido ambiental .(1)
- Reduzir a Reserva Legal na Amazônia
O que eles querem: se não acabar com a RL, permitir que ela seja reduzida na Amazônia Legal
de 80% para 50% em área de floresta e de 35% para 20% em área de Cerrado, até que o
Zoneamento Ecológico Econômico seja realizado.
Justificativa: A Reserva Legal impede o desenvolvimento da Amazônia.
Consequência: essa diminuição não só desobrigaria a recuperação de vastas áreas que foram
ilegalmente desmatadas nos últimos anos, como também permitiria um aumento significativo no
desmatamento da floresta Amazônica, o que significa ir na contramão do Plano Nacional de
Mudanças Climáticas, cuja meta principal é zerar o desmatamento na região e recuperar áreas
degradadas.
Comentário: O Código Florestal permite que, por meio do ZEE, sejam identificadas áreas já
alteradas e com grande aptidão agrícola nas quais a reserva legal pode ser diminuída, para fins
de recomposição, para 50% da área do imóvel. Ou seja, é a partir de uma avaliação prévia que
se permite aumentar as áreas de uso alternativo do solo. A proposta dos ruralistas inverte a
lógica: só pode conservar onde for indicado no ZEE, e até lá pode desmatar 50% do imóvel.
Claro que isso é um convite ao aumento exponencial do desmatamento e um atentado ao
princípio da precaução, jogando no lixo um importante instrumento de planejamento territorial
que é o ZEE e contrariando a vocação florestal de grande parte da Amazônia.(1)
B. Propostas do Movimento Socioambientalista
Apesar das dificuldades de implementação do Código Florestal e conseqüente
ilegalidade de grande parte dos produtores rurais no Brasil, os movimentos sociais e ONGs
envolvidos com a conservação ambiental no Brasil acreditam que a simples liberalização geral
das normas não é a solução. São necessárias políticas públicas que incentivem e apóiem a
regularização dos proprietários e propostas reais para aprimorar a legislação levando em
consideração o bem estar dos brasileiros.
- Pontos para modernização do Código Florestal:
Não há necessidade de mais desmatamento no país, sobretudo na Amazônia, já que há
entre 240 e 280 milhões de hectares de áreas abertas em todo o país, sendo que uma
parte considerável são pastagens subutilizadas;
Cada bioma, de acordo com seu grau de conservação e características ecológicas,
deveria ter algumas regras específicas para seu uso e conservação, a par das regras
básicas da legislação nacional;
A grande questão é como recuperar áreas já excessivamente desmatadas, em todos os
biomas. Portanto,o processo de modificação da lei deve buscar o fim de novos
desmatamentos e a necessidade de se criar formas de valorização da floresta e de
incentivo a sua recuperação nas áreas onde for necessário;
Utilizar bacias hidrográficas como unidades de planejamento para implementação da
lei. Já não faz mais sentido ter como única unidade de implementação o imóvel rural,
isso permitiria uma maior conexão entre as políticas florestais e de recursos hídricos;
O aprimoramento do monitoramento do cumprimento da lei, com uso de tecnologias de
sensoriamento remoto para cadastramento dos imóveis rurais, principalmente averbação
de RLs e APPs.(1)
- Pontos de apoio à implementação do Código Florestal que devem estar previstos em
outras políticas públicas:
Aprovar a lei de pagamento por serviços ambientais tendo como público preferencial
pequenos agricultores e com fontes efetivas de recursos que sejam além das previstas
em projeto lei que atualmente tramita no Congresso Nacional;
Aprovar a lei do Fundo de Participação dos Estados Verde que recompensa os Estados
com mais áreas protegidas;
Criar linhas de crédito facilitado para a recuperação ambiental dos imóveis rurais e
incluir critérios ambientais na concessão de crédito para custeio e investimento da safra
agrícola, premiando aqueles que estiverem com suas APPs e RLs íntegras/recuperadas;
Ampliar a política de preços mínimos para produtos florestais e agroflorestais,
facilitando a criação de um mercado para os produtos da RL e das APPs e com preços
maiores para aqueles produtores que tiverem suas RLs e APPs íntegras/recuperadas;
Regulamentar a Cota de Reserva Florestal;
Criar programas efetivos de capacitação das ATERs e ATESs para que possam orientar
os produtores rurais a como recuperar suas APPs e RLs com maior aproveitamento
econômico dos produtos dessas áreas.(1)
- Pontos para um aperfeiçoamento do atual Código Florestal:
Não está claro a aplicação do Código Florestal em terras de populações tradicionais que
fazem uso coletivo do território, como no caso dos quilombos. Propomos que as
mesmas regras da agricultura familiar sejam aplicadas às terras de populações
tradicionais de forma clara na legislação;
Estipular o ano de 2000 como data limite para que o Zoneamento Ecológico Econômico
estadual possa diminuir a RL, para fins de recomposição, para 50%. Hoje os Estados
podem baixar o percentual de RL em regiões já bastante desmatadas, bastando que elas
sejam reconhecidas como áreas já significativamente alteradas, mesmo que o
desmatamento seja posterior a esta data. Pela lei, isto só poderia ocorrer se o
desmatamento tivesse ocorrido até o ano 2000, data a publicação da MP 1266, que criou
esta regra;
Permitir que imóveis com desmatamentos mais recentes do que 1998 possam ser
regularizados utilizando-se dos mecanismos de compensação, ampliando a
possibilidade de compensação ambiental.(1)
C. Ruralistas X Ambientalistas: a polêmica do Código Florestal
Existe uma ideia implícita aos proponentes do Substitutivo do Código Florestal de que permitir
mais desmatamento garante mais desenvolvimento. Contudo, as evidências vão em sentido
contrário, como demonstram documentos presentes no estudo do PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento): análise combinada dos dados de desmatamento e dos censos
agropecuário e demográfico, feitos para Mata Atlântica e Amazônia, que provam que o Índice
de Desenvolvimento Humano não aumenta quando o desmatamento é maior. Também existem
evidências sólidas que o processo de desmatamento está associado a problemas de propagação
de doenças, como a transmissão de malária, Doença de Chagas e outras enfermidades
contagiosas, doenças respiratórias e de veiculação hídrica, e também ao aumento da violência
(aumento de homicídios em municípios com maior desmatamento).
Deve-se sempre lembrar que, além da biodiversidade, o Código Florestal protege vidas e
patrimônio humanos; mudá-lo de forma açodada e arbitrária aumenta consideravelmente a
probabilidade de desastres, que já causam muitas perdas materiais e de vidas humanas. A
probabilidade de incidentes vai aumentar por causa do Aquecimento Global, bem como as
mudanças propostas retiram legitimidade da posição brasileira e, consequentemente,
impossibilitam as solicitações de recursos do Brasil por redução de desmatamento, além de
violar as metas de emissão legalmente estabelecidas pelo Congresso Nacional.
Existe um grande potencial de negócios para proprietários rurais com excedentes de mata nativa
caso um mercado de quotas florestais seja estabelecido de forma criteriosa, mas desde que não
haja competição ‘predatória’ de plantações de espécies exóticas ou de excedentes localizados
em biomas distintos de onde existe o déficit florestal. A anistia aos proprietários em desacordo
com a lei, nos termos propostos pelo Substitutivo do Código Florestal, cria um incentivo
perverso que induz aos proprietários infratores permanecer na ilegalidade esperando nova
anistia. Isso porque a atual anistia foi motivada exatamente pelo fato de que a maioria dos
proprietários não cumpriu a lei, fomentando expectativas de que anistias possam se tornar um
processo recursivo. Além disso, na data proposta como base de referência (22/07/2008), já havia
claramente um movimento solicitando essa anistia, o que pode ter desencadeado um
‘desmatamento especulativo’, já de olho nas mudanças que estariam por vir.
O Brasil possui uma imensa riqueza florestal, que garante inúmeros benefícios à economia e à
sociedade em geral. Usar esses recursos com sabedoria no longo prazo, lembrando que os ativos
naturais estão cada vez mais valorizados no tempo, é uma estratégia muito mais correta, do
ponto de vista econômico, do que destruí-los em troca de pequenos retornos financeiros de curto
prazo. (3)
6. CONCLUSÃO
A primeira conclusão que se pode tirar é que, segundo a história e diferentemente do que hoje se
alega pelos quatro cantos, o CF não representou uma dramática e repentina intervenção estatal
sobre a propriedade privada, nem mesmo em 1934. Diferentemente de alguns regimes liberais –
como o norte-americano –, no Brasil, nunca foi facultado ao proprietário fazer o que quiser com
a vegetação nativa encontrada em seu imóvel, pois houve sempre limitações. (1)
É óbvia a necessidade de que, antes de preservar, ou, conservar ecologicamente o território do
Brasil, há que se conhecer, através do Zoneamento, as áreas que poderão, ou, não, serem
preservadas, ou, conservadas para não se estancar o aproveitamento econômico das partes
férteis do território brasileiro.
De um lado estão os ambientalistas que defendem o aperto do cerco aos ruralistas do mal. De
outro está o agrobusiness que levantam a bandeira pelo desenvolvimento do agronegócio no
Brasil. Teoricamente o discurso do desenvolvimento sustentável seria o interlocutor capaz de
unir ecologistas, ruralistas e a sociedade, só que na prática isso não está ocorrendo. (4)
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. http://www.sosflorestas.com.br/
2. http://www.canaldoprodutor.com.br/codigoflorestal
3. http://www.ippur.ufrj.br/index.php? option=com_content&view=article&id=312:ruralistas-x-ambientalistas-a-polemica-do-codigo-florestal&catid=93:na-midia&Itemid=7
4. http://dougnahistoria.blogspot.com/2011/05/codigo-florestal-brasileiro-uma.html