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1 Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.7, n.1, p.61-80, Jul. 2017 | ISSN 2178-5368 semeiosis SEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS resumo Este artigo propõe uma análise das escolhas discursivas utilizadas em um episódio do Programa Mulhere-se, um programa feminista, produzido e exibido pela Rede Minas - Fundação TV Minas Cultural e Educativa. O estudo tem como interesse principal verificar as diferenças entre o material finalizado, que foi exibido, e o material bruto não editado, usando como referencial teórico a análise do discurso e a teoria semiótica greimasiana como instrumental de análise. Além do corte de trechos com erros de gravação ou pela necessidade de adequação ao tempo disponível na grade da emissora, é possível perceber pistas, a partir das escolhas de edição, da geração de sentido e possíveis efeitos discursivos das diferentes narrativas geradas: a do episódio produzido e a do material bruto. PALAVRAS-CHAVE: TV; edição; feminismo; discurso; semiótica. abstract This article proposes an analysis of the discursive choices used in an episode of the “Mulhere-se”, a feminist program, produced and exhibited by the “Rede Minas – Fundação TV Minas Cultural e Educativa”. The study has as main interest to verify the differences between the finalized material that was exhibited, and the unedited raw material, using as theoretical reference discourse analysis and the greimasian semiotic theory as an instrument of analysis. In addition to cutting bits with errors of recording or the need to adapt to the time available in the broadcast grid, it is possible to perceive clues, from the editing choices, the generation of meaning and possible discursive effects of the different narratives generated: that of the episode produced and that of the raw material. KEY WORDS: TV; edition; feminism; discourse; semiotics. A edição do Programa Mulhere-se da Rede Minas: uma abordagem de análise semiótica e discursiva MAIA, Marcos. Mestrando em Estudos de Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica - CEFET-MG | [email protected]; DAVID-SILVA, Giani. Doutora em Linguística e professora no Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens do Centro de Federal de Educação Tecnológica - CEFET-MG | [email protected] Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.7, n.1, p.61-80, Jul. 2017 | ISSN 2178-5368

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semeiosisSEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA

TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS

resumoEste artigo propõe uma análise das escolhas discursivas utilizadas em um episódio do Programa Mulhere-se, um programa feminista, produzido e exibido pela Rede Minas - Fundação TV Minas Cultural e Educativa. O estudo tem como interesse principal verificar as diferenças entre o material finalizado, que foi exibido, e o material bruto não editado, usando como referencial teórico a análise do discurso e a teoria semiótica greimasiana como instrumental de análise. Além do corte de trechos com erros de gravação ou pela necessidade de adequação ao tempo disponível na grade da emissora, é possível perceber pistas, a partir das escolhas de edição, da geração de sentido e possíveis efeitos discursivos das diferentes narrativas geradas: a do episódio produzido e a do material bruto.

PALAVRAS-CHAVE: TV; edição; feminismo; discurso; semiótica.

abstractThis article proposes an analysis of the discursive choices used in an episode of the “Mulhere-se”, a feminist program, produced and exhibited by the “Rede Minas – Fundação TV Minas Cultural e Educativa”. The study has as main interest to verify the differences between the finalized material that was exhibited, and the unedited raw material, using as theoretical reference discourse analysis and the greimasian semiotic theory as an instrument of analysis. In addition to cutting bits with errors of recording or the need to adapt to the time available in the broadcast grid, it is possible to perceive clues, from the editing choices, the generation of meaning and possible discursive effects of the different narratives generated: that of the episode produced and that of the raw material.

KEY WORDS: TV; edition; feminism; discourse; semiotics.

A edição do Programa Mulhere-se da Rede Minas: uma abordagem de análise semiótica e discursiva

MAIA, Marcos. Mestrando em Estudos de Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica - CEFET-MG | [email protected];

DAVID-SILVA, Giani. Doutora em Linguística e professora no Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens do Centro de Federal de Educação

Tecnológica - CEFET-MG | [email protected]

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IntroduçãoO processo de produção do produto televisivo prevê uma série de etapas

na produção do conteúdo que será veiculado. Uma das etapas, a que dá forma ao resultado final a ser transmitido, é a edição. Independente da influência de cada profissional envolvido na produção do material, isto é, seja na elaboração do roteiro de edição, montagem, acompanhamento da direção através das etapas, é somente após a edição que se pode verificar efetivamente as escolhas finais feitas – a partir do material bruto de referência.

Considerando todo o discurso do material bruto que foi capturado bem como a seleção feita na edição, os enunciados que ficaram de fora do corte final são os enunciados silenciados no corte final. É nesta diferença entre o material capturado e o que foi ao ar – e que está disponível no Youtube – que será o objeto da análise a priori revelando pistas para tentar entender as intenções e critérios de escolha. O Programa Mulhere-se da Rede Minas, usado como objeto de estudo foi escolhido pelo grande potencial de repercussão social. As ideias que foram eliminadas podem conter mais pistas para tentar entender as intenções e critérios de escolha. Em Análise do Discurso, não é apenas no que é dito que se constroem as análises das formações discursivas. O dito e o não dito possuem relação indispensável, sendo que o não dito pode ser ainda mais revelador, conforme Pêcheux (1997). Pêcheux se refere, como não dito, à ideia do que está implícito, colocando o não dito em relação ao dito, não buscando uma verdade escondida, mas sim a relação com o simbólico, buscando compreender como o texto produz sentido.

As lutas e os estudos feministas passam pelas esferas jurídicas, econômica, social e cultural, sendo os aspectos simbólicos de grande relevância nas práticas e estudos feministas. Diante da importância e impacto que a televisão possui sobre a sociedade, observada sua grande receptividade e possíveis efeitos discursivos, é necessário entender melhor o processo editorial e as condições de produção e geração de sentido.

Arlindo Machado (2000) nos atenta para a necessidade de pensar a TV com seriedade, analisando com ferramental adequado e dando o devido valor a este meio de comunicação. Já não é possível apenas criticar de forma destrutiva, atribuir à TV o status de repositório de baixa cultura e lugar de domínio da espetacularização das mazelas humanas. A TV é um espaço privilegiado para discussão e multiplicação das vozes. Não pode ser considerada um todo, mas um espaço múltiplo de diversos gêneros que abarcam grande variedade de interesses sociais como as questões feministas.

MetodologiaPara a análise deste artigo, selecionou-se um episódio para compor o

corpus da análise com a transcrição de um episódio do programa Mulhere-se

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da Rede Minas que foi ao ar e a transcrição do material bruto correspondente. Tentar-se-á entender a diferença dos efeitos de geração discursiva do episódio editado e do material bruto não editado.

De posse do episódio final e do material bruto correspondente foi feita a transcrição utilizando os critérios estabelecidos por Münchow (2002). Separamos todos os trechos usados na edição final da transcrição do material bruto, além das respostas das entrevistadas conforme a pergunta que se repete em todas as abordagens.

Para esta análise, utilizou-se como teoria semiótica para as narrativas geradas nos materiais selecionados, a Semiótica Discursiva ou Francesa de Greimas (1973), que se fundamenta na noção de profundidade categorizada em níveis para estabelecer o sentido, formalizada em níveis abstratos (profundos) e concretos (superficiais). O modelo teórico que descreve a significação, conceito base nesta teoria é o “percurso de geração do sentido”, disposto em três níveis: nível fundamental, nível narrativo e nível discursivo.

Para complementar a análise, também se utiliza conceitos da Análise do Discurso de linha francesa com Charaudeau (2013) que trata do discurso das mídias.

A escolha para esta análise, foi o episódio “Uma por minuto” que retrata o Manifesto “Uma por minuto – pelo fim da cultura do estupro”, devido a representatividade que esse episódio tem em relação a toda produção desta série, uma síntese da produção que a série propõe.

Objeto de análise: feminismo na terceira maior TV pública do Brasil

A Rede Minas é uma TV pública mineira, com recursos advindos principalmente do Estado. Foi fundada em 1984, por Tancredo Neves, faz parte da secretaria de cultura e tem como missão “Enriquecer a vida das pessoas, por meio de serviços, produção, distribuição e exibição de conteúdos audiovisuais informativos, culturais e educativos” atendendo assim uma orientação da Constituição Federal, no artigo 221 em que dá “preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas” em relação ao conteúdo das emissoras de TV, incluindo as comerciais. As TVs públicas e comunitárias acabam cumprindo este papel educativo e cultural que as redes comerciais acabam desprezando. Durante mais de 30 anos a Rede Minas apresentou grade bem diversa de programas e acumulou vários prêmios, sendo considerada a terceira maior TV pública do Brasil, atrás somente da TV Brasil e da paulista TV Cultura.

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O Programa Mulhere-se estreou dia 17 de março de 2016. Marca uma lógica de produção que privilegia a participação popular, também em sua produção, através dos “Conselhos Abertos”, espaço em que pautas, formatos e demais questões relacionadas ao programa são debatidas visando incluir a sociedade civil atuante na produção do programa, o que demonstra o maior interesse da direção em legitimar o programa como produção coletiva e garantir a polifonia.

O elemento que define a polifonia para Bakhtin (1981, p.12) é a existência de “centros-consciências não reduzidos a um denominador ideológico” permitindo a “unificação das matérias mais heterogêneas e mais incompatíveis”, ou seja, harmonizando a diversidade de vozes, repercutindo diferentes ideologias e produzindo efeitos de sentido diversos.

Conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um estupro acontece a cada minuto – são 527 estupros acontecem por ano. Motivadas pelo dado e por estupros ocorridos em ambientes acadêmicos, diferentes coletivos se reuniram e realizaram o manifesto “UMA POR MINUTO - Pelo Fim da Cultura do Estupro” em 2 de julho de 2016 nas ruas de Belo Horizonte. O Programa Mulhere-se da Rede Minas registrou o ato, e colheu falas das participantes sobre o manifesto e suas opiniões produzindo e exibindo o episódio “Uma por minuto”.

Discurso, feminismo e o percurso gerativo de sentidoUsaremos conceitos de Análise do Discurso de Charaudeau &

Maingueneau (2006) por trabalharem o discurso como forma de conceber a linguagem, que inclui, entre outras características: ser uma unidade transfrásica, uma vez que se submete a regras de um determinado grupo social; sempre acontece dentro de um contexto sócio-histórico; sempre revela a atitude, posicionamento daquele que o enuncia; todo discurso é um interdiscurso – está inserido em outros discursos. Para Maingueneau (2008) o enunciador se posiciona institucionalmente marcando sua relação a um saber.

Os movimentos feministas, atualmente, possuem pautas diversas, fazendo surgir diferentes feminismos: trans, negro, interseccional (engloba diferentes categorias), entre outros, conforme Oliveira (2015). Algumas vezes, podem até se contradizer, sendo natural portanto, que ao falar de um programa feminista, pode haver aproximações e afastamentos com diferentes vertentes feministas. Para nos aproximar das prováveis intenções discursivas, recorreu-se ao percurso gerativo de sentido da semiótica discursiva (GREIMAS, 1973).

O percurso gerativo de sentido é responsável por levar à compreensão global do texto analisado, dividido nos três níveis em que se organizam e complementam, em que podemos verificar organização própria entre sintaxe

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e semântica. No nível fundamental (ou profundo), totalmente abstrato, aparecem os conceitos mais fundamentais do discurso em forma de oposições semânticas mínimas como verdade e mentira, por exemplo, que representa o eixo semântico em que o texto se constrói. O nível narrativo situa a sintaxe narrativa, do ponto de vista de um sujeito em uma estrutura actancial em busca de um objeto valorizado, composto por enunciados de estar e fazer. No nível discursivo, o mais concreto e superficial, situa as estratégias discursivas com uso de categorias dêiticas de pessoa, espaço e tempo (sintaxe discursiva), e as relações entre temas e figuras (semântica discursiva) determinadas pela enunciação.

Para Fiorin (2002, p.17) o percurso gerativo de sentido é “uma sucessão de patamares, cada um, dos quais, suscetível de receber uma descrição adequada, que mostra como se produz e se interpreta o sentido, num processo que vai do mais simples ao mais concreto”.

Neste artigo iremos selecionar alguns trechos do nível mais concreto ao abstrato, descrevendo os aspectos selecionados nas narrativas geradas pelo episódio em cada um dos níveis de interpretação.

O gênero televisivoPara entender o tipo de programa em análise é necessário considerar a

dificuldade de categorizar a programação televisiva em gêneros sólidos como nos lembra, Machado (2000, p.71) “os gêneros são categorias fundamentalmente mutáveis e heterogêneas (não apenas no sentido de que são diferentes entre si, mas também no sentido de que cada enunciado pode estar replicando muitos gêneros ao mesmo tempo)”.

Podemos observar algumas características que denunciam alguns gêneros possíveis para inscrever o programa analisado. Verificamos as características de documentário, debate e entrevista na categoria informação, além de prestar serviço de utilidade pública, se inscrevendo também no gênero educativo, tomando como base a divisão de gêneros proposta por Souza (2004). Mas podemos considerar, a princípio, se tratar de um programa documental, por englobar as demais características, incluindo algumas características jornalísticas, embora não seja um telejornal, as características de produção se aproximam da produção jornalística.

Conforme Charaudeau (2013), os gêneros de informação são resultado de entrecruzamentos de características de um dispositivo, grau de engajamento do sujeito que informa e o modo de organização discursivo. Neste caso, podemos inferir que se trata do gênero de entrevista jornalística, pois o episódio se apoia no quadro “conversações” que se compõe de entrevistas que tratam do acontecimento – o ato de manifestação - e as opiniões e informações dadas

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pelas entrevistadas. Este gênero faz parte do discurso de informação.

Texto em análise: o quadro conversações do episódio “Uma por minuto”

A estrutura do episódio conta com performances artísticas chamadas de “sarau” entre os quadros principais: “conversações” no primeiro bloco e, no segundo bloco, o quadro “biografias”. Por não haver diferença marcante entre o material editado e o bruto no quadro “biografias”, vamos delimitar a análise no quadro “conversações”.

Charaudeau (2013) chama de mise-en-scène o jogo de cenas próprio do discurso televisivo. Considerando a elaboração de um cenário e de uma narrativa para a construção do discurso do programa, chamamos os entrevistados de personagens.

No quadro “conversações” mulheres se revezam dando sua opinião sobre o assunto abordado. Neste caso, o manifesto “uma por minuto – pelo fim da cultura do estupro”, a fala de seis mulheres é utilizada de forma entre cortada, aparecendo entre duas e três vezes, sendo organizadas em torno de perguntas feitas com uso de palavras chaves. As personagens são: Lívia de Souza – advogada, Marcela – estudante e membra do Movimento Olga Benário, Sabrina Carozzi – jornalista, Natália Avelar – membra do Movimento Olga Benário, Fátima Alves – aposentada, Marcela – membra o Levante Popular da juventude. As falas das personagens incluem: apresentação de si mesmas (nome e ocupação); sua forma de envolvimento no movimento; explicação, opinião e reflexões sobre o movimento; e respostas às palavras-chave ou perguntas relacionadas ao feminismo e ao movimento em pauta que a produção levou em cartões que eram entregues às personagens. As palavras-chave e perguntas identificadas são: “cultura do estupro, machismo, misoginia, cultura patriarcal”; “O que fazer?”; “por que o feminismo existe?”.

O corpus: respostas das personagensApós a transcrição do material bruto (que contém o material usado na

edição) seguindo os critérios de Münchow (2002) foi necessário sintetizar as falas de cada personagem, divididas pelas perguntas feitas (1 a 4). Essa sintetização visa facilitar o encontro das categorias semânticas básicas nas falas de cada personagem e como são utilizadas no episódio editado e no bruto. Ao final da frase sintetizada, identificamos se o enunciado está presente na versão final do episódio - identificado como “editado” - ou se não foi utilizado, estando apenas no material excluído na edição – identificado como “bruto” - eliminado, portanto, da versão final. Para facilitar a identificação, as falas usados na versão final editada também estão sublinhadas.

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Lívia de Souza: advogada, especialista em crimes sexuais e violência de gênero, principalmente contra às mulheres.

1 - Sobre a manifestação: a) Atenta para o medo constante das mulheres em diversos espaços.

(bruto)b) amplia a ideia de estupro da violência sexual para o medo que

as mulheres vivenciam constantemente, reflete que nossa miscigenação é consequência de uma cultura do estupro que faz parte da história do Brasil. (bruto)

c) Critica objetificação da mulher na mídia. (editado)d) Elogia a legislação brasileira, mas critica a sua aplicação pelas

instituições envolvidas como delegacia e abordagem médica. (editado)2 - “Cultura do estupro, machismo, misoginia, cultura patriarcal”: a) esclarece que estupro não tem a ver com prazer, mas com exercício

de poder. (editado)3 - “O que fazer?”: a) Sugere a solidariedade entre as mulheres. (bruto)b) Reconhece a diferença das experiências, como a das mulheres

negras ou periféricas que são diferentes das suas. (bruto)4 - “Por que o feminismo existe?”:

Repensar a sociedade com estatuto de igualdade para mulher. (editado)Inclui a igualdade de chances no mercado de trabalho, salário. (bruto)Crítica que desde meninas são ensinadas o que não podem fazer. (bruto)

Marcela (Levante Popular da Juventude): estudante de gestão pública na Universidade Federal de Minas Gerais, militante do levante popular da juventude, participante da organização do ato manifesto.

1 - Sobre a manifestação:a) Acredita no papel de mobilização da juventude e explica que o ato

em pauta é decorrido de um estupro sofrido por uma aluna por três egressos da Fundação João Pinheiro que são funcionários públicos. (bruto)

b) Lembra da necessidade de “sororidade” entre as mulheres. (bruto)c) Explica o nome “Uma por minuto” ser referência aos 527 mil casos de

estupro ocorrem por ano, conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (bruto)

2 - “Cultura do estupro, machismo, misoginia, cultura patriarcal”:diz ser tudo fruto da condição patriarcal e patrimonialista e do sistema

capitalista que mercantiliza a mulher. (editado)E acrescenta que isso não está nos livros, mas nas vivências. (bruto)3 - “O que fazer?”:Sugere um posicionamento afirmativo de não mais aceitar violências.

(bruto)Propõe ocupação de espaços públicos com companheirismo. (editado)4 - “Por que o feminismo existe?”:a) Explica que existe para a libertação, conquista de direitos iguais.

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(bruto)b) Atenta para entender as desigualdades de gênero vividas. (editado)c) Acrescenta que, para trazer igualdade, a justiça é independe de gênero,

classe, orientação sexual. (bruto)

Marcela (Movimento Olga Benário): estudante de administração pública na Fundação João Pinheiro, membra do Movimento de Mulheres Olga Benário.

1 - Sobre a manifestação: a) Explica que houve um caso de estupro em um congresso de “públicas”

(cursos das áreas públicas), envolvendo três funcionários públicos do Estado de Minas Gerais, e em outro caso, ocorrido na Fundação João Pinheiro, a personagem afirma que o agressor voltará ao curso após sua suspensão tendo convivendo com as vítimas. (editado)

b) Ela acrescenta que há falta de legislação interna nas universidades em relação aos casos e conta outros casos de violência que mobilizaram as mulheres pelo ato de manifestação. (bruto)

2 - “Cultura do estupro, machismo, misoginia, cultura patriarcal”: a) explica a violência como resultado da cultura misógina e patriarcal.

Explica ser a causa do medo de denunciar imputado na mulher em situação de violência, medo da exposição e da culpabilização, além do abuso sofrido. (editado)

b) Denuncia que de desiste da denúncia devido à falha da justiça, sendo que os abusadores voltam a ocupar espaços de poder. (bruto)

c) Fala do silenciamento, medo e como isso é bom para homens abusadores. (bruto)

3 - “O que fazer?”: a) Acredita na pauta do feminismo pelo coletivo, a união das forças, atenta

que muitas mulheres possuem alguma história de violência em casa, sendo 70% dos casos ocorridos com pessoas próximas às vítimas, e há a culpabilização das vítimas em tentativa de silenciamento. (bruto)

4 - “Por que o feminismo existe?”: a) Explica ser um movimento político de empoderamento e fortalecimento

das mulheres. (bruto)b) Acrescenta a necessidade do feminismo para levar as pautas femininas

para todos os espaços, principalmente os pouco ocupados por mulheres, para não haver silenciamento das mulheres, garantindo as mesmas condições dos homens. (bruto)

Fátima Alves: professora aposentada e atuante no comércio.

1 - Sobre a manifestação: a) Considera importante a participação no evento. (editado)

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b) Atenta para o medo de falar algumas coisas. (editado)c) Amplia o conceito de estupro para diferentes formas de assédio na rua

e em casa, sugere a união, e denuncia que muitas violências ocorrem em casa, por pessoas próximas. (bruto)

d) Atenta que sua idade não a isenta de ser assediada, parafraseando discursos que culpam a forma de vestir da mulher. (editado)

e) Afirma o direito da mulher de se vestir como queira e denuncia a forma de tratamento diferenciado para os filhos homens e mulheres, incentivando um comportamento abusivo por parte dos homens, censurando a mulher. (bruto)

f) Sugere a união das mulheres, leitura, educação, transformação, e acredita que a mulher pode transformar a sociedade ao passo que é ela que cria os filhos. Lembra o poder de decisão da mulher sobre a própria vida. (bruto)

g) Atenta para sua própria condição de mulher negra que possuem dupla carga de preconceito, atenta para a necessidade da autoafirmação da identidade negra e da necessidade de ser respeitada na rua, lembra da dignidade e do respeito. (bruto)

2 - “Cultura do estupro, machismo, misoginia, cultura patriarcal”: Não foi questionada.

3 - “O que fazer?”: Não foi questionada.4 - “Por que o feminismo existe?”: Não foi questionada.

Natália Avelar: membra do Movimento de Mulheres Olga Benário.

1 - Sobre a manifestação: a) Explica que conheceu o ato pelo caso de estupro que houve no

encontro de estudantes de ciências sociais do estado e serviço social. (bruto)2 - “Cultura do estupro, machismo, misoginia, cultura patriarcal”: a) explica ser uma cultura enraizada, estrutura criada pelo machismo

e patriarcado e é necessário romper com esse abuso que mulheres vivem e expande o conceito de estupro para além do ato assexual. (editado)

b) Lembra para a condição das mulheres negras e como o abuso é histórico. (bruto)

c) Atenta para a hiperssexualização das mulheres negras e propõe a emancipação e o debate como combate essa cultura. (bruto)

d) Lembra da condição de medo constante de uma agressão verbal e psicológica se tornar física. (bruto)

e) Sugere os atos de manifestação, o estudo da teoria feminista, da garantia de respeito aos corpos e exigência de respeito e luta como forma de mudar esse quadro negativo. (bruto)

3 - “O que fazer?”: a) Movimentação, autoafirmação, eliminação da culpa interna, ações

coletivas que choquem a sociedade. (editado)b) Lembra a gravidade das estatísticas, a necessidade de políticas

públicas que assegurem o respeito ao corpo feminino, educação menos sexista,

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debates nos espaços educacionais, reforço sempre. (bruto)4 - “Por que o feminismo existe?”: a) Reflete que as mulheres possuem jornadas duplas, triplas, e quanto

trabalho não remunerado é feito por mulheres. (bruto)b) Lembra bastante da importância da mulher em relação ao trabalho,

necessidades de direitos econômicos iguais, autonomia e saída de situação de dependência. (bruto)

c) Lembra o caráter histórico do feminismo ao combater a educação sexista e a cultura que inferioriza a mulher, e relaciona isso com o acúmulo e visão de propriedade privada. (editado)

d) Ela acrescenta explicando os diferentes momentos do feminismo dividido em “ondas” e como cada período teve um recorte diferente e conclui que o papel do feminismo é a transformação da sociedade para torna-la mais igualitária. (bruto)

Sabrina Corosi: jornalista, estudante de Ciência do Estado na Universidade Federal de Minas Gerais, parte do coletivo Isadora Cesar.

1 - Sobre a manifestação:a) Explica que o coletivo Isadora Cesar faz parte da organização do ato

em repúdio aos estupros que ocorrem no país, incluindo o que ocorreu em uma edição do “Encontro Mineiro Dos Estudantes Do Campo De Públicas - Em Público” encontro acadêmico de estudantes de Brasil. (bruto)

b) afirma que as mulheres decidiram não ficar mais caladas, e que o manifesto é em decorrência de dois casos. (editado)

2 - “Cultura do estupro, machismo, misoginia, cultura patriarcal”: a) Fala sobre o medo das mulheres em geral, dos ataques sofridos por

mulheres em diversos espaços institucionais. (bruto)3 - “O que fazer?”: a) Propõe a luta diária, incluindo não ser conivente com piadas machistas

e não culpar as vítimas de violência. (editado)b) Começar a partir das mulheres para alcançar todos, incluindo os

homens. (bruto)4 - “Por que o feminismo existe?”: a) Acredita que para que todas as mulheres sejam livres, para

autoafirmação das mulheres de não sentirem-se culpadas. (bruto)b) Expande o conceito de estupro para além do ato físico, mas inclui os

excessos cometidos por homens, e o feminismo como solução para combater a naturalização desse comportamento. (bruto)

Nível discursivoPara Barros (1997), o sujeito da enunciação produz o discurso, objeto de

comunicação, onde podemos perceber pistas sobre as condições de produção do discurso e os valores sobre os quais se construiu o texto.

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A sintaxe discursiva relaciona o sujeito da enunciação com o discurso enunciado, estabelecendo as relações entre enunciador e enunciatário, além de efeitos de sentido. Em semântica discursiva é necessário atenção para tema, figura e isotopia. A tematização inclui o plano dos valores abstratos que organizam o mundo natural. As figuras tratam do investimento semântico, sendo as formas de concretização dos temas. A figurativização, portanto, é o resultado da construção de sentido realizada pelo sujeito enunciador. A noção de isotopia permite entender como o discurso sustenta uma unidade sintagmática e semântica.

O nível discursivo do episódio é composto pelas entrevistas das personagens, com seus enunciados, imagens da organização da manifestação, entre confecção de cartazes e treino das paródias de músicas conhecidas, mas com letras remetendo às reinvindicações das mulheres.

A sintaxe discursiva do quadro “conversações” é apoiada nas falas que são sempre em primeira pessoa, começando no singular (EU) direcionada ao enunciatário (TU), finalizando com visadas prescritivas (Charaudeau, 2013) com utilização do plural da primeira pessoa (NÓS). O tempo é o AGORA do momento em que acontece o manifesto, e o espaço é AQUI, sem referenciamento, no episódio em si, quando está ocorrendo ou onde exatamente.

Podemos considerar o programa como o próprio sujeito do discurso, se considerarmos que a edição cria uma narrativa com base em escolhas de enunciados, construindo seu próprio discurso e narrativa. Nesse caso, temos um processo de objetivação com desembreagem, a partir das falas das entrevistadas. Enquanto que na versão bruta, sem interferência da edição, as mulheres são os sujeitos do discurso produzido, com efeito de sentido a partir da subjetividade, através de embreagens que provocam aproximação entre enunciador e enunciatário. No entanto, para o enunciatário, mesmo no episódio editado, se considerarmos os efeitos de verdade visados, mantém-se a relação de aproximação entre enunciação e enunciado. Além disso, na versão do material bruto, mais explicações sobre o ocorrido com outras mulheres (ELAS), não identificadas, que acontecem há algum tempo, promovendo o distanciamento do enunciado da enunciação, não são utilizadas no corte final, sugerindo o interesse em manter esse efeito de distanciamento através de embreagens.

O percurso isotopante é verificável com a reincidência das mesmas perguntas para as diferentes entrevistadas que complementam suas deias, sendo que no material editado verifica-se a incidência do reforço e redundância das ideias apresentadas, enquanto que no material bruto, as repetições não utilizadas aparecem, tal como ideias que abrem outros questionamentos, e relacionam-se com assuntos diferentes do focado na versão editada, por exemplo, as condições econômicas. Vários enunciados retornam à mercantilização, exploração capital

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etc., enquanto que problematizações que verificam a questão por outro ângulo – a inserção da mulher no mercado de trabalho – é minimizada.

A semântica discursiva é tematizada com os abusos sofridos pelas mulheres. Podemos perceber a recorrência dos termos medo, violência e desigualdade, tanto no material bruto quanto no editado. Por ser o tema da manifestação, os abusos sofridos, o agenciamento das mulheres se organiza também em torno das condições sociais desiguais. Ambos os materiais possuem percurso figurativo nos discursos, sendo mais abundante o recurso no material bruto, pois contém mais exemplos de situações vividas por colegas e experiências pessoais. No material editado é feito menos uso do recurso.

Com imagens da concentração das mulheres antes da passeata, o treino e a confecção dos cartazes, além dos depoimentos entrecortados das mulheres, busca-se o efeito de verdade. O número de mulheres em depoimento reforçando as mesmas ideias buscam obter esse efeito de verdade. No material bruto, as declarações que conflitavam com a maioria das declarações foram cortadas do episódio editado, existindo apenas no material bruto.

Para Charaudeau (2013, p.49) “o efeito de verdade não existe fora de um dispositivo enunciativo de influência psicossocial, no qual cada um dos parceiros da troca verbal tenta fazer com que o outro dê sua adesão ao seu universo de pensamento e de verdade”.

Conforme Barros (1997, p. 54) o sujeito da enunciação utiliza meios de persuasão “para convencer o enunciatário da verdade de seu texto”. Ao projetar seu discurso, o sujeito faz escolhas visando produzir efeitos de sentido e para isso, utiliza mecanismos discursivos. Desta forma, busca persuadir o enunciatário, criando assim, uma “ilusão de verdade” (BARROS, 1997, p. 55)

Construção narrativaO nível narrativo é um dos mais desenvolvidos do percurso gerativo de

sentido. No nível narrativo, concretizado no nível discursivo, ocorre o contrato entre enunciador e enunciatário, em que acontece o fazer persuasivo.

A sintaxe narrativa temos um simulacro do fazer do homem. Sendo as duas formas definidas pela função de junção e transformação, o enunciado de estado e de fazer. Na sequência narrativa clássica, os actantes destinador-manipulador persuade o destinatário-sujeito a executar uma ação, por meio de manipulação, que pode ocorrer por tentação, sedução, provocação ou intimidação, que manipulado (possuindo um querer e/ou um dever fazer), o sujeito precisa obter uma competência (um poder e/ou um saber fazer) para realizar a performance (a transformação), que será sancionada por um destinador-julgador. A sanção ocorre em dois níveis: o cognitivo (reconhecimento da performance bem

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ou malsucedida) e o pragmático (recompensa ou punição). Já a semântica narrativa, estuda as modalidades: querer, dever, poder e saber fazer ou ser. Essas modalidades incidem sobre o sujeito do fazer (que realiza a transformação) e sobre o sujeito do estado (que entra em conjunção ou em disjunção com um dado objeto-valor), podendo ser sincretizados em um mesmo ator no nível do discursivo.

Como o objeto de analise não se trata de uma narrativa clássica ou canônica, sendo uma série de entrevistas entrecortadas (no editado) e sequenciais (no bruto), utilizamos como referência as perguntas palavras-chave usadas na abordagem das entrevistadas que criam uma simulação de narrativa, sendo mais evidente na versão editada do episódio.

Para elaborar essa minimização das duas narrativas – a do episódio bruto e do editado – elaborou-se um quadro para reduzir as falas de cada uma das participantes em categorias semânticas mínimas das respostas à cada pergunta, buscando assim as categorias semânticas que estão na base da construção narrativa de cada um deles.

Lívia Marcela 1 Marcela 2 Fátima Natália SabrinaSobre o

manifesto- - Estupro em

universidadeMedo e assédio

- -

Cultura do estupro,

machismo, misoginia,

cultura patriarcal

Poder (sobre a mulher)

Mercantilização (da mulher)

Medo constante

(da mulher)

- Cultura enraizada

-

O que fazer? - Ocupação e companheirismo

- Movimentação coletiva que

choque

Não conivência

com machismo

Por que o feminismo

existe?

(Busca) igualdade

social

(Combate) desigualdade

- - Combate a educação

sexista

-

Quadro 1: Categorias observadas no episódio final editado.Fonte: Elaborado pelos autores.

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Podemos observar um direcionamento narrativo nas questões usadas como fio condutor das entrevistas. Logo após a apresentação das entrevistadas, ela fala “sobre o manifesto” que contextualiza a narrativa. “Cultura do estupro, machismo, misoginia, cultura patriarcal” são as questões que estabelecem o conflito, e usadas pelo enunciador-manipulador como formas de adesão ao seu discurso, por meio da provocação com os dados incômodos ou alarmantes sobre a violência no Brasil, e as situações de disjunção com um estado de conforto ou tranquilidade, ameaçados pelo medo constante.

“Por que o feminismo existe?” propõe a colocar o feminismo como o elemento de mudança que promete reverter o conflito estabelecido. A partir das explicações de como o Feminismo ajudou e ajuda no combate aos problemas citados na pergunta anterior, propõe-se o feminismo como ao saber e o poder fazer como competência para a transformação dessa realidade, que é representada na resposta à pergunta “O que fazer”, onde se propõe uma ação, direcionando para a resolução do conflito estabelecido na fala de cada uma. Essa transformação se dá na performance, prometendo uma mudança do estado

Lívia Marcela 1 Marcela 2 Fátima Natália SabrinaSobre o

manifestoMedo

(constante)Mobilização e

sororidadeFalta

(legislação em universidade)

União (das mulheres)

e educação

Estupro (em encontro

universitário)

estupros

Cultura do estupro,

machismo, misoginia,

cultura patriarcal

- Vivência (feminina)

Falta (justiça para mulheres)

- Hiperssexualização da Mulher negra,

medo

medo

O que fazer? Solidariedade e diversidade

(mulheres negras)

Autoafirmação (contra

violência)

- - Políticas públicas e educação

Alcançar (os homens)

Por que o feminismo

existe?

Busca igualdade no mercado de

trabalho

Igualdade e diversidade

Fortalecimento e não

silenciamento

- Igualdade no mercado de

trabalho

Sem auto culpabilização

Quadro 2: Categorias observadas no bruto não utilizado. Fonte: Elaborado pelos autores

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para junção com o que se busca que seria igualdade entre os gêneros, fim do medo e das condições injustas para as mulheres.

Nas respostas sobre o manifesto, podemos observar na finalização, um tom positivo, falando da importância da união das mulheres, a luta contra as condições negativas descritas em “Cultura do estupro, machismo, misoginia, cultura patriarcal” destacando que o manifesto é uma forma de empoderamento e uma vitória para as mulheres, sendo que o manifesto em si, coloca-se como a sanção, de certa forma, positiva, uma vez que espera obter impacto positivo sobre as pautas reivindicadas, ou seja, como reconhecimento do esforço na mudança de estado do sujeito manipulado, o destinatário.

Podemos criar um paralelo entre as falas, conforme as questões e a sequência narrativa dos programas narrativos: manipulação, competência, performance e sanção.

Cultura do estupro, machismo, misoginia, cultura patriarcal ManipulaçãoO que é feminismo CompetênciaO que fazer PerformanceSobre Manifestação Sanção

Podemos, desta forma, organizar duas narrativas a partir da definição das categorias semânticas dos discursos, a do episódio final editado e a do bruto cortado:

Narrativa do episódio final editado: Como elementos da manipulação: Poder (sobre a mulher), mercantilização e medo constante (da mulher) de forma enraizada. Competência: feminismo como solução para os problemas apresentados como educação sexista e a busca pela igualdade (social). Performance: a movimentação e ocupação coletiva que choque, companheirismo e não conivência com machismo. Sansão: manifesto contra o estupro em universidade, o medo e o assédio.

Resumo: medo e desvalorização feminina > busca da igualdade social > movimentação e companheirismo > manifesto contra o medo, assédio.

Narrativa do bruto não utilizado: Como elementos da manipulação: o medo, a falta de justiça e como isso é vivência prática das mulheres e a mulher negra hiperssexualizada. Competência: feminismo como solução para os problemas na busca por igualdade no mercado de trabalho, não silenciamento, fortalecimento e diversidade. Performance: solidariedade e diversidade, atenção a mulher negra, promoção da autoafirmação contra violência, alcançar os homens, educação e políticas públicas. Sansão: manifesto contra estupro e

Quadro 3: Relação das respostas com o Programa Narrativo. Fonte: Elaborado pelos autores

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falta de legislação em ambiente acadêmico, medo constante, necessidade de mobilização, sororidade (companheirismo) e educação

Resumo: medo e falta de justiça > busca da igualdade financeira > diversidade e políticas públicas > união, mobilização, sororidade.

Podemos perceber que as estruturas se mantêm, mas as categorias semânticas não são as mesmas, sendo que na manipulação que ocorre por provocação, contém uma mesma categoria que se repete: medo, mas junta de outra que promove um percurso diferente em ambos os casos.

Para a narrativa editada temos a desvalorização da mulher e como competência necessária para a mudança, a igualdade social, portanto, essa desvalorização parece ser social. Já no material bruto, temos a falta de justiça, que tem uma conotação mais institucional, e como competência necessária para a mudança, a igualdade financeira. No primeiro caso, temos uma categoria ampla e com menos definição: social, enquanto no segundo, uma categoria mais bem definida: igualdade financeira.

Ambas, se distanciam mais na performance, que no episódio editado, propõe movimentação e companheirismo, remetendo diretamente ao manifesto e a união feminina, mantendo a solução do problema com as mulheres, inclusive as expectadoras-destinatárias, permitindo percepção de uma certa homogenia dentro do movimento feminista e uma possível eficácia das ações práticas. O material bruto, por outro lado, propõe a diversidade e políticas públicas, ampliando a dimensão institucional do problema e, portanto, solução, direcionando ao poder público parte da responsabilidade da solução dos problemas propostos. Ao contrário do primeira, esta versão permite perceber a diversidade no movimento feminista quando cita a necessidade de inclusão do homem e a atenção às pautas relacionadas à mulher negra.

Percebemos, portanto, que o lugar em que a narrativa construída começa e o lugar onde termina, são próximos. Porém, o percurso narrativo, embora tenha a mesma estrutura, até mesmo pelo direcionamento das perguntas, possui trajetos que passam por categorias semânticas diferentes que indicam possíveis orientações ideológicas da produção do programa, marcadas na edição, e as posições das mulheres, que aparecem apenas no material bruto, portanto, negadas na edição.

Nível fundamental ou profundoO nível fundamental é o mais abstrato e profundo, de natureza lógico-

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conceitual, onde estão estruturas elementares da significação. Precisa-se considerar as categorias semântica e fórica da base do discurso, sendo que a projeção da categoria fórica acontece do ponto de vista de um sujeito. As estruturas elementares de significação são representadas no quadrado semiótico, a ferramenta fundamental do percurso de geração de sentido, devendo ser entendido como uma representação visual da articulação lógica de uma categoria semântica, se organizando a partir de uma oposição, conforme Greimas e Courtés (1979).

Podemos perceber como categorias mais fortes e que se repetem no início, o medo, e no final, a mobilização (manifesto). De um lado o medo, paralisante, que causa o recolhimento ao espaço individual e restrito, acuado, faz evitar de circular em certos espaços em certos momentos, e do outro lado, a mobilização, movimentação que prevê a coletividade, expansividade, prevê a ação afirmativa, manifestante e de ocupação dos espaços.

Portanto, chegamos às categorias semânticas contrárias, que fundam o discurso de ambas as construções discursivas (do material editado e do material bruto) de medo como valor disfórico e bravura como valor eufórico.

A aplicação do quadrado semiótico nos permite aferir que tanto no discurso do episódio editado quanto no material bruto, apesar de possuírem percursos narrativos e discursivo divergentes, a existência de uma

Figura 1: Quadrado Semiótico.Fonte: Adaptado pelos autores.

Figura 2: Quadrado semiótico om a relação das categorias semânticasFonte: adaptado pelos autores

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fundamentação no objetivo de fazer expor (fazer saber) uma situação negativa: de medo e insegurança, e incitar a participação (fazer fazer) do enunciatário na movimentação e união das mulheres em mobilização coletiva, propondo a passagem da situação disfórica para a situação eufórica, na versão editada, pelo feminismo ativista e pela luta contra o capitalismo, enunciado explícito na fala de duas entrevistadas, enquanto que no episódio bruto, também passa pelo feminismo ativista, mas inclui a passagem pelo estudo, pelas políticas públicas e pela inclusão da diversidade.

Possíveis relações interdiscursivas a partir das categorias semânticas opostas

Considerando as categorias semânticas fundamentais, o nível narrativo e dos discursos, podemos perceber possíveis alinhamentos interdiscursivos com discursos de diferentes vertentes feministas.

Para Maingueneau (2008) o discurso ganha sentido quando relacionado com outros discursos. O primado do interdiscurso, definido pelo autor, considera que um discurso não existe sozinho, mas dialoga com outros discursos. Definido como um conjunto de discursos que se relacionam discursivamente, o interdiscurso relaciona-se à memória coletiva, espaço em que acontece o funcionamento do discurso em que estão inscritos os sujeitos.

Podemos identificar outras categorias semânticas em evidência no material editado, mas que possui em evidência uma categoria oposta, indicando intenções na seleção do discurso. Entre eles, podemos destacar:

Igualdade (editado) X diversidade (bruto): Na versão editada, observamos os valores de companheirismo, união, igualdade social, movimentação coletiva. No material bruto temos a inclusão da pauta da mulher negra, alcance do homens e explicitação da diversidade. Podendo haver, no episódio editado, a sugestão de um feminismo mais alinhado com o feminismo da igualdade que busca igualdade de direitos entre homens e mulheres, relacionado com a segunda onda do feminismo, e no material bruto, há um alinhamento com a terceira onda do feminismo, mais diversificado e fragmentado.

Combate ao capitalismo (editado) X adaptação ao capitalismo (bruto): Enquanto há a explicitação do capitalismo como fonte dos problemas vividos pelas mulheres na versão editada, incluindo axiomas modalizantes como “mercantilização”, enquanto que enunciados que tratam da inserção no mercado de trabalho e propõem autonomia financeira ficaram no material bruto. A enunciação do episódio editado se relaciona mais ao Feminismo Socialista, enquanto o Bruto se relaciona às ideias do Feminismo Liberal.

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Mulher (editado) X homem (bruto): Todo o discurso construído na versão editada diz respeito somente às mulheres: Uma luta das mulheres, com assuntos das mulheres e para as mulheres. A versão bruta possui enunciados que incluem ampla participação social, incluindo o interesse em atingir os homens, explícita em duas enunciações diferentes. Considerando o próprio teor do discurso do episódio editado, mais voltado para as ações ativistas, enquanto o material bruto possui mensagens sobre autoconhecimento, ponderação e estudos, podemos relacionar o Episódio editado com o Feminismo Radical, enquanto o discurso do material bruto relacionasse com o Feminismo Liberal.

Conforme Orlandi (2000, p.46) as condições de produção do discurso determinam não o sentido em si, mas as posições ideológicas do que vai chamar de jogo discursivo, em um sentido amplo, inclui o contexto sócio-histórico, ideológico.

Considerações FinaisNeste trabalho não se buscou aprofundar nos discursos feministas,

mas estabelecer o percurso de geração de sentido do episódio, encontrando oposições ideológicas entre as escolhas de edição do episódio finalizado e do material bruto correspondente.

Foi possível perceber que o percurso de geração de sentido é um aparato teórico amplamente desenvolvido que possibilita uma análise profunda do objeto, e se aplica de forma valorosa a produtos televisivos, como o programa apresentado.

Em conjunto com as premissas da Análise do Discursiva possibilitou encontrar no percurso de geração de sentido, as bases semânticas e estratégias narrativas que definem os processos de efeito de verdade e adesão ao discurso colocado.

Podemos perceber a necessidade de se verificar o tendenciosismo nos discursos da mídia e entender suas afiliações. O programa analisado aponta uma direção voltada para uma visão anticapitalista e pró-socialismo, embora outros discursos tenham aparecido no material bruto, que são mais urgentes e alinhados às atuais demandas sociais, mas foram cortados na edição.

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como citar este artigoMAIA, Marcos; DAVID-SILVA, Giani. A edição do Programa Mulhere-se da Rede Minas: Uma abordagem de análise semiótica e discursiva. Semeiosis: semiótica e transdisciplinaridade em revista. [suporte eletrônico] Disponível em: <http://www.semeiosis.com.br/?p=2472>. Acesso em dia/mês/ano.

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