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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CAMPUS PROF. ALBERTO CARVALHO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS PROFISSIONAL EM REDE UNIDADE DE ITABAIANA JOSILDA BORGES MOURA A INTERTEXTUALIDADE, O GÊNERO LENDA E A PRODUÇÃO DE TEXTO NO ENSINO FUNDAMENTAL ITABAIANA 2015

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

CAMPUS PROF. ALBERTO CARVALHO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS PROFISSIONAL EM REDE

UNIDADE DE ITABAIANA

JOSILDA BORGES MOURA

A INTERTEXTUALIDADE, O GÊNERO LENDA E A PRODUÇÃO DE TEXTO NO

ENSINO FUNDAMENTAL

ITABAIANA

2015

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JOSILDA BORGES MOURA

A INTERTEXTUALIDADE, O GÊNERO LENDA E A PRODUÇÃO DE TEXTO NO

ENSINO FUNDAMENTAL

Trabalho de Conclusão Final (TCF) apresentado ao

Programa de Pós-Graduação em Letras Profissional em

Rede (PROFLETRAS), Unidade de Itabaiana,

Universidade Federal de Sergipe, como requisito para

obtenção do título de Mestre em Letras.

Orientador: Prof. Dr. José Ricardo Carvalho da Silva.

ITABAIANA

2015

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA PROFESSOR ALBERTO CARVALHO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

M929i

Moura, Josilda Borges A intertextualidade, o gênero lenda e a produção de texto no ensino fundamental / Josilda Borges Moura; orientador José Ricardo Carvalho da Silva. – Itabaiana, 2015.

103 f.

Dissertação (Mestrado em Letras)– Universidade Federal de Sergipe, 2015.

1. Gênero textual. 2. Lenda. 3. Interxtualidade. 4. Produção textual- ensino fundamental. I. Silva, José Ricardo Carvalho da, orient. II. Título.

CDU 82-1/-9

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JOSILDA BORGES MOURA

A INTERTEXTUALIDADE, O GÊNERO LENDA E A PRODUÇÃO DE TEXTO NO

ENSINO FUNDAMENTAL

Trabalho de Conclusão Final (TCF) apresentado ao

Programa de Pós-Graduação em Letras Profissional em

Rede (PROFLETRAS), Unidade de Itabaiana,

Universidade Federal de Sergipe, como requisito para

obtenção do título de Mestre em Letras.

Aprovado em 13 de agosto de 2015.

BANCA EXAMINADORA

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À minha mãe, Joselina da Silva Borges (in

memorian), que sempre abdicou dos seus sonhos

para que eu pudesse realizar os meus, e sempre

esteve ao meu lado, ajudando-me a superar os

momentos difíceis por que passei.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, autor da minha vida, que me renova e me fortalece a cada novo dia.

À minha família, pelo amor incondicional, apoio necessário e incentivo constante.

À minha amiga irmã, Aurora Mota de Carvalho, pelas infindáveis discussões acerca

da temática do trabalho.

Aos meus amigos, incentivadores na dura caminhada.

Ao professor Dr. José Ricardo Carvalho, meu orientador, pela sugestão do tema, por

seu empenho, dedicação, profissionalismo e competência com que direcionou os

encaminhamentos da pesquisa, e pelas inúmeras revisões, fatores essenciais na

construção deste trabalho.

Aos colegas profletrinhas (como carinhosamente nos tratamos), pelo convívio e pelo

conhecimento partilhado.

Aos professores do curso, pelas contribuições à minha formação.

Ao professor Dr. Carlos Magno, homem de Deus, por acreditar que a educação

pública de qualidade é um sonho possível, e que nós professores somos agentes de

transformação.

À CAPES, pelo apoio financeiro.

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Minha liberdade é escrever.

A palavra é o meu domínio sobre o mundo.

Clarice Lispector

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RESUMO

Este trabalho apresenta uma discussão sobre a intertextualidade e sua importância para a

leitura, a compreensão e a produção de textos. Tem como objetivos analisar a

intertextualidade como recurso expressivo para a construção de sentidos de um texto e para a

produção textual no ensino fundamental, tendo como enfoque o diálogo que o gênero lenda

estabelece com outros gêneros textuais e, a partir desta análise, elaborar uma proposta

pedagógica para ser trabalhada em sala de aula. Para alcançar os objetivos propostos, buscou-

se responder as seguintes questões: de que forma a intertextualidade pode contribuir para o

aprimoramento da leitura e escrita dos discentes do ensino fundamental? Como o professor de

Língua Portuguesa pode colaborar para que os estudantes do ensino fundamental

desenvolvam a capacidade de ler e escrever com competência? Quais atividades didáticas

poderão ser aplicadas e quais conhecimentos deverão ser ativados para esse fim? A busca

pelas respostas a essas questões conduziram-nos a uma pesquisa bibliográfica sobre a

temática em estudo, destacando alguns referenciais teóricos, dentre eles Koch et al. (2012)

sobre intertextualidade; Marcuschi (2008) sobre gênero textual, Cascudo (1984) sobre lenda e

Schneuwly e Dolz (2004) sobre sequência didática, além de outros autores. Com base nestes

pressupostos teóricos foram realizadas algumas análises interpretativas em textos verbais e

não verbais, visando identificar a presença da intertextualidade, e como este recurso foi

utilizado por seus produtores no processo de criação e construção de sentido. Como produto

destas análises, algumas atividades de leitura e produção de texto foram cuidadosamente

preparadas e organizadas, em uma sequência didática, como sugestão de proposta pedagógica,

direcionada para professores de Língua Portuguesa do 6º ano do ensino fundamental,

pretendendo-se, desta forma, contribuir para a melhoria da qualidade do ensino da produção

textual nas aulas de Língua Portuguesa e Redação.

Palavras-chave: Ensino, Gênero lenda, Intertextualidade, Produção textual.

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ABSTRACT

This academic work shows a discussion about the intertextuality and its importance in the text

reading, understanding and producing. It purposes analyze the intertextuality as an expressive

resource to build text meanings and to the text producing in the Elementary School, focusing

the dialogue between the legend genre and another text genres and, thenceforth, elaborate a

pedagogic proposal to be worked in the class. To achieve the proposed objectives, it was

necessary to answer the following questions: How the intertextuality can contribute to the

reading and writing improvement of the elementary students? How the portuguese teacher can

help the elementary students to upgrade their reading and writing skills successfully? Which

didactic activities can be applied and which knowledge can be used for this purpose? The

search for the answers to these questions took us to a bibliographic research about the subject

that has been studying, highlighting some theoretical references, among them, Koch et al.

(2012) about intertextuality; Marcuschi (2008) about textual genre; Cascudo (1984) about

legend and Schneuwly and Dolz (2004) about didactic sequence, and another authors. Based

on these theoretical assumptions, some interpretative analyses were done in some verbal and

nonverbal texts, trying to recognize the presence of the intertextuality and how this resource

was used by its producers at the creative and sense building process. As a product of these

analyses, some reading and text production activities were carefully prepared and organized in

a didactic sequence as a pedagogical proposal directed to portuguese teachers in the 6th year

of elementary school. Then, it is intended to contribute to improving the quality of education

of textual production in the classroom.

Keywords: Education, Gender legend, Intertextuality, Text production.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - O Curupira – Lenda Amazônica (Manoel Santiago) ............................................... 27

Figura 2 - Paráfrase, paródia e estilização ................................................................................ 34

Figura 3 - Charge ...................................................................................................................... 35

Figura 4 - Chapa 2 .................................................................................................................... 41

Figura 5 - Cena do vídeo “Lenda ou verdade?” ....................................................................... 43

Figura 6: - Intertextualidade tipológica .................................................................................... 47

Figura 7 - Esquema da sequência didática................................................................................ 52

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Distinções entre tipos textuais e gêneros textuais .................................................. 16

Quadro 2 - Características dos gêneros advindos das narrativas populares ............................. 21

Quadro 3 - O estilo de Clarice Lispector em “Como nasceram as estrelas” e “De quem eu

tenho medo” .............................................................................................................................. 30

Quadro 4 - Distinções entre paráfrase e paródia....................................................................... 34

Quadro 5 - Comparação entre o texto “Diz a lenda” e o texto “Evidências sobre a existência

de sereias são divulgadas em vídeo” ........................................................................................ 44

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12

2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ...................................................................................... 15

2.1 GÊNEROS TEXTUAIS ................................................................................................. 15

2.1.1 Gêneros textuais e a produção de texto .................................................................... 17

2.2 GÊNERO LENDA .......................................................................................................... 19

2.3 TEXTO E INTERTEXTUALIDADE ............................................................................ 23

2.3.1 Intertextualidade strictu sensu .................................................................................. 25

2.3.1.1 A intertextualidade temática .............................................................................. 25

2.3.1.2 A intertextualidade estilística ............................................................................ 28

2.3.1.3 A intertextualidade explícita .............................................................................. 31

2.3.1.4 A intertextualidade implícita ............................................................................. 33

2.3.2 Intertextualidade latu sensu ...................................................................................... 41

2.3.2.1 A Intertextualidade intergêneros ou intergenericidade ...................................... 42

2.3.2.2 A Intertextualidade tipológica ........................................................................... 45

2.3.3 A intertextualidade e o ensino da produção textual ................................................. 48

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 50

3.1 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA .......................................................................................... 51

3.2 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

PEDAGÓGICA ................................................................................................................... 53

3.3 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA: APLICAÇÃO E RESULTADOS .................................. 76

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 98

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 100

ANEXOS ............................................................................................................................... 103

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1 INTRODUÇÃO

A produção textual constitui-se em uma atividade bastante complexa, pois requer que

o produtor, além de atender exigências, necessidades e propósitos do contexto de produção,

tenha a capacidade de, ao elaborar textos, realizar “ações e projeções” de caráter textual,

discursiva e cognitiva. Diante dessa complexidade que é o trabalho de elaboração de textos,

muitos alunos não conseguem adquirir as habilidades e as competências necessárias para

estabelecer uma leitura crítica e produzir textos de qualidade.

A experiência tem mostrado que, no âmbito escolar, o ensino da produção textual tem

acontecido de forma descontextualizada, sem planejamento e sem discussão prévia sobre o

tema a ser trabalhado. Isto dificulta muito a elaboração dos textos, tendo em vista que o

discente precisa conhecer o assunto, ativar os seus conhecimentos guardados na memória,

relacioná-los ao contexto histórico e social e elencar seus argumentos para posicionar-se

diante do tema.

Para isso, faz-se necessário que o professor crie situações de interação entre o sujeito e

o objeto de estudo; em outras palavras, é necessário propiciar aos alunos momentos de leitura

e discussão sobre a temática abordada, possibilitando a construção oral dos textos que serão

posteriormente escritos. Sabemos que esta tarefa muitas vezes não é realizada por conta da

concepção de linguagem e do encaminhamento teórico-metodológico que sustentam as

práticas de leitura e produção de texto na sala de aula.

A escola, portanto, precisa rever suas ações pedagógicas voltadas para a leitura e a

escrita, tendo em vista que é seu o papel de garantir aos estudantes os conhecimentos básicos

para que se tornem escritores e leitores competentes e atuantes nas diversas situações

comunicativas. Deve, portanto, propiciar aos estudantes o contato com variados textos, dos

diversos gêneros textuais, para que eles aprendam a escrever adequadamente, já que a

interação texto-leitor/leitor-texto, tornando-se uma prática rotineira, permitirá a absorção dos

conteúdos e das técnicas de produção de texto.

Diante do exposto, verifica-se que os alunos do ensino fundamental, na sua maioria,

não conseguem expressar-se através da escrita ou, quando o faz, apresenta sérias dificuldades.

Escrever exige do escritor uma série de conhecimentos, tais como conhecimentos linguísticos,

enciclopédicos, de textos e conhecimentos interacionais. O fato de o aluno apresentar

dificuldades para realizar essa atividade revela que existe um déficit na sua aprendizagem, o

qual precisa ser revisto, repensado, analisado cuidadosamente para se descobrir uma forma de

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reverter a situação porque os estudantes precisam superar suas limitações e vencer o desafio

de desenvolver a capacidade de ler e escrever com propriedade, sobre temas vinculados a

gêneros diversos, sobretudo ao gênero ficcional lenda.

Partindo do pressuposto de que os textos literários estimulam o movimento da

intertextualidade, o gênero lenda, em especial, por se configurar como uma narrativa da

tradição oral, possibilita que as histórias sejam recontadas por vários narradores, cada um

apresentando uma versão diferente, o que permite perceber uma presença maior de interação

intertextual entre as variadas reescritas.

Portanto, a intertextualidade, forte elemento presente no gênero lenda, pode ajudar os

estudantes na construção de sentidos e na compreensão dos textos, e a escola deve privilegiá-

la, uma vez que favorece a ativação dos conhecimentos dos discentes, adquiridos através de

textos já lidos, e que talvez nem tenham essa noção. A percepção de que um texto nasce de

outro contribui para que aprendam a estabelecer relações entre dois ou mais textos, criando

estratégias para escrever seus próprios textos de forma mais eficiente e eficaz. Nessa

perspectiva, visando contribuir para a temática do enfoque desta pesquisa, o presente estudo

tem como objeto a intertextualidade e sua importância para a leitura, a compreensão e a

produção de textos no ensino fundamental, ressaltando o diálogo que o gênero lenda mantém

com outros gêneros textuais.

Diante deste grande desafio, pretendemos responder às seguintes questões: de que

forma a intertextualidade no gênero lenda pode contribuir para o aprimoramento da leitura e

escrita dos discentes do ensino fundamental? Como o professor de Língua Portuguesa pode

colaborar para que os estudantes do ensino fundamental desenvolvam a capacidade de ler e

escrever com competência? Quais atividades didáticas poderão ser aplicadas e quais

conhecimentos deverão ser ativados para esse fim?

Este estudo tem como objetivos analisar a intertextualidade como recurso expressivo

para a construção de sentidos de um texto e para a produção textual no ensino fundamental,

tendo como enfoque o diálogo que o gênero lenda estabelece com outros gêneros textuais e, a

partir desta análise, elaborar uma proposta pedagógica para ser trabalhada em sala de aula, no

intuito de fomentar e subsidiar o aprendizado e a prática de produção de texto a partir da

ferramenta da intertextualidade. Os objetivos específicos são identificar e entender o uso da

intertextualidade no processo de leitura e escrita; compreender os gêneros textuais,

destacando o gênero lenda; perceber a importância da intertextualidade para a compreensão e

elaboração de textos; instigar a produção de textos orais e escritos.

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A motivação para escolha deste tema está nas minhas vivências e experiências como

docente no ensino fundamental, as quais me fizeram perceber que os alunos muitas vezes se

sentem incapazes de produzir um texto coerente, lógico e com significado, pelo fato de não

possuírem conhecimento adequado acerca dos temas elegíveis para a produção textual,

sugerindo que estão carentes no processo de leitura, interpretação e elaboração de textos por

desconhecerem a ferramenta intertextualidade, necessária a este processo.

A justificativa pela escolha deste tema está na importância da intertextualidade como

ferramenta para a leitura e produção de texto no ensino fundamental, podendo ajudar os

alunos a perceber que o processo de produção de sentido de um texto está vinculado ao

movimento de interação com outros textos, no qual se pressupõe o desenvolvimento da

dinâmica da intertextualidade. Quanto ao gênero lenda, o elegemos porque resgata, através da

tradição oral, fatos importantes da cultura brasileira e por se tratar de uma narrativa fantástica,

a qual atrai a atenção dos alunos da faixa etária 12 - 13 anos, público que se pretende alcançar

com as sugestões didáticas que fazem parte do escopo do trabalho.

Vale ainda ressaltar que a reflexão sobre o referido tema pode reverter a forma como

se tem praticado o ensino da produção textual; por isso a necessidade de se pensar e propor

ações que venham colaborar com o processo educacional dos discentes, possibilitando e

ampliando a participação destes numa sociedade letrada. E aí reside a relevância deste estudo.

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2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

Vivemos em uma sociedade em que predominam diversas formas de comunicação; no

entanto, o domínio da escrita é fundamentalmente importante tendo em vista que o indivíduo,

por meio da língua escrita, realiza uma série de ações essenciais para a sua vida cotidiana.

Porém, o que se apresenta como fato em nossos dias, é que os estudantes do ensino

fundamental II não possuem esse domínio, confirmando o que diz Marcuschi (2008, p. 53)

quando coloca que “os textos escolares, sobretudo nas primeiras séries, padecem de

problemas de organização linguística e informacional”. Isto tem desencadeado um problema

seriíssimo, que é o baixo rendimento escolar. Além disto, o indivíduo perde no que diz

respeito à sua inserção social, tendo em vista que a escrita constitui-se em recurso presente na

maioria das interações sociais.

Marcuschi (2008) esclarece que existe uma linha de pensamento na qual a escola deve

privilegiar o ensino da modalidade escrita, porém a fala não deve ser ignorada, uma vez que a

escrita reproduz, a seu modo e com regras próprias, o processo interacional da conversação,

da narrativa oral e do monólogo.

Portanto, a escola deve buscar estratégias de ensino da língua escrita contemplando o

ensino da produção textual, visto que os cidadãos precisam escrever para agir, interagir e

intervir na sociedade em que estão inseridos, sem, todavia desprezar a modalidade oral, pois

os textos escritos primeiramente são construídos na oralidade.

2.1 GÊNEROS TEXTUAIS

Marcuschi (2002) define gêneros como fenômenos históricos profundamente

vinculados à vida cultural e social. Isto significa dizer que o gênero tem sua gênese nas

situações comunicativas historicamente construídas nas interações sociais e culturais. Outra

questão que o referido autor chama atenção é que, mesmo tendo alto poder preditivo, os

gêneros não são enrijecedores da ação criativa; são maleáveis, dinâmicos e plásticos. Com isto

entende-se que os gêneros vão se multiplicando e se modificando ao longo do tempo e isto é

percebido em seu percurso histórico.

Tudo começou a partir da oralidade, com um número bem limitado. Depois do

desenvolvimento da escrita alfabética esse número foi se multiplicando; com a versão

impressa se ampliou ainda mais, chegando ao ápice com o desenvolvimento das novas

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tecnologias, em especial a internet. “Os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se

funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem” (MARCUSCHI, 2002. p. 20). E por

isso, definir gêneros textuais é uma tarefa difícil, pois se constituem segundo a funcionalidade

nas práticas sociodiscursivas.

Como dito anteriormente, as novas tecnologias contribuíram para o surgimento de

novos gêneros; a intensidade de uso dessas tecnologias e a interferência destas nas situações

diárias de comunicação originaram os novos gêneros textuais, novas formas discursivas. Vale

dizer que esses novos gêneros textuais na verdade não são tão novos assim, tendo em vista

que são reformulações de gêneros já existentes, ou seja, são inovadores, porém têm suas bases

em gêneros firmados, convencionalmente estabelecidos. Bakhtin1 (1997 apud MARCUSCHI,

2002, p. 20) fala da “transmutação dos gêneros” ou da “assimilação de um gênero por outro.”

Logo, as inovações surgidas nas últimas décadas estão ancoradas em gêneros firmados

historicamente.

Marcuschi (2002) também apresenta uma clara distinção sobre tipos textuais e gêneros

textuais. Para ele, tipo textual designa construções teóricas, cujas composições são definidas

levando-se em conta aspectos linguísticos. Quanto ao gênero textual, refere-se aos textos

materializados e o que vai defini-lo são as características sociocomunicativas: conteúdos,

funcionalidade, estilo e composição característica. Dessa forma, um gênero textual pode

conter vários tipos textuais ou sequências tipológicas.

O quadro a seguir apresenta uma síntese da noção de tipo textual e gênero textual:

Quadro 1 - Distinções entre tipos textuais e gêneros textuais

(Continua)

Tipos Textuais Gêneros Textuais

1. Constructos teóricos definidos por

propriedades linguísticas intrínsecas;

1. Realizações linguísticas concretas definidas por

propriedades sócio-comunicativas;

2. Constituem sequências linguísticas ou

sequências de enunciados e não são textos

empíricos;

2. Constituem textos empiricamente realizados

cumprindo funções em situações comunicativas;

3. Sua nomeação abrange um número limitado de

categorias teóricas determinadas por aspectos

lexicais sintáticos, relações lógicas, tempo

verbais;

3. Sua nomeação abrange um conjunto aberto e

praticamente ilimitado de designações concretas

determinadas pelo canal, estilo, conteúdo,

composição e função;

1 BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski (1929). 2. ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 1997. 276p.

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(Continuação)

Tipos Textuais Gêneros Textuais

4. Designações teóricas dos tipos: narração,

argumentação, descrição, injunção e exposição.

4. Exemplos de gêneros: telefonema, sermão,

carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete,

aula expositiva, reunião de condomínio,

horóscopo, receita culinária, bula de remédio,

lista de compras, cardápio, instruções de uso,

outdoor, inquérito policial, resenha, edital de

concurso, piada, conversação espontânea,

conferência, carta-eletrônica, bate-papo virtual,

aulas virtuais etc. Fonte: Marcuschi, 2002, p. 22.

Marcuschi (2002) traz ainda a noção de domínio discursivo. Esta expressão é usada

para nomear uma área discursiva relacionada a uma atividade humana; não é um texto nem

um discurso, mas dá origem a estes. Partindo destas concepções e daquela de que a produção

textual é ensinável, ressaltamos a importância do ensino do gênero textual na escola,

conforme já enunciado, através de sequência didática, a qual se mostra como estratégia

metodológica muito eficiente no ensino do gênero em sala de aula.

2.1.1 Gêneros textuais e a produção de texto

A atividade de produção textual, na escola, tem se apresentado como um desafio, pois

grande parte dos professores não a concebe como uma tarefa importante e essencial para o

pleno desenvolvimento de competências relacionadas à leitura e à escrita. O que se tem feito

são exercícios de interpretação, que muitas vezes se resumem em perguntas e respostas sobre

um determinado texto, ou redações com temas isolados, descontextualizados e sem nenhuma

discussão prévia, privilegiando a modalidade escrita, esquecendo-se de que “desenvolver um

texto escrito é fazer às vezes do falante e do ouvinte simuladamente” (MARCUSCHI, 2008,

p. 53).

Entretanto, o foco da escola é ou deveria ser a comunicação, dando espaço para os

gêneros orais e escritos, já que não é possível se pensar em comunicação se não for através de

gêneros textuais, os quais se configuram como práticas constituídas socialmente,

representadas concretamente em textos. A esse respeito, Schneuwly e Dolz (2004, p. 75)

afirmam que a escola, ao desempenhar a função de ensinar a ler, escrever e falar, sempre

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trabalhou com os gêneros, pois toda forma de comunicação, inclusive aquela centrada na

aprendizagem, cristaliza-se em forma de linguagem específica.

O que falta, portanto, é a sistematização de um trabalho escolar voltado para os

gêneros textuais, expondo aos alunos os mais variados textos, o que pode ser feito utilizando-

se a sequência didática, conforme proposto pelos referidos autores e como detalharemos mais

adiante. Sobre os conceitos de oralidade, fala e escrita, é importante ressaltar que

[...] oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos que se

apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela

vai desde uma realização mais informal a mais formal, nos mais variados contextos

de uso. [...] a fala seria uma forma de produção textual-discursiva para fins

comunicativos na modalidade oral, sem a necessidade de uma tecnologia além do

aparato disponível pelo próprio ser humano. [...] A escrita seria um modelo de

produção textual-discursiva para fins comunicativos com certas especificidades

materiais e se caracteriza por sua constituição gráfica, embora envolva recursos de

ordem pictórica. [...] Trata-se de uma modalidade de uso da língua complementar à

fala (MARCUSCHI, 2008a, p. 25).

Vale salientar que tanto a fala como a escrita configuram-se como produções textuais

discursivas, relacionadas às práticas sociais comunicativas e são igualmente importantes.

Assim sendo, não se deve valorizar uma modalidade em detrimento de outra; ambas precisam

ser valorizadas no âmbito escolar, mais precisamente no espaço da sala de aula.

Pesquisas têm revelado, segundo Marcuschi (2010), que a partir da segunda metade

dos anos 90, o estudo dos gêneros textuais assumiu lugar expressivo na sala de aula. Nos dias

atuais, não se pode dissociar o estudo da língua do estudo dos gêneros e por isso é necessário

compreendê-los, considerando a relação destes com as práticas sociais. A esse respeito,

Marcuschi (2010, p. 76) afirma que

[...] os gêneros são vistos como dinâmicos e de expressiva plasticidade, são

constitutivos das práticas discursivas e sociais, exercem funções sociocognitivas no

contexto das relações humanas e não funcionam de forma independente nem

autônoma na produção de significação.

Sendo assim, entendemos que os gêneros estão presentes na vida das pessoas que, ao

se expressarem através da escrita ou da oralidade, estão fazendo uso de um gênero textual, o

qual se realiza e se manifesta de acordo com a intenção, a funcionalidade e a situação

comunicativa. Ele não se cristaliza; os gêneros são flexíveis e se modificam com o tempo;

constituem-se a partir das interações entre os sujeitos e as condições de produção.

De acordo como que foi exposto até aqui, podemos afirmar que o ensino da produção

textual deve pautar-se nos gêneros textuais, considerando a interação dos sujeitos com as

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práticas sociais e discursivas. Desta forma, “o ensino da produção textual com base em

gêneros disponibiliza as condições pedagógicas que podem levar o aluno a compreender

como participar de modo ativo e crítico das ações de uma comunidade” (MARCUSCHI,

2010, p. 78).

Portanto, as ações escolares voltadas para o ensino da produção textual não podem

perder de vista que o discente precisa preparar-se para atuar numa sociedade que dele requer

um bom domínio da leitura e da escrita. Logo, se faz necessário propor situações que possam

ser relacionadas às práticas sociais e discursivas, através dos gêneros textuais, uma vez que a

escola visa formar o cidadão para agir e interagir nas diversas esferas comunicativas.

2.2 GÊNERO LENDA

O termo lenda, segundo Coelho (1993), é originado da palavra latina legenda, légere,

que significa ler. Para esta autora, a lenda é uma narrativa que relata acontecimentos em que o

maravilhoso e o imaginário superam o histórico e o verdadeiro, sendo transmitida e

conservada pela tradição oral.

Para Weitzel (1995), o termo lenda era o nome dado para as narrativas lidas nos

refeitórios dos conventos, a respeito da vida dos santos e mártires. Almeida2 (1971 apud

WEITZEL, 1995, p. 30) enuncia que

A lenda é a mãe da História, ou melhor, é a ‘imaginação da História’, pois que esta,

em seus primórdios, nada mais foi do que uma sucessão de lendas passadas

oralmente de uma geração a outra, enriquecidas constantemente pela fantasia

popular.

Sendo a lenda fruto da imaginação popular, e sendo a mãe da História, evidencia que a

História, em sua gênese, também era uma narrativa popular transmitida oralmente de geração

em geração. Na concepção de Cascudo (1984a, p. 52):

A lenda é um elemento de fixação. Determina um valor local. Explica um hábito ou

uma romaria religiosa. Iguais em várias partes do Mundo, semelhantes há dezenas

de séculos, diferem em pormenores, e essa diferenciação caracteriza, sinalando o

típico, imobilizando-a num ponto certo da terra. Sem que o documento histórico

garanta veracidade, o povo ressuscita o passado, indicando as passagens, mostrando,

como referências indiscutíveis para a verificação racionalista, os lugares onde o fato

ocorreu.

2 ALMEIDA, Renato. Vivência e projeção do folclore. Rio de Janeiro: Agir, 1971.

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Para exemplificar este aspecto da lenda, o referido autor apresenta a história de Nossa

Senhora Aparecida, a qual mostra o lugar exato onde a imagem foi encontrada por pescadores

de Itaguaçu; além desta, a história que narra o fato da Pedra do Rosário, no rio Potengi, onde

encalhou o caixote que transportava a padroeira da cidade, a Virgem d’Apresentação, em

Natal.

Almeida (1971) e Cascudo (1984a) concordam que a lenda é uma narrativa de cunho

popular, pois nasce do imaginário do povo e sobrevive por causa da transmissão oral que

atravessa gerações. Esses elementos (persistência e oralidade) são típicos da literatura oral.

Quanto à produção folclórica, Cascudo acrescenta que se caracteriza pela antiguidade,

persistência, anonimato e oralidade; resulta da memória coletiva, indistinta e contínua. Além

disso,

Para que seja folclórica é preciso uma certa indecisão cronológica, um espaço que

dificulte a fixação no tempo. Pode-se dizer-se a época, uma época extensa, mas não

a restringindo mesmo a indicação de uma década. Natural é que uma produção que

se popularizou seja folclórica, quando se torne anônima, antiga, resistindo ao

esquecimento e sempre citada, num ou noutro meio denunciador da predileção

ambiental (CASCUDO, 1984a, p. 24).

Considerando que a lenda é uma história que atravessa gerações, perpetuando-se

através da transmissão oral, fruto de uma memória coletiva, não se pode identificar a autoria e

nem mesmo o tempo cronológico em que surgiu; logo esta se enquadra na classificação de

literatura oral folclórica.

Sobre lendas indígenas, Cascudo (1984a) destaca as seguintes características: era o

meio de um indígena explicar naturalmente a vida assombrosa em que vivia; é uma história

fantástica, transmitida de geração a geração, para explicar um princípio e o surgimento de

uma espécie; nas lendas os nomes das tribos quase sempre são lembrados; existe certa

veneração na forma de narrar os fatos exitosos; não há senso cômico e os fatos narrados não

se prendem à etiologia, são mistérios explicados pelo sobrenatural; o assunto vive nas

conversas e se perpetua como herança entre gerações; nas lendas há um ambiente heroico.

É preciso acreditar que há verdade nas narrativas lendárias, pois elas fazem parte do

patrimônio de uma tribo e são consideradas de muita utilidade, tendo em vista que servem

para explicar fatos que objetivamente são inexplicáveis, conforme aponta Cascudo (1984a, p.

99), “não há, quase, lendas inúteis e desinteressadas. Todas doaram alguma cousa, material ou

abstrata”.

Algumas registram a origem dos seres, dos astros e dos objetos pertencentes à vida

indígena. Outras trazem explicações sobre o “princípio” do fogo, das frutas, dos rios, da

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ornamentação e dos cereais. Aquelas de cunho religioso, na sua maioria de procedência

portuguesa, foram amplamente divulgadas nos dois primeiros séculos, pelos colonizadores,

como estratégia para a catequese (CASCUDO, 1984a).

Por absorver as características citadas anteriormente, podemos afirmar que o gênero

lenda faz parte da literatura oral, e caracteriza-se como narrativa folclórica, já que emana do

povo e tem sua origem na tradição popular. Caracterizá-lo não é uma tarefa fácil, pois

comumente é confundido com outros gêneros, como os mitos, as fábulas e os contos. Para

diferenciar mito e lenda, Cascudo (1984a, p. 180) explica que “as lendas têm maior sentido de

individualização e fixidez geográfica. O mito é mais geral e amplo com uma projeção

indefinida”.

Cascudo (1984a, p. 104) esclarece que “o mito passa ao estado de lenda e a lenda se

torna conto. Invertendo os termos: - um conto popular é um fragmento ou material total de

uma lenda, esta de um mito primitivo”. Almeida (1971 apud WEITZEL, 1995, p. 28) afirma

que não há uma delimitação entre lendas, mitos e contos: “a variedade espantosa da

imaginação folk refoge às classificações e esquemas”.

Diante da dificuldade em caracterizar os gêneros advindos da narrativa popular,

Weitzel (1995) propõe de forma didática, considerar aquilo que convencionalmente ficou

estabelecido como característica de cada um, conforme o quadro abaixo:

Quadro 2 - Características dos gêneros advindos das narrativas populares

NARRATIVAS POPULARES

Tipos Conteúdo Aspecto Personagens

Lendas O Real História e Geografia Seres Humanos (Presição)

Mitos O Sobrenatural Religião e Magia Deuses, Semideuses

Herois Divinizados

Contos O Fictício A Vida e a Experiência Seres Humanos (Impresição)

Fábulas O Doutrinário Alegoria Animais, Plantas,

Seres Inanimados

Fonte: Weitzel (1995, p. 29).

Ainda de acordo com Weitzel (1995, p. 31), a lenda é caracterizada principalmente por

sua

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vinculação, na mente popular, a algum personagem famoso, ou a um marco

geográfico, ou a um evento da comunidade. É um mundo de realidade, embora

exagerado e colorido, em contraposição ao mundo sobrenatural do mito e ao mundo

fictício do conto.

Diante de tais características, percebe-se que é muito fácil confundir o gênero lenda

com outro gênero de cunho popular, dada a fragilidade das delimitações entre eles. Dorson3

(1970 apud Weitzel, 1995, p. 31), levando em conta os aspectos da lenda, divide-a em:

pessoais – que por sua vez se divide em heroicas (personagens da história), hagiográficas

(figuras de santos e mártires) e anedóticas; locais (relacionadas a uma localidade específica,

ou a serras, rios, lagos, cavernas, grutas etc.); episódicas (relatam um evento, um

acontecimento); etiológicas (origem dos seres, como animal ou planta). Como exemplos,

podemos citar: A morte do Zumbi – lenda pessoal heroica (CASCUDO, 2001, p. 69); A

Virgem Aparecida – lenda pessoal hagiográfica (CASCUDO, 2001, p. 129); As aventuras de

Malazarte – lenda pessoal anedótica (LISPECTOR, 1987 p. 17); Lenda do topônimo

“Benfica” – lenda local (WEITZEL, 1995, p. 32); O Negrinho do pastoreio – lenda episódica

(CASCUDO, 2001, p. 101); Origem da Mandioca – lenda etiológica (CASCUDO, 1984a, p.

99).

Coelho (2003, p. 18), referindo-se à lenda, diz que

Atualmente ela passou a ser considerada como um produto inconsciente da

imaginação popular e a ser reconhecida como uma narrativa na qual um

personagem, sujeito a um determinado contexto histórico, sintetiza os anseios de um

segmento social ao incorporar em sua conduta ações ou idéias compartilhadas por

esse grupo. O objetivo desse personagem, no caso, é de dar um exemplo de

comportamento para que outros indivíduos sigam o mesmo caminho.

Esta concepção fica bem evidente em produções como propaganda, meme, charge,

tirinha, entre outros, em que o enunciador, se utilizando de elementos gráficos e linguísticos,

relaciona personagens lendários a personagens da nossa sociedade, visando ilustrar fatos reais,

facilitando a compreensão dos mesmos, ou até como forma de criticar, satirizar, ironizar

determinados segmentos sociais ou personalidades, como veremos em alguns textos que serão

analisados.

3 DORSON, R.M. American Folklore and the Historian.Chicago: University of Chicago Press, 1971.

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2.3 TEXTO E INTERTEXTUALIDADE

Um recurso importante no ensino na produção textual é a intertextualidade, já que um

texto se origina de outro, lido ou escrito anteriormente. Para tratar deste assunto evocamos

Koch et al. (2012), em cujo texto as autoras introduzem a discussão versando sobre o conceito

de texto. Para elas, nem mesmo dentro da Linguística Textual existe um consenso em relação

a esse conceito, tendo em vista que este passou por várias transformações no decorrer do seu

desenvolvimento. Na segunda metade da década de 60, “o texto foi visto, pela maioria dos

pesquisadores, como uma entidade abstrata, o ‘signo linguístico primário’ (...), a unidade mais

alta do sistema linguístico, cujos elementos e regras combinatórias cabiam à Linguística

Textual determinar.” (KOCH et al., 2012, p.11). Neste período foi dada ênfase aos recursos

linguísticos que permitiam estabelecer relações de ordem semântica e sintática, garantindo,

dessa forma, a continuidade de sentido do texto; a coerência e coesão eram termos que se

equivaliam e foram muito usados nesse momento.

Na segunda metade da década de 70, ocorreu o que Koch (2004) denominou de

“virada pragmática”: Teorias como Teoria da Atividade Verbal, a Teoria dos Atos de Fala e a

Teoria da Enunciação contribuíram para que o conceito primitivo de texto alargasse um pouco

mais. O objeto de estudo passou então a ser o “texto-em-funções”, constituído por fatores

pragmáticos, como intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade,

intertextualidade; paralelamente a coesão e a coerência, as quais passam a ter seus limites

mais delineados, ou seja, não mais se confundem.

Nos anos 80 houve um grande avanço nas pesquisas em Linguística Textual com a

incorporação de “mecanismos, processos, estratégias de ordem cognitiva, responsáveis pelo

processamento textual e pela construção dos sentidos” (KOCH et al., 2012, p.12). Com isto o

conceito de texto desenvolveu-se amplamente e, como consequência, o objeto da Linguística

Textual também passou por modificações. É o que pode ser percebido em Marcuschi (1983,

apud KOCH et al., 2012, p.12).

Proponho que se veja a LT, mesmo que provisória e genericamente, como o estudo

das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção,

construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais. Seu tema abrange

a coesão superficial ao nível dos constituintes linguísticos, a coerência conceitual ao

nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações ao nível

pragmático da produção de sentido no plano das ações e intenções.

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A partir desse pressuposto, começou-se a perceber que a construção da coesão e da

coerência se dá de forma contínua, na qual operam processos linguísticos, semânticos e

cognitivos.

O sociocognitivismo e o interacionismo bakhtiniano, na década de 90, suscita um novo

olhar. Segundo Koch (2011, p. 9) é no texto que os sujeitos sociais se constituem e interagem,

e para ele convergem ações linguísticas, cognitivas e sociais, e através delas são construídos

os “objetos-de-discurso” e os múltiplos sentidos, resultantes das escolhas realizadas pelos

“co-enunciadores”. Ancorada nesta concepção as pesquisas em Linguística Textual vêm se

desenvolvendo e é a partir dela que Koch aborda o fenômeno da intertextualidade.

O conceito de intertextualidade surgiu na Teoria Literária, introduzido na década de 60

por Julia Kristeva, critica literária francesa, com base no dialogismo bakhtiniano, segundo o

qual

Um texto (enunciado) não existe nem pode ser avaliado e/ou compreendido

isoladamente: ele está sempre em diálogo com outros textos. Assim todo texto

revela uma relação radical de seu interior com seu exterior. Dele fazem parte outros

textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que ele

retoma, a que alude ou aos quais se opõe (KOCH, 2012, p. 9).

Com base nesse pressuposto, Kristeva (1974, p. 62) postula que “Palavra literária não

é um ponto (um sentido fixo), mas um cruzamento de superfícies textuais, um diálogo de

diversas escrituras: do escritor, do destinatário (ou da personagem), do contexto cultural atual

ou anterior”. Portanto, fica evidente que não existe texto solitário, ele está sempre se

relacionando com outros textos que o antecedem e que com ele dialogam, mantendo o caráter

intertextual.

O Dicionário de linguagem e linguística de Trask4 (2004 apud KOCH et al, 2012, p.

13), expõe que Kristeva “encara cada texto como constituindo um intertexto numa sucessão

de textos já escritos ou que ainda serão escritos”. Ou seja, os textos que produzimos ou que

lemos têm a presença da intertextualidadade porque nenhum enunciado nasce do nada, mas de

algo que já foi dito ou escrito anteriormente e com ele dialoga, pois “todo texto se constrói

como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”

(KRISTEVA, 1974, p. 64).

Koch et al. (2012) ainda diferenciam a intertextualidade lato sensu da strictu sensu. A

primeira tem sentido amplo e constitui-se de todo e qualquer discurso; a outra se caracteriza

4 TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Tradução: Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004.

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pela exigência de um intertexto, ou seja, um texto se insere em outro produzido anteriormente

e que faz parte da memória social coletiva ou da memória discursiva.

2.3.1 Intertextualidade strictu sensu

A intertextualidade strictu sensu (sentido restrito) caracteriza-se pela presença de um

intertexto. Apresenta algumas tipologias, entre as quais destacamos: intertextualidade

temática, estilística, explícita e implícita.

2.3.1.1 A intertextualidade temática

Este tipo de intertextualidade aparece em textos científicos de uma mesma área do

conhecimento ou de uma mesma corrente teórica; em matérias jornalísticas, revistas, mídias

em geral, que tratam de um tema em destaque num determinado período; em textos literários

de uma mesma escola, mesmo gênero ou de estilos e gêneros diferentes; em contos de fadas e

lendas, em histórias em quadrinhos de um mesmo autor; em canções, em um livro e um filme

ou novela que o encene, em encenações diversas de uma mesma peça teatral, entre outros. É

muito frequente no gênero lenda, pois sendo a lenda uma narrativa de cunho oral, ao ser

recontada através da escrita, por autores distintos, apresenta variadas versões de uma mesma

história, de um mesmo tema.

O texto Quem é o Curupira e a tela O Curupira – Lenda Amazônica – Brasil mantém

uma relação dialógica, pois tratam de uma mesma figura lendária: o Curupira. O diálogo entre

os dois textos caracteriza a intertextualidade temática porque retratam um único tema.

Sobre Curupira, Cascudo (1984a, p. 114) explica que este nome significa literalmente

corpo de menino, e se origina do termo curu, que é abreviação de curumi (criança) e pira

(corpo). Para o referido autor,

O Curupira é a mãe do mato, o gênio tutelar da floresta que se torna benéfico ou

maléfico para os frequentadores desta, segundo circunstâncias e o comportamento

dos próprios frequentadores. Figuram-no como menino de cabelos vermelhos, muito

peludo por todo o corpo e com a particularidade de ter os pés virados para trás e ser

privado de órgãos sexuais. A mata, e quantos nela habitam, está debaixo de sua

vigilância (CASCUDO, 1984a, p. 114).

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O termo mãe do mato nos remete ao sentido de proteção; a mãe tem um instinto

protetor. Para defender os animais, o Curupira despista os caçadores, fazendo-os perder o

caminho e morrer na floresta e, quando preciso, ataca-os sem piedade. Quando a chuva

ameaça cair, ele bate nos troncos das árvores para verificar se resistem à tempestade,

prevenindo os moradores do perigo; é considerado o guardião da floresta.

Texto 1

Quem é o Curupira

Eu vim lá da floresta

para me apresentar.

Meu nome é Curupira.

Viver na mata é o meu destino.

Sou um índio pequeno,

mas muito forte.

Tenho cabelos vermelhos e

corpo de menino.

Meus calcanhares são para frente,

os meus pés pra trás.

Deixo pegadas ao contrário

que enganam muita gente.

Às vezes me confundem

com o caipora.

Ele tem os pés normais,

mas em mim é diferente.

Tomar conta de toda a mata

é a minha missão.

Cuido dos bichos e brigo

com quem caça por maldade.

Faço os caçadores

se perderem no caminho.

E, se for preciso,

ataco sem piedade.

Das plantas e das árvores

Também sou o protetor.

Cuido delas com carinho

e de todas sou camarada.

Se ameaçar uma tempestade,

fico atento.

Examino com cuidado

se resistem à chuvarada.

Gosto de ganhar presentes

de quem entra na mata.

Flecha, fumo ou comida,

para mim podem deixar.

Já me apresentei

e é hora de voltar. Vou embora

mas deixo uma cantiga

da nossa cultura popular.

[...]

(FINZETTO, Ângela. Quem é o Curupira. Coleção folclore em

contos e cantos. Editora Brasileitura, 2014)

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Figura 1 - O Curupira – Lenda Amazônica (Manoel Santiago)

Fonte: http://www.dezenovevinte.net/obras/ms_lendas.htm. Acesso em 07/06/2015.

O Texto 1 é uma narrativa em primeira pessoa, na qual a personagem conta a própria

história. Na primeira e na segunda estrofe ela se apresenta fisicamente; na terceira, diz qual é

a sua incumbência: Tomar conta de toda a mata / é a minha missão. Na quarta ela se diz

protetora das plantas e das matas: Das plantas e das árvores / Também sou o protetor. Na

quinta ela demonstra seu gosto por presentes: Gosto de ganhar presentes / de quem entra na

mata. / Flecha, fumo ou comida / para mim podem deixar.

A Figura 1 é uma tela do pintor amazonense Manoel Santiago. No verso da tela consta

um texto de autoria do pintor, com a seguinte mensagem:

O Curupira – Lenda Amazônica – Brasil. O Curupira é um dos seres phantásticos

que povoam as densas florestas da Amazonas. É uma figura estranha cheia de

astúcias. Tem os pés virados para traz afim de melhor enganar os viandantes. As

índias adolescentes ao doce embalar das redes de Tucum, adormecem sonhando com

o Curupira. Se alguma d'ellas commeter uma falta e não a puder justificar, logo será

acusado o Curupira pelo crime de sedução. Rio de Janeiro – Brasil 1926.

Neste texto podemos perceber elementos que reportam à lenda do Curupira: o cenário

composto por um ambiente natural, como árvores e rio, sendo que os elementos que se

destacam na imagem é a índia adormecida numa rede e o Curupira a contemplá-la. Essa

imagem mostra a índia em posição de fragilidade e sensualidade, revelando uma nova leitura

do artista em relação às narrativas encontradas na literatura, o que é confirmado com o texto

escrito no verso da tela.

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Portanto, o texto 1 e a figura 1 apresentam-se em diferentes gêneros textuais (poema e

pintura), trazem elementos distintos, mas tratam de um mesmo tema, evidenciando a

intertextualidade temática.

2.3.1.2 A intertextualidade estilística

Caracteriza-se pela repetição, imitação, paródia de algum estilo ou de uma variedade

linguística. Aparecem nos textos que imitam a linguagem bíblica, os jargões profissionais,

dialetos, estilos de determinados gêneros, autores, segmentos sociais, etc. Como exemplo,

podemos verificar que na obra de Clarice Lispector há o predomínio de algumas

características próprias do seu modo de escrever, tornando perceptível o seu estilo. Vejamos:

Texto 2

Como nasceram as estrelas

Pois é, todo mundo pensa que sempre houve no mundo estrelas pisca-pisca. Mas é

erro. Antes os índios olhavam de noite para o céu escuro — e bem escuro estava esse céu.

Um negror. Vou contar a história singela do nascimento das estrelas.

Era uma vez, no mês de janeiro, muitos índios. E ativos: caçavam, pescavam,

guerreavam. Mas nas tabas não faziam coisa alguma: deitavam-se nas redes e dormiam

roncando. E a comida? Só as mulheres cuidavam do preparo dela para terem todos o que

comer.

Uma vez elas notaram que faltava milho no cesto para moer. Que fizeram as valentes

mulheres? O seguinte: sem medo enfurnaram-se nas matas, sob um gostoso sol amarelo. As

árvores rebrilhavam verdes e embaixo delas havia sombra e água fresca. Quando saíam de

debaixo das copas encontravam o calor, bebiam no reino das águas dos riachos buliçosos.

Mas sempre procurando milho porque a fome era daquelas que as faziam comer folhas de

árvores. Mas só encontravam espigazinhas murchas e sem graça.

- Vamos voltar e trazer conosco uns curumins. (Assim chamavam os índios as

crianças). Curumim dá sorte.

E deu mesmo. Os garotos pareciam adivinhar as coisas: foram retinho em frente e

numa clareira da floresta - eis um milharal viçoso crescendo alto. As índias maravilhadas

disseram: toca a colher tanta espiga. Mas os gatinhos também colheram muitas e fugiram das

mães voltando à taba e pedindo à avó que lhes fizesse um bolo de milho. A avó assim fez e

os curumins se encheram de bolo que logo se acabou. Só então tiveram medo das mães que

reclamariam por eles comerem tanto. Podiam esconder numa caverna a avó e o papagaio

porque os dois contariam tudo. Mas - e se as mães dessem falta da avó e do papagaio

tagarela? Aí então chamaram os colibris para que amarrassem um cipó no topo do céu.

Quando as índias voltaram ficaram assustadas vendo os filhos subindo pelo ar. Resolveram,

essas mães nervosas, subir atrás dos meninos e cortar o cipó embaixo deles.

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Aconteceu uma coisa que só acontece quando a gente acredita: as mães caíram no

chão, transformando-se em onças. Quanto aos curumins, como já não podiam voltar para a

terra, ficaram no céu até hoje, transformados em gordas estrelas brilhantes. Mas, quanto a

mim, tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do que curumins. Estrelas são os olhos de

Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, “sempre” não acaba

nunca.

(LISPECTOR, Clarice. Como nasceram as estrelas: doze lendas

brasileiras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987)

Texto 3

Do que eu tenho medo

Bem, o jeito mesmo é começar fazendo uma confissão: a de que sou um pouquinho

covarde, tenho meus medos. E você vai rir de mim quando souber de que é que receio tanto.

E... bem, é...

(Vou tomar uma bruta coragem e dizer de uma vez.)

Tenho tanto medo é do... Saci-Pererê! Mas que alívio em já ter confessado. E que

vergonha. Só não juro que o Saci existe porque não se deve ficar jurando à-toa, por aí. Você

é provavelmente de cidade e não me acredita. Mas que nas matas tem saci, lá isso tem. E eu

garanto essa verdade que até parece mentira, garanto, porque já vi esse meio-gente e meio-

bicho.

E para que você acredite em mim, vou descrevê-lo: ele é um diabinho de uma perna

só [...]. Dou a você como garantia minha palavra de honra. E ele anda sempre com um

cachimbozinho.

Devo dizer que ele não é pessoa de fazer grandes maldades. É, mas faz as pequenas e

marotas. Às vezes quando lhe negam fumo [...] ele faz das suas. Pois se até leite fervido ele

azeda! Mosca na sopa? Pois foi ele o pequeno malfeitor. Brincadeira tem hora, às vezes a

gente fica com raiva. Sem falar que o Saci assusta as galinhas, coitadas, que já são por

natureza assustadas. É, mas não é que ele faz com que fiquem completamente espavoridas?

Dona-de-casa? Cuidado porque ele queima o feijão na panela. E o danadinho faz

essas coisas ou para se vingar ou para divertir e gostar de atrapalhadas.

Dou minha palavra de que já dei muito fumo ao Saci. Se você não acredita, vou

então descrevê-lo: usa na cabecinha sabida uma carapuça vermelhíssima e escandalosíssima,

tem a pele mais negra do que carvão em noite escura, uma perna só que sai pulando, e, é

claro, um cachimbozinho aceso porque ele tem, como eu, o vício do fumo.

Mas uma vez eu me vinguei. Quando ele me pediu fumo, dei. Mas misturei ao

tabaco... um pouco de pólvora [...]. E quando ele tirou a primeira tragada, foi aquele

estrondo. Porque eu também sou um pouquinho Saci-Pererê [...].

Aviso ao Saci: por favor não se vingue de mim botando pólvora no meu fumo porque

eu me vingarei pondo fogo na mataria toda!

Acho que tenho dito.

(LISPECTOR, Clarice. Como nasceram as estrelas: doze lendas

brasileiras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987)

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Uma leitura cuidadosa dos textos anteriores permite-nos perceber que a escritora tem

um estilo que lhe é peculiar e que a mesma repete em suas produções, demonstrando a

intertextualidade estilística. Isto é evidenciado nas lendas “Como nasceram as estrelas” e “Do

que eu tenho medo”. Destacaremos alguns pontos comuns entre elas.

Quadro 3 - O estilo de Clarice Lispector em “Como nasceram as estrelas” e “De quem

eu tenho medo”

(Continua)

Como nasceram as estrelas Do que eu tenho medo

Foge do modo tradicional de

narrar: inicia o texto

conversando com o leitor,

apresentando o tema/assunto,

situando-o no contexto da

narrativa, e finaliza deixando

no ar uma possibilidade de

recomeço, sugerindo a

continuidade por conta do

leitor.

Pois é, todo mundo pensa que

sempre houve no mundo estrelas

pisca-pisca. Mas é erro. Antes os

índios olhavam de noite para o

céu escuro — e bem escuro

estava esse céu. Um negror. Vou

contar a história singela do

nascimento das estrelas.

Bem, o jeito mesmo é começar

fazendo uma confissão: a de

que sou um pouquinho

covarde, tenho meus medos. E

você vai rir de mim quando

souber de que é que receio

tanto. E... bem, é...

Dialoga com o leitor, em

vários momentos da narrativa,

levando-o a participar da

situação.

Que fizeram as valentes

mulheres?

Mas, quanto a mim, tenho a lhes

dizer que as estrelas são mais do

que curumins.

Só não juro que o Saci existe

porque não se deve ficar

jurando à-toa, por aí. Você é

provavelmente de cidade e não

me acredita.

E para que você acredite em

mim, vou descrevê-lo...

Usa uma linguagem formal,

mas apresenta algumas

marcas de oralidade.

Aí então chamaram os colibris

para que amarrassem um cipó no

topo do céu.

Mas que nas matas tem saci, lá

isso tem.

O texto é narrado de forma

poética, evidenciando a função

emotiva da linguagem,

percebida através do uso de

figuras de linguagem.

Personificação: “riachos

buliçosos”;

Metáfora: “Mas os gatinhos

também colheram...”; “estrelas

são os olhos de Deus”;

Inversão: “Resolveram, essas

mães nervosas...”

Metáfora: “(...) já vi esse

meio-gente e meio-bicho”;

Comparação: “(...) tem a pele

mais negra do que o carvão”;

Silepse “(...) ele tem, como eu,

o vício do fumo”

Abusa do uso de adjetivos,

para caracterizar as

personagens e a paisagem e

revelar as suas impressões, de

maneira subjetiva, levando o

leitor a criar imagens das

cenas descritas.

“Antes os índios olhavam de

noite para o céu escuro — e bem

escuro estava esse céu. Um

negror.”

“As árvores rebrilhavam

verdes...”

“(...) gordas estrelas

brilhantes...”

“As índias maravilhadas

disseram”

“(...) essas mães nervosas...”

(...) usa na cabecinha sabida

uma carapuça vermelhíssima e

escandalosíssima, tem a pele

mais negra do que carvão em

noite escura (...)

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(Continuação) O título é uma pergunta

indireta

Em ambos os textos, percebe-se que a escritora, apesar de não

usar o sinal de interrogação, tem a intenção de aguçar a

curiosidade do leitor e envolvê-lo desde o início da narrativa. Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados da pesquisa, 2015.

2.3.1.3 A intertextualidade explícita

Ocorre quando no texto há a referência do intertexto citado, mesmo de forma genérica.

Aparece em citações, referências, resumos, resenhas, traduções e textos argumentativos; e em

situação comunicativa face a face, quando um interlocutor retoma a fala do outro, com a

intenção de encadear o texto, contradizê-lo, ou simplesmente como demonstração de interesse

(KOCH et al., 2012).

A intertextualidade explícita ocorre também quando um novo texto possui o mesmo

título do texto fonte, mesmo sem a menção do autor. É o título que vai garantir o

reconhecimento do intertexto, desde que esteja presente na memória discursiva (repertório) do

interlocutor (KOCH et al., 2012). Quando não há este reconhecimento, o interlocutor não

percebe a relação intertextual.

O texto que segue, “O Saci e o Curupira” de Joel Rufino dos Santos5, exemplifica

muito bem esse tipo de intertextualidade, pois em sua composição o autor trabalha com as

lendas do Saci e do Curupira, sempre dialogando com as duas lendas, cruzando as duas

histórias. E isto já é anunciado no título do texto. É importante destacar que o autor faz uma

releitura das lendas, atribuindo ao Saci a missão do Curupira, que é a de proteger a floresta.

Sabemos que a principal característica do Saci é a travessura e, apesar de viver na mata, ele

adora assustar os animais e prendê-los. Gosta também de se divertir, encantando as crianças,

fazendo-as se perderem na mata. Portanto, o que o autor atribui ao Saci, na verdade, é

atribuição do Curupira. Neste sentido, o autor comete a subversão, pois se afasta do texto

fonte.

5 Joel Rufino dos Santos é um historiador, professor e escritor brasileiro. É um dos nomes de referência sobre

cultura africana no país.

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Texto 4

O Saci e o Curupira

Era uma vez um homem muito pobre. Ele saía para caçar de dia, voltava sem nada.

Aí resolveu experimentar de noite.

- É muito perigoso - avisou a mulher. - Se você ouvir barulho de pau batendo na

árvore pode voltar. É saci, querendo saber se a árvore vai resistir à tempestade que vem.

- Paque, paque!

Alguém batia na árvore, mas ele nem notava. Até que numa clareira topou com o

Saçaruê, pulandinho numa perna só:

- Quem lhe deu ordem pra caçar a esta hora?

- Ninguém - disse o homem tremendo. - Mas é que sou muito pobre e não arrumo

caça de dia.

- Gostei de você - falou o saci. - Você tem fumo?

O matuto deu fumo pro cachimbo do negrinho.

- Vamos fazer um trato - disse ele, baforando. - Se você me trouxer fumo toda noite,

eu lhe arrumo caça.

Toda noite o pobre saía levando fumo pro saci. E voltava com uma caça nas costas.

Até que o fumo dele acabou.

- Faça uma coisa - sugeriu a mulher. - Leve estrume seco de cavalo. Ele pensa que é

fumo e lhe dá a caça. Sem comida é que não podemos passar.

O homem morria de medo de enganar o saci, mas levou.

- Eta fuminho fedorento!... - comentou o calunga.

- É que tava guardado na estrebaria - mentiu o homem.

Na noite seguinte o saci não apareceu. Nem na outra, nem na outra. O homem ficou

aborrecido e jogou a culpa na mulher:

- Ara, diabos! Você que me mandou enganar o neguinho...

Uma bela noite, eles estavam dormindo, desanimados, barrigas vazias, quando

bateram na porta.

- Não é ninguém - disse a mulher. - É a minha barriga fazendo ronrom.

Tornaram a bater. O homem se levantou para espiar pelo cantinho da janela. Era o

curupira.

- O senhor não tem aí um pouquinho de pólvora? Perguntou o menino de calcanhar

virado. Mas perguntou baixinho.

- Tenho e não tenho - respondeu o homem, maluco pra fazer comércio.

- Se o senhor me arrumar um pouco de pólvora - disse o curupira - cada noite lhe

trago uma caça como essa. Só peço uma coisa: sua mulher não pode saber que sou eu.

A mulher, porém, tinha visto pela janela. Quando o homem entrou, ela foi logo

dizendo: era o curupira, e coisa e tal.

- Era mesmo - confessou o homem. - Mas ele pediu pra não contar a você. [...]

Uma noite o curupira cansou de bater na janela, cadê que o homem vinha abrir?

Estava doente.

- Como vai ser hoje? - perguntou a mulher.

- Vista minhas roupas - sugeriu o homem. - Ele é criança e não vai perceber.

Foi a última noite que o curupira apareceu. A mulher jogou a culpa no homem:

- Não fosse sua ideia de jerico, a caça tava aí. Praga de homem!

Tanto brigaram, que um saiu prum lado e outro pro outro.

O homem se chama João Galafoice. E está sempre de surrão às costas. Tem gente

que acredita que é pra esconder criança. Bobagem. É um montão de fumo pra trocar com o

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saci. Só que o saci não aparece pra ele, não.

A mulher se chama Maria Gomes. Tá sempre de cabelo despenteado, anda que anda

por aí. Maria Gomes espia o calcanhar de tudo quanto é menino, mas não precisa ter medo,

não. Tá só procurando o curupira pra pedir desculpa.

(SANTOS, Joel Rufino dos. O Saci e o Curupira e outras

histórias do folclore. São Paulo: Ática, 1984)

Além das lendas do Saci e do Curupira, o autor também traz a lenda de João

Galafoice. De acordo com Cascudo (1984b), João Galafoice é, em Alagoas, chamado de João

Galafaice, em Sergipe chamam-no Jean de La Foice e, em Pernambuco, João Galafuz. Em

Alagoas é um homem negro, idoso, que faz parte do bando assustador, o qual, durante a noite,

ronda as casas para raptar as crianças indefesas. O João Galafuz é o nome

Com que a superstição popular designa uma espécie de duende, que diz aparecer em

certas noites, emergindo das ondas ou surgindo dos cabeços de pedras submersas,

como um facho luminoso e multicor, prenúncio de tempestade e naufrágios. Crença

essa dominante entre os pescadores e homens do mar do norte do Estado (de

Pernambuco), e principalmente Itamaracá (CASCUDO, 1984b, p. 408).

Quanto a Maria Gomes, que também é citada na história, pode ser uma referência a

Maria Bonita, a cangaceira pertencente ao bando de Lampião, pois o seu nome verdadeiro é

Maria Gomes de Oliveira.

Como podemos observar, o autor do texto acima faz uso da intertextualide explícita;

reconhecer os intertextos do Saci e do Curupira é fácil, pois são histórias bem populares,

porém João Galafoice e Maria Gomes, é pouco provável que sejam identificados, pois são

histórias que só leitores experientes podem conhecer.

2.3.1.4 A intertextualidade implícita

Ocorre quando no texto não há a referência do intertexto introduzido; o enunciador

espera que o interlocutor reconheça e seja capaz de identificar o intertexto através da ativação

de sua memória discursiva; mas o contrário também pode ocorrer no caso de plágio, o

enunciador deseja que o interlocutor não se lembre do intertexto e da sua fonte. Quando há

paráfrases próximas do texto-fonte, Sant’Anna (2003, p. 28) denomina de intertextualidades

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das semelhanças, e Grésillon e Maingueneau (1984 apud KOCH et al., 2012, p. 31) de

captação. Quando o intertexto é uma paródia, ironia, inversão de uma negação ou afirmação,

etc., Sant’Anna (2003, p. 28) denomina de intertextualidades das diferenças, e Grésillon e

Maingueneau (1984 apud KOCH et al., 2012, p. 31) de subversão.

Quadro 4 - Distinções entre paráfrase e paródia

Paráfrases Paródia

Grésillon e Maingueneau Captação Subversão

Sant’Anna Intertextualidades das semelhanças Intertextualidades das diferenças

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados da pesquisa, 2015.

De uma forma bem didática, Sant’Anna (2003) explica esses conceitos em um modelo

triangular, considerando três elementos: paráfrase, paródia e estilização, usando a noção de

desvio. Para este autor, “os jogos estabelecidos nas relações intra e extratextuais são desvios

maiores ou menores em relação a um original. Desse modo, a paráfrase surge como um desvio

mínimo, a estilização como um desvio tolerável e a paródia como um desvio total” (p. 38).

Figura 2 - Paráfrase, paródia e estilização

Fonte: Sant’anna (2003, p. 36).

De acordo com este modelo, o texto original sofre desvios que podem caminhar para

duas direções: pró-estilo ou contra-estilo. A paráfrase seria a estilização positiva e a paródia a

estilização negativa. Positiva e negativa aqui estão no sentido de aproximação ou afastamento

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do texto original. A estilização é a técnica, o meio que se utiliza para chegar ao efeito, ao

resultado: paráfrase e paródia. “Quando a estilização se dá na mesma direção ideológica do

texto anterior, transforma-se numa paráfrase; se ela ocorre em sentido contrário, constitui-se

numa paródia” (SANT’ANNA, 2003, p. 36).

Em todo processo de estilização, o interlocutor precisa reconhecer o intertexto e o

texto que lhe deu origem para atribuir sentido. Quando não há este reconhecimento, há

prejuízo semântico, principalmente no caso da subversão; na captação, como se trata de

paráfrase e o sentido é próximo ao do texto-fonte, esse prejuízo não é relevante pois não

impede a compreensão do texto atual. Vejamos alguns exemplos de intertextualidade

implícita.

Figura 3 - Charge

Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-QFoeTFl_yuE/UtCJTfg3X3I/AAAAAAAAEO0/jSid2sYD0T4/s1600/genildo.jpg.

Acesso em: 08/06/2015.

A charge é um gênero textual que tem como principal característica a sátira através de

uma caricatura. A figura 3 traz a caricatura da presidenta Dilma, satirizando a instabilidade

econômica pela qual atravessa o país, reunindo crítica e humor. A figura da presidenta aponta

para uma direção: Pra lá, Pra lá, enquanto os seus pés caminham para uma direção contrária,

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talvez com a intenção de mostrar que ela não está conseguindo controlar a situação econômica

do país.

Neste sentido, podemos dizer que a intenção do autor da charge é ridicularizar a

presidenta Dilma por esta falta de controle. Esta inferência fundamenta-se, primeiramente, no

aspecto linguístico: A economia ainda não corresponde, ou seja, não obedece ao comando

dado; e em segundo lugar, na leitura da imagem que dialoga com a lenda do Curupira, na qual

a personagem lendária, com seus pés virados para traz engana aqueles que adentram a mata:

ele caminha para uma direção e seus pés indicam outra. As vestes em tons avermelhados

lembram o Partido dos Trabalhadores, o partido da presidenta, e aludem à referida

personagem lendária. Cascudo a define como

A mãe do mato, o gênio tutelar da floresta que se torna benéfico ou maléfico para os

frequentadores desta, segundo circunstâncias de comportamento dos próprios

frequentadores. Figuram-no como um menino de cabelos vermelhos, muito peludo

por todo o corpo, e com a particularidade de ter os pés virados para trás e ser privado

de órgãos sexuais (1984a, p. 114).

Estes conhecimentos são importantes para o leitor perceber o efeito da construção do

sentido, que é a subversão em relação ao texto fonte, já que o diálogo com a lenda não

confirma o sentido original, pois o curupira anda na direção desejada e, ao que parece, a

presidenta, não. Seu produtor a retoma para provocar o riso e demonstrar a sua percepção em

relação ao governo do país e a forma como ele está sendo gerido.

Ainda sobre a intertextualidade implícita, apresentamos o seguinte exemplo:

Texto 5

Poema

Neste rio tem uma iara...

De primeiro o velho que tinha visto a iara

Contava que ela era feiosa, muito!

Preta gorda manquitola ver peixe-boi.

Felizmente velho já morreu faz tempo.

Duma feita, madrugada de neblina

Um moço que sofria de paixão

Por causa duma índia que não queria ceder pra êle,

Se levantou e desapareceu na água do rio.

Então principiaram falando que a iara cantava, era moça,

Cabelos de limo verde do rio...

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Ontem o piá brinca brincando

Subiu na igara do pai abicada no porto,

Botou a mãozinha na água funda

E vai, a piranha abocanhou a mãozinha do piá.

Neste rio tem uma iara...

(ANDRADE, Mário de. Clã do Jaboti. 1927).

A lenda da Iara é abordada no texto “Poema” de várias formas, demonstrando traços

de culturas diferentes. Começa por revelar uma Iara que, segundo Cascudo, parece ter suas

origens no primeiro momento do Brasil colonial, nas tradições indígenas nas quais se

acreditava em dois seres marinhos que afogavam e assustavam os índios. Um deles era

Ipupiara, que significa “o que reside ou jaz na fonte; o que habita no fundo das águas. É o

gênio das fontes, animal misterioso, que os índios davam como homem-marinho, inimigo dos

pescadores, mariscadores e lavadeiras” (CASCUDO, 1984b, p. 316). O outro ser era Boiúna,

a Mãe d’água, a qual se revelava um ser que “não tem piedade nem aplaca a fome, mata e

devora quem encontra. Vira as barcas, arrasta os nadantes, estrangula os banhistas, apavora

todos” (CASCUDO, 2002, p. 154).

Cascudo (2002) acredita que os portugueses, ao chegar ao Brasil, fizeram a relação

destas criaturas marinhas que afogavam e assustavam os índios com a sereia que fazia parte

das crenças das pessoas de sua terra natal, de tal forma que acabaram fundindo as figuras do

Ipupiara, da Mãe d’água e da Sereia europeia (metade peixe, metade mulher, possuidora de

um canto irresistível) em um só mito, resultando na lenda da Iara.

A Iara que mora num palácio no fundo dos rios é uma tradição dos brancos e que

vicejou rapidamente no cenário bárbaro do Brasil colonial. O barão de Santana Neri

falando das Yaras descreve uma mulher branca, de olhos verdes e cabeleira loura

(CASCUDO, 2002, p. 131).

Percebe-se, no início e meio do poema, imagens de uma iara que nos remete aos mitos

da Boiúna, Ipupiara e ao mito português, revelado nos versos: “Então principiaram falando

que a iara cantava, era moça, / Cabelos de limo verde do rio...”, parafraseando a Sereia

ibérica. Além disso, o fato do moço ter desaparecido no rio lembra a questão do

encantamento, através do qual os homens eram enfeitiçados e atraídos pelo canto da Iara. Ao

usar o artigo indefinido “uma” e o nome “iara” em letra inicial minúscula, o autor mostra

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certa indefinição em relação ao personagem lendário e coloca em evidência características das

personagens mitológicas brasileiras e portuguesa. Antes de finalizar o poema, Mário de

Andrade ainda acrescenta um novo elemento representado por um peixe carnívoro: “E vai, a

piranha abocanhou a mãozinha do piá”. E finaliza retomando o verso inicial: “Neste rio tem

uma iara...”.

Diante disto, percebemos que a lenda da Iara compreende aspectos das culturas

indígena e europeia; todavia, as versões narradas pelos escritores da contemporaneidade não

contemplam os aspectos da cultura brasileira do período colonial. A imagem que temos da

Iara é de um ser metade sereia e metade mulher, possuidora de beleza exuberante, cabelos

longos e lisos, que vive nas águas dos rios e delas ressurge com canto inebriante para seduzir

os rapazes e arrastá-lo para as profundezas das águas, ou seja, há uma supremacia da cultura

portuguesa. Neste sentido, percebemos a presença da intertextualidade implícita com valor de

subversão, quando o autor do poema resgata as lendas indígenas nos versos: “De primeiro o

velho que tinha visto a iara / Contava que ela era feiosa, muito! / Preta gorda manquitola ver

peixe-boi“. Esta imagem da Iara vai de encontro à imagem criada pelas versões mais recentes

da lenda, causando estranhamento, rompendo com o estereótipo vigente.

Todavia, ao considerar o contexto histórico e cultural em que se originou a lenda da

Iara, podemos dizer que o produtor do texto caminhou no sentido de resgatar a história,

parafraseando as lendas originais (Boiúna, Ipupiara e a Sereia europeia), talvez na tentativa de

mostrar a especificidade e a heterogenia da cultura brasileira. Desta forma, se faz presente a

intertextualidade implícita, com valor de captação.

Portanto, a construção do sentido, captação ou subversão, vai depender da bagagem

cognitiva, do repertório discursivo do interlocutor, o qual será capaz ou não de recuperar

todos os intertextos presentes no poema.

Ainda em relação à intertextualidade implícita, Grésillon e Maingueneau (1984 apud

KOCH et al., 2012, p. 31) apresentam o conceito de détournement. Para esses autores, o termo

“consiste em produzir um enunciado que possui as marcas linguísticas de uma enunciação

proverbial, mas que não pertence ao estoque dos provérbios reconhecidos”. Pode ser do tipo

lúdico, (jogos com a sonoridade das palavras) ou militante (captação ou subversão). Vale

dizer que o détournement, seja ele do tipo lúdico ou militante, sempre vai gerar um sentido

novo.

Koch et al. (2012, p. 31) afirmam que o conceito de détournement se estende às

formas de intertextualidade em que ocorre a mutação ou adulteração de um texto-fonte. A

essa adulteração, Marcuschi (2000) denomina de “operação de retextualização”.

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Baseando-se na teoria polifônica de Ducrot (1980), Koch et al. (2012) analisam alguns

exemplos para demonstrar como essa teoria se aplica à retextualização de provérbios, frases

feitas, canções populares, entre outros, mostrando casos de substituição de fonemas e de

palavras, acréscimos, supressão e transposição. O texto 6 apresenta este e outros aspectos da

intertextualidade implícita.

Texto 6

Uma festança na floresta

Estamos no mês de junho, as fogueiras de São João se acendem, balões sobem, já há

friozinho e aconchego. Dá para comer batata-doce à meia-noite com café tinindo de quente.

Mas me disseram que a festa não é só nossa. Pois não é que ia haver uma festa da

bicharada na selva? E calculei que isso acontecesse no mês de nossos próprios folguedos.

Pelo menos é o que garantem os índios da tribo Tembé.

Foi assim: os animais das matas até que estavam ocupados e calmos em relação a seus

deveres, pois o dever do animal é existir. Mas eis senão quando surgiu no ar um boato que

logo se espalhou alvissareiro num diz-que-diz assanhado. Vinha esse boato trazido pelo canto

do sabiá. Como o sabiá, a quanto se sabe, canta pelo mero prazer de cantar, ficaram os bichos

em dúvida sobre se era ou não verdade.

E — de repente — começou a chover convite para a tal festança. Quem convidava

não dizia quem era, mas todos desconfiaram que a idéia vinha da rainha das selvas

brasileiras, a onça, manda-chuva que era. Todos os bichos foram convidados, garantindo-se

que na ocasião seria abolida a ferocidade. Até a mãe-coruja, que de tão séria e sábia até

óculos usava, foi convidada com os seus filhotes.

Quanto às filhas do macaco, doidas para namorar e enfim casar, enfeitaram-se tanto e

com tantas bugigangas que pareciam umas — é isso mesmo, pareciam umas verdadeiras

macacas.

E quem pensa que a cobra faltou por ser tão nojenta está enganado: apareceu fazendo

salamaleques com o corpo escorregadio para chamar atenção.

A noite estava toda iluminada por milhares de vagalumes, pela lua silenciosa e pelas

estrelas úmidas. Quanto à orquestra, fiquem certos de que era da melhor qualidade: uma

turma de tucanos encarregou-se de tocar em valsa os mais belos grunhidos da mata.

A bicharada estava acesa de alegria, O papagaio foi muito aplaudido quando berrou

uma canção alegre, e as macacas casadoiras, penduradas pelos rabos nas árvores, estavam

certas de que eram grandes bailarinas.

Bem, a coisa estava no máximo de animação. Mas a onça estava inquieta, doida para

atacar. E como não fosse permitida nessa noite a carnificina, ela começou a ser feroz com a

língua viperina. Então cantou: “Dona Anita é gorda e roliça que nem uma porca e tem cor de

rato.” A Anta danou-se e retirou-se.

A onça, vendo que tinha tido sucesso, cantou uma ofensa horrível contra o jabuti,

dizendo que este estava coberto de mosca varejeira. Tanto que o jabuti ofendido foi embora.

Depois a onça falou: “Vejam que decote indecente o das filhas do macaco.” As macacas

ficaram fulas da vida e só não saíram de lá porque a esperança de arranjar noivo é a

última que acaba.

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Mas acontece que havia entre os animais o deus dos veados, Arapuá-Tupana, que

resolveu acabar com a empáfia da onça e para vencê-la pôs-se a cantar. Os bichos, sabendo

que quando o ouvissem morreriam, taparam os ouvidos. Arapuá-Tupana afinal foi embora e a

bicharada não morreu.

É. Mas os animais haviam perdido o dom da fala, ninguém se compreendia mais. E

isso até o dia de hoje. Porque grunhir ou cantar não diz nada. Tudo por causa da onça

linguaruda.

(LISPECTOR, Clarice. Como nasceram as estrelas: doze lendas

brasileiras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987)

Neste texto percebemos alguns exemplos de intertextualidade implícita, pois alguns

intertextos são evidenciados sem referência da fonte. Primeiramente, no trecho “Quem

convidava não dizia quem era, mas todos desconfiaram que a idéia vinha da rainha das selvas

brasileiras, a onça, manda-chuva que era”, é possível reconhecer o intertexto: a onça é a

rainha das selvas. No mesmo parágrafo, a escritora alude à fábula A águia e a coruja: “Até a

mãe-coruja, que de tão séria e sábia até óculos usava, foi convidada com os seus filhotes”.

Mais adiante, a autora, jogando com as palavras, brinca com a forma proverbial: “As

macacas ficaram fulas da vida e só não saíram de lá porque a esperança de arranjar noivo é a

última que acaba”. Considerando que o provérbio original é “A esperança é a última que

morre”, podemos afirmar que aí reside um exemplo de détournement, com acréscimo de

algumas palavras (de arranjar noivo) e a troca de uma outra: morre por acaba.

Estes exemplos extraídos do texto 6 mostram que a intertextualidade implícita é muito

recorrente; é bem provável que nele existam outros intertextos não identificados, tendo em

vista que este reconhecimento depende da memória discursiva do leitor, da bagagem cognitiva

que possui, o que pode limitar a compreensão global do texto.

Podemos ainda perceber a intertextualidade explícita e implícita na imagem que segue.

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Figura 4 - Chapa 2

Fonte: https://osaciperere.files.wordpress.com/2011/10/pegadas-1.jpg.

Acesso em 08/05/2015

A figura 4 reúne a intertextualidade implícita e explícita. A composição é uma

propaganda de uma das chapas concorrentes às eleições para direção da Faculdade de

Educação da UFBA (Universidade Federal da Bahia), ocorrida em outubro de 2011, cujo

nome era Saci. Na composição da peça, o autor se utilizou de elementos linguísticos e

imagéticos que dialogam com a lenda do Saci, a começar pelo nome da chapa, o que

caracteriza a intertextualidade explícita. A intertextualidade implícita aparece na expressão

“marcas de um pé só” e nas imagens do pé esquerdo, do capuz vermelho e do cachimbo. Estes

elementos remetem à referida lenda, sem, contudo explicitar a fonte.

2.3.2 Intertextualidade latu sensu

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A intertextualidade latu sensu (sentido amplo) não exige a presença de um intertexto;

aparece em todo e qualquer texto, pois este só existe porque se constitui em um mosaico de

citações, em dizer algo já dito por outrem ou por si mesmo. Na perspectiva da Linguística

Antropológica, existe uma ligação entre um texto e outro, “não apenas com enunciados

isolados, mas com modelos gerais e/ou abstratos de produção e recepção de textos/discursos”

(BAUMAN e BRIGGS, 1995 apud KOCH et al., 2012, p. 85).

É nesta perspectiva que Koch, Bentes e Cavalcante analisam alguns gêneros textuais,

considerando as estratégias de manipulação de intertextualidade intergenérica e tipológica.

Para elas. estes tipos de intertextualidade situam-se nos limites da intertextualidade latu sensu

e strictu sensu.

2.3.2.1 A Intertextualidade intergêneros ou intergenericidade

O termo intergenericidade surge da ideia de que os gêneros se imbricam, se misturam

para formar outros gêneros, um assumindo a função do outro. Segundo Marcuschi (2008, p.

165), a linguista alemã Ulla Fix denomina esse fenômeno de “intertextualidade tipológica”,

no entanto ele próprio designa de “intergenericidade”.

Sabemos que os gêneros do discurso apresentam composição formal, conteúdo

temático, estilo, situação de uso e propósitos de comunicação que são próprios de cada um; no

entanto, eles dialogam entre si. É a familiaridade mantida pelos usuários dos gêneros

discursivos que permite o reconhecimento dos mesmos, construindo o que Van Dijk (1994

apud KOCH et al., 2012, p. 3) denomina de “modelos cognitivos de contexto”, utilizando-os

adequadamente nas diversas situações comunicativas.

Para Koch e Elias (2012, p. 118) a intertextualidade intergêneros é “um fenômeno que

ocorre quando um escritor produz um gênero em um formato diferente do que é esperado,

dependendo do propósito que tem em mente.” Isto ocorre porque os gêneros mantêm entre si

uma relação intertextual quanto à composição formal, ao conteúdo temático e ao estilo.

No exemplo que segue, podemos perceber a mistura dos gêneros propaganda e diário

de bordo. Vejamos:

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Figura 5 - Cena do vídeo “Lenda ou verdade?”

Fonte: http://i.ytimg.com/vi/lL4HidGDaBw/maxresdefault.jpg. Acesso em 12/07/2015.

A empresa de cosméticos “O Boticário”, ao lançar a linha de produtos de maquiagem

“intense”, a divulgou em uma campanha intitulada “intense sereias urbanas”, através da qual

veiculou no Blog http://vivalinda.boticario.com.br/ uma série de propagandas com a temática

da sereia. Para introduzir a coleção, por exemplo, foi exibido um vídeo intitulado “Lenda ou

verdade?”, no qual uma voz feminina apresenta o que diz a lenda sobre as sereias e quem são

as sereias de verdade: as mulheres modernas que encantam com sua beleza. Durante essa

narração aparecem cenas de sereia, entre elas a figura 5, a qual analisada isoladamente, só se

percebe o diálogo com a lenda da Iara por causa da imagem do ser que é metade mulher e

metade sereia. A última cena do vídeo apresenta toda a linha de produtos da referida coleção,

acompanhada da fala: “Talvez você seja uma sereia urbana, se ainda não sabe, descubra-se!”.

O vídeo parecia ser apenas informativo, mas no final se percebe que se trata de uma

propaganda. Para o sentido ser construído pelo interlocutor alguns elementos são essenciais,

como o nome da marca e o conhecimento da função conativa da linguagem, que é a intenção

de convencer o interlocutor da mensagem. A comunicação, portanto, só se efetiva se houver o

conhecimento do contexto de produção, sem o qual o prejuízo semântico torna-se inevitável.

Na cena destacada nesta análise (figura 5), a expressão “Diz a lenda” dá a ideia de que o texto

narrará uma história fantástica, no entanto o texto parafraseia um trecho de uma notícia

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veiculada em um jornal online, no qual aparece a descrição de um ser marinho. Todavia, o

trecho “o ser capturado esta noite por um grupo de marinheiro corresponde à descrição

conhecida de uma sereia” referencia implicitamente a lenda da Iara, pois a descrição dita

como conhecida a ela nos reporta. Na elaboração da cena, o produtor se utilizou da estratégia

de manipulação da intertextualidade genérica de composição e conteúdo, em que aposta no

conhecimento dos seus leitores a respeito da referida lenda para que se consiga atribuir o

sentido esperado. Além disso, percebe-se a presença da intertextualidade intergenérica, tendo

em vista que o gênero propaganda apresenta sequências textuais próprias do gênero diário de

bordo. No quadro abaixo apresentamos os textos citados. Observe:

Quadro 5 - Comparação entre o texto “Diz a lenda” e o texto “Evidências sobre a

existência de sereias são divulgadas em vídeo”

Diz a lenda Evidências sobre a existência de sereias

são divulgadas em vídeo

Em 1932, em um diário de bordo de uma

embarcação veneziana continha o seguinte

relato: “o ser capturado esta noite por um

grupo de marinheiro corresponde à descrição

conhecida de uma sereia. É uma fêmea de

cabelos e olhos castanhos, e pernas cobertas

por escamas, que terminam em único

membro em forma de cauda de peixe.”

Verdade ou alucinação?6

“O ser vivo capturado esta noite por um

grupo de marinheiros é consistente com as

conhecidas sereias”, disse o diário de bordo

da embarcação veneziana “Nosso Senhor das

tempestades”, em 28 de janeiro de 1432. “É

uma fêmea de cabelos e olhos negros, suas

pernas são cobertas por escamas duras e

terminam num único membro em forma de

rabo de peixe”. 7

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados da pesquisa, 2015.

Os dois textos apresentam sequências textuais próprias do gênero diário de bordo,

contudo, considerando que a figura 5 é uma cena de um vídeo publicitário em que se divulga

a coleção de maquiagem citada anteriormente, podemos dizer que há a hibridização de dois

gêneros: a propaganda e o diário de bordo. A propaganda com a função apelativa, pois a

imagem do ser feminino, sobressaindo-se dos demais elementos, adornada com acessórios que

6 http://i.ytimg.com/vi/lL4HidGDaBw/maxresdefault.jpg. Acesso em 12/07/2015.

7 https://www.epochtimes.com.br/cientistas-descobrem-evidencias-da-existencia-de-sereias/#.VabxV7WYHFA.

Acesso em 12/07/2015.

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realçam a sua beleza, tendo os traços faciais bem marcados pelos tons e cores de uma

maquiagem, constituem um convite para as mulheres tornarem-se tão belas quanto a sereia.

Temos, portanto, uma propaganda – podemos assim considerá-la levando em conta o contexto

de produção e o propósito da comunicação – com sequências narrativas características de um

diário de bordo. Neste sentido, temos um gênero com formato de um outro gênero: a

propaganda com a sua função apelativa, e o diário de bordo, cuja função precípua é registrar

acontecimentos importantes de uma navegação. Esta hibridização, no entanto, não confunde o

interlocutor porque é a função que determina o gênero. Neste exemplo, o que prevalece é a

função da propaganda: a imagem está mais em evidência que o texto escrito; além de

conservar a função primordial: seduzir e convencer o interlocutor. Portanto, não são os tipos

textuais que determinam o gênero textual, tendo em vista que a função supera a forma na

determinação do gênero.

2.3.2.2 A Intertextualidade tipológica

A intertextualidade tipológica surge do fato de que uma sequência ou tipo textual

apresenta um conjunto de características comuns em relação à estruturação, seleção lexical,

uso de tempos verbais e outros elementos dêiticos; Tais características podem ser

reconhecidas como pertencentes a uma determinada classe e cada gênero elege as sequências

ou tipos que farão parte da sua constituição.

As sequências ou tipos textuais são: narrativas, expositivas, injuntivas,

argumentativas. As sequências narrativas predominam no gênero lenda, e apresentam

características próprias, das quais podemos destacar:

Existência de uma sequencia de eventos: há uma situação inicial, uma complicação,

sucessão de ações, resolução do conflito e uma situação final;

Predominância de verbos de ação e de organizadores temporais;

Ausência de verbos e pronomes pessoais;

Presença do discurso relatado (direto, indireto e indireto livre).

As sequências descritivas, expositivas, injuntivas e argumentativas, por sua vez,

apresentam outras características que lhes são pertinentes, entretanto tais características

podem eventualmente aparecer no texto narrativo, ou vice-versa. Na composição formal de

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um texto pode haver predominância de um tipo ou sequência textual, todavia não se pode

evitar a hibridização, conforme podemos perceber no texto 7.

Texto 7

Lenda do Curupira

Conta a lenda que: dentro da floresta, num rio sinuoso, uma canoa segue com seus

passageiros: são pescadores, caçadores ou simples viajantes. Os únicos sons que se ouvem

são os dois remos batendo nas águas e o alegre canto dos passarinhos. De repente, ouvem-se

pancadas que parecem vir de longe. É o Curupira testando se as árvores resistirão à

tempestade e avisando aos habitantes da floresta sobre tormenta que se próxima. Ele é um

estranho ser que protege a floresta e todos os animais que nela vivem. É pequeno, tem unhas

azuis e pés virados para trás.

Ai daquele que matar ou tentar caçar animais pequenos e fêmeas, derrubar árvores ou

judiar da plantas. Para estes, o Curupira reserva castigos terríveis. Para defender a natureza, o

Curupira ataca seus inimigos e os castiga de diversas maneiras: Faz com que se percam na

floresta ou os engana, parecendo ser uma caça. Porém, o Curupira não é só terror. Ele não

persegue aquele que caça por necessidade, mas além de exigir presente pede segredo

absoluto.

(RADESPIEL, Maria. Alfabetização sem segredos: 2º ciclo. 4ª série.

Minas Gerais: Iemar, 2003.)

Legenda:

Sequência narrativa

Sequência descritiva

Sequência expositiva

Sequência argumentativa

É muito comum a intertextualidade tipológica confundir-se com a intertextualidade

intergenérica. Pinto (2011, p. 171), muito claramente explica que

[...] a intertextualidade intergêneros ou intergenericidade é o fenômeno composicional

híbrido de um gênero com uma determinada forma, porém com função de outro

gênero, e cada um deles elegerá uma ou mais sequências tipológicas para a sua

organização composicional, constituindo o fenômeno da heterogeneidade tipológica.

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Para melhor esclarecer essa questão, Marcuschi (2002), considerando a função e o

formato de um gênero, apresenta a seguinte figura:

Figura 6: - Intertextualidade tipológica

Fonte: Marcuschi (2002, p. 31).

Na figura 6 percebemos que um gênero pode assumir o formato de outro; um artigo de

opinião, por exemplo, pode assumir o formato de um poema; no entanto, o leitor não tem

dificuldade em identificar o gênero textual de uma composição porque logo percebe a função

predominante.

Retomando a figura 5, que é uma cena de um vídeo publicitário, notamos que o

formato é de um diário de bordo, mas a função é de uma propaganda. As sequências textuais

eleitas para a composição do gênero foram as seguintes:

Diz a lenda

Em 1932, em um diário de bordo de uma embarcação veneziana continha o seguinte relato:

“o ser capturado esta noite por um grupo de marinheiro corresponde à descrição conhecida

de uma sereia. É uma fêmea de cabelos e olhos castanhos, e pernas cobertas por escamas,

que terminam em único membro em forma de cauda de peixe.” Verdade ou alucinação?

Legenda: Sequência narrativa Sequência descritiva Sequência expositiva

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Em síntese, podemos dizer que a presença das sequências dos diversos tipos textuais

em um gênero caracteriza a intertextualidade tipológica enquanto que a presença de um

gênero com a função de outro gênero caracteriza a intertextualidade intergenérica ou

intergenericidade.

2.3.3 A intertextualidade e o ensino da produção textual

Considerando a complexidade que envolve a prática de produção textual e sendo esta

uma missão da escola, torna-se necessária a busca de estratégias para que esta tarefa seja

interessante, prazerosa e eficaz, propiciando uma aprendizagem efetiva e significativa. Os

PCN’s postulam que

Para aprender a escrever, é necessário ter acesso à diversidade de textos escritos,

testemunhar a utilização que se faz da escrita em diferentes circunstâncias,

defrontar-se com as reais questões que a escrita coloca a quem se propõe produzi-la,

arriscar-se a fazer como consegue e receber ajuda de quem já sabe

escrever. Sendo assim, o tratamento que se dá à escrita na escola não pode inibir os

alunos ou afastá-los do que se pretende; ao contrário, é preciso aproximá-los,

principalmente quando são iniciados “oficialmente” no mundo da escrita por meio

da alfabetização (BRASIL, 1998).

Apesar da iniciação no mundo da escrita acontecer na alfabetização, percebe-se que os

estudantes chegam ao Ensino Médio apresentando dificuldades em ler, compreender e

produzir textos escritos. Sabemos que estes problemas poderiam ter sido elucidados no ensino

fundamental e, no entanto se estendem, em alguns casos, até mesmo para o ensino superior,

evidenciando que o ensino da produção textual não tem sido assimilado pelos discentes.

Portanto, cabe à escola rever suas práticas pedagógicas e desenvolver atividades que venham

suprimir tais dificuldades, observando a importância da mediação do professor neste processo

de aprendizagem.

Como já foi dito anteriormente, é possível ensinar a produção de textos orais e escritos

e isto é uma missão da escola. Sabendo que todo texto se constrói a partir de algo já dito,

constituindo-se como um mosaico de citações, e que uma das maiores dificuldades dos alunos

é escrever com propriedade - pois muitas vezes não sabem como, nem sobre o quê - o

trabalho com a intertextualidade pode ser um grande aliado, pois possibilita instrumentalizar o

discente tanto para a compreensão das leituras como para a produção de textos.

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Platão e Fiori (2007, p. 18) afirmam que “para a compreensão global de um texto,

muitas vezes é preciso entender as alusões e referências que ele faz a outros textos, sua

intertextualidade.”. Esta concepção nos leva a entender que quanto mais experiências de

leitura uma pessoa tenha, mais compreensão de um texto ela deverá ter, pois mais facilmente

perceberá os diálogos estabelecidos nos textos, realizando a construção dos sentidos. Isto

significa dizer que o professor deve oferecer textos diversificados para seus alunos, a fim de

desenvolver a capacidade leitora destes, corroborando para que realizem leituras significativas,

e ampliem seus repertórios discursivos, pois “A percepção das relações intertextuais, das

referências de um texto a outro, depende do repertório do leitor, do seu acervo de

conhecimentos literários e de outras manifestações culturais” (Platão e Fiori, 2007, p. 20).

Geraldi (2012, p. 59-60) expõe que a prática de leitura envolve dois tipos de textos e

dois níveis de profundidade: textos curtos (contos, crônicas, reportagens, lendas, notícias de

jornais, editoriais, etc.) e narrativas longas (romance e novela). Para atividades de produção

de texto em sala de aula ele recomenda a leitura de textos curtos, em um grande grupo

formado pelo professor e pelos alunos. Desta forma, “o professor poderá exercer sua função

de ruptura no processo de compreensão da realidade” Geraldi (2012, p. 64). Dizendo de outra

forma, será possível discutir a temática abordada, descortinando a semântica do texto,

culminando com a produção de textos orais e escritos. As intervenções do professor também

poderá ajudar o aluno a perceber os diálogos que os textos travam entre si, facilitando a

compreensão dos mesmos. Este tipo de trabalho, além de desenvolver habilidades para a

compreensão da leitura, desenvolve também a competência escritora, porque à medida que os

discentes se apropriam de novos conhecimentos, mais facilidade terão em escrever seus textos.

Não podemos perder de vista que a maneira mais produtiva de se ensinar um gênero

textual é a sequência didática, como veremos mais adiante.

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3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A prática docente evidencia que os discentes do ensino fundamental apresentam sérias

dificuldades para produzir textos escritos. Esta constatação gerou uma inquietação que

suscitou alguns questionamentos. Primeiramente se indagou: de que forma o professor de

Língua Portuguesa pode ajudar os estudantes do ensino fundamental a desenvolver a

capacidade de ler e escrever com competência? Pensando nesta questão surgiu a ideia de se

trabalhar com a intertextualidade porque é um excelente recurso para a construção de sentidos

de um texto e para o ensino da produção textual. Esta decisão levou-nos a mais uma escolha, a

do gênero discursivo, pois Schneuwly e Dolz (2004, p.96) postulam que “é possível ensinar a

escrever textos e exprimir-se oralmente em situações públicas escolares e extraescolares”. E,

para o ensino da escrita de textos, eles sugerem o trabalho com gêneros textuais em um

procedimento com sequência didática. Desta forma, foi escolhido o gênero lenda como forma

de subsidiar o processo de leitura e escrita dos discentes do ensino fundamental. Então

surgiram outras questões: quais atividades didáticas poderiam ser aplicadas e quais conteúdos

seriam ensinados para que os discentes aprendessem o gênero lenda?

Essas questões foram relevantes na delimitação do tema, do objeto e do sujeito da

pesquisa e foram fundamentais para a escolha do produto final, que é a proposta de

intervenção pedagógica direcionada para professores de Língua Portuguesa do 6º ano do

ensino fundamental.

Esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa com abordagem interpretativa, pois,

[...] envolve o estudo do uso e a coleta de uma variedade de matérias empíricas -

estudo de caso; experiência pessoal; introspecção; história de vida; entrevista;

artefatos; textos e produção culturais; textos observacionais, históricos, interativos e

visuais[...]. Entende-se, contudo, que cada prática garante uma visibilidade diferente

ao mundo. Logo, geralmente existe um compromisso no sentido do emprego de mais

de uma prática interpretativa em qualquer estudo (DENZIN e LINCOLN, 2006, p.

17).

Ancorada nesta concepção e visando cumprir o propósito deste estudo, foram

realizados alguns procedimentos metodológicos. Inicialmente foi realizado levantamento de

dados através da pesquisa bibliográfica em livros e em sites de internet, a fim de coletar os

textos verbais e não verbais que compuseram o corpus da pesquisa. Marconi e Lakatos (2010)

afirmam que a pesquisa bibliográfica não implica em repetir o que já foi estudado, pois o

pesquisador pode abordar o assunto, dando um novo enfoque, uma nova abordagem, podendo

chegar a conclusões inovadoras. Desta forma, foram coletados e selecionados os textos que se

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constituíram objeto de análise, tendo como critério a possibilidade de diálogo com o gênero

lenda.

Os textos selecionados foram analisados observando questões relacionadas à

construção dos textos, ao contexto de produção e aos aspectos linguísticos e imagéticos.

Sendo o texto um único tecido não é possível separar um aspecto do outro porque eles têm

uma relação de dependência e todos colaboram para a construção do sentido e da intenção

comunicativa (Antunes, 2010). Desta forma, a prática de análise de texto carece

metodologicamente de definição de critérios por parte do analista. Optamos, então, por

analisar os aspectos globais do texto, não perdendo de vista a relação dialógica que permeia

todo e qualquer texto e se constitui foco desta pesquisa.

Após a coleta dos textos, realizou-se a pesquisa bibliográfica pertinente ao tema em

estudo para alicerçar as discussões teóricas e subsidiar as análises dos textos e as propostas de

atividades didáticas pedagógicas, as quais foram construídas paralelamente às leituras dos

teóricos que serviram de suporte para este trabalho.

3.1 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA

A sequência didática, segundo Schneuwly e Dolz (2004, p. 97), “é um conjunto de

atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral

ou escrito” e tem como objetivo ajudar o aluno a dominar um gênero discursivo, contribuindo

para que ele possa escrever ou falar adequadamente numa situação comunicativa. A escola,

então, deve trabalhar com gêneros que os estudantes ainda não dominam, ou que dominam de

forma insuficiente, oportunizando o acesso destes às práticas de linguagem que ele

desconhece.

Nesta perspectiva, o docente precisa propiciar momentos de interação texto/leitor

leitor/texto e de produção de textos orais e escritos, realizar atividades sistemáticas e variadas,

assegurar a apropriação das técnicas e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento de

sua capacidade expressiva nas mais variadas situações comunicativas, pois esta é a principal

finalidade de uma sequência didática: contribuir para que o aluno aprenda um gênero

discursivo, facilitando e melhorando a sua capacidade de falar e escrever adequadamente. O

modelo proposto pelos referidos autores apresenta a seguinte organização:

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Figura 7 - Esquema da sequência didática

Fonte: Schneuwly e Dolz (2004, p. 98).

Na apresentação da situação deve-se detalhar cada uma das etapas do procedimento

para que os estudantes compreendam a finalidade da proposta e tomem conhecimento das

competências que irão desenvolver. Sabiamente o professor deverá seduzir o aluno,

motivando a sua participação no processo, ajudando-o a perceber a importância da proposta

para o seu desenvolvimento cognitivo.

A etapa seguinte corresponde à produção inicial de um texto. Esta produção serve para

diagnosticar o que os alunos já sabem sobre o gênero, suas potencialidades e dificuldades; é o

momento do professor perceber em que ele pode intervir e adequar as atividades planejadas às

reais necessidades de aprendizagem.

Os módulos compreendem atividades ou exercícios organizados de maneira

sistemática, com a finalidade de instrumentalizar os estudantes para que superem as

dificuldades relacionadas ao gênero, aos conteúdos a ele relacionados e a pratica de leitura e

de escrita.

A produção final finaliza a sequência didática. Nesta produção os alunos podem

concretizar e evidenciar os conhecimentos que adquiriram em cada módulo. Constitui-se em

um instrumento de avaliação, pois permite que o professor verifique se os objetivos

estabelecidos foram alcançados.

Vale ressaltar que o processo de escrita pode durar o tempo necessário para o texto ser

trabalhado até chegar à versão final. O texto torna-se objeto de trabalho; é revisto, refeito, até

cumprir o objetivo proposto. Não se pode descartar a possibilidade de eliminá-lo e escrever

um novo texto; o importante é que o aluno perceba que

O processo de produção e o produto final são, normalmente separados. [...] o texto

permanece provisório enquanto estiver submetido a esse trabalho de reescrita. [...] o

aluno deve aprender que escrever é (também) reescrever [...] A escrita deve ser

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corrigida no final; o texto, durante muito tempo provisório, é o instrumento de

elaboração do texto definitivo (Schneuwly e Dolz, 2004, p. 112).

Com base nestes pressupostos, algumas atividades de leitura e escrita foram

organizadas em uma sequência didática, com o intuito de oportunizar ao professor de Língua

Portuguesa e Redação o acesso a algumas atividades pensadas com o objetivo principal de

aprimorar a leitura e a elaboração de textos dos discentes. O gênero lenda mostrou-se

adequado para este trabalho em virtude da importância que apresenta para a formação do

indivíduo, para o resgate da cultura e para a perpetuação da tradição popular. A escolha dos

textos considerou o aspecto da relação intertextual, possibilitando ao aluno a apropriação de

conhecimentos essenciais para a construção de sentidos e elaboração de textos orais e escritos.

Vale dizer que as atividades propostas no próximo item são meras sugestões didáticas que

poderão ser modificadas para adequar à heterogeneidade da sala de aula. O mesmo vale dizer

em relação à duração de cada atividade.

3.2 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA

Assunto: Intertextualidade

Gênero Textual: Lenda

Disciplina: Língua Portuguesa

Público alvo: Professor de Língua Portuguesa e Redação do 6º ano do Ensino Fundamental

Apresentação da Situação (2 aulas de 50 minutos cada)

Objetivos:

Conversar com os alunos sobre o trabalho a ser desenvolvido;

Realizar um diagnóstico acerca do conhecimento que os estudantes têm sobre lenda e

intertextualidade;

Propiciar o contato dos alunos com o gênero lenda;

Produzir textos orais.

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1) Apresentar para os alunos, em Power Point, o trabalho a ser desenvolvido em sequência

didática sobre a intertextualidade no gênero lenda, descrevendo cada uma das etapas.

2) Fazer o levantamento de conhecimentos prévios dos alunos,

através dos seguintes questionamentos orais:

Quem já ouviu histórias de pessoas mais velhas? (solicitar

aos alunos que contem as histórias que já ouviram dos seus

antecedentes).

Quem contou essas histórias?

Essas histórias são encontradas em algum livro, revista ou

jornais?

Como chegaram até nós?

Elas são reais ou fictícias?

Quem sabe o que é uma lenda?

Podemos afirmar que as histórias contadas pelas pessoas mais idosas são lendas? Por

quê?

O que diferencia uma lenda de outros tipos de textos?

3) Usando projetor multimídia, o professor deverá exibir a tirinha abaixo.

Fonte: https://tiroletas.wordpress.com/tag/tirinha/. Acesso em 08 de junho de 2015.

Para verificar se os alunos conhecem as lendas e o recurso da intertextualidade, levantar

os seguintes questionamentos:

Quem são as personagens que aparecem na tirinha?

Alguém conhece a lenda do Saci e da Mula-sem-Cabeça?

Quem é o Saci? E a Mula-sem-Cabeça?

Professor, se os

alunos não citarem

nenhuma lenda, cite

alguns títulos para

que eles relembrem

das narrativas.

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Quem não conhece essas histórias consegue compreender o sentido da tirinha? Por

quê?

Produção Inicial (3 aulas de 50 minutos cada)

Objetivos:

Possibilitar aos alunos o contato com diversas lendas;

Perceber os elementos comuns nos textos lidos;

Fazer a reescrita inicial de uma lenda.

1) O professor deverá organizar a turma em pequenos grupos. Cada grupo deverá receber

um livro de lendas.

Solicitar que escolham uma lenda para ler.

Após a leitura no grupo, comentar acerca do que conseguiram compreender sobre o

texto.

Eleger um representante do grupo para apresentar o texto para os demais colegas.

2) Organizar a turma em semicírculo, e o representante de cada grupo narrará a lenda lida.

Em seguida, apresentará as conclusões a que chegaram, justificando a escolha feita.

3) Questionar os alunos sobre os elementos comuns nos diversos textos apresentados:

4) O professor deverá perguntar aos alunos qual a

lenda que eles acharam mais interessante.

Individualmente, cada aluno escreverá um texto

recontando a lenda que foi mais citada.

Explicar brevemente que intertextualidade é o diálogo que existe entre os textos e

que todo texto se compõe a partir de outros que o antecede. Ressaltar que na

composição da tirinha o autor dialoga com as lendas do Saci e da Mula-sem-

Cabeça. Salientar que este recurso será utilizado durante o desenvolvimento da

sequência didática, para que eles aprendam a usar esta ferramenta nas suas

produções textuais.

A reescrita da lenda deve acontecer

sem consulta a nenhum material. Esta

produção inicial será entregue ao

professor.

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MÓDULO I

Conteúdos:

Organização do texto;

Elementos de um texto narrativo;

Tipos ou sequências textuais;

Intertextualidade: explícita, implícita, estilística e temática.

Atividade 1: (3 horas/ aula de 50 minutos cada)

Objetivos:

Refletir sobre os elementos estruturais do texto narrativo;

Perceber a relação de intertextualidade.

O Saci e o Curupira

Era uma vez um homem muito pobre. Ele saía para caçar de dia, voltava sem nada. Aí

resolveu experimentar de noite.

- É muito perigoso – avisou a mulher. – Se você ouvir barulho de pau batendo na

árvore, pode voltar. É saci, querendo saber se a árvore vai resistir à tempestade que vem.

- Paque, paque!

Alguém batia na árvore, mas ele nem notava. Até que numa clareira topou com o

Saçaruê, pulandinho numa perna só:

- Quem lhe deu ordem pra caçar a esta hora?

- Ninguém – disse o homem tremendo. – Mas é que sou muito pobre e não arrumo

caça de dia.

- Gostei de você – falou o saci. – Você tem fumo?

O matuto deu fumo pro cachimbo do negrinho.

- Vamos fazer um trato – disse ele, baforando. – Se você me trouxer fumo toda noite,

eu lhe arrumo caça.

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Toda noite o pobre saía levando fumo pro saci. E voltava com uma caça nas costas.

Até que o fumo dele acabou.

- Faça uma coisa – sugeriu a mulher. – Leve estrume seco de cavalo. Ele pensa que é

fumo e lhe dá a caça. Sem comida é que não podemos passar.

O homem morria de medo de enganar o saci, mas levou.

- Eta fuminho fedorento!... – comentou o calunga.

- É que tava guardado na estrebaria – mentiu o homem.

Na noite seguinte o saci não apareceu. Nem na outra, nem na outra. O homem ficou

aborrecido e jogou a culpa na mulher:

- Ara, diabos! Você que me mandou enganar o neguinho...

Uma bela noite, eles estavam dormindo, desanimados, barrigas vazias, quando

bateram na porta.

- Não é ninguém – disse a mulher. – É a minha barriga fazendo ronrom.

Tornaram a bater. O homem se levantou para espiar pelo cantinho da janela. Era o

curupira.

- O senhor não tem aí um pouquinho de pólvora? Perguntou o menino de calcanhar

virado. Mas perguntou baixinho.

- Tenho e não tenho – respondeu o homem, maluco pra fazer comércio.

- Se o senhor me arrumar um pouco de pólvora – disse o curupira – cada noite lhe

trago uma caça como essa. Só peço uma coisa: sua mulher não pode saber que sou eu.

A mulher, porém, tinha visto pela janela. Quando o homem entrou, ela foi logo

dizendo: era o curupira, e coisa e tal.

- Era mesmo – confessou o homem. – Mas ele pediu pra não contar a você. [...]

Uma noite o curupira cansou de bater na janela, cadê que o homem vinha abrir? Estava

doente.

- Como vai ser hoje? – perguntou a mulher.

- Vista minhas roupas – sugeriu o homem. – Ele é criança e não vai perceber.

Foi a última noite que o curupira apareceu. A mulher jogou a culpa no homem:

- Não fosse sua ideia de jerico, a caça tava aí. Praga de homem!

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Tanto brigaram, que um saiu prum lado e outro pro outro.

O homem se chama João Galafoice. E está sempre de surrão às costas. Tem gente que

acredita que é pra esconder criança. Bobagem. É um montão de fumo pra trocar com o saci.

Só que o saci não aparece pra ele, não.

A mulher se chama Maria Gomes. Tá sempre de cabelo despenteado, anda que anda

por aí. Maria Gomes espia o calcanhar de tudo quanto é menino, mas não precisa ter medo,

não. Tá só procurando o curupira pra pedir desculpa.

(Santos, Joel Rufino dos. O Saci e o Curupira. São Paulo: Ática, 1984

1. O professor deverá organizar a turma em pequenos

grupos e entregar para eles um envelope contendo recortes

do texto O Saci e o Curupira de Joel Rufino dos Santos.

Dizer para os alunos que cada envelope contém um texto

completo, e que deverão ler os recortes e organizar o texto

numa sequência lógica. Ao término desta atividade, cada

grupo, através de um representante, deverá explicar de que

forma conseguiu organizar o texto.

2. De posse do texto organizado, os alunos deverão responder às seguintes questões:

Qual o acontecimento principal?

R: Um homem muito pobre saiu para caçar, mas não encontrando caça durante o dia,

resolveu caçar à noite, quando se encontrou com o Saci.

Onde e quando se passa a história?

R: A expressão “Era uma vez” dá ideia de um tempo distante. Quanto ao lugar, há

referência de uma casa, de uma floresta, e de uma estrebaria. Daí se deduz que a

história se passa em uma casa de campo.

Quais personagens que aparecem no texto?

R: O Saci, o Curupira, João Galafoice e Maria Gomes.

Quem narra a história é também personagem ou é alguém que observa os fatos?

Professor, depois que

os alunos organizarem

o texto fatiado, é

interessante fazer a

leitura do texto

original para que eles

percebam a sequência

lógica do mesmo.

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R: Narrador observador. Narrativa em 3ª pessoa.

O que levou o homem a negociar com o Saci e o Curupira?

R: A escassez de alimento.

O que foi feito para resolver este problema?

R: Em troca de caça o homem prometeu dar fumo ao Saci e pólvora ao Curupira.

Qual o momento de maior suspense na história?

R: O momento em que o casal briga porque um culpa o outro pelo fracasso do plano

deles para não ficarem sem comida.

Como a história termina?

R: O casal se separa. Cada um vai pra um lado.

O que aconteceu de inusitado?

R: O Saci ser visto como o protetor da floresta, já que esta função é do Curupira; e a

revelação de que o homem, na verdade é João Galafoice; e a mulher Maria Gomes.

Quais sentimentos este texto despertou em você?

R: Resposta pessoal.

Este texto lembra alguma outra história ou outras histórias guardadas na memória?

R: A resposta desta questão vai depender do conhecimento que o aluno tem sobre as

lendas que aparecem no texto.

3. Cada grupo construirá um cartaz (com desenho ou colagem) que retrate uma cena do

texto, os quais, após socialização em sala de aula, deverão ser expostos nos corredores da

escola.

Professor: é importante mediar a discussão, comentando com os alunos que o texto é um

exemplo de intertextualidade explícita porque o título traz os intertextos, dialogando com as

lendas: do Saci e do Curupira. Há também a intertextualidade implícita, porque as lendas de

João Galafoice e Maria Gomes não são bem conhecidas e o reconhecimento dos intertextos vai

depender se estas histórias fazem parte ou não do repertório dos leitores. Apresentar estas

lendas para os alunos ampliaria a bagagem cognitiva dos mesmos.

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Atividade 2 (4 horas/aula de 50 minutos cada)

Objetivos:

Conhecer a lenda da Iara;

Estudar os elementos constitutivos da narrativa;

Produzir textos orais.

1. Leitura, pelo professor, do texto A perigosa Yara (Clarice Lispector).

A perigosa Yara

Ao cair de todas as tardes, a Yara, que mora no fundo das águas, surge de dentro

delas, magnífica. Com flores aquáticas enfeita então os cabelos negros e brinca com os

peixinhos de escapole-escapole. Mas no mês de maio ela aparece ao pôr-do-sol para

arranjar noivo.

As mães se preocupam com seus filhos varões, sabedoras de que a Yara quer

noivos. Mas para os filhos, Yara é a tentação da aventura, pois há rapazes que gostam de

perigo.

À medida que a Yara canta, mais inquietos e atraídos ficam os moços, que, no

entanto, não ousam se arriscar.

Sim, mas houve um dia um Tapuia sonhador e arrojado. Pensativamente estava

pescando e esqueceu-se de que o dia estava acabando e que as águas já se amansavam. Foi

quando pensou: acho que estou tendo uma ilusão. Porque a morena Yara, de olhos pretos e

faiscantes, erguera-se das águas. O Tapuia teve o medo que todo o mundo tem das sereias

arriscadas - largou a canoa e correu a abrigar-se na taba. Mas de que adiantava fugir, se o

feitiço da Flor das Águas já o enovelara todo? Lembrava-se do fascínio de seu cantarolar e

sofria de saudade. A mãe do Tapuia adivinhara o que acontecia com o filho: examinava-o e

via nos seus olhos a marca da fingida sereia.

Enquanto isso, Yara, confiante no seu encanto, esperava que o índio tivesse

coragem de casar-se com ela. Pois - ainda nesse mês de florido e perfumado maio - o índio

fugiu da taba e de seu povo, entrou de canoa no rio. E ficou esperando de coração trêmulo.

Então - então a Yara veio vindo devagar, devagar, abriu os lábios úmidos e cantou

suave a sua vitória, pois já sabia que arrastaria o Tapuia para o fundo do rio.

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Os dois mergulharam e advinha-se que houve festa no profundo das águas.

As águas estavam de superfície tranqüila como se nada tivesse acontecido. De

tardinha, aparecia a morena das águas a se enfeitar com rosas e jasmins.

Porque um só noivo, ao que parece, não lhe bastava.

Esta história não admite brincadeiras. Que se cuidem certos homens.

(LISPECTOR, Clarice. Como nasceram as estrelas: doze lendas

brasileiras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987).

X

x

2. Organizar a turma em duplas e solicitar que releiam o texto “A

perigosa Yara”.

3. Após a leitura, os alunos deverão preencher o seguinte quadro:

x

Título A perigosa Yara

Assunto/Tema O poder de sedução da Yara

Cenário O rio

Tempo No mês de maio, ao cair da tarde

Acontecimentos

A Yara surge ao cair de todas as tardes.

Um Tapuia pesca no rio e quando percebe já entardeceu.

Ele vê a morena Yara erguer-se das águas, larga a canoa e corre

para abrigar-se na taba.

A Yara enfeitiça o Tapuia.

A mãe do Tapuia descobre o que aconteceu com o filho,

examina-o e vê em seus olhos a marca da sereia.

Yara espera que o índio tenha coragem para casar-se com ela.

O índio fugiu da taba e do seu povo e entrou no rio, de canoa.

Trêmulo, o Tapuia ficou à espera da Yara.

Ela veio devagar, abriu os lábios úmidos e cantou a sua vitória.

Os dois mergulharam e acredita-se que houve festa no fundo

das águas.

A Yara reaparece á tardinha, em busca de mais um noivo.

Após a leitura, o professor deverá conversar com os alunos sobre o texto lido, relacionando-

o às histórias contadas em classe, explicando por que o texto é uma lenda e apresentar os

elementos constitutivos da narrativa.

É de suma

importância a

intervenção do

professor nesta tarefa.

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Forma de narrar 3ª pessoa – narrador observador.

Personagens

Yara

Tapuia

Mãe do Tapuia

Linguagem Predomínio da língua formal – apenas um registro de marca de

oralidade: “De tardinha”.

Desfecho Os dois mergulharam e acredita-se que houve festa no fundo das

águas. A Yara reaparece em busca de mais um noivo.

Forma do texto Prosa – o texto está organizado em parágrafos.

4. Concluindo esta tarefa, as duplas deverão trocar os quadros entre si para ver se concordam

ou não com os trabalhos feitos pelos colegas; em seguida, deverão socializar as conclusões.

5. Construir um painel com os quadros preenchidos e colar na parede da sala.

Atividade 3 (3 horas/aula de 50 minutos cada)

Objetivos:

Reconhecer a presença da intertextualidade estilística;

Compreender como a intertextualidade estilística foi utilizada na produção dos textos

“Como nasceram as estrelas” e “Do que eu tenho medo”.

1. O professor deverá apresentar o texto Como nasceram as estrelas, projetando-o na

parede, com marcações e anotações, destacando os elementos que caracterizam o estilo

de Lispector.

Como nasceram as estrelas

Pois é, todo mundo pensa que sempre houve no mundo estrelas pisca-pisca. Mas é

erro. Antes os índios olhavam de noite para o céu escuro — e bem escuro estava esse céu.

Um negror. Vou contar a história singela do nascimento das estrelas.

Era uma vez, no mês de janeiro, muitos índios. E ativos: caçavam, pescavam,

guerreavam. Mas nas tabas não faziam coisa alguma: deitavam-se nas redes e dormiam

roncando. E a comida? Só as mulheres cuidavam do preparo dela para terem todos o que

comer.

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Uma vez elas notaram que faltava milho no cesto para moer. Que fizeram as valentes

mulheres? O seguinte: sem medo enfurnaram-se nas matas, sob um gostoso sol amarelo. As

árvores rebrilhavam verdes e embaixo delas havia sombra e água fresca. Quando saíam de

debaixo das copas encontravam o calor, bebiam no reino das águas dos riachos buliçosos.

Mas sempre procurando milho porque a fome era daquelas que as faziam comer folhas de

árvores. Mas só encontravam espigazinhas murchas e sem graça.

- Vamos voltar e trazer conosco uns curumins. (Assim chamavam os índios as

crianças). Curumim dá sorte.

E deu mesmo. Os garotos pareciam adivinhar as coisas: foram retinho em frente e

numa clareira da floresta - eis um milharal viçoso crescendo alto. As índias maravilhadas

disseram: toca a colher tanta espiga. Mas os gatinhos também colheram muitas e fugiram das

mães voltando à taba e pedindo à avó que lhes fizesse um bolo de milho. A avó assim fez e

os curumins se encheram de bolo que logo se acabou. Só então tiveram medo das mães que

reclamariam por eles comerem tanto. Podiam esconder numa caverna a avó e o papagaio

porque os dois contariam tudo. Mas - e se as mães dessem falta da avó e do papagaio

tagarela? Aí então chamaram os colibris para que amarrassem um cipó no topo do céu.

Quando as índias voltaram ficaram assustadas vendo os filhos subindo pelo ar. Resolveram,

essas mães nervosas, subir atrás dos meninos e cortar o cipó embaixo deles.

Aconteceu uma coisa que só acontece quando a gente acredita: as mães caíram no

chão, transformando-se em onças. Quanto aos curumins, como já não podiam voltar para a

terra, ficaram no céu até hoje, transformados em gordas estrelas brilhantes. Mas, quanto a

mim, tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do que curumins. Estrelas são os olhos de

Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, “sempre” não acaba

nunca.

(LISPECTOR, Clarice. Como nasceram as estrelas: doze lendas

brasileiras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987)

2. Organizar a turma em duplas e entregar para elas uma cópia do texto “Do que eu tenho

medo” e solicitar que façam uma leitura silenciosa.

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Do que eu tenho medo

Bem, o jeito mesmo é começar fazendo uma confissão: a de que sou um pouquinho

covarde, tenho meus medos. E você vai rir de mim quando souber de que é que receio tanto.

E... bem, é...

(Vou tomar uma bruta coragem e dizer de uma vez.)

Tenho tanto medo é do... Saci-Pererê! Mas que alívio em já ter confessado. E que

vergonha. Só não juro que o Saci existe porque não se deve ficar jurando à-toa, por aí. Você

é provavelmente de cidade e não me acredita. Mas que nas matas tem saci, lá isso tem. E eu

garanto essa verdade que até parece mentira, garanto, porque já vi esse meio-gente e meio-

bicho.

E para que você acredite em mim, vou descrevê-lo: ele é um diabinho de uma perna

só (apesar de miraculosamente cruzar a perna). Dou a você como garantia minha palavra de

honra. E ele anda sempre com um cachimbozinho.

Devo dizer que ele não é pessoa de fazer grandes maldades. É, mas faz as pequenas e

marotas. Às vezes quando lhe negam fumo — é melhor ter sempre tabaco numa caixinha

porque prevenir é melhor que remediar — como eu ia dizendo, quando lhe negam fumo, ele

faz das suas. Pois se até leite fervido ele azeda! Mosca na sopa? Pois foi ele o pequeno

malfeitor. Brincadeira tem hora, às vezes a gente fica com raiva. Sem falar que o Saci assusta

as galinhas, coitadas, que já são por natureza assustadas. É, mas não é que ele faz com que

fiquem completamente espavoridas?

Dona-de-casa? Cuidado porque ele queima o feijão na panela. E o danadinho faz

essas coisas ou para se vingar ou para divertir e gostar de atrapalhadas.

Dou minha palavra de que já dei muito fumo ao Saci. Se você não acredita, vou

então descrevê-lo: usa na cabecinha sabida uma carapuça vermelhíssima e escandalosíssima,

tem a pele mais negra do que carvão em noite escura, uma perna só que sai pulando, e, é

claro, um cachimbozinho aceso porque ele tem, como eu, o vício do fumo.

Mas uma vez eu me vinguei. Quando ele me pediu fumo, dei. Mas misturei ao

tabaco... um pouco de pólvora (não demais porque eu não queria matá-lo). E quando ele

tirou a primeira tragada, foi aquele estrondo. Porque eu também sou um pouquinho Saci-

Pererê: foi com ele mesmo que aprendi as manhas.

Aviso ao Saci: por favor não se vingue de mim botando pólvora no meu fumo porque

eu me vingarei pondo fogo na mataria toda!

Acho que tenho dito.

(LISPECTOR, Clarice. Como nasceram as estrelas: doze lendas

brasileiras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987)

3. Após a leitura, relacionando-o com o texto “Como nasceram as estrelas”, deverão pintar

os trechos que mostram intertextualidade estilística, observando as características e as

cores dispostas no quadro que segue.

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CARACTERÍSTICAS COR

Inicia o texto conversando com o leitor, apresentando o

tema/assunto, situando-o no contexto da narrativa. Vermelho

Finaliza o texto deixando no ar uma possibilidade de recomeço,

sugerindo a continuidade por conta do leitor. Azul

Dialoga com o leitor, em vários momentos da narrativa, levando-

o a participar da situação. Verde

Usa uma linguagem formal. Amarelo

Marcas de oralidade Laranja

O texto é narrado de forma poética, evidenciando a função

emotiva da linguagem, percebida através do uso de figuras de

linguagem. Rosa

Abusa do uso de adjetivos, para caracterizar a personagem e

revelar as suas impressões, de maneira subjetiva. Cinza

4. Organizar a turma em semicírculo para a socialização dos trabalhos.

MÓDULO II

Conteúdos:

Gêneros lenda

Intertextualidade explícita

Atividade 1 (2 aulas de 50 minutos cada)

Objetivos:

Compreender o gênero lenda;

Identificar as características de uma lenda.

1) Leitura do texto “Negrinho do Pastoreio” (Antonio Augusto Fagundes).

Negrinho do pastoreio

No tempo dos escravos, havia um estancieiro muito ruim, que levava tudo por

diante, a grito e a relho. Naqueles fins de mundo, fazia o que bem entendia, sem dar

satisfação a ninguém.

Entre os escravos da estância, havia um negrinho, encarregado do pastoreio de

alguns animais, coisa muito comum nos tempos em que os campos de estância não

conheciam cerca de arame; quando muito alguma cerca de pedra erguida pelos

próprios escravos, que não podiam ficar parados, para não pensar bobagem... No

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mais, os limites dos campos eram aqueles colocados por Deus Nosso Senhor: rios,

cerros, lagoas.

Pois de uma feita o pobre negrinho, que já vivia as maiores judiarias às mãos

do patrão, perdeu um animal no pastoreio. Prá quê! Apanhou uma barbaridade atado

a um palanque e depois, cai-caindo, ainda foi mandado procurar o animal extraviado.

Como a noite vinha chegando, ele agarrou um toquinho de vela e uns avios de fogo,

com fumo e tudo e saiu campeando. Mas nada! O toquinho acabou, o dia veio

chegando e ele teve que voltar para a estância.

Então foi outra vez atado ao palanque e desta vez apanhou tanto que morreu, ou

pareceu morrer. Vai daí, o patrão mandou abrir a “panela” de um formigueiro e atirar

lá dentro, de qualquer jeito, o pequeno corpo do negrinho, todo lanhado de laçaço e

banhado em sangue.

No outro dia, o patrão foi com a peonada e os escravos ver o formigueiro. Qual

não é a sua surpresa ao ver o negrinho do pastoreio vivo e contente, ao lado do

animal perdido.

Desde aí o Negrinho do Pastoreio ficou sendo o achador das coisas extraviadas.

E não cobra muito: basta acender um toquinho de vela ou atirar num cano qualquer

naco de fumo.

(FAGUNDES, Antonio Augusto. Mitos e lendas do Rio

Grande do Sul: folclore. 7 ed. São Paulo: Martins Livreiro,

2000).

2) Estudo do texto

a) Qual o assunto do texto?

R: O menino negro castigado pelo sumiço de um cavalo

b) No texto, há informação sobre o lugar em que a história aconteceu?

R: Sim, na estância.

c) Quais as expressões que nos levam a inferir que a história aconteceu em um

passado muito distante?

R: “No tempo dos escravos...” e “(...) nos tempos em que os campos de estância

não conheciam cerca de arame...”

d) Quais são as personagens? Elas têm nomes? Justifique.

R: As personagens são o negrinho, o estancieiro, a peonada e os escravos.. Os

nomes não são citados porque o foco está na função social que eles ocupam.

e) Como era o negrinho?

R: Um pobre negrinho sofredor.

f) Qual a função dele?

R: Pastorear alguns os animais da estância.

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g) Por que ele foi castigado?

R: Ele foi castigado por causa do sumiço de cavalo.

h) Você concorda que o castigo foi merecido? Por quê?

R: Pessoal. Espera-se que o aluno diga que não, pois ninguém merece sofrer os

maus tratos que ele sofreu.

i) O que o estancieiro encontra no dia seguinte quando vai ver como está o negrinho,

depois do castigo?

R: O negrinho do pastoreio vivo e contente, ao lado do animal perdido.

j) Esta lenda tem uma finalidade?

R: Sim, resgatar fatos da cultura brasileira, a fim de preservar a nossa história.

k) Em sua opinião, esta história é verídica? Explique.

R: Pessoal

l) Esta história o faz lembrar-se de alguma outra história, algum filme? Qual?

R: Pessoal

3) Sistematizando as características do gênero lenda.

a) Assinale os itens que contêm informações corretas sobre o gênero lenda, de acordo

com o texto “Negrinho do pastoreio”.

( x ) O escritor Antonio Augusto Fagundes apresenta uma versão da lenda, mas

ninguém sabe quem é o autor da história.

( ) O escritor Antonio Augusto Fagundes é autor da lenda Negrinho do pastoreio.

( ) Esta lenda não apresenta nenhum aspecto da cultura brasileira.

( x ) Esta lenda aborda um fato relacionado à história brasileira: a escravidão.

( x ) O protagonista da história é um ser misterioso e a recuperação do seus

ferimentos se deu de forma sobrenatural.

( ) O protagonista da história é uma pessoa comum.

( ) A lenda não é uma história fantástica porque apresenta fatos reais que retratam a

realidade de maneira objetiva.

( x ) A lenda é uma história fantástica porque possui elementos ficcionais,

imaginários, que se distanciam da realidade, como exemplo, o fato do negrinho

sobreviver após o castigo do seu patrão.

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( x ) A lenda é uma narrativa de cunho popular que povoa o imaginário das pessoas e

sobrevive porque faz parte de memória coletiva, indistinta e contínua, ou seja, a

tradição e a transmissão oral a mantém viva.

( ) A lenda é uma narrativa de cunho popular que povoa o imaginário das pessoas e

só sobrevive porque os livros didáticos registram suas histórias.

( x ) Não são dados muitos detalhes sobre os acontecimentos narrados.

( ) Os acontecimentos são narrados com riqueza de detalhes.

( ) A lenda não tem nenhuma serventia.

( x ) A lenda tem uma finalidade.

Atividade 2 (3 horas aula de 50 minutos cada)

Objetivos:

Explorar a intertextualidade explícita;

Valorizar a cultura brasileira através do resgate das lendas do Saci e do Curupira;

Caracterizar as personagens da narrativa.

1) Para iniciar a atividade, sensibilizar e envolver os alunos, o professor mostrará as

imagens da Chapa 2 (Saci) e do Curupira:

Chapa 2

Fonte: https://osaciperere.files.wordpress.com/2011/10/pegadas-1.jpg.

Acesso em 08/05/2015

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Curupira

Fonte: http://fc06.deviantart.net/fs27/f/2008/100/e/b/eb34c45a00578a4c.jpg

Sobre a imagem da Chapa 2:

Que elementos aparecem nesta imagem?

Por que na imagem só aparece a pegada de um pé esquerdo?

Esses elementos lembram alguma personagem lendária?

Professor: é preciso conversar com os alunos sobre as lendas do Saci e do Curupira,

fazendo as intervenções necessárias para que eles relembrem as narrativas. As questões

que seguem são meras sugestões para explorar alguns aspectos das lendas e servirão

apenas para orientar a discussão. Seria interessante informar-lhes que os primeiros

registros da lenda do Saci datam do fim do século XVIII e que “Durante a escravidão, as

amas-secas e os caboclo-velhos assustavam as crianças com os relatos das travessuras

dele. Seu nome no Brasil é origem Tupi Guarani. Em muitas regiões do Brasil, o Saci é

considerado um ser brincalhão enquanto que em outros lugares ele é visto como um ser

maligno. É uma criança, um negrinho de uma perna só que fuma um cachimbo e usa na

cabeça uma carapuça vermelha que lhe dá poderes mágicos, como o de desaparecer e

aparecer onde quiser. [...] O Curupira é um anão de Cabelos Vermelhos com Pelo e

Dentes verdes. Como protetor das Árvores e dos Animais, costuma punir o os agressores

da Natureza e o caçador que mate por prazer. É muito poderoso e forte. Seus pés voltados

para trás serve para despistar os caçadores, deixando-os sempre a seguir rastros falsos.

Quem o vê, perde totalmente o rumo, e não sabe mais achar o caminho de volta. É

impossível capturá-lo. Para atrair suas vítimas, ele, às vezes chama as pessoas com gritos

que imitam a voz humana. É também chamado de Pai ou Mãe-do-Mato, Curupira e

Caapora. Para os Índios Guaranis ele é o Demônio da Floresta. Às vezes é visto

montando um Porco do Mato.”.

Fonte: http://www.terra.com.br/criancas/especiais/folclore/saci.htm

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Como ela se comporta diante das pessoas e dos animais?

Essa personagem se relaciona com algum fato da nossa história?

Sobre a imagem do Curupira:

O que essa figura representa?

Como é a pessoa que aparece na imagem?

O que ela tem de diferente?

Por que será que ela está montada em um porco?

Em sua opinião, ela vive no campo ou na cidade?

Sobre as duas imagens:

Você acha que as personagens relacionadas às imagens são seres normais ou

sobrenaturais?

Elas existem na vida real ou só na imaginação das pessoas?

São de uma mesma lenda ou de lendas diferentes?

Alguém é capaz de contar uma dessas lendas?

2) Leitura compartilhada do texto “O Saci e o Curupira” .

Após a leitura, solicitar que alguns alunos falem sobre o enredo do texto, destacando o

que lhes chamou atenção.

Individualmente, cada aluno deverá fazer um desenho que represente a compreensão

do texto.

Socialização dos desenhos.

Professor, o texto “O Saci e o Curupira” já foi trabalhado no módulo I sob um

outro enfoque. Retomá-lo e explicar para os discentes que o autor, no processo de

produção do texto, reuniu duas lendas brasileiras para compor seu próprio texto.

Professor, é possível que o aluno exponha a noção de diálogo entre as duas lendas.

Aproveite explicar como é possível se utilizar do recurso da intertextualidade para

melhorar a produção de texto. Além disso, seria importante destacar os ensinamentos que

o texto traz sobre valores humanos, como fidelidade, verdade etc.

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Atividade 3 (4 horas aula de 50 minutos cada)

2. Acessar a charge através do link: http://2.bp.blogspot.com/-

QFoeTFl_yuE/UtCJTfg3X3I/AAAAAAAAEO0/jSid2sYD0T4/s1600/genildo.jpg

3. Ler a charge e analisá-la oralmente, juntamente com os alunos, considerando o contexto de

produção, os elementos linguísticos e imagéticos.

Para direcionar a análise da charge, sugerimos os seguintes questionamentos orais:

Qual a representante da política nacional que está retratada na charge?

Quais os elementos que permitem esta constatação?

O que se pode depreender do título da charge, associado à imagem?

Com qual personagem lendário a caricatura se relaciona?

Que elementos favorecem esta identificação?

Sem o resgate da lenda do Curupira, seria possível a construção do sentido do texto?

Objetivos:

Conhecer o gênero charge;

Relacionar a charge ao gênero lenda;

Compreender a intertextualidade implícita.

1. O professor deverá levar os alunos ao laboratório de

informática para pesquisar o gênero charge. De posse deste

conhecimento, deverão expor o que aprenderam sobre o gênero.

Professor, após as

exposições dos

alunos, se achar

necessário,

conduza a

discussão para a

observação das

características do

gênero charge.

Neste momento, professor, introduzir a discussão sobre intertextualidade implícita,

ressaltando o diálogo entre a charge e a lenda do Curupira.

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72

Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-

QFoeTFl_yuE/UtCJTfg3X3I/AAAAAAAAEO0/jSid2sYD0T4/s1600/genildo.jpg.

Acesso em 08/06/2015.

4. Utilizando um software ou papel sulfite, solicitar às duplas que recriem a charge, usando

outro personagem lendário.

MÓDULO III (2 aulas de 50 minutos cada)

Objetivos:

Recuperar as narrativas trabalhadas anteriormente;

Fazer leitura das imagens;

Reconhecer a intertextualidade entre as imagens e algumas lendas.

1) Para retomar algumas lendas trabalhadas durante o desenvolvimento da sequência

didática, o professor deverá usar algumas imagens que as relembrem, para montar um

jogo da memória. Como sugestões, apresentamos algumas:

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73

Fonte: http://geradormemes.com/meme/4wdz41. Acesso em 08/05/2015.

Fonte: https://editoramulticultural.com.br/capa/Entrada/20-marina,-morena,-se-pintou-para-a-guerra.html.

Acesso em 15/07/2015.

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O Curupira – Lenda Amazônica (Manoel Santiago).

Fonte: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ms_arquivos/ms_1926_curupira.htm.

Acesso em 07/06/2015.

Fascinação da Iara (Thoedoro Braga)

Fonte: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_tb_arquivos/tb_iara.jpg.

Acesso em 08 de maio de 2015.

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75

2 Após a brincadeira, o professor apresentará as imagens no projetor multimídia e,

juntamente com os alunos, fará a leitura de cada uma delas, dialogando com as lendas

trabalhadas.

3 Escolher, juntamente com os alunos, uma das lendas para fazer na lousa a reescrita

coletiva.

PRODUÇÃO FINAL (3 aulas de 50 minutos cada)

Objetivos:

Produzir o texto final;

Aprimorar a escrita dos alunos.

1. O aluno fará a reescrita individual da lenda eleita na atividade anterior.

2. Após a primeira escrita, solicitar que revise o texto, observando o seguinte roteiro8:

8 Este roteiro, com adaptações, foi extraído da seguinte fonte: Guia de Planejamento e orientações didáticas para

o professor do 4º ano do ciclo 1. São Paulo. Secretaria Municipal de Educação: SME/DOT, 2008, p. 78-79.

Para montar o jogo da memória serão necessários 12 pratos de papel, 6 pares

das imagens selecionadas, tesoura e cola.

Colar as imagens no fundo do prato, deixar secar e começar a brincadeira.

A reescrita coletiva visa preparar o aluno para escrever a produção final.

Professor, o processo de escrita pode durar o tempo necessário para o texto ser

trabalhado até chegar à versão final. O texto torna-se objeto de trabalho; é revisto,

refeito, até chegar ao seu destinatário. Não se pode descartar a possibilidade de eliminá-

lo e escrever um novo texto; o importante é que o aluno perceba que escrever é também

reescrever, pois o texto precisa ser corrigido e reescrito até apresentar-se de maneira

aceitável, de acordo com as características do gênero e do conteúdo temático.

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Aspectos que Deverão Ser Observados Sim Não Preciso Refazer

Você reescreveu a lenda preservando a sua

finalidade?

Você colocou o título?

Você iniciou a lenda diretamente, falando

genericamente de tempo e lugar?

Você evitou muitas descrições?

Você utilizou, no início, expressões como:

“Conta a lenda que...”; “Contam... que...”;

“Havia um...”; “Um certo ... em...”?

Você evitou apresentar os ensinamentos

explicitamente, procurando diluí-los ao

longo do texto?

Você utilizou expressões de variedades

regionais no seu texto?

Considera que o leitor conseguirá

compreender o texto com facilidade?

Você apresentou os fatos essenciais da

narrativa?

A ordem em que foram apresentados estava

correta?

O texto foi apresentado de maneira atrativa

para o leitor?

A ilustração estava adequada ao texto?

Você organizou os parágrafos de maneira

adequada?

Você procurou utilizar os sinais de

pontuação adequados ao que pretendia

dizer?

Você utilizou letra maiúscula sempre que

necessário?

Você escreveu de maneira legível?

Procurou escrever sem erros de ortografia?

Observações do professor:

3. Fazer as adequações necessárias e reescrever a versão final.

3.3 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA: APLICAÇÃO E RESULTADOS

A aplicação da proposta pedagógica foi realizada com a finalidade de testar as

atividades e assim verificar se atendiam ou não ao principal objetivo que consiste em utilizar a

ferramenta da intertextualidade como recurso para a construção de sentidos de um texto e para

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o aprimoramento da produção textual, tendo como enfoque o diálogo que o gênero lenda

estabelece com outros gêneros textuais.

Esta aplicação se deu na turma do 6º ano B, turno matutino, da Escola Municipal Dr.

João Duarte Guimarães, na qual a pesquisadora desempenha a função de docente, ministrando

aulas de Língua Portuguesa e Redação, desde o mês de maio do ano em curso, quando se

iniciou a aplicação da sequência. A turma é composta de 22 (vinte e dois) alunos frequentes,

mas nem todos se submeteram às atividades propostas em virtude de algumas situações

adversas mencionadas posteriormente. Dos 22 (vinte e dois) alunos, 7 (sete) fizeram apenas a

produção inicial, 6 (seis) apenas a final, 1 (um) não fez nenhuma atividade. Apenas 8 (oito)

alunos submeteram-se a todas as atividades propostas, e realizaram as produções textuais

(inicial e final). Logo, apenas estes foram analisados neste trabalho.

A referida escola está situada no Distrito do Limoeiro, no município de Feira de

Santana, Bahia, e atende alunos do Ensino Fundamental I e II do referido distrito e

adjacências. Os sujeitos envolvidos na pesquisa são alunos da faixa etária 12 e 13 anos,

oriundos da zona rural, filhos de trabalhadores rurais e industriais, tendo em vista que existe

um polo industrial próximo do Distrito; todavia as pessoas que não possuem qualificação para

trabalhar nas indústrias se dedicam à lavoura. Muitos dos discentes apresentam sérias

dificuldades na leitura e na escrita.

Vale dizer que a sequência não foi aplicada na íntegra – foram necessárias algumas

adaptações porque a escola está provisoriamente funcionando em um galpão e as salas de aula

foram improvisadas com divisórias em madeira, visto que as instalações físicas da mesma

encontram-se em reforma e na localidade não havia um espaço mais adequado para o

funcionamento da escola. Além disso, não foi possível utilizar nenhum recurso tecnológico

por falta de condições para tal. De certa forma, esses entraves interferiram nos resultados, pois

as condições de aprendizagem não foram favoráveis: muitos alunos inquietos, com

dificuldade de concentração, em virtude do elevado índice de ruídos internos e externos à sala

de aula, ocasionados pela acústica do ambiente, o que favorece as conversas paralelas sobre

assuntos alheios às aulas, ocasionando enormes prejuízos à aprendizagem dos mesmos.

Em princípio, a apresentação da proposta pedagógica e a atividade diagnóstica foram

realizadas oralmente, numa roda de conversa. Inicialmente os discentes falaram que não

conheciam nenhuma lenda, mas após algumas intervenções da professora, eles citaram

algumas personagens lendárias e, de forma envolvente relataram algumas histórias,

demonstrando interesse pelo gênero. Diante da dificuldade em realizar o trabalho docente, em

virtude dos fatores citados anteriormente, percebi, neste momento, que o fato dos alunos

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terem afinidade com o gênero seria um fator positivo e poderia facilitar o desenvolvimento do

trabalho. Sendo a turma pequena em quantidade de alunos, foi possível apresentar a tirinha

integrante da atividade inicial, passando o caderno pela roda. Não foi difícil o reconhecimento

do Saci porque é um personagem conhecido por todos; já a Mula sem Cabeça foi reconhecida

apenas por uma minoria. Quem conhecia as histórias logo começou a contá-las, mas o diálogo

entre as histórias e a tirinha, só foi comentado pelos discentes após a interferência da

professora, pois como leitora mais experiente pode fazer algumas intervenções essenciais para

a construção do sentido global do texto.

Após esse primeiro momento, foram realizadas algumas atividades (Produção Inicial),

as quais culminaram com a reescrita de uma lenda eleita nos grupos de trabalho. Apesar da

atividade de produção de texto ter sido realizada individualmente, as lendas foram lidas em

pequenos grupos. O objetivo desta primeira produção foi constituir um corpus para ser

analisado e comparado com a reescrita final, com o propósito de verificar se a sequência

didática contribuiu ou não para o avanço na tarefa de elaboração de textos, Já que sua

finalidade é, segundo Schneuwly e Dolz (2004, p.97), “ajudar o aluno a dominar melhor um

gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada

numa dada situação de comunicação”.

As atividades do Módulo I que foram aplicadas contemplaram os conteúdos de

organização do texto, elementos de um texto narrativo. A atividade 3 tinha como objetivo

trabalhar a intertextualidade estilística, mas não foi realizada porque requeria o uso de um

projetor multimídia, equipamento necessário para o desenvolvimento da atividade, sem o qual

seria muito difícil o aluno do 6º ano perceber os recursos estilísticos que a escritora Clarice

Lispector utilizou na produção dos textos propostos para a atividade. A atividade 1 foi

desenvolvida em pequenos grupos – os alunos organizaram o texto em papel sulfite, mas

antes da colagem a professora foi de grupo em grupo, lendo com eles, buscando a sequência

mais lógica para a compreensão da leitura e da construção do sentido do texto. Com esta ação

foi possível reposicionar alguns trechos que se encontravam fora do lugar, e os discentes

perceberam a importância do encadeamento das ideias para a compreensão da narrativa, e

puderam compreender que várias histórias alternadas formam uma única história.

Os módulos II e III sofreram alterações e foram condessados em apenas um, pois

situações adversas, como: o início do trabalho da professora na escola que só aconteceu no

mês de maio, além das constantes chuvas que caíram na região durante os meses de maio,

junho e julho, o que muitas vezes impediram os alunos de chegarem à escola por conta das

más condições das estradas, tendo em vista que os ônibus que os transportam constantemente

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atolavam nas lamas. Por esses motivos o tempo não foi suficiente para aplicar toda a proposta

didática, a qual, como já foi colocado, sofreu algumas adaptações. Então os módulos I e II,

com as devidas alterações, ficaram assim organizados:

ESCOLA MUNICIPAL DR. JOÃO DUARTE GUIMARÃES

Aluno(a) ___________________________________________________________________

Disciplina: Língua Portuguesa Professora: Josilda Borges

Data: ____/____/2015 Série/Turma: ____________

A charge e a lenda: dois gêneros em diálogo

1) Quem será?

1 Ajuda os caçadores que só caçam por necessidade

2 É a mãe do mato

3 Corpo peludo

4 Não tem órgãos sexuais

5 Vigilante da mata

6 Protege a mata e seus habitantes

7 Corpo de menino

8 Inimigo dos caçadores que perseguem e caçam sem necessidade

9 Inimigo dos caçadores que abatem as fêmeas e os animais pequenos

10 Bate no tronco das árvores antes das trovoadas para prevenir os moradores das

matas dos perigos

11 Cabelos vermelhos

12 Pés virados para trás

Lenda do Curupira

Conta a lenda que: dentro da floresta, num rio sinuoso, uma canoa segue com seus

passageiros: são pescadores, caçadores ou simples viajantes. Os únicos sons que se ouvem são

os dois remos batendo nas águas e o alegre canto dos passarinhos. De repente, ouvem-se

pancadas que parecem vir de longe. É o Curupira testando se as árvores resistirão à

tempestade e avisando aos habitantes da floresta sobre tormenta que se próxima. Ele é um

estranho ser que protege a floresta e todos os animais que nela vivem. É pequeno, tem unhas

azuis e pés virados para trás.

A professora deverá ler as características abaixo descriminadas, para que os alunos

tentem descobrir de qual personagem lendário são tais as atribuições.

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Ai daquele que matar ou tentar caçar animais pequenos e fêmeas, derrubar árvores ou

judiar da plantas. Para estes, o Curupira reserva castigos terríveis. Para defender a natureza, o

Curupira ataca seus inimigos e os castiga de diversas maneiras: Faz com que se percam na

floresta ou os engana, parecendo ser uma caça. Porém, o Curupira não é só terror. Ele não

persegue aquele que caça por necessidade, mas além de exigir presente pede segredo absoluto.

(RADESPIEL, Maria. Alfabetização sem segredos: 2º ciclo. 4ª série.

Minas Gerais: Iemar, 2003.)

2) Você reconheceu algumas características do Curupira, personagem de um texto já

trabalhado nesta unidade. Agora vamos ler outro texto com este mesmo personagem.

3) Assinale os itens que contêm informações corretas sobre o gênero lenda, de acordo com o

texto “Lenda do Curupira”.

( ) A escritora Maria Radespiel apresenta uma versão da lenda, mas ninguém sabe

de quem é a autoria da história.

( ) A escritora Maria Radespiel é autora da lenda Curupira.

( ) Esta lenda não apresenta nenhum aspecto da cultura brasileira.

( ) Esta lenda aborda um fato relacionado à cultura brasileira.

( ) O protagonista da história é um ser misterioso, sobrenatural.

( ) O protagonista da história é uma pessoa comum.

( ) A lenda não é uma história fantástica porque apresenta fatos reais que retratam a

realidade de maneira objetiva.

( ) A lenda é uma história fantástica porque possui elementos ficcionais,

imaginários, que se distanciam da realidade.

( ) A lenda é uma narrativa de cunho popular que povoa o imaginário das pessoas e

sobrevive porque faz parte de memória coletiva, indistinta e contínua, ou seja, a

tradição e a transmissão oral a mantém viva.

( ) A lenda é uma narrativa de cunho popular que povoa o imaginário das pessoas e

só sobrevive porque os livros didáticos registram suas histórias.

( ) Não são dados muitos detalhes sobre os acontecimentos narrados.

( ) Os acontecimentos são narrados com riqueza de detalhes.

( ) A lenda não tem nenhuma serventia.

( ) A lenda tem uma finalidade.

4) Vamos observar a charge para responder as questões que seguem:

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Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-

QFoeTFl_yuE/UtCJTfg3X3I/AAAAAAAAEO0/jSid2sYD0T4/s1600/genildo.jpg.

Acesso em 08/06/2015.

Qual a representante da política nacional que está retratada na charge?

________________________________________________________________________

Com qual personagem lendário a caricatura se relaciona?

________________________________________________________________________

Como você fez estas descobertas?

_______________________________________________________________________

Quais características do Curupira podem ser identificadas nesta charge?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

O que podemos compreender relacionando a charge ao Curupira?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

Sem o resgate da lenda do Curupira, seria possível compreender o sentido da charge?

Justifique.

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

2) Agora, que tal escrever um texto sobre a charge? Você pode criar um texto em prosa ou

em verso. Não se esqueça de colocar um título.

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A atividade foi iniciada com a professora citando algumas características, dizendo que

era de um personagem lendário, e queria saber quem iria descobrir quem era. Só depois da 7 ª

característica eles descobriram que se tratava do Curupira. Esse primeiro momento teve o

objetivo de trazer à memoria dos alunos o que eles já sabiam sobre a lenda e sensibilizá-los

para a leitura do texto. Então foi distribuída para a turma a atividade impressa e a leitura da

lenda foi iniciada. Em seguida, os alunos responderam as questões propostas sobre a mesma.

O nível de dificuldade nesta tarefa foi mínimo, apenas um ou outro aluno pediu explicação

sobre os enunciados. Concluída esta parte, passou-se para a leitura da charge. Para direcionar

esta leitura e para que os alunos construíssem o sentido do texto, algumas questões foram

feitas oralmente, pela professora. Dessa forma, foi estabelecida uma discussão sobre o tema.

Foi surpreendente perceber como os alunos estavam informados sobre a economia do país e

como eles têm uma opinião formada sobre o assunto. Segundo eles, o que leva ao fracasso da

economia do nosso país é a corrupção, e a culpa é da presidenta, porque não sabe comandar o

país, e por isto a economia não caminha para a direção que ela mesma deseja. Ao serem

questionados sobre a relação da charge com lenda do Curupira, eles ficaram um pouco

confusos, não sabiam com clareza o porquê e fizeram algumas colocações que, a meu ver, não

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tinham muito sentido. Então algumas intervenções foram feitas no sentido de redirecionar a

discussão, buscando a construção do sentido do texto. Após este momento, foi solicitado que

escrevessem um texto sobre a charge. Os textos revelaram que a leitura da lenda, da charge, e

as discussões sobre os temas forneceram aos alunos os elementos de que precisavam para

produzir seus próprios textos, confirmando o que foi dito por Geraldi (2012, p. 64): “o

professor poderá exercer sua função de ruptura no processo de compreensão da realidade”. Ou

seja, as intervenções do professor, as discussões sobre a temática abordada, descortinaram a

semântica dos textos e ajudaram os alunos na construção dos textos orais e escritos.

Na aula seguinte foi proposta a última atividade, a qual se encontra logo abaixo, com o

objetivo de produzir o texto final.

ESCOLA MUNICIPAL DR. JOÃO DUARTE GUIMARÃES

Aluno(a) ___________________________________________________________________

Disciplina: Língua Portuguesa Professora: Josilda Borges

Data: ____/____/2015 Série/Turma: ___________

Produção Final

Nesta unidade você leu algumas lendas, e conheceu algumas personagens lendárias,

como o Saci, a Iara, o Boitatá, o Boto, o Curupira, entre outras. Também percebeu que

alguns textos fazem a junção de duas ou mais histórias, estabelecendo um diálogo entre

elas. Agora vamos brincar com as personagens lendárias e escrever um texto narrativo

em que apareçam alguns desses seres fantásticos? Não se esqueça de dar um título para

ele.

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A primeira escrita do texto foi feita no caderno, e após a revisão os alunos escreveram

na folha da atividade. A revisão foi feita observando os critérios da tabela constante na última

parte da sequência didática.

A aplicação da sequência didática permitiu perceber que os alunos sentiram-se

motivados a escrever porque o assunto era interessante para eles. O gosto pelo gênero lenda

foi evidenciado desde os primeiros momentos, quando o projeto foi-lhes apresentado, pois

falavam dos personagens lendários com entusiasmo, demonstrando algum conhecimento

sobre o assunto. Com o desenvolvimento das atividades foram envolvendo-se e em alguns

momentos entravam nas histórias, tornando-se participantes delas. Alguns relatos mostraram

que eles acreditavam nas lendas que contavam; uns diziam ter visto o Lobisomem, outros a

Mula sem Cabeça. Segundo eles, esses seres existem de verdade e sempre aparecem durante

as noites, na localidade em que moram. Este fato revela-nos que a lenda está inserida no

cotidiano dos discentes e faz parte das rodas de conversa da comunidade.

O interesse dos alunos e o envolvimento nas atividades propostas foram fundamentais

para que se apropriassem dos conhecimentos sobre o gênero lenda e a constituição da

narrativa. A leitura dos diversos textos possibilitou-lhes a ampliação do repertório discursivo

e ajudou-lhes a perceber que a intertextualidade é um recurso muito usado pelos escritores, e

que também poderia ser utilizado por eles, o que contribuiu, ainda de forma elementar, para

que escrevessem seus próprios textos.

Diante disto, podemos dizer que a experiência vem confirmar o que é defendido por

Schneuwly e Dolz (2004, p.96), quando dizem que é possível ensinar a escrever textos, e que

a sequência didática é uma estratégia metodológica eficiente neste processo.

Considerando o objetivo deste trabalho, a análise das produções dos alunos observará

o uso da intertextualidade como ferramenta para o trabalho de elaboração dos textos, e como

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este recurso colaborou para o aprimoramento dos mesmos. Vale ressaltar que serão analisados

a produção inicial e a última versão da produção final, e não serão analisados aspectos

gramaticais, mas o desenvolvimento do texto narrativo, considerando o conteúdo, a

composição e o estilo, levando em conta o diálogo com o gênero lenda.

A seguir apresentaremos os textos produzidos pelos alunos, os quais foram

identificados com a letra A seguida de um número cardinal, a fim de preservar a identidade

dos mesmos. É importante destacar que os textos foram reproduzidos buscando manter

fidelidade à escrita dos alunos.

Textos do aluno A1

Produção inicial juro que vi o curupira e o sasi

um dia foram dos cascadores casa como e u já caba que o curupira feva

quelas bamas estava morendo de medo um dos caçadores sai para caca u

que não aqreditava no [...] em tau como esta.

i um di eu vi u caci na praia ele chegou la numa garafa que ele tinha

ficado preso e ele era negrio cum um goro vermelho na cameca e co tia

uma perna co ele esta curfano e encinando os meninos como anda no roda

muinho eu virei amigão dele.

Produção final

1ª escrita

Eu juro que vi o saci e a Yara

una tavesura eu estava dano pela floreitsta quado eu vi um saci e ele me

atacor i eu qorre deperadaneite i ele miachou.

Ele soquerasi meuanigo e tabe e neconde eu aseutato com u saci fiquei

apavarodo com u sasi ele pegou na nilhanau e neconvidou para passear

pela floresta.

Quando eu vi a Yara e ele saiu qorrendo e eu fui araes para ver a Yara

enstava cantano e eu sair qorreno e fui chanr o sasi para ver e ele nefalo

que não e naisparai para lar eu não foi eu fiquei nais o sasi.

Foral feles para sepre.

Produção final

Eu juro que vi o saci e a Yara

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2ª escrita Uma tavesura eu estava dano pela floresta quado eu vi um saci e ele me

atacor i eu qorre deperadaneite e ele miachou.

Ele soquerasi meuanigo e tabe e neconde eu ase utato com u saci fiquei

apavarodo com u sasi ele pegou na e eu fuinelhandu e neconvidou para

passear pela floresta.

Quando eu vi a Yara e ele saiu qorrendo e eu fui araes para ver a Yara

enstava cantano e eu sair qorreno e fui chanr o sasi para ver e ele ne falo

que não e nasparai para lar eu não foi eu fiquei nais o sasi.

Foral feles para sepre.

O aluno A1, em sua produção inicial, construiu seu texto evocando elementos das

lendas do Saci e do Curupira, todavia não consegue articular bem as ideais. Não existe um elo

de ligação entre elas. Constituem-se em meras citações desconexas. No primeiro parágrafo

fala do Curupira e no segundo sobre o Saci, porém os fatos não se relacionam. São estanques,

isolados e não há um núcleo narrativo. Um outro problema está relacionado à coerência:

primeiro ele diz que o Saci o atacou, depois diz que ele só queria ser amigo. Ao falar da Yara,

não deixa claro por que saiu correndo ao vê-la – não cita a questão do encantamento e do

fascínio que a Iara exerce sobre os homens. Podemos dizer que não há uma tessitura, o que

compromete o sentido.

A produção final não diferencia muito da inicial. Apresenta uma breve introdução, na

qual situa o leitor acerca do lugar. No mesmo parágrafo começa a desenvolver a narrativa

sobre o Saci e a Iara. Este texto apresenta um pequeno avanço em relação ao primeiro porque

articula melhor as ideias, envolvendo os dois personagens numa única trama.

Textos do aluno A2

Produção inicial O curupira e o Saci

Era uma vez dois molques que brincava de dar susto nas pessas.

um dia eles foram dar um susto em um Homem mais o Homem estava

armado.

O Saci foi primero quando ele deu o susto o Homem virol e atirol no

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Saci mas o curupira pulou na frente do Saci e o tiro atijio o curupira.

O Saci chorou muito e o curupira nao morrel ele falar Amigo não vamos

mais fazer essa brincadeira porque alguem pode se ferir.

O Saci respondeu:

– Ta bem. essa brincadeira e muito perigoso! easim foi a historia do Saci

e do Curupira

FIM

Produção final

1ª escrita

O Sorriso de Deus

Havia um Pequeno menino que Se chama curupira ele queria Se

enconcontra com Deus.

ele sabia que tianha um logo caminho pelo frente um dia encheu Sua

mochila com partel e guarana e Saiu para brinca no Parque.

Quando ele andou umas tres quadras encontro um velhinho que

Sechamo de Saci ele tarva Sentado em um banco do prosa olhando os

pássaros. O curupira SentouSe junto a ele abriu Sua mochila e ea comer

quando olhou o Saci e viu que o Saci estava com fome então curupira o

fereceu-lhe um pastel.

O Saci muito agradecido aceitou e sorrio O ce curupira S eu sorriso era

tao incrível que de novo entao ele oferecel.he [...] quarano mais uma vez

o Saci Sorrio ai curupira e oSe deus estar present com nos. FIM

Produção final

2ª escrita

O Sorriso de deus

Havia um Pequeno menino que Se chama curupira ele queria Se

enconcontrar com Deus ele sabia que tianha um logo caminho pelo

frente um dia ele encheu a Sua lanchero com partel e guaranar e [...]

camiado quando ele andol 4 cuada ele quandro co o Saci ele tava

Sentado olhando os pássaro. O curupira SentouSe junto a ele abriu o

Saci mochila. O comel parte olho u deu o Sorrizo [...] Saci esta com

forme então o curupira o ferece le u partel. O Saci muito agradecido o o

[...] o Sorriso de novo entao ele oferecel outro pedaço deus es pressete

Ele to lugar

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O texto inicial do aluno A2 apresenta introdução, desenvolvimento e desfecho.

Estrutura-se em torno de núcleo um narrativo; os acontecimentos são apresentados de forma

lógica e coerente. A intertextualidade explícita ocorre na referência aos personagens lendários

Saci e Curupira, e a implícita em relação à brincadeira de assustar, pois isso é típico do Saci.

Na produção final o discente novamente trabalha com o Saci e o Curupira, ressaltando

a principal característica física do Curupira: “pequeno menino”. A introdução traz o assunto, o

qual é retomado no desfecho: o Curupira queria se encontrar com Deus. Tal encontro se deu

na manifestação de amizade e no gesto entre as personagens. Associando o título aos fatos

narrados, podemos inferir que a figura do Saci é a representação de Deus. Desta forma, ocorre

o que Sant’Anna (2003, p. 28) denomina de intertextualidades das diferenças, e Grésillon e

Maingueneau (1984 apud KOCH et al., 2012, p. 31) de subversão, pois existe um

distanciamento entre o Saci da lenda original, que é um negrinho astuto, maldoso, inquieto,

peralta; e o Saci personagem desta história, que é um velhinho educado e bonzinho.

Textos do aluno A3

Produção inicial Bonba meu boi

Bonba meu boi é um lenda que foi criada a festa acontece dia 6 de

novembro acontece no Brasil inteiro em cada região e chamada por um

nome Boi bumba, Boi colonba e a festa uma tradecao

Produção final

1ª escrita

O menino muito maluquinho

O menino era muito maloquinho gostava assustar tudo mundo um

dia ele foi atustar uma menina bonita mais ele se apaixonou por ela.

- Ele disse: Você é muito linda

- Ela disse: Sai! Você é muito feio e estranho.

Mais um dia a menina estava em aporos um outro monstro queria

pegar ela era o curupira ele estava muito bravo pois essa menina rancou

uma flor da floresta e queria punilha por isso.

Mais o maloquinho chegou e começaram a discutir os dois:

- curupira disse: Saia daqui estou muito bravo com essa menina

- o maluquinho disse: saia ela não fez por mal ela é um menina boa

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vejo ele todos os dias molhando as flores da floresta

- curupira – é mesmo isso é verdade men desculpe.

- a menina assusta disse: tudo bem.

O curupira a menina e o maluquinho se resolveram e decideram

vira amigos cada um cuidava da floresta uma semana e não deixavam

que ninguém maltratassem os animais e arvores e assim foram vivendo

amigos.

Produção final

2ª escrita

O menino muito maloquinho

O menino era muito maluquinho gostava assustar tudo mundo um

dia ele foi assustar uma menina muito bonita mais ele se apaixonou por

ela. Ele disse:

- Você é muito linda

- Você é muito feio e estranho, disse a menina.

Mais um dia a menina esta em aporos um monstro queria pegar ele

era o curupira ele estava muito bravo pois ess menina rancou uma flor

da floresta e queria punilha por esso. O maloquinho chegou e os dois

começaram a discutir o curupira disse:

- Saia daqui estou muito bravo com essa menina

- Saia ela não fez por mal ela é um menina boa vejo ela todo dia

molhando as flores da floresta disse menino o maloquinho. O curupira

disse:

– é mesmo isso é verdade mim desculpe.

- tudo bem.

O curupira a menina e o maluquinho se resolveram viraram amigos

cada um cuidava das flores cada semana e não deixavam que ninguém

matratar as plantas os bichos da floresta.

A produção inicial do aluno A3 restringiu-se a recontar de forma bem resumida a

lenda do Bumba-meu-boi.

A produção final demonstra a habilidade que o discente tem para escrever textos

narrativos; há uma sequência de eventos, a qual é apresentada de forma lógica e coerente. A

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intertextualidade explícita aparece ao mencionar o nome do Curupira e a implícita quando

afirma que o Curupira ficou bravo porque a menina arrancou uma flor da floresta, aludindo a

função do Curupira que é a de protegê-la.

Apesar dos problemas linguísticos, pode-se considerar um bom texto, porque

apresenta o que se espera de um texto narrativo, tanto em relação ao conteúdo quanto à forma.

Textos do aluno A4

Produção inicial O lobo que Sexta-feira Dia de lua cheia o homem vira lobo e a a

manhecer ele vira homem, tem Sete irmãs ai de sete ir que ele ver pela

frente. mãs nasce um menino ele vai virar lobiso 13 anos. Ele sai

asombrano somiterio e as pessoas

Produção final

1ª escrita

O saci e a Mônica

Diz a lenda que na floresta mora um Saci. Do lado da sua casa mora

uma menina chamada Mônica. Ai o saci vinha correndo – Lá vem o sem

pé o Saci ficou revoltado – Sem pé é você, Sua dentussa, ela siapovorou.

O dois comesarão a brigar chegou a raposa e falou não brigem, parecem

duas crianças.

A Mônica respondeu: - não, foe porque ele mim chamou de dentusa,

o Saci não deixou prá lá... ele deu um chute e Mônica morreu.

saci ficar triste se sentiu culpado. Teve o intero da Mônica. ele

chorou de raiva e pegou e si matou.

Feis uma ventania retada, teve dois interos no mesmo lugar. A té a

raposa si sentiu culpada por que deixou o Saci bater nela e a raposa

morreu enforcada.

Produção final

2ª escrita

O saci e a Mônica

Diz a lenda que na floresta mora o Saci.

Dolado da sua casa mora uma menina chamada Mônica.

Ai o saci vinha correndo –

Lá vem o sem pé.

O Saci ficou revoltado –

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Sem pé é você, Sua dentussa, ela siapovorou.

O dois comesarão a brigar chegou a raposa e falou não brigem,

parecem duas crianças.

A Mônica respondeu:

- não, foi porque ele mim chamou de dentusa, o Saci não deixou prá

lá... ele deu um chute e Mônica morreu.

O saci ficar triste se sentiu culpado. Teve o intero da Mônica.

ele chorou de raiva e pegou e si matou.

Feis uma ventania retada, teve do interos no mesmo lugar.

A té a raposa si sentiu culpada por que deixou o Saci bater nela e a

raposa morreu enforcada.

A intenção do produtor do texto inicial era reescrever a lenda do lobisomem, todavia o

que se percebe são enunciados que lembram a lenda, mas não há nenhuma referência

explícita. O texto apresenta problemas graves de organização, de sequenciação das ideias, sem

falar no aspecto linguístico. O sentido ficou bem comprometido.

Na constituição da produção final o aluno reuniu o Saci, a Mônica e a raposa, fazendo

a junção de personagens de três diferentes histórias. Neste texto houve uma melhora no que

diz respeito à organização das ideias e sua disposição narrativa, apesar de ainda apresentar

alguns problemas, como ausência de sinais para marcar as falas das personagens.

Textos do aluno A5

Produção inicial Os nativos da floresta amazonia contam que no sul um homem que virou

um pássaro e se aparixonro pela filha do carasique e chefe dos nativos

ficou furioso e transformou o homem em pássaro.

Produção final

1ª escrita

A Lutar do curupira contra a cuca

Diz a lenda que o curupira é uma criatura que salva a matar dos

homens e do desmatamento. em tão pra receu todos os animais que

chegava era espulso ele redulu

Com isso! as pessoas pensava que o que acontece achava que o

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curupira era culpado de tudo onde aconteceu o curupira disse: Eu fez

isso? Onde e como mais em tão apareceu a cuca para acabar com tudo

passar anos e anos tudo como as planetas já estava morto.

A cuca falou: Eu vou acabar com a sua vida! Responde o curupira:

mais por que quer acabar com a minha vida? Espere pra ver quem vai

acabar com a vida de quem!...

em tão começa a lutar do ano. mais porque essa lutar pergunto o

menino.

a cuca pedeu o pode Ela. Quando foi no dia em pode usa o seu pode

em tão desapareceu

Produção final

2ª escrita

Diz a lenda que o curupira é uma criatura que salva a matar dos

homens e do desmatamento. Então todo que aconteceu mais então pra

recebeu todos os animais que chegava era espulso ele recusou.

Com isso! as pessoas pensava o que acontece achava que o curupira

era culpado de tudo onde aconteceu o curupira disse: Eu fez isso? Onde e

como mais então apareceu a cuca para acabar com tudo passar anos e anos

tudo como as planetas já esta morto.

A cuca falou Eu vou acabar com a sua vida! Responde o curupira:

mais por que quer acabar com a minha vida? Espere pra ver quem vai

acabar com a vida de quem!...

Então começa a luta do ano. Porque essa lutar? pergunto o menino.

A cuca pedeu o poder dela. Q como não podia mais usar o seu poder,

ela desapareceu.

depois de algum tempo as pessoas dexarão o curupira em paz e mais

pessoas escerirão do curupira e viveram de bem.

De maneira confusa, o aluno A5 ensaiou recontar a lenda do Uirapuru, relatando

apenas que um homem se apaixonou pela filha de um cacique, o qual não gostou e o

transformou em um pássaro. Sem muitos detalhes, não é possível depreender o enredo da

história.

Na produção final, o aluno cria uma história envolvendo o Curupira e a Cuca. A

ausência de clareza na disposição das ideias, nos primeiros parágrafos, impede uma

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compreensão global, mas ainda assim se percebe que há insatisfação de algumas pessoas por

causa do comportamento do Curupira, o que provocou uma briga entre ele e a Cuca,

culminando com a perda do poder e o desaparecimento da mesma. Como vimos, não há muita

coerência nessa história porque no início o Curupira é apresentado como o salvador das

matas, depois é responsabilizado por tudo que acontece. O que fica claro é que as pessoas não

ficam satisfeitas com a atitude dele, e a Cuca aparece para resolver a questão. Apesar de todos

esses problemas, fica visível que o aluno aprendeu a usar a ferramenta da intertextualidade, o

que possibilitou uma certa melhora em sua produção textual.

Textos do aluno A6

Produção inicial que a mula ser cabeça

a mula ser cabeça e uma menino que vagava na noite Quinta feira qulado

lra lua cheia mais um quato não foi tirado ela achudava as pesoas em

quado a ver saio do fite.

Produção final

1ª escrita

Era uma vez uma menino que morava do tras muito auto com a sua

nea todas as ves que a sua nea preszas dese ou subi o seu cabelos que era

muito grades e fasia coisa iteresate.

do dia segite oves o rapaz com a joia mito inpalate com treis rapais

da fuza um dois rapais que estava com a faia deu calute e emzano e faziu

com a faia e em camtou a ato lrare.

ele resoveo sapi natore e Quador xezala isima badesafais ele deseu e

Qudo chegou ea empacho be em catoro amutar da mula sem cabeça e fia

elmbsro.

Produção final

2ª escrita

Era uma vez uma menino que morava do tras muito auto com a sua

mae todas as vesi que a sua mae presisava dese ou subi o ela usava o seu

cabelos que era muito graden.

do dia seguite aves-se uma rabo com uma faia muito inpontate com

treis da fuza da poliça um dois treis rapase de calute no auto dois e faziu

com a faia e em cantou uma ata trare.

ele resoveo escade a faia na trare ele sobi no trare Quadro estava

desedo ele avitou a mola sem cabeça e matou nela e saio desparado.

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A produção inicial é uma reescrita da lenda Mula-sem-Cabeça. Entende-se apenas que

um menino transforma-se, nas quintas-feiras de lua cheia, em Mula-sem-Cabeça. O texto

demonstra que o aluno tem pouco domínio da língua escrita, tanto no aspecto ortográfico

como na disposição das ideias.

Na produção final, ainda com os mesmos problemas da inicial, o aluno desenvolve um

pouco mais a narrativa, usando a intertextualidade implícita, cujo intertexto é Rapunzel, e

explícita: Mula-sem-Cabeça. Este recurso ajudou-o a avançar, mesmo que minimamente, em

sua produção textual.

Textos do aluno A7

Produção inicial Que É a mula sim cabeça

a mula sim cabeça, era e uma menina que tinha um fetiso. e sotava fogo.

Na noiti de quita-fera a nula sim cabeça de que se não terá u fetiso ela ira

Auto do mudo na lunha chea a via três rapai a nula sim cabeça como já

tinha uceu fetiso comeso a de para fozo para do u laslo nai u ceu fetiso

não fei tira.

Produção final

1ª escrita

ela uma vez no catelo roza, morava ciz a que molava em uma catelo

que quadem que prudia tem tudo que quelia.

uma dia quelia um cachorro, mais lá não pordea. ate que ela rezuvel

ecomdem no catelo um cac thorro. Trododia ela ia vre q até que um dia,

seu pai descubiu u seu pai ficom revotado.

u dia u ceu pai vil como ela gotava e asim ela pordi tem ocachoro i

ela opedel cometera não ajuda em nada.

Produção final

2ª escrita

catelo rozo

Ela uma vez em um catelo roza morava uma priciza que prudia ter t

udo que querlia

Uma dia querlia um cachorro mais lá não pordia. Além que ela

rezouvel e comdem no catelo um cachorro ela i a verele todos os dias

Seu pai descubio ficom revotado. seu pai viu como ela gotava do

cachorro? i ela opredeu que mite não sem leva anada

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A produção inicial do aluno A7 revela que o discente encontra-se num nível de escrita

muito abaixo do que se espera de um aluno do 6º ano. A organização das ideias, a ortografia e

a ausência de pontuação dificultam a leitura e a compreensão do texto.

Na produção final percebemos que houve um avanço muito significativo, pois o aluno

expressou-se de forma legível, além de melhorar a estrutura do texto, o qual organizou em

quatro parágrafos: o primeiro de introdução, onde ele apresenta o assunto; o segundo e o

terceiro são de desenvolvimento; e o último de conclusão, onde aparece o desfecho da

narrativa.

É possível que as várias leituras dos diversos textos narrativos e as atividades didáticas

desenvolvidas em sala de aula tenham contribuído para que o aluno adquirisse algumas

competências relacionadas à leitura e à escrita. Todavia, há uma fuga do tema proposto e não

se percebe a presença da intertextualidade, o que não significa dizer que o aluno não tenha

utilizado este recurso, visto que um texto nasce de outro, mas notadamente não dialogou com

nenhum dos textos utilizados na sequência didática.

Textos do aluno A8

Produção inicial Como nasceu as estrelas

Diz a lenda que no mês de janeiro muitos indios ativos casavam,

pescavam e guerreavam. mas nas tabas faziam coisa alguma: deitavam-se

nas redes e dormiaue romcando e só as mulheres faziam á comida?

so as mulheres cuidavam do PreParo para todos terem o que Comer. um

certo dia as mulheres levantaram é viram um sol amarelo e brilhate estava

muito quente. elas avistaram uma arvore e debaixo dela avia á gua

dejunto da árvore a via uma espiga demilho que elas a via colhido as

horas foram pasando ental? elas voutaram Para casa Para ver os seus

filhos que estava com muita fome emtam elas chegaram os filhos delas

não estava ea elas ficama? os meninos tião ido Para casa da avó deles

cam.

Cada um cam uma espiga edeua ela ávo disse vau Preparar um bolo de

milho bem gostoso.

Quando o bolo estava Pronto ela botol Para esfriar dePos eles

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comeram...Comeram todo o bolo quando acabal ávo foi colocar os Pratos

na Pia quando ela voutol eles não estavam masla?

E vio um dos filhos subendo em uma corda Pela as quando elas viram

todas elas caíram no cham e viraram onca e oseu filho nunca mas voutol e

ela sabia que ele estava bem Por que ele Cam cada gram de milho ele

transformou em estrelas e sabiam que eles estavam a judando deus. A

cada dia.

moral da estória. não as coissas Por que tudo que você desperdiça Pode

sevir Para muitas coisas.

Produção final

O Saci e o Curupira

Diz a lenda que na Floresta echiste uma criatura extranha que bota

todo mundo pra corre quem Fere os animais e quem Pre judica a Floresta

mais tem outro que não ta nem aí, traquina sem medo Pertuba quei está

queto tambem a susta as pessoas.

- Aquele que Protege chama-se curupira e o outro é Saci os dois se

comehe-seram quando o Saci estava á Prontando e emtam o Curupira foi

derificar o que ele estava Fazendo emtam os dois se comheseram naquele

momento e viraral grandes amigos. um certo dia eles estaval passando

porali eeles ouviram um barulho. Vindo de uma caverna, emtam os dois,

foram ver o que era quando eles emtraval viral uma luz vermelha; era uma

cobra pegando Fogo asi

que eles viram as iram corremdo... corremdo... correndo quan a cobra

ia atrás emtam eles a tro Pesaral e caíram a cobra chegal bem Perto e

Perguntou? Porque correrol eles diz a chamas que ia nos Comer ele diz

não não eu sou do bem e mi chamo Boi tatá naquele momento? Saeu

umagrande amizade e o Boi tatá disse venhal vou mostrar meus amigos

eles foram Perto di um rio e ele Falo iara saia dório uma linda serei e dese

ela sou a iara vamos brincar ental o Boi disse vou chamar os outros

amigos ele chamo a mula sem cabesa a cobra nonato e Fizeral uma grande

Festa e todos viveram Felizes Por augum tenpo.

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Ao recontar a lenda “Como nasceram as estrelas”, inicialmente o aluno fica muito

preso à história original, chegando a reproduzir alguns trechos. Porém a partir do segundo

parágrafo ele se desprende um pouco e começa a recontá-la de forma mais autônoma,

imprimindo ao texto o seu próprio estilo.

Esta primeira produção mostra que o aluno consegue ler e compreender bem, apesar

de modificar ou acrescentar alguns acontecimentos da narrativa. O núcleo narrativo não é

mantido: ele cita que as crianças sobem por uma corda, mas não cita que se transformaram em

estrelas. De certa forma há uma estilização do texto. Em relação à estrutura de um texto

narrativo, podemos dizer que possui introdução, desenvolvimento e desfecho, mostrando ter

familiaridade com o tipo textual. Ao concluir o texto, o discente introduz a moral da história,

dialogando com o gênero fábula.

O primeiro parágrafo da produção final apresenta o assunto do texto, situando-o no

tempo e no espaço. A expressão “Diz a lenda”, também usada na produção inicial, revela que

a história se passa em um tempo não determinado. Quanto ao lugar, é marcado pela expressão

“na floresta”. Ao apresentar o assunto, o produtor do texto relaciona-o ao Saci e ao Curupira,

todavia, no desenvolvimento da narrativa, aparecem outras personagens: a Cobra Nonato, o

Boitatá, a Mula sem Cabeça e a Iara, fazendo uma retomada de algumas lendas lidas durante o

desenvolvimento da proposta. A sequência de eventos mostra que, apesar de problemas de

ordem estrutural em relação à forma, o discente organiza bem as suas ideias e consegue

sistematizá-las de forma lógica e coerente, mantendo fidelidade às características principais

de cada personagem lendário, mostrando que tem conhecimento das respectivas histórias. O

texto apresenta introdução, desenvolvimento e desfecho, o que revela certo domínio no que

concerne à estrutura de um texto narrativo. Podemos afirmar, portanto, que as leituras das

variadas lendas forneceram a este aluno os elementos de que precisara para a construção do

seu próprio texto.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho de pesquisa foi motivado pela percepção de que os estudantes do ensino

fundamental apresentam muitas dificuldades nas tarefas de elaboração de textos. A falta de

domínio dos gêneros textuais não é superada, e muitas vezes não conseguem avançar os

estudos por conta disto. Desta forma, favorecer ao aluno o meio, a oportunidade para que ele

desenvolva a sua capacidade cognitiva contribuiria para a superação deste sério problema e os

ajudaria a resolver a falta de competência para ler com propriedade e escrever textos bem

elaborados e significativos.

Diante desta constatação, pensou-se em usar a intertextualidade como ferramenta para

a produção de texto no ensino fundamental, tendo o gênero lenda como principal instrumento

de ensino. Além disso, pensou-se também em elaborar uma proposta pedagógica para ser

trabalhada em sala de aula. Para alcançar esses objetivos, buscou-se responder aos seguintes

questionamentos: de que forma a intertextualidade e o gênero lenda podem contribuir para o

aprimoramento da leitura e escrita dos discentes do ensino fundamental? Como o professor de

Língua Portuguesa pode colaborar para que os estudantes do ensino fundamental

desenvolvam a capacidade de ler e escrever com competência? Quais atividades didáticas

poderão ser aplicadas e quais conhecimentos deverão ser ativados para esse fim?

Sabendo que os textos estão ancorados em outros textos previamente escritos, que se

constituem em mosaico de citações e que não podem ser avaliados e/ou compreendidos

isoladamente, inferimos que a intertextualidade poderia ser um recurso poderoso para o

trabalho de leitura e produção de textos em sala de aula, pois contribuiria para a construção de

sentidos e facilitaria a prática de produção textual, tendo a sequência didática como

procedimento metodológico para subsidiar o trabalho do professor, propiciando ao aluno o

desenvolvimento das competências leitora e escritora.

Os caminhos percorridos apontaram para a necessidade de se fazer algumas análises

em textos do gênero lenda, considerando o diálogo que travam entre si e com outros gêneros.

Alguns dos textos analisados foram utilizados na elaboração da sequência didática,

acreditando-se que o acesso aos mais variados textos pode ajudar o aluno a ampliar sua

bagagem cognitiva, seu conhecimento linguístico e até mesmo a sua visão de mundo. Nesta

perspectiva, foi sugerida uma proposta de intervenção pedagógica contendo uma sequência

didática com atividades de leitura e produção de textos, com foco no diálogo entre textos do

gênero ficcional lenda, além de outros gêneros, com a finalidade de aprimorar a qualidade dos

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textos escolares. Esta proposta foi aplicada em uma turma do 6º ano do Ensino Fundamental

para verificar a eficácia da mesma. Como resultado, a aplicação mostrou que os alunos, após

se submeterem às leituras, às atividades propostas, apresentaram um pequeno avanço na

construção dos textos escritos. Isso significa que a continuidade de um trabalho com

sequência didática, tomando como base um gênero textual adequado para a idade e a série,

pode contribuir significativamente para a melhoria da qualidade do ensino da produção

textual.

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ANEXOS

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Anexo 1: versão final - textos produzidos pelos alunos

Texto do aluno A1

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Texto do aluno A2

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Texto do aluno A3

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Texto do aluno A4

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Texto do aluno A5

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Texto do aluno A6

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Texto do aluno A7

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Texto do aluno A8

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Anexo 2: fotos dos alunos realizando atividades do projeto