SETEMBRO 2015

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, SETEMBRO/2015 - ANO XVIII - N o 224 O ESTAFETA Foto Arquivo Pró-Memória Os problemas decorrentes de agravos ambientais fazem parte de nosso dia a dia. Os meios de comunicação noticiam a todo o momento assuntos relativos a esse tema. Nos dias de hoje, tem-se acesso a todo tipo de informação. É quase impossível, portanto, imaginar que o cidadão não sai- ba distinguir o certo do errado no trato com a natureza. Quando se fala em meio ambiente, muitos pensam, de imediato, como sinônimos, em fauna e flora. É gra- ve constatarmos que a maioria dos brasi- leiros não se percebe como parte do meio ambiente, normalmente entendido como algo de fora, que não nos inclui, ou pior, não nos diz respeito. Há muito vimos tratando neste informa- tivo das questões ambientais de nosso mu- nicípio. Piquete, em função de sua locali- zação geográfica, ocupou de maneira irre- gular as margens do principal ribeirão que corta o município e de alguns de seus aflu- entes, além das encostas adjacentes. Mais recentemente, também a Serra da Man- tiqueira vem sendo ameaçada pela ocupa- ção irregular decorrente da expansão imo- biliária. Devido a esses agravos que con- correram para a perda da cobertura vegetal do município o volume de água de nossas nascentes vem diminuindo a olhos vistos. A atual crise hídrica por que passa o Sudeste brasileiro, ocasionada, entre outros motivos, por desmatamentos e pelo aque- cimento global, já se faz sentir em nossa região, concorrendo ainda mais para a di- minuição de água potável. Além do mais, um dos graves problemas ambientais en- frentados pela cidade de Piquete é o da poluição de seus rios. Enquanto alguns países europeus desenvolveram planos efi- cientes de despoluição de seus rios, o Bra- sil continua com grande parte dos seus po- luídos ou praticamente mortos. Historica- mente, nossas cidades surgiram nas proxi- midades de algum curso d’água. Piquete não fugiu à regra. Consequentemente, a construção nas margens dos rios, desres- peitando o limite mínimo de proteção, le- vou a um problema ambiental aparente- mente sem solução. A falta de planejamen- to urbano com a não captação e tratamento do esgoto doméstico, jogado diretamente nos rios, faz com que a qualidade das águas se deteriore. O rio, então, com pouco oxi- gênio, agoniza, asfixiado por toda espécie de lixo. Além da poluição, do mau cheiro, da proliferação de ratos e do desenvolvi- mento de micro-organismos vetores de do- enças, temos, todos os anos, no verão, o risco de enchentes devido ao assoreamento. A morte anunciada de nossos rios evidencia a falta histórica de investi- mento público, de educação ambiental, fiscalização e punição rigorosa. A recu- peração da mata ciliar, nos espaços ain- da não ocupados, faz-se necessária. Uma cruzada pela sobrevivência do Rio Pi- quete precisa ser organizada. Exemplos bem sucedidos de despoluição de rios considerados mortos existem. É preciso sensibilização e amor por Piquete. No mais, é só trabalho. Crônica de uma morte anunciada Os olhos do país se voltam para o Planalto Central. Em Brasília, um clima sombrio e pe- sado paira no ar. Essa tensão é prenún- cio de tempestades. O país assiste, ame- drontado, a cada dia, a mais um capí- tulo desse enredo. É nesse ambiente que nos subterrâneos do poder batalhas são travadas. Parlamentares se articulam buscando desestabilizar um governo cada dia mais fragilizado. O futuro do país está em jogo. Poder e dinheiro es- tão por trás dessa novela. O governo federal, como uma nau sem rumo, na- vega por mares tenebrosos enquanto po- líticos inescrupulosos de sua base condicionam apoio a interesses parti- culares. Refém, o governo se vê à mer- cê de fisiologismos. Todo esse clima negativo vinha sen- do engendrado havia algum tempo. Vendeu-se para a população e para o mundo uma imagem do Brasil que não condizia com a realidade. Em poucos meses, o sonho de grandeza acabou. O país dormiu rico e acordou pobre. O Brasil vive um cenário de incertezas profundas na economia e na política. A população amarga um sentimento de ter sido enganada. Votou em um conjunto de valores e está recebendo o oposto. Nesse ambiente turvo perdeu-se a capacidade de pensar o futuro. Por trás de todos esses males temos a corrupção, que se infiltrou em todos os setores da sociedade. Ela atinge patamares impen- sáveis. A falta de lideranças e, princi- palmente, de patriotismo de nossos ho- mens públicos permitiu que isso acon- tecesse. Empurraram o país para um abismo e a população, como sempre, é a mais penalizada. O desemprego as- susta e atinge quase todas as famílias. Enquanto isso, as mudanças políticas, administrativas e econômicas que pre- cisam ser urgentemente empreendidas no país não conseguem ser discutidas no Congresso Nacional. Passou da hora de nossas autoridades assumirem as reais responsabilidades dos cargos para os quais foram eleitas. A população e o Ministério Público estão cada vez mais atenta à grave crise por que passa o país. A falta de planejamento urbano, responsável pela não captação e tratamento do esgoto doméstico, jogado diretamente nos rios, faz com que a qualidade das águas se deteriore. O rio, então, com pouco oxigênio, agoniza, asfixiado por toda espécie de lixo.

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Edição de número 224, de Setembro de 2015, do informativo O ESTAFETA, órgão da Fundação Christiano Rosa, de Piquete/SP.

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E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, SETEMBRO/2015 - ANO XVIII - No 224

O ESTAFETAFoto Arquivo Pró-Memória

Os problemas decorrentes de agravosambientais fazem parte de nosso dia a dia.Os meios de comunicação noticiam a todoo momento assuntos relativos a esse tema.Nos dias de hoje, tem-se acesso a todotipo de informação. É quase impossível,portanto, imaginar que o cidadão não sai-ba distinguir o certo do errado no tratocom a natureza. Quando se fala em meioambiente, muitos pensam, de imediato,como sinônimos, em fauna e flora. É gra-ve constatarmos que a maioria dos brasi-leiros não se percebe como parte do meioambiente, normalmente entendido comoalgo de fora, que não nos inclui, ou pior,não nos diz respeito.

Há muito vimos tratando neste informa-tivo das questões ambientais de nosso mu-nicípio. Piquete, em função de sua locali-zação geográfica, ocupou de maneira irre-gular as margens do principal ribeirão quecorta o município e de alguns de seus aflu-entes, além das encostas adjacentes. Maisrecentemente, também a Serra da Man-tiqueira vem sendo ameaçada pela ocupa-ção irregular decorrente da expansão imo-biliária. Devido a esses agravos que con-correram para a perda da cobertura vegetaldo município o volume de água de nossasnascentes vem diminuindo a olhos vistos.

A atual crise hídrica por que passa oSudeste brasileiro, ocasionada, entre outrosmotivos, por desmatamentos e pelo aque-cimento global, já se faz sentir em nossaregião, concorrendo ainda mais para a di-minuição de água potável. Além do mais,

um dos graves problemas ambientais en-frentados pela cidade de Piquete é o dapoluição de seus rios. Enquanto algunspaíses europeus desenvolveram planos efi-cientes de despoluição de seus rios, o Bra-sil continua com grande parte dos seus po-luídos ou praticamente mortos. Historica-mente, nossas cidades surgiram nas proxi-midades de algum curso d’água. Piquetenão fugiu à regra. Consequentemente, aconstrução nas margens dos rios, desres-peitando o limite mínimo de proteção, le-vou a um problema ambiental aparente-mente sem solução. A falta de planejamen-to urbano com a não captação e tratamentodo esgoto doméstico, jogado diretamentenos rios, faz com que a qualidade das águasse deteriore. O rio, então, com pouco oxi-gênio, agoniza, asfixiado por toda espéciede lixo. Além da poluição, do mau cheiro,da proliferação de ratos e do desenvolvi-mento de micro-organismos vetores de do-enças, temos, todos os anos, no verão, orisco de enchentes devido ao assoreamento.

A morte anunciada de nossos riosevidencia a falta histórica de investi-mento público, de educação ambiental,fiscalização e punição rigorosa. A recu-peração da mata ciliar, nos espaços ain-da não ocupados, faz-se necessária. Umacruzada pela sobrevivência do Rio Pi-quete precisa ser organizada. Exemplosbem sucedidos de despoluição de riosconsiderados mortos existem. É precisosensibilização e amor por Piquete. Nomais, é só trabalho.

Crônica de uma morte anunciada

Os olhos do país se voltam para oPlanalto Central.

Em Brasília, um clima sombrio e pe-sado paira no ar. Essa tensão é prenún-cio de tempestades. O país assiste, ame-drontado, a cada dia, a mais um capí-tulo desse enredo. É nesse ambiente quenos subterrâneos do poder batalhas sãotravadas. Parlamentares se articulambuscando desestabilizar um governocada dia mais fragilizado. O futuro dopaís está em jogo. Poder e dinheiro es-tão por trás dessa novela. O governofederal, como uma nau sem rumo, na-vega por mares tenebrosos enquanto po-líticos inescrupulosos de sua basecondicionam apoio a interesses parti-culares. Refém, o governo se vê à mer-cê de fisiologismos.

Todo esse clima negativo vinha sen-do engendrado havia algum tempo.Vendeu-se para a população e para omundo uma imagem do Brasil que nãocondizia com a realidade. Em poucosmeses, o sonho de grandeza acabou. Opaís dormiu rico e acordou pobre. OBrasil vive um cenário de incertezasprofundas na economia e na política. Apopulação amarga um sentimento de tersido enganada. Votou em um conjuntode valores e está recebendo o oposto.

Nesse ambiente turvo perdeu-se acapacidade de pensar o futuro. Por trásde todos esses males temos a corrupção,que se infiltrou em todos os setores dasociedade. Ela atinge patamares impen-sáveis. A falta de lideranças e, princi-palmente, de patriotismo de nossos ho-mens públicos permitiu que isso acon-tecesse. Empurraram o país para umabismo e a população, como sempre, éa mais penalizada. O desemprego as-susta e atinge quase todas as famílias.Enquanto isso, as mudanças políticas,administrativas e econômicas que pre-cisam ser urgentemente empreendidasno país não conseguem ser discutidasno Congresso Nacional. Passou da horade nossas autoridades assumirem asreais responsabilidades dos cargos paraos quais foram eleitas. A população e oMinistério Público estão cada vez maisatenta à grave crise por que passa o país.

A falta de planejamento urbano, responsável pela não captação e tratamento do esgoto doméstico,jogado diretamente nos rios, faz com que a qualidade das águas se deteriore. O rio, então, compouco oxigênio, agoniza, asfixiado por toda espécie de lixo.

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Página 2 Piquete, setembro de 2015

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira Netto

Redação:Rua Professor Luiz de Castro Pinto, 22Tels.: (12) 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues RamosLaurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETA

Fundado em fevereiro / 1997

O ESTAFETA

Dos sete poderosos arcanjos, mensagei-ros de Deus, São Miguel é o mais conheci-do. Ele é o arcanjo da fé, da proteção, dalibertação do mal, do arrependimento e dajustiça. Por defender o governo de Deus elutar contra seus inimigos, Miguel é consi-derado padroeiro da Igreja Católica e fazjus ao significado de seu nome: “Quemcomo Deus?”. O termo “arcanjo” significa“anjo principal”.

Tanto o Antigo Testamento quanto oNovo Testamento mostram que o ArcanjoSão Miguel foi sempre amado e veneradopelo povo de Deus. Como líder dos exérci-tos celestiais, São Miguel é geralmente re-presentado por cabelos dourados e olhosazuis irradiando brilho deslumbrante querepresentam a confiança e a fé em Deus.

Quando seu nome é invocado em ora-ção, ele ouve as súplicas dos homens – quetrazem dores da alma, mental e física – evem trazer-lhes auxílio com suas legiões,defendendo seus fiéis contra os perigos eas forças do mal e dos inimigos, com ogrande poder que Deus lhe concedeu. Suafesta é realizada todo ano no dia 29 de se-tembro, quando também se comemora o diados anjos Gabriel e Rafael.

No Brasil, a devoção a São Miguel Ar-canjo vem dos tempos coloniais. Ele foisempre honrado e invocado como guarda eprotetor da Igreja, e como guardião dos ago-nizantes, pois é ele quem leva as almas dosque deixam este mundo para junto do tro-no de Deus, para o julgamento. A Igrejainvoca-o como advogado de defesa na vidae na hora da morte.

A devoção a São Miguel ArcanjoEm Piquete, cujo padroeiro é São

Miguel, essa devoção é antiga. Fortaleceu-se a partir de 1864, quando Joaquim Vieiraencabeçou um abaixo-assinado junto commoradores do bairro enviado ao bispado deSão Paulo pleiteando a ereção de uma ca-pela sob a invocação de São Miguel. Rece-bida a permissão eclesial, de imediato ti-veram início as obras, que contaram com aparticipação dos moradores. Fortaleceram-se a fé e a devoção ao padroeiro São Miguel.À frente dessa grande empreitada queaglutinou a população e norteou o cresci-mento de Piquete estiveram o tenente JoséMariano Ribeiro da Silva, que doou o ter-reno para a construção da capela e do ce-mitério, e a família de Francisco Vieira daSilva. Dessa grande família de cafeiculto-res dois filhos se destacaram politicamen-te, batalhando para a emancipação do Bair-ro: Joaquim Vieira Teixeira Pinto, chefe doPartido Conservador até a Proclamação daRepública, e Custódio Vieira da Silva. Fo-ram eles os doadores da primeira imagemde São Miguel, de um dos três altares exis-tentes e das duas torres erguidas quandoda emancipação do bairro e elevação dacapela à Matriz, no ano de 1891.

Em 1875, graças à mobilização dos mo-radores, a capela foi elevada à condição deFreguesia, com o nome de Freguesia de SãoMiguel do Piquete. Apesar dessa condição,não havia padre para celebrar na capela,de modo que, em setembro de 1884, umabaixo assinado encabeçado pelos irmãosCustódio V. Silva e Joaquim Vieira T. Pin-to e mais 93 moradores cobrava das autori-

dades eclesiásticas em São Paulo a vindade um vigário para Piquete. Argumentavaque a referida igreja se encontra concluídae em boas condições de manutenção, alémde provida com todos os paramentos e al-faias. Alegava, ainda, que a Freguesia dePiquete contava com cerca de três mil ha-bitantes e, devido à distância de Lorena,muitos morriam sem os sacramentos. Essamobilização concorreu para a criação da Pa-róquia de São Miguel, em março de 1888,e a vinda do primeiro padre para residirem Piquete, além de iniciar o movimentoque resultou na emancipação do bairro.Entre idas e vindas, a carência de religiosonão arrefeceu a fé e a devoção ao padroeiroSão Miguel. Ao contrário, fortalecia-se como passar do tempo, de maneira que, a todo29 de setembro, com maior ou menor bri-lho, mas nunca esquecida, a Festa de SãoMiguel é sempre comemorada.

Imagem - Memória Fotos Arquivo Pró-Memória

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O ESTAFETA Página 3Piquete, setembro de 2015

Roberto Leal FonsecaGENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE Meu baú...

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Nascido em Pouso Alegre, MG, a doisde fevereiro de 1927, Roberto Leal Fon-seca é o terceiro dos sete filhos do casalJoão Cerqueira de Souza Leal e Maria deLourdes Fonseca Leal. “Sou o único vivodos irmãos...”, conta com disfarçada emo-ção. A profissão do pai, médico sanita-rista, fez com que passasse parte da in-fância e adolescência entre diferentes ci-dades. “O primário fiz em Três Corações– eram cinco anos – e o Ginásio emLavrinhas...”, afirma.

Com cerca de dezesseis anos veio paraLorena, a fim de cursar a Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras, atual Cen-tro Universitário Salesiano de Lorena. Abase sólida de sua formação aliada à qua-lidade de ensino da Faculdade incutiramnele a ânsia pelo conhecimento, o queresultou no acúmulo da vasta cultura quenorteou toda sua vida.

Em 1945, formado, foi lecionar em Pon-te Nova, MG. De lá, foi para Novo Hori-zonte, SP, onde foi professor de Latim. “Na-quele tempo, ainda se lecionava Latim nasescolas. Era a base da gramática e de umaboa compreensão da Língua Portuguesa”,afirma. Em função de questões políticas,retornou para Lorena. De volta à cidadevaleparaibana, ingressou como professor deLatim, Francês e Espanhol no ColégioArnolfo de Azevedo. “Sou um dos funda-dores, o único vivo, acredito...”, afirma, or-gulhoso. Em Lorena ficou até 1981, quan-do se licenciou para assumir a direção ge-ral de uma “Unidade de Ensino Integra-do”, em Tucuruí, no Pará. “A CamargoCorrêa, que à época construía a conhecidausina hidrelétrica daquela cidade; eram cer-ca de 100 mil trabalhadores... A unidadede ensino compreendia vinte e trêsmódulos, que reuniam cerca de 35 mil alu-nos... Eram números que refletiam agrandiosidade da obra”, conta visivelmen-te empolgado. “Foi uma época maravilho-sa de minha vida. Naquela região, estoucerto, desenvolvi minha carreira profissio-nal e pude exercer a cidadania plena, aju-dando a gente sofrida daquela terra”, con-tinua Roberto, com brilho nos olhos.

Roberto casou-se 1953 e desse casamen-to resultaram quatro filhos, doze netos, umaneta e uma bisneta. A união foi, no entan-to, encerrada. Mais tarde Roberto encon-trou a atual companheira, Maria Auxi-liadora Souza Leal, com quem se casou em15 de maio de 1981, pouco antes da via-

gem para o Pará. “Chegamos a Tucuruí emjunho daquele ano”, relata. Lá nasceramos dois filhos do casal.

Em 1992, em função de desacertos en-tre a construtora Camargo Corrêa e o go-verno Fernando Collor de Mello, o projetofoi abortado: “Em 30 de dezembro de 1992,cerca de 95 mil pessoas foram dispensa-das, inclusive toda a área de educação...”.

Roberto, já aposentado pelo estado, e afamília voltaram o Vale do Paraíba e se es-tabeleceram em Piquete, cidade natal da es-posa. “A casa foi construída ‘por telefone’”,conta, sorrindo, e lembrando que o sogrocoordenou toda a obra enquanto a famíliaainda estava no norte do país.

Em Piquete, retomou o magistério leci-onando na Escola do Professor Leopoldo eno Colégio Leonor Guimarães. Tendo atu-ado como orador oficial da Prefeitura Mu-nicipal de Lorena, Roberto conheceu AlaorFerreira, do qual foi o Secretário de Admi-nistração durante todo o segundo mandatodaquele político piquetense. Roberto deuaulas ainda, no Colégio São Joaquim e noSeminário Salesiano, em Lorena. “Na épo-ca, fui maestro da Banda do São Joaquim”,lembra, orgulhoso.

“Tive uma vida muito feliz e sinto-merealizado. Acredito ter feito a diferença paramuitas pessoas, especialmente muitas doestado do Pará, ao garantir-lhes educação

de qualidade, fosse comodiretor ou como profes-sor...”, afirma Roberto.“Aos 88 anos de idade e89 de existência – poiscontabilizo o tempo degestação – lembro-me deque minha mãe me di-zia que fui o filho quemais pontapés dei emseu ventre. Acho que arazão de eu estar bem,de ter merecido umavida produtiva, foiessa: eu tinha pressa,pois queria realizarboas obras”.

As memórias de uma vida vão se so-mando conforme se comemoram os ani-versários... O baú vai ficando com menosespaço de acordo com a ramificação dafamília, o crescimento do círculo de ami-zades, as viagens, os trabalhos... É, lite-ralmente, a vida que se conta em retalhos,com importância vital na construção denossos valores, na definição do caráter...

Com a família crescemos e dela rece-bemos as primeiras orientações que dita-rão o norte da maior parte do que percor-reremos... Dela tiramos exemplos, nelabuscamos inspiração para a vida adulta.Contingências da vida nos levam a trilharcaminhos distintos, é claro. É a evolução,a definição de nossa trajetória pessoal...

Com os amigos adquirimos a indepen-dência da opção. As amizades nascemquando e de onde menos se espera e são,muitas vezes, nosso porto-seguro. Há ami-gos com quem nos encontramos sempre,outros que a distância separa; há, ainda,aqueles com quem quase não convivemos,mas que a admiração torna exemplos.

Em “O que penso da vida, do mundoe de Deus – autobiografia espiritual e ci-entífica”, o mais recente livro do padresalesiano Mário Bonatti, confirmei a ad-miração que sempre nutri pelo autor, pes-soa com quem não convivi proximamen-te. A história e as reflexões encontradasno livro espelham, porém, o que identifi-cava naquele homem frágil e atenciosoque cativava os que partilhavam de suashomilias. Ler Padre Mário permite-nosentender a importância da educação, dasolidariedade, da compaixão – muito doque precisamos nos dias de intolerânciaatuais. Também por meio da leitura meaproximei de outra “desconhecida” – RuthGuimarães. O trabalho da “menina gri-salha de Cachoeira Paulista” me foi apre-sentado por amigos dela. Tive a oportu-nidade de conversar com D. Ruth apenasuma vez. Estou certo, porém, de que a co-nheci por meio de sua obra. Considera-va-a uma amiga, pois muito aprendi comela... Conheci, recentemente, filhos delae a empatia foi natural, tal o apreço quenutria pela “bruxinha boa”...

São muitos os exemplos de amigos quetêm importância em minha vida. Como es-crevi acima, com alguns o contato é cons-tante. Com outros, a distância só inexistepor meio da internet e das redes sociais. Aamizade, o carinho e a admiração, porém,não são menores. Alguns já se foram destavida. As lembranças muitas, no entanto,os conservam vivos. As fotografias nos aju-dam quando o tempo tenta embaçar a me-mória. Assim também o é com familiaresque tanta falta nos fazem...

Meu baú está recheado de memórias.Os vínculos familiares e os de amizadeenriquecem as histórias e assim vou apren-dendo e evoluindo no sentido de uma vidaplena. Acontecimentos bons e ruins nosmoldam e emolduram. Sem eles seríamosuma página em branco. O importante é es-crevermos nossa história e aqueles que delafazem parte a saberem real. Nosso baú dememórias deve ser embasado no acúmulode ricas relações familiares e de amizadessinceras. Que todos consigamos viver eacumular boas histórias!

Roberto trabalhou como Secretário de Administração em um dos

mandatos do prefeito Alaor Ferreira.

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O ESTAFETA Piquete, setembro de 2015Página 4

Os ambientalistas se reju-

bilaram, não sem justificados

motivos, com o Papa Francis-

co pela encíclica “Laudato Si”.

Nela, Francisco se manifesta

intensivamente pela defesa do

meio ambiente contra os agres-

sores provocados pelos jogos

de interesse que colocam os

lucros do capital acima da vida

humana. Estes, como o efeito

estufa, aliado do aquecimento

global pelas elevadas emissões

do gás metano e dos derivados

da queima dos combustíveis fósseis

como o petróleo e o carvão. Por sua vez,

o metano tem a ver com os resultados

do chorume originado dos lixos a céu

aberto na maioria das comunidades ur-

banas brasileiras, por exemplo. Além de

tudo, o chorume penetra nos lençóis

freáticos (correntes de água no subsolo)

e estes contaminam as fontes e o que cha-

mamos “bicas de água”. A queima dos

combustíveis gera o carbono que, em

partículas, se associa ao ar atmosférico

e induz à poluição e a faz adensar-se no

inverno, nos dias mais frios.

O cardeal Bergoglio (hoje, Papa Fran-

cisco), já demonstrava essas preocupações

quando em sua sede em Buenos Aires, na

Argentina, visitava as periferias pobres

mais assediadas pelos lixões e acúmulo dos

detritos insalubres. Além disso, em viagens

apostólicas ele procura visitar essas áreas

e chamar a atenção sobre esses problemas.

Mas, também, já em documento com

o nome de Exortação Apostólica

“Evangelii Guadium”, dada sobre “o

anúncio do Evangelho no mundo atual”,

mostra a necessidade de se cuidar do meio

ambiente, de se combater as agressões e

garantir vida mais sadia e atenção aos

mais desassistidos. Uma leitura atenta

desse documento pontifício é um empre-

endimento enriquecedor e esclarecedor.

Entretanto, não só Francisco se mostra

preocupado com a questão. Papas que o

antecederam já haviam se manifestado. É

o que demonstra o articulista Evaristo E.

de Miranda in artigo denominado

“Habemus papam ecologistum” para “O

Estado de São Paulo” (25/07/15). Cita ele

que o Papa Paulo VI já evocara o problema

na Encíclica “Pacem in Terris” e ainda, São

Francisco, um Papa ecologista?

João Paulo II, o “primeiro” a convocar para

uma conversão ecológica, apesar de a mídia

tratar a ideia como novidade da “Laudato

Si”. Argumenta o citado articulista que “ele

o fez em 2002, com o patriarca de

Constantinopla Bartolomeu I numa decla-

ração comum pela salvaguarda da Criação,

em Veneza”. Continuando, afirma que Ben-

to XVI “tratou a ecologia ao longo de todo

o pontificado”. Cita que Bento XVI fez con-

siderações à poluição no Estado do Vaticano

e de medidas tomadas para evitá-la, apesar

da pequena extensão desse território, além

de que “plantou uma floresta de 7 mil hec-

tares na Hungria” para compensar as emis-

sões de gases do efeito estufa do Vaticano.

Ainda no artigo citado, o autor alega que o

Papa Francisco usou 74 vezes a palavra “na-

tureza”, 55 vezes “meio ambiente”, e que o

nome de Jesus aparece 22 vezes, tomando-

o como “não divinizado” para justificar a

posição de “humano”, e a da palavra

tecnologia o mesmo número de vezes, me-

nos da metade do uso da palavra “ciência”,

em 55 vezes. Contudo faz considerar que,

entretanto, a Academia Pontifícia de Ciên-

cias não é citada nenhuma vez, ela que já é

detentora de uma dezena de prêmios Nobel.

Observação que lhe parece estranhável.

Nesse ponto é bom lembrarmos que a

palavra ecologia começa a aparecer com

Maximilien Sorre nos inícios do século 20,

ainda sob as influências da teoria deter-

minista, vinda do século 19, e seu conteú-

do ligado à noção de “aekus”, do grego,

para significar o ecúmeno, lugar habitá-

vel para os seres vivos, particularmente

os humanos, nas interações com o meio

ambiente. Achando o habitat no decorrer

do século 20, Vidal de La Blache e outros

desenvolveram as ideias do possibilismo,

isto é, a capacidade de adapta-

ção e a ampliação de recursos

para que o habitat se ampliasse.

Hoje, o que mais se fala no sé-

culo 21 é da tecnologia aplica-

da a todo o planeta e dos recur-

sos a ela ligados – os meios ele-

trônicos agindo para o bem e

para a degradação, o que torna

o meio habitável em hostil para

a vida. Daí para a preocupação

com a sustentabilidade. O pró-

prio Francisco, nosso Papa, fala

de uma “democracia digital”,

dando à expressão democracia o mais elás-

tico significado com vistas aos degrada-

dos meios onde vivem os mais pobres e

carentes. Pois, para ele, a condição de vida

deve ser para todos. Não apenas privilé-

gio dos mais ricos.

Francisco quer dizer com isso que a

revolução dos meios de comunicação e

de informação contribuem para que fi-

quem amplamente divulgadas as condi-

ções de vida das periferias pobres, sem

os atendimentos necessários para com a

saúde e a higiene. Estariam, assim, con-

vocados os governos e seus órgãos de

ação e representação atentos às necessi-

dades mais prementes da população mais

desassistida. Na obra “Papa Francisco –

Caminhar com Jesus”, organizada por

Giuliano Vigini, com pronunciamentos

do Pontífice em várias situações e da-

tas, encontramos a expressão dele “Não

tenhais medo de vos fazerdes cidadãos

do ambiente digital”, na edição brasi-

leira da Fontanar, 2014, p.87.

A intenção aqui é a de se usar a co-

municação como meio informativo e

conscientizante das diversidades e das

necessidades a que se ligam pelas dife-

renças e, que cada um, na busca de si,

encontre o outro, especialmente o mar-

ginalizado e excluído. Que reconheça o

direito à existência!

Ao tratar das questões ambientais, o

Papa afirma, pelo seu exemplo, desde como

Cardeal Bergoglio, em Buenos Aires a pro-

curar sempre se aproximar das periferias

excluídas, cujo testemunho é dado pela jor-

nalista argentina Evangelina Himitian em

“A Vida de Francisco – O Papa do Povo”,

Editora Objetiva, 2013. Um belo livro!

Dóli de Castro Ferreira

Reprodução

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O ESTAFETA Página 5Piquete, setembro de 2015

A São Miguel Arcanjo, nosso padroeiro

Invocação

São Miguel Arcanjo,Glorioso príncipe do céu,Protetor nosso,Vitorioso como comandanteDas hostes celestes.

Vencedor de Lúcifer,Outro príncipe da luz,Mas, revoltado e revoltoso,Precipitado nos infernos,De onde ameaça as almas.Que o Arcanjo Miguel nos defenda,Com denodo, coragem, e com a preciosaForça de Deus.Protegei-nos no combate!Assim vos chamamos,Nós, o povo desta terra,Da qual sois o patrono,De nossa vida, memória e trajetória,Subindo e descendo ladeiras,Vivenciando nossos problemas.Vos invocamos pressurosos.Festejamos o vosso dia,de modo especial,pois todos nossos dias são vossos.Ajudai-nos a nos unirPara que a cidade não pereçaNem caia sob as forças dos malesque nos ameaçam. São muitos.Que os pais não deixem os filhos às ruas,Que os filhos não releguemos pais ao abandono.E à vossa juventude,às crianças, aos adultos,E velhos (se preferem, idosos)A todos dai a alegria da vida,Que será eterna enquanto dure,E será eterna após a morteSegundo os desígnios divinos.Sede nosso comandante na força da luta,Justo na força da compassividade.Não nos deixeis perdera memória do passadoQue está no hoje e estará no amanhã.Não permitais que a nuvem densaDo esquecimento nos cubra.Fazei-nos coesos para desejarO progresso na limpezaevitando o desperdício,não jogando lixo no Ribeirão PiqueteNos escondidos da noite,enganando-se asi mesmos e desrespeitando os demais.Nossos rios são nossas referênciasEntre os recortes serranos,Mais o arredondado dos morros.

Dai-nos forçaspara reorganizar o trânsitoCaótico dos veículos,Fazei-nos valorizar a educação paraMelhorar nossos jovens.Unamo-nos, pois a união faz a força,mostram-nos até mesmoos animais pequeninos.Dai-nos sempre a beleza da paisagem,Não a tristeza do desgastado,do descuidado...Que nos encantem semprea beleza dos pássaros.Os cantos, os gorjeios e voos,As flores nas formas, perfumes e cores,Os verdes das matas e das gramíneas,Os percursos das águas,Abundantes ou diminuídos.Amemos esta terra querida e linda,Que amanhece e anoitece,todos os dias, na luz das estrelas:A do sol, diurna, e as das noites,junto às luas.São Miguel! Há tanto o que pedir:A saúde, a paz, a educação,o valor da vida, nós e os outroscomo nós mesmos,O desejo de compartilhar os deveresO de sermos, enfim, cidadãos!Cidadãos conscientes,em benefício de todos!

É Setembro! É Primavera!Flores e amores. Sorrisos e cores.Eu queria falar da alegriaque esta estação irradia.Queria celebrar o pôr-do-sol,o romper da aurora.Colher flores orvalhadas.Sentir o frescor das madrugadas.Queria falar da vida sem intrigas,de muito amor e cantigas.Falar de Deus, de pessoas amigas.Eu queria falar de coragem,da paz, de uma grande viagem.Eu queria falar das crianças,da alegria, de muita esperança.Eu queria falar da vedade,do carinho, da sinceridade.Eu queria falar do perdão,de satisfação, de união.É... Eu queria falar, falar...Mas esse mundo me sufoca.Ouço o grito angustiado,um tanto fraco e apagadodo menor abandonado.O salário aviltante, degradante.Revolta, clamor, desemprego.Nos rostos, as marcas do medo!Cresce o número de assaltos,roubos, crimes, drogas, maus tratos.Dignidade humilhada, lesada.Nos seus direitos, enganada.Angústias vão me saturando.E eu me pergunto: até quando?

Mas, é Setembro! É primavera!Flores, amores, quimeras!É a Festa de São Miguel, o Padroeiro,De Piquete, o guardião.Quem como Deus? é seu grito.Rogo que cheguem ao infinitoAs preces dos filhos teus:Abençoa esta nossa cidade.Dá-lhe paz, prosperidade,Partilha, amor, igualdade!

E setembro chegou...

Eunice Fernandes

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Dóli de Castro Ferreira

Setembro de 2015

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O ESTAFETAPágina 6 Piquete, setembro de 2015

Crônicas Pitorescas

Palmyro MasieroCaras, caras & caras...

Tempos atrás, formatura de ginásio eramotivo de grande orgulho para os pais eum dia radiante para os concluintes. Atu-almente, já não se fazem mais daquelas fes-tas cerimoniosas, coisa, aliás, razoável, poisnão se forma em coisíssima alguma. Massão considerações à margem...

Dentro daquele tempo, recebi convitepara uma dessas solenidades de formandos.Todos os assentos do Cine Estrela do Nor-te estavam tomados, a maioria por uma levade pais e avós emocionados e orgulhosos,aguardando a faustosa programação.

Aberta a sessão pelo diretor da escola,começou a convocação dos membros quecomporiam a mesa dos trabalhos, que, diga-se, estava inteiramente florida, tendo atrás,ao alto, aberta e imponente a bandeira doBrasil. Não sei qual o critério usado na es-colha dos elementos, a verdade é que me

convidaram a tomar parte à mesa (talvez nãotivessem quem mais chamar). Acomodei-mena cadeira a mim destinada lá no palco, deonde avistava a massa lá em baixo.

Abertura com o Hino Nacional. Depoisdiscursos... Mais discursos. Lugares comunsbem comuns... É o diretor que fala, é oparaninfo, é o patrono, é o orador da turma,é aquele que quando a palavra está fran-queada, matraqueia e não a larga mais... Eujá nem estava mais prestando atenção naarenga. Comecei a reparar nas pessoas quelotavam a sala de espetáculos. Fiqueiabobalhado! Quanta gente, meu Deus! Enenhuma igual à outra! Atentei bem paraaquela multidão e não havia duas idênticas!Barbaridade! Comecei a sair do cinema e irpela cidade em pensamento e recordar ou-tras pessoas que conhecia. Conhecidos deoutras cidades. Cheguei a artistas, políticos,

Em memória de Edival

Retalhos da infânciaBons tempos aqueles dos anos cin-

quenta – menino ainda, minha melhordiversão era o quintal de casa localiza-do à Av. Gen. Gomes Carneiro.

Levantava-me cedo, passava na des-pensa, enchia o caneco de milho e ia tra-tar dos galináceos. Depois, aproveitava avasilha para recolher ovos. As galinhaschocas permaneciam deitadas. O galo, umchina irrequieto, ficava cocoricando coma minha presença, talvez para exibir suafama de brigão.

Além das galinhas, dos patos e dasangolas, tínhamos também um cão chama-do Pinóquio, de tamanho médio, branco eamarelo, bom companheiro, um papagaioque só falava “dá o pé, loro!” e algumas

personagens do jet-set internacional, vivosou mortos, e... Cada um com uma cara!

Dois olhos, duas orelhas, um nariz, umaboca... Só com esses detalhes, apenas comessa diminuta quantidade de elementos etodo mundo dessemelhante! Existem algu-mas parecenças, mas cópia fiel, não! Nemjaponês que parece tudo a mesma cara. Nãoexiste plágio!

Acordei da minha pasmaceira quandoum canudo cutucou-me de Iado. Era o di-retor com um certificado para que entre-gasse a um concluinte. Entreguei mais al-guns ainda meio voando diante de minhaincrível capacidade de observação. Retorneià vida, mas ao sair do cinema, vinha deve-ras entusiasmado com a transa dos cromos-somas de um e outro sexo. Com a procria-ção humana, enfim...

Que criatividade, seu!

gaiolas com canários-do-reino.O quintal era cercado por bambus,

numa área mais ou menos de 10m X 30m.Ao fundo, no cunhal direito das cercas, umatroncuda goiabeira de frutos vermelhos sedestacava. Nela eu costumava ficar, subianum dos galhos para espiar de cima o vai-vém das aves ou apanhar goiabas. Às ve-zes, o Pinóquio não me dava sossego: la-tia, gania e queria estar comigo.

No meio do quintal havia um reservató-rio d’água bem rasinho, onde as aves mata-vam a sede e os patos, óbvio, nadavam. Oque mais eu gostava de fazer era limpá-lo,mormente nos dias encalorados; aí tomavameus banhos também.

Quando à tarde me encontrava na esco-

la, tinha dia que ficava angustiado para queas aulas terminassem logo a fim de poderpassar na várzea do Rio Sertão e arrancar“tapuerava” para jogar às galinhas; papaisempre dizia que, aquela espécie de plantaera boa para lhes aumentar a postura.

Tinha manhã que, após recolher osovos, escolhia dois dos maiores, num copodeitava as gemas e batia uma nutritivagemada. As claras viravam pasta, às vezeslambuzava o queixo e a ponta do nariz, eelas nem chegavam a suspiros.

O quintal ocupava-me mais do que tudo.Quando alguma pipa o sobrevoava, eu nãome importava, subia na goiabeira e lá dogalho ficava espiando as aves mescladas,baralhadas. Edival da Silva Castro

Edival da Silva Castro era um grande contador de histórias. Sabia narrá-las como poucos. Bem humorado, enriquecia-as comdetalhes surpreendentes. Seu olhar apurado armazenou na memória décadas de momentos da vida piquetense e de inúmeros perso-nagens. Convidado por Chico Máximo para colaborar com O ESTAFETA, passou a colaborar assiduamente. Seu primeiro trabalho

neste periódico intitulado “Velha Praça da Bandeira” agradoua todos e foi por ele emoldurado. Para quem até então nãotinha prática de escrever crônicas – dizia “não saber” –, to-mou gosto pelo ofício e se aprimorou.

Edival ganhou grande número de admiradores que, pormeio de seus textos, passaram a conhecer um pouco mais davida da sociedade piquetense. Foram quase dezessete anos ecerca de duas centenas de crônicas publicadas, num trabalhoininterrupto.

Falecido no último dia 01 de setembro, Edival da SilvaCastro deixa grande número de amigos órfãos de suas espiri-tuosas crônicas, testemunhas de seu grande amor por nossacidade e sua gente. A Fundação Christiano Rosa e OESTAFETA perdem um incentivador e colaborador.F

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O ESTAFETAPiquete, setembro de 2015 Página 7

Um dos dez trabalhos (isso mesmo, osdoze eram dez) de Hércules foi matar a Hidrade Lerna, que tinha nove cabeças. Quandose cortava uma delas, ela se regenerava. Sóassim Hércules cumpriria a penitência porter matado a esposa e três filhos. A pitonisado oráculo de Delfos poderia ter dado umtrabalho mais difícil: educar um filho.

Diz-se que na copa de 1958, na Suécia,Feola, o técnico do Brasil, fez uma prelaçãocom os brasileiros para enfrentar a Rússia.Ele disse a Mané Garrincha: “Garrincha, éo seguinte: você pega a bola e dribla o pri-meiro beque. Quando chegar o segundo,você dribla também. Aí vai até a linha defundo, cruza forte pra trás, para o Vavámarcar”. Garrincha, que tinha todos osadversários como “joão”, disparou: “Tudobem, Feola, mas o senhor já combinou comos russos?”. O problema de educar nossosfilhos é que as regras de educação depen-dem de inúmeras variáveis. Uma delas éfundamental: a personalidade de cada fi-lho. Nós até sabemos como marcar o gol,mas não combinamos nada com os russos.Quando vamos driblar o “joão” na lateral,

Um dos trabalhos de Hérculesacabamos sendo surpreendidos.

A questão é que erramos mais do queacertamos. Quando aprendemos algumacoisa sobre o João que temos de driblar, ajogada já foi feita. É preciso ter muito ta-lento para educar. É preciso pernas tortas emuito gingado. Nascemos despreparadospara educar. Quiçá preparados para sermoseducados. Por muitas vezes fiquei perdidoem definir o que fazer ou responder diantede uma pergunta de meus filhos. Desnorte-ado diante de acontecimentos, nem sabiacom qual perna começar o drible. Mas opior é a cegueira de esquecer que o tempopassa, o tempo voa, e até mesmo oBamerindus se acabou.

Perdi tempo com bobagens, assistindoTV enquanto poderia ter brincado de bo-neca e de chazinho com minhas filhas. Per-di tempo lendo a Folha, quando podia terido jogar bola ou videogame com meu fi-lho. De quando em vez um dos meus filhosaparecia em meu quarto durante a madru-gada, assustado por um fantasma, um pe-sadelo ou coisas do gênero. Eu simplesmen-te aplicava um “pito” achando que eles ti-

nham que desenvolver “coragem”. Balela!Quantos medos já passei mesmo depois deadulto? Devia ter dado mais carinho e abra-çado profundamente. Erramos porque acha-mos que nossas crianças são miniaturas deadultos. São só crianças. Brincando comos pais, aprendem e experimentam a vida.

Mas o sisudo senhor do tempo nos pre-para boas surpresas. É tempo de redimir.Coloca em nosso caminho os netos. Entãoexageramos na afeição. Vamos além. Fa-zemos por eles o que jamais faríamos pe-los filhos. Ainda bem que existem os pais,pois a matemática do amor e da educaçãocostuma fazer uma média. Assim, quandomenos esperamos, inacreditavelmente aeducação dá certo. O que é estranho é quea Hidra de Lerna não morre. E passamostoda uma vida a cortar cabeças e a estudaros russos. A lateral é cheia de ‘joões’ quedevemos driblar a toda hora e, teimosamen-te, a linha de fundo sempre está a meio cam-po de distância. Esse, sim, seria um gran-de desafio para Hércules. A pitonisa é quenão quis ser dura demais com o herói.

Luiz Flávio Rodrigues

Financiamento político, Judiciário e DemocraciaAlexis de Tocqueville, político e pen-

sador francês do século XIX, encantou-sepela democracia americana, dentre outrasrazões, por sua articulação virtuosa entreos Poderes Executivo, Legislativo e Judici-ário. Seguindo a tradição do pensamentorepublicano, o autor via no mútuo controleentre essas instituições uma importante fer-ramenta de combate aos excessos ou inte-resses escusos que viessem a emergir decada um dos poderes. No dia 10 deste mês(setembro), com o financiamento empre-sarial a candidatos e partidos políticos sen-do julgado inconstitucional pelo STF (Su-premo Tribunal Federal), funcionou noBrasil a ferramenta que encantaraTocqueville, e o Judiciário acabou por con-tornar o autointeresse do Legislativo.

A ação que resultou na declaração deinconstitucionalidade pelo Supremo foimovida pela OAB (Ordem dos Advogadosdo Brasil) há cerca de um ano, e estava tra-vada no STF desde o pedido de vistas doministro Gilmar Mendes. Nesse espaço detempo, uma parcela expressiva dos depu-tados que recebem dinheiro das empresasem suas campanhas em troca da defesa dosinteresses das mesmas quando eleitos bus-caram se antecipar à decisão da SupremaCorte e aprovaram, na reforma política àsavessas de Eduardo Cunha, a legalizaçãodo financiamento empresarial. No entan-to, com a decisão do STF basta a Dilma,nesse caso apoiada pela decisão do Supre-mo e da maioria da população brasileira,vetar a proposta da Câmara, para tornar,de uma vez, irregular o financiamento po-lítico por meio de empresas.

A prática de empresas dando dinheiroa candidatos e partidos sempre se apresen-tou como um problema duplo, tanto do pon-to de vista moral quanto legal. A submis-são do interesse público frente ao dos em-presários é decorrência direta das doações,responsáveis por gerar uma lógica na qualo empresário paga ao político e o mesmodefende o interesse do primeiro quando go-verno: vide a CPI dos Planos de Saúde, queapesar de já ter obtido o número necessá-rio de assinaturas, até hoje não saiu do pa-pel graças à relevância que as empresas doramo cumprem no financiamento dos de-putados. Quando se fala então de sua facetailegal, o problema do dinheiro nas campa-nhas torna-se ainda maior: a OperaçãoLava-Jato tem revelado, cotidianamente, alógica pela qual construtoras e outras em-presas pagavam a diretores e políticos emtroca de facilitação nos processos licita-tórios da Petrobrás e subsidiárias. O com-

bate à corrupção, portanto, passa tambémpelo fim do financiamento empresarial.

Certamente outros passos ainda preci-sam ser dados: o estabelecimento de limi-tes para o financiamento individual, porexemplo, precisa ser regulamentado a fimde evitar que as empresas passem a doarquantias gigantescas através dos própriosempresários. No entanto, a proibição do fi-nanciamento por empresas representa gran-de vitória para a democracia brasileira, as-sim como o papel cumprido pelo Judiciá-rio. Será pertinente observar não só os pró-ximos passos no que diz respeito às ques-tões das eleições e dos partidos, mas tam-bém quanto à função desempenhada peloJudiciário. Como já apontava Tocqueville,esses magistrados podem fazer valer as li-berdades e a justiça nos momentos deemudecimento das outras instituições. As-sim se fez agora. Aguardemos por outras.

Rafael Domingues de Lima

Fachada do Supremo Tribunal Federal com a estátua “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti

Reprodução

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O ESTAFETA Piquete, setembro de 2015Página 8

Pouco a pouco fui me tornando muitocrítico às religiões de nosso tempo. Algu-mas vezes, sobretudo quando ligo a TV evejo programas religiosos, sinto que tal-vez a postura mais correta para pessoashonestas seja o ateísmo. As bobagens quemuitos pregadores dizem sobre Deus, uti-lizando-se das Escrituras Sagradas, che-gam a tornar a fé algo inviável para pes-soas que tenham o mínimo de bom senso.A fé tornou-se entretenimento, showbusiness, espetáculos de milagres, exorcis-mos e longas pregações vazias de conteú-do realmente evangélico. Esse fenômenoreligioso constrói templos e invade anti-gas igrejas e vai se tornando hegemônicoentre católicos e evangélicos. Pouco lhesresta, no entanto, de cristianismo.

No Capítulo 7 do Evangelho deMateus, Jesus afirma que nem todos os quedizem Senhor! Senhor! entrarão no Reinodos Céus. Muitos vão dizer naquele dia“Senhor, profetizamos em seu nome, ex-pulsamos demônios e realizamos muitosmilagres em seu nome!”. Então Jesus res-ponderá: “Não conheço vocês! Afastem-se de mim, pois vocês praticaram o mal”.A religião das profecias, dos exorcismos edos milagres, tão comum hoje, não nosaproxima de Jesus. O Senhor não se im-porta com nada disso. Ele quer que faça-mos o bem. Esse é o caminho: praticar a

O Cristianismo de nosso tempo precisa de conversãovontade do Pai.

No capítulo 8 do evangelista Marcos,após perguntar aos discípulos sobre suaidentidade, Jesus ouve Pedro afirmar queele era o Messias. Pedro havia dito a coisacerta, mas, para ele, Messias significavauma pessoa importante, que deveria ser fa-mosa, trilhar o caminho da grandeza e daglória, triunfar sobre os outros. QuandoJesus anuncia que seu caminho é o da cruz,Pedro não se conforma e repreende a Je-sus. Então o Senhor diz a ele: “Vá para trásde mim, satanás”. Aqui a palavra satanássignifica aquele que desvia o outro do ca-minho certo. Pedro não quer um Messiasservidor, fraco, humilde; esse não lhe ser-ve. Jesus diz a ele: “Seu pensamento é mun-dano e não como o de Deus”.

Hoje o cristianismo tem flertado comum messias parecido com aquele que Pedrotinha em seu pensamento: o Messias da gló-ria, da vitória, do poder e do triunfo; umMessias mundano, não o Messias da cruz.Chamando a multidão e os discípulos Je-sus fez a todos um convite: “Quem me qui-ser seguir, tome a sua cruz e me siga!” eainda acrescentou: “Quem quiser salvar aprópria vida, a perderá. Mas quem perdera vida por causa de mim e do evangelho, asalvará”.

É inadiável que se converta ao cristia-nismo da Cruz, ensinado e vivido por Je-

sus, o cristianismo das profecias, dos exor-cismos e milagres; do triunfo, da vitória,da prosperidade; dos eventos de massa, doscantores endinheirados com as vendas deCDs, dos shows da fé; dos templos suntu-osos, rincões e santuários; dos cercos deJericó produzidos com teatralidade, dosmeios de comunicação que mensalmentedevoram milhões dos pobres fiéis; dosapóstolos, profetas, pastores e padresmidiáticos. A força de transformação e acredibilidade da fé cristã estão exatamen-te na fragilidade, na pequenez, no cami-nho humilde feito por Jesus, que, sem ternada, doou a própria vida envolvendo-secom os sofredores deste mundo, gastandoseu tempo com os descartados, percorren-do os povoados a ensinar a Palavra de Deusa ponto de se esgotar em longas jornadas,sendo fiel a Deus até a entrega de sua vidano Calvário.

Quem quiser ser meu discípulo tomesua Cruz e me siga!

Seguir a Jesus no humilde caminho doCalvário, na aniquilação de si mesmo, natotal entrega da vida, no serviço dedicadoa Deus e ao próximo é o único cristianis-mo autêntico. O restante não passa defalatório vazio, em nome de Jesus, queafasta de Deus e conduz, ao final, à com-pleta descrença. Uma verdadeira lástima!

Pe. Fabrício Beckmann

O São Miguel que veio conosco desdea infância é o arcanjo da simplicidade, dasolidariedade.

Aprendemos com o Apóstolo dos Genti-os que o amor não convive com a soberba.

Surpreendentemente o Lúcifer é umserafim, o que tem como atributo o amor.Se fosse um querubim, o que conhece, oque sabe, talvez entendêssemos com maisfacilidade a sua revolta, já que convive-mos com alguns sábios prepotentes.

São Miguel de PiqueteQuando o franciscano Scott (Scotus,

em latim; Scotto, em italiano) nos revelao motivo da dissensão – a recusa em ser-vir a um homem, ainda que o Verbo deDeus, causa-nos surpresa a precariedadedo amor de Lúcifer. O “non serviam” –não servirei – mostra a incoerência de umamor que não ama.

O nosso São Miguel tenta dissuadir osamotinados dos vários coros comandadospor Lúcifer, argumentando com a proprie-dade dos desígnios do Altíssimo.

É aí que surge a frase que está gravadano nosso cérebro e no nosso coração: Ami-gos, quem como Deus?

Frustrada a tentativa de reconsideração,o arcanjo os afasta da comunidade celestial.

O nosso padroeiro se encontra nova-mente com o serafim-que-não-ama no mon-te Nebo, Jud.1,9, tentando apoderar-se docorpo de Moisés, julgando, talvez que ogrande líder se tivesse revoltado contraDeus por não tê-lo deixado entrar emCanaã. Miguel tira qualquer dúvida arre-batando o corpo. Mas não lhe dirige pala-vras duras. Apenas diz: “Que o próprio Se-nhor se encarregue de ti”.

No cerco de Jericó, Miguel apresentou-se a Josué como um homem com espada de-

sembainhada. Josué pergunta: “És um dosnossos ou dos nossos inimigos?” – Jos. 5,13.

Josué e Caleb foram os únicos que ti-nham assistido a todos os prodígios dagrande jornada. Josué poderia entenderuma intervenção miraculosa de Miguel.Mesmo assim, o nosso padroeiro se apre-sentou com sobriedade e simplicidade, pe-dindo a Josué que tomasse a atitude conve-niente para receber as ordens do Senhor.

Miguel disse a Josué: “Venho comochefe do exército doSenhor”.

Presença benfa-zeja em nossas vidasdesde o batismo, queo São Miguel de Pi-quete nos ajude acombater todos osnossos defeitos, prin-cipalmente a falta deamor.

Que vele sobre anossa cidade, crian-do um ambiente deharmonia e trabalhodiuturno para o bem-comum.Abigayl Lea da Silva

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