Significados do pertencimento a um grupo de capoeira na cidade de Vitória/ES
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SIGNIFICADOS DO PERTENCIMENTO A UM GRUPO DE
CAPOEIRA NA CIDADE DE VITÓRIA/ES1
David Gomes Martins*, Victor José Machado de Oliveira
Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo. Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Física
(GEPEF/FCSES-ES). Acadêmicos do curso de Educação Física. Contato: * [email protected]
A capoeira é uma expressão cultural afro-brasileira, onde dança e luta se
misturam e formam um espetáculo com seus instrumentos. Entretanto, a
capoeira desde sua gênese vem sofrendo alterações, sendo marcada
atualmente pelo aspecto esportivista, acenando para o gradativo
desaparecimento de práticas rituais, alterações da configuração do jogo e das
suas representações, o que configura sua descaracterização. Neste sentido,
entendendo a capoeira como elemento da cultura corporal (COLETIVO DE
AUTORES, 1992) e de sua relevância social para o lazer, intentamos descobrir
os significados de pertencimento de um grupo de praticantes de capoeira na
cidade de Vitória/ES. Desta forma elegeu-se como objetivo deste estudo
investigar os significados da capoeira e o sentido de pertença dos membros
deste grupo. Percorrendo um caminho metodológico que pudesse proporcionar
aporte a tal investigação, realizamos observações não participante e
entrevistas semiestruturadas.
Segundo Almeida & Silva (2007, p. 2) “na época moderna, uma das principais
fontes de identificação cultural é a cultura nacional”. As diferenças culturais são
marcadas dentro de uma nação pelas existências de variadas culturas que se
“costuram” conformando-se numa identidade maior, embora às vezes
1 Este estudo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa de campo realizada na disciplina Antropologia,
cursada na Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo no ano de 2009.
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desfragmentada (ALMEIDA & SILVA, 2007). A cultura nacional brasileira é
marcada pela mestiçagem – discurso sobre a mistura das raças – presente
aqui, por exemplo, no futebol, samba e capoeira, que dá a originalidade e
legitimidade ao povo brasileiro (ALMEIDA & SILVA, 2007). De acordo com os
autores, confirmamos com respeito à mestiçagem no discurso do sujeito 2 ao
relatar que
E ai nós temos o tronco de formação do povo brasileiro, então é o branco o índio e o negro né, e é falar da contribuição do negro pra cultura popular do Brasil, é isso que agente quer também com o grupo cativeiro. (Sujeito 2).
Demarcando esse espaço, percebeu-se nos discursos dos membros do grupo
pesquisado que a capoeira torna-se parte da vida dos integrantes, como se
pode observar no relato abaixo:
[...] capoeira diz o que eu sou. [...] acredito que até pelo meu modo de ser, assim, pelo meu físico mesmo a minha estética, acho que já dá pra ver que eu sou capoeirista que participo de alguma entidade cultural e tal. (Sujeito 2).
Percebemos que o contato inicial com a capoeira deu-se de formas variadas e
distintas, marcando espaços-tempos singulares em suas vidas. E que a
participação dos membros nesse grupo foi precedida de contatos com outros
grupos e manifestações culturais, no Brasil e até outros países. Essa
participação em outros grupos amplia seus conhecimentos, demarcando assim
o processo de construção de suas identidades.
Em decorrência dos relatos dos entrevistados, ficou evidente que os
sentimentos de pertença por parte dos integrantes desse grupo perpassam
suas vidas e suas práticas cotidianas. É no grupo que integralizam suas
vivências subjetivas, nos encontros, treinos, no barzinho depois da roda, assim
formando/estreitando laços de amizade, profissionais, etc. Outro marco
interessante é que cada capoeirista recebe um “apelido”, que muito tem a dizer
a seu respeito, assim levando consigo ele por onde for. Ou seja, a pertença do
sujeito está ligada aos símbolos que participa, e o “apelido” passa a ser o
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próprio capoeirista, no dia-a-dia, na roda, de forma que ambos se tratam por
seus “apelidos” e não por seus nomes.
Percebemos que a capoeira muito beneficia aos integrantes do grupo, uma vez
que se configura numa prática corporal para o lazer. Conforme relata o sujeito
3 quando lhe foi perguntado sobre suas experiências com a capoeira:
[...] Eu me sinto, praticamente bem cara. Capoeira faz hoje em dia faz parte da minha vida, é compromisso e não tem como perder. Causa muita emoção, ta ligado?! (Sujeito 3).
A capoeira configura-se como lazer, cultura e o acesso à discussão crítica com
respeito à sua esportivização. O grupo tenta no seu trabalho resgatar a
tradição, como aponta o sujeito 2 que também é professor formado pelo grupo:
eu participo de um grupo que tem uma preocupação com o resgate cultural afro-brasileiro, um grupo que não visa apenas levantar a perna, não visa apenas jogar a capoeira como saúde ou atividade física, mas visa promover a integração da raça humana. (Sujeito 2).
Neste sentido a fala do sujeito 5 reflete as ações do grupo em sua vida, e as
mudanças que ocorreram intermédio seu contato com outro tipo de capoeira,
ela relata sua vivência no Brasil comparando-a à anterior na Europa.
[...] aprendi que aqui no Brasil a capoeira ensina muito mais que movimentos também. Aprendi que capoeira tem um lado bom e um lado ruim, tem muita gente querendo cobrar da capoeira, [...]a capoeira aqui é social e pra mim é o melhor, agora na rua tem capoeira, na academia tem capoeira, na escola tem capoeira e ensina muito isso. (Sujeito 5).
Segundo Cuche (2002, p. 115) “a aculturação é o conjunto de fenômenos que
resultam de um contato contínuo e direto entre grupos de indivíduos de culturas
diferentes e que provocam mudanças nos modelos (patterns) culturais iniciais
de um ou dos dois grupos”. Ou seja, o sujeito 5 ao entrar em contato com outra
realidade, a de uma capoeira voltada ao resgate da ancestralidade e da
tradição, percebe a descaracterização da capoeira, assim emancipando-se
criticamente.
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Essas foram as primeiras impressões que tivemos ao contato com o grupo.
Das experiências vivenciadas concluímos que a capoeira tem muito a contribuir
para seus participantes, pois se configura como tempo-espaço para a
integração humana e construção coletiva. E que esses sujeitos, realmente
tornam-se sujeitos ativos e conscientes de sua participação/transformação
na/da história, a partir de um trabalho voltado à reflexão crítica. A capoeira está
cheia de (re)significados conquanto aos sentimentos de pertença de seus
participantes, conformando-se assim como tempo espaço para o lazer, prática
corporal e consolidação da cultura brasileira.
Palavras-chave: Capoeira; Cultura; Lazer.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, J. A; SILVA, O. G. T. A construção das narrativas identitárias da
capoeira. In: Anais Eletrônicos do XV Congresso Brasileiro de Ciências do
Esporte e II Congresso Internacional de Ciências do Esporte, Pernambuco,
2007. Anais... Pernambuco, 2007. Texto disponível em:
http://www.cbce.org.br/cd/resumos/064.pdf. Data de acesso: 12/03/2011.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São
Paulo: Cortez, 1992.
CUCHE, D. A noção de cultura nas Ciências Sociais. 2ª ed. Bauru: Edusc,
2002.