SISTEMAGARANTIADIREITOSHUMANOS A DEFESA DOS DIREITOS … HUMANOS GERACIONAIS... · dos Direitos...

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05/12/2014 DIREITOS HUMANOS GERACIONAIS data:text/html;charset=utf8,%3Ch3%20class%3D%22posttitle%20entrytitle%22%20itemprop%3D%22name%22%20style%3D%22margin%3A%200p… 1/44 SISTEMAGARANTIADIREITOSHUMANOS A DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: A EXPERIÊNCIA EMBLEMÁTICA DOS CONSELHOS TUTELARES Por Wanderlino Nogueira Neto O presente texto é um capítulo do livro "Direitos Humanos Geracionais Formação para o SIPIA" do Autor, editado pela SDHPR & CEDCACEARÁ (esgotado). Fortaleza. 2003. O referido livro se encontra em fase de revisão para publicação de uma 2ª edição. A. A ESSÊNCIA DOS CONSELHOS TUTELARES Generalidades Nos tempos atuais, talvez sejam os conselhos tutelares os espaços públicos institucionais mais controvertidos, como instrumento de proteção de direitos humanos, dentro no Sistema de Garantia dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente. E, ao mesmo tempo, os mais emblemáticos do “novo regime” dos novos tempos. No fundo, são eles o que de mais original e inovador se criou com o Estatuto da Criança e do Adolescente, de relação à nossa tradição jurídico normativa e políticoinstitucional. Caminhos novos a serem trilhados e razão de confusões, ambigüidades, descaminhos, tropeços, surpresas. Com tudo isso, porém, temos muito caminho andado, mas com muito caminho a se andar também. Talvez, ao se refletir sobre a essencialidade desses conselhos tutelares, sobre sua intrínseca natureza, boa luz poderseia lançar sobre esse novo modo de caminhar: sobre as novas estratégias (espaços e mecanismos estratégicos) de proteção dos direitos humanos geracionais e mais especificamente sobre o Sistema de Garantia de Direitos Humanos. Natureza jurídica dos conselhos tutelares Os conselhos tutelares são órgãos públicos, instituídos, criados, organizados e com seu funcionamento regulado, por normas legais: o Estatuto da Criança e do Adolescente e leis municipais. São eles órgãos públicos e não instâncias organizativas da sociedade civil: eles integram o Poder Público, a Administração Pública. O fato de serem compostos por agentes públicos, escolhidos pelas comunidades que integram a sociedade, não faz deles

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SISTEMA­GARANTIA­DIREITOS­HUMANOSA DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE: A EXPERIÊNCIA EMBLEMÁTICA DOSCONSELHOS TUTELARES

Por Wanderlino Nogueira Neto

O presente texto é um capítulo do livro "Direitos Humanos Geracionais ­ Formação para oSIPIA" do Autor, editado pela SDH­PR & CEDCA­CEARÁ (esgotado). Fortaleza. 2003. O referido livro

se encontra em fase de revisão para publicação de uma 2ª edição.

A. A ESSÊNCIA DOS CONSELHOS TUTELARES

Generalidades ­ Nos tempos atuais, talvez sejam osconselhos tutelares os espaços públicos institucionais maiscontrovertidos, como instrumento de proteção de direitoshumanos, dentro no Sistema de Garantia dos Direitos Humanos daCriança e do Adolescente. E, ao mesmo tempo, os maisemblemáticos do “novo regime” dos novos tempos. No fundo, sãoeles o que de mais original e inovador se criou com o Estatuto daCriança e do Adolescente, de relação à nossa tradição jurídico­normativa e político­institucional. Caminhos novos a seremtrilhados e razão de confusões, ambigüidades, descaminhos,tropeços, surpresas. Com tudo isso, porém, temos muito caminhoandado, mas com muito caminho a se andar também. Talvez, aose refletir sobre a essencialidade desses conselhos tutelares,sobre sua intrínseca natureza, boa luz poder­se­ia lançar sobreesse novo modo de caminhar: sobre as novas estratégias(espaços e mecanismos estratégicos) de proteção dos direitoshumanos geracionais e mais especificamente sobre o Sistema deGarantia de Direitos Humanos.

Natureza jurídica dos conselhos tutelares ­ Os conselhostutelares são órgãos públicos, instituídos, criados, organizados ecom seu funcionamento regulado, por normas legais: o Estatuto daCriança e do Adolescente e leis municipais. São eles órgãospúblicos e não instâncias organizativas da sociedade civil: elesintegram o Poder Público, a Administração Pública. O fato deserem compostos por agentes públicos, escolhidos pelascomunidades que integram a sociedade, não faz deles

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“organizações representativas da sociedade” (arts. 204, II e 227,§7° ­ Constituição Federal), isto é, entidades sociais, organizaçõesnão governamentais. Estão eles incumbidos "pela sociedade dezelar pelos direitos de crianças e adolescentes"; mas, quando opovo investe de poder político­administrativo um determinadooperador, ele o está institucionalizando como agente públicoestatal. Certo ranço antiestatal, a permear ainda o ideário dasnossas organizações sociais, leva às vezes a se marcar a máquinado estado como intrinsecamente antidemocrática; propugnandopor instâncias não­estatais paralelas alternativas (mas semcapacidade de alteridade...) de relação ao estado. Esquecidos quea verdadeira luta do atual momento histórico é a democratizaçãoreal do estado, é a ampliação da sua concepção para incluir nelatanto a sociedade política[1]), como a sociedade civil organizada ­uma marcando a outra. Se fossem organizações representativasda sociedade não poderia uma norma estatal, como é a lei, criá­los, organizá­los. A Constituição Federal (art. 5º, XVII) consagra oprincípio da plenitude da liberdade de associação para fins lícitos. As organizações representativas da sociedade nascem da vontadeda própria sociedade, dos seus componentes. Leis, nacional emunicipal, devem instituí­los, criá­los e regulá­los. A normanacional de proteção os institui, dando­lhes atribuições e defineparâmetros gerais para que leis municipais os criem, osestruturem, organizem, disponham sobre seu funcionamento esobre o regime jurídico de seus membros.

Em face disso, o Estatuto citado não poderia ir além do quefoi na instituição dos conselhos tutelares. Essa lei federal emverdade é uma norma nacional de “proteção da infância e dajuventude”, como prevista no art. 24, XV da Constituição federal.Compete à União legislar, como fez com o Estatuto, sobre estamatéria concorrentemente com os Estados federados, estando elalimitada à expedição de “normas gerais” (§1° – art. cit.). Por suavez, normas legais estaduais poderão, em caráter “complementar”(§2° – art. cit.), legislar a respeito dos conselhos tutelares,respeitados os limites estabelecidos no art.30 da Constituiçãofederal, no que diz respeito à competência dos municípios paralegislarem.

Em conclusão, em termos práticos: O Estatuto, em princípio, como norma programática de

aplicação imediata institucionaliza os conselhos tutelares

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obrigatoriamente como integrantes de um sistema de garantia dosdireitos de crianças e adolescentes, em todo o país.

Mas, a regulamentação complementar do seu papel deproteção especial, nos casos de violação/ameaça de direitos,poderá vir contemplada em leis estaduais;

Todavia, obrigatoriamente, uma lei municipal, deverádispor sobre sua criação formal no âmbito de um determinadomunicípio, sobre sua estruturação, organização e funcionamento esobre o regime jurídico de seus membros.

A não­criação do conselho tutelar pelo município deveráimplicar numa sanção, como impõe o Estatuto (artigo 261): ficavedado o repasse de verbas pelo Estado e pela União para odesenvolvimento de programas na área da infância e daadolescência, nesse município, enquanto essa providência não forcumprida; inclusive ensejando o ajuizamento de competente açãocivil pública pelo Ministério Público ou por entidade social quetenha legitimidade processual.

Os conselhos tutelares são órgãos públicos integrantesdo Poder Executivo municipal ­ Os conselhos tutelares integramo Poder Executivo, uma vez que, em se tratando de órgãospúblicos estatais, forçosamente terão eles que se inserir em umdos 3 Poderes estatais, independentes e harmônicos, entre si:Legislativo, Executivo ou Judiciário (salvo no caso do MinistérioPúblico, por força de dispositivos expressos da Constituiçãofederal).

Ora, considerando­se sua função de aplicador da lei emcasos concretos e sua condição de "órgão não jurisdicional"(Estatuto cit.), aplicando medidas administrativas especiais deproteção a todas as crianças e todos os adolescentes que delasnecessitarem – obviamente há que se tê­lo como órgão especialdo Poder Executivo. Mais especificamente: órgãos do PoderExecutivo municipal.

O Estatuto remete a leis municipais sua criação eregulação. Cai essa normalização no âmbito da competêncialegislativa do município (art.30 – Constituição federal), para disporsobre “organização de serviços públicos de interesse local”. Aquiestá muitas vezes o calcanhar de Aquiles do funcionamento dealguns conselhos tutelares: a má normalização. Como se trata deexercício de atividade legisferante complementar, os legisladores

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municipais disso esquecem e acabam abandonando as normasgerais nacionais (ou estaduais, nos raros casos existentes),incluindo disposições que se conflitam com essas normas.Todavia, o mais comum é a lei municipal normalizar de maneiraincompleta, deixando de regular alguns pontos básicos daimplementação, organização e funcionamento dos conselhostutelares naquele município. E – mais comum ainda! – deixando deregular o regime jurídico dos conselheiros tutelares.

É imprescindível que, na elaboração das leis municipaisreferentes aos conselhos tutelares, o poder público municipal(Chefe do Poder Executivo) leve em conta dois pontos de partidafundamentais. O primeiro diz respeito à participação da populaçãoespecialmente das suas organizações representativas (numsentido amplo, envolvendo também as comunidades, associações,as organizações eclesiais, os sindicatos etc.). O segundo dizrespeito à observação das normas legais de hierarquia superior eos parâmetros orientadores estabelecidas pelos conselhos dosdireitos da criança e do adolescente (em seus três níveis).

Em conclusão:a) Devem as leis municipais dispor livremente sobre

criação, estruturação, organização e funcionamento dos conselhostutelares e sobre o regime jurídico dos conselheiros tutelares;

b) Devem todavia obedecer aos parâmetros mínimosestabelecidos no (*) Estatuto, (*) nas leis estaduais de proteção àinfância e adolescente (caso editadas), (*) nas normasregulamentares específicas do CONANDA[2] e (*) dos conselhosdos direitos da criança e do adolescente[3].

Órgãos especiais, funcionalmente autônomos eadministrativamente vinculados a um Órgão de AdministraçãoSuperior do Poder Executivo municipal ­ Os conselhostutelares, em face da dogmática jurídica, são órgãos daadministração centralizada, sem personalidade jurídica própria [4].E portanto sem possibilidade, por exemplo, de possuírem CGCpróprio, diverso daquele da entidade estatal. Nos municípios quelhes são concedidos equivocadamente CGC pelos órgãosfazendários federais, são esses conselhos classificados, naFazenda Nacional, como "associações", isto é, entidades nãogovernamentais, o que implica numa situação ilegal, a merecerurgente reparo, pena de responsabilização (inclusive penal) dos

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responsáveis pela declaração falsa e conseqüente situação.Autonomia administrativa e financeira não têm esses

conselhos, aos moldes das entidades da administraçãodescentralizada: o artigo 172 do decreto­lei 200/67 dispõe que essa se concederá pelo estado, "no grau conveniente, aosserviços aos serviços, institutos e estabelecimentos incumbidos daexecução de atividades de pesquisa ou de ensino ou de caráterindustrial, comercial ou agrícola, que por suas peculiaridades deexecução e funcionamento exijam tratamento diverso do aplicávelaos demais órgãos da administração direta (...)".

Assim sendo, só o reconhecimento, formal e explícito, porlei, de determinados graus de autonomia administrativa efinanceira garantirá tal condição a esses colegiados. Nenhumainferência, em sentido diverso, se poderá fazer a partir do texto doEstatuto, pois onde essa autonomia administrativo­financeira nãoestiver claramente permitida, proibida está: este, o princípio dedireito aplicável à espécie, no campo do Direito Administrativo. OEstatuto não a explicita em nenhum dos seus dispositivos. Quandoele fala em ”autonomia” dos conselhos tutelares, o faz, no sentidoda autonomia funcional, como se verá adiante.

Esses conselhos são órgãos públicos administrativosespeciais: estão apenas vinculados administrativamente, em linhalateral, a um órgão administrativo superior, de âmbito municipal(Secretaria municipal, por exemplo), que lhes assegura uma "tutelaadministrativa de apoio institucional": isto é, dotação orçamentária,recursos humanos de apoio e material, equipamento e instalações.

Todavia, são funcionalmente autônomos, isto é, semqualquer subordinação hierárquica a nenhuma instânciaadministrativa superior. Essa autonomia funcional garante­lhes quede suas decisões deliberativas não cabe recurso administrativohierárquico para nenhuma instância, qualquer que seja. E sim,controle judicial da legalidade dos seus atos, por provocação dequem tenha legitimidade processual para tanto.

Muitas vezes, se tem observado que juizes e promotores dejustiça intervêm indevidamente nos Conselhos Tutelares, como seforam seus "superiores administrativos hierárquicos",desrespeitando a autonomia funcional dos conselhos tutelares,prevista no Estatuto. Prática estranha e perigosa essa, pois seconfigura numa franca usurpação de poderes, numa intervençãoilegal de um Poder (Judiciário e Ministério Público, estaduais)

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sobre outro (Executivo, municipal) Não existe nenhuma linha desubordinação ou vinculação administrativa entre juizes, promotorese delegados de polícia – por exemplo – e os conselheirostutelares.

Existe sim, o poder do Ministério Público de fazer“recomendações” ao conselho tutelar, nos termos do art. 201, § 5°,"c", do Estatuto – como a qualquer autoridade pública. O conselhotutelar, na esfera da sua autonomia, cumpre ou não a"recomendação público­ministerial". Em não cumprindo, se sujeitaa ser pólo passivo de uma ação judicial, ajuizada pelorepresentante do Ministério Público, se couber – caindo assim naesfera do controle judicial dos atos administrativos.

De relação ao Poder Judiciário, prevê o Estatuto uma únicaforma de intervenção legal e legítima dele, de relação àsdeliberações de um conselho tutelar: processualmente, viasentença. Insurgindo­se o Ministério Público ou qualquerinteressado (isto é, quem tenha legitimidade processual, como paisou responsável legal da criança ou adolescente) de relação a umadecisão do conselho tutelar ou de um conselheiro singular,poderão eles ajuizar ações (ação civil pública, mandado desegurança etc.), perante a Vara Infância e da Juventude, paracontrole judicial (formal) do ato administrativo emanado doconselho tutelar.

Os Conselhos Tutelares são órgãos colegiados e nãosingulares ­ Outra peculiaridade que integra sua natureza jurídica,faz do conselho tutelar (como obviamente diz o nome)essencialmente um colegiado. Isto é, um órgão integrado porvários agentes públicos, o que faz com que seus atosadministrativos sejam atos jurídicos complexos formais, emanadosde uma decisão colegiada e não de um agente singular.

Em situações especiais (situações emergenciais e urgentesou atos protocolares de representação), sempre previstas naprópria lei e no seu regimento ou decorrentes de delegaçãoexpressa do plenário colegial, esses atos podem ser praticadospela sua direção ou por qualquer dos seus membros isoladamente e referendados posteriormente pelo colegiado.

No dia a dia, os conselheiros tutelares atendemseparadamente as mais diversas situações de ameaças ouviolações de direitos de crianças e adolescentes. Principalmente,

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quando estão em plantões ou em regime de sobre­aviso. Masprecisa ficar bastante claro o seguinte: seus atos deliberativos(aplicação de medidas, representações ao Ministério Público,encaminhamentos ao Judiciário, requisições, notificações etc.etc.) só podem ser emanados do colegiado, originalmente oureferendados. Atos decisórios isolados de conselheiros tutelaresnão têm validade jurídica.

Natureza político­institucional dos conselhostutelares.Mecanismos politico­institucionais de construção deum novo modelo de gestão pública ­ A experiência dosconselhos tutelares, no Brasil, se justifica ­ política einstitucionalmente ­ como forma de se garantir a

participação popular na gestão do poder, nodesenvolvimento dos negócios públicos pelo estado[5].; e a

desjudicialização da operacionalização das políticassociais.

Os conselhos tutelares, por sua natureza, são contenciososadministrativos, criados para assumirem a solução de conflitospela via administrativa, para aplicarem a lei em casos em concreto.Diz o Estatuto, com má técnica legislativa: "órgãos nãojurisdicionais"; como se a declaração de uma condição negativafosse uma definição de sua natureza, pois não se diz o­que­ algo­é, dizendo­se o­que­ele­não­é. Seria o caso de se interpretar aexpressão como "órgão contencioso não­jurisdicional", em funçãodas suas atribuições.

No passado recente, as questões sociais que envolviamcrianças e adolescentes, típicas de solução por via de políticaspúblicas, eram levadas e submetidas ao contencioso judicial, istoé, aos antigos Juízes de Menores – um misto de magistrado,assistente social, prefeito, primeira­dama, “pai e provedor”.

Assim, as confusões maiores sobre a real natureza emissão político­institucional dos conselhos tutelares nascem de umentendimento equivocado sobre o que sejam intervenção judicial eintervenção político­administrativa, isto é, entre prestaçãojurisdicional (administração de justiça) e gestão dos negóciospúblicos (desenvolvimento de políticas públicas).

Relações entre conselhos tutelares, estado edemocracia: a marca dominante da participação popular,como essência da experiência desses conselhos ­ Os

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conselhos tutelares não são mais, nem menos democráticos queaqueles órgãos públicos constituídos ou através da representaçãoda sociedade por eleição (senadores, governadores, prefeitos,vereadores etc.) ou através da participação direta (conselheirosdos direitos, p. ex.) ou através da investidura legal por nomeações,livres[6] ou via concurso público (secretários de estado,funcionários públicos, juizes, promotores etc.). Os conselhostutelares são instrumentos do Estado Democrático de Direito comoos outros o são. A questão é se saber que entendimento se tem deestado e de democracia, para se entender a natureza político­institucional desses conselhos .

Papel político­administrativo dos conselhos tutelares: amarca dominante da desjudicialização da execução depolíticas públicas, como essência da experiência dessesconselhos ­ A partir dessa visão ampliada do EstadoDemocrático, os espaços públicos de linha participativa, como osconselhos tutelares, do mesmo modo como os conselhos dosdireitos da criança e do adolescente (como se verá adiante) devemser vistos sob dupla perspectiva:

organizações burocráticas; e espaços de poder político.

Organizações burocráticas ­ Os conselhos tutelaresprecisam se fortalecer, preliminarmente, como "organizaçõesburocráticas". A idéia de "equipamento burocrático estatal" nãopode realmente esgotar toda a potencialidade e a riqueza do papelpolítico­institucional de um conselho dessa natureza. Mas, não sea pode desprezar como sem importância nesse trabalho deconstrução geral desse papel, a fazê­los instrumento efetivo dopoder estatal. O asseguramento de condições mínimas deestruturação e funcionamento, dignos para o conselho é condiçãoessencial para a construção do seu papel político­institucional.

Um espaço público institucional, como esse , não sendoeficiente administrativamente, muito dificilmente se tornará eficaz.Isto é, sem bons resultados administrativos, difíceis bons impactossociais e políticos.

Um conselho tutelar que esteja mal instalado, quanto à suasede, que não tenha apoio administrativo suficiente e com a devidaqualificação, que não tenha equipamentos essenciais atualizados(computador, telefone, fax, copiadora – por exemplo) – obviamente

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vai ter o seu desempenho bastante comprometido. Não que a faltadisso impeça absolutamente o fortalecimento desses conselhoscomo "lugares de poder político" ­ essas mazelas burocráticas sãofatores condicionantes e não rigidamente determinantes.

Na verdade e na prática, tudo isso se torna um autêntico "círculo vicioso". Pois quanto mais efetivo seu "poder político",mais se fortalece burocraticamente um conselho tutelar. E aomesmo tempo, quanto mais fortalecido burocraticamente umconselho desses, mais efetivo deveria se tornar esse seu "poderpolítico". São como duas frentes de luta que se complementam.

O perigo é quando conselheiros tutelares se esquecem dopapel político, da missão maior do conselho e se reduzem a umaluta corporativa para criar melhores condições de trabalho para si,colocando a atividade­meio acima da atividade­finalística.

O fortalecimento burocrático dos conselhos tutelaresdepende visceralmente de que tenham, uma estruturaorganizacional pública que lhe dê apoio administrativo. Em sendoórgãos administrativamente vinculados a um órgão daadministração superior do município (Gabinete do Prefeito,Secretaria Municipal de Desenvolvimento ou Ação Social, porexemplo) compete a esse órgão de tutela administrativa garantirobrigatoriamente tudo isso: instalações, equipamentos, materialpermanente, material de consumo, transporte quando necessário,pessoal técnico e de apoio administrativo.

A depender do tamanho do município, da sua população,dos níveis de violação dos direitos de crianças e adolescentesessa estrutura administrativa poderá variar.

Num grande município (Capital, por exemplo) se justificaque o conselho tutelar tenha sua sede, em prédio destinado a eleespecificamente, com um número de dependências que permita ainstalação de sua secretaria de apoio, de sua sala de reuniões, degabinetes de atendimento reservado – por exemplo. Justifica­seque o conselho tenha seu veículo próprio, computadores paracada conselheiro, telefone privativo. Justifica­se que tenhaservidores de apoio administrativo, colocados especialmente a suadisposição Ora, qualquer Setor, Secção ou Divisão da máquinapública tem esse mínimo, sem provocar escândalos ou desfalquesmaiores. Pelo menos, que se trate esse “filho mais moço”, com osmesmos cuidados e privilégios que garante aos seus “irmãos maisvelhos”. É só uma questão de vontade política, de se reconhecer

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que a proteção e garantia dos direitos de crianças e adolescentesé uma prioridade absoluta, como reconhece a Constituição federal.

Mas, em cidades menores, justificável seria que o conselhoocupasse, no mínimo, duas salas de um próprio municipal, quefosse compatível com a dignidade de suas funções e com asnecessidades tanto de privacidade, no atendimento do seu público,quanto de proximidade dessa população. O transporte poderia sercompartilhado e requisitado justificadamente para atuação na suaárea de competência (território do Município). O telefone se tornamuito difícil de compartilhamento diante das peculiaridades enecessidades do conselho, que o precisa como instrumento detrabalho cotidiano e como instrumento de integração ao Sistemade Informação para a Infância e Adolescência – SIPIA (em nívelestadual e nacional). O pessoal administrativo poderá se reduzir aum servidor burocrático ali lotado e a técnicos designado ad hoc,quando se fizer necessário , em cada caso concreto, medianterequisição do conselho ao dirigente municipal competente(assistentes sociais, psicólogos, advogados, pedagogos etc.).

O não atendimento dessas necessidades desse órgãopermanente e essencial do chamado "Sistema de Garantia dosDireitos de Crianças e Adolescentes", salvo melhor juízo, justifica(por provocação expressa e formal do conselho tutelarprejudicado) a intervenção do Ministério Público: ou fazendo asrecomendações público­ministeriais, ou propondo ajustamentos deconduta ou instaurando inquéritos civis ou ajuizando diretamenteações civis públicas, contra o Poder Público Municipal, na formada legislação vigente.

Espaço de poder político ­ Mas, a autoconstrução como"espaço de poder político” deverá ser a grande tarefa, nomomento, dos conselhos tutelares, dos conselhos dos direitos dacriança e do adolescente e dos seus membros. Eles têm que setornar grandes aliados, nessa autoconstrução, um fortalecendo ooutro. Estrategicamente, na atual conjuntura, esse é o objetivomais urgente e importante a ser alcançado, pelo movimento de lutapelos Direitos Humanos de Geração (crianças e adolescentes) –fazer desses conselhos, reais espaços de poder político! Oconselho tutelar, bem como os conselhos dos direitos, não podemser "mais um órgão burocrático dentre muitos", semprecaudatários, a reboque de outras instâncias da sociedade civil e do

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governo – meramente, reativos.Eles precisam, ambos, construir urgentemente sua

proatividade, sua participação protagônica nas discussões e nasdeliberações a respeito do atendimento (na defesa, um, napromoção o outro) dos direitos de crianças e adolescentes: real eefetivo "espaço político de poder". E tal poder político, elesadquirem, quando se abrem para a sociedade, ouvindo­a epossibilitando a sua participação, a explicitação dos conflitos deinteresses entre classes sociais, entre categorias, gerações,gêneros, orientações sexuais, regiões, etnias, raças etc.

Eles devem exercitar seu papel político­administrativo, quefaz com este tipo de intervenção o diferencie de um órgão deintervenção judicial. Para tanto os conselhos tutelares precisam setornar potencializadores estratégicos das políticas públicas emfavor da infância e da adolescência, atuando como :

aparelhos coercitivos e de integração; instâncias de mediação; e dirimidores de conflitos sociaisE como tal, eles devem exercitar seu papel político­

administrativo, que faz com este tipo de intervenção o diferenciede um órgão de intervenção judicial.

Instrumentos de integração e coerção ­ A capacidade deintegrar operacionalmente, de maneira ampla, os diversos atoressociais, com legitimidade reconhecida é realmente uma importanteestratégia potencializadora.

Enquanto os conselhos dos direitos são os grandesarticuladores políticos, os conselhos tutelares são os integradoresoperacionais. O primeiro na normalização e controle da política depromoção dos direitos da criança e do adolescente e o segundo naexecução em concreto dessa mesma política, prevista no Estatuto(art. 86).

Quando um direito for violado ou ameaçado, compete aoconselho tutelar aplicar especiais de proteção e isso ele fazrequisitando serviços da área da “saúde, educação, segurança,serviço social, trabalho e previdência” (art. 136, III, “a” ­ Estatuto) –isto é, integrando operacionalmente esse serviços, como forma dereconhecimento e garantia dos direitos violados ou ameaçados.Quando um conselho tutelar coloca esses serviços públicos comochamada “retaguarda” para o cumprimento das suas decisões

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protetivas, ele está exatamente dando concretude a esse princípio,fazendo­se agente integrador político, realmente efetivo – espaçode poder. Aí está o diferencial para um conselho tutelar.

Mas, para isso, os conselhos tutelares precisam igualmentefazer valer sua coercibilidade, isto é, a capacidade de fazerrespeitadas suas deliberações vinculantes, pelo Estado. E isso nãoé apenas uma questão técnico­jurídica, é uma questão político­institucional, a ser construída dentro daquela correlação de forçase na conjuntura atual.

Instrumentos de mediação ­ A segunda estratégia para seconstruir um conselho tutelar, como "espaço político de poder", ésua transformação em "instância de mediatização".

Obter o "consenso social", a "harmonização” · entre oscidadãos “é aspiração de muitos governantes para alcançar alegitimidade de suas decisões político­administrativas: a busca daalmejada” paz social”. Realmente, se visa – sob o manto dessediscurso escamoteador – a neutralização das ações dosmovimentos sociais organizados, evitando­se que os interessesdas ditas classes subalternas se tornem de alguma maneirahegemônicos. Na verdade, o que se quer proteger não sãointeresses comuns entre os cidadãos, mas os interesses dosgrupos que detém a hegemonia econômica, política e jurídica,numa determinada conjuntura.

"A harmonização pretendida é vista como neutralidade e aneutralidade apresentada como harmonização, mas numa relaçãode forças em que predominam os interesses do capital, a longo enão raro em curto prazo” ·

Há um sério perigo dos conselhos tutelares se tornaremesse "aparelho funcional", na busca de falsos consensos,escamoteando os conflitos de interesses reais da vida social etentando essa "harmonização": buscando uma "paz de cemitérios".

De outra parte, como bem alerta DONIZETI LIBERATI[7],há o perigo de cairmos no oposto e vermos nas instituiçõespúblicas meramente um "aparelho ideológico do Estado” ­instrumento reprodutor de relações sociais, reprodutor do poderque se encontra monoliticamente nas mãos das classesdominantes, a seu serviço exclusivo, de direção, dominação eexploração das classes subalternas.

A partir dessa visão, nenhum sentido realmente tem o

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funcionamento de um conselho, escolhido pelas comunidades,como o conselho tutelar: as Políticas de Estado seriam os reflexosapenas dos interesses das classes dominantes, não havendonenhum espaço e possibilidade para a defesa e incorporação dosinteresses das classes dominadas.

Mas, há a possibilidade de uma terceira visão do papel deconselhos tutelares, nesse processo: garantia da pluralidadeatravés do respeito à pluralidade e ao dissenso. Dimensãoimportante do pluralismo, na concepção de democracia[8], dizrespeito à valorização do dissenso. Já alertava BOBBIO.1986[9] arespeito: "Desde que mantido dentro de certos limitesestabelecidos pelas denominadas regras do jogo, (o dissenso) nãoé destruidor da sociedade, mas solicitador, e uma sociedade emque o dissenso não seja admitido é uma sociedade morta oudestinada a morrer".

Apesar do estado e suas instituições darem prevalência aosinteresses dos grupos que detém a hegemonia social, econômica,política e jurídica num determinada conjuntura, existem todaviaalgumas brechas nesse poder, algumas "instâncias de mediação",onde se pode fazer a luta pela incorporação de determinadosinteresses dos mais fracos. A depender de uma certa correlaçãode forças.

"O Estado mediatiza as relações sociais, segundo acorrelação de forças da sociedade civil. Ou seja, ele não estásomente em função dos interesses das classes dominantes,podendo também integrar, aceitar, ou transformar certosinteresses das classes dominadas"[10]

Em nosso caso, por exemplo, isso ocorreria comaincorporação e defesa dos interesses da criança e doadolescente, privilegiando o atendimento de seus direitosfundamentais – principalmente enquanto grupo vulnerabilizado,discriminado, violentado, explorado, "credor de direitos".

E isso se faria numa a tentativa de se deflagrar e fortalecerum processo de hegemonização dos interesses dos excluídos, dosmais vulneráveis ­ da criança e do adolescente (em nosso casoconcreto). A ser feito nas brechas do poder hegemônico do blocodominante (capitalista, racista, androcêntrico­patriarcal,adultocêntrico, homofóbico etc.), com um discurso crítico e umaprática transformadora, na linha da “grande narrativa datransformação social”.

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Essa hegemonização não se chocará com a democraciaalmejada[11], se a colocarmos sem oposições ao paradigma dapluralidade, pois se trata de um falso dilema: é preciso se"construir hegemonia na pluralidade"[12] É preciso se ter espaçospúblicos, onde a pluralidade de interesses e sujeitos, consolidadosatravés "organizações corporativas",[13] possa negociar aconstrução da "vontade coletiva majoritária", através de processosdemocráticos de tomada de decisão.

Os conselhos tutelares podem perfeitamente se apresentarcomo "instâncias de mediação", pluralistas e hegemonizadoras,em favor dos interesses priorizáveis da infância e da adolescência.Desse modo, esses conselhos têm que se transformar também em“pólos de extensão da cidadania”, orientando a população, fazendoeducação para os direitos, num sentido amplo – como se veráadiante, quando se tratar das atribuições legais dos conselhostutelares.

Só realmente dirigentes políticos com compromisso com acausa da democracia têm interesse no fortalecimento dosconselhos tutelares, nessa linha; pois os corruptos, autoritários etecnocratas só podem ver, em colegiados tais, um grande entraveaos seus projetos políticos a ser inviabilizado ou um possívelcúmplice a ser manipulado.

ATRIBUIÇÕES DOS CONSELHOS TUTELARES

Generalidades ­ O conselho tutelar, muitas vezes, trabalhademais, mas atuando fora das suas atribuições, isto é, faz poucoda sua missão específica e muito da missão alheia.

Tratando­se de órgão público, funcionalmente autônomo, deum contencioso administrativo municipal, aplicador de medidasespeciais de proteção ­ o limite de atuação de um conselho tutelarestá na lei, como qualquer instância pública institucional.

O Estatuto elenca as atribuições dos conselhos tutelares demaneira clara, dentro de um contexto de rede, integrando umsistema de proteção dos direitos fundamentais de crianças eadolescentes, onde as atribuições administrativas de outros órgãose as competências jurisdicionais estão também claramenteexplicitadas. Esta é uma marca típica do Estado Democrático deDireito: ao cidadão só vedado fazer o que lhe veda lei e o Estadosó é permitido fazer o que lhe permite a lei.

Assim sendo, os conselhos tutelares podem e devem fazer

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o que o Estatuto e a lei municipal de criação autorizarem. Nãopodem agir segundo o desejo dos seus integrantes ou dos demaisoperadores do chamado “sistema de garantia de direitos”. E,principalmente, não podem atuar para suprir ausências, faltas,omissões de outros órgãos, como por exemplo de uma Vara doPoder Judicial, de um órgão do Ministério Público, de umaDelegacia de Polícia, de uma Secretaria Municipal deDesenvolvimento Social (ou homólogas), de entidadesgovernamentais e não governamentais de proteção especial ou desocioeducação etc. etc..

Os registros do SIPIA demonstram que vários conselhostutelares estão atuando completamente fora de sua estrada,invadindo as atribuições e atribuições alheias (às vezes de boa­fé,outras por ignorância).

Tem­se constatado, por exemplo, as seguintes invasõesabusivas:

a) autorizações para crianças e adolescentes viajarem ­a competência é exclusiva e indelegável dos juizes, em todos oscasos de viagem, quando se trata de criança e em casos deviagens para o exterior, quando se trata de adolescentes;

b) acordos extra­judiciais de alimentos, com recepção devalores de pensão ­ trata­se de matéria da competência doMinistério Público ou do Poder Judiciário (acordo ou ação, extra­judiciais ou judiciais);

c) procedimentos de investigação de paternidade ­ acompetência é privativa do Poder Judiciário;

d) determinações de registro civil das pessoas naturais(nascimento e óbito), através requisições aos Ofícios Judiciaiscompetentes, quando o Estatuto prevê apenas a requisiçãodecertidão do registro, para instruir procedimento apuratório doConselho Tutelar ­ a determinação e a autorização de registrocompete a Juiz específico, com competência para controlar osRegistros Públicos;

e) fiscalizações e autuações infracionais de bares,boates, restaurantes, diversões públicas, quanto à freqüência depessoas menores de idade e quanto à venda de bebidas aosmesmos e as chamadas "blitzs" para apreender meninos emsituação de rua – compete ao Conselho Tutelar aplicar medidasde proteção à criança e ao adolescente nessa situação,requisitando medidas responsabilizadoras contra os abusadores,

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vez que o poder polícia é atribuído por lei aos órgãos desegurança pública, aos órgãos próprios de fiscalização daPrefeitura (concessora do alvará de funcionamento), à VigilânciaSanitária, ao Poder Judiciário (através seus Agentes de Proteçãoou Comissários de Vigilância, como a lei estadual de organizaçãojudiciária dispuser) , por exemplo;

f) concessão de guarda, com destituição ou suspensão do poder parental ­ a definição de estado, ou seja, a colocaçãoem família substituta (guarda, tutela e adoção) é da exclusivacompetência do Poder Judiciário;

g) atendimento socioeducativo aos adolescentes emconflito com a lei (ato inflacionar) ­ a matéria é da competênciados órgãos de Segurança Pública, do Ministério Público e doPoder Judiciário

As aberrações pululam, como se vê. Mas, de outra parte, ocumprimento de sua missão legal institucional tem produzidointervenções referenciais e exemplares de conselhos tutelares, nopaís. Intervenções salutares no sentido de fazerem reconhecidos egarantidos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Issode bom porém só acontece, quando os conselhos tutelares sesubmetem às leis vigentes e exercem suas atribuições própriasfielmente: elas já são muitas e importantes.

Em face disso, necessário se torna imperiosamente que osconselhos tutelares conheçam suas atribuições e as exerçam.Mister se faz que os conselheiros tutelares procurem cada vez seaprofundar no estudo dessas suas atribuições, uma por uma,avaliando o alcance e as conseqüências delas.

Um órgão incumbido de zelar pelo cumprimento dos direitosnão poderá ser nunca um órgão que margeie a expressão maisnítida do direito, que é a lei. Por melhor que seja sua intenção, umconselheiro tutelar não pode se considerar acima da lei.

A potencialização estratégica ­ O Conselho Tutelar devefomentar a valorização e a qualificação das ações de políticaspúblicas e deve lutar pela extensão da cidadania de crianças eadolescentes que atenderem.

As leis municipais de criação dos Conselhos Tutelarespodem (e devem!) atribuir a esses colegiados certas funções quechamaríamos de atividades de potencialização estratégica, a semanifestarem em duas linhas:

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valorização e qualificação das ações de políticaspúblicas;

extensão da cidadania do seu público alvo(empowerment).

A valorização e qualificação estratégica temcaracterísticas próprias e está fora do campo do poderdeliberativo e coercitivo do conselho tutelar ­ Achamada valorização e qualificação estratégica de políticaspúblicas implica em se construir e desenvolver estratégias políticasconsagradas pelas Ciências Sociais: mobilização social, defesapolítica de interesses (advocacy), empoderamento do usuário(empowerment), parcerização etc.

Assim sendo, importante que essas leis municipais, queestabelecem normas especiais (complementares de relação àsnormas gerais do Estatuto), criem atribuições para o conselhotutelar que contemplem essas linhas estratégicas, fazendo­o,também potencializador estratégico de políticas, valorizando equalificando essas políticas, na forma que a lei municipal dispuser,amplamente.

Como tal, o conselho tutelar atua para deflagrar umprocesso de reordenamento normativo, de reordenamentoinstitucional e de melhoria da atenção direta à criança e aoadolescente (cfr. GOMES DA COSTA, Antonio Carlos).

Ele se preocupa, por exemplo, em levantar dados,informações e argumentos que tenham validade nos processos deelaboração legislativa, fornecendo esses subsídios ao PoderExecutivo nos momentos próprios (sanção­promulgação) oudiretamente ao Poder Legislativo.

Ele fornece esses mesmos subsídios, de outro lado, aoMinistério Público, para que promova suas recomendações,acordos de conduta, inquéritos civis e ações civis públicas (oumandados de segurança).

Ou por fim, pode remeter esse mesmo material ­ tudoconforme a situação levantada – aos conselhos dos direitos dacriança e do adolescente (nacional, estadual e municipal) para odesempenho de suas atribuições normalizadoras/formuladoras econtroladoras.

A extensão da cidadania tem também suascaracterísticas próprias, fazendo com o conselho tutelar

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fomente a participação proativa (ou protagônica) do seupúblico ­ Como extensor da cidadania, os conselhos tutelares, noslimites de sua possibilidade, devem procurar atender e aconselhar crianças, adolescentes, pais e responsáveis, a respeito de seusdireitos e deveres. (art. 136, I e II – Estatuto). Nessa linha ele atuacomo um verdadeiro “balcão­da­cidadania”.

Numa fase preliminar, preventiva, assim procederá oconselho tutelar, mesmo quando não se justificar uma intervençãomais forte e efetiva sua, isto é, mesmo quando não for o caso daaplicação de medida especial de proteção, ou de representação aoMinistério Público ou de encaminhamento ao Poder Judiciário.

Ele deverá fazer o papel de co­construtor da cidadania doseu público­ alvo, de extensor da cidadania: cidadão todos osomos, o que ocorre é o que o exercício dessa cidadania precisaser ampliado, aprofundado, radicalizado, estendido, quando setrata de determinados segmentos da população (índios, negros,mulheres, crianças, jovens, sem­terra e sem­teto, homossexuaisetc.).

E aí entra o conselho tutelar estrategicamente promovendoo empowerment (participação proativa ou protagônica) decrianças, adolescentes e de suas famílias, que atender de algumaforma.

Tipos de atividades ­ No exercício dessas atribuições oconselho tutelar estará zelando pelo atendimento dos direitos decrianças e adolescentes (art. 131 – Estatuto), de maneira bemconcreta.

São típicas atividades desse tipo ação potencializadoraestratégica:

palestras, conferências, debates em escolas, associaçõescomunitárias etc.

participação em programas radiofônicos ou televisivos; participação em campanhas de social­

marketing(distribuição de folders, cartazes etc.); participação em eventos públicos, reuniões de instâncias

de articulação (fóruns, frentes etc.); help desk para orientação inicial, por telefone ou

pessoalmente, de pessoas que tenham dúvidas a respeito dedireitos e deveres de crianças, adolescentes, seus pais eresponsáveis

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etc.O cuidado maior nessa linha deve ser evitar que o conselho

tutelar invada, sob essa justificativa ampla, as atribuições dosconselhos dos direitos da criança e do adolescente, das câmarasde vereadores, dos órgãos de coordenação e execução depolíticas sociais (secretarias da assistência, social, da educação,da saúde etc.), do ministério público, do poder judiciário, dosórgãos policiais – como está sendo freqüente acontecer.

Ou que as atividades do conselho tutelar se reduzam a isso:não exerça ele suas demais atividades, resumindo­se a esse papelpotencializador estratégico – mobilizador e capacitador,principalmente.

A proteção de crianças e adolescentes com direitosameaçados ou violados é a atividade mais importante de umconselho tutelar e se manifesta com a aplicação de medidasespeciais de proteção, previstas no Estatuto ­ Aqui está a maisimportante e efetiva das atividades de um conselho tutelar, isto é,quando ele presta proteção especial a crianças e adolescentescredores de direito, isto é, com seus direitos ameaçados ouviolados, quando ele luta pelo reconhecimento e pela garantiadesses direitos.

um conselho tutelar que não aplique medidas especiais deproteção não tem funcionamento efetivo, como o Estatuto propõe.Pode praticar inúmeras outras atividades importantes, mas sem aprática dessa, ele deixa de cumprir sua missão maior.

Natureza das medidas especiais de proteção: são atosdecisórios e requisitórios, emanados de um contenciosoadministrativo, que dependem de execução pelos serviços eprogramas públicos (nas áreas de educação, saúde,assistência social, trabalho, segurança pública etc.) ­ muitasvezes, certos operadores do aqui estudado Sistema de Proteçãodos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente (juizes,promotores, delegados de polícia, defensores públicos, dirigentesde órgãos públicos e de organizações representativas dasociedade etc.) e mesmo o público, em geral, imaginam que,quando o conselho tutelar atua, ele na verdade está na obrigaçãode “proteger” crianças e adolescentes, diretamente – o conselhotutelar se confundiria com um órgão de execução das políticas deassistência social (mais vezes!), de saúde, de educação, de

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proteção no trabalho, de segurança pública etc.Os conselhos tutelares estariam pois a disposição dos

juizes, promotores e outras autoridades públicas para daremexecução a decisões desses. Como se esses colegiados nãotivessem competência originária para apreciar uma situação deviolação ou ameaça de direitos e aplicar uma medida jurídica dereconhecimento e garantia de direitos. em verdade, é isso que oestatuto prevê para os conselhos tutelares: um contenciosoadministrativo, um órgão não jurisdicional de solução de conflitosde interesses.

Na verdade, o conselho tutelar não executa nenhumprograma ou serviço público. ele requisita esse atendimento aoórgão próprio do poder público. Os mais consagrados comentaristado Estatuto reconhecem que o conselho tutelar foi criado paraexercer antigas funções do juiz de menores e não para seremórgãos de execução, serviço de retaguarda, para outros órgãos.

A leitura do art.136 do Estatuto seria suficiente paraconfirmar esse entendimento: ali estão as atribuições típicas doconselho tutelar. O Estatuto em nenhum momento o faz executorde programa ou serviço, o faz órgão de atendimento direto.

Aliás, só excepcionalmente o Estatuto faz algo semelhante,quando no inciso VI do artigo 136, atipicamente, lhe comete afunção de “providenciar medida estabelecida pela autoridadejudiciária, dentre as previstas nos artigos 101, de I a VI, para oadolescente autor de ato infracional”. De qualquer maneira,mesmo aí, ele não executa a medida aplicada pelo juiz, eleintermedia, ele ratifica a decisão judicial e toma as providênciascabíveis (requisição de serviços, por exemplo). O Estatuto explicitabem essa hipótese de ratificação da decisão judicial em caso deadolescentes em conflito com a lei.. Assim, não há que se falarem conselho tutelar exercendo aí funções assemelhadas a de“equipe multiprofissional” ou de “agente de proteção” das varas dainfância e da juventude, como abusivamente isso estáacontecendo.

Essas distorções, tanto partem de alguns juizes, que nafalta de apoio técnico no campo próprio do Poder Judiciário (comoo Estatuto determina nos seus artigos 150 e 151) usam dosserviços, distorcidamente, dos conselhos tutelares, quanto elaspartem de alguns conselheiros tutelares que, para fugirem dopouco caso ou da oposição de determinados prefeitos, abdicam de

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sua autonomia funcional.Reforçando esse entendimento, é de se lembrar que o

Estatuto prevê no seu art. 262 que “enquanto não instalados osConselhos Tutelares, as atribuições a eles conferidas serãoexercidas pela autoridade judiciária” – isso mostra a semelhança(não igualdade) de funções entre o contencioso judicial (vara dainfância e da juventude) e o contencioso administrativo (conselhotutelar), sem nenhum traço de subordinação de um ao outro.

Conteúdo: proteção, como medida premial ­ As medidasespeciais de proteção, aplicadas a crianças e adolescentes comseus direitos violados ou ameaçados (art.136, comb. com art.98 –Estatuto cit.), têm natureza eminentemente premial. E nuncasancionatórias, punitivas.

Nesse sentido, ensina L. XAVIER DE CASTRO (in "Estatutoda Criança e do Adolescente Comentado" – artigo 99"­ Ed.Malheiros), referindo­se às medidas de proteção especial,aplicáveis pelo conselho tutelar: "Estes instrumentos não poderãoser compreendidos como castigo ou pena; nem tampouco, ter ocaráter de 'aliviar' a responsabilidade jurídica daqueles que estãocausando danos à criança e ao adolescente".

Por exemplo, não existe nenhum respaldo legal para umconselho tutelar apreender crianças e adolescentes, colocá­las emcelas, coagi­las a praticar nenhum ato, destituir o poder parentaldos seus pais etc. etc.

A medida de advertência, por exemplo, não existe para seraplicada pelo conselho tutelar a crianças e adolescentes, a títulode medida e proteção. Ela existe como medida socioeducativaaplicada por juiz a adolescente infrator. E como medidaresponsabilizadora aplicada pelo conselho tutelar a pais eresponsáveis. A juÍza CONCEIÇÃO MOUSNIER ((in "Estatuto daCriança e do Adolescente Comentado" – artigo 101"­ Ed.Malheiros), apesar de não concordar com a limitação do Estatuto,nesse ponto, reconhece claramente: "Andou bem a lei em nãoestender à criança infratora, menor de 12 anos, com pouca idade,as medidas mais severas previstas nos incs. II a VI do art. 112.Quanto à medida de advertência porém o legislador, melhor agiria,se a tivesse prescrito também para a criança infratora".Traduzindo: mesmo os que advogam a advertência como medidaespecial de proteção, reconhecem que o Estatuto não a prevê e

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por tanto vedada está sua aplicação.As medidas de proteção espacial, previstas no Estatuto, no

art. 101, são “benefícios” concedidos a pessoas em condiçõespeculiares de desenvolvimento e não “seres inferiores”, fracos,vítimas, desajustados.

Mas, nossa cultura popular e mesmo institucional estáindelevelmente marcada pela concepção autoritária e patriarcalistade que se protege um mais fraco... “castigando”, infligindosofrimento, ou pelo menos vitimizando.

O público alvo do conselho tutelar é composto portodas as crianças e adolescentes que estejam na situação de"credores de direito", isto é, que tenham quaisquer de seusdireitos ameaçados ou violados e não as crianças e osadolescentes em situação de risco, isto é, vulnerabilizadossociais ­ Um verdadeiro mito se criou, com o passar dos tempos,de que a política de promoção dos direitos, prevista no Estatuto,tinha como seu público­alvo, "crianças e adolescentes em situaçãode risco pessoal ou social". Mais especificamente: aventou­se queas medidas especiais de proteção deveriam ser aplicadas acrianças e adolescentes nessa situação de vulnerabilidade social.

O Estatuto não pode ser invocando para justificar essainterpretação do Estatuto e essa abrangência da política depromoção dos direitos. Em nenhum dispositivo dessa lei se utilizatal expressão ("situação de risco"). E o seu art. 98 é claríssimo emdeterminar que tais medidas são "aplicáveis a crianças eadolescentes sempre que os direitos previstos nesta lei foremameaçados ou violados (...) por ação ou omissão da sociedade oudo Estado, (...) por falta, omissão ou abuso dos pais ouresponsável (...) em razão de sua conduta".

As situações de vulnerabilidade social (situações de risco)são típicas da política de assistência social, isto é, justificam aintervenção assistencial, através dos seus dos seus benefícios edas suas ações continuadas, próprios.

Ensina WANDA ENGEL (in "Estatuto da Criança e doAdolescente Comentado – artigo 98" – Ed. Malheiros) a respeitoda universalidade dessa política de garantia dos direitos,apontando um primeiro segmento: "Seriam, pois, sujeitos­alvosdas medidas de proteção todas as crianças que, por omissãodestes dos agentes (sociedade e Estado), tivessem aqueles

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direitos ameaçados ou violados. Crianças e jovens com a saúdeou a própria vida ameaçadas pelas condições de pobreza,desnutrição e insalubridade ambiental, sem acesso a umaassistência médica de qualidade; fora da escola ou submetidos aum processo educacional que os leva ao fracasso escolar, àestigmatização e à exclusão, inseridos num trabalho que osexplora e afastado convívio familiar e comunitário, da escola e dolazer."

E explica mais a autora, apontando outro segmento:"Comporiam esse conjunto, por um lado, crianças e adolescentesvítimas históricas de políticas econômicas concentradoras derenda e de políticas sociais incompetentes em sua tarefa deassegurar a todos os cidadãos seus direitos sociais básicos. (...)Estariam neste grupo também, por outro lado, crianças cujasfamílias se omitem do dever de assisti­las e educá­las, praticammaus­tratos, opressão ou abuso sexual ou simplesmente asabandonam."

Finalmente ENGELS descreve o terceiro segmento dopúblico alvo para as medidas especiais de proteção: "Surge,porém, na letra da lei, entre os responsáveis pela ameaça dosdireitos da criança, um terceiro agente – ela própria, em função desua conduta. Reconhece a legislação que a criança e oadolescente, em função de uma dada conduta – crime oucontravenção – reconhecida como ato infracional, possam vir a terdireitos ameaçados ou violados".

Só como exemplo: imagine­se uma adolescente de 17 anossubmetida à exploração sexual comercial, isto é, vítima em umcrime de lenocínio. Além da óbvia responsabilização/punição dolenão (nos termos do Código Penal), isto é, do seu explorador, aela se deve garantir imprescindivelmente uma atenção especial,articulada e integrada, das políticas públicas – punição deexplorador não substitui a proteção da explorada.

A área da assistência social deveria assegurar a ela (adepender da idade) sua inclusão em programas de renda­mínimafamiliar, de geração de emprego, ocupação e renda etc. Enquantoisso, a área dos direitos humanos (garantia de direitos) seincumbiria de dar retaguarda às decisões dos juizes da infância eda juventude e dos conselhos tutelares, ou seja, de darcumprimento, por seus serviços e programas específicos, àsmedidas daquelas autoridades.

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O Estatuto elenca uma série de programas e serviçostípicos da política de promoção dos direitos humanos, nos seusartigos 90 e 87, III, IV e V, que poderiam, em princípio, atenderessa adolescente explorada sexualmente – principalmente oprograma de apoio socioeducativo em meio aberto (não confundircom medida socioeducativa em meio aberto, isto é, liberdadeassistida e prestação de serviço à comunidade!), serviços deproteção jurídico­social, serviços de apoio médico e psico­social.

Dentro dessa linha, no país, temos equipamentos comtrabalhos emblemáticos: Casa Renascer (Natal – RN), Casa dePassagem e SOS­CORPO (Recife – PE), Centro Projeto Axé –Moda Axé e Fundação Cidade Mãe – Casa de Oxum, CEDECAYves De Roussan (Salvador – BA), CRAMI (Campinas – SP),CEDECA EMAÚS (Belém – PA) etc.

Essa adolescente, tanto é uma pessoa em situação emsituação de risco social e pessoal, quanto uma pessoa credora dedireitos (= com direitos violados). E assim necessita, como umdireito seu e dever do Estado, de atendimento cumulativo,articulado e integrado das várias políticas públicas, tanto asinstitucionais (direitos humanos, segurança pública etc.), quanto associais (assistência social, saúde, educação, cultura etc.).

Tanto assim é que, por exemplo, o conselho tutelar, comoum equipamento­chave do chamado “sistema de garantia dosdireitos da criança e do adolescente”, quando atende essa meninaexplorada na prostituição, aplica­lhe medida de proteção especial,requisitando, para tanto, serviços públicos que integrem o amploleque da proteção social, que se faz necessária, com atendimentosvariados e cumulativos nas "áreas da saúde, da educação, doserviço social, trabalho, segurança pública" (art. 136, III, letra "a" –Estatuto). E culminando tudo isso, como forma de garantir apriorização e integração desse atendimento multisetorial, requisitaa inclusão dessa adolescente em programa previsto no inciso II doartigo 90 e em serviço previsto no inciso IV do art. 87, ambos doEstatuto – serviço e programa, específicos, que poderão, emalguns locais, serem desenvolvidos pelo SOS­CRIANÇA.

O conselho tutelar é responsável também pelaaplicação de medidas especiais de proteção a crianças emconflito com a lei, já que elas não são responsáveis por seusatos infracionais, nem recebem medidas socioeducativas ­ O

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Estatuto da Criança e do Adolescente só reconhece comoresponsável pela prática de crimes e contravenções penais (a quechama infrações) o adolescente, isto é, aqueles com 12 anoscompletos. E assim sendo, só os adolescentes podem serresponsabilizados e sancionados pela prática de crimes econtravenções, como autores de ato infracionais, aos quais o juizcompetente aplicará uma Medida Socioeducativa (internação,semiliberdade, liberdade assistida etc.).

As crianças (menores de 12 anos) não são submetidas aojuiz da infância e da juventude, para o procedimento de atoinfracional previsto no Estatuto, nem receberão nunca uma medidasocioeducativa (nem advertência!). elas deverão ser atendidaspelo conselho tutelar, que lhes aplicará medidas especiais deproteção, previstas no art. 136 do Estatuto.

O conselho tutelar tem uma participação bastantelimitada no processo judicial de apuração de ato infracionalatribuído a adolescente, não sendo competente para apurar osfatos nem aplicar medidas socioeducativas ­ O conselho tutelarsó participa secundariamente do procedimento judicial deapuração do ato infracional atribuído a adolescente: quando o juizda causa, constatando que o adolescente, além de se imputar aele a prática de um ato infracional, igualmente tem qualquer dosseus direitos ameaçados ou violados e se encontra tambémenquadrado nas hipóteses do art. 98 do Estatuto. Isto é, quando ojuiz reconhece que esse adolescente necessita igualmente ou deapoio e orientação familiar, ou de apoio médico e psico­social, oude tratamento médico hospitalar ou ambulatorial, ou matrículaescolar etc. etc. (art. 101 – Estatuto citado). Nesse caso, o artigo136, VI do Estatuto estabelece que cabe ao juiz aplicar tambémuma medida de proteção e determinar que o conselho tutelarcompetente atue: "providenciar a medida estabelecida pelaautoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI parao adolescente autor de ato infracional".

O conselho tutelar aí está dando execução a uma decisãodo juiz da infância e da juventude, uma vez que esse colegiadonão tem competência alguma para intervir na apuração de atoinfracional atribuído a adolescente ­ matéria judicial processual.

Duas questões estão todavia surgindo na prática, ao arrepioda lei e que merecem se provoque uma discussão jurídica em

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torno delas: a) Existem conselhos tutelares usurpando a função

judicante, apurando a prática de atos infracionais, que seconfiguram como crime ou contravenção, quando praticados poradolescentes, inclusive aplicando advertência. Quando no SIPIAse pede o registro da prática de atos infracionais por adolescentesquer apenas que se registre que o conselho tutelar recebeu notíciado crime (infração) e a remeteu de imediato ao representante doMinistério Público e/ou juiz. Além do mais um conselho tutelarpode também acompanhar o acautelamento do adolescenteapreendido em flagrante na Delegacia de Polícia para evitar quesofra torturas ou coisas semelhantes. Nunca substituir o delegadode polícia, o promotor de justiça e o juiz da infância e da juventude,na apuração de ato infracional e no seu sancionamento!

b) Alguns magistrados estão aplicando medida de abrigoem entidade a adolescentes aos quais se atribui a prática de atoinfracional (em processo), depois de esgotado o prazo de 45 dias da internação provisória. Ou a aplica ao final do processo, quandoele aplica medida socioeducativa em meio aberto, substituindoassim o atendimento assistencial ao egresso previsto no Estatuto,mas de outra natureza. O Estatuto expressamente proíbe isso, aoprever que no caso do artigo 136, VI só as medidas previstas nosincisos I a VI do artigo 101 são aplicáveis nessa hipótese, isto é, oEstatuto exclui as medidas dos incisos VII e VIII ("abrigo ementidade" e "colocação familiar").

O sancionamento administrativo de pais e responsáveis­ O Estatuto prevê também que o Conselho Tutelar é competentepara aplicar medidas responsabilizadoras, de caráter orientador esancionador, a pais e responsável por infrações às normas doEstatuto. Nesse rol está, por exemplo, a advertência.

Não se tratando de medida premial, de benefício protetivo,mas sim de verdadeira sanção administrativa, entendo, salvomelhor juízo, que não pode o Conselho Tutelar aplicar qualquerdessas medidas a pais e responsáveis, sem respeitar o dispostona Constituição federal, no tocante à garantia da ampla defesa edo contraditório: trata­se de um litígio, de um possível conflito deinteresses dos pais ou responsável e da criança ou adolescente.

"Se esses pais simplesmente resolverem não acatar adecisão do Conselho Tutelar eles estarão sujeitos a multa por

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infração administrativa pelo artigo 249 do Estatuto : 'Descumprir,dolosa ou culposamente os deveres inerentes ao pátrio poder oude correntes da guarda ou tutela, bem assim determinação daautoridade judiciária ou do conselho tutelar. Pena: multa de 3 a 20salários de referência, aplicando­se o dobro em caso dereincidência'" – assim ensinam, a respeito dessas medidas,DONIZETI e CYRINO (obra citada). E com isso mais alicerça oentendimento de que essas medidas, aplicáveis a pais eresponsável não têm a mesma natureza puramente premial dasmedidas especiais de proteção, aplicáveis a crianças eadolescentes.

Assessoramento ao poder público, no campo daorçamentação ­ Os conselhos tutelares devem anualmenteapresentar ao prefeito subsídios (dados, informações e análises)para a elaboração da proposta orçamentária do município;advogando a alocação de recursos para a criação oumanutenção/fortalecimento de serviços e programas específicospara atendimento dos direitos de crianças e adolescentes,especialmente os previstos no Estatuto (arts. 87, III a V e 90).

Esse oferecimento de subsídios deve ser feito numa linhade assessoramento, isto é, numa linha consultiva, sem podervinculante.

Raramente, nos relatórios para o SIPIA, encontra­se oregistro de que o conselho tutelar tenha cumprido essa suaobrigação legal. Mais das vezes os conselheiros muito se queixamda falta da chamada “retaguarda” para atender suas requisições,isto é, de serviços e programas nas “áreas da saúde, educação,trabalho, serviço social, previdência e segurança pública” paraatenderem os direitos violados e ameaçados de crianças eadolescentes. Mas, um gesto concreto construtivo na busca dasolução seria tornar a orçamentação pública mais participativa. Eesse assessoramento dos conselhos tutelares seria um bominstrumento nesse sentido. É importante pois, que os conselheirostutelares se capacitem para exercerem regular e sistematicamenteessa função no seu município.

FUNÇÕES EXECUTÓRIAS

O conselho tutelar não executa diretamente suasmedidas especiais de proteção ou as medidas aplicáveis a

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pais e responsável – Eles promovem, indicam, determinam quesuas decisões devem ser obrigatoriamente pelas entidadesgovernamentais e não governamentais que prestam serviços oudesenvolvam programas/projetos de atendimento dos direitos decrianças e adolescente. Para promover a execução de suasdeliberações colegiadas, o conselho tutelar tem o poder de:

(a) requisitar, formalmente, por escrito, serviços públicosnas áreas da saúde, educação, serviço social (assistência social),previdência, trabalho e segurança pública;

(b) representar junto à autoridade judiciária nos casos dedescumprimento injustificado de suas deliberações, solicitando asnecessárias providências para garantir a executoriedade da suadeliberação desrespeitada.

Ainda para garantir a possibilidade de aplicar medidasespeciais de proteção, o conselho tutelar, durante o procedimentoapuratório da situação de violação ou ameaça de direito, poderáexpedir notificações dirigidas a determinadas pessoas paraprestarem declarações, expedir requisições de documentos

O conselho tutelar remete um caso ao juiz da infância eda juventude inicialmente, quando a matéria não é dacompetência do colegiado ­ DONIZETI e CYRINO (obramulticitada) ensinam com clareza: "(...) todos os casos queenvolvam questões litigiosas, contraditórias, contenciosas, deconflito de interesses, com a destituição do pátrio poder, como aguarda, a tutela, a adoção e as enumeradas nos artigos 148 e 149do Estatuto, ao chegarem ao conhecimento do Conselho Tutelar,deverão ser encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventudeonde os interessados terão orientação certa da solução da soluçãode seus problemas".

Muitas vezes, um conselheiro tutelar decide intervir emcertos casos que são da estrita competência do Poder Judiciário,pensando que está "ajudando" a população. Mas, sua intervenção,mesmo de boa­fé, poderá ter efeitos desastrosos, criando umafalsa expectativa na população e a frustrando de relação aoconselho tutelar. Se a questão não diz respeito a sua esfera deatribuição, nada tem o conselheiro tutelar de ser "porta­voz" do juizou "assessor jurídico" de quem o procura, por exemplo, pararesolver questões de investigação de paternidade, guarda defilhos, partilha de bens, alimentos, prática de crimes etc. etc.

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O conselho tutelar encaminha um caso ao juiz dainfância e da juventude igualmente quando sua decisão fordescumprida pelo dirigente do órgão público ao qual sedirigiu uma requisição do colegiado ­ Essa matéria já foianalisada atrás em item anterior, como forma de garantir ocumprimento de suas decisões.

A remessa do caso ao promotor de justiça (Ministério

Público) não pode ser injustificada e como uma forma doconselho tutelar se desobrigar do cumprimento de sua missãoinstitucional, mas sim quando for obrigado por lei a fazer umadeterminada comunicação ou representação formal a esseórgão público­ministerial – O conselho tutelar está obrigado acomunicar ­ oficialmente, de imediato, por escrito e justificativamente ­ ao promotor da infância e da juventude local(ou àquele que responda pela função, caso ausente o titular ouvago o cargo, na cidade em que estiver), quando ele, conselho,tomar conhecimento, de todo e qualquer fato que se configurecomo crime ou infração administrativa contra crianças eadolescentes, previstos no Código Penal ou no Estatuto daCriança e do Adolescente.

Às vezes, o conselho tutelar, quando tem dificuldades paraatender uma determinada criança ou adolescente ou para lhesaplicar uma medida especial de proteção, ele "faz umencaminhamento" (sic) ao Ministério Público, mais das vezesindevido, pois o faz fora dos casos previstos no Estatuto e fugindodo exercício de suas funções. O representante do MinistérioPúblico não é um "padrinho", um "protetor" do conselho tutelar, aser chamado em casos em que a atuação era para ser doconselho tutelar. Nem o Ministério Público é "órgão de execuçãoou de atendimento direto". Ele tem sua função constitucional elegal que precisa ser respeitada.

REGIME JURÍDICO DOS CONSELHEIROS TUTELARES

Natureza da função de conselheiro tutelar ­ Esta é amatéria mais controversa no Estatuto, a respeito dos conselhostutelares e raiz de muitos problemas : a real natureza jurídica dafunção de conselheiro tutelar !

Pelo fato de ser o conselho tutelar um órgão público, comose argumentou atrás, os conselheiros tutelares são obviamente

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agentes públicos – a classificação mais ampla, onde se incluem osagentes públicos honorários (jurados), os funcionários públicos sobregime único, os empregados públicos, os titulares de cargoseletivos (vereadores etc.), os militares, os magistrados etc. etc. etc.Mas, isso é insuficiente: que tipo de agente público?

Na primeira versão do Estatuto, antes de sua alteração pelalei federal n.8.242/91, poder­se­ia falar que se tratava de cargoeletivo, assemelhado ao de vereador, por exemplo. E toda adisciplina do seu regime jurídico deveria ser buscada nas normasque disciplinam os cargos eletivos. A primeira versão falava em"processo eleitoral presidido pelo Juiz Eleitoral". Desse modo, seaplicaria literalmente o Código Eleitoral e nenhuma dúvida haveria.Salvo a que surgiu na época: se assim fora, nenhuma lei municipalpoderia regular a matéria, por ser da competência exclusiva daUnião..

Todavia a reforma resolveu criar uma forma especial deprovimento: livre nomeação pelo prefeito, após escolha de nomese indicação pela comunidade.

Assim sendo, pode­se afirmar que se trata de uma funçãopública comissionada, vinculada a mandato certo popular, comregime jurídico especial, a ser estabelecido na lei municipal queexpressamente criar as funções de conselheiros tutelares (titularese suplentes).

Natureza jurídica do processo de escolha dosconselheiros tutelares ­ A escolha dos conselheiros tutelares esua investidura na função se fazem através de umprocesso/procedimento administrativ,o que se esgota na esfera doPoder Executivo municipal, ao qual estão vinculadosadministrativamente os conselhos dos direitos e os conselhostutelares. Um procedimento que se completa com a nomeação eposse desses conselheiros tutelares, pelo Chefe do PoderExecutivo municipal[14].

Não um processo/procedimento judicial (eleitoral), como naredação original do Estatuto, posteriormente reformada.

Formas legais e legítimas de processos de escolha pelacomunidade ­ O grande perigo, a macular a legalidade elegitimidade desse procedimento, tem sido na prática se manter aidéia de que se trata de um "processo eleitoral", de uma "eleição".Essa concepção errônea tem parido verdadeiros monstros, na

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prática.Os conselheiros tutelares não exercem sua função como

representantes da população, da sociedade como um todo ­ nalinha da democracia indireta, como previsto na primeira parte doparágrafo único do artigo 1º da Constituição federal. Não são"eleitos", como prevê esse dispositivo citado.

Exercem­na, sim, como forma de participação direta dapopulação, nos termos da Constituição – segunda parte dodispositivo constitucional citado. Tão democrático quanto...!Supera­se, sem se negar, o restrito conceito da democraciarepresentativa. A democracia direta no país se faz igualmenteatravés da participação da sociedade por suas organizaçõesrepresentativas, por suas comunidades em concreto, no seio dasociedade, geral e difusa. [15]

A Constituição federal tem como cláusula pétrea que ademocracia brasileira é representativa e participativa,concomitantemente, uma linha complementando a outra – isto é,uma não é prevalecente e mais importante que a outra.

Óbvio, que o processo de escolha com a participação detoda a sociedade é uma forma legal e legítima – possível edefensável! Não porque os conselheiros se tornam mais"representativos". A justificativa é outra, diversa daquela aplicávelao prefeito e vereador, que precisam ter legalidade/legitimidade desua representação ­ como se viu atrás. Mas por que a sociedade,como um todo, é o somatório das comunidades. Escolhidos pelasociedade significarão escolhidos pelas comunidades, num sentidoamplo e numa interpretação mais ampliada do Estatuto.

A favor desse sistema de escolha direto pela populaçãomilita mais o fato de ter o CONANDA incluído, na sua Resoluçãonº 75[16], a recomendação de que se adote esse sistema. Issovale como um parâmetro político respeitável e não como umanorma jurídica coercitiva. A partir desse indicativo do CONANDA,as leis municipais devem preferenciar essa forma de escolha.

Mas, é bom que se faça um difícil exercício de tolerância ede superação de conceitos políticos tradicionais: a escolha deconselheiros tutelares, através de parcelas da sociedade, dascomunidades, de organizações sociais, também é legítima.Escolhidos através das organizações comunitárias significamescolhidos pela sociedade, numa interpretação até mais literal esistemática do Estatuto. Tanto, que assim se procede para a

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definição da participação direta da população no conselhos dosdireitos – através das organizações representativas da sociedade.Por que, politicamente, em um conselho, essa forma é legítima eno outro (o tutelar) não o é...?!

Ainda mais, é de se lembrar que se tratando deestruturação, organização e funcionamento de um serviço públicomunicipal, as leis municipais têm um campo de abrangência eprevalência maior, podendo ir, em certos pontos – em matériaorganizacional e procedimental – a lateri (não, contra) Estatuto daCriança e do Adolescente[17].

Trata­se aqui de se assegurar o respeito ao princípioconstitucional da autonomia municipal. O município hoje, pelaConstituição federal é um ente federativo. Os seus artigos 29 e 30isso asseguram, no tocante à organização do serviço públicomunicipal.

Inconstitucional seria o Estatuto, se invadisse essa esferado poder legisferante municipal. Aqui não prevalece o dispositivoconstitucional[18] que estabelece que compete concorrentementeà União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre proteçãoà criança e adolescente. Formalmente os dispositivos sobreestruturação e organização dos conselhos tutelares estão em umalei de “proteção à infância e à juventude” (Estatuto citado), massubstancialmente são matéria de direito administrativo municipal,só podendo a União editar normas gerais. Tanto que exatamentepor isso o Estatuto deixou que regular o procedimento paraaplicação de medida de proteção pelo conselho tutelar, por setratar de um procedimento administrativo municipal, a ser reguladopor lei municipal. De maneira diversa, regulou o mesmo Estatuto,quanto ao procedimento para apuração do ato infracional praticadopor adolescente e aplicação de medidas socioeducativas, que foiali bastante esmiuçado[19]: trata­se aqui de procedimentoprocessual[20], cuja competência legislativa é da União.

Legal também o é essa segunda forma: o que deveprevalecer na exegese dos textos do Estatuto deve ser aprevalência do "melhor interesse da criança e do adolescente"[21].E se deveria levar em conta também a motivação histórica, a menslegislatoris[22]. O dispositivo do Estatuto, em questão, fala em"comunidade" e não em "população", "sociedade" etc. E basta seconsultar dicionários para se constatar que “comunidade”significasegmento da sociedade, “parcela da população agrupada

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por interesses comuns, por razões geográficas” etc. No sentido dapossibilidade legal de se adotar indiferentemente ambas as formas("direta ou indireta") se pronunciam, em sua obra multicitadaDONIZETI & CYRINO.

Todavia, necessário se torna evitar um equívoco que temgrassado em alguns municípios: incluírem­se autoridades públicasgovernamentais (prefeitos, secretários municipais, promotores dejustiça, dirigentes de órgãos públicos, diretores de escolas etc.) nomal chamado “colégio eleitoral”. Enquanto cidadãos poderãoparticipar do processo de escolha aberto, isto é, a escolhauniversal. Mas, nunca quando o processo de escolha se procederatravés de representações comunitárias, pois eles sãorepresentantes do Poder Público – coisas que não se confundemna ótica do Estatuto. O Estatuto faz nítida distinção, em todo seucorpo, entre as esferas do “governamental” e do “nãogovernamental”.

A participação de qualquer representante de órgãogovernamental no processo de escolha de conselheiros tutelares,quando não se tratar do voto universal facultativo, o tornasusceptível de anulação, requerida pelo Ministério Público, porqualquer entidade .

Em conclusão: nos termos do Estatuto, como acima seexpôs, possível se torna o desenvolvimento do processo deescolha referido, através três formas de procedimentos maiscomuns e consagradas pelo uso, hoje, no país:

Facultativamente, todas as pessoas indiscriminadamente(eleitoras ou não), acima de dezesseis anos e que residam nomunicípio, isso comprovando de qualquer maneira (exibição dedocumentos e elaboração de listas de votantes a posteriori);

Facultativamente, todas as pessoas que se inscreveremou cadastrarem, previamente, na forma definida pela lei municipal(e regulado o procedimento de inscrição, pelo edital do conselhodos direitos), igualmente com os mesmos requisitos de idade eresidência.

Somente os representantes da sociedade civilorganizada, isto é, os representantes de comunidades(associações, entidades de atendimento, sindicatos, ministérioseclesiais e toda ou qualquer expressão da organizaçãocomunitária).

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Papel dos conselhos dos direitos da criança e doadolescente no processo de escolha ­ A organização epresidência do processo de escolha de conselheiros tutelaresficaram como uma atividade especial dos conselhos municipaisdos direitos da criança e do adolescente de discutível definição desua natureza jurídica e política. E isso ele faz, não tanto numalinha de gestão de meios[23], mas de controle do poder/atribuiçãodo Poder Executivo municipal, de investir agentes públicos.

De ordinário, há certa dificuldade de se entender a naturezadessa intervenção dos conselhos dos direitos, que a primeira vistaparece discrepar das suas demais atividades, dentro do espectrogeral das atribuições desses colegiados municipais. Realmente, tem­se reconhecido que – em função dos seus papéis jurídico­legal e político­institucional, como visto atrás ­ os conselhos dosdireitos não devem assumir nenhuma função de "execução depolítica pública", isto é, desenvolver atividades (através de umdeterminado serviço público) ou projetos (no bojo de um programapúblico): isso ficou bastante claro!

Assim, essa sua função de organização e presidência doprocesso de escolha dos conselheiros tutelares (que lhe foiatribuída posteriormente) precisa encontrar seu nicho jurídico epolítico­institucional. E aqui se propõe que seja no campo docontrole das ações públicas[24], mesmo se reconhecendo queassim se fará de maneira bem pouco ortodoxa.

Assim sendo, aos conselhos municipais dos direitos dacriança e do adolescente compete essa atípica atribuição, emcaráter extraordinário e explicitado no Estatuto: organizar epresidir o processo administrativo de escolha dos conselheirostutelares, obedecendo à determinação do Estatuto.

O conselho dos direitos fica absolutamente adstrito àsnormas da lei municipal, não podendo ­ através do seu edital deconvocação do processo de escolha – alterar nenhum dispositivoexpresso da referida norma legal, como muitas vezes se estáconstando na prática, com sérios prejuízos para a realização doprocesso de escolha, que assim poderá ser anulado pela Justiça, arequerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado.

Por exemplo, se a lei municipal estabelecer um limite deidade, uma condição de escolaridade (nível médio oufundamental), não pode o edital do conselho dos direitos issoalterar. Se a lei , em outro exemplo, não prever a apresentação de

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comprovação da aprovação em curso sobre o Estatuto, o editalnão pode criar essa exigência.

DONIZETI & CYRINO (in "Conselhos e Fundos no Estatutoda Criança e do Adolescente") vão mais longe e explicitam: "(...) oConselho dos Direitos só poderá dispor sobre processo deescolha se lei municipal conceder­lhe autorização expressa".

Os referidos autores ensinam que (a) ou a lei municipaldispõe minudentemente sobre o processo de escolha dosconselheiros tutelares, não prevendo assim que os conselhos dosdireitos tracem nenhuma norma complementar reguladora quandoda convocação de cada processo de escolha (b) ou a mesma leitraz algumas normas gerais sobre a matéria, como mínimos legaise expressamente autoriza o conselhos dos direitos a regular amatéria, suplementarmente.

Histórico ­ Os conselhos municipais dos direitos da criançae do adolescente receberam do Estatuto (redação reformada) essaatribuição nova, exatamente para garantir ao máximo a autonomiafuncional dos conselhos tutelares: quanto menos ingerência daprefeitura municipal, mais autônomo seria esse contenciosoadministrativo, que tem entre suas atribuições legais a derequisitar serviços públicos aos órgãos municipais.

Nasceu essa atribuição posteriormente à edição doEstatuto, em lei federal[25] que lhe alterou a redação original,motivada por decisão judicial.

Quando editado o Estatuto, previa ele que os conselheirostutelares seriam eleitos para um mandato certo, em processo eeleitoral presidido pelo juiz eleitoral da comarca, sob a fiscalizaçãodo representante do Ministério Público. Mas, dizia também que leimunicipal disporia a respeito desse "processo eleitoral" (sic).

Em São Paulo, em 1991, com toda propriedade,questionou­se a constitucionalidade de tais dispositivos doEstatuto; apontando­se que nenhuma lei municipal poderia disporsobre a matéria, tratando­se de processo eleitoral. Ter­se­ia queaplicar as disposições do Código Eleitoral. Assim sendo, anatureza das funções do conselheiro tutelar seria como a de ummandatário de cargo eletivo (prefeito, vereador etc.), com todas asdecorrências disso: candidatura partidária, voto universalobrigatório, inelegibilidade etc.

Em função disso, a matéria foi discutida amplamente, à

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época, no Fórum Nacional DCA[26], decidindo­se por se fazerumlobby junto à Presidência da República, com apoio do CBIA eUNICEF, para que se alterasse o Estatuto nesse ponto, evitando­se esse vício de inconstitucionalidade. Na época, elaborava­se oprojeto de lei que criava o Conselho Nacional dos Direitos daCriança e do Adolescente – CONANDA (1991) e aproveitou­se aoportunidade para se incluir dispositivo que alterava os artigos 132e 136 do Estatuto, no tocante ao provimento da função deconselheiro tutelar.

Depois de grande discussão no seio das organizaçõessociais que militavam no movimento de defesa dos direitos dacriança e do adolescente (DCA), com assessoramento de juristasque participaram da elaboração do Estatuto ­ decidiu­se que seabandonaria a idéia de processo eleitoral, mandato eletivo,aplicação do Código Eleitoral, condução do processo pela justiçaeleitoral etc. etc..

E optou­se por uma forma de provimento atípica: ummandato certo, mas não fruto de um processo eleitoral judicial(federal). Seria um "processo para escolha (...), realizado sobresponsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança edo Adolescente" e fiscalizado pelo Ministério Público[27]. Essa aintenção do legislador – importante elemento para exegese dosartigos reformados do Estatuto. Testemunham DONIZETI &CYRINO (obra citada): "A redação do dispositivo legal acima foidada pela Lei federal 8.242 de 12.10.91 (DOU 16.12.91), quedefinitivamente afastou o questionamento de constitucionalidadeda disposição anterior, que previa a 'eleição' dos conselheirosatravés de 'processo eleitoral', sob a presidência de juiz eleitoral".

Um procedimento de provimento de cargo ou função maisdemocrático e mais próximo do espírito desses conselhos – umaoutra alternativa às duas outras formas possíveis, em termosconstitucionais, isto é, no lugar da mera nomeação ad nutum paracargo comissionado ou após aprovação em concurso público[28].

A participação do representante do Ministério Público edo juiz, no processo de escolha ­ A imprescindível intervençãodo Ministério Público, participando do processo administrativo deescolha (qualquer que seja a sua forma ­ "direta" ou "indireta"),tem que ser entendida como função fiscalizadora.

Ele não pode participar, deliberando sobre os

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procedimentos de organização e realização desse processoadministrativo de escolha dos conselheiros tutelares. O Estatutonão lhe dá esse poder e nenhuma lei municipal pode ampliar seupapel nesse sentido, pois seria uma franca ingerênciaadministrativa do parquet na gestão dos negócios públicosmunicipais. Já o papel fiscalizador, ele é típico do MinistérioPúblico: da sua própria essência institucional. A ele a Constituiçãobrasileira garantiu o papel de "órgão corregedor maior",fiscalizador, controlador – incontestado e independente. Aefetividade do Estado Democrático de Direito depende disso.

Por isso, não pode ele se imiscuir na prática de atosadministrativos, como se fora apenas um agente publico municipal,no caso. Seu papel é bem maior! Está ele atuando junto aosconselhos dos direitos, nesse caso específico, para fiscalizar osprocedimentos ­ promovendo a aplicação da lei, a defesa dosinteresses individuais indisponíveis, os interesses difusos,coletivos e sociais e a defesa do regime democrático[29]. Lutandopara que esses atos administrativos (escolha, nomeação einvestidura de conselheiros tutelares) obedeçam aos princípiosconstitucionais da legalidade, economicidade, moralidade,impessoalidade e publicidade.

Assim, compete a ele impugnar atos da comissãocompetente (delegação do conselho municipal), durante oprocesso de escolha, perante a própria plenária do conselho. Ouajuizar ações judiciais próprias para assegurar o respeito a direitosameaçados ou violados (ao seu ver autonomamente), na forma dalegislação processual civil.

Já a participação dos juízes, diretamente, no processoadministrativo de escolha deve ser... nenhuma! Ou aliás: maior,mas diversa! Os juizes de direito intervirão, prestando a jurisdição,quando provocados pelas partes que tenham interessescontrariados e pelo Ministério Público – quando estes buscaremquem diga o Direito – via sentenças judiciais. Sua intervenção,nessa linha da prestação jurisdicional, garantirá o império da lei e orespeito aos direitos de quem possivelmente possa estar sendolesado.

Esse o papel do Poder Judiciário, do qual não deveria seafastar nessa questão da escolha dos conselheiros tutelares. Semprejulgamentos! Sem querer ser "administrador", mas simverdadeiro magistrado – esse o espírito do Estatuto, quando

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extinguiu a figura do "juiz­administrador­legislador" do revogadoCódigo de Menores[30]

Requisitos exigíveis dos candidatos à função deconselheiro tutelar ­ Quando do início de vigência do Estatuto,houve certa dúvida se as leis municipais poderiam inovar ou nãode relação a essa norma geral nacional, que estabelecia, no seuartigo 133, apenas 03 requisitos para que alguém se habilitasse aconselheiro tutelar: (a) reconhecida idoneidade moral; (b) idadesuperior a 21 anos; (c) residir no município.

Esses são requisitos mínimos, que as leis municipais estãoobrigadas a respeitar. Argumentava­se que o Estatuto não previa aampliação desses requisitos, sendo tal listagem taxativa e nãoexemplificativa. Algumas decisões judiciais vieram a lume, deinício, sob esse enfoque.

Com o passar dos tempos, passou a ganhar força uma linhade exegese diferente, dentro da linha que este presente ensaiosustentou atrás: o Estatuto dispõe sobre normas gerais de“proteção à infância e à juventude” (Constituição federal – art.24)

Essa lei federal em verdade é uma norma nacional de “proteção dainfância e da juventude”, como prevista no art. 24, XV da Constituiçãofederal. Compete à união legislar, como fez com o Estatuto, sobre estamatéria concorrentemente com os estados federados, estando ela limitadaà expedição de “normas gerais” (§1° – art.cit.). Por sua vez, normas legaisestaduais poderão, em caráter “complementar” (§2° – art.cit.), legislar arespeito dos conselhos tutelares, respeitados os limites estabelecidos noart.30 da Constituição, no que diz respeito à competência dos municípiospara legislarem. Leis, nacional e municipal, devem instituí­los, criá­los eregulá­los. A norma nacional de proteção os institui, dando­lhes atribuiçõese define parâmetros gerais para que leis municipais os criem, osestruturem, organizem, disponham sobre seu funcionamento e sobre oregime jurídico de seus membros.

Assim sendo, respeitados os requisitos do Estatuto, a lei municipalpoderá criar novos requisitos compatíveis com a natureza da função deconselheiro tutelar: grau de escolaridade, aprovação em capacitaçõessobre "legislação de proteção à infância e juventude", experiência notrabalho de atenção integral à infância / adolescência, número de anos deresidência no município etc.

A questão da idade mínima tem merecido uma discussão nova:após a vigência do novo Código Civil dever­se­á entender que revogadaficou a exigência do limite de idade fixado em 21 anos, devendo­se seentender que passa ele agora para 18 anos? Data venia, entendo que oEstatuto não atrelou expressamente o limite de idade para o exercício dafunção de conselheiro tutelar à maioridade civil. Não exige que o

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conselheiro tenha adquirido de alguma forma a maioridade civil ­ emoutras palavras. Tanto que na vigência do antigo Código Civil nunca sedefendeu a tese de que os maiores de 18 e menores de 21, emancipadosde alguma forma, pudessem se candidatar a conselheiro tutelar. O juiz etratadista Judá Jessé de Bragança SOARES já ensinava no passado:"Quanto à idade exigida, coincide com a maioridade civil, mas não seconfunde com ela" (grifo nosso).

As leis criam limites de idade para o exercício de determinadasfunções públicas, como para Presidente da República, Senadores etc. etc.E o Estatuto, na mesma linha, instituiu esse limite em 21 anos.Considerando­se de futuro politicamente conveniente, poder­se­á alterar(ou não!) o Estatuto, para reduzir o limite para 18 anos ou fixar emqualquer outro patamar (argumentando ad absurdum: 25? 35?). Masenquanto essa providência legislativa, no âmbito do Congresso Nacional,não ocorrer, a idade mínima fica em 21 anos, salvo melhor juízo.

Outro ponto que merece um aclaramento diz respeito à diferençalegal entre "residência" e "domicílio": exige o Estatuto que o candidato aconselheiro tenha residência no município, isto é, aquele municípioenquanto lugar onde ele tem, de fato, sua morada atual, com ou sem aintenção de aí permanecer (o domicílio exige residência com ânimodefinitivo).

Investidura por mandato certo: não­prorrogação erecondução ­ A lei municipal deverá prever a investidura nafunção de conselheiro tutelar. Ela se inicia com a proclamação deresultados do processo de escolha, pelo conselho municipal dosdireitos da criança e do adolescente, com a indicação e divulgaçãopor edital dos escolhidos pela comunidade (titulares e suplentes).Desse ato caberá impugnação do ministério público ou recursoadministrativo dos interessados, ambos perante o próprio conselhomunicipal dos direitos, que os apreciará e decidirá em instânciaadministrativa. Desses atos do conselho municipal dos direitoscabe igualmente o apelo a remédio judicial (mandado desegurança, por ex.), tanto do ministério público, quanto dosinteressados, dirigido ao juiz da infância e da juventude dacomarca – lembrando­se sempre que o juiz não é instânciaderradeira, cabendo mais recursos de suas decisões para asegunda instância do Poder Judiciário (Tribunal de Justiça doEstado).

Após a edição desse ato complexo formal do conselhomunicipal dos direitos da criança e do adolescente de proclamaçãode resultados e após também o julgamento dos recursosadministrativos e judiciais (caso tenham sido interpostos), em se

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tratando de agentes públicos, ato de nomeação deverá serexpedido pelo prefeito municipal (ato vinculado aos resultados doprocesso de escolha, não podendo ele ignorar a ordem deescolha). Isso posto, a mesma autoridade dará posse aosescolhidos e nomeados, podendo delegar essa função, porexemplo, ao conselho municipal dos direitos da criança e doadolescente.

Todavia, uma verdadeira aberração jurídica começa a seespalhar sorrateiramente pelo país, sob o manto de uma falsalegalidade e às vezes lamentavelmente com o respaldo doministério público e da justiça da infância e da juventude: achamada “prorrogação do mandato dos conselheiros tutelares”.

Ora, tratando­se de mandato certo, por 3 anos, concedidopela sociedade e homologado pelo chefe do poder executivomunicipal, impossível juridicamente seria se prorrogar mandatosde agentes públicos. Possível sim a recondução do conselheiropor mais um mandato: mas aí ele se submete a novo processo deescolha, se submete ao que mal chamaríamos de “re­eleição ", istoé, dependeria da vontade da comunidade.

Tem­se entendido de modo geral, que só uma reformaconstitucional (disposição transitória) poderia prorrogar mandatosdo presidente da república ou de outros agentes públicosinvestidos em mandato certo.

Findo o mandato do conselheiro tutelar, no dia imediato,não havendo novos conselheiros escolhidos pela comunidade enomeados pelo prefeito, as funções protetivas do conselho tutelarpassam a ser exercida provisoriamente pelo juiz da infância e dajuventude, nos termos do art. 262 do Estatuto, aplicadoextensivamente.

Nenhuma autoridade pública pode prorrogar, por viaadministrativa, o mandato de um conselheiro tutelar. Caso um juizde direito o faça, em processo judicial, formalmente através desentença, será o caso de obviamente se cumprir, recorrendo aprefeitura da decisão judicial, para o Tribunal de Justiça, por suamanifesta inconformidade com o ordenamento jurídico..

Dentro dessa linha da impossibilidade da prorrogação demandato de conselheiros tutelares, em janeiro de 2003, o jornal ATARDE (17.01.2003), de Salvador, Bahia, noticia que um juiz dainfância e da juventude da comarca de Salvador indeferiu umpedido de prorrogação de mandato e determinou que o novo

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procedimento de escolha ocorresse em cinco dias, sob pena depagamento de multa diária, pelo poder público municipal.

Exatamente por isso tudo é que o CONANDA, através daresolução nº 75, de 22 de outubro de 2001, em seu artigo 10determina o seguinte: “Em cumprimento ao que determina oEstatuto da Criança e do Adolescente, o mandato do conselheirotutelar é de três anos, permitida uma recondução, sendo vedadasmedidas de qualquer natureza que abrevie ou prorrogue esseperíodo” . (grifei)

Por fim, é de se ressaltar que, quando o Estatuto prevê a"recondução", o faz nesta ótica. Absolutamente, não está prevendo de forma tácita a prorrogação de mandato doconselheiro tutelar por mais um mandato. Mas, quer dizer que oconselheiro tutelar não pode continuar a se habilitarindefinidamente em procedimentos de escolha. Significa aquelanorma do Estatuto que ele se tornará “inelegível", após terpermanecido no cargo por dois mandatos, escolhidos para ambosde maneira legítima, pela população, de alguma forma. É portanto"a comunidade que irá autorizar a recondução do membro doconselho, através de novo sufrágio" (DONIZETI & CYRINO – obracitada)

O CONANDA, em sua resolução nº 75 citada, tambémexpressamente defende isso, como parâmetro para criação efuncionamento de um Conselho Tutelar (parágrafo único doart.10): “A recondução, permitida por uma única vez, consiste nodireito do conselheiro tutelar de concorrer ao mandatosubseqüente, em igualdade de condições com os demaispretendentes, submetendo­se ao mesmo processo de escolha pelasociedade, vedada qualquer outra forma de recondução” . (grifei)

Remunerações e vantagens ­ O Estatuto traz apenas umanorma programática, aventando a dupla possibilidade de seremunerar ou não o conselheiro tutelar, no exercício de suasfunções. Uma vez que expressamente vedou a remuneração dosconselheiros dos direitos, ele contempla a questão dosconselheiros tutelares de maneira... "salomônica": "Lei municipaldisporá (...) inclusive sobre sua eventual remuneração de seusmembros" (art. 134).

De qualquer maneira, é imprescindível que a lei municipaldeclare expressamente que a função de conselheiro tutelar,

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naquele município, é remunerada. E que alguma lei municipal fixeo padrão de remuneração. Nunca o conselho dos direitos dacriança e do adolescente! Lei municipal não poderá jamais delegara esse colegiado a fixação da remuneração de conselheiro tutelar.

Por sua vez, as verbas para pagamento da remuneraçãodos conselheiros tutelares deverão ser provenientes do orçamentopúblico municipal e previstas regularmente na lei própria, comodespesas da secretaria municipal, à qual esteja vinculadoadministrativamente por lei os conselhos tutelares. O fundomunicipal para os direitos da infância e adolescência não podefinanciar o pagamento dessa remuneração, pois se trata de fundopúblico especial de investimento, devendo seus recursos ficardestinados a suas atividades­fim, isto é, ao financiamento deprogramas e projetos de proteção/promoção dos direitos dacriança e do adolescente.

Exercício das funções, afastamentos e substituições ­ Amatéria referente a férias, licenças, faltas, ausências,impedimentos e conseqüentes substituições deverá ser prevista nalei municipal – coisa que não ocorre geralmente nas leismunicipais vigentes.

Regime correcional e disciplinar, destituição e perda dafunção ­ Há necessidade que a lei municipal obrigatoriamentetraga previsão das hipóteses específicas em que o conselheirotutelar perderá a função e será destituído. E essa lei deverá maisdisciplinar os procedimentos disciplinares para a declaração daperda da função e para a conseqüente destituição, estabelecendoquem é o responsável pela condução desse procedimentoapuratório (o conselho municipal dos direitos da criança e doadolescente...?) e pela aplicação da sanção administrativa dedestituição da função (prefeito municipal...?).

Todavia, se a lei municipal for absolutamente omissa a esserespeito, o ministério público, as autoridades públicas municipais equalquer interessado que se julgar prejudicado por ato doconselheiro tutelar, todos eles poderão ajuizar ação judicialprópria, contra o conselheiro tutelar, visando a declaração daperda de função.

[1] GRAMSCI. Antonio ­ “governo dos funcionários”[2] "Parâmetros para criação de Conselhos Tutelares" ­ Resolução n. 75

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(reformada pois por nova Resolução­CONANDA) [3] Por exemplo: CEDCA­CEARÁ ­ "Guia Metodológico para criação dosConselhos Tutelares e dos Direitos da Criança e do Adolescente". Tomo I– Coleção Ciranda dos Direitos.[4] DONIZETI LIBERATI, Wilson & CYRINO, Público Caio B. 1997: "Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente". SãoPaulo. Malheiros Editores.[5] Constituição federal – artigos 227, §7º e 224, II.[6] Cargos ou funções comissionadas, de livre nomeação e exoneração adnutum[7] Op. cit.[8] Contextualizado, atrás, neste texto: 1.3.1. "Visões da Democracia e doEstado. Um novo­corporativismo social?"[9] BOBBIO, Norberto – obra citada[10] FALEIROS , Vicente de Paula. 1980: "A Política Social do EstadoCapitalista"[11] Conferir atrás, neste texto: "Uma visão de Democracia e de Estado.Um novo corporativismo social?[12] SOUZA FILHO, Rodrigo – obra citada.[13] SOUZA FILHO, Rodrigo – obra citada.[14] Procedimento de nomeação absurdo se tratasse de processo eleitoral,onde ocorreria a diplomação dos eleitos pelo Poder Judiciário.[15] Conferir 1.4.1. atrás, neste texto: "Visões da Democracia e do Estado.Um novo corporativismo social?" Ali, se discutiu a questão do modelodicotômico da democracia brasileira, mostrando­se a importância daparticipação das organizações corporativas sociais no Estado, comoconstrutoras da Democracia[16] “Parâmetros para a Criação e Funcionamento dos ConselhosTutelares no Brasil”[17] O principio da hierarquia das leis não é tão simplista e de aplicaçãoesquemática, da linha do quem pode mais pode menos. Há que serespeitar o princípio da reserva de competência legislativa de cada esfera.[18] Artigo 24 ­ CF[19] Artigo 171 e ss. – Estatuto cit.[20] Artigo 152­ Estatuto cit. : aplicação subsidiária da legislação processual[21] Artigo 6º do Estatuto cit.[22] Ver registro do histórico do processo legislativo de reforma doEstatuto, aqui feito, no início deste item[23] Exercício de atividade­meio, isto é, administrativo­burocrática[24] "Controle" aqui no sentido amplo, não se confundindo com"fiscalização", como se faz algumas vezes.[25] Lei federal 8.242 de 12 de outubro de 1991, que cria o CONANDA e dáoutras providências.[26] O Autor integrava o Secretariado Nacional dessa articulação deorganizações não governamentais, representando a Rede Nacional dosNúcleos de Estudo e Pesquisa

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[27] Artigo 139 citado[28] É de se lembrar a limitação que a Constituição federal impõe para oprovimento de qualquer cargo ou função pública. Tinha­se mais, comocerto, que o conselheiro tutelar é um agente público, em que pese não serum funcionário ou empregado público, no sentido estrito do termo (regimeúnico ou CLT)[29] Artigo 157 e 159 da Constituição federal[30] Na prática do dia­a­dia lamentavelmente ainda se encontram algunspoucos magistrados que insistem em intervir administrativa eindevidamente na vida dos Conselhos Tutelares, como se fossem elessuas equipes multiprofissionais, inclusive procurando participar doprocesso de escolha dos conselheiros tutelares, por exemplo.