sÓ73

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“VOZ 2: - Talvez eu devesse esquecer tudo que diz res- peito a você. Talvez eu de- vesse amaldiçoá-lo como teu pai te amaldiçoou. Eu rezo, eu rezo para que sua vida seja um tormento, espero uma carta tua me implorando para ir te en- contrar. Eu cuspirei nela.” por Lucas Rodrigues de Campos publicada também em http://www.usp.br/prc/caminhos ATIVIDADE GRATUITA

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Page 1: sÓ73

“VOZ 2: - Talvez eu devesse esquecer tudo que diz res-peito a você. Talvez eu de-vesse amaldiçoá-lo como teu pai te amaldiçoou. Eu rezo, eu rezo para que sua vida seja um tormento, espero uma carta tua me implorando para ir te en-contrar. Eu cuspirei nela.”

Teatro da USP exalta a qualidade pública da universidade, propõe extensão direta e atrai olhos para as virtudes da leitura

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“Voz 1:-Mais tarde, naquela noite, Riley e eu tomamos juntos uma xícara de chocolate em seus aposentos. Eu gosto de rapazes esbeltos, Riley disse. Es-beltos mas fortes, eu nunca fiz segredo disso, mas eu tive que me conter, eu tive que manter minhas inclinações sob rédeas curtas. Isto porque a minha mais profunda vocação é a religião, eu sempre fui um homem pro-fundamente religioso. Você pode imaginar a tensão espiritual, emocional, psicológica e física. É sufocante a disciplina a que sou obrigado a me im-por. Minha luxúria é inconcebivelmente violenta mas vai contra os meus melhores anseios, que são me conservar ao lado direito de Deus. Eu sou um homem grande, como você vê, eu poderia emagar um ratinho como você até a morte, eu quero dizer a morte que é amor, a morte que enten-do com sendo o amor. Eu escondo estes desejos a 7 chaves. Eu sou bom nesse tipo de coisa porque eu sou policial. Eu sou muito respeitado. Eu sou muito respeitado tanto na corporação como na igreja. O único lugar aonde eu não sou respeitado é aqui. Eu sou um monte de merda para eles.(..)”

“VOZ 2: - Querido. Onde você está? Por que nunca me es-creve? Ninguém sabe do seu paradeiro. Ninguém sabe se está vivo ou morto. Ninguém pode acha-lo. Você mudou seu nome? /- Se você está vivo você é um monstro. No seu leito de morte seu pai te amaldiçoou. Ele me amaldiçoou também, para dizer a verdade. Ele amaldiçoou todos que estavam à sua vista. Com exceção de você que não estava à vista. Eu não te culpo inteira-mente pelo mau humor do seu pai, mas tua ausência e silêncio foram um grade fardo, um desgosto para ele, ele morreu se lamentando e blasfemando. Era isso que você queria? Agora estou sozinha, e se não fosse Millie, que algumas vezes vem de Denver. Ela me serve de algum consolo. Seus olhos se enchem de lágrima quando ela fala de você, os olhos da sua querida irmã se enchem de lágrimas. Ela fez um casamento realmente feliz e tem um garotinho lindo. Quando ele cescer vai querer saber onde está seu tio. O que lhe diremos?/- Que talvez você chegue aqui em um carrão último tipo, um dia de repente, num futuro não tão distante, em um belo terno novo e um abraço?”

“A cada leitura é proposta uma forma de inter-pretação. Como a gente se aproxima do texto de uma maneira nossa?”. Na quinta-feira (16) a participação do público reunido na sala experi-

mastigando rosquinhas e polvilhos, produzia sonidos captados por um microfone sobre a mesa. Assim to-dos foram responsáveis pela cama sonora da peça, criando não apenas sonoplastia, mas dando concre-

mental do Teatro da USP (TUSP) para o Programa de Leituras Públi-cas foi através da produção de ruídos em uma re-união “familiar”, um café da tarde. Orientadora de arte dramática, Dedé Pacheco faz o segundo convite: “fiquem a von-tade pra comer, escrever, desen-har”, sobre os pa-péis distribuídos a cada participante do encontro. Além da comida e dos papéis des-tinados à comentários, anotações e desenhos, cada um dos 14 lugares da mesa oferecia ao convidado o essencial: uma edição de Vozes Fami-liares, de Harold Pinter (com tradução de Beto Marcondes), texto originalmente veiculado na BBC Londrina em janeiro de 1981.

Carregada de certo ineditismo, a seleção desta peça permitiu aos presentes o contato com uma obra de difícil acesso, e somou-se a um breve movimento do teatro paulistano: a valorização do dramaturgo Harold Pinter. Está em cartaz na cidade a peça Celebração com direção de Antônio Abujamra (Teatro Cultura Inglesa) e no início do ano a casa Club Noir apresentou ao público a primeira montagem de Pinter, O quarto. Três anos antes de sua morte, em 2005, o autor foi prêmio Nobel, sendo lau-reado pela Academia Sueca com o veredicto: “em suas obras revela o precipício que se es-conde sob a conversa fiada diária e força sua entrada no âmbito fechado da opressão”.

A idéia do café, “o chá das 16h”, surgiu “afi-nal o autor é inglês” e também constituiu o mé-todo de participação do público que, comendo, batendo a xícara no pires, servindo-se de café,

caráter experimental. Apesar de estar dentro de um teatro os textos são trabalhados sem levar em conta aspectos estritamente estéticos, o que poderia enri-jecer um entendimento aberto sobre o Vozes Famili-

voluntários que demons-traram interesse prévio e constituíram o grupo responsável pelas leituras das peças radiofônicas, tema do primeiro módulo do programa, que já trabalhou Becket, Bre-cht, e Adolf Himmel.

O fim de Vozes Familiares provoca morbidez e impede aplau-sos à experimentação. O falecido está na mesa, e prova estar

tude ao único espaço sensív-el da leitura e da própria dramaturgia: a mesa.

Em Vozes Familiares três são as personagens ativas: filho (voz1), mãe (voz2) e pai (voz3). “Filho e mãe” estavam em uma espécie de cochia na sala de experi-mentação. Uma breve ho-menagem a Harold Pin-ter, brindado à brasileira - ao invés de chá, café. Junto ao brinde a voz 3, uma person-agem falecida e ressentida, sentimento comum à todas vozes familiares.

O programa TUSP de leituras públicas carrega

morto - O-tacílio Ala-cran, o leitor da voz 3, confirma a única certeza oferecida pelo drama narrado, favorecida pela “adequação de es-pacialidades” que o de-ixou na mesa, de corpo presente.

O morto é o pai da personagem voz 1, rapaz na flor da juventude que afasta-se da mãe, per-sonagem lida por quatro vozes distintas e de con-strução arquetípica. A multiplicidade da mãe

cria uma súplica uníssona: “Volte para mim!”, “Eu estou doente!”. Aqui a exploração do texto, surgimento de estratégias e sugestões possíveis dentro da trama. A súplica identifica-se com o veículo ra-diofônico e apro-xima os ouvintes do drama. A mãe em desespero

ares. Em estado bruto esse entendimento vai sendo lapidado a partir de uma co-letânea de diferen-tes apreensões. A criação do campo de leitura revela o “de-sejo de estar junto”, expressado pelo con-senso dos presentes: faz-se então a leitura pública e a extensão universitária encurta a distância entre ci-dadão e arte. Leitu-ras Públicas nadam

sente a fuga da cria e a intensidade do amor passa a acir-rar os ânimos dev-ido à sensação de perda.

A voz 1 instala-se numa cidade dis-tante e maior do que a de sua natali-dade, que por con-seqüência oferece mais perigos, mais balburdia. Relações triviais traçam o co-tidiano a partir da ( in )comunicabili-

contra uma maré que tolhe parte da natureza do homem, a capacidade de ficcionar.

Não há roteiro definido no encontro, e sim uma montagem informal entre os leitores - as falas são ensaiadas e preparadas em dois ensaios - no caso

dade da troca de cartas entre filho e mãe. As únicas localidades do drama são uma casa e uma pensão. Simples na montagem e na proposição do drama cotidiano nota-se no texto de Pinter certa miséria na adequação dos sonhos aos espaços.

PROGRAMA TUSP DE LEITURAS PÚBLICASII CICLO

PEÇAS DE UM ATO DE ANTON P. TCHÉKHOV17/9 A 29/10, QUI., 16H

SALA EXPERIMENTAL DO TUSP – TEATRO DA USP, R. MARIA ANTÔNIA, 294 – CONSOLAÇÃO TEL. 3255 7182 R.4, WWW.USP.BR/TUSP

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Centro Cultural Popular ConsolaçãoConsolação, 1897, (11) 2592-3317

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por Tatiane Klein

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por Lucas Rodrigues de Campos