Sob o Domínio Da Precariedade Escravidão e Os Siguinificados Da Liberdade de Trabalho No Século...

download Sob o Domínio Da Precariedade Escravidão e Os Siguinificados Da Liberdade de Trabalho No Século XIX - Espada

of 38

description

O artigo aborda as ambigüidades que envolvem a noção de “liberdade de trabalho”no século XIX, partindo de uma discussão comparativa não apenas sobre ahistória e a historiografia da escravidão, mas abrangendo a história social, econômicae institucional do trabalho de um modo geral.

Transcript of Sob o Domínio Da Precariedade Escravidão e Os Siguinificados Da Liberdade de Trabalho No Século...

  • Sob o domnio da precariedade:Sob o domnio da precariedade:Sob o domnio da precariedade:Sob o domnio da precariedade:Sob o domnio da precariedade:escravido e os significados daescravido e os significados daescravido e os significados daescravido e os significados daescravido e os significados da

    liberdade de trabalho no sculo XIXliberdade de trabalho no sculo XIXliberdade de trabalho no sculo XIXliberdade de trabalho no sculo XIXliberdade de trabalho no sculo XIX

    Under the domain of precariousness:Under the domain of precariousness:Under the domain of precariousness:Under the domain of precariousness:Under the domain of precariousness:slavehood and the meanings of workslavehood and the meanings of workslavehood and the meanings of workslavehood and the meanings of workslavehood and the meanings of work

    freedon in the XIXfreedon in the XIXfreedon in the XIXfreedon in the XIXfreedon in the XIXththththth Century Century Century Century Century

    Henrique Espada Lima

    1. A utopia da sociedade de mercado1. A utopia da sociedade de mercado1. A utopia da sociedade de mercado1. A utopia da sociedade de mercado1. A utopia da sociedade de mercado

    A sociedade que se construiu no sculo XIX fundou-se sobre os princ-pios ideolgicos estabelecidos pela economia poltica no sculo XVIII: acrena de que as relaes sociais deveriam organizar-se para dar expresso aoimpulso natural do homem de buscar livre e individualmente seus inte-resses materiais1 . O modelo desta sociedade o comrcio, o mercado: olugar onde os indivduos operam segundo uma racionalidade definida pelamaximizao dos ganhos. O impulso da troca e da barganha, que constitui-ria parte central da natureza humana, estaria na origem da prpria sociedadee a definiria. A economia poltica sua fundamentao ideolgica conso-lidava assim a idia de uma sociedade governada pela busca individual dosinteresses materiais e apontava para a construo de uma ordem social quelegitimasse e desse vazo completa a essa natureza fundamental do ho-mem. A sociedade de mercado, que nasce como a utopia construda pelaeconomia poltica, fundamentava-se na concepo de que a dinmica daproduo e das trocas deveria ser um sistema econmico controlado, regu-lado e dirigido apenas por mercados, onde a ordem na produo e distri-buio de bens confiada a [um] mecanismo auto-regulvel2.

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

  • 290 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    Nas sociedades pr-industriais, os mercados e a troca econmica esta-vam encapsulados na sociedade, tendo nela um papel freqentemente mar-ginal com relao ordenao social e mesmo quanto alocao de recur-sos. Com a revoluo industrial e seu impacto sobre o capitalismo mercantil,abriu-se a possibilidade de se pensar a organizao econmica de mododesarticulado da organizao social, desencampsulando a economia da so-ciedade e, no limite, invertendo o processo, subordinando a prpria socie-dade lgica dos mercados e, desse modo, economia3 .

    Esses so os termos que definem, de um modo bastante geral, o mo-delo de organizao socioeconmica que guiou grande parte das decisespolticas das elites ligadas produo industrial e haute finance a partir dofinal do sculo XVIII, especialmente na Europa Ocidental e na Amrica. Asorigens intelectuais desse modelo, da economia poltica e do liberalismo (po-ltico e econmico), so bem anteriores e tm um lugar fundamental na his-tria intelectual e poltica da poca moderna e contempornea, mas no seroobjeto deste trabalho4. Por outro lado, vale constatar que a implantao deuma sociedade de mercado que correspondesse inteiramente a esse modeloideal-tpico esboado antes, nunca ocorreu completamente em lugar algum.As razes disso talvez estejam, como sugere Polanyi, no fato de que umautopia com essas caractersticas por razes que voltarei a tratar a seguir no poderia ser implantada inteiramente sem destruir o prprio tecido soci-al da sociedade em que isso fosse tentado5. No obstante esta constatao, inegvel que este modelo se constituiu em um elemento central na compre-enso e interpretao da realidade social e econmica neste perodo6.

    No campo de disputas pela conduo da sociedade a partir do inciodo sculo XIX, o papel preponderante dos modelos da economia clssica incontestvel. tambm certo que a tentativa de implantao real destemodelo foi sentida mais fortemente pelos trabalhadores do que por qual-quer outro grupo social.

    2. Liberdade de contrato e precariedade2. Liberdade de contrato e precariedade2. Liberdade de contrato e precariedade2. Liberdade de contrato e precariedade2. Liberdade de contrato e precariedade

    Na Inglaterra, bero da indstria e da economia poltica, o primeiroimpacto das idias liberais ocorreu sobre o acesso terra e sobre a dinmicados preos dos produtos agrcolas. A influncia das medidas liberais sobre as

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 291

    formas de organizao da sociedade e da economia das classes subalternasfoi intensa e discutida por uma historiografia atenta ao sentido poltico daslutas dos trabalhadores no perodo7. Sua reverberao na organizao dotrabalho foi igualmente sentida e est presente nas preocupaes dos prpri-os contemporneos.

    Antes da revoluo industrial, o trabalho regulado e o trabalho fora-do eram as duas modalidades principais de organizao do trabalho8. Asregulamentaes das profisses no Antigo Regime, especialmente nas cida-des, impediam a existncia de um mercado em que as mercadoriascircula[ssem] livremente: nem concorrncia, nem liberdade de aumentar aproduo. Mas tambm imped[iam] a existncia de um mercado de traba-lho: nem liberdade de contratao, nem liberdade de circulao de trabalha-dores9. Essa organizao do trabalho engessava as relaes laborais, e a rigi-dez de suas regras impedia o desenvolvimento de um processo de acumulaocapitalista, dificultando o fluxo de matria-prima e mo-de-obra para aindstria, bloqueando a expanso da produo10.

    No por acaso, a desarticulao desse sistema de trabalho fundamenta-do na regulao, coero e tutela, foi a tarefa fundamental de reformulaodas relaes de produo imposta pela ideologia do mercado. O imperativoda liberdade como parmetro fundamental que deveria guiar a reorgani-zao do mundo do trabalho se imps de modo contundente nas discus-ses sobre as relaes entre a sociedade e o trabalho a partir do final dosculo XVIII. Robert Castel sugere que a instituio do livre acesso aotrabalho tem, no campo propriamente jurdico, um impacto revolucion-rio paralelo ao da prpria revoluo industrial (da qual considera a contra-partida): Na verdade, reveste-se de uma importncia fundamental comrelao a tudo que a precede. Quebra as formas seculares de organizao dosofcios e faz do trabalho forado uma sobrevivncia brbara11. Assim, aconstituio, nesses termos, de um mercado de trabalho livre impunha-secomo uma tarefa central. A forma e os atributos deste mercado, entretanto,no eram bvios.

    Um dos aspectos centrais desse processo foi a promoo de uma mo-dalidade de trabalho que havia sido no apenas marginal e sufocada peloregime de tutelas, mas que era considerada ento propriamente degradante:a condio do assalariado. Em outras palavras, essa revoluo dava espao

  • 292 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    e colocava em seu centro um tipo de relao de trabalho que se baseava naidia de que o trabalhador deveria sobreviver unicamente da venda ou alu-guel das suas foras.

    O livre acesso ao trabalho tendo se tornado, como afirma Castel,unanimidade entre os partidrios do Iluminismo12, trouxe resultadosno previstos pelos seus prprios formuladores. A libertao da condiooperria teve suas conseqncias: Ao lado de um aumento da abundncia eda riqueza sem precedentes, o que se viu tambm com mais fora a partirdo final do sculo XVIII foi a ascenso, nos mesmos pases que lideravam aproduo industrial e abraavam o livre comrcio, de um tipo de pobrezaque era igual e terrivelmente novo.

    O fenmeno do pauperismo que chamou a ateno, no incio dosculo XIX, de pensadores e reformadores to distintos quanto o utilitaristaJeremy Bentham, o liberal Alexis de Tocqueville e o socialista RobertOwen13 acabou por revelar essa face aparentemente incompreensvel dasociedade de mercado. A indigncia de massa que acompanhava a prosperi-dade diferia enormemente da misria e da mendicidade no Antigo Regime(onde aparecia como uma situao excepcional, fora do regime comumda pobreza). O elemento novo, que j comea a aparecer bem antes dosculo XIX, mas que se expe radicalmente ento, precisamente umavulnerabilidade de massa14, isto , uma precariedade das condies da exis-tncia que estrutural nessa sociedade, onde as relaes de trabalho passama ser marcadas no apenas pelos baixos salrios, mas tambm pela instabi-lidade do emprego, a busca de ocupaes provisrias, a intermitncia dotempo de trabalho e a prpria ausncia de emprego15. No se tratava desituaes excepcionais ou marginais, mas de uma condio que estava nohorizonte de todo trabalhador em uma sociedade definida por um princ-pio de mercado que exigia, para funcionar, a prpria precariedade da relaode trabalho. O vagabundo e o indigente no mercado de trabalho livre noso figuras perifricas, mas revelam o cerne da nova condio do trabalha-dor: trata-se de uma indigncia que no devida ausncia de trabalho,mas, sim, nova organizao do trabalho, isto , ao trabalho liberado16.

    Mas, quais elementos dessa nova organizao do trabalho iro deter-minar a condio de precariedade que marca o incio do sculo XIX e defineos contornos da questo social no perodo?

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 293

    A caracterstica distintiva da organizao do trabalho sob o regime domercado est, como disse antes, na sua nova organizao jurdica. Seu prin-cpio central pode ser resumido na idia de contrato. O livre contratopassa a ser o modelo fundamental dos arranjos de trabalho em uma socieda-de definida pelas regras da livre concorrncia. A ordem contratual supu-nha que o trabalho era uma mercadoria colocada venda em um mercadoque obedece lei da oferta e da procura. A relao entre o trabalhador e seuempregador no mais definida pela dependncia, a tutela ou a coero,mas torna-se uma simples conveno, isto , um contrato de dois parcei-ros que se entendem sobre o salrio17.

    Assim, como apontou Polanyi, a definio do trabalho livre, nessecontexto, derivava de uma viso de mercado da sociedade, que igualava aeconomia a relaes contratuais, e as relaes contratuais com a liberda-de18. O sentido imediato da nova ordem contratual era pensar a sociedadefragmentada em indivduos, que eram definidos como produtores e con-sumidores operando no mercado. Assim, para que se implantasse de fatouma ordenao contratual do trabalho livre, o que se pedia aos trabalha-dores que compreendessem que seus verdadeiros interesses no significa-vam a garantia contra a misria atravs de um salrio seguro, mas, sim, emesposar a ideologia liberal que os coloca em situao de concorrncia, remu-nera as faculdades e os talentos, penaliza os medocres e os fracos19 .

    A liberdade contida nesta nova situao no era, obviamente, des-provida de ambigidades. Seu significado poderia variar e variava deacordo com a posio que cada indivduo ocupava em uma relaocontratual que, a despeito da sua descrio ideal, era absolutamente desi-gual. A reivindicao do livre acesso ao trabalho, nesses termos, no foi umareivindicao dos prprios trabalhadores (que certamente no compreendi-am a liberdade nos mesmos termos dos economistas), mas dosreformadores polticos que parecem ter imposto o livre contrato de traba-lho numa relao de dominao poltica20 .

    A questo central aqui que a implantao de um mercado de traba-lho revelava exatamente o carter destruidor da utopia da sociedade de mer-cado que o sustentava. O equvoco principal que justificava essa utopia eraa considerao da terra, do trabalho e do dinheiro como mercadorias. Comodemonstrou Polanyi, a definio emprica de mercadoria no contempla de

  • 294 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    nenhum modo esses elementos da indstria:21 a fora de trabalho definidaem termos abstratos significava, concretamente, a vida humana dos traba-lhadores, que no pode ser impelida, usada indiscriminadamente, ou atmesmo no utilizada, sem afetar o indivduo humano que acontece ser oportador dessa mercadoria peculiar.22

    O que estava em jogo, portanto, era a prpria viabilidade da coesosocial e da sociedade em ltima instncia. Como afirma Castel, a implanta-o da sociedade de mercado associava ao mesmo tempo o voluntarismopoltico que colocava o problema de assistncia aos pobres como umaquesto desvinculada da organizao da economia e o laissez-faire na orga-nizao do trabalho. Ao fazer isso, acabava por liberar antagonismos so-ciais que os promotores dessa utopia no eram capazes de prever e muitomenos controlar23 .

    O que a liberalizao selvagem do trabalho no incio do sculo XIXrevela precisamente isso. O modelo do mercado desregulado previa que alivre dinmica das contrataes faria emergir naturalmente uma ordena-o racional do trabalho. O que a realidade das novas relaes de trabalhorevelava era completamente diferente:

    Eliminando-se as protees tradicionais, corre-se o risco de fazer aflorarno a racionalidade das leis naturais mas, sim, o poder biolgico dos ins-tintos: os carentes sero ento impelidos pela necessidade natural, isto ,pela fome. Sobre o pano de fundo da reciprocidade jurdica do contrato detrabalho, perfila-se, assim, a alteridade fundamental das posies sociais doscontratantes, e o espao pacificado das relaes comerciais transmuta-se numcampo de batalha para toda a vida quando se reintroduz a dimenso tem-poral no contrato de trabalho. O empregador pode esperar, pode contra-tar livremente, pois no est sob o domnio da necessidade. O trabalha-dor determinado biologicamente a vender sua fora de trabalho, pois estna urgncia, tem necessidade imediata de seu salrio para sobreviver.24

    Superado o mundo do trabalho tutelado e forado, o que se descobre que a condio operria se torna frgil ao mesmo tempo em que se liber-ta. Essa fragilidade consiste na descoberta de que a liberdade sem proteopode levar pior servido: a da necessidade25. A liberdade do assalariadode carne e osso dispunha apenas dos seus atributos negativos. O confron-to entre liberdades desiguais revelava assim a face sombria da liberdade,

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 295

    isto , a individualidade negativa de todos aqueles que se encontram semvnculos e sem suportes, privados de qualquer proteo e qualquer reconhe-cimento26

    A nova ordem do contrato no poderia se estabelecer como funda-mento de uma ordem estvel para a sociedade, j que o seu funcionamentoefetivo no apenas produzia a instabilidade constante na medida em quelanava os trabalhadores na insegurana com relao ao seu prprio futuro mas exigia essa instabilidade para viabilizar-se. Assim, no momento mesmoem que o trabalho se torna o elemento integrativo por excelncia da novaordem social, ele privado das condies efetivas para exercer esse papel. Anova condio de precariedade de massa que da resulta promove a questoque est no cerne das lutas polticas dos trabalhadores no sculo XIX27: aluta contra a precariedade da condio salarial e a constante ameaa dedesfiliao social28 que se coloca em seus limites.

    3. O modelo do mercado de trabalho livre3. O modelo do mercado de trabalho livre3. O modelo do mercado de trabalho livre3. O modelo do mercado de trabalho livre3. O modelo do mercado de trabalho livre

    Pelas suas prprias caractersticas intrnsecas, a implantao de ummercado de trabalho livre no se deu de modo homogneo e incontesteem lugar algum. Ao contrrio, em torno dos significados dessa liberdadese estabeleceu um campo de lutas de enorme complexidade e extenso. Suarealidade emprica traduziu-se em configuraes que variaram desde a situa-o ideal-tpica do trabalhador independente assalariado at uma mirade dearranjos de trabalho que recombinavam graus diversos de liberdade e com-pensao financeira pelo trabalho, com elementos de coero (fsica epecuniria), tutela, trabalho compulsrio e contratado, e ainda formas an-logas escravido, como a servido por dvida. Como resultado dos confli-tos em torno do seu significado e alcance, o trabalho livre construiu-secomo uma realidade ambgua e, no limite, uma fico instvel, mesmoem pases como a Gr-Bretanha e os Estados Unidos da Amrica29 no scu-lo XIX e ao menos nas primeiras dcadas do seguinte.

    A despeito disso, a imagem da sociedade contempornea como o re-sultado da ascenso constante de uma organizao social baseada na racio-nalidade e na liberdade enfrentando apenas resistncias mais ou menoslocalizadas que so, em ltima instncia, fadadas ao fracasso continua a ter

  • 296 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    enorme influncia sobre os modelos que pretendem explicar o sentido dastransformaes sociais e institucionais que marcaram os ltimos dois sculos.

    O exemplo mais claro disso est na insistncia com que essa imagemcontamina as discusses sobre as transformaes sofridas nas sociedadesescravistas, sobretudo nas Amricas, durante o sculo XIX. No contextodessas sociedades, a liberdade de trabalho se apresenta como a oposioradical ao trabalho escravo. Uma contraposio que parece auto-evidente especialmente se pensada a partir dos termos estabelecidos pela economiaclssica mas que , na verdade, to carregada de ambigidade quanto omodelo de sociedade em que se inspira.

    Robert Steinfeld afirma que a convico de que existe um corte seco elimpo que separa o trabalho escravo e o trabalho livre fundada em umasabedoria convencional que traduz em termos de um modelo aquilo que de fato uma narrativa evolucionista sobre a histria do trabalho30. Umanarrativa que traduz essa histria como o processo que, lentamente e emparalelo histria poltica das sociedades da Europa Ocidental, faz nascer omoderno mercado de trabalho livre assalariado, contrapartida institucionale jurdica do moderno estado burgus.

    Essa narrativa tradicional do trabalho livre vem sendo, entretanto,sistematicamente desafiada por estudos que tentam entender o seu verda-deiro funcionamento em situaes histricas especficas. Antes de mais nada,em termos ideais, o mundo do trabalho livre supe: liberdade de escolha,ausncia de coero para o trabalho, capacidade de mobilidade dos trabalha-dores, impessoalidade na relao patro/empregado, mas tambm oferta deoportunidades de trabalho e possibilidades de acesso a elas por parte dostrabalhadores. Alm disso, ele supe que a ausncia de coero para o traba-lho seja um valor partilhado tambm pelos empregadores. Bem, o que osestudos sobre o funcionamento do mercado de trabalho do sculo XIX,como o do prprio Steinfeld, demonstram, que essa configurao domercado de trabalho largamente irreal. Como modelo, na medida em queretifica as categorias com que se lida com as vrias modalidades de arranjosde trabalho, acaba por embaar a vista para o real funcionamento dessemercado31.

    Como sugere Tom Brass, a questo aqui que a oposio tericaentre a liberdade e a no-liberdade no natural, mas construda32. Do

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 297

    mesmo modo, tanto o trabalho assalariado quanto o trabalho no-livre nopossuam um contedo fixo e demarcado. Caractersticas definidoras dotrabalho livre, como a compensao financeira pelo trabalho, em forma desalrio ou outro, no eram incomuns na relao escravista. Formas de bar-ganha coletiva como o cruzar os braos que costumam ser pensadasapenas com relao aos trabalhadores livres da indstria, estiveram igual-mente presentes em alguma medida entre as estratgias dos escravos em suasnegociaes com seus senhores e administradores33. Por outro lado, formasde trabalho forado (que inclua diversas formas de contrato, indenturedlabor, servido por dvida, patronage e outros), assim como a coero fsicapara o trabalho, faziam parte do cotidiano dos trabalhadores livres durantee depois do perodo escravista. Para o Norte dos Estados Unidos antes daGuerra Civil, por exemplo, a maior parte do trabalho manual realizado porbrancos livres dificilmente poderia ser considerada, pelos critrios e valoresde hoje, como trabalho livre: faltava-lhe, entre outras coisas, o direito negociao coletiva, o direito sindicalizao, ou qualquer garantia contra ainvalidez34. Enfim, modalidades de trabalho no livre foram usadas emvrias partes do globo, tanto em lugares que no conheceram a escravidonos moldes americanos (como a ndia sob domnio britnico), quanto nafrica, onde o prprio combate escravido era usado como justificativapara a interveno colonial35.

    A verdade que, como j foi apontado, definir escravido e liberda-de provocou e provoca angstias polticas e conceituais36. O conceito detrabalho livre prova disso. Ele mostrou ser um eixo fundamental de deba-te e disputa porque colocava em jogo no apenas questes econmicas so-bre a organizao e distribuio da fora de trabalho, mas especialmenteporque foi capaz de mobilizar, do mesmo modo, temas como o do direitoao trabalho, a dignidade do trabalho e o acesso aos direitos polticos que aliberdade implicava ou poderia implicar. Em torno do seu significadopoderia construir-se, de resto, tanto o argumento poltico dos trabalhado-res por acesso cidadania, quanto o argumento dos empregadores contra aassociao sindical37.

    De todo modo, o que essa discusso mostra que a narrativaevolucionista do desenvolvimento do trabalho livre em uma moderna eco-nomia de mercado desenha um quadro excessivamente simplificador sobre

  • 298 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    o problema da relao entre liberdade e trabalho. O que vale a pena apon-tar, portanto, que o carter irrealista desse enredo teleolgico constriuma interpretao da sociedade capitalista contempornea a partir da ima-gem que ela produziu para si mesma. Ao fazer isso, ela acaba por reforar como chamou Polanyi havia dcadas nossa ultrapassada mentalidade demercado, que enxerga o sistema de mercado e as suas instituies como oponto culminante e a aplicao efetiva de conceitos como liberdade, justi-a, igualdade, racionalidade e ordem legal38.

    4. Os sentidos datransio4. Os sentidos datransio4. Os sentidos datransio4. Os sentidos datransio4. Os sentidos datransio

    No h dvida de que a historiografia sobre a escravido nas ltimasdcadas avanou imensamente na direo de compreender de um modomais denso o funcionamento da sociedade escravista no Brasil e nas Amri-cas. Dimenses fundamentais da experincia dos escravos foram exploradascom cuidado em diversos trabalhos que lanaram luz sobre as aes autno-mas dos escravos no sentido de minar a legitimidade da escravido, bemcomo suas estratgias para construir dentro e fora das relaes escravistas um universo vivel de relaes sociais. Assim, as formas de resistncia enegociao dos escravos, suas redes de sociabilidade, o lugar e a permannciade suas relaes familiares, sua cultura, e as formas de luta sob o cativeiroforam amplamente discutidos39.

    Aspectos fundamentais do sistema escravista permaneceram, entretan-to, menos explorados, especialmente no que concerne aos sentidos e aossignificados da liberdade. A pergunta sobre o que existe para alm da escra-vido muitas vezes comportou respostas que, ao mesmo tempo que anali-savam com detalhe o trabalho escravo em suas dimenses econmicas, so-ciais e polticas, com muita freqncia acabaram por tratar a liberdade comoum conceito indiferenciado e que raramente era colocado em exame.40

    Mesmo aqueles trabalhos que enfrentaram diretamente o problemado significado da liberdade, indagaram antes de tudo sobre suas dimen-ses culturais e polticas em sentido amplo iluminando, por exemplo,questes referentes cidadania, raa e etnia41. Assim, a questo dos signifi-cados que trabalho livre poderia ter nos vrios contextos do ps-emanci-pao ainda merece alguma ateno. Ao enfrentar esse problema, denunci-

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 299

    ando diretamente, por exemplo, o etnocentrismo dos conceitos da econo-mia poltica no que se refere s concepes dos escravos, vrios estudos acaba-ram deixando sem combate essas mesmas concepes quando tratavam dasrelaes de trabalho que os ex-escravos encontravam fora da escravido.

    O fato que a questo geral que atravessa a abolio da escravido nasAmricas que ela significou antes de tudo a extino do direito de propri-edade em seres humanos. claro que chama-se isso, um tanto emotivamente,liberdade, antes de tudo por motivos polticos, mas tambm pela influ-ncia direta dos parmetros da economia poltica. Mas, nas sociedadesescravistas do sculo XIX, liberdade e escravido so termos sobretudojurdicos que se referem propriedade e no so automaticamente traduzveiscomo trabalho livre e trabalho escravo. Transferir os sentidos que elescarregam desde um espectro do campo jurdico para outro no pode serfeito sem um exame cuidadoso da pertinncia desse movimento. O perigoda sobreposio das duas ordens de sentido vale a pena insistir acaba porconduzir a interpretaes viciadas que se traduzem na leitura das sociedadesescravistas (e da sua transformao e dissoluo) em termos insistentementeevolucionistas. A insistncia no sentido da transio do trabalho escravopara o trabalho livre, tal como foi sistematicamente colocada por uma lon-ga tradio de estudos sobre o sentido socioeconmico da escravido e daabolio no Brasil, um exemplo claro disso42.

    Slvia Lara argumentou h alguns anos que a tradio historiogrficaque discutia a transio havia sido responsvel por justificar, por exemplo,a invisibilidade da presena dos ex-escravos na histria dos movimentos dostrabalhadores no Brasil ps-emancipao43. A lgica evolucionista haviadecidido que a marca das relaes de trabalho escravistas havia tornado umgrupo expressivo de indivduos incompatveis com as regras da nova socie-dade moderna baseada no trabalho livre. A substituio de uma formade trabalho pela outra implicaria, no limite, a prpria substituio fsica dosantigos escravos pelos imigrantes europeus supostamente educados para secomportarem como indivduos modernos compatveis com as regras domercado. Essa substituio, entretanto, deixaria um resto, uma sobra per-feitamente dispensvel no que diz respeito explicao da organizao dotrabalho, assim como a luta dos trabalhadores, no ps-escravido. Este res-to seria o prprio mundo dos ex-escravos.

  • 300 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    No campo da histria da escravido, como afirmei, muito j se fezpara escapar a lgica evolucionista e interrogar a experincia dos escravosatravs dos seus prprios termos. Por outro lado, no caso das experinciasdos livres e libertos pobres, muitas vezes, enfatiza-se antes de tudo a anlisedas formas de dominao e a manuteno das formas arcaicas de dependn-cia, tendo como contraponto uma imagem idealizada de uma sociedadefundada em princpios racionais.

    Assim, em algumas das reflexes de carter sociolgico sobre a expe-rincia dos livres pobres e dependentes no Brasil escravista44, constri-se svezes uma imagem da sociedade brasileira onde se reconhece racionalidade eclculo para apenas um dos plos da relao senhorial. So anlises queopem uma classe de proprietrios que operam dentro da lgica modernada maximizao a uma classe de desprovidos e dependentes que agem apartir de uma lgica definida como tradicional e desprovida deracionalidade. Ora, me parece que essa oposio idealiza, por um lado, osentido das aes dos novos sujeitos, enfatizando seu individualismo, suacompreenso e clareza sobre seus prprios interesses45, seu acesso ilimita-do informao e recursos, univocidade das aes e coerncia de suas estra-tgias, etc; e, por outro lado, subestima largamente qualquer componenteracional das aes dos trabalhadores livres dependentes, supostamenteimbudos de um comportamento (social e econmico) reativo e visceral,incapazes de inovao e aprisionados a redes de dominao que so, emltima instncia, sobrevivncias da escravido.

    O que liga o tema da transio discusso sociolgica que analisa asociedade brasileira a partir das suas faltas precisamente a existncia deum contraponto regulador que orienta os critrios de anlise: a sociedadecomo deveria ser, isto , a concepo idealizada de um modelo ordenadoonde as relaes econmicas e sociais so marcadas pelo paradigma de umasociedade definida pela racionalidade e a impessoalidade46.

    5. Sob o regime do contrato: arranjos de trabalho para alm5. Sob o regime do contrato: arranjos de trabalho para alm5. Sob o regime do contrato: arranjos de trabalho para alm5. Sob o regime do contrato: arranjos de trabalho para alm5. Sob o regime do contrato: arranjos de trabalho para almda escravidoda escravidoda escravidoda escravidoda escravido

    Na Amrica escravista, a idia de contrato era central para os distin-tos projetos e processos de emancipao ao longo de todo o sculo

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 301

    XIX47. No Brasil, o lento e gradual processo de emancipao foi construdoem paralelo com a insero paulatina de uma legislao que tinha, antes detudo, o objetivo de disciplinar e ordenar o mercado de trabalho no pas,contemplando tanto os contingentes de trabalhadores imigrantes quanto osegressos da escravido. introduo de regras legais que regessem os contra-tos entre patres e empregados se deu particular ateno48. A nfase na ela-borao das leis, nas concepes dos legisladores e nas lutas polticas daselites em torno dos termos dessa nova organizao do trabalho em relao aseus interesses econmicos ocupou a maior parte das anlises desenvolvidassobre esse tema. O efetivo funcionamento e a anlise detalhada dos arranjosde trabalho que ocorreram sob a nova lgica do contrato e do trabalholivre foram, entretanto, bem menos estudados.

    A legislao portuguesa, que valia no Brasil mesmo aps a Indepen-dncia, tratava de modo restrito o problema das relaes de trabalho. AsOrdenaes Filipinas, que se referiam ao que chamaramos de direito civil(e que tiveram vigncia no Brasil at o incio do sculo XX), tratavam dasrelaes entre senhores e criados no seu livro IV49, prescrevendo sobre asformas e valores de pagamento de soldadas e servios. Essa legislao noabrangia outras formas de trabalho que no o servio domstico e o fazia,de todo modo, dentro de parmetros bastante restritos.

    Aps a emancipao da coroa portuguesa, o primeiro passo que se deuna direo de construir uma legislao para tratar do trabalho aconteceu em183050. A lei, promulgada em 13 de setembro daquele ano, regulamentavasobretudo os contratos de trabalho que envolvessem imigrantes, delimitan-do perodos e prazos e adiantamentos de salrio. Essa ordenao ser su-plantada por outra, mais complexa e ampla: a lei n 108, de 11 de outubrode 1837. Esta lei, implantada no contexto dos tratados feitos com a Ingla-terra e que se referiam ao fim do trfico dos escravos, tem mais uma vez ostrabalhadores imigrantes agrcolas como seu alvo, no sendo (em princpio)aplicvel aos trabalhadores brasileiros. Essa a legislao que ir reger oscontratos de trabalho para estrangeiros at 187951.

    A primeira lei que versa diretamente sobre a transio do trabalhoescravo para o trabalho livre a lei n 2040, de 17 de setembro de 187152.A Lei Rio Branco, ou Lei do Ventre Livre, a primeira legislao quetrata diretamente da organizao do trabalho dos ex-escravos, no contexto

  • 302 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    de um projeto para sua emancipao gradual. Entre outras coisas, ela liber-tava imediatamente todos os filhos de ventres escravos nascidos aps a datade sua promulgao, estabelecendo as regras para a indenizao do trabalhodos menores e o cuidado destas crianas livres e seus compromissos comrelao aos senhores sob as quais, em ltima instncia, permaneciam sob oscuidados. A lei dava tambm consistncia jurdica a uma srie de prticascorrentes na relao escravista53, como a possibilidade de o escravo acumu-lar peclio, de resgatar sua liberdade com o peclio acumulado, e das inde-nizaes devidas aos senhores. Outra das prticas costumeiras que ganharegulao aquela em que o escravo se valia de emprstimo de um terceiropara resgatar sua alforria.

    No artigo 4, 3, limitava-se o contrato de locao de servios a umperodo de sete anos. No artigo 6, 5, definia-se que os escravos libertosatravs da lei seriam obrigados a contratar seus servios sob pena de seremconstrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos pblicos.

    A lei de 1871 foi considerada como a pea central de uma estratgialegal que atrelava diretamente a libertao dos escravos reordenao dotrabalho e a transio para um mercado de trabalho livre. No h dvida deque a primeira parte da afirmao est correta; por outro lado, o problemada constituio deste mercado no foi analisado de outro modo que noatravs da lgica legal e dos debates parlamentares ao redor das leis. Assim,antes de qualquer outra coisa, a auto-imagem dos legisladores e os seusprojetos que vm tona. O que permanece submerso so os sentidos que osprprios trabalhadores do ao mercado no qual so livremente lanados.

    Se nos aproximamos dos contratos estando armados dos parmetrostericos do homem econmico, trata-se de arranjos cujo significado cen-tral nos est dado de antemo: revelam o jogo universal da barganha que,dentro dos limites de uma relao desigual, conduz os ex-escravos a tiraremo melhor resultado material possvel dos novos arranjos de trabalho54. Seassim no o fizerem, resta concordarmos com a retrica senhorial que vianos ex-escravos homens e mulheres despreparados para o mundo, que pre-cisariam ser educados sobre os seus prprios interesses e para comportarem-se racionalmente em suas novas escolhas como livres55.

    As observaes anteriores certamente desautorizam essa aproximao.A escolha inversa isto , interrogar os contratos em sua positividade

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 303

    pode ser, por outro lado, uma experincia importante no sentido de recuperaras vises alternativas da vida econmica56 que poderiam guiar as escolhasdesses sujeitos em sua nova situao e a definio dos seus interesses 57. Maisdo que isso, preciso dizer que no basta constatar a existncia de umaracionalidade alternativa: preciso interrogar o seu significado para os sujei-tos que a operam. Fazer isso ajudar certamente a lanar luz sobre o conte-do concreto que as aes dos ex-escravos poderiam estar atribuindo liber-dade que conquistavam.

    Gostaria agora de tentar um exerccio nessa direo, interrogando umapequena amostra de contratos de locao de servios, que fazem parte deum conjunto maior de contratos e ttulos de liberdade que so objeto deuma pesquisa que venho realizando sobre a experincia do trabalho livrena cidade do Desterro no sculo XIX58.

    Em um levantamento inicial, localizei 56 contratos de locao de ser-vios para o perodo entre 1849 e 188759. Partirei de uma seleo dessesregistros para a partir das discusses que propus at aqui propor algumashipteses para sua leitura.

    O primeiro contrato dessa natureza que encontrei data de 9 de feverei-ro de 1847 e envolvia um africano liberto de nome Antnio, de NaoMocingo. Antnio fazia contrato de locao de servios a um certo JosManoel de Souza, que lhe havia emprestado a quantia de 263$610 (duzen-tos e sessenta e trs mil e seiscentos e dez) ris, com a qual havia resgatado ovalor de um outro contrato que havia feito anteriormente com ZeferinoFernandes (que apenas citado na nota). Em troca desse dinheiro, Antnioobrigava-se a prestar 8 anos dos seus servios ao seu novo patro, como sefora seu cativo. Este, por sua vez, comprometia-se a vesti-lo, sustent-lo ecur-lo em suas enfermidades60.

    Em outro contrato, datado de abril de 1849, uma mulher africana de25 anos, de nome Thereza, contrata seus servios com Dona FilisbertaCoriolana de Souza Passos. Desta vez, trata-se de uma dvida de cem milris que a ex-escrava havia contrado em favor de sua liberdade. Em troca daquantia, comprometia-se com nada menos que 25 anos de seus servios,aceitando trabalhar como se fora sua cativa e a acompanhar sua patroa, ouqualquer um a quem ela indicasse, para qualquer parte que se destine.Alm disso, comprometia-se a no contratar-se com mais ningum durante

  • 304 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    o perodo de vigncia. Em troca desses compromissos, recebia de sua patroavestimenta, sustento e cuidados em caso de doena61.

    Nesses primeiros contratos aparecem vrios dos elementos que irorepetir-se na maior parte dos arranjos de trabalho envolvendo ex-escravosao longo das quatro dcadas seguintes: referem-se em primeiro lugar a dvi-das invariavelmente contradas para o pagamento da alforria (ou, como nocaso de Antnio, um novo contrato que resgata dvida anterior ligada alforria); alm disso, fazem referncia ao compromisso firmado de servir erespeitar como se escravo (ou cativo) fosse e contm clusulas que com-prometem explicitamente o contratante com o sustento do empregado,alm do seu cuidado em caso de doena. Alm disso, a relao entre o valorda dvida e o tempo de contrato corresponde de modo nem sempre consis-tente ao valor de mercado do trabalho contratado.

    Como disse antes, alguns desses termos se repetem e acabam por con-sistir os termos bsico dentro dos quais se estabelecero os contratos nasdcadas seguintes. Se pensarmos essas notas como registros que davam fpblica ao resultado de um arranjo que envolvia as estratgias e expectativasde ao menos dois sujeitos, podemos formular algumas questes.

    Em primeiro lugar, ao contrrio do que podem parecer primeiravista, os contratos de locao de servios no seguem necessariamente ummodelo estereotipado. Olhados individualmente, revelam variaes e espe-cificidades que apontam diretamente para uma negociao ativa entre aspartes. Suas clusulas abrangem, por exemplo, o cuidado sobre a famlia, amobilidade espacial, ou ainda a possibilidade de ter algum controle sobre otempo e os termos do trabalho.

    Assim, em 19 de novembro de 1847, Sebastio Cabinda compareceao cartrio do tabelio Lopes Gondim, junto do alemo Pedro Kemper[ou Kimfer], com quem tinha uma dvida de 230$000 ris, resto da quan-tia que lhe havia abonado para sua liberdade. Em troca do dinheiro, com-prometia-se a pagar-lhe o montante nas prestaes que lhe convier, podendofazer quaisquer viagens [...] para onde lhe convenha, com consentimentodo credor, vestindo-se e alimentando-se por sua conta62.

    Arranjo muito diverso daquele que, em 28 de janeiro de 1848, a pretaMaria Leocadia contratou com o Capito Fernando Antnio Cardoso. Nele,a liberta resgatava a dvida de um contrato feito anteriormente, no valor de300$000 ris. Para pag-los, contratava seus servios por um prazo de dez

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 305

    anos, obrigando-se ainda:...na qualidade de curadora natural de sua filhaJoaquina, de idade de sete meses mais ou menos, a conserv-la em poder docredor durante o prazo [...] vinte anos, tambm a contar do primeiro docorrente ms, com a obrigao porm do credor aliment-la, vesti-la e dar-lhe a precisa educao, de que no exigir pago algum e ficar este favorcompensado com os servios que a dita menor dever durante o dito pra-zo63.

    Em 27 de junho do mesmo ano, Francisco Benguela tambm resgataum contrato de locao de servios e faz um novo com Antnio Lopes daSilva. Reconhecendo a dvida de cem mil ris, compromete-se a resgat-lacom seu trabalho por um prazo de trs anos e meio: com a condio deservir [seu patro] como se fora seu cativo e como tal prestar-lhe toda aobedincia e servios, sendo porm o credor obrigado a aliment-lo, trat-lo e vesti-lo, em cujo prazo de trs anos e meio no ser levado em conta otempo que possa andar fugido ou se recuse a prestar todos os servios quelhe forem ordenados64.

    Quase quarenta anos depois, j sob vigncia das leis que foram criadaspara regular e dar fundamento jurdico a este tipo de contrato, reencontra-mos os arranjos de trabalho que envolviam os ex-escravos no novo mundoda liberdade de trabalho:

    Em meados de dezembro de 1884, compareceram ao cartrio do escri-vo Leonardo Jorge Campos o crioulo liberto Joo Ancelmo e seu patro,Jacinto Feliciano da Conceio. Joo declarava uma dvida de duzentosmil ris e fazia um contrato de locao de servios agrcolas para sald-la.Trabalharia por quatro anos, na chcara do patro, em todos os diasteis, empregando-se na lavoura, plantao de capim e tudo quanto forrelativo aos servios aplicados agricultura. O locatrio comprometia-se, por sua vez, com o sustento e vesturio para o trabalho do locadorassim como far tratar em suas enfermidades. Enfim, o arranjo definiaque findo o contrato [...] poder ser renovado conforme dispe a Lei n2827 de 15 de Maro de 1879 se convier as partes.65

    A crioula Gertrudes, em 8 de maio do ano seguinte, tambm contra-tava seus servios com um certo Fortunato Soncini. Por quatro anos traba-lharia como criada domstica, como pagamento dos cento e sessenta milris que o credor lhe emprestara. Obrigava-se a respeit-lo e sua famlia

  • 306 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    [e] a fazer o servio domstico que lhe for ordenado. Soncini, por outrolado, comprometia-se a dar-lhe sustento e vesturio, alm de tratar adevedora em suas enfermidades at o tempo de quinze dias. Depois dessetempo, correria por conta de Gertrudes, as contas de Botica, Mdico edieta. Declarava ainda que, se por ventura ela devedora no se der bemcom ele credor e a sua famlia, poder se alugar em qualquer casa de famlia,dando-lhe a ele credor mensalmente a quantia de dez mil ris at completaro tempo estipulado.66

    Em 26 de janeiro de 1887, o pardo liberto Germano que tambmencontramos alugando seus servios domsticos famlia de FredericoMomm. Resgatava sua dvida de 150$000 ris comprometendo-se com 4anos de seus bons servios, compatveis com sua fora e sexo. Em trocado respeito e da obedincia devidos (e lavrados em nota), recebia o compro-misso do novo patro em trat-lo em suas enfermidades quanto estas mes-mo excedam de quinze dias, com Mdico, Botica, dieta e tratamento semnus algum para o devedor67.

    Como interpretar a diversidade expressa nessas notas? O que elas reve-lam sobre as distintas situaes em que poderiam se encontrar os ex-escra-vos ao terem que enfrentar o desafio de articular um arranjo possvel detrabalho na condio to incerta de credor de uma dvida que correspondia,de fato, ao prprio lastro de sua liberdade?

    A nova situao no aparecia de forma homognea para todos: a me,provavelmente solteira e com vnculos precrios para alm da escravido,v-se forada a comprometer o seu trabalho e prometer o de sua filha, aindapequena, pelos vinte anos seguintes, em troca da promessa ambgua de v-la receber a devida educao. A jovem de vinte e cinco anos, praticamentese reescraviza voluntariamente pelos vinte e cinco anos seguintes de sua exis-tncia. Como comparar essas situaes com aquelas que mostram trabalha-dores conseguindo no apenas prazos confortveis para o pagamento desuas dvidas, como uma tolerncia difcil de explicar com cumprimentodesses mesmos prazos? Como articular na mesma pergunta essas situaescom o caso certamente excepcional do crioulo liberto Antnio Martinsda Rocha, que em 1869 assinava de seu prprio punho o contrato de loca-o de servios em que se compromete a pagar uma dvida de um conto deris contrada com o negociante e notvel local, Joaquim Augusto do

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 307

    Livramento com nada menos do que oito anos dos seus servios devender gua, obrigando-se a entregar mensalmente a quantia de 100 milris por todo o perodo?68 A situao de um ex-escravo que capaz de secomprometer a mobilizar recursos desse montante que pagariam, emoito anos, vrias vezes o valor de mercado de um escravo adulto e apto parao trabalho , ao mesmo tempo em que se amarra a um arranjo de trabalhodraconiano, revela certamente muito da condio paradoxal com que viveseu trabalho libertado69.

    Os fios invisveis que ligam esses fragmentos de histrias no so auto-evidentes. A maior parte das perguntas que evocam no podem ser enfren-tadas com o flego deste artigo. Por hora, entretanto, basta levantar algu-mas hipteses que remetem a uma interpretao geral sobre os sentidos quea liberdade de trabalho poderia ter para esses homens e mulheres. Deixandode lado, por enquanto, a interrogao sobre as condies especficas dessetempo e lugar a cidade do Desterro no sculo XIX , tentarei me deter nosaspectos das experincias desses trabalhadores libertos que podem lanaralguma luz sobre os desafios comuns que estavam presentes no prpriomago dessa nova condio de trabalho livre que enfrentavam.

    Ao ser lanado no mercado de trabalho em um ambiente urbano, asopes de um ex-escravo, homem ou mulher, eram freqentemente muitorestritas. O fato de que a esmagadora maioria das alforrias concedidas naltima dcada da escravido no principal cartrio do Desterro envolvia al-guma clusula de prestao de servios seja para o ex-senhor, seja paraterceiros atravs de contratos de locao parece ser um indicativo impor-tante. Transformar a escravido em um contrato para o pagamento de umadvida poderia tambm significar a tentativa de garantir de algum modo acontinuidade de uma ocupao que garantisse a subsistncia e uma menorincerteza frente ao futuro. A compensao pecuniria desse trabalho comosugerem, na verdade, os prprios contratos era certamente subordinada aessa condio70. Esse parece ser o elemento principal que se revela nessasescolhas. Por outro lado, a possibilidade, tambm presente, de resgatar sualiberdade com um peclio acumulado com o trabalho remunerado durantea escravido podia revelar uma realidade menos desconfortvel, que impli-cava a existncia de vnculos de solidariedade fora da escravido, o conheci-mento de um ofcio e o acesso a oportunidades melhores de trabalho. Mas

  • 308 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    essa era apenas uma possibilidade e no uma certeza. E, certamente, noestava ao alcance de todos71.

    Em cidades como o Desterro, onde as ocupaes industriais eraminexistentes ou muito limitadas e onde a produo agrcola (nas freguesiasrurais) funcionava com uma mo-de-obra pequena e estvel, para aquelesque no conheciam um ofcio e no eram empregados como domsticos(ou ainda, no caso do trabalho feminino, em ocupaes complementaresao trabalho domstico, como lavadeira ou costureira), o mercado para osex-escravos significava antes de tudo as ocupaes no especializadas queenvolviam o aluguel de suas foras como carregador ou outra ocupaobraal. So ocupaes intermitentes, ligadas aos movimentos do porto, sobras pblicas, a demandas localizadas de particulares. Incertos, descontnuose mal pagos, constituem, entretanto, os trabalhos mais provveis em umaeconomia local que desconhece completamente aquela carncia de braosque preocupava os senhores de escravos e empregadores da economia agr-cola de exportao72.

    Como a dura histria dos trabalhadores do sculo XIX no cansou deensinar, a liberdade de trabalho no significava o direito ao trabalho. Comoem toda economia que se modernizava, esta liberava indivduos dispon-veis, mas no necessariamente recrutveis para o trabalho73. O resultadodisso era, obviamente para a maioria, uma perspectiva pouco promissora deacesso aos atributos positivos que revestiam a noo de liberdade comoideal e horizonte de expectativa: o acesso propriedade e a um ofcio remu-nerado que permitisse viver dignamente por si, a garantia de poder cons-truir autonomamente seus vnculos de sociabilidade e pertencimento.

    A nica certeza dos libertos era a de estarem lanados em uma novasituao social marcada pela precariedade, raramente com as ferramentas erecursos necessrios para enfrent-la. Essa precariedade poderia aparecer demodo abrupto e irremedivel a cada esquina: atravs da doena e da indi-gncia, do acidente de trabalho e da invalidez, da viuvez, da orfandade oudo abandono, da velhice solitria e desassistida.

    No se pode abordar minimamente os sentidos dos termos dos con-tratos a que se submetiam esses homens e mulheres sem levarmos em contaessa realidade bsica que se levantava como o horizonte negativo de suas

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 309

    escolhas. A reduo da incerteza, como nos ensinou Giovanni Levi, ummotor potente para as aes e decises humanas74.

    Assim, no devemos nos enganar com a perturbadora contigidadeentre a escravido e a liberdade que os termos dos contratos parecem suge-rir. Os termos que reasseguram ritualmente os vnculos de obedincia edependncia aos antigos senhores e aos novos patres no esto ali comoprovas de que os ex-escravos no compreendiam o sentido da liberdade queconseguiam, que estavam paralisados pelos valores imveis da escravido e,portanto, incapacitados para viver autonomamente. Ao contrrio, acreditoque eles revelam coisas bem diferentes.

    6. A luta poltica dos escravos e os significados da liberdade6. A luta poltica dos escravos e os significados da liberdade6. A luta poltica dos escravos e os significados da liberdade6. A luta poltica dos escravos e os significados da liberdade6. A luta poltica dos escravos e os significados da liberdadede trabalhode trabalhode trabalhode trabalhode trabalho

    Karl Polanyi comparou as classes trabalhadoras inglesas do sculo XIXaos nativos destribalizados das colnias africanas: a ameaa do livre comr-cio havia destrudo seus vnculos sociais, desintegrado seu ambiente cultu-ral, desafiado mortalmente suas formas de organizar o mundo75. Podemosnos apropriar desse raciocnio fazendo o caminho inverso e repropondo essaanalogia para a experincia da escravido africana: arrancados de suas rela-es tribais, de sua cultura e de seu territrio, os africanos foram atirados naexperincia limite de desfiliao social que significou a escravido e o trficoatlntico. Nas Amricas, entretanto como mostram exaustivamente aspesquisas histricas sobre a escravido , os escravos no se transformaramem seres sem vontade, em objetos inertes entregues anomia. Eles certa-mente lutaram contra a escravido: resistiam, escapavam e se revoltavam detodas as maneiras. Mas tambm, apesar da escravido e dentro dela, os afri-canos e seus descendentes lutaram para construir e reorganizar novos vncu-los sociais que tornassem a vida suportvel. Na tenso constante que carac-terizava a relao escravista, foram vtimas e cmplices da construo deuma ordem social que mesmo tendo por base a violncia e a explorao organizava-se de modo estvel, conferindo-lhes um lugar determinado emuma hierarquia social, numa relao que lhes provia o sustento e cuidados.Sob o domnio paternalista e senhorial, as expectativas dos escravos se orga-nizavam dentro de um horizonte de previsibilidade. A troca de deveres e

  • 310 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    obedincia por favores e proteo organizava expectativas de futuro quepoderiam incluir o favor da alforria, da possibilidade de casar e constituirfamlia, de conseguir alguma autonomia e mesmo tornar-se um agregado.O desafio a essa ordem pelo escravo poderia significar o castigo severo, adesagregao dos seus vnculos e mesmo a morte, mas essas punies com-partilhavam aquele mesmo sentido de previsibilidade e ordem. A filiaoou incorpo-rao76 sociedade escravista configurava uma filiao a umacomunidade, a um territrio e a uma ordenao hierrquica77. Claro queessa era uma forma de pertencimento profundamente opressiva qual osescravos haviam sido incorporados contra a sua vontade. Ela poderia serinsuportvel para alguns, simplesmente tolervel para muitos ou mesmo anica forma de pertencimento que aqueles que haviam nascido em seu inte-rior conheciam. O que no podemos deixar de considerar que essa era umaforma de organizao social capaz de manter-se fortemente coesa e estvel.

    Subestimar a capacidade de coerncia e coeso social da escravido um erro. No h como entender a persistncia da escravido nas Amricas eno Brasil sem dar algum peso ao papel agregativo que as relaes sociaisproduzidas em seu interior possuam.

    A partir do final do sculo XVIII e durante o sculo XIX, essa mesmaordem foi profundamente transformada. As novas formas de organizaoda sociedade, da poltica, do trabalho e da economia desafiaram as basesintelectuais, morais e econmicas da escravido e acabaram por destru-la78.Para os escravos, essas transformaes tiveram muitos significados. O maisimportante deles talvez tenha sido o dar um novo sentido a suas expectati-vas e lutas. A idia de liberdade adquire um significado novo: passa acarregar a promessa, absolutamente nova, de acesso a direitos universais,que implicavam uma outra forma de pertencimento que no passaria maispela subordinao, mas pela idia de filiar-se a uma comunidade de direitose de deveres cvicos. Entre eles, o direito ao trabalho, mas tambm propri-edade, remunerao digna, ao sustento prprio, ao futuro. Do mesmomodo, o direito de escolher a quais redes de sociabilidade e interdependncia,a quais relaes de solidariedade, a quais vnculos de sentimento perten-cer79 . Liberdade poderia significar, enfim, poder dar um sentido autnomoa esse novo pertencimento.

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 311

    Assim, como lembra Sidney Chalhoub, a causa poltica dos escravose ex-escravos torna-se mais do que nunca a da liberdade, prpria e de seuscompanheiros80. Mas preciso acrescentar que a liberdade era (e ) umobjetivo poltico carregado de tenses: pode ser ambguo como realidade eabstrato como valor. As promessas que o termo carrega no se cumpriamautomaticamente com a emancipao e os escravos e libertos sabiam disso.Sob o imprio da liberdade traduzida nos termos da utopia anti-social domercado, os ex-escravos poderiam encarar uma ameaa to grande ou maiorque a escravido: a realidade moderna da desfiliao social. As velhas coer-es e tutelas poderiam ser assim facilmente substitudas pela coero damisria.

    Libertos daquilo que era, apesar de tudo, uma organizao social est-vel e integrada, os escravos poderiam ser lanados na individualidade quese produzia na nova organizao do mercado de trabalho. A ameaa daliberdade negativa que significava a ausncia de ligaes e deinterdependncias se impunha no horizonte de antecipaes e escolhas da-queles homens e mulheres que lutavam e conquistavam sua emancipao ese empenhavam para se inserir de algum modo nesse mundo.

    Quando reencontramos os contratos de locao de servios, podemosler neles no as sobrevivncias de uma ordem em deteriorao, mas o resul-tado do confronto de expectativas distintas. Os contratos no so, assim,necessariamente evidncias de uma subordinao ou um consentimentopassivo. Eles lavram e do f pblica a uma soluo de compromisso, aoresultado de uma negociao ativa a partir da qual se articulavam e constru-am novas formas de organizao social, novos vnculos de dependncia einterdependncia.

    Por um lado, certo que os patres e ex-senhores tentavam reorgani-zar os laos de subordinao e tutela sob a nova forma institucional docontrato. Que eles fizessem isso repropondo formas de dominao senhori-al anlogas s da escravido no deveria espantar. Na Europa e nas Amricasno sculo XIX, uma das caractersticas da reao conservadora s ameaasdesagregadoras da sociedade de mercado foi tambm, na impossibilidadede reconstituir as antigas sujeies81, a de tentar impor o paternalismo comoplano de governabilidade poltica82. No Brasil, no eram apenas os antigosescravocratas, criados sob a ideologia da inviolabi-lidade da vontade

  • 312 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    senhorial83 que se empenhavam em construir essas tutelas: tambm esignificativamente modernos empreendedores como o imigrante alemo,comerciante e industrial em Santa Catarina, Carl Hoepke, ou ainda o negoci-ante Germano Wendhausen, Secretrio do Club Abolicionista do Desterro84.

    Por outro lado, os libertos, a seu modo, tentavam construir ativamen-te vnculos sociais e garantias suficientes para lidar com a incerteza e a preca-riedade, reorganizando laos de dependncia e interdependncia que permi-tissem sua filiao a uma ordem social minimamente vivel isto , queorganizasse de algum modo suas expectativas e conferisse alguma seguranacom relao ao futuro (uma estabilidade que, de todo modo, sua situaoliberada no garantia e, no limite, ameaava).

    claro que os trabalhadores que se contratavam eram empregadosdomsticos, cozinheiros, hortelos, com sorte chapeleiros ou sapateiros.Eram analfabetos em sua esmagadora maioria, dificilmente se articulavamem sindicatos ou associaes (ainda que alguns o fizessem, de algum modo,nas irmandades religiosas). No eram modernos trabalhadores industriaise dificilmente poderamos cham-los de assalariados. Certamente, suasexperincias no podem ser consideradas estatisticamente representativas dacondio trabalhadora. Mas a sua sorte e suas lutas, acredito, revelam muitosobre a sorte e as lutas dos trabalhadores e pobres em geral. Todos enfrenta-vam o mesmo inimigo, encarnado pela nova forma de coero que era aprpria condio da nova organizao do trabalho livre: a misria, a necessi-dade e a precariedade. Essas eram as mesmas causas que levavam os trabalha-dores pobres da Europa, da China ou da ndia a atravessar os oceanos paratentar uma vida melhor, trabalhando nas fazendas de cana do Caribe, nasestradas de ferro do Oeste americano, ou nas plantaes de caf no Brasil.Tambm eram esses os desafios que davam sentido e ainda do s lutaspolticas dos trabalhadores para conquistarem o direito liberdade nos seusprprios termos.

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 313

    Bibliografia citada e fontes:Bibliografia citada e fontes:Bibliografia citada e fontes:Bibliografia citada e fontes:Bibliografia citada e fontes:

    BRASS, Tom & Marcel Van Der Linden (eds.). Free and Unfree Labour: TheDebate Continues. New York: Peter Lang Publishing, 1997.

    CARDOSO, Ciro F. (org.). Escravido e abolio no Brasil: novas perspectivas.Rio de Janeiro, Zahar, 1988.

    CASTEL, Robert. As metamorfoses da questo social. Uma crnica do salrio.Petrpolis: Vozes, 1998.

    CASTEL, Robert; Claude Dirdry & Bernard Friot. Symposium sur Lesmtamorphoses de la question sociale: une chronique du salariat, Sociologiedu Travail, n 43, 2001, pp. 235-263.

    CHALHOUB, Sidney, Vises da Liberdade. Uma histria das ltimas dcadasda escravido na Corte. So Paulo: Companhia das Letras, 1990.

    CHALHOUB, Sidney. A enxada e o guarda-chuva: a luta pela libertao dosescravos e a formao da classe trabalhadora no Brasil (trabalho apresentadono XXI Simpsio Nacional da ANPUH, Niteri, junho de 2001, mimeo.)

    CHALHOUB, S. et alli (org.) Artes e ofcios de curar no Brasil. Captulos dehistria social. Campinas: Ed. Unicamp, 2003.

    CONRAD, Robert. Os ltimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, INL, 1975.

    COOPER, F., T. Holt. & R. Scott. Alm da escravido: Investigaes sobre raa,trabalho e cidadania em sociedades ps-emancipao. (Prefcio de Hebe Mattos),Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2005.

    COSTA, Emlia Viotti da. Da senzala colnia. So Paulo: Liv. Cincias Hu-manas, 1982 (1966).

    CRATON, Michael. Reembaralhando as cartas: a transio da escravido paraoutras formas de trabalho no Caribe britnico (c. 1790-1890), Estudos Afro-Asiticos, n. 28, 1995, pp. 31-83.

    DAVIS, David Brion. The problem of Slavery in the Age of Revolution 1770-1823. New York/Oxford: Oxford University Press, 1999.

    DUMONT, Louis. Homo aequalis. Gnese e plenitude da ideologia econmica.Bauru: Edusc, 2000.

  • 314 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    FLORENTINO, Manolo & J. R. Ges, A paz nas senzalas. Famlias escravase trfico atlntico, Rio de Janeiro, c. 1790 c. 1850. Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 1997.

    FLORENTINO, Manolo & Joo Fragoso. O arcasmo como projeto. Mercadoatlntico, sociedade agrria e elite mercantil em uma economia colonial tardia.Rio de Janeiro, c. 1790 c. 1840. 4a ed. Rev. e ampl. Rio de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 2001.

    FRANCO, Maria Slvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 3a

    ed. So Paulo: Kairs, 1983.

    GEBARA, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil (1871-1888). SoPaulo: Brasiliense, 1986.

    GLICKSTEIN, Jonathan A. Concepts of free labor in Antebellum America. NewHaven: Yale University Press, 1995.

    GRENDI, Edoardo. Polanyi, dellantropologia economica alla microanalisestorica. Milano: Etas Libri, 1978.

    HIRSCHMAN, Albert. Paixes e interesses. Argumentos polticos a favor do ca-pitalismo antes do seu triunfo. Rio de Janeiro: Record, 2002.

    HOLT, Thomas C. The Problem of Freedom. Race, Labor, and Politcs in Jamaicaand Britain, 1832-1938. Baltimore and London: Johns Hopkins UniversityPress, 1992.

    KOWARICK, L. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. SoPaulo: Brasiliense, 1987.

    LAMOUNIER, Maria Lcia. Da escravido ao trabalho livre: a lei de locao deservios de 1879. Campinas: Papirus, 1988.

    LARA, Slvia Hunold (org). Escravido (numero especial da Revista Brasileirade Histria, vol. 8, n 16, maro/agosto 1988.

    LARA, Silvia Hunold. Escravido, cidadania e histria do trabalho no Brasil,Projeto Histria, n 16, 1998, pp. 25-38.

    LEPETIT, Bernard. Le travail de lhistoire, Annales HSS, mai-juin 1996, n 3,pp. 525-538.

    LEVI, Giovanni. A herana imaterial. Trajetria de um exorcista no Piemonte dosculo XVII. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2000.

    MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silncio: os significados da liberdade noSudeste escravista. Brasil, sculo XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998 (1995).

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 315

    MATTOS, Hebe Maria & Ana Maria Rios. O ps-abolio como problemahistrico: balanos e perspectivas. Topoi, volume 5, no 8, janeiro-junho 2004,pp. 170-198.

    MATTOS, Hebe Maria & Ana Maria L. Rios. Memrias do cativeiro: famlia,trabalho e cidadania no ps-abolio. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2005.

    MENDONA, Joseli Maria Nunes. Entre a mo e os anis. A lei dos sexagenriose os caminhos da abolio no Brasil. Campinas: Edunicamp/Cecult, 1999.

    MOREIRA, Paulo Roberto S. Os cativos e os homens de bem: experincias negrasno espao urbano. Porto Alegre, 1858-1888. Porto Alegre: EST Edies, 2003.

    PECK, Gunther. Reinventig Free Labor: Padrones and Immigrant Workers in theNorth American West, 1880-1930. New York: Cambridge University Press, 2000.

    PENA, Eduardo Spiller. O jogo da face. A astcia escrava frente aos senhores e lei na Curitiba Provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999.

    PINHEIRO, Paulo Srgio (ed.). Trabalho Escravo, Economia e Sociedade. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1984.

    POLANYI, Karl (with collaboration of Abraham Rotstein). Dahomey and theslave trade. An analysis of an archaic economy. Seattle and London: Universityof Washington Press, 1966.

    POLANYI, Karl. A grande transformao. As origens da nossa poca. 7a edio,Rio de Janeiro: Campus, 2000.

    REIS, Joo Jos & Eduardo Silva. Negociao e conflito. A resistncia negra noBrasil escravista. So Paulo: Companhia das Letras, 1989.

    SLENES, Robert. Na Senzala uma Flor. Esperanas e recordaes na formao dafamlia escrava, Brasil Sudeste, sculo XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

    STANLEY, Amy Dru. From Bondage to Contract. Wage Labor, Marriage, andthe Market in the Age of Slave Emancipation. Cambridge (Mas.): CambridgeUniversity Press, 1998.

    STEINFELD, Robert. Coercion, contract and free labor in the Nineteenth Century.Cambridge (Mas.): Cambridge University Press, 2001.

    STEINFELD, Robert. The Invention of Free Labor: The Employment Relationin English and American Law and Culture. Chapel Hill (NC): North CarolinaUniversity Press, 1991.

    THOMPSON, E.P. Costumes em Comum. Estudos sobre a cultura popular tra-dicional. So Paulo: Companhia das Letras, 1998.

  • 316 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    TURNER, Mary (ed.). From Chattel Slaves to Wage Slaves. The Dynamics ofLabour Bargaining in the Americas. Kingston/Bloomington & Indianapolis/London: Ian Randle/Indiana University Press/James Currey, 1995.

    Fontes:

    Ordenaes Filipinas, vols. 1 a 5; Edio de Cndido Mendes de Almeida, Riode Janeiro de 1870, verso digitalizada: http://ara.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm

    Livros de Notas do 1 e 2 Ofcio de Notas do Desterro (sculo XIX) Atual 1Ofcio de Notas e 3 de Protestos de Florianpolis (Cartrio Kotzias).

    NotasNotasNotasNotasNotas1 A noo de interesse, como nos lembra Albert Hirschman, assume um carter quase queestritamente econmico a partir do sculo XVIII. A histria dessa transformao est discutidapor ele em Paixes e interesses. Argumentos polticos a favor do capitalismo antes do seu triunfo. Riode Janeiro: Record, 2002.2 POLANYI, Karl. A grande transformao. As origens da nossa poca. 7 edio, Rio de Janeiro:Campus, 2000 (1944), p. 89. As pginas seguintes se apiam amplamente nas anlisesdesenvolvidas neste livro.3 Sigo, mais uma vez, a discusso de Polanyi contida no conjunto de A grande transformao.Os termos: encapsulado e desencapsulado traduzem os termos embedded/disembedded, queso centrais na tipologia terica de Polanyi (cf. GRENDI, Edoardo. Polanyi dellantropologiaeconomica alla microanalise storica. Milano: Etas Libri, 1978). Essa escolha de termos distinta daquele utilizada pela traduo brasileira citada, que eu utilizo para todo o resto.4 O livro de Hirschman, citado na nota 1, serve como uma til introduo ao tema. Vertambm o livro de Louis DUMONT, Homo aequalis. Gnese e plenitude da ideologia econmi-ca. Bauru: Edusc, 2000.5 Cf. POLANYI, op. cit. p. 18.6 O triunfo intelectual do modelo liberal foi muito mais extenso e duradouro que qualquertriunfo poltico ou econmico que tal modelo tenha tido. preciso ter isto no horizontequando analisarmos as posies polticas, os planos reformadores, ou os clculos de eficcia dosagentes sociais que tinham esse modelo no seu horizonte racional.7 Uma referncia fundamental permanece sendo a discusso de E.P. Thompson sobre osentido das lutas camponesas na Inglaterra do final do sculo XVIII contra a imposio dasregras de mercado para a regulao do preo dos gneros: Costumes em Comum. Estudos sobre acultura popular tradicional. So Paulo: Companhia das Letras, 1998, principalmente captu-los 4 e 5 (A economia moral da multido inglesa no sculo XVIII e Economia moral revisitada, pp.150-266).

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 317

    8 Cf. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questo social. Uma crnica do salrio. Petrpolis:Vozes, 1998, p. 170.9 Ibid, p. 155.10 Essa , pelo menos, a imagem que os defensores do livre mercado fizeram do trabalhoforado. Podemos constatar o quanto de retrica h nesta imagem ao lembrarmos da impor-tncia crescente que o trabalho escravo teve nas colnias do Novo Mundo durante a prpriaascenso da economia liberal. Em economias onde a mo-de-obra no estava prontamentedisponvel no lugar certo, pelo preo certo ou insuficientemente afastada das relaes no-capitalistas de produo como no caso da Amrica , o trabalho escravo e forado era usadolargamente no mesmo momento em que, na Europa, o sistema capitalista do trabalho assala-riado estava amadurecendo (Cf. COOPER, F., T. Holt & R. Scott, Introduo, In: Alm daescravido. Investigaes sobre raa, trabalho e cidadania em sociedades ps-emancipao. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2005, p. 73).11 Cf. CASTEL, op. cit., p. 44.12 Cf. CASTEL, op.cit., p. 212.13 Para uma discusso sobre o significado do pauperismo, ver os captulos 9 e 10 de A grandetransformao e o captulo 5 do livro de Robert Castel. Este socilogo, em particular, discutecomo os discursos sobre pauperismo que representa os operrios como moralmente degra-dados no representa apenas o medo dos abastados frente aos novos conflitos sociais, e nemapenas o etnocentrismo ou o puro preconceito anti-operrio (ainda que tambm o seja), masrevela algo da realidade sociolgica daquela sociedade: a novidade [o pauperismo] devida atomada de conscincia de uma condio trabalhadora de tal modo degradada, que colocapopulaes inteiras nas fronteiras da associabilidade (CASTEL, op. cit., p. 289).14 Cf. CASTEL, op. cit., p. 219.15 Cf. CASTEL, op. cit., p. 221.16 Cf. CASTEL, op. cit. p. 284. esse tambm o sentido da afirmao de que a vagabunda-gem representa a essncia negativa do assalariado, pois, o vagabundo um assalariado purono sentido em que, falando de modo absoluto, s possua a fora de seus braos. a mo-de-obra em estado bruto. Mas -lhe impossvel entrar numa relao salarial para vend-la. Sob aforma da vagabundagem, a condio de assalariado, poder-se-ia dizer, chega ao fundo, ograu zero da condio salarial: um estado impossvel (mas que, entretanto, existiu em carne eosso para centenas de milhares de exemplares), que condena excluso social. Porm, este caso-limite sublinha traos que, na poca, a maioria das situaes salariais partilhou. (ibid. p. 149).17 Cf. CASTEL, op. cit. p. 250.18 Cf. POLANYI, op. cit. p. 298.19 Cf. CASTEL, op. cit., p. 263.20 Id. Ibid.21 POLANYI, op. cit., p.90. O conceito de mercadoria central aqui. Como nos lembraPolanyi, atravs dele que o mecanismo do mercado se engrena aos vrios elementos da vida

  • 318 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    industrial. As mercadorias so aqui definidas, empiricamente, como objetos produzidos paraa venda no mercado; por outro lado, os mercados so definidos empiricamente como contatosreais entre compradores e vendedores. Assim, cada componente da indstria aparece comoalgo produzido para a venda, pois s ento pode estar sujeito ao mecanismo da oferta e procura,com a intermediao do preo. Na prtica, isto significa que deve haver mercado para cada umdos elementos da indstria; que nesses mercados cada um desses elementos organizado numgrupo de oferta e procura. (op. cit, p. 93, grifo meu).22 Cf. POLANYI, op. cit., pp. 94- 95.23 Cf. CASTEL, op. cit., p. 255. Aqui, mais uma vez, as anlises de Polanyi e Castel secomplementam. Podemos dizer que ambos compartilham a tese central de Polanyi, que perseguida sistematicamente em A grande transformao: Nossa tese que a idia de ummercado auto-regulvel implicava uma rematada utopia. Uma tal instituio no poderiaexistir em qualquer tempo sem aniquilar a substncia humana e natural da sociedade; ela teriadestrudo fisicamente o homem e transformado seu ambiente num deserto. (Cf. POLANYI,op.cit., p. 18).24 Cf. CASTEL, op. cit., p. 273.25 Cf. CASTEL, op. cit., p. 44.26 Cf. CASTEL, op. cit., p. 45.27 A tentativa de compreender esta nova misria que surge com a industrializao est tam-bm, de resto, na prpria origem da teoria social moderna: do liberalismo econmico ou odarwinismo social ao positivismo ou o marxismo. Polanyi aponta a ligao entre o pauperismo,a economia poltica e essa descoberta da sociedade que fundamenta a busca por umaexplicao do verdadeiro significado tormentoso da pobreza (Cf. POLANYI, op. cit. p.153). A soluo que, garantindo as premissas da economia clssica, v na natureza a explicaoda sociedade (transformando as leis do mercado em leis naturais), comea a assombrar ascincias do homem tambm a. O darwinismo social, o naturalismo, o racismo cientfico soexemplos disso. O marxismo como pensamento social, por outro lado, uma tentativa (ma-lograda do ponto de vista terico, de acordo com Polanyi) de reintegrar a sociedade no mundohumano. Para uma discusso mais extensa (ainda que freqentemente impressionista) dessestemas, ver os captulos 9 e 10 de A grande transformao.28 O conceito de desfiliao social usado por Robert Castel para descrever uma situaosocial definida pela vulnerabilidade da posio de um indivduo com relao s redes deintegrao social, que envolvem desde o pertencimento precrio a uma comunidade ou redede sociabilidade, at a precariedade do trabalho e a fragilidade dos vnculos scio-culturais. Oconceito fludo, mas central em suas anlises sobre a constituio da sociedade salarial nosculo XIX e suas especificidades. Para uma discusso extensa sobre o tema, ver a introduo eo primeiro captulo de As metamorfoses da questo social (pp. 21-93). Ver tambm: CASTEL, R.et alli. Symposium sur Les mtamorphoses de la question sociale: une chronique du salariat, Sociologiedu travail, n 43, 2001, pp. 235-263.29 O que sugerido, por exemplo, pelo trabalho de PECK, Gunther. Reinventing free labor:Padrones and immigrant workers in the North American West, 1880-1930 (New York:

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 319

    Cambridge University Press, 2000), que mostra que em pleno oeste americano, em umespao e em um tempo que a historiografia dos Estados Unidos costuma considerarparadigmtico do esprito empreendedor americano, a noo de trabalho livre comportavaambigidades importantes, e relaes de trabalho centradas nas figuras dos padrones e basea-das na coero e tutela eram empreendidas no por rudes e primitivos empregadores, mas porempreendedores modernos.30 Cf. STEINFELD, Robert. Coercion, contract and free labor in the Nineteenth Century.Cambridge (Mas.): Cambridge University Press, 2001, p. 2. Para uma discusso anterior deSteinfeld sobre a histria jurdica do trabalho livre, ver o seu The Invention of Free Labor: TheEmployment Relation in English and American Law and Culture. Chapel Hill (NC): NorthCarolina University Press, 1991.31 Steinfeld chama a ateno para a necessidade de se construir uma viso anti-essencialistadas tipologias com que se lida com a questo do trabalho: Uma dificuldade com a sabedoriaconvencional que ela retifica os tipos de trabalho, trata-os como coisas com um contedofixo, ao invs de trat-los como prticas sociais/legais que podem ser construdas em uma sriede maneiras distintas (Coercion, contract and free labor, cit. p. 33).32 BRASS, Tom. Free and unfree labour: the debate continues, In: BRASS, Tom & Marcel VanDer Linden (eds.) Free and Unfree Labour: The Debate Continues. New York: Peter LangPublishing, 1997, p. 12. Brass discute nesta passagem da introduo os artigos de RobertSteinfeld e Stanley Engerman publicados no volume.33 Sobre isso ver os artigos publicados na primeira parte (Negotiating Slavery) do livro organi-zado por TURNER, Mary: From Chattel Slaves to Wage Slaves. The Dynamics of LabourBargaining in the Americas. Kingston, Bloomington and Indianapolis, London: Ian Randle,Indiana University Press, James Currey, 1995.34 Cf. GLICKSTEIN, Jonathan A. Concepts of free labor in Antebellum America. New Haven: YaleUniversity Press, 1995, p. 2. E uma afirmao como essa, poderamos acrescentar, obviamentevlida do mesmo modo para outros lugares, como o Brasil, por todo o sculo XIX.35 Ver sobre isso: COOPER, F., T. Holt, & R. Scott, Introduo, in Alm da escravido... cit.Ver tambm, especialmente, o artigo de Frederick Cooper no mesmo volume: Condiesanlogas escravido, pp. 201-279.36 Cf. COOPER, F., T. Holt, & R. Scott, Introduo, in Alm da escravido... cit., p. 45. Osautores deste livro inspirador colocam o problema da liberdade em termos que valem a penamencionar: a liberdade no um estado natural. um construto social, um conjunto devalores coletivamente comuns, reforado pelo discurso ritual, filosfico, literrio e cotidiano.A liberdade tem uma histria que contm noes distintas cuja prpria fuso numa tradiohistrica especfica to importante quanto a tenso entre elas. (pp. 51-52).37 Em torno de 1890, as elites inglesas desenvolveram sua prpria definio do trabalholivre. The Economist anotou em 1891... que a controvrsia geral sobre o trabalho est paratransformar-se amplamente sobre os respectivos direitos e deveres dos trabalhadores livres edos sindicalistas os trabalhadores livres sendo definidos como todos aqueles que queriamfazer seus prprios contratos independentes com seus empregadores, sem levar em conta a

  • 320 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    posio do sindicato. John SAVILLE, Trade Unions and Free Labour: The Background to theTaff Vale Decision, In: Essays in Labour History, ed. Asa Briggs and John Saville (London,1967), 319. Apud: STEINFELD, Robert. Coercion, contract and free labor in the nineteenth-century, cit. p. 14, nota 27.38 POLANYI, Karl (e Abraham Rotstein). Dahomey and the slave trade. An analysis of anarchaic economy. Seatle and London: University of Washington Press, 1966, p. xvii.39 As referncias aqui so inmeras. No caso do Brasil, para fazer uma lista (necessariamenteincompleta) dos trabalhos mais influentes, podemos citar: CARDOSO, Ciro F. (org.) Escravi-do e abolio no Brasil: novas perspectivas. Rio de Janeiro, Zahar, 1988; LARA, Slvia H. (org)Escravido (nmero especial da Revista Brasileira de Histria com vrios artigos sobre o tema,vol. 8, n 16, maro/agosto 1988); REIS, Joo Jos & Eduardo Silva, Negociao e conflito. Aresistncia negra no Brasil escravista. So Paulo: Companhia das Letras, 1989; CHALHOUB,Sidney, Vises da Liberdade. Uma histria das ltimas dcadas da escravido na Corte. So Paulo:Companhia das Letras, 1990; MATTOS, Hebe Maria, Das cores do silncio: os significados daliberdade no Sudeste escravista. Brasil, sculo XIX, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998 (1995);FLORENTINO, M. e J. R. Ges, A paz nas senzalas. Famlias escravas e trfico atlntico, Riode Janeiro, c. 1790 - c. 1850. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1997; SLENES, Robert.Na Senzala uma Flor. Esperanas e recordaes na formao da famlia escrava, Brasil Sudeste,sculo XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.40 Nesse sentido, vale tambm para o Brasil aquilo que os autores de Alm da escravidoafirmam para a historiografia americana sobre a escravido: O trabalho livre, desse modo,acabava por ser definido apenas como o fim da coao, no como uma estrutura de controleda mo-de-obra que precisasse ser analisada a seu prprio modo, cf. COOPER, F., T. Holt, &R. Scott, Introduo, cit. p. 42. E acrescentam: O conceito de sociedades escravistas inspiroue encorajou o estudo de uma totalidade: uma economia poltica, sua legitimao ideolgica esuas conseqncias ecolgicas e culturais, tudo, de algum modo, iluminado por um conjuntoespecfico de relaes sociais de trabalho e, por sua vez, iluminando-o. No estamos acostuma-dos a pensar em trabalho livre, e sociedades livres do mesmo modo (ibid. pp. 43-44, grifomeu).41 Dois importantes trabalhos que, no Brasil, tematizaram o problema do significado daliberdade diretamente o de Sidney Chalhoub e o de Hebe Mattos citados duas notas atrs fazem isso sem enfrentar de modo integral, entretanto, o sentido da liberdade de trabalho.Mais recentemente, o problema historiogrfico do ps-abolio vem sendo objeto de estudosinspiradores. Ver, por exemplo, os trabalhos recm-lanados: MATTOS, Hebe Maria & AnaMaria Rios. O ps-abolio como problema histrico: balanos e perspectivas. Topoi, volume 5, n8, janeiro-junho 2004, pp. 170-198; o j citado Alm da escravido, cit., recm-traduzido noBrasil com um importante prefcio de Hebe Mattos; e ainda: MATTOS, Hebe Maria e AnaLugo Rios. Memrias do cativeiro: famlia, trabalho e cidadania no ps-abolio. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2005.42 Aqui, mais uma vez, as referncias so variadas. Algumas das mais importantes so: COSTA,Emlia Viotti da. Da senzala colnia, So Paulo: Liv. Cincias Humanas, 1982 (1966);PINHEIRO, P. S. (ed.). Trabalho Escravo, Economia e Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 321

    1984; GEBARA, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil (1871-1888). So Paulo:Brasiliense, 1986; KOWARICK, L. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil.So Paulo: Brasiliense, 1987; LAMOUNIER, M. L. Da escravido ao trabalho livre: a lei delocao de servios de 1879. Campinas: Papirus, 1988.43 LARA, Silvia H. Escravido, cidadania e histria do trabalho no Brasil, Projeto Histria, n16, 1998, pp. 25-38.44 Como por exemplo, no trabalho clssico de FRANCO, Maria Slvia de Carvalho Homenslivres na ordem escravocrata, 3 edio, So Paulo: Kairs, 1983 que continua a influenciaras anlises scio-histricas a esse respeito. Para uma crtica ponderada a esse trabalho e umaviso alternativa sobre alguns de seus temas, ver MATTOS, Hebe M. Das cores do silncio... cit.45 Manolo Florentino e Joo Fragoso mostraram, em contraste, que a racionalidade da classesenhorial no era efetivamente homognea e podia abraar, em pleno sculo XIX, um projetoamplamente arcaico (no necessariamente no sentido valorativo, mas no sentido polanyianode economia arcaica): O arcasmo como projeto. Mercado atlntico, sociedade agrria e elitemercantil em uma economia colonial tardia. Rio de Janeiro, c. 1790 c. 1840. 4 ed. rev. eampl. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001.46 Assim, partindo dos pressupostos de como a sociedade brasileira deveria ser, tenta-se analisaraquilo que ela (ou foi). Ao fazer isso, constri-se uma armadilha que arrisca fazer a interpre-tao andar em crculos.47 Como mostra eloqentemente Amy Dru Stanley no seu livro From Bondage to Contract.Wage labor, marriage and the market in the age of slave emancipation. Cambridge (Mas.):Cambridge University Press, 1998 (sobretudo o primeiro captulo). Sobre as questes emtorno do significado da liberdade e do contrato no Caribe ingls ps emancipao, ver o artigode Thomas C. Holt no j citado Alm da liberdade (2005), alm do seu livro, The Problem ofFreedom. Race, Labor, and Politcs in Jamaica and Britain, 1832-1938. Baltimore and London:Johns Hopkins University Press, 1992.48 Ademir Gebara e Maria Lcia Lamounier (ver nota 43) desenvolvem esse argumentoanalisando, respectivamente, a Lei n 2.040, de 28/09/1871 (a Lei Rio Branco) e o Decreton 2.827, de 15/03/1879 (Lei Sinimbu).49 Ttulos XXIX a XXXVI (Ordenaes Filipinas, vols. 1 a 5; Edio de Cndido Mendes deAlmeida, Rio de Janeiro de 1870, verso digitalizada: http://ara.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm).50 Essa lei de 13/09/1830. Sobre a histria da legislao sobre o trabalho no perodoescravista, ver GEBARA, O mercado de trabalho livre no Brasil (1871-1888), cit. (principal-mente o captulo 2). Esta a bibliografia principal para os apontamentos sobre o tema feitosneste pargrafo.51 Quando editada a lei sobre a locao de servios agrcolas. Ver LAMOUNIER, Daescravido ao trabalho livre, op. cit.52 Lei n 2.040, de 28/09/1871. Colleco das Leis do Imperio do Brasil de 1871, Tomo XXXI,Parte I (Rio de Janeiro, 1871), pp. 147.151 (referncias tiradas de CONRAD, Robert. Os

  • 322 HENRIQUE ESPADA LIMA

    TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    ltimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, INL, 1975, quetranscreve integralmente a lei no seu apndice II, pp. 366- 369).53 E, desse modo, a principal novidade que introduzia na relao senhor/escravo era a legalida-de de prticas que antes eram apenas costumeiras e cuja validade dependia, antes de tudo, davontade senhorial. De todo modo, esse foi certamente um elemento desestabilizador daordem senhorial sobre a qual assentava as relaes escravistas. Para uma discusso dos signifi-cados da lei de 1871 com relao s prticas costumeiras da escravido, ver de SidneyCHALHOUB, Vises da liberdade (cit.).54 Esse o sentido exclusivo que se d aos contratos dos escravos se seguirmos, por exemplo,o que diz Mary Turner sobre os termos de barganha disponveis para os escravos: Falando deum novo filo de resistncia do trabalhador escravo que os estudos da escravido apontavam(para alm da tradicional dicotomia acomodao e rebelio), a negociao dos escravos,de acordo com ela, revelava uma populao escrava trabalhadora consciente do valor do seutrabalho e determinada a ganhar o melhor retorno por ele Introduction (by Mary Turner)In: From Chattel Slaves to Wage Slaves, cit. p. 2. Esse livro uma prova de que mesmo umconjunto formidvel de trabalhos que tematizam criticamente o problema da negociao dosescravos pode cair nas armadilhas montadas pelo paradigma do mercado, mesmo quandotenta explicitamente se desvencilhar dele.55 Ver sobre isso a discusso de Joseli Maria Nunes MENDONA Entre a mo e os anis. Alei dos sexagenrios e os caminhos da abolio no Brasil. Campinas: Ed. Unicamp/Cecult, 1999(sobretudo o primeiro captulo, pp. 45-135).56 Sobre isso, ver a Introduo de Alm da escravido, cit., principalmente p. 70. Sobre umadiscusso acerca da viso alternativa da vida econmica dos escravos e libertos jamaicanos,confrontadas com as expectativas dos oficiais coloniais britnicos no ps-emancipao, verHOLT, Thomas, A essncia do contrato, In: Alm da escravido, cit. pp. 89-129.57 Alm disso, vale partir da considerao de Edoardo Grendi de que pensar a sociedadeeconmica no deve necessariamente contemplar a exigncia de uma abstrao da esferaeconmica do resto (GRENDI, Polanyi... op. cit., p. 3). Em outras palavras: entendendoque essas vises alternativas no se referem a uma economia abstrada da cultura e dasrelaes sociais.58 A amostra que trato a seguir contm dados levantados pela minha prpria pesquisa, assimcomo pelas pesquisas de Clemente Gentil Penna e Tamelusa Ceccato, a quem agradeo.59 Esta amostra foi retirada de uma pesquisa em andamento nos livros de notas do Cartrio do2 Ofcio de Notas de Florianpolis. Este cartrio contm uma srie bastante lacunar de livrosque pertenciam ao 1 e 2 Ofcio de Notas do Desterro no sculo XIX. A amostra resultadodo levantamento completo de todas as notas registradas nos livros seguintes: livro 11 do 1Ofcio de Notas (1886-7), 2 Ofcio de Notas: livros 11 (1847-1848), 12 (1849), 14(1853), 22 (1859), 23 (1861), 29 (1866), 31 (1868-9), 33 (1870), 58 (1884), 59(1885), 60 (1885-86), 61 (1886-87), 62 (1887).

  • TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.

    SOB O DOMNIO DA PRECARIEDADE: ESCRAVIDO E OS SIGNIFICADOSDA LIBERDADE DE TRABALHO NO SCULO XIX 323

    60 Escritura de loucao de servios que faz o preto liberto Antnio de Nao Mocingo a JosManoel de Souza..., Livro 11 do 2 Ofcio de Notas da Cidade do Desterro (1847-1848).(escrivo Joo Antnio Lopes Gondim), fls. 4 e 4v.61 Escriptura de loucao de servios que faz a preta liberta Theresa, a Dona FilisbertaCoriolana de Souza Passos, Livro 12 do 2 Ofcio de Notas da Cidade do Desterro (1849)(escrivo Joo Antnio Lopes Gondim), fls. 10 e 10v.62 Escriptura de loucao de servios que faz o preto liberto Sebastio Cabinda a Pedro[Kemper], Livro 11 do 2 Ofcio de Notas da Cidade do Desterro (1849) (escrivo JooAntnio Lopes Gondim), fls. 31v e 32.63 Escriptura de loucao de servios que faz a preta liberta Maria Leocadia ao CapitoFernando Antnio Cardoso, Livro 11 do 2 Ofcio de Notas da Cidade do Desterro (1849)(escrivo Joo Antnio Lopes Gondim), fls. 41, 41v e 42.64 Escriptura de loucao de servios que faz o preto liberto Francisco Benguella a AntnioLopes da Silva, Livro 11 do 2 Ofcio de Notas da Cidade do Desterro (1849) (escrivo JooAntnio Lopes Gondim), fls. 54 e 54v.65 Escriptura de contracto de loucao de servios que faz o crioulo liberto Joo Ancelmo aJacinto Feliciano da Conceio como abaixo se declara Livro 58 do 2 Ofcio de Notas daCidade do Desterro (1884) (escrivo Leonardo Jorge de Campos), fls. 27v, 28 e 28v.66 Escriptura de contracto de loucao de servios que faz a crioula Gertrudes a FortunatoSoncini como abaixo se declara, Livro 59 do 2 Ofcio de Notas da Cidade do Desterro (1885)(escrivo Leonardo Jorge de Campos), fls. 5v e 6.67 Escriptura de contracto de loucao de servios que presta o pardo liberto Germano aFrerderico Momm, Livro 62 do 2 Ofcio de Notas da Cidade do D