Sobre Economia e Ética - As Duas Fontes Da Economia Na Escolástica e o Seu Afastamento Na...

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RODRIGUES, Márcio Francisco. Sobre economia e ética [...] Revista Opinião Filosófica, Porto Alegre, v. 04 ; nº. 02, 2013 220 Sobre economia e ética: as duas fontes da economia na escolástica e seu afastamento na modernidade On economy and ethics: the two sources of economy in scholasticism and its distancing in modernity. Márcio Francisco Rodrigues Filho 1 Resumo: Neste artigo procuro oferecer razões para concordarmos com as afirmações de Amartya Sen expostas no primeiro capítulo do seu livro Sobre ética e economia intitulado: Comportamento econômico e sentimentos morais. Ali, Sen defende que a Economia moderna possui duas fontes que ele denomina: “ética” e “engenharia”. Para Sen, o distanciamento das duas origens empobreceu a Economia moderna contribuindo para um “caráter não-ético” desta ciência, mesmo a Economia devendo grande parte da sua evolução histórica à filosofia moral. Buscarei oferecer razões para se concordar com Sen sobre o afastamento dessas duas fontes, a “ética” e a “engenheira”, na Economia moderna, mostrando algumas preocupações filosóficas e econômicas na escolástica – em um momento histórico onde as questões “éticas” eram indissociáveis das questões econômicas, no sentido de Sen. Palavras chave: Escolástica; Economia; Ética, Engenharia; Amartya Sen; Schumpeter. Abstract: In this paper I offer reasons to agree with the statements of Amartya Sen exposed in the first chapter of his book entitled On ethics and economics: Economic behavior and moral sentiments. There Sen argues that modern economics has two sources he calls "ethical" and "engineering." For Sen, the distancing of these two origins impoverished the modern economics contributing to a "non-ethical character" of this science, even economics own too much of its historical evolution to moral philosophy. I seek to offer reasons to agree with Sen on his approach about the separation of ethics and "engineering" in the modern economy, 1 Mestrando em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Bolsista Capes. Pesquisa e interesse nas áreas de filosofia da mente, teoria do conhecimento e epistemologia. E-mail: [email protected]. Endereço postal: Av. Unisinos, 950 Caixa Postal 275 CEP 93022-000 São Leopoldo - RGS

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RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 220 Sobreeconomiaetica: as duasfontesdaeconomia naescolsticaeseu afastamentona modernidade Oneconomyandethics:thetwosources ofeconomyinscholasticismandits distancing in modernity. Mrcio Francisco Rodrigues Filho1 Resumo:Nesteartigoprocurooferecerrazesparaconcordarmoscomasafirmaesde AmartyaSenexpostasnoprimeirocaptulodoseulivroSobreticaeeconomiaintitulado: Comportamentoeconmicoesentimentosmorais.Ali,SendefendequeaEconomiamodernapossui duasfontesqueeledenomina:ticaeengenharia.ParaSen,odistanciamentodasduas origensempobreceuaEconomiamodernacontribuindoparaumcarterno-ticodesta cincia, mesmo a Economia devendo grande parte da sua evoluo histrica filosofia moral. Buscarei oferecer razes para se concordar com Sen sobre o afastamento dessas duas fontes, a tica e a engenheira, na Economia moderna, mostrando algumas preocupaes filosficas eeconmicasnaescolsticaemummomentohistricoondeasquestesticaseram indissociveis das questes econmicas, no sentido de Sen.Palavras chave: Escolstica; Economia; tica, Engenharia; Amartya Sen; Schumpeter. Abstract: In this paper I offer reasons to agree with the statements of Amartya Sen exposed in the first chapter of his book entitled On ethics and economics: Economic behavior and moral sentiments.ThereSenarguesthatmoderneconomicshastwosourceshecalls"ethical"and "engineering."ForSen,thedistancingofthesetwooriginsimpoverishedthemodern economics contributing to a "non-ethical character" of thisscience, eveneconomics own too much of its historical evolution to moral philosophy. I seek to offer reasons to agree with Sen onhisapproachabouttheseparationofethicsand"engineering"inthemoderneconomy, 1MestrandoemFilosofiapelaUniversidadedoValedoRiodosSinos(UNISINOS). Bolsista Capes. Pesquisa e interesse nas reas de filosofia da mente, teoria do conhecimento eepistemologia.E-mail:[email protected]:Av. Unisinos, 950 Caixa Postal 275 CEP 93022-000 So Leopoldo - RGS RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 221 showingsomephilosophicalconcernsofthescholastics-ahistoricalmomentwherethe "ethical" questions were inseparable from economic issues, following Sen. Keywords: Scholastics; Economics, Ethics, Engineering, Amartya Sen; Schumpeter. Economia e tica ou economia-tica? Embora o pai da economia moderna, Adam Smith (1723-1790) tenha sido professor de filosofia moral em Glasgow, pois a economia foi considerada pormuitotempoumramodatica,hojecomumpensarmosaeconomia comosendoumramodascinciasexatasondepredominamosclculos matemticos. de opinio comum que questes como o que justo, ou at mesmo,comodevemosviverestodissociadasdasquestesanalisadasnos cursos de economia (SEN, 1999, p. 18).Aqui veremos que as questes econmicas nem sempre foram tomadas numavisohobbesiana,ondeasubjetividadedevesereduzirmatemtica, poisnesteterrenosepoderiaassentaroindubitvel,tornandoassima Economiaumacinciadeverdade.Aocontrriodisso,aEconomiacomo procurareimostrarnoumestudodissociveldaticacomosepensahoje, antesdisso,elaindissociveldatica,comopensaramosfundadoresda economiacientfica(SCHUMPETER,1964,p.127-128),osescolsticos2, perodoquevaidosculoonzeaofimdosculodezesseis(SCHUMPETER, 1964, p. 125).Almdisso,apalavraeconomiatemsuaorigemnaspalavrasgregas oikos(fortuna,riqueza,propriedade)enomos(regra,lei,administrao), ouseja,envolveaadministrao,ouformadeexerccio,deatividades relacionadasriqueza,ouseja,produoedistribuiodebenseservios necessrios aos diversos aspectos da vida humana em sociedade (SANDRONI, 1999,p.189).EseaEconomiaestenvolvidacomadistribuiodebense servios necessrios aos diversos aspectos da vida humana em sociedade (terra, 2OtermoEscolsticaderivadolatimschola(escola).Denomina-seEscolsticaoperodo medievaldeentre1000e1600d.Caproximadamente.Perodohistricoquedeacordocom Schumpeter, a cincia econmica foi criada. Muitos doutores escolsticos escreveram sobre economia. Entre eles: Santo Toms de Aquino, Buridan, Oresme, Pedro Olivi, Lus de Molina, TomasdeMercadoeJuandeLugosoalgunsexpoentesescolsticosdestegrandeperodo histrico (SCHUMPETER, 1964, 105-145). RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 222 capital trabalho tecnologia, etc.) ela deve estar imersa em questes ticas, uma vezqueadistribuiodebenseserviossoquestespolticas.Esse raciocnioficafcilsepensarmosquehaproximadamentesetebilhesde pessoas vivendo na terra e enquanto algumas pessoas vivem abastadamente at quaseos100anosnotvelqueoutrosmorramdefomeantesmesmode completarumanodeidade.Ecomoosrecursosnaturaisdoplanetaso escassosnopossvelquequesteseconomiassedissociemdequestes ticas.Istoporquevivemosemumasociedadeglobaleseusarmosmais recursosnaturaisdeumladoclaroquefaltarlnooutro.Ecomobem salientouAristteles,umavezqueafinalidadedaEconomiaariqueza,ela tambmdeveseradministradapelapoltica,poisestadeterminaquaissoas demaiscinciasquedevemserestudadasemumacidade(ARISTTELES, 1999, 1094 a-2): Aristteles se referia a cidades como cidades-estados, isto , a plis grega.A preocupao com o afastamento da tica dos estudos de economia notvelnolivroSobreticaeeconomiadeAmartyaSen3,ondeoautornos apresentaduasorigensdaeconomia.Aprimeiraeleintituladeticaea segundadeengenharia.SegundoSen,oafastamentodessasduasfontes tornouaEconomiaaquiloqueelahoje,umestudodissociadodaticae ainda, detentora de um carter no-tico. Procurarei apoiar a viso de Sen de quenemsempreaeconomiaestevedissociadadatica.Paraisso, primeiramenteapresentareiasconcepesdeticaeengenhariaquesegundo Sen so as fontes da economia e que hoje esto dissociadas devido a inmeros fatoresqueaquinoseroanalisados.Depoisprocurareimostraratravsdas concepeseconmicasdaSegundaEscolsticaqueoestudodaEconomia duranteesteperodoerairredutivelmentetico,poisosescolsticosse preocupam com aquilo que justo. 3AmartyaSen(1935).NascidonandiaeprofessordoTrinityCollege,emCambridge (Inglaterra),pesquisousobreafomeemBangladesh,em1974.RecebeuoPrmioNobelem Economiaporseustrabalhostericosnareasocialeporhavercontribudoparaumanova compreensodosconceitosarespeitodemisria,pobrezaebem-estarsocialemregies pobres, onde a principal atividade ainda a agricultura (SANDRONI, 1999, p. 23). RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 223 Diferentementedamodernidadeosescolsticosnoquereriamabrir modaeconomiacomosendoumtemamoral,poisamoralestsujeitaa razes.Equaissoasrazesdeumpreo?Porqueumpreoinjusto?No basta apenas responder por que um quilo de po vale aquilo que vale devido ao preo do trigo, da mo de obra empregada etc., mas preciso ainda responder por que devemos pagar, ou vender um quilo de po por este preo e no outro.Sabemosqueajustiacontempornease contentacomalegalidade,o justoaquiloqueestnalei,isto,sealgolegal,logomoral.Porm,os escolsticoscomoveremos,estopreocupadoscomamoralidadedapoltica quenodependedalegalidade,porqueexistemsituaesondeofatolegal, masnomoral.Umexemploalegtimadefesa.impossvelqueo assassinatodeumapessoasejaumatomoralmenteaceito.Porm,alegtima defesanospermitemataralgumqueatentecontranossavidaparaque possamospreserv-la.Ireiagoraapresentarasduasorigensdaeconomia segundoSen,paradepoisexplanarsobreasconcepeseconmicas indissociavelmenteticasnoperodoescolsticoafimdemostrarquea economia cientfica no s nasce da filosofia moral, mas ainda, indissocivel desta, segundo seus criadores. As duas origens da economia segundo Amartya Sen AmartyaSen(1999)apontaduasorigensfundamentaisdaeconomia quesegundoelesobemdiferentes,masambasrelacionadaspoltica.A primeirafonteestligadaabonomia,isto,aquestesestritamenteticas comodevemosviver,oquepodepromoverobemparaohomem?A segunda abordagem que origina a economia a engenheira. Essa abordagem segundoSen,buscaencontrarosmeiosparaatingirosfinsquesodados diretamente,jquenestaabordagemocomportamentohumanotomado comotendomotivossimplesedefcilcaracterizao.Essasduasorigens emborahojenotadamenteseparadas,nospeloscentrosdasuniversidades, mas tambm nas prticas dirias j estiveram unidas e um exemplo disso, como RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 224 veremos,soasconcepeseconmicasdoseconomistasdasegunda escolstica.Apresentarei agora como Sen entende essasduas origensdaeconomia antesdeapresentarauniodasduasnafilosofiaescolstica,isto,a abordagemtico-economicanasmosdoscriadoresdacinciaeconmicade acordocomSchumpeter(1964),queemminhaopinio,veremosquerazo deapoiosafirmaesdeAmartyaSensobreanoseparaodaticae economia no momento da formao da cincia econmica. A origem tica embasada na questo socrtica e na poltica aristotlica SegundoSen,difcilcrerquepessoasreaispossamsertotalmente indiferentesquestoSocrtica:comodevemosviver?.Seaeconomia trabalha em propsito do comportamento humano real esse aspecto no pode serpostodelado.Porisso,aorigemticadaeconomiaremonta,segundoSem, nomnimoaAristteles,jqueparaogregoaeconomiaestaligadaaosfins humanos,umavezqueserelacionadiretamentecomoestudodariqueza.E ainda,umavezqueaeconomiasededicaaquestescoletivastambmum ramo da poltica. Isto porque segundo Sen, a economia, em ltima anlise, se relaciona ao estudo da tica e da poltica, e esse ponto de vista elaborado na Poltica de Aristteles (SEN, 1999, p. 19).Apolticatemdeusarasdemaiscincias,oqueincluiraeconomia. Porm a economia j que trata da riqueza no tem em Aristteles um fim em si mesma.Aeconomiaserveparaobemviver,poistratardasrelaesde distribuioentreosbensdocomrcioeporisso,afirmaAristtelesquea economiaestarsubordinadaapoltica:afinalidadedestacincia(poltica), incluinecessariamenteafinalidadedasoutrasentoessafinalidadedevesero bem do homem (ARISTTELES, 1999, p. 1094 b-2). Precisamos de dinheiro paracomprarcoisas.Odinheiroamedidadessascoisas.Precisamosde alimento,moradiaevesturio,porexemplo.Nopodemosnempensarem sermos felizes sem estas coisas bsicas. Sem o dinheiro no podemos compr-las, porm, o dinheiro sozinho sem as coisasaqual ele possasertrocado no RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 225 pode nos garantir nada, muito menos felicidade. Nesse sentido o dinheiro no um fim nele mesmo, pois seu objetivo est em poder nos oferecer atravs de seu uso outras coisas que beneficiaram a vida humana.Segundo Sen na origem tica da economia h duas coisas essncias que so deextremaimportncianoestudodaeconomia.Deumladotemoso problema da motivao humana, isto a questo tica: como devemos viver? edeoutrolado:arealizaosocial.Aprimeiraquestofazpartedo comportamento humano real, diz Sen, uma vez que as deliberaes ticas no podemsertotalmenteirrelevantes(SEN,1999,p.20).notvelqueas pessoashajamdeacordocomaquiloqueacreditamoupensamacreditar.O fatodeumapessoaquererfazeralgonoestsomenteligadoesferadas necessidadesbiolgicas.Podemosquerercomerporterfome,beberporter sede,mastambmporvezesqueremoscantar,escrever,pintarquadroseat mesmofalarsobreasatitudesdaspessoasquejulgamosseremcertasou erradaseissoenvolvenosomenteumcampoprtico,masabstrato, ideolgico que influi diretamente nas aes humanas.A segunda questo pertinente da origem tica da economia, Sen define comosendoaavaliaodarealizaopessoal(SEN,1999,p.20).Isso porque ainda se apoiando em Aristteles Sen dir que ter uma realizao social relacionadaticaumaspectodesumaimportncianaeconomiamoderna, principalmente quando se trata daeconomiado bem-estar4. Jque Aristteles atribui realizao pessoal como um ponto importante da tica no exerccio da poltica:emborasejadesejvelatingirafinalidadeapenasparaumnico homem,maisnobreemaisdivinoatingi-laparaumanaoouparaas cidades (ARISTTELES, 1999, p. 1094 b-2). 4Economiadobem-estar umramoda economia queusatcnicas microeconmicas para determinarsimultaneamentea eficinciaalocacional dentrodeumaeconomiaea distribuio de renda associada a ela atravs do timo de pareto que a situao em que os recursos de uma economiasoalocadosdetalmaneiraquenenhumareordenaodiferentepossamelhorara situao de qualquer pessoa (ou agente econmico) sem piorar a situao de qualquer outra. O conceitofoiintroduzidoporVilfredoPareto(1848-1923),eaEconomiadoBem-Estarem grandemedidaestudaascondiesnasquaisumtimodeParetopossaseralcanado (SANDRONI, 1999, p. 437). RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 226 DaafirmaoaristotlicaSenconcluiqueexistenaorigemticada economianoqueserelacionaticaeaconcepoticadepolticacertas tarefas irredutveis da economia (SEM, 1999, p. 20), uma vez que a economia procura lidar com o comportamento humano real e por isso, no pode deixar deladoaperguntasocrtica.Istoapontaqueocomportamentohumanoreal uma vez que indissocivel da tica precisa encontrar um lugar de importncia na economia moderna (SEN, 1999, p. 22). E de fato encontramos as questes ticaslevadasmaisasrioemgrandeseconomistasdamodernidadecomo Adam Smith, John Stuart Mill, Karl Marx ou FrancisEdgeworth (SEN, 1999, p.22). Agoraapresentareiasegundaorigemdaeconomia,segundoAmartya Sen.Umaorigemligadaestritamenteapreocupaesprticas,sobretudo matemticasquereduzasubjetividadehumanaaumobjeto.Reduzoser humanoaumanimaldefcilcaracterizao,edemotivaesfacilmente detectveis. A origem engenheira na estadstica SegundoSen,aabordagemengenheiradaeconomiaprovmdevrias direeseocuriosoquefoidesenvolvidadefato,poralgunsengenheiros como: Leon Walras5 que muito contribui para resolver problemas tcnicos nas relaeseconmicasespecialmentequelesligadosaofuncionamentodos mercados(Sen,1999,p.21).DeacordocomSen,forammuitosos fundadoresdestaorigemeconmica,entreelesseencontramtambmSir 5Economistafrancsnascidoem1834emortoem1910.FazpartedaEscoladeLausanne: escola de pensamento econmico marcada pelas suas obras, pois foi o primeiro catedrtico de economiadestainstituio.TevecomodiscpulooitalianoVilfredoPareto(1848-1923).A escola de Lausanne da qual fundador caracteriza-se tambm pela formulao da teoria do equilbriogeral,desenvolvidaporelemesmo,epelanfasenotratamentomatemticodos problemaseconmicos.WalraseParetoprocuraramdemonstrarcomotodososvalores econmicos determinem mutuamente, definindo uma interdependncia geral dos mercados de produtos e dos fatores (SANDRONI, 1999, p. 214). RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 227 WilliamPetty6(1632-1687)quefoiconsideradoopioneirodaeconomia numrica. Almdosprpriosengenheirosenquantofundadores,aorigem engenheira da economia tambm se relaciona aos estudos econmicos que desenvolvem a partir de anlises tcnicas da estadstica (SEN, 1999, p. 21). De acordocomSen,ofundadordaeconomiaengenheiraesegundoele,o primeiroaterumttuloremotamenteparecidocomodeeconomiafoio Arthasstra,deKautilya7.Olivrochama-se:instruesparaapropriedade material.Otratadosedetmaosestudosdeconhecimentosmaisprticos, relacionados cincia do governo e cincia da riqueza (SEN, 1999, p. 21), discutindoprincipalmenteumaporodeproblemasprticosreferentesa origemengenheiranosentidodeSen,entreeles:aconstruodealdeias, classificaodeterras,coletadereceita,manutenodecontas, regulamentaodetarifas;almdemanobrasdiplomticas,estratgias paraestadosvulnerveis,influnciasobrefacesdeumestadoinimigo, emprego de espies, controle de desfalques de altos funcionrios. 6Economistaingls,consideradooprecursordaescolaclssicaefundadordaestatstica econmica.Interessadonoestudodasfinanaspblicas,escreveuATreatiseofTaxesand Contributions (Tratado dos Impostos e Contribuies), 1662. A mesma preocupao em indicar asmelhoresformasdearrecadarimpostoseencaminharosgastospblicosconduziuPetty necessidadededispordedadosomaisamplospossvelsobreaatividadeeconmica.Assim, escreveu,em1672,PoliticalAnatomyofIreland(AnatomiaPolticadaIrlanda)ePolitical Arithmetick (Aritmtica Poltica), s publicada em 1691, com as quais, sobretudo esta ltima, foi o iniciador na Gr-Bretanha do estudo cientfico dos fatos econmicos, tratados matematicamente,natradiodoempirismoingls.Pettyconsiderouqueariqueza(osbens) derivadaconjugaodaterracomquantidadedetrabalhonecessriaparaproduziressa riqueza; enfatizou o papel da diviso do trabalho, representando uma ponte para as concepes de Adam Smith (SANDRONI, 1999, p. 458). 7 Tambm chamado de Chanakya ou Vishnugupta (nasceu 300 A.C), estadista e filsofo hindu, que escreveu um tratado clssico sobre poltica, Artha-shastra ("A Cincia do ganho material"), uma compilao de quase tudo o que havia sido escrito na ndia, at a seu tempo sobre artha (propriedade, economia, ou o sucesso material). Nasceu em uma famlia brmane e recebeu sua educaoemTaxila(agoranoPaquisto).Eleconhecidoportertidoumconhecimentode medicinaeastrologia,eacredita-sequeeleestavafamiliarizadocomelementosde aprendizagemgregaepersaintroduzidonandiaporzoroastrianos.Algumasautoridades acreditamqueeleeraumZoroastro,oupelomenosfoimuitoinfluenciadapelareligio. Kautilya se tornou conselheiro e assessor de Chandragupta (reinou de c. 321-c. 297), fundador doimprioMauryadonortedandia,masviviasozinho.Elefoifundamentalparaajudar ChandraguptaderrubarapoderosadinastiaNandaemPataliputra,naregiodeMagadha(Kautilya.In:EnciclopdiaBritnica.2012.Disponvelem. Acesso em 24 nov. 2012). RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 228 SegundoSen,nestaobraasmotivaeshumanassoemgrandeparte explicadasespecificadasdeformabemsimpleseabonomiaausenteassim como nas obras modernas, pois na anlise do livro, sobre os comportamentos humanos no encontramos consideraes ticas de sentido profundo. Nem a questoSocrticanemasaristotlicasaparecemnesseoutrodocumentoda antiguidade criado por um contemporneo de Aristteles (SEN, 1999, p. 22). O que essa origem da engenharia pode nos mostrar que a abordagem tica foi reduzida significativamente com o passar dos anos na economia moderna, no sperdendoespaoemrelaorelevnciadotema,mastambmem problemas prticos do estudo econmico, como no caso das metodologias: Ametodologiadachamadaeconomiapositivano apenasseesquivoudaanliseeconmicanormativacomo tambmteveoefeitodedeixardeladoumavariedadede consideraesticascomplexasqueafetamo comportamento humano real eque,do ponto devistados economistasqueestudamessecomportamento,so primordialmente fatos e no juzos normativos (SEN, 1999, p.23). Issoporqueaoexaminaraspublicaesmodernas,Sennotouaverso s anlisesnormativasprofundas e o abandonodas consideraesticas do comportamentohumano.Mesmoassim,paraSen,tantoaabordagemtica quanto a abordagem engenheira da economia possuem sua fora de persuaso dada natureza da economia. Sen, afirma ainda que as duas concepes ticas daorigemticadaeconomia:concepodemotivaoerealizao pessoal,ambasdeveriamencontrarumlugardedestaquenaeconomia moderna, mesmo no negando que a abordagem da engenharia tem muitssimo aoferecereconomia.IstoaconteceporquesegundoSen,nenhumadas origens da engenharia pura, um exemplo o caso de Aristteles e de Adam Smithqueseocuparammuitasvezesdasabordagensdeengenharia,porm, dentro das preocupaes ticas a quais estavam trabalhando seu raciocnio.PartoparaalgumasconclusesdeSen,sobreopontofracoeas contribuiesdasduasabordagensantesdeadentraraexplanaodas concepesescolsticassobreeconomiaquefortalecemaopiniodeSen, RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 229 sobreodistanciamentoatualdaticaeeconomia.Tendoemvistaquelno seu tero (escolstica) essas duas concepes estavam irredutivelmente juntas.Avanos e tendo de Aquiles AsconcepessobreasduasorigensdaeconomiasegundoAmartya Sen tem muito a contribuir para a economia. Embora a afirmao de Sen sobre anaturezadaeconomiamodernasersubstancialmenteempobrecidapelo distanciamento crescente entre economia e tica (SEN, 1999, p. 23).Sobre os avanos Sen reconhece que a abordagem engenheira avanou ferozmente as pesquisas tericas econmicas, pois conseguiu realizar a soluo deinmerosproblemastcnicosetericos.Etaisrealizaessforam possveisgraasaodescasocomatica.UmexemplodadoporSen,nesse sentido o caso da teoria do equilbrio geral que trabalha com a produo e trocanasrelaesdemercadosupondoumaanlisedetodasasvariveis relevantes para o problema em estudo por exemplo, produo e preos de todosossetoresindustriais(SANDRONI,1999,p.209).Talteoria,segundo Sen: [...]Trouxeluz,nitidamente,inter-relaesimportantes quedemandamanlisealtamentetcnica.Emboraessas teoriasfrequentementesejamabstratas,nosnosentido de caracterizarem as instituies sociais de maneira bastante simples,mastambmdeconceberossereshumanosem termosmuitorestritos,elasindubitavelmentefacilitaramo entendimento da natureza da interdependncia social (SEN, 1999, p. 24). Efoiexatamenteessainterdependnciaqueformouumdosaspectos mais sofisticados da economia em geral. Um exemplo dado por Sen, a critrio de esclarecimento sobre esse ponto a anlise causal de problemas reais como odafomeindividualecoletivanomundo.Comopodeafomecoletivaser causadamesmocomaabundnciacrescenteeadisponibilidadedealimentos quetemoshoje?SelevarmosemcontadizSen,ospadresde interdependnciaqueateoriadoequilbrioenfocou,veremosqueasfomes coletivasnotmmuitasrelaescomaofertadealimentosesim, antecedentes causais em outros pontos da economia (SEN, 1999, p. 24). RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 230 Assim sendo, Sen no afirma que a abordagem no-tica da origem da economiatrazidapelaabordagemdeengenhariatemdeserestril,oqueo autorquerfrisarqueaeconomia,comoelanasceu,atravsdesuasduas origens,asconcepeseconmicaspoderotornar-seinquestionavelmente muitomaisprodutivas.Selevarmosemcontasconsideraesticasque moldam o comportamento e o juzo humano. Sen no quer descartar o que foi feito,massim,exigirmais(SEN,1999,p.25).Poroutrolado,comoa relaoentreticaeeconomiaindissocivel,Sendirqueexisteumaperda considervelparaoramoticoumavezqueaticapoderiasebeneficiardos mtodosdeengenhariadaeconomiaparaavanarsuaspesquisas,poisa ticapodeganharcomraciocniosdotipocomumenteusadoemeconomia (SEN, 1999, p. 26). Ataquipossvelverqueaeconomiamodernateveduasorigens:a ticaeaengenheiraequeoafastamentodasduasproduziuumcarter no-ticonaeconomia.Essecarterseconstitui,poisaspesquisasnaorigem engenheira no apenas ganharam mais enfoque e sim, acabaram por excluir o carterticodasquestesdocomportamentohumanoreal.Umavezquea subjetividade humana foi reduzida a nmero, s questes ticas deixaram de ter nosimportncia,mastambmumlugardentrodaeconomiamoderna.O justopassaraseraquiloquemedido,eamedidaalei.Ocertoser entendidocomolegal.Alegalidademoralizarasatitudese,portanto,a economia,enquantocinciaexata,isto,dosnmeros,damatemtica,no precisar se preocupar com questes ticas. Agora veremos como os pais da economiacientfica,osdoutoresescolsticos,quenadamaiseramdoque professoresdecolgioouuniversidades(SCHUMPETER,1964,p.111) lidavam com as questes econmicas sem se distanciar da tica. A economia-tica e a tica-econmica no pensamento escolstico Um dos maiores economistas do sculo XX, Schumpeter, em sua obra, Histria da anlise econmica (1954) deixou claro o valor dos estudos econmicos RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 231 escolsticosquandodissequefoiexatamenteaintegraodosistemade teologia moral e direito destes autores que deu existncia definida a economia.Dentre os demais grupos, foram eles, os que mais se aproximaram de teremsidoosfundadoresdaeconomiacientfica(SCHUMPETER,1964,p. 128). E se a modernidade, sobre tudo em economia, se afastou da tica. Isso se deve porque a cincia escolstica da idade mdica continha em si o embrio da cincia laica do renascimento que se desenvolveu lentamente, mas firmemente na escolstica. Isso porque a sociedade feudal, continha todos os germes da sociedade capitalista. De modo que os laicos dos sculos dezesseis e dezessete tiveramfacilitadasuamissodesuperaraobraescolstica(SCHUMPETER, 1964, p. 113). Destacada a importncia dos autores escolsticos para economia. Agora irei mostrar que a tica e a economia no estavam dissociadas na escolstica a partir da sua teoria de valor subjetivo. Acredito que a apresentao de algumas concepeseconmicasescolsticascomo:ojustopreoeusurasero suficientes para demonstrar que Amartya Sen, est certo quando diz que houve um afastamento na economia moderna em relao tica produzindo o carter no-ticodaeconomiamoderna.Comoveremososescolsticos,fundadores daeconomiacientficanodistanciavameconomiaeticaporqueovalordas coisas no deriva apenas de fatores objetivos, como o custo da produo e o trabalhonelaempregada,masdaavaliaosubjetivadosindivduos (WOODS,2008,p.148).Assim,entremuitasdasconcepesinovadoras sobre economia produzidas durante o perodo escolstico. Duas delas: usura e justo preo. Podemcontribuir como razespara apoiaraopinio de Amartya Sen. Ojustopreoumconceitomuitodebatidonaescolsticamedievale estligadoprincipalmenteaSoTomsdeAquino.Nadamaisqueum critriomoraldovalordeumamercadoria,isto,ojustopreoo consideradomoralmentecorretoparaacompraevendadeumamercadoria (SANDRONI, 1999, p. 318). De acordo com a concepo de justo preo, que umaconceposubjetiva,omercadonoolocalondeospreosse RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 232 concretizam. De acordo comeste conceito, o mercado no seriao localonde os preos se formariam como comunmente hoje entendemos.OfradefranciscanoPedrodeJooOlivi(1248-1298)foioprimeiroa proporessateoria.Diziaqueojustopreodeumamercadoriaresultavada avaliao subjetiva que as pessoasfizessem sobre essa mercadoria, na medida, queelafossetiledesejvelparaaspessoas.Ojustopreosurgiaentre compradoresevendedoresnomercado,manifestadapeloprprioatode comprarouabster-sedecomprardeterminadamercadoriapordeterminado preo (WOODS, 2008, p. 150).OjustopreoparaOlivieracalculadodeumatrplicemaneira. Primeiro de acordo com as nossas necessidades: um bom po de trigo mais tilsnossasnecessidadesdoqueopodecevada,eumcavalofortemais til para a trao ou para a guerra que um asno ou um cavalo trpego (OLIVI, 2004, p. 574). Em segundo lugar, as coisas eram calculadas por sua raridade ou ainda,peladificuldadedeseremencontradas.Assim,omesmocereal,em tempodecarestia,defomeoudepenriavalemaisdoquenotempode abundnciaemgeral(OLIVI,2004,p.575).importantenotarumoutro exemplo de Olivi sobre o balsamo, que um objeto mais estimado por ns do queaterra,oareagua,emboraessesltimossejamindispensveisparaa nossasobrevivncia,oprimeiro,obalsamoqueadquiremaiorvalorde acordocomasuaoferta.Oterceirofatorquetornaojustopreodeuma mercadoria a vontade:Sobesteprisma,umcavalo,umornamentoouum brinquedo agrada mais a um individuo do que a outro e, em vistadissoumapreciamuitoeconsiderapreciosaparasi uma coisa que o outro toma como vil e vice-versa (OLIVI, 2004, p. 575). O valor das coisas para Olivi nunca poder ser feito pelas pessoas a no ser como uma probabilidade ou conjectura, pois no h como determinar o valor de algo de forma exata. Para o Olivi, o justo preo relativo, uma vez queestaavaliaodependedosjuzosdoshomensquesomuitodiferentes entre si. Por isso, Olivi dir que as coisas no podem ser vendidas por mais do quevalem,nemcompradaspormenos,poisovalorestarelacionadoaouso RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 233 que das coisas fazemos e da estima que delas temos, uma vez que o juzo esse quedeterminaovalordacoisadentrodoslimitesdeumacertaamplido (OLIVI, 2004, p. 575) possvel determinarmos apenas um valor provvel.preciso notarqueOlivi, entende economiae ticacomo sendodois ladosdeumamesmamoedanomesmosentidodeAmartyaSen.Porqueo autorsepergunta:ascoisaspodemservendidaspormaisdoquevaleme seremcompradaspormenosdoquevalem?(OLIVI,2004,p.573).Essa pergunta fundamentalmente econmica, mas tambm tica, pois dependendo darespostaque for dada aelaou tornar vivel o comrcio, ou no. Eainda, humcritriodejustialigadoaovalordascoisas,atravsdecartertico profundodestaanliseeconmicaoliviana,quediferedoafastamento apontando por Sen, entre tica e economia na modernidade, isto , para os pais daeconomiacientficanoexistiaumadiscussoeconmicaqueno pressuponha antes um debate tico. Uma vez que critrio de avaliao do preo justo racional e designa como justa a compra e a venda de acordo com a avaliao de utilidade e estima, quesoaomesmotempo,umcarterobjetivoesubjetivodoindivduoque compraouvendeoproduto,ojustopreocarregaconsigoumcartertico enraizado na teoria. Na medida em que um rato, dir Olivi, vale mais do que o po,poisumservivo,temalmaesensao,acaba,nomercado,valendo nada,oumuitomenosdoqueopo,queserveparaalimentao.Olivino abandonaoscritriosmoraisdeavaliao,ouseja,opoumamercadoria mais valiosa porque tem mais estima e utilidade para o homem do que um rato quegeraaversoenoserveparaalimentaocomumemboraseja naturalmente muito mais importante.Opreojusto,portanto,consistianumaconcepodequedeveria haverumacomponenteprincipaldecartermoralnospreospagospelos diversosprodutos,enoumafixaoaserdeterminadapelasforasde mercado,oquepoderiasignificarenormesabusosemaioreslucrosparaos comerciantes (SANDRONI, 1999, p. 489). Outro autor que corroborou com esta concepo de fixao de preo que deve carregar um componente moral e RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 234 tico o cardeal jesuta Juan de Lugo (1583-1660) que elaborou uma teoria do preo justo com seus prprios argumentos: Ospreosnovariamcomaperfeiointrnsecae superficialdosartigos.Umavezqueosratossomais perfeitosqueomilhoemesmoassim,valemmenos,mas em funo de sua utilidade para as necessidades humanas e por conseguinte, em funo do apreo que se tem por eles; emumacasaasjoiassomenosteisdoqueomilho,e mesmo assim seu preo muito mais alto. E devemos levar emcontanoapenasaapreciaodoshomensprudentes, mastambmdosimprudentes,casoelessejam suficientemente numerosos em um lugar, por isso, que na Etipiaasnossasbijuteriassotrocadasequitativamente porouro,porquesocomumentemaisestimadasali (WOODS,2004,p.152apud:citadoemAlejandroA. Chafuen em Faith and Liberty, pg 84-85). LusdeMolina,outrocardealjesutatambmafirmouojustopreo como sendo uma teoria de valor subjetiva: Ojustopreodeumamercadorianofixadodeacordo comautilidadequeohomemvnelascomose,caeteris paribus, a natureza e a necessidade de us-las determinassem aquantiadopreo[...].Dependedecomocadahomem apreciaumamercadoria.Issoexplicaporqueopreode umaprola,quespodeserusadacomoadorno,mais alto que o justo preo de uma grande quantidade de gros, vinho,carne,pooucavalos,emboraautilidadedestas coisas(quetambmsodenaturezamaisnobre)sejamais prtica e superior a utilidade de uma prola. por isso, que podemosconcluirqueojustopreodeumaprola dependedovalorqueoshomenslheconfiramcomo enfeite(WOODS,2004,p.152apud:citadoemAlejandro A. Chafuen em Faith and Liberty, pg 84). visvelqueojustopreoumapreocupaoconstantedosestudos econmicosescolsticosequenosedistnciadatica,poisprocuraum cartermoralquefundamenteospreospagosporumproduto.Molina censuravaafixaodopreoesuaaprovaodelucrosoriginadosdosaltos preosdeconcorrnciaempocadeescassezso,semdvida,julgamentos ticos(SCHUMPETER,1964,p.129).Issoporqueosescolsticos destacaramojustopreocomoqualquerpreodeconcorrnciaeporisso, semprequeessepreodeconcorrnciaexistisseerajustopag-loeaceit-lo. Assimnoimportaasconsequnciasqueessepreodeconcorrnciagerasse RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 235 nosgruposdocomrcio,poisseoscomerciantesganhavamacoisase mantinhabem,docontrrioseriaobradamsorteouumcastigopela incompetncia (SCHUMPETER, 1964, p. 129). Agoraveremos,um poucosobreumaquestoeconmicanomenos debatidapelosdoutoresescolsticosquetambmestaimersanatica:o fenmenodausura.SegundoLeGoff(1989),ausuraumfenmeno explosivo que fornece uma mistura de economia e religio. Uma polmica que podeserconsideradadecertomodocomoopartodocapitalismo(LE GOFF,1989,p.9).Ausuraumdosgrandesproblemasdebatidospelos economistas escolsticos. Como a religio que ope tradicionalmente Deus e dinheiro, poderia justificar a riqueza, sobre tudo a riqueza mal adquirida? (LE GOFF,1989,p.10).Issoporqueemprimeirolugar,osescolsticosprimeiro impunham preceitos morais que em princpio eram imutveis e somente depois calcavamasuateoriaquetinhabasenocomportamentodosindivduos (SCHUMPETER, 1964, p. 132). Masento,afinaloqueusura?SegundoLeGoff(1989),um monstro de vrias cabeas, pois designa uma diversidade de prticas, por isso, necessria uma distino antes de qualquer coisa entre usura e juro. A usura nadamais do que acobrana de taxasde jurosexorbitantes, muito superior s taxas mximas permitidas por lei ou admitidas como viveis, issoporqueaprticadausuraconfiguracrimecontraaeconomiapopular, punvelporlei.MasnaIdadeMdia,queopontoquenostoca,qualquer cobranadejuroseraconsideradausuraecondenadapelaIgrejaCatlica, segundo os valores que garantiam o ordenamento medieval. Por isso:[...] Os negcios do comrcio e da usura ficavam relegados aosno-cristos,particularmenteaosjudeus.Estesno tinhamdireitopropriedadeterritorial,basedaestrutura social feudal. Com o desenvolvimento comercial ocorrido a partirdosculoXI,acondenaodausuratornou-se incompatvelcomasformasdevidaedaaodos mercadoresehabitantesdascidades.Acrticausurafoi significativamentecondenadapeloslderesdaReforma sobretudoCalvino,queproclamaramalegitimidadee respeitabilidadedacobranadejuros(SANDRONI,1999, p. 624). RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 236 O juro uma remunerao que aquele que tomou um emprstimo deve pagaraquelequeoemprestouodinheiro.Ojuropodesercompostoou simples.Quandocalculadosobreomontantedocapital,chamadode simples. Para o clculo do juro composto, o juro vencido e no pago somado ao capitalemprestado,formandoummontantesobreoqualcalculadoojuro seguinte (SANDRONI, 1999, p. 316). Assim,paraMolinaeosdoutoresescolsticosausuranoapenas uma cobrana de taxas exorbitantes, mas antes disso, um conjunto de prticas financeiras proibidas. Entre elas a cobrana de juros por algum que emprestou emumaoperaoquenodevesepagarjuros(LEGOFF,1989,p.18)Mas quetipodeoperaodevesepagarjuros,isto,porquesedevecobrarou pagarjuros?Sepudermoscobrarjuros,entoodinheiropodefazermais dinheiro. Mas o dinheiro pode trabalhar sozinho? Essas eram questes que os escolsticossecolocavamequecarregavamconsigoumaporodequestes ticasque podem nosmostrarcomo AmartyaSen, tem razo quando diz que asduasorigensdaeconomiaseafastaramaolongodaevoluodaeconomia moderna, e que a tica faz falta a economia e vice-versa.Ora,odinheironopodiagerarlucroemsimesmo,porqueamoeda no era produtiva, ou um fator de produo. A moeda para os escolsticos era apenas um instrumento do comerciante. Isso porque o juro um elemento que no pode ser separado do dinheiro. Se h juro, h dinheiro envolvido. Quando caracterizamosopreorelativoaousodamoeda,noexplicamoscoisa algumaequandomuitotornamosaexporoproblemademodoobscuro (SCHUMPETER, 1964, p. 135).Para ser mais claro, o problema do juro, ou ainda, da usura, que uma vez que a moeda no produtiva, pois dinheiro no trabalha por si s e nem ummeiodeproduo,poissuafunoapenasparaadquirirmercadorias voc, ao cobrar juros, esta vendendo aquilo que no existe. Na medida em que voccobrajurosdeumemprstimoquevocfezaalgum,vocestaria cobrando algo que no seu, isto , voc estaria roubando. Assim o juro no apenas um problema econmico e sim, um problema moral. Por isso, a usura o excedente ilcito, o excesso ilegtimo (LE GOFF, 1989, p. 26). A usura RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 237 emprimeirolugarimoralporqueumroubo.Aquestoticaextremamente importantequeausuraumpecadocontraajustia,porissoTomsde Aquino diz: pecadoreceberdinheirocomorecompensapelo dinheiroemprestado,receberumausura?Resposta: Receberumausurapelodinheiroemprestadoemsi injusto: pois se vende o que no existe, instaurando com isso umadesigualdadecontrriajustia(apud:LEGOFF, 1989, p. 27). O carter tico da economia escolstica fica claro quando abordamos o problema da usura, uma vez que a usura um pecado contra o preo justo um pecado contra a natureza (LE GOFF, 1989, p. 28). O dinheiro no d frutos ele infecundo, e o que acontece quando se empresta dinheiro e se cobra juro depois que se est pedindo dinheiro sobre dinheiro. E a moeda como afirma TomsdeAquino,foiinventadaparatrocas;assim,seuusoprprioe primeiro o de ser consumido, gasto nastrocas (LE GOFF, 1989, p. 29). E porissoinjustoreceberdinheiroporumemprstimoenissoquese constitui a usura.Assim,paraosescolsticosojurodeveserjustificadonocom argumentosaocontratodeemprstimo,massim,deve-seavaliarcadacaso. Deveriamsercolocadosemanlisetodososcasosqueenvolvessem emprstimo de dinheiro, pois nada podia ser aprovado sem prvia investigao, umavezqueosprprioscomerciantesqueempregavamodinheiroparaos objetivosdonegcio,avaliandoestedinheirocomrefernciaaoslucros esperadosconsideravamjustificadodebitarjuros(SCHUMPETER,1964,p. 134). Alm disso, uma vez que exista um mercado monetrio, qualquer pessoa poderiaemprestardinheiroajurosdeacordocomessemecanismode mercado.Olucrodeveseconfundirsomentecomaperda.Ajustificativade quem empresta para os escolsticos tardios (Sc XV e XVI) no est embasada na vantagem, mas sim, na desvantagem, isto , na perda daquele que empresta. baseadaexclusivamentenasdesvantagensqueemprestartrazaquem empresta (SCHUMPETER, 1964, p. 134). RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 238 O carter tico da afirmao de Schumpeter sobre a cobrana de juros pertinente, j que para os escolsticos a economia no estava distanciada da tica,emais,aeconomiaerainclusiveregradapelatica,umavezquea economianotinhaumfimemsimesmo,assimcomoodinheiro,como pensou Aristteles. A economia e o dinheiro so ferramentas que nos auxiliam no bem viver, e no um bem em si mesmo. O dinheiro foi feito para a troca, e a economia para regular estas trocas, controlar a riqueza e aquilo que se pode e nosepodefazer,tendoemvistaaperguntaSocrtica:comodevemos viver?. Os aspectos econmicos de justo preo e usura, debatidos pelos doutores escolsticos parecem confirmar as afirmaes de Sen, sobre a origem conjunta daeconomiaquepressupeentreticaeengenhariaquepressupeuma avaliao moral.ConclusoCreio que as questeseconmicasescolsticas deusura ejusto preo que foramexplanadasnesteensaiosoboasrazesparaconcordarmoscomas afirmaesdeAmartyaSen,quandoestedefendequeodistanciamentodas duasorigensdaEconomiaempobreceuacinciaeconmicanamodernidade. Oquecontribuiuparaumcarterno-ticodestacincia,mesmoa Economiasendoumestudoenraizadoeparidodentrodasdiscussesda filosofia moral. Peloapresentadopodemosverquesoduasasrazesprincipaispara se concordar com Sen. Primeiro Sen afirma que a economia tem duas origens: a origem tica da economia embasada principalmente na questo socrtica, e na tica e na poltica de Aristteles; enquanto a segunda, a origemengenheira da economia, tem suas fontes primeiras na obra Arthasstra do indiano Kautilya, contemporneodeAristtelesenasrealizaestericasdeeconomistas engenheiros da modernidade, como o caso do economista francs o sculo XIX Leon Walras. Estas afirmaes carregam uma verdade clara, j que vemos asduasorigensjuntasnasdiscusseseconmicassobrejustopreoeusura RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 239 debatidaspelosescolsticos,queso,deacordocomSchumpeter,ospaisda economia cientfica.Segundo,asquesteseconmicasdebatidasnaescolsticasoticase ao mesmo tempo econmicas no sentido de Sen. As questes econmicas no estodissociadasdafilosofiamoral.Umavezqueocritrioprincipalparao justo preo exige uma base moral que seja aceita racionalmente independente das condiesimpostaspelomercado.Ascondiesimpostaspelomercadoso analisadascomopensaaorigemengenheiradaeconomiaquelevaasaes humanascomofacilmenteaveriguveis.Masantes,precisoencontrarum critriodejustiaracionalquefundamenteopreoquedeveserpagopor determinada coisa. Tal valor subjetivo e aqui o comportamento humano real setornamaiscomplexodeacordocomosescolsticos.Porqueestevalor indissociveldavontadedecadaindivduocomobemnosmostraas concepes econmicas de justo preo de Luis de Molina e Pedro Olivi, mesmo o segundo entendendo que o justo preo est tambm ligado ao fator de utilidade quecadaindivduodaoproduto,aindaassim,omaiorpesoest inevitavelmente para Olivi ligado subjetividade individual do comprador. Outrofatornomenosimportanteparaconcordarmoscomas afirmaes de Sen sobre o distanciamento das duas origens da tica o fato da existncia de uma questo econmica grandemente debatida na escolstica a usura. A existncia deste debate comprova que as duas origens econmicas no estavam dissociadas durante a criao da economia cientfica.Se hoje no nos perguntamos mais sobre o que o dinheiro, ou qual sua funo e to pouco se odinheirotemapenasumvalorsintticoousemnticonaIdadeMdiaas coisas no eram assim to fceis.Quandonosperguntamosqualopapel dodinheiro,inevitavelmente temos de responder se o dinheiro pode gerar por si mesmo mais dinheiro. Para osescolsticos,atravsdasconcepestomistas,issoimpossveljqueo papel principal do dinheiro a facilitao da troca de mercadorias diferentes. O dinheiro no pode gerar mais dinheiro por si mesmo, porque ele no um fim, e sim um meio para obter outras coisas que no ele mesmo. RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 240 A anlise sobre a funo do dinheiro tem um pressuposto moral e por isso, no se desliga da tica. No justo cobrar mais dinheiro por parte daquele queemprestaaquelequepegouemprestado,porqueodinheironopode trabalharsozinhoegerarmaisdinheiro.Issoseriaomesmoquevenderalgo que no se tem, seria um roubo, portanto, um ato injusto. A escolstica tardia, envolvidacomquesteseconmicasmaisefervescentesdevidoaoseu momento histrico mais avanado afrouxou um pouco a interdio moral dos juros.Umavezqueapossibilidadedeemprstimodedinheiroseligavaa desvantagem daquele que emprestae no avantagem deste. O que quer dizer quenoerajustoparaaquelequeemprestadinheiroaquelequeest necessitadosaiaperdendonofimdascontas.Eaescolsticaestava preocupada, como vimos com o justo preo, isto : o que faz com que se possa vender por mais do que vale ou comprar por menos do que vale um produto? Dependendo da resposta que dada a essa pergunta no apenas se garantir a existnciaounodomercadocapitalista,mastambmdequeatosinjustos, isto , antiticos se difundam em maior ou menor proporo. Referncias Bibliogrficas ARISTTELES. tica a Nicmacos. Braslia: UNB, 1999._____________. A poltica. So Paulo: Martins Fontes, 1991. KAUTILYA.EnciclopdiaBritnica.2012.Disponvelem.Acessoem 24 nov. 2012 LEGOFF,Jacques.Abolsaeavida:ausuranaidademdia.SoPaulo: Brasiliense, 1989. OLIVI,PedrodeJoo.Tratadosobreascomprasevendas.Veritas.Porto Alegre, v. 49, n.3, p. 573-589, 2004. SANDRONI,Paulo.Novssimodicionriodeeconomia.SoPaulo:Best Seller, 1999. SCHUMPETER,ElizabethBoody.Histriadaanliseeconmica.So Paulo: Fundo de Cultura, 1964. RODRIGUES, Mrcio Francisco. Sobre economia e tica [...] Revista Opinio Filosfica, Porto Alegre, v. 04 ; n. 02, 2013 241 SEN,Amartya.Sobreticaeeconomia.SoPaulo:CompanhiadasLetras, 1999.WOODS,ThomasE.ComoaIgrejaCatlicaconstruiuacivilizao ocidental. So Paulo: Quadrante, 2008.