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ELLEN PINHEIRO TENRIO DE ALBUQUERQUE
SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES
PSIQUITRICOS:
ESTUDO DE DIFERENTES TIPOS DE CUIDADORES
So Joo del-Rei
PPGPSI-UFSJ
2010
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ELLEN PINHEIRO TENRIO DE ALBUQUERQUE
SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES
PSIQUITRICOS:
ESTUDO DE DIFERENTES TIPOS DE CUIDADORES
So Joo del-Rei
PPGPSI-UFSJ
2010
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal
de So Joo del-Rei como requisito parcial para a
obteno do ttulo de Mestre em Psicologia.
rea de pesquisa: Psicologia
Linha de Pesquisa: Sade Mental
Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Cintra
Co-orientadora: Profa. Dra. Marina Bandeira, Ph.D
3
minha querida av Aparecida,
por me ensinar que o amor pela
famlia a nica coisa realmente capaz
de superar qualquer adversidade.
Muita saudade!
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AGRADECIMENTOS
Senhor, ensina-me o teu caminho verdadeiro, e eu andarei por ele; ajuda-me a Te amar e obedecer com todas as foras do meu ser! Eu Te darei graas de todo o corao. Darei glria ao teu nome durante toda a minha vida porque o teu amor fiel por mim muito grande! (Salmo 86:11-13)
Agradeo a Deus por se mostrar to presente na minha vida e colocar pessoas to
maravilhosas no meu caminho, sem as quais nada disso seria possvel e nem teria o mesmo
valor.
Aos meus pais e irmos, me faltam palavras para agradecer tanto apoio, carinho e amor.
Sem vocs, com certeza, eu no estaria aqui. Obrigada por me sustentarem em todos os
momentos da minha vida. Vocs me do coragem para seguir em frente e enfrentar cada
novo desafio, por saber que sempre estaro ao meu lado.
professora Ana por depositar em mim sua confiana, aceitando se desviar do seu
caminho para me orientar no meu. Espero, sinceramente, que eu tenha sido digna desta
confiana. Obrigada pelo apoio e incentivo constante.
professora Marina por todos esses anos de orientao. Certamente, devo a ela grande
parte do conhecimento acadmico que venho adquirindo. Contudo, quero agradecer
especialmente, as suas lies dirias de responsabilidade, prontido e dedicao ao
trabalho. Muito obrigada!
Aos demais professores, que de alguma forma contriburam para que eu chegasse at aqui.
Aos colegas, estagirios e funcionrios que, mesmo indiretamente, colaboraram para o
desenvolvimento deste projeto. Cynthia pela prestatividade e ajuda inestimvel.
Aos familiares dos usurios do CAPS pelas lies de fora e superao. Espero que este
trabalho retrate com fidelidade suas dificuldades e contribua para o desenvolvimento de
programas que atendam suas necessidades.
Aos Servios de Sade Mental da cidade de Lavras e So Joo Del-Rei pela acolhida.
s amigas e companheiras do LAPSAM: Ceclia e Luciana, com quem dividi cada um
dos momentos dessa trajetria. J no trabalharemos mais juntas, mas, com certeza,
construmos uma amizade slida, que no terminar com o fim de mais essa etapa.
As colegas de repblica e grandes amigas: Mirelle, Priscila e Valria, que me
acompanharam desde o inicio. Nunca me esquecerei do apoio que me deram para
conseguir entrar e concluir o mestrado. Obrigada pela ajuda, pela amizade e por todos os
momentos de alegria compartilhados.
Aos demais amigos, pelos momentos de descanso e descontrao.
todos vocs dedico essa conquista com a minha mais profunda gratido!
Obrigada!
5
RESUMO
Com o processo de desinstitucionalizao psiquitrica, as famlias passaram as ser as
principais provedoras de cuidados aos pacientes. Essa mudana marcou uma alterao na
forma como a famlia vinha participando do cuidado ao doente mental, mas as dificuldades
enfrentadas no desempenho do papel de cuidador tm contribudo para um sentimento de
sobrecarga desses familiares. Vrios estudos investigaram os fatores associados
sobrecarga. Entretanto, algumas variveis ainda foram pouco estudadas, em particular a
influncia do parentesco do cuidador na sobrecarga sentida. Com o objetivo de suprir esta
lacuna, a presente pesquisa investigou e comparou a sobrecarga objetiva e subjetiva sentida
por trs diferentes tipos de cuidadores, sendo 30 pais, 30 irmos e 30 cnjuges de pacientes
psiquitricos. Esses familiares participaram de uma entrevista estruturada, na qual foi
aplicada a escala de Avaliao da Sobrecarga dos Familiares de Pacientes Psiquitricos
(FBIS-BR). Nos trs grupos, as atividades desempenhadas com maior frequncia pelos
familiares foram aquelas relacionadas s tarefas cotidianas de assistncia ao paciente e as
que geraram maior grau de incmodo foram as de superviso dos comportamentos
problemticos desses pacientes. Os resultados indicaram que os grupos no apresentavam
diferenas significativas nos escores globais de sobrecarga objetiva e subjetiva e nos
escores das subescalas. No entanto, a anlise de cada um dos itens da escala,
separadamente, apontou que os pais faziam mais frequentemente as tarefas de cozinhar e
aconselhar o paciente a ocupar seu tempo livre,comparativamente aos irmos. Alm disso,
o incmodo de ter que fazer compras e a impresso do peso resultantes dos gastos com o
paciente tambm eram maiores nos pais do que nos irmos. Comparativamente aos
cnjuges, os pais lidavam mais frequentemente com os comportamentos agressivos do
paciente, tinham maiores gastos com eles e ainda eram mais preocupados com o seu futuro.
J os cnjuges apresentaram maior sobrecarga do que os irmos somente na comparao
com a impresso dos gastos que tinham com o paciente. Portanto, constatou-se a existncia
de algumas diferenas entre os cuidadores com relao sobrecarga sentida, sugerindo a
necessidade de planejamento de intervenes que levem em considerao as
particularidades de cada tipo de cuidador. A escassez de estudos que comparem a
sobrecarga em diferentes grupos de cuidadores limitou a discusso dos resultados
encontrados. Torna-se, portanto, necessrio ampliar as pesquisas sobre essa temtica.
Palavras-chave: desinstitucionalizao, sobrecarga familiar, parentesco, FBIS-BR.
6
ABSTRACT
Due to psychiatric deinstitutionalization process, families have become the main caregivers
for their patients. This change has meant a shift in the way families participate in providing
care for mentally ill persons, but challenges found while performing the role of caregivers
have contributed to a feeling of burden from their part. Several international studies
investigated the factors associated with family burden. However, some variables are still
poorly studied, such as the influence of caregiver's relatives in the feeling of burden,
particularly. With the aim of filling this gap, the present research investigated and
compared both objective and subjective burden felt by three different kinds of caregivers,
being 30 parents, 30 siblings e 30 spouses of psychiatric patients. These members
participated in structured interview sessions in which the Family Burden Interview
Schedule (FBIS) was applied. The most frequent activities played by the three groups were
those related to patient assistance in everyday tasks, and supervising patients' troublesome
behaviors appeared as the worst source of discomfort for caregivers. Results also show that
groups had no significant differences in neither global scores for objective and subjective
burden or sub-scale scores. Nevertheless, the analysis of each one of the scale items
separately demonstrated that the parents cooked and advised the patient to occupy his/her
free time more often than the siblings. Additionally, the discomfort from having to go
shopping and the impression caused by the weight of expenses were bigger for parents than
for siblings. Comparitively to spouses, parents dealt more frequently with patients'
aggressive behaviors, had more expenses with them, and were also more worried about
their future. Spouses showed more burden than siblings only when the impression caused
by the expenses they had with the patient was compared. Therefore, this research found
some differences among caregivers as for the feeling of burden, suggesting a need for an
intervention planning that considers peculiarities of every kind of caregiver. The lack of
studies comparing burden among different groups of caregivers posed a limit for
discussing results found. It is therefore necessary to increase research activity on this topic.
Keywords: desinstitucionalization, family burden, kinship, FBIS-BR.
7
SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................................9
REVISO BIBLIOGRFICA .................................................................................................. 12
O processo de desinstitucionalizao psiquitrica .................................................................... 12 A instituio psiquitrica no Brasil ........................................................................................... 22
A experincia das famlias junto aos servios de sade mental .................................................. 26
Conceituao da sobrecarga familiar ........................................................................................ 31 Pesquisas sobre sobrecarga ....................................................................................................... 33
A influncia do tipo de parentesco na sobrecarga familiar ......................................................... 37
OBJETIVOS .............................................................................................................................. 43 Objetivo geral .......................................................................................................................... 43
Objetivos especficos ............................................................................................................... 43
MTODO ................................................................................................................................... 44
Delineamento de pesquisa ........................................................................................................ 44 Local do estudo ........................................................................................................................ 44
Populao- Alvo e Amostra ...................................................................................................... 45
Descrio dos instrumentos de medida ..................................................................................... 46 Escala de avaliao da sobrecarga familiar (FBIS-BR) ......................................................... 46
Questionrio scio-demogrfico ........................................................................................... 48
Procedimento ........................................................................................................................... 49
Treinamento dos entrevistadores: ......................................................................................... 49 Coleta dos dados: ................................................................................................................. 49
Anlise de dados: ................................................................................................................. 49
Consideraes ticas ................................................................................................................ 50 RESULTADOS .......................................................................................................................... 52
1.Descrio da amostra dos familiares ...................................................................................... 52
1.1. Caractersticas scio-demogrficas dos familiares .......................................................... 52 1.2. Condies de vida dos familiares ................................................................................... 54
2. Descrio da amostra de pacientes ........................................................................................ 56
2.1. Caractersticas scio-demogrficas e condies de vida dos pacientes ............................ 56
2.2. Quadro clnico dos pacientes ......................................................................................... 58 3. Anlise da sobrecarga familiar .............................................................................................. 61
3.1. Anlise intragrupo da sobrecarga familiar ...................................................................... 62
3.2. Analise intergrupo da sobrecarga familiar ..................................................................... 64 DISCUSSO .............................................................................................................................. 78
CONCLUSES .......................................................................................................................... 85
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................................... 87 ANEXOS .................................................................................................................................... 94
ANEXO 1: CARTA DE APROVAO DO COMIT DE TICA EM PESQUISA ................ 95
ANEXO 2: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .............................. 96
ANEXO 3: QUESTIONRIO SCIO-DEMOGRFICO - DADOS DO PACIENTE .............. 97 ANEXO 4: QUESTIONRIO SCIO-DEMOGRFICO - DADOS DO FAMILIAR ............ 100
ANEXO 5: ESCALA FBIS-BR .............................................................................................. 102
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Caractersticas scio-demogrficas dos familiares, em termos de freqncias
relativas (%), mdias e desvios-padro (DP), para cada grupo de cuidador.
53
Tabela 2 Caracterizao das condies de vida dos familiares, em termos de
freqncias relativas (%), mdias e desvios-padro (DP) para cada grupo de
cuidador.
54
Tabela 3 Caractersticas scio-demogrficas e condies de vida dos pacientes, em
termos de freqncias relativas (%), mdias e desvios-padro para cada grupo
de cuidador.
57
Tabela 4 Caracterizao do quadro clnico dos pacientes, em termos de freqncias relativas (%), mdias e desvios-padro (DP) para cada grupo de cuidador.
59
Tabela 5 Teste Kolmogorov-Smirnov para verificar a normalidade dos dados em
cada grupo de cuidador.
61
Tabela 6 Mdias, desvios-padro (DP) e valor de p referente s sub-escalas da FBIS-
BR, para os pais cuidadores de pacientes psiquitricos, obtidos pelo teste t de
Student para amostras independentes e analise de varincia (ANOVA).
62
Tabela 7 Mdias, desvios-padro e valor de p referente s sub-escalas da FBIS-BR,
para os irmos cuidadores de pacientes psiquitricos, obtidos pelo teste t de
Student para amostras independentes e analise de varincia (ANOVA).
63
Tabela 8 Mdias, desvios-padro e valor de p s sub-escalas da FBIS-BR, para os cnjuges cuidadores de pacientes psiquitricos obtidos pelo teste t de Student
para amostras independentes e analise de varincia (ANOVA).
64
Tabela 9 Verificao da equivalncia inicial dos grupos quanto s variveis clnicas dos pacientes. Obtido pelo teste qui-quadrado para variveis categricas e anlise
de varincia ANOVA, para variveis contnuas.
66
Tabela 10 Mdias dos escores globais de sobrecarga objetiva e subjetiva, medidos pela escala FBIS-BR, desvios-padro (DP) e valor de p para os grupos de Pais,
Irmos e cnjuges cuidadores de pacientes psiquitricos.
67
Tabela 11 Mdias, desvios-padro e valor de p, das sub-escalas da FBIS-BR para os
grupos de Pais, Irmos e cnjuges cuidadores de pacientes psiquitricos. 68
Tabela 12 Resultado da FBIS-BR, para cada questo da sub-escala de Assistncia na
vida cotidiana em termos de mdias, desvios-padro e valor de p, para cada
grupo de cuidador.
70
Tabela 13 Resultado da FBIS-BR, para cada questo da sub-escala de Superviso dos
comportamentos problemticos em termos de mdias, desvios-padro e valor
de p, para cada grupo de cuidador.
72
Tabela 14 Resultado da FBIS-BR, para cada questo da sub-escala impacto financeiro, em termos de mdias, desvios-padro e valor de p, para cada grupo de
cuidador.
74
Tabela 15 Resultado da FBIS-BR, para cada questo da sub-escala impacto na rotina diria do familiar, em termos de mdias, desvios-padro e valor de p, para
cada grupo de cuidador.
75
Tabela 16 Resultado da FBIS-BR, para cada questo da sub-escala de preocupao com o paciente, em termos de mdias, desvios-padro e valor de p, para cada
grupo de cuidador.
76
9
SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES PSIQUITRICOS:
ESTUDO DE DIFERENTES TIPOS DE CUIDADORES
INTRODUO
Durante vrias dcadas o tratamento psiquitrico foi caracterizado por longos
perodos de internao e afastamento do doente mental de sua famlia (Waidman, Jouclas,
& Stefanelli, 1999). Este quadro somente comeou a mudar a partir de 1950, quando os
servios psiquitricos da Europa e EUA iniciaram um processo de modernizao, com a
finalidade de reduzir o nmero de internaes em hospitais psiquitricos e prover um
tratamento psiquitrico com bases menos restritivas e com custos menores. No Brasil, a
Reforma Psiquitrica somente ocorreu anos mais tarde, no final da dcada de 1970, sendo
inicialmente influenciada pela Psiquiatria Preventiva Americana e, posteriormente, pela
Psiquiatria Democrtica Italiana (Lougon, 2006).
Essa mudana marcou uma alterao importante na forma como a famlia vinha
participando do cuidado ao doente mental. Neste contexto, ela comeou a ser menos
culpabilizada pela doena e passou a ser considerada uma importante aliada no processo de
reabilitao do paciente (Yacubian & Neto, 2001; Pereira & Pereira, 2003).
Com a desinstitucionalizao, o foco das pesquisas em sade mental tambm sofreu
mudanas importantes. At meados dos anos 1980, as pesquisas realizadas com familiares
tinham o objetivo de investigar a influncia da famlia na determinao da doena mental.
Atualmente, o impacto da doena mental na famlia tem se transformado em uma rea de
pesquisa importante no cenrio internacional, com acumulao de conhecimento e
elaborao de instrumentos vlidos (Tessler & Gamache, 2000).
No entanto, os resultados dessas pesquisas so preocupantes, pois apontam que as
dificuldades enfrentadas pelos familiares no desempenho do papel de cuidador tm
contribudo para um sentimento de sobrecarga desses familiares (Maurin & Boyd, 1990;
Loukissa, 1995; Rose, 1996). Esta sobrecarga ainda maior devido falta de um apoio
eficiente dos servios de sade mental e dos profissionais da rea. Loukissa (1995) destaca
que as famlias foram includas no processo de desinstitucionalizao como fonte essencial
de suporte dos pacientes, sem terem, no entanto, nem o conhecimento nem a preparao
necessria para este papel.
10
difcil estimar o nmero preciso de familiares que sofrem com as dificuldades
decorrentes da doena mental na famlia, mas o Relatrio sobre a Sade no Mundo, de
2001, alertou para o fato de que uma em cada quatro famlias tem, pelo menos, um
membro que sofre um transtorno mental ou comportamental (WHO, 2001). Nos Estados
Unidos, por exemplo, considerando-se a presena de, pelo menos, um membro da famlia
por pessoa diagnosticada, a estimativa de que haja cerca de um milho e meio de
familiares que convivam com a doena mental (Tessler & Gamache, 2000).
No Brasil, embora o interesse pelo estudo de famlias de pacientes psiquitricos
seja crescente (Villares, 2000), ainda so escassas as pesquisas de avaliao sistemtica da
sobrecarga, por meio de escalas de medida validadas. Na literatura internacional, so
encontrados diversos estudos sobre os fatores que contribuem para uma maior ou menor
sobrecarga familiar e o impacto desta sobrecarga na sade mental dos familiares,
utilizando instrumentos de medida vlidos e fidedignos. Nessas pesquisas diversos fatores
foram investigados, tais como o tipo de diagnstico do paciente, o nmero e a gravidade
dos seus comportamentos problemticos e a presena ou no de corresidncia, dentre
outros. Algumas importantes pesquisas de reviso de literatura sintetizam esses achados
apontando os principais fatores associados sobrecarga que so indicados nesses estudos
(Maurin & Boyd, 1990; Loukissa, 1995; Rose, 1996).
Um fator apontado nas pesquisas relacionado ao grau de sobrecarga se refere ao
tipo de parentesco do familiar cuidador em relao ao paciente. Embora, mesmo na
literatura internacional, o nmero de estudos sobre esta varivel seja reduzido, h uma
indicao de que o grau de sobrecarga pode variar em funo do tipo de parentesco,
merecendo ser foco de ateno dos pesquisadores da rea. Apesar das situaes comuns
vividas pelos familiares, preciso considerar os problemas especficos e inerentes em ser
irmo, filho, pai ou cnjuge de uma pessoa com transtorno mental grave (Maurin & Boyd,
1990; Jungbauer & Angermeyer, 2002; Jungbauer et al., 2004; Waidman, 2004; Bandeira
& Barroso, 2005; Albuquerque et al., 2007).
Em uma busca nas bases de dados, principalmente do Medline, Lilacs e Scielo,
foram encontrados seis estudos que apontaram a existncia de diferenas na sobrecarga
sentida pelos diversos tipos de familiares cuidadores. Dessas, somente duas eram pesquisas
comparativas da sobrecarga dos diferentes tipos de cuidadores (Jungbauer & Angermeyer,
2002; Albuquerque et al., 2007). As outras quatro, tiveram como objetivo investigar os
fatores associados sobrecarga familiar e, entre as variveis investigadas, o parentesco do
cuidador apresentou relao significativa com a sobrecarga sentida (Martinez, Nadal,
11
Beperet & Mendiroz, 2000; Scazufca, Menezes, & Almeida, 2002; Garrido e Menezes,
2004; Barroso, 2006).
Alm da escassez de estudos comparativos da sobrecarga, os autores levantam um
segundo problema: a limitao do tipo de cuidador estudado. A maioria das pesquisas
sobre o tema foi realizada com pais de pacientes, algumas com cnjuges e poucas com
outros tipos de cuidadores (Maurin & Boyd, 1990; Bandeira e Barroso, 2005). Segundo
Jungbauer et al. (2004), esse fato poderia ser explicado por questes metodolgicas no
momento da seleo da amostra. Os participantes desse tipo de pesquisa geralmente so
selecionados em grupos de autoajuda e associaes de cuidadores em que a maioria dos
participantes constituda por pais de pacientes. Outra explicao possvel seria a de que a
famlia de origem ainda representaria o mais forte contato social da maioria dos portadores
de esquizofrenia.
A restrio dos tipos de familiares e a escassez de pesquisas tm impedido o avano
do conhecimento sobre a totalidade dos efeitos da doena mental na famlia (Bandeira &
Barroso, 2005). Visando suprir esta lacuna, o presente estudo foi realizado com o objetivo
de comparar, por meio da utilizao de uma escala de medida validada, a sobrecarga
sentida por pais, irmos e cnjuges cuidadores de pacientes psiquitricos e identificar as
dimenses da vida desses familiares mais afetadas pelo papel de cuidador.
Acredita-se que uma investigao mais aprofundada, sobre os vrios aspectos da
sobrecarga sentida por cada um desses grupos de familiares, possa identificar necessidades
particulares dos cuidadores. Este tipo de informao poder contribuir para o
desenvolvimento de intervenes planejadas de forma especfica para atender melhor s
necessidades desses familiares e, consequentemente, amenizar a sobrecarga e seus efeitos
na vida dos cuidadores.
12
REVISO BIBLIOGRFICA
A problemtica da sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquitricos se
acentuou no contexto da Reforma Psiquitrica, ocorrida em diversos pases, nas ltimas
dcadas. Para situar o problema em questo, a presente pesquisa tem como ponto de
partida a descrio do processo de desintitucionalizao psiquitrica no contexto mundial,
focalizando sua trajetria e consequncias. Em seguida, abordam-se especificamente o
processo de reforma no Brasil e a situao atual dos servios de sade mental.
Uma vez situado o problema, prossegue-se expondo a experincia da famlia dentro
do processo de desinstitucionalizao. Por fim, abordam-se a questo das dificuldades
enfrentadas pelos familiares cuidadores e a sobrecarga resultante do desempenho deste
papel.
O processo de desinstitucionalizao psiquitrica
O sculo XX foi cenrio de grandes transformaes na sade mental. Foi nessa
poca que a psiquiatria se consolidou como saber mdico, mas tambm foi a poca em que
surgiram os primeiros movimentos que visavam modificar a forma como o paciente
psiquitrico era atendido (Ribeiro, 1999). Vidal, Bandeira e Gontijo (2008) realizaram uma
pesquisa bibliogrfica sobre o tema, demonstrando que a histria dos servios de sade
mental pode ser dividida em trs fases. A primeira, entre 1880 e 1950, foi marcada pelo
crescimento dos asilos; a segunda, a partir de 1950, marcou o declnio desses asilos nos
pases desenvolvidos e a terceira, a partir de 1980, foi marcada pela nfase nos servios
comunitrios de sade.
Na primeira metade do sculo XX j era notria a decadncia do sistema de sade
mental. Esse quadro se agravou aps a Segunda Guerra Mundial, quando grande parte dos
psiquiatras abandonou seus empregos nas instituies pblicas norte-americanas e passou a
trabalhar no setor privado. Para ocupar o lugar desses psiquiatras, foram contratados
mdicos estrangeiros ou recm-formados, que no tinham experincia em psiquiatria. Em
1958, o presidente da Associao Psiquitrica Americana declarou que os grandes
hospitais psiquitricos eram antiquados, fora de moda e obsoletos (Lougon, 2006 p.
144).
13
No contexto da Guerra, a Sade passou a ser um encargo e obrigao do Estado,
que deveria garantir no somente o direito de viver das pessoas, mas tambm o direito de
todos de gozar de boa sade como um bem bsico. Com base nesses pressupostos, em
1942, foi elaborado o plano Beveridge, na Inglaterra, que seria o modelo de reorganizao
do sistema de sade de vrios pases. Este mesmo ano marca um ponto de recomeo da
histria da medicina atual (Birman & Costa, 1994).
As crticas ao modelo psiquitrico j existiam anteriormente, sendo ento
resgatadas para dar suporte e base para as transformaes na assistncia psiquitrica, que
encontraram, no perodo da guerra, as condies que tornavam essas mudanas possveis.
Neste novo contexto, o Estado comeou a promulgar leis para reformular a assistncia ao
doente mental. J no era mais possvel negar a falncia do modelo asilar e a existncia,
nos hospcios, de homens que representavam um montante de fora de trabalho
desperdiado, imprescindvel para aquele momento histrico. Alm disso, havia tambm
um crescente nmero de soldados que apresentavam distrbios mentais e acabavam tendo
que abandonar campos de batalha para serem internados por tempo indeterminado nos
hospitais (Birman & Costa, 1994).
Assim, o obsoleto hospital do perodo ps-guerra precisaria se adaptar s novas
demandas e proporcionar rpido retorno dos pacientes s atividades sociais, no perdendo
a fora de trabalho dos pacientes que se encontravam internados (Birman & Costa, 1994).
Teve incio ento, a partir da dcada de 1950, um movimento de modernizao dos
servios psiquitricos na Europa e nos EUA (Lougon, 2006), cujos objetivos principais
eram a diminuio das internaes psiquitricas e a realizao do tratamento dos pacientes
na comunidade. Alm do momento histrico favorvel s transformaes, as principais
razes que propiciaram o surgimento da desinstitucionalizao foram as precrias
condies em que se encontravam os hospitais psiquitricos, o movimento pelos direitos
humanos, o surgimento dos neurolpticos e o interesse em reduzir custos com a sade
mental por meio do tratamento na comunidade (Bandeira, 1991; Morgado & Lima, 1994).
Somado a isso, destacam-se tambm os notveis progressos alcanados pela
cincia. Os tratamentos e a compreenso das doenas mentais avanaram, os
medicamentos apresentavam efeitos positivos e os estudos sobre o comportamento
humano, a bioqumica do crebro e a psicofarmacologia progrediram ao longo das dcadas,
possibilitando que a psiquiatria adquirisse fundamentao cientfica para suas prticas
(Ribeiro, 1999).
14
Para garantir a volta do paciente para a sociedade era necessrio aumentar a
produtividade dos terapeutas e a qualidade do atendimento fornecido. No entanto, o que
estava acontecendo era o crescimento do nmero de pacientes e a insuficincia de mdicos
e enfermeiros para a realizao de tratamentos individuais. Para contornar essa situao, os
profissionais foram forados a promover mudanas na estrutura do servio de sade
(Birman & Costa, 1994).
Os movimentos de modernizao da assistncia psiquitrica tiveram incio nos
pases desenvolvidos como tentativa de reduzir os danos gerados pelo perodo de intensa
psiquiatrizao. Como exemplo, destaca-se a experincia de pases pioneiros, como a
Inglaterra e os Estados Unidos, com a criao das comunidades teraputicas e os
movimentos das psiquiatrias de grupo, que representam as primeiras mudanas na
psiquiatria tradicional que, posteriormente, ultrapassariam as fronteiras das instituies
psiquitricas, dando incio aos movimentos de desinstitucionalizao psiquitrica (Birman
& Costa, 1994).
Essas experincias se desenvolveram, alcanando outros pases como a Frana, com
a psiquiatria de setor, e a Itlia, com a chamada psiquiatria democrtica (Lougon, 2006).
Na Itlia, a antipsiquiatria foi tardia, tendo incio somente em 1970, e seu principal
representante foi Franco Basaglia, mdico e psiquiatra italiano (Delacampagne, 2004).
A mudana na assistncia psiquitrica ocorreu de forma diferente nos diversos
pases, sendo influenciada pelo momento histrico e pelo contexto social, econmico e
poltico de cada um deles. Portanto, diferenas podem ser apontadas entre o modelo
implantado nos pases nrdicos, o sistema nacional de sade ingls, a psiquiatria
democrtica da Itlia, a psiquiatria de setor na Frana, a psiquiatria preventiva nos EUA e
o processo de reforma no Brasil. Em comum, todos esses movimentos tinham como
objetivo promover uma reforma no antigo modelo de ateno psiquitrica, propondo
realizar o tratamento dos pacientes na comunidade (Lougon, 2006).
Esse movimento tambm tinha os objetivos de reduzir o nmero de internaes em
hospitais psiquitricos e prover um tratamento psiquitrico com bases menos restritivas e
com custos menores (Lougon, 2006). Alm disso, lutavam contra algumas prticas dos
hospitais psiquitricos, como o eletrochoque, o uso indiscriminado de psicofrmacos e a
forma como o doente mental era visto (Delacampagne, 2004).
Vidal et al. (2008) apontam trs componentes essenciais da desintitucionalizao:
diminuio das internaes em hospitais psiquitricos, a preparao e a retirada de
pacientes internados por longos perodos e a criao e a manuteno de uma rede de
15
servios comunitrios para atender aos pacientes. O estabelecimento de condies bsicas
de tratamento para pacientes e familiares intrnseco ao conceito de desinstitucionalizao.
preciso, ainda, o emprego prudente da farmacoterapia aliada psicoterapia.
Alm desses componentes, fundamental ter em vista que o tratamento na
comunidade no implica na completa extino dos hospitais psiquitricos. Segundo
Morgado e Lima (1994), quando o curso da doena irreversvel ou o paciente no capaz
de executar suas atividades da vida diria ou incapaz de tomar cuidados para preservar a
sua prpria integridade fsica, ele deve ser institucionalizado. Nesses casos, a internao
justificada, pois os pacientes necessitam de cuidados contnuos e de boa qualidade para
aumentar a sua expectativa de vida e evitar complicaes. Alm disso, a retirada desses
pacientes dos hospitais demandaria uma infraestrutura de que poucas famlias poderiam
dispor.
So inegveis os avanos alcanados por meio dos movimentos de
desinstitucionalizao psiquitrica. No entanto, a forma como a desintitucionalizao foi
implantada em alguns pases acarretou diversos problemas que merecem ateno. Uma
discusso sobre esses problemas parece imprescindvel, na medida em que possibilita a
utilizao, de forma positiva, das experincias dos pases pioneiros, em que o processo de
reforma j vem sendo implantado h mais tempo (Bandeira, 1991; Bandeira, Lesage &
Morissete, 1994).
Um dos problemas apontados por Birman e Costa (1994) se refere ao fenmeno os
loucos na rua, que teria sido resultado da retirada dos pacientes psiquitricos dos hospitais
nos EUA, sem a implementao de servios comunitrios adequados. Lougon (2006)
tambm aborda a questo dos doentes mentais sem teto. Estudos apresentados pelo autor
demonstram que de 15% a 42% da populao de sem teto nos EUA tinham uma histria de
internao psiquitrica (Birman & Costa, 1994).
Segundo Morgado e Lima (1994), pesquisas para conhecer o destino dos pacientes
que receberam alta so insuficientes e as poucas realizadas mostram que, nos EUA, a
maioria dos sem teto adulta, de meia-idade, com problemas mentais graves. So pessoas
que vivem em condies de extrema pobreza e com limitaes fsicas e mentais. Segundo
Lovisi (2000), os principais estudos que relacionam a desinstitucionalizao psiquitrica e
o nmero de moradores de rua foram realizados nos EUA e na Inglaterra. Comparando
esses dados com resultados encontrados no Brasil, pode-se concluir que o perfil dos
moradores de rua brasileiros e norte-americanos diferente. No Brasil, apenas 23,9% dos
entrevistados tinham histrico de internao e 22,6% apresentavam distrbios mentais
16
maiores por toda a vida e 19,1% nos ltimos 12 meses. Apesar de a frequncia dos
distrbios no ser to alta quanto se esperava, ela foi maior do que na populao em geral,
o que sinaliza que uma parcela dos moradores de rua necessita de um cuidado maior por
parte dos servios de sade mental.
Alm da questo dos doentes mentais sem teto, Lougon (2006) levanta outros trs
problemas decorrentes da desinstitucionalizao. O primeiro se refere criminalizao da
doena mental, havendo um nmero crescente de pacientes que se envolvem em situaes
de conflito com a polcia e acabam sendo detidos em prises. O aumento do nmero de
pessoas com distrbios mentais nas prises poderia estar relacionado ao fato de a polcia
no enxergar nas instituies psiquitricas uma alternativa efetiva para a soluo dos
problemas causados pelos pacientes, uma vez que, em alguns casos, eles no conseguem
vaga para internao e, em outros, o paciente internado e recebe alta em pouco tempo,
retornando rapidamente s ruas. Contrariando a ideia da criminalizao do doente mental,
pesquisas mostram que no so os portadores de doenas psiquitricas graves que cometem
os maiores crimes, mas sim os usurios de drogas e pessoas com transtorno de
personalidade (Lougon, 2006).
Morgado e Lima (1994) tambm abordam, em sua reviso de literatura, a questo
do envolvimento de pacientes psiquitricos com a justia. Segundo os autores, uma das
consequncias negativas inesperadas da desinstitucionalizao foi a constatao de que os
pacientes psiquitricos teriam mais problemas com a justia ou com a policia do que os
no pacientes. No so raras as situaes em que a policia acionada para cuidar de
problemas de comportamento. H, inclusive, pesquisas que mostram que o servio mais
utilizado pelos pacientes crnicos na comunidade a polcia, superando o servio social
comunitrio, de enfermagem e de organizaes filantrpicas de ajuda. No entanto, a policia
no preparada para lidar com ocorrncias que envolvam pacientes psiquitricos.
O segundo problema apresentado por Lougon (2006), que tambm tratado por
Morgado e Lima (1994), a questo dos pacientes crnicos. Segundo este autor, uma das
razes para as dificuldades resultantes do processo de desintitucionalizao psiquitrica
nos EUA o fato de os reformadores terem ignorado a inadequao entre a natureza
crnica da doena mental e o sistema concebido para trat-la. A precariedade e a falta de
recursos destinados ao tratamento dos pacientes crnicos com alto grau de
comprometimento resultam em sucessivas reinternaes do paciente, fenmeno conhecido
como porta giratria.
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As altas taxas de reinternao constituem um dos problemas mais citados no
processo de desinstitucionalizao psiquitrica. Para compreender melhor o fenmeno da
porta giratria, Bandeira e Dorvil (1996) realizaram um estudo descritivo no qual
compararam as caractersticas dos doentes que frequentavam a urgncia psiquitrica de um
hospital em Montreal s dos doentes que consultavam a urgncia do hospital psiquitrico
pblico brasileiro. A pesquisa mostrou que, apesar das diferenas entre os dois pases, h
uma semelhana entre as amostras de doentes brasileiros e do Quebec. Considerando que,
na poca em que foi realizado o estudo, o processo de desinstitucionalizao psiquitrica
sequer tinha comeado no Brasil e que no Quebec ele j estava em andamento h muitos
anos, os autores puderam concluir que a semelhana do perfil do paciente indica que a
desinstitucionalizao em si no responsvel pelo fenmeno da porta giratria; o mximo
que se pode inferir que ela contribuiu para a sua acentuao.
Vrios fatores so apontados na literatura como determinantes da reinternao. No
estudo de Bandeira (1993), dois grupos de pacientes psiquitricos foram comparados,
sendo um composto por pacientes que no haviam sofrido hospitalizaes nos ltimos
quatro anos e o outro, por outros que haviam sofrido trs ou mais hospitalizaes no
mesmo perodo. Os resultados mostraram que os pacientes que permaneceram na
comunidade, sem reinternaes, tinham mais adeso ao tratamento medicamentoso,
possuam maior suporte social, apresentavam taxa mais elevada de abstinncia de lcool e
de droga e eram mais conformados com a sua doena. Em contrapartida, uma segunda
pesquisa da mesma autora indica que a pobreza, a falta de ocupao, o isolamento social e
a dificuldade do paciente em executar as tarefas mais simples do cotidiano eram fatores
que dificultavam a reintegrao dos pacientes na famlia e na comunidade (Bandeira,
Gelinas & Lesage, 1998).
Segundo Lougon (2006), preciso considerar que pacientes crnicos necessitam de
cuidados especiais, uma vez que respondem menos s drogas antipsicticas, apresentam
mais recidivas e possuem dficits que dificultam sua volta para a sociedade. Essas
caractersticas devem ser consideradas ao se planejar a volta da paciente para a
comunidade, para que eles, efetivamente, se tornem mais independentes das reinternaes.
O terceiro problema apresentado por Lougon (2006) se refere privatizao dos
servios prestados aos pacientes. Bandeira (1991) trata desse fenmeno como
transinstitucionalizao, que seria a remoo ou a transferncia dos pacientes dos hospitais
pblicos para clnicas particulares. Para Lougon (2006), essa transferncia teria sido uma
estratgia utilizada para tentar reduzir os gastos pblicos com o campo da sade mental. O
18
autor relata que, no incio dos anos 1980, a assistncia psiquitrica nos EUA foi marcada
pelo domnio do setor privado, sem controle das autoridades pblicas. A ajuda financeira
destinada aos pacientes psiquitricos virou alvo de interesse econmico, gerando um
verdadeiro comrcio da loucura.
No contexto brasileiro, Andreoli, Almeida-Filho, Martin, Mateus, & Mari (2007)
realizaram um estudo com o objetivo de investigar o desenvolvimento da infraestrutura de
servio de sade mental e do seu financiamento no pas. Os autores apontaram que, em um
perodo de 10 anos, houve uma diminuio de 41% dos leitos psiquitricos e um aumento
do nmero de leitos alternativos de 1% para 6% do total de leitos psiquitricos, assim
como um aumento de nove vezes no nmero de centros de ateno psicossociais (CAPS).
No entanto, nesse mesmo perodo, as despesas com sade mental sofreram uma reduo de
26,7%. Alm disso, a sade mental contaria com um nmero insuficiente de profissionais,
principalmente psiquiatras e enfermeiras, especialmente em regies mais necessitadas de
cobertura de cuidados de sade, denunciando a desigualdade da distribuio de recursos,
em termos geogrficos.
A experincia internacional mostra que a transformao para um sistema de
cuidados psiquitricos comunitrios pode aumentar os custos, principalmente na fase de
implementao dos servios substitutivos, no qual os hospitais e os servios comunitrios
devem coexistir. Portanto, a reforma psiquitrica no pode ser tomada como uma estratgia
para reduzir custos, mas sim como uma estratgia poltica para atingir a equidade e a
justia social. Assim, para que ela resulte em melhoria para os pacientes, imprescindvel
que haja um investimento crescente nos servios de sade mental (Andreoli et al., 2007) .
Morgado e Lima (1994) chamam a ateno tambm para os custos no monetrios
decorrentes da desinstitucionalizao que seriam to ou at mais importantes do que os
custos monetrios. Segundo os pesquisadores, h uma preocupao constante com as
consequncias decorrentes da presena do doente mental na comunidade, mas pouca
ateno dada ao fato de que esses pacientes e suas famlias ficam sujeitos a uma srie de
problemas e preocupaes que os fazem sofrer. O Mundial de Sade de 2001 tambm
chama a ateno para os aspectos humanos do custo da doena mental, ressaltando a sua
importncia e a dificuldade de mensurao.
Esses custos no monetrios esto diretamente ligados ao estado do paciente e
oferta de servios de apoio. Com a sada do paciente do hospital, a doena mental se tornou
pblica, expondo a famlia e o prprio paciente ao julgamento da sociedade. A relao
19
familiar tambm se tornou difcil e as dificuldades no cuidar de um paciente, um fardo,
tanto para a famlia quanto para o prprio paciente (Morgado e Lima, 1994).
Com o objetivo de sanar os problemas e superar os desafios enfrentados pela
Reforma Psiquitrica, pases como Canad, EUA e Itlia implementaram recursos que
resultaram na melhoria da qualidade dos servios. Entre eles, destacam-se os modelos de
acompanhamento psiquitricos intensivos na comunidade. Esses modelos tm como
objetivo oferecer para o paciente uma equipe diversificada de profissionais especializados,
que devem estar disponveis em tempo integral para atender, de maneira global, todas as
suas necessidades, ou seja, estender o tratamento para todas as esferas da vida do paciente
(Bandeira et al., 1998).
Na Itlia, esses modelos foram desenvolvidos desde o incio do processo de
desinstitucionalizao. Nas regies em que o processo considerado de melhor qualidade,
nota-se uma intensificao do acompanhamento fornecido ao paciente. Entre as
caractersticas desse atendimento destacam-se o elevado nmero de profissionais por
paciente, a presena de servios de atendimento de crise em tempo integral e,
principalmente, as visitas domiciliares, que so fundamentais para o engajamento no
tratamento, na preveno e na deteco precoce de crises, treinamento de habilidades e
deteco de conflitos familiares e insatisfaes do paciente (Bandeira et al., 1998).
Nos Estados Unidos, esses modelos no foram implementados desde o incio do
processo de desinstitucionalizao, ocasionando os graves problemas citados
anteriormente. Diante disso, em 1978, o governo norte-americano acrescentou aos servios
psiquitricos o conceito de Case Management, que consiste em um sistema de coordenao
e integrao de servios, por meio de um agente responsvel pelo paciente, o case
manager. Este agente tem como funo avaliar as necessidades de cada paciente e coloc-
lo em contato com os servios necessrios. Na Inglaterra, a condio essencial para o
fechamento de um hospital psiquitrico que cada um dos seus pacientes tenha, antes, um
profissional responsvel por ele (Bandeira et al., 1998).
Como, muitas vezes, os responsveis se deparam com as limitaes dos servios de
sade oferecidos comunidade, o conceito de Case Management foi se modificando com o
tempo. O case manager passou a exercer, pelo menos em parte, as funes dos servios
que no estavam disponveis. No entanto, isso no se mostrou suficiente, pois apenas um
responsvel no podia abarcar as mltiplas necessidades de um paciente (Bandeira et al.,
1998).
20
Diante disso, um modelo muito mais abrangente foi desenvolvido nos EUA, o
Modelo de Madison, conhecido atualmente como Program for Assertive Community
Treatment, ou PACT, que j foi adotado por 300 cidades. Nesse modelo, o
acompanhamento permanece individualizado, no entanto, no realizado por apenas um
responsvel, mas por uma equipe multidisciplinar de profissionais de sade mental na qual
cada membro deve estar a par da situao de todos os casos. O trabalho da equipe
caracterizado por dedicar 75% do seu tempo a atividades na comunidade, o que mostra um
deslocamento real da atuao do servio. O acompanhamento inclui avaliao dos casos,
elaborao de um plano individualizado, desenvolvimento de novos servios e execuo de
programas que podem incluir o treinamento dos pacientes nas atividades da vida diria,
ocupacionais, sociais e de lazer nos prprios locais em que elas so normalmente
desempenhadas, visando aumentar a potencialidade e a autonomia dos pacientes (Bandeira
et al., 1998).
O PACT tambm prev intervenes junto a agentes sociais, ou seja, pessoas que
esto em contato frequente com os pacientes, que recebem informaes e orientaes a
respeito da doena e de como se deve agir com o paciente em situaes particulares. A
famlia, por exemplo, considerada aliada do tratamento e, com base nesse princpio, a
equipe procura sempre manter e incentivar sua participao e colaborao (Bandeira et al.,
1998).
No Canad, a implementao de um programa com os mesmos princpios do
PACT, o Suivi Intensif Dans Le Milieu, ou SIM, permitiu a alta de 83% dos pacientes de
longo termo de um hospital de Ontrio e conseguiu a reduo de 66% dos custos por
paciente, durante o primeiro ano de funcionamento. No entanto, importante destacar que,
para o funcionamento desses programas, necessrio que haja um repasse de verbas do
governo que privilegie os servios comunitrios (Bandeira et al., 1998).
Outro programa de acompanhamento intensivo desenvolvido nos EUA o
programa Bridge, inspirado no PACT, mas que guarda algumas particularidades, uma vez
que um servio especializado em pacientes de alto risco. Seu objetivo diminuir a
itinerncia e as altas taxas de re-hospitalizao apresentadas pelos pacientes. Para isso, o
trabalho da equipe focalizado nas necessidades bsicas, como alimentao, moradia e
medicao do paciente. Neste programa, a equipe generalista, ou seja, no se d
importncia aquisio de diplomas por parte dos agentes, mas sim ao seu engajamento no
trabalho e os membros compartilham igualmente as responsabilidades. Alm disso, a
21
equipe no costuma oferecer os servios, mas encaminhar os pacientes para os servios j
existentes (Bandeira et al., 1998).
Apesar da vasta literatura sobre a avaliao dos programas de acompanhamento
intensivo na comunidade, existe uma srie de problemas metodolgicos que precisam ser
superados para facilitar a comparao dos resultados. Alm disso, novas pesquisas sobre a
eficcia desses programas precisam ser realizadas, com a padronizao das medidas de
impacto e a descrio detalhada do programa e da clientela. As pesquisas devem avaliar
tambm os ingredientes ativos do programa, seus custos e a viabilidade de implementao
(Bandeira et al., 1998).
Estudos como o de Bandeira et al. (1994) destacam a importncia da realizao de
pesquisas avaliativas sobre os efeitos concretos obtidos com a reinsero dos doentes
mentais na comunidade. Esses autores avaliaram a eficcia de um programa de reinsero
social de um grupo de pacientes que receberam alta de um hospital, trs anos antes,
comparativamente a um grupo controle de pacientes que receberam o tratamento
tradicional do hospital. Os resultados mostraram que os pacientes participantes do
programa de reinsero social apresentaram menos sintomas psiquitricos, maior nvel de
habilidades na vida cotidiana e menos necessidade de tratamento psiquitrico,
comparativamente ao grupo controle. Alm disso, observou-se que um subgrupo de
pacientes que estavam inseridos em residncias mais bem planejadas, com menor nmero
de pacientes e que desenvolviam planos individualizados de acompanhamento teve os
melhores resultados. Destacou-se, ento, neste estudo, que, alm de um programa de
reinsero social de qualidade, caracterizado pelo acompanhamento e engajamento da
equipe, imprescindvel que haja uma estrutura comunitria para acolher os pacientes.
Essa estrutura deve ser marcada pela continuidade da equipe do hospital e a equipe da
estrutura comunitria, uma vez que os pacientes, muitas vezes, apresentam dificuldade de
estabelecer familiaridade com os profissionais. Alm disso, a equipe deve ser composta por
profissionais especializados, que sejam capazes de estimular a participao dos pacientes
nas atividades cotidianas, de forma que eles se mantenham sempre ativos (Bandeira et al.,
1994).
Em sntese, da dcada de 1950 em diante, os cuidados prestados aos pacientes
psiquitricos tm sido deslocados dos hospitais para os servios comunitrios. Ao longo
dos anos, vrios hospitais foram fechados, havendo uma reduo do nmero de leitos.
Vrios pases do primeiro mundo alcanaram, por meio da desinstitucionalizao,
resultados positivos e sucesso na tentativa de reinserir o doente mental na sociedade. No
22
entanto, muito ainda preciso ser feito para que as dificuldades da desintitucionalizao
no superem seus benefcios. Observa-se uma necessidade de investimentos de recursos no
campo da sade mental, implantao de servios substitutivos e acompanhamento contnuo
dos pacientes (Vidal et al., 2008).
A instituio psiquitrica no Brasil
A reforma psiquitrica brasileira teve incio no final da dcada de 1970. No ano de
1978, surgiu o Movimento dos Trabalhadores em Sade Mental (MTSM), formado por
trabalhadores, sindicalistas, associaes de familiares e pacientes com longo histrico de
internao. Esse movimento passou a denunciar os graves problemas da sade mental no
Brasil e a lutar pelas melhorias no campo psiquitrico (Delgado et al., 2007; Amarante,
1995).
No ano de 1987, ocorreram dois eventos importantes, o II Congresso Nacional do
MTSM, que adotou o lema Por uma sociedade sem manicmios e a I Conferncia
Nacional de Sade Mental. Teve incio, ento, o Movimento Nacional da Luta
Antimanicomial. Neste mesmo ano foi criado, em So Paulo, o primeiro Centro de
Ateno Psicossocial (CAPS) do Brasil (Delgado et al., 2007)..
Em 1989, dois outros acontecimentos marcaram a trajetria de luta do MTSM. O
primeiro foi a interveno na Casa de Sade Anchieta, um hospcio privado que contava
com mais de 500 internos (Amarante, 1995), uma experincia que viria a ser um marco no
processo de reforma psiquitrica, demonstrando a possibilidade de construo de uma rede
de cuidados substitutiva do hospital psiquitrico (Amarante, 1995; Delgado et al., 2007).
Foram construdos ncleos de ateno psicossocial (NAPS), cooperativas, residncias para
os egressos dos hospitais psiquitricos e associaes (Delgado et al., 2007).
Nesse mesmo ano, teve incio a luta do movimento da reforma no campo legislativo
e normativo, com a entrada, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei no 3657 do
deputado Paulo Delgado, que dispe sobre a extino progressiva dos manicmios e sua
substituio por outros recursos assistenciais e regulamenta a internao psiquitrica
compulsria (Delgado et al., 2007). Esse Projeto de Lei foi de fundamental importncia,
uma vez que colocou em evidncia a realidade da assistncia psiquitrica brasileira e
suscitou decises importantes para a consolidao da reforma psiquitrica no pas
(Gonalves & Sena, 2001).
23
Com a repercusso da experincia de Santos, ocorreu o segundo acontecimento
importante na trajetria do MTSM. No dia 12 de maro de 2001, foi aprovado, por
unanimidade, na Cmara de Deputados, depois de doze anos tramitando no Congresso, o
substitutivo do Projeto de Lei (PL 3657/89) (Esperidio, 2001). A Lei Federal no 10.216
redirecionou o tratamento psiquitrico dando nfase ao tratamento comunitrio e aos
direitos do portador de transtorno mental (Delgado et al., 2007).
Com a assinatura da Declarao de Caracas e a realizao da II Conferncia
Nacional de Sade Mental, na dcada de 1990, entraram em vigor as primeiras normas
federais regulamentando a implantao de servios substitutivos e as normas de
fiscalizao e classificao dos hospitais psiquitricos. No entanto, naquela poca, 93%
dos recursos do Ministrio da Sade para a Sade Mental ainda eram destinados aos
hospitais psiquitricos (Delgado et al., 2007).
Neste contexto, a rede de ateno diria sade mental apresentou importante
expanso, tendo sido criadas novas linhas de financiamento para a abertura de servios e
tambm mecanismos de fiscalizao, gesto e metas para a reduo de leitos. A reforma
tambm foi impulsionada por programas como o De volta para a casa (Delgado et al.,
2007), criado pelo Ministrio da Sade para beneficiar pacientes com transtornos mentais
egressos de longos perodos de internaes. Regulamentado pela Lei no
10.708, de 31 de
julho de 2003 e pela Portaria n 2077/GM, de 31 de outubro de 2003, o Programa tem o
objetivo de acompanhar e contribuir com o processo de reabilitao psicossocial dos
pacientes. Podem ser beneficirias do Programa pessoas egressas de internao psiquitrica
em hospitais cadastrados no Sistema de Informaes Hospitalares do SUS (SIH-SUS), por
um perodo ininterrupto, igual ou superior a dois anos e pessoas residentes em moradias
caracterizadas como servios residenciais teraputicos (SRT) ou egressas de hospitais de
custdia e tratamento psiquitrico. O benefcio consiste no pagamento mensal de auxlio
pecunirio no valor de R$ 240,00 ao beneficirio ou seu representante legal, pelo perodo
de um ano, podendo ser renovado (Ministrio da Sade, 2009).
Outra parte integrante das Polticas de Sade Mental do Ministrio da Sade so os
servios residenciais teraputicos. As residncias teraputicas so casas localizadas no
espao urbano onde podem residir de um a oito pacientes com transtornos mentais graves.
Esses pacientes devem contar com um suporte constante de carter interdisciplinar, cujo
objetivo fundamental propiciar moradia e possibilitar a volta do paciente para a
sociedade, no sendo precisamente um servio de sade, mas um espao de habitao.
Portanto, no se trata de uma clnica ou um novo espao de enclausuramento, mas sim um
24
espao de reconstruo para pacientes que passaram grande parte de suas vidas confinados
em hospitais psiquitricos (Ministrio da Sade, 2009)
Segundo dados do Ministrio da Sade (2009), em 2008, eram atendidos no Brasil,
no total, 2.594 pacientes psiquitricos por meio de 502 servios residenciais teraputicos.
Para Furtado (2006), esses servios estariam consolidados no pas, mas o nmero ainda
seria insuficiente, uma vez que apenas 10,8% dos pacientes com potencial para morarem
nas residncias seriam contemplados, havendo necessidade de expanso do nmero de
beneficirios.
Dentre todos os dispositivos de ateno sade mental, destaca-se a importncia
dos CAPS, que so servios municipais oferecidos diariamente a pacientes com transtornos
mentais severos. Cabe aos CAPS regular a porta de entrada nos hospitais psiquitricos,
evitar as internaes por meio da disponibilizao de atendimento clnico e promover a
insero social dos pacientes por meio de trabalho, lazer, fortalecimento dos laos
familiares e comunitrios (Delgado et al., 2007).
O nmero de CAPS duplicou nos ltimos quatro anos, no entanto, apesar do
notvel crescimento, a cobertura assistencial ainda est aqum do parmetro estabelecido
pelo Ministrio da Sade (Delgado et al., 2007). Em um perodo de aproximadamente
quatro anos houve uma reduo de 14 mil leitos psiquitricos. De 86 mil, em 1991, o
nmero de leitos caiu para 72 mil, em 1995, e 30 hospitais privados tiveram suas
atividades encerradas. Neste intervalo tambm foram criados 2.065 leitos psiquitricos em
hospitais gerais e mais de 100 ncleos e centros de ateno psicossocial (Amarante 1995).
Os CAPS se diferenciam pelo porte, pela capacidade de atendimento e pela
clientela atendida, podendo ser classificados como CAPS I, CAPS II e CAPS III, que
atendem a adultos com transtornos mentais severos; CAPSi, que atende a crianas e a
adolescentes com transtornos mentais e CAPSad, especializado no atendimento de pessoas
que fazem uso prejudicial de uso de lcool e outras drogas (Delgado et al., 2007).
Segundo dados de junho de 2009 do Ministrio da Sade, atualmente, no Brasil, o
total de CAPS chega a 1.394, distribudos por todo o territrio nacional, o que corresponde
a 0,57 CAPS/100.000 habitantes. Considerando como parmetros os seguintes ndices:
cobertura muito boa (acima de 0,70), cobertura regular/boa (entre 0,50 e 0,69), cobertura
regular/baixa (entre 0,35 a 0,49), cobertura baixa (de 0,20 a 0,34) e cobertura
insuficiente/crtica (abaixo de 0,20). O estado com a melhor cobertura a Paraba (1,06
CAPS/100.000 habitantes) e o pior a Amaznia (0,12 CAPS/100.000). Especificamente o
estado de Minas Gerais conta com 139 CAPS, o que corresponde a 0,55 CAPS/100.000
25
habitantes. Destes, 68 so CAPS I, 42 so CAPS II, 8 so CAPS III, 9 so CAPSi e 12 so
CAPSad (Ministrio da Sade, 2009).
Cavalcanti, Dahl, Carvalho e Valencia (2009) realizaram um estudo com o objetivo
de investigar os critrios de admisso e continuidade em CAPS no municpio do Rio de
Janeiro. As autoras identificaram cinco aspectos que fundamentam a admisso ou o
encaminhamento dos pacientes, que so: diagnstico, sintomatologia, indicadores de
prognstico, suporte social/autonomia, rede de servios de sade disponvel. Os pacientes
admitidos para tratamento nos CAPS apresentavam diagnstico de esquizofrenia, quadro
psictico agudo ou sintomatologia negativa acentuada, prognstico pior devido a inmeras
internaes, uso de lcool ou drogas e no adeso ao tratamento. Esses pacientes ainda
careciam de suporte social, apresentavam longos histricos de internao ou recluso no
sistema penitencirio. Alm disso, eram admitidos pacientes, independentemente da
sintomatologia ou diagnstico, quando havia indisponibilidade ou ausncia de uma rede de
servios adequada para eles.
O processo de reforma psiquitrica ainda est em andamento, mas um importante
passo para que a reduo dos leitos psiquitricos ocorresse de forma planejada foi
alcanado em 2002, com a implementao do Programa Nacional de Avaliao Sistemtica
do Sistema Hospitalar (PNASH/Psiquiatria). A partir de ento, os hospitais passaram a ser
avaliados anualmente, quanto sua estrutura fsica, dinmica de funcionamento, aos
recursos teraputicos, insero do hospital a rede pblica e adequao s normas
tcnicas gerais do SUS (Delgado et al., 2007).
As avaliaes feitas nos ltimos anos, pelo PNASH, em todos os hospitais
conveniados ao SUS, indicaram a presena de srios problemas na qualidade de
assistncia, como projetos teraputicos inadequados, nmero alto de pacientes longamente
internados e aspectos imprprios relacionados aos pacientes, como limpeza, calados e
roupas. Essa avaliao classifica os hospitais em quatro grupos diferenciados: aqueles de
boa qualidade de assistncia; os de qualidade suficiente; aqueles que precisam de
adequaes e devem sofrer vistorias e, por fim, os hospitais de baixa qualidade,
encaminhados para o descredenciamento pelo Ministrio da Sade (Ministrio da Sade,
2009).
Aliado ao PNASH na reduo progressiva de leitos psiquitricos e na melhoria da
assistncia prestada aos portadores de transtornos mentais, foi implementado, em 2004, o
Programa Anual de Reestruturao da Assistncia Hospitalar no SUS (PRH). O principal
objetivo desse programa a reduo programada de leitos nos grandes hospitais de forma
26
segura, sem ocasionar a desassistncia. Para isso, a partir do tamanho do hospital, so
definidos os nmeros mximo e mnimo da reduo dos leitos e, paralelamente, devem ser
instalados os servios substitutivos de assistncia (Delgado et al., 2007, Ministrio da
Sade, 2009).
Alm disso, recebem incentivos financeiros do SUS os hospitais que reduzirem os
leitos e melhorarem a qualidade do atendimento, aferida pelo PNASH. O PRH busca,
ainda, garantir que os recursos economizados com a reduo dos leitos permaneam no
campo da sade mental, sendo redirecionados para os servios comunitrios. De janeiro de
2004 a maio de 2005, o Programa desativou cerca de 2.000 leitos (Delgado et al., 2007).
Segundo dados do Ministrio da Sade (2009), como resultado dos mecanismos de
avaliao dos hospitais psiquitricos e do PRH, aproximadamente de 46% dos leitos
psiquitricos esto em hospitais de pequeno porte, o que corresponde a quase o dobro do
ano de 2002, quando esse nmero era de apenas 24%.
Alm do controle da reduo de leitos e da implementao de alternativas de
assistncia na comunidade de qualidade e fcil acesso, o processo de desinstitucionalizao
deve envolver as demais esferas da sociedade, no se reduzindo apenas aos profissionais da
rea da sade, mas atingindo os demais membros da sociedade. Entre esses membros,
destaca-se a famlia dos pacientes psiquitricos que, cada vez mais, tem sido apontada
como importante agente no processo de desinstitucionalizao.
A experincia das famlias junto aos servios de sade mental
At 1980, as famlias foram radicalmente banidas do tratamento do doente mental,
as visitas nos hospitais eram proibidas e as cartas enviadas por familiares e pacientes eram
avaliadas e, na maioria das vezes, vetadas pelos profissionais. Alm de serem afastadas, as
famlias tambm eram apontadas como causadoras da doena, na medida em que eram
responsveis pela educao falha dos pacientes (Moreno & Alencastre, 2003). Durante
dcadas, os pais e, em particular, as mes de pacientes psiquitricos, foram culpabilizados
e excludos das decises do tratamento (Tessler & Gamache, 2000; Melman, 2002). Nesse
contexto, os asilos e o poder mdico teriam a funo de reeducar os pacientes e eram
considerados os nicos capazes de cur-los (Moreno & Alencastre, 2003).
No Brasil, somente em 1980, com a Reforma Psiquitrica, esse quadro comeou a
mudar e a famlia voltou a fazer parte do cenrio de assistncia ao paciente psiquitrico
(Waidman et al., 1999; Moreno & Alencastre, 2003; Moreno & Alencastre, 2004). Essa
27
mudana marcou uma alterao histrica na forma como a famlia vinha participando do
cuidado ao doente mental, deixando de ser culpabilizada pela doena e passando a ser
considerada uma importante aliada no processo de reabilitao do paciente (Yacubian &
Neto, 2001; Pereira & Pereira, 2003).
No que se refere ao foco das pesquisas em sade mental, at meados dos anos 1980,
o impacto da doena mental na famlia tambm era negligenciado pelas pesquisas de
avaliao. Os estudos de avaliao dos servios de sade mental no incluam as
experincias das famlias do usurio. As pesquisas com familiares eram realizadas apenas
para avaliar a influencia da famlia na determinao da doena mental. Esse quadro
tambm sofreu alteraes significativas a partir da reforma psiquitrica. Atualmente, o
impacto da doena mental na famlia tem se transformado em uma rea de pesquisa
importante no cenrio internacional, com acumulao de conhecimento e elaborao de
muitos instrumentos de avaliao. Medidas de sobrecarga familiar, por exemplo, esto
sendo utilizadas, at mesmo em estudos sobre a eficcia de novos medicamentos (Tessler
& Gamache, 2000). A necessidade de avaliao permanente dos servios de sade mental,
enfatizada pela Organizao Mundial de Sade (OMS), tambm passou a contar com a
participao dos familiares, tendo recebido destaque a importncia da avaliao dos
resultados do tratamento na percepo, no s dos profissionais e pacientes, mas tambm
dos familiares cuidadores (Cesari, Bandeira, & Felcio, 2009; Bandeira, Calzavara, Costa,
& Cesari, 2009).
O Relatrio sobre a Sade no Mundo, de 2001, alerta para o fato de que uma em
quatro famlias tem, pelo menos, um membro que sofre um transtorno mental ou
comportamental (WHO, 2001). Segundo Tessler & Gamache (2000), difcil estimar com
preciso o nmero de familiares que so afetados pelo papel de cuidador de pacientes
diagnosticados com transtornos mentais srios. No entanto, considerando a presena de,
pelo menos, um membro da famlia por pessoa diagnosticada, provvel que, nos Estados
Unidos, haja cerca de um milho e meio de familiares que precisam lidar com as
dificuldades resultantes da presena da doena mental na famlia.
Apesar da atual poltica de sade mental incentivar a vida na comunidade, a famlia
ps-moderna apresenta caractersticas que a distanciam do perfil de cuidador de um
paciente crnico. A retomada da responsabilidade sobre o paciente, aps dcadas de
institucionalizao, aconteceu ao mesmo tempo em que a famlia nuclear moderna foi
sendo substituda pela famlia ps-moderna, caracterizada por obrigaes menos rgidas e
menores expectativas em relao aos membros doentes. Mudanas na estrutura da famlia,
28
maior participao das mulheres na fora de trabalho e aumento das famlias
monoparentais e das taxas de divrcio so incompatveis com as exigncias de cuidar de
pessoas com graves doenas crnicas (Tessler & Gamache, 2000).
Alm disso, as famlias foram includas no processo de desinstitucionalizao como
fonte essencial de suporte aos pacientes, sem terem nem o conhecimento nem a preparao
necessria para exercer este papel (Loukissa, 1995; Waidman et al., 1999).
Responsabilizadas pelo cuidado com o paciente, esses familiares passaram a lidar
diretamente com uma realidade que, at ento, era mantida dentro dos muros dos hospitais.
Com a desinstitucionalizao, os servios de sade mental devolveram o doente mental
famlia, sem conhecer suas reais necessidades e condies, em termos financeiros,
emocional, psicossociais, de sade e de qualidade de vida (Gonalves & Sena, 2001).
Os pacientes psiquitricos e seus familiares tiveram que aprender que o local de
tratamento havia passado para a comunidade e no era mais o hospital. Isso significou
abandonar a idia, pregada por dcadas, de que a responsabilidade do cuidado deveria ser
centrada nos profissionais e nas instituies especializadas. Agora, o papel desses
profissionais seria o de controlar o sistema formal de cuidados mdicos, considerando que,
no cuidado baseado na comunidade, o sistema informal to importante para o usurio
quanto o sistema formal (Tessler & Gamache, 2000).
Apesar das mudanas terem surpreendido muitas famlias que, certamente, no
esperavam e nem estavam preparadas para alterarem o curso de suas vidas para cuidar de
um paciente psiquitrico, observa-se que alguns membros aceitaram o papel de cuidador
com um grande sentido da obrigao familiar. Esses familiares fornecem abrigo, ajudam
nas atividades da vida diria do paciente, supervisionam seus comportamentos
problemticos e, mesmo precisando para si mesmos, fornecem suporte e incentivo
emocionais aos pacientes. Desassistidos, provvel que esses cuidadores enxerguem na
famlia a nica fonte real de cuidado com a qual o paciente pode contar (Tessler &
Gamache, 2000).
Tessler & Gamache (2000) identificaram oito reas que compem a dimenso do
cuidado. A rea de administrao do dinheiro do paciente foi a dimenso em que os
familiares perceberam que precisavam dar maior assistncia, seguida, em ordem
descendente, pela ajuda com transporte, administrao do tempo, ajuda com medicao,
tarefas domsticas, compras, higiene pessoal e, em ltimo lugar, cozinhar ou preparar
refeies para o paciente.
29
Segundo Waidman et al. (1999), entre as principais dificuldades enfrentadas pelas
famlias esto a falta de informao sobre a doena, as dificuldades de relacionamento com
o paciente, a carncia de medicamento, alimentao e vestimenta, as condies de moradia
inadequadas e a insuficincia de atividade para o paciente. Outras dificuldades enfrentadas
pelas famlias estariam relacionadas com o preconceito, o desprezo e o desrespeito em
relao aos portadores de transtornos mentais. Diante dessas dificuldades, as famlias
acabam enxergando no hospital psiquitrico a nica alternativa de atendimento possvel
para o paciente.
Em decorrncia dessas dificuldades, tambm se torna inegvel o impacto negativo
que a volta do paciente para casa acarreta ao ncleo familiar (Moreno & Alencastre, 2003).
Estudos tm mostrado que a famlia no est superando as exigncias decorrentes do papel
de cuidador. Apontam para sentimentos de rejeio e desamparo sentidos pela famlia
(Sadigursky & Tavares, 1998; Gonalves & Sena, 2001; Cavalheri, 2002) e,
principalmente, para a sobrecarga ou peso resultante de cuidar do paciente (Bandeira &
Barroso, 2005).
Paralelamente crescente importncia dada famlia, nas novas formas de
tratamento, pode-se observar que ela est cada vez mais abandonada e adoecida.
Segundo Gonalves e Sena (2001), a condio atual das famlias denuncia que, diferente
do que proposto pela reforma psiquitrica, o que tem ocorrido no Brasil um processo de
desospitalizao que reflete de forma direta e negativa sobre as famlias dos pacientes
desospitalizados. Uma consequncia grave da manuteno da contradio entre as
propostas da Reforma Psiquitrica e a simples devoluo do doente mental para a famlia
que ela certamente colabora para que as famlias se posicionem contra a
desinstitucionalizao e se mostrem favorveis permanncia dos pacientes dentro dos
hospitais psiquitricos (Gonalves & Sena, 2001).
As pesquisas apontam que a sobrecarga dos familiares cuidadores ainda maior
devido falta de um apoio eficiente dos servios de sade mental e dos profissionais da
rea. Mesmo com as modificaes que vm ocorrendo na assistncia psiquitrica, nas
ultimas dcadas, ainda so poucos os servios de sade mental no Brasil que, alm de
tratarem o doente, tambm oferecem s famlias o apoio e o cuidado necessrios. Na
maioria das vezes, o papel destinado aos cuidadores ainda o de agente custodial, e no de
aliado do tratamento (Waidman et al., 1999; Yacubian & Neto, 2001).
Vrias pesquisas tm ressaltado a importncia da implementao de servios que
garantam suporte, assistncia e orientao aos familiares (Waidman et al., 1999; Pereira e
30
Pereira, 2003; Moreno & Alencastre, 2003; Moreno & Alencastre, 2003; Yacubian &
Neto, 2001; Barroso, Bandeira, & Nascimento, 2007; Barroso, Bandeira, & Nascimento,
2009). Segundo Pereira e Pereira (2003), as famlias dos pacientes demandam escuta,
acolhimento e ajuda para amenizar as dificuldades encontradas no convvio com a doena
mental. Informaes sobre a doena e sobre o tratamento podem melhorar a estabilidade
emocional dentro da famlia, enquanto a falta de orientao pode gerar conflitos entre o
paciente e seus familiares, refletindo negativamente sobre o processo teraputico,
acarretando aumento da sobrecarga familiar.
Uma vez detectada a doena, muitas vezes o familiar passa pela experincia
traumtica da internao. A falta de informaes sobre os servios de apoio disponveis se
soma ao fato de que o familiar da pessoa afetada pela doena psiquitrica pode no estar
ciente do risco de uma nova fase aguda do transtorno, o que a impede de antecipar ou
prever a sobrecarga relacionada sua nova situao de cuidador (Jungbauer et al., 2004).
Os cnjuges de pacientes com esquizofrenia, por exemplo, sofrem extrema
sobrecarga quando um novo episdio psictico ocorre. As primeiras crises so apontadas
como os momentos mais crticos, pois os familiares tm poucas informaes e habilidades
para lidarem com o paciente. Essa sobrecarga, resultante dos primeiros episdios agudos
da doena, tende a diminuir, na medida em que o familiar adquire mais informaes e
experincia para lidar com os problemas. Com a convivncia, as mudanas de humor e de
comportamento dos parceiros passam a ser interpretados como sinais de alerta para uma
possvel crise, o que possibilita ao familiar, mediante informao adequada, buscar ajuda
profissional antecipada (Jungbauer et al., 2004).
Diante disso, a orientao dos familiares sobre os sintomas, o curso e o tratamento
da doena fundamental para que eles se tornem capazes de monitorar as manifestaes da
doena e avaliar a eficcia da teraputica. Somente assim, esses familiares se tornaro
menos dependentes do monitoramento profissional, havendo uma diminuio dos custos e
da sobrecarga, tanto para os familiares quanto para os servios de sade mental (Yacubian
& Neto, 2001).
Assim, para que ocorra uma mudana efetiva na forma de atendimento, preciso
que os servios de sade mental elaborem programas que visem atender s necessidades
das famlias, quer em decorrncia de um primeiro episdio de sofrimento psquico ou
quando se trata de pacientes com um histrico de inmeras internaes (Moreno &
Alencastre, 2003). Os servios de sade mental devem possibilitar que os familiares
expressem seus pontos de vista e dificuldades diante da tarefa de cuidar de um paciente
31
psiquitrico (Yacubian & Neto, 2001). Essas dificuldades devem ser entendidas como
desafios para os profissionais, que precisam buscar novos instrumentos que forneam
suporte necessrio para os familiares (Pereira & Pereira, 2003).
Com a preparao da famlia para o papel de cuidador, possvel que famlia e
paciente consigam conduzir suas vidas com qualidade e sade mental. No momento em
que os profissionais da rea verdadeiramente reconhecerem a importncia da participao
da famlia no atendimento psiquitrico, a reinsero do doente mental ter grandes
possibilidades de obter resultados mais satisfatrios, abrangendo um maior nmero de
usurios (Waidman et al., 1999).
Conceituao da sobrecarga familiar
A literatura da rea define a sobrecarga como as consequncias negativas
resultantes especificamente do papel de cuidador. Essa sobrecarga pode atingir vrias
dimenses da vida familiar, como sade, lazer, trabalho, bem-estar fsico e psicolgico e o
prprio relacionamento entre os membros da famlia (Maurin & Boyd, 1990). Por envolver
consequncias concretas e emocionais, o conceito de sobrecarga foi diferenciado em duas
dimenses: o aspecto objetivo e o aspecto subjetivo da sobrecarga. Essa diferenciao foi
feita pela primeira vez na dcada de 1960, pelos pesquisadores Hoeing e Hamilton (Maurin
& Boyd, 1990).
O aspecto objetivo se refere s consequncias negativas concretas e observveis
resultantes do papel de cuidador de um paciente psiquitrico, tais como perdas financeiras,
perturbaes na rotina da vida familiar, excesso de tarefas decorrentes do cuidado do
paciente, devido sua baixa autonomia, supervises aos comportamentos problemticos
dos pacientes e perturbaes na vida social do familiar (Maurin & Boyd, 1990; Loukissa,
1995; Rose, 1996).
A sobrecarga subjetiva envolve a percepo ou a avaliao pessoal do familiar de
sua situao e seus sentimentos em relao s responsabilidades originadas da tarefa de
cuidar do paciente. Refere-se ao grau em que eles percebem a presena, os
comportamentos ou a dependncia dos pacientes como fonte de desconforto, preocupao
ou tenso psicolgica. A sobrecarga subjetiva envolve, ainda, o sentimento de peso
decorrente do papel de cuidador, a preocupao com o presente e com o futuro do paciente,
o incmodo sentido ao lidar com os comportamentos problemticos e ao supervisionar as
tarefas cotidianas do paciente. Alm disso, inclui as tenses geradas no ambiente e nas
32
relaes familiares e sentimentos de perda, vergonha, culpa, impotncia e desamparo que
afetam pelos familiares cuidadores (Maurin & Boyd, 1990).
Com base nas pesquisas sobre sobrecarga, Maurin & Boyd (1990) propuseram um
modelo que sintetiza a relao de um familiar de paciente psiquitrico e a sobrecarga
subjetiva resultante da situao de cuidador. Esse modelo considera que a sobrecarga
subjetiva ocorreria em consequncia da ao conjunta de trs tipos de fatores: as variveis
antecedentes, a sobrecarga objetiva e os fatores mediadores, representados
esquematicamente na Figura 1.
As variveis antecedentes so aquelas que caracterizam a situao da doena
mental, como o diagnstico do paciente, os seus sintomas, o nvel de autonomia e o tipo de
residncia que mora, alm do tipo de tratamento ao qual est submetido. Essas variveis
afetariam o grau de sobrecarga objetiva e, juntos, determinariam o grau de sobrecarga
subjetiva sentida pelo familiar.
Alm disso, esse modelo prev um terceiro fator que modularia o efeito das
variveis antecedentes e da sobrecarga objetiva sobre a sobrecarga subjetiva. Os fatores
mediadores seriam variveis que poderiam amenizar ou agravar a sobrecarga subjetiva
sentida pelos cuidadores, como a qualidade da relao existente entre o paciente e seus
familiares, o suporte social recebido pelos familiares, as estratgias de enfrentamento da
doena desenvolvidas pelos familiares do paciente, o nvel scio-econmico da famlia e a
presena de outros eventos preocupantes ou estressantes na vida do familiar.
Figura 1: Modelo de Maurin e Boyd (1990) que relaciona a doena mental de um paciente psiquitrico e a
experincia de sobrecarga do familiar cuidador.
Variveis Antecedentes:
* Diagnstico
* Sintomas e nvel de
autonomia do paciente
* Tipo de residncia
* Tipo de tratamento
Sobrecarga Objetiva:
* Comportamentos do paciente * Performance social do
paciente
* Efeitos negativos do paciente
para os familiares e quebra da
rotina da casa
* Necessidade de cuidados e de
suporte do paciente
* Custos financeiros
Grau de
Sobrecarga
Subjetiva
Fatores mediadores:
* Relacionamento
familiar do paciente
* Suporte social
* Estratgias de
Enfrentamento
* Status socioeconmico
* Outros eventos da vida
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Pesquisas sobre sobrecarga
Na literatura internacional podem ser encontrados vrios estudos que buscaram
investigar a sobrecarga sentida por familiares cuidadores de pacientes psiquitricos. A
seguir, apresentam-se alguns trabalhos de reviso de literatura, que discutem as principais
pesquisas realizadas sobre esse tema.
Na reviso realizada por Maurin & Boyd (1990), so apontados como principais
fatores associados a uma maior sobrecarga: a presena de comportamentos problemticos
do paciente, os efeitos adversos da doena e o baixo grau de autonomia do paciente.
Considerando-se a sintomatologia, os dados apresentados pelos estudos apontam que os
sintomas negativos da doena do paciente esto mais fortemente relacionados com a
sobrecarga do que os sintomas positivos. Os estudos apontaram, ainda, que as mulheres se
sentem mais sobrecarregadas que os homens e que o fato de haver crianas morando junto
com o paciente um fator significativamente associado sobrecarga dos familiares.
Maurin & Boyd (1990) mostraram, ainda, que a sobrecarga afeta a sade mental dos
familiares, com destaque para as medidas de sobrecarga subjetiva, o que foi confirmado
pelas revises de literatura realizadas por Loukissa (1995) e Rose (1996).
A reviso de literatura feita por Loukissa (1995) destaca trs principais fatores
relacionados sobrecarga: os comportamentos problemticos do paciente, a sintomatologia
da doena e o baixo nvel de funcionamento do paciente. Pesquisas posteriores destacaram
outros fatores adicionais: as perdas financeiras das famlias, as limitaes nas atividades
sociais da famlia, o medo do estigma social, a ansiedade, os sentimentos de culpa e raiva,
a preocupao com o futuro, as perturbaes nas relaes entre os membros da famlia. A
sobrecarga ocorria, tambm, em consequncia do prprio contato com os profissionais de
sade mental e da busca de servios adequados para o paciente.
Na reviso de literatura realizada por Rose (1996), constatou-se que as famlias se
sentiam responsveis por supervisionar o paciente, sobrecarregadas com a tarefa de cuidar
e desconfortveis em relao s pessoas, por terem um doente mental na famlia, alm de
sofrerem com os custos financeiros da doena. A sobrecarga dos familiares se relacionava
com os seguintes fatores: a severidade da sintomatologia da doena, o nmero de
hospitalizaes sofridas pelo paciente, aos comportamentos problemticos do pacientes, as
tarefas cotidianas de monitoramento do comportamento do paciente, a limitao das
atividades e da liberdade dos familiares em funo de suas responsabilidades com o
paciente, a falta de apoio e informaes dos profissionais e servios de sade mental e o
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fato do paciente viver na mesma casa dos familiares. Alm disso, verificou-se que a
sobrecarga era maior quando transcorrido mais tempo desde a alta hospitalar.
No Brasil, as pesquisas sobre sobrecarga familiar de cuidadores de pacientes
psiquitricos esto apenas iniciando. Em uma busca realizada em bases indexadas de
peridicos cientficos, poucos estudos sobre o tema foram encontrados e a maioria das
pesquisas adotava uma metodologia qualitativa.
Ainda no que se refere s pesquisas de reviso bibliogrfica, Bandeira e Barroso
(2005) realizaram uma anlise crtica de estudos que avaliaram a sobrecarga de familiares
cuidadores dentro do contexto da reforma psiquitrica. Segundo as autoras, alguns fatores
associados sobrecarga familiar foram repetidamente confirmados pelas pesquisas, mas
ainda existem alguns que precisam ser melhor investigados, uma vez que os resultados so
contraditrios ou insuficientes. Nas pesquisas analisadas foram identificados alguns
problemas metodolgicos que podem afetar a generalizao dos resultados, como o
nmero limitado de sujeitos e a falta de representatividade da amostra. Alm disso, o tipo
de parentesco do familiar e o tipo de diagnstico do paciente, nas amostras estudadas, tm
sido restritos. Destacam tambm a falta de estudos longitudinais que investiguem os efeitos
das fases da doena na sobrecarga familiar e contribuam para o entendimento da direo
em que o fenmeno ocorre. Por fim, enfatizam a importncia do servio de sade mental
apoiar e orientar os cuidadores para prevenir a ocorrncia de transtornos psicolgicos
nesses familiares e contribuir para a reinsero social dos pacientes.
Soares e Munari (2007) realizaram uma reviso no sistemtica de literatura sobre
o mesmo tema investigado por Bandeira e Barroso (2005). Por meio da anlise de vrias
pesquisas, as autoras concluram que o sucesso da reinsero depende diretamente da
qualidade do servio e do ambiente residencial do paciente. Para tanto, a equipe de sade
mental deve levar em conta as reais condies da famlia e fornecer o suporte necessrio
para que ela supere as dificuldades e a sobrecarga decorrente do cuidado. As intervenes
devem, ainda, capacitar os familiares como cuidadores e consider-los pessoas que
tambm precisam de cuidados.
Alm desses artigos, em outros estudos esta temtica foi considerada. Garrido e
Almeida (1999) realizaram um estudo com o objetivo de revisar, de forma sistemtica, os
artigos que abordavam o impacto dos transtornos do comportamento sobre a vida do
cuidador de pacientes com demncia. Os autores identificaram que no existia uma
padronizao dos instrumentos de avaliao utilizados e que, em muitos estudos, os
resultados foram registrados de forma descritiva, havendo carncia de dados estatsticos.
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De acordo com as pesquisas, alm da sobrecarga, a presena de transtornos psiquitricos
nos pacientes tambm tem relao direta com o desenvolvimento de sintomas depressivos
nos cuidadores