Sobreposição de Unidades de Conservação e Terras Indígenas: o caso da área do Parque Nacional...
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1
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – CDS
ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM INDIGENISMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Sobreposição de Unidades de Conservação
e Terras Indígenas:
o caso da área do Parque Nacional do Monte Roraima
e a Terra Indígena Raposa Serra do Sol
JULIANA CRISTINA FUKUDA
Monografia de Especialização
Brasília-DF, abril de 2009
2
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – CDS
ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM INDIGENISMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Sobreposição de Unidades de Conservação
e Terras Indígenas:
o caso da área do Parque Nacional do Monte Roraima
e a Terra Indígena Raposa Serra do Sol
JULIANA CRISTINA FUKUDA
Orientadora: Melissa Curi
Co-orientadora: Elaine Moreira
Monografia de Especialização
Brasília-DF, abril de 2009
3
É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta monografia e
emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. O autor
reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta monografia de especialização
pode ser reproduzida sem a autorização por escrito do autor.
Juliana Cristina Fukuda
Fukuda, Juliana Cristina. Sobreposição de Unidades de Conservação e Terras Indígenas: o
caso da área do Parque Nacional do Monte Roraima e da TI Raposa Serra do Sol. / Juliana Cristina Fukuda.
Brasília, 2009. 31 p. : il. Monografia (Especialização Lato Sensu em Indigenismo e
Desenvolvimento Sustentável). Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília.
Sobreposição, Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Parque Nacional do Monte Roraima, Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
4
Pequenina semente no início deste curso,
foi crescendo em meio às disciplinas e aprendizados.
Viajou uterinamente a São Gabriel da Cachoeira,
recebeu boas energias indígenas ao final das aulas presenciais.
Nasceu em meio às discussões sobre segurança alimentar,
Mamou durante toda a elaboração desta monografia
E começou a comer já na sua finalização.
Ao meu precioso filhote, CAETÊ,
Para que cresça num mundo mais ético,
sensato e justo.
5
Agradecimentos
Ao meu marido JÚLIO CÉSAR SOUZA DE ANDRADE, pelo companheirismo em todos os
momentos deste curso e pelas contribuições à monografia.
À minha família, sempre apoiando as minhas decisões acadêmicas.
À coordenação do curso de especialização em Indigenismo e Desenvolvimento
Sustentável, nas pessoas do Prof. OTHON LEONARDOS e de RENATA GUERREIRO, que se
dedicaram sobremaneira para a realização deste curso.
À minha orientadora, MELISSA CURI, pelas idéias apresentadas e pela atenção e
cuidado no processo construção da monografia.
À minha co-orientadora, ELAINE MOREIRA, pelas indicações de bibliografia e leitura
cuidadosa deste texto.
Aos colegas e demais professores do curso, pelo rico aprendizado proporcionado
através das aulas e discussões, tanto presenciais quanto pela internet.
Aos entrevistados – LUDMILLA GUERRA, DILSON DOMENTE INGARIKÓ, JOSÉ PONCIANO
FILHO, RODRIGO PARANHOS FALEIRO E VINCENZO LAURIOLA – pela disposição e abertura para
tratar do assunto, inclusive disponibilizando importantes referências para o trabalho.
Aos examinadores da banca de defesa desta monografia, IARA VASCO FERREIRA e
JOSÉ AUGUSTO DRUMMOND, por aceitarem o convite para participarem desta etapa final do
curso.
À COORDENAÇÃO DE MEIO AMBIENTE (CMAM/CGPIMA) da FUNAI, em especial a
Ludmilla Guerra, e à COORDENAÇÃO DO BIOMA AMAZÔNICO (COBAM/DIREP) do ICMBio, em
especial a Jorge Piccolo, por permitir o acesso aos processos referentes ao tema, e pelas
conversas.
Aos colegas de trabalho que me incentivaram a fazer este curso, em especial a
CLÁUDIA ENK AGUIAR, minha então coordenadora, e a BRUNA VITA SILVA, pelo material
disponibilizado.
Enfim, a todos que de alguma forma contribuíram para as idéias e finalização deste
trabalho, muito obrigada.
6
Resumo
A sobreposição entre Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs) é
usualmente tratada como um conflito de terras e interesses entre índios / indigenistas e
ambientalistas. Entretanto, a disputa entre estas categorias de áreas protegidas
enfraquece o discurso da necessidade de manutenção dessas áreas frente a grandes
pressões por terras e uso de recursos naturais, como a exploração madeireira, o
agronegócio e a mineração. Defende-se neste trabalho a idéia de que, mesmo não sendo
simples, a situação poderia ser aproveitada para maior proteção das TIs e melhor uso das
UCs. Foi escolhida como área de estudo a região do Parque Nacional do Monte Roraima
(PNMR) / Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS). Foram analisados: a) a legislação
referente a estes dois tipos de áreas protegidas, b) a relação dos Ingarikó com o PNMR, c)
aspectos positivos advindos da sobreposição entre TIs e UCs, d) o processo de
construção do plano para gestão compartilhada para o PNMR entre Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), índios e Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), e) o PNMR no recente julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a
demarcação contínua da TIRSS. Das conclusões do estudo coloca-se que a conservação
da biodiversidade pode e deve ser estabelecida em áreas com ocupação humana, mas as
sobreposições entre TIs e UCs não são desejáveis. No entanto, onde já existem
sobreposições, a situação poderia ser aproveitada para maior proteção das TIs e melhor
uso das UCs. Além disso, a possibilidade de gestão compartilhada de áreas protegidas em
mosaico é um instrumento interessante e que vem sendo pouco utilizado em conjunto com
as TIs. Quanto à área do PNMR/TIRSS, ressalta-se o processo amplamente participativo
de construção do plano de gestão compartilhada – documento atualmente em consulta
jurídica no ICMBio e na FUNAI – e a experiência de etnoturismo, que poderá servir como
um projeto-piloto para a FUNAI para a normatização da atividade. Independente da questão
de sobreposição entre TIs e UCs, a inclusão de uma categoria relativa a áreas indígenas no
Sistema Nacional de Unidades de Conservação poderia significar um avanço para a
conservação da biodiversidade no país, bem como assegurar maior proteção à cultura
indígena.
Palavras-chave: sobreposição, Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Parque
Nacional do Monte Roraima, Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
7
Abstract
Superposition between Indigenous Lands (TIs) and Conservation Units (UCs) is
usually treated as a conflict of land and interests between indigenes / indigenists and
environmentalists. However, the dispute between these categories of protected areas
weakens the speech of the need to maintain these areas facing severe pressures on land
and use of natural resources, such as logging, mining and the agribusiness. We advocate
in this work the idea that, although not simple, the situation could be used for greater
protection of TIs and better use of CUs. It was chosen as the study area the region of the
Monte Roraima National Park (PNMR) / Raposa Serra do Sol Indigenous Land (TIRSS). It
were analyzed: a) these two types of protected areas as to the law, b) the relationship of
Ingarikó with PNMR, c) positive aspects arising from the superposition between TIs and
UCs, d) the process of building the PNMR co-management plan between Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), indigenous e Fundação Nacional do
Índio (FUNAI), e) the PNMR in the Federal Supreme Court (STF) recent trial about TIRSS
continuous demarcation. The conclusions of the study raise that biodiversity conservation
can and should be established in areas of human occupation, but the superposition
between TIs and UCs are not desirable. However, where superpositions occur, the
situation could be exploited for greater protection and better use of TIs of UCs. Moreover,
the possibility of co-management of protected areas in mosaic is an interesting tool and
that has been little used in conjunction with the TIs. As the area of PNMR / TIRSS, we
highlight the widely participatory building process of the co-management plan - document
currently in legal consultation in ICMBio and FUNAI - and the experience of etnotourism,
which could serve as a pilot project for FUNAI to the normalization of the activity.
Regardless of the issue of superposition between TIs and UCs, including a category about
indigenous areas in the National System of Conservation Units could mean a breakthrough
for the biodiversity conservation in the country and ensure greater protection of indigenous
culture.
Key words: superposition, Conservation Units, Indigenous Lands, Monte Roraima National
Park, Raposa Serra do Sol Indigenous Land.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – localização da TI Raposa Serra do Sol e Parque Nacional do Monte Roraima
............................................................................................................................. ....... pág. 4
Figura 2 – Proporção do desmatamento dentro e fora das áreas protegidas na Amazônia
legal e nos estados de Mato Grosso (MT), Pará (PA) e Rondônia (RO) ...................... pág. 6
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AER - Administração Executiva Regional
CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica
CIR – Conselho Indígena de Roraima
comunic. pess. – comunicação pessoal
COPING - Conselho do Povo Ingarikó
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias
FUNAI - Fundação Nacional do Índio
GT - grupo de trabalho
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas
ISA – Instituto Socioambiental
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
MJ - Ministério da Justiça
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MRE - Ministério das Relações Exteriores
ONG - organização não-governamental
OPIR – Organização dos Professores Indígenas de Roraima
PDPI – Programa Demonstrativo dos Povos Indígenas
PN – Parque Nacional
PNAP – Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas
10
PNMA – Política Nacional de Meio Ambiente
PNMR – Parque Nacional do Monte Roraima
PPTAL – Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia
Legal
RDS – Reserva de Desenvolvimento Sustentável
RESEX – Reserva Extrativista
RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural
RR – estado de Roraima
RVS – Refúgio de Vida Silvestre
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SODIUR - Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SPU – Secretaria do Patrimônio da União
STF – Supremo Tribunal Federal
TI(s) – Terra(s) Indígena(s)
TIRSS – Terra Indígena Raposa Serra do Sol
UC(s) – Unidade(s) de Conservação
UFRR – Universidade Federal de Roraima
11
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1
2 DESENVOLVIMENTO ....................................................................................................... 3
2.1 A área de estudo ......................................................................................................... 3
2.2 Por que há discórdias entre defensores acirrados de UCs e TIs? Faz sentido? ......... 5
2.3. Sobre o reconhecimento de Terras Indígenas e Unidades de Conservação na
legislação brasileira .......................................................................................................... 7
2.4. As Terras Indígenas no SNUC ................................................................................ 10
2.5. As sobreposições entre Terras Indígenas e Unidades de Conservação federais ..... 11
2.6. Aspectos positivos advindos da sobreposição .......................................................... 13
2.7. Os Ingarikó e o Parque Nacional do Monte Roraima ................................................ 16
2.8. Os trabalhos para a gestão compartilhada (ICMBio, indígenas e FUNAI) do PNMR . 18
2.9. O Parque Nacional no processo da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol junto ao Supremo Tribunal Federal ............................................................ 22
3. CONCLUSÕES ........................................................................................................... 24
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 26
APÊNDICE
ANEXOS
1
1. INTRODUÇÃO
Diversos são os relatos e provas de que há muito tempo a humanidade reserva parte
da área que ocupa para usufruto de recursos ou provimento de serviços ambientais. Com
o crescimento populacional mundial e o uso cada vez maior de energia por boa parcela
desta população, principalmente a partir da Revolução Industrial, ambientes naturais foram
sendo transformados e degradados. Agir contra a perda de biodiversidade, de recursos
naturais e de espaços de contemplação da natureza são algumas das razões que
motivaram diferentes países, a partir do final do século XIX, a adotarem ações de criar e
manter reservas ambientais. No Brasil, reservas com estes fins são denominadas
Unidades de Conservação (UCs).
Já as Terras Indígenas (TIs) correspondem a áreas delimitadas cujos objetivos são
de reconhecer o direito originário dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam
e proteger as terras de invasões e apropriações indevidas dos bens nelas existentes. Não é
objetivo específico das TIs o de conservação dos recursos naturais. Entretanto, o modo de
vida indígena, intimamente ligado à natureza, somado aos esforços de cada grupo
indígena para manter íntegra a área de sua posse, têm-se mostrado muito importantes
para a conservação da biodiversidade. Não à toa, o Plano Estratégico Nacional de Áreas
Protegidas (PNAP) considera que sejam áreas protegidas: unidades de conservação
federais, estaduais e municipais, terras indígenas, terras de quilombo, reservas legais,
áreas de preservação permanente e reservas da biosfera (BRASIL, 2006).
Territorialmente, em algumas partes do país, estas duas categorias de áreas
protegidas foram sobrepostas. Há casos em que TIs estão totalmente sobrepostas a UCs,
outros onde UCs estão totalmente sobrepostas a TIs e outras ainda onde uma porção de
cada são sobrepostas. Há casos de sobreposição tanto de UCs de proteção integral quanto
com UCs de uso sustentável. De acordo com estudo realizado pelo Instituto Socioambiental,
até 2004 existiam no Brasil cerca de 83,8 milhões de hectares em UCs1, e 91,1 milhões de
hectares de em TIs2, havendo 12,9 milhões de hectares de sobreposições entre UCs e TIs.
(ROLLA & RICARDO, 2004).
1 Levando-se em conta somente as UCs estaduais e federais, tendo suas áreas somadas e subtraída a área
total de sobreposições e de área marinha.
2 Considerando-se apenas as TIs identificadas, declaradas, reservadas, homologadas e registradas em
cartório ou SPU
2
A questão da sobreposição de Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação
(UCs) é usualmente tratada como um conflito de terras e interesses entre índios /
indigenistas e ambientalistas. Entretanto, em face do quadro atual, a disputa entre estas
categorias de áreas protegidas enfraquece o discurso sobre a necessidade e importância
dessas áreas protegidas frente a grandes pressões por terras e recursos naturais nelas
existentes como o agronegócio, mineração e exploração madeireira. Pelo contrário, a
situação poderia ser aproveitada para maior proteção das TIs e melhor uso das UCs.
A lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, no
art. 57 prevê a instituição de grupos de trabalho entre FUNAI – Fundação Nacional do
Índio e ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (à época,
atribuição do IBAMA3 – Instituto Brasileiro dos Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis) – para “propor as diretrizes a serem adotadas com vistas à regularização das
eventuais superposições entre áreas indígenas e unidades de conservação”. O decreto
5758/2006, que institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – PNAP, tem
como um de seus objetivos “solucionar os conflitos decorrentes da sobreposição das
unidades de conservação com terras indígenas e terras quilombolas”. No entanto, até hoje
poucas iniciativas foram realizadas neste sentido, sobretudo levando-se em consideração
a quantidade de conflitos existentes (MLYNARZ, 2008; FALEIRO, 2005b).
MARETTI (2004) expõe casos interessantes de alguns países – Bolívia, Colômbia,
África do Sul e Austrália – em que os territórios indígenas (ou tradicionais, no caso de
África do Sul, ou aborígenes, no caso da Austrália) fazem parte do sistema nacional de
áreas protegidas. Em todos os casos, há processos de gestão compartilhada, em que a
comunidade local participa das decisões de manejo. Quando há participação e
envolvimento destes grupos locais, há maior comprometimento para a conservação a
longo prazo, e quando essa participação ocorre desde o início, os resultados são mais
benéficos tanto para os grupos sociais como para a as áreas protegidas4. CASTRO, ALFARO
E WERBROUCK (2001) explanam o processo de parceria entre governo e indígenas para a
gestão de áreas protegidas no Peru, em defesa da idéia de que a sustentabilidade dessas
áreas é bastante aumentada quando a sua implementação beneficia diretamente as
populações locais.
3 A atribuição de gestão das UCs federais, de responsabilidade do IBAMA até 2007, passou a ser do ICMBio,
autarquia federal criada através da Lei 11.516/2007. 4 FUKUDA (2006) demonstrou que esta relação também existiu nas UCs marinho-costeiras de uso sustentável
no Brasil.
3
Pretende-se neste trabalho discutir a questão de sobreposição de Unidades de
Conservação e Terras Indígenas, tendo como foco a área do Parque Nacional do Monte
Roraima (PNMR) / Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS). Recentemente, em abril
de 2009, foi finalizado o plano para gestão compartilhada desta Unidade de Conservação,
envolvendo ICMBio, FUNAI e indígenas. Por outro lado, a disputa ambientalistas x índios /
indigenistas foi utilizada por críticos à demarcação da TIRSS como um dos argumentos
para o pedido de anulação da demarcação da TI junto ao Supremo Tribunal Federal, cuja
ação foi também recentemente encerrada, em março de 2009.
As informações para este trabalho foram obtidas em referências bibliográficas e na
internet, em documentos institucionais da FUNAI e ICMBio e em entrevistas5 com pessoas
que tiveram participação em aspectos relativos à sobreposição da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol e Parque Nacional do Monte Roraima – técnicos da FUNAI, ICMBio e
indígenas (Apêndice 1).
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. A área de estudo
A área de estudo situa-se na porção mais setentrional do estado de Roraima, divisa
com a Guiana e a Venezuela. A Terra Indígena Raposa Serra do Sol6, demarcada em
1998 e homologada em 2005 (Anexo 1), tem 1.743.089 hectares e abrange parte dos
municípios de Pacaraima, Uiramutã e Normandia. Na região habitam cerca de 15 mil
índios, distribuídos em 152 aldeias das etnias Ingarikó, Makuxi, Taurepang, Wapixana e
Patamona (BRASIL, 2005; SANTILLI, 2006b).
Na parte norte desta Terra Indígena, em total sobreposição à mesma, encontra-se o
Parque Nacional do Monte Roraima (Figura 1). Esta Unidade de Conservação tem
aproximadamente 116 mil hectares, abrangendo terras do município de Uiramutã. Foi
criada através do decreto 97.887 de 28/06/1989 (Anexo 2), tendo como objetivo:
proteger amostras dos ecossistemas da Serra Pacaraima, assegurando a preservação de sua flora, fauna e demais recursos naturais, características geológicas, geomorfológicas e cênicas, proporcionando oportunidades controladas para visitação, educação e pesquisa científica (BRASIL, 1989).
5 As conversas foram realizadas sem um roteiro, mas na forma de perguntas e respostas.
6 Anteriormente, em 1989,na parte norte do que hoje é a TIRSS, havia sido demarcada a Área Indígena Ingarikó,
que ocupava 90 mil ha.
4
Principal chamativo cênico da região, o Monte Roraima é considerado pelos
indígenas venezuelanos (Pémon) e brasileiros (Ingarikó e Macuxi) como "A Casa de
Macunaíma"; os Pémon ainda o chamam de "Madre de todas las Águas" (IBAMA, 2004).
Outro atrativo do PNMR é o Monte Caburaí, ponto mais setentrional do país.
Figura 1 – Localização da TI Raposa Serra do Sol e Parque Nacional do Monte Roraima -
Fonte: ISA (disponível em <http://www.socioambiental.org/nsa/mapas/img/map_raposa_ 15042005.gif/mapa>).
Na área do PNMR habitam cerca de 1120 índios Ingarikó, grupo indígena
pertencente à família lingüística Karib, também conhecidos como Kapon ou Akawaio.
5
Ocupam tradicionalmente as serras da região norte do estado de Roraima. Estão presentes
também na Venezuela e na Guiana, sendo freqüente o contato entre si. Como a área é de
difícil acesso, e como há um histórico de guerras deste povo, estes índios permaneceram
livres dos vários recrutamentos de mão-de-obra indígena que têm afetado, há séculos,
povos vizinhos ao sul (ISA, 2009; MLYNARZ, 2008; RORAIMA, 2009).
2.2. Por que há discórdias entre defensores acirrados de UCs e TIs? Faz sentido?
É inegável a discórdia existente entre indigenistas e ambientalistas radicais, que
defendem os índios ou a natureza, um desdenhando a importância do outro. Aqueles que
criticam as TIs alegam que várias delas encontram-se degradadas, que os índios
comercializam os recursos naturais de suas terras ou os utilizam de maneira muito
impactante, por exemplo, através da caça e agricultura de corte-e-queima. Já os que
criticam as UCs dizem que, se há a presença de índios na região, eles habitavam ou
utilizavam a área muito antes da criação da UC. Além disto, alegam que as UCs não contam
com estrutura física nem de pessoal para proteger e manejar o que está no ato de criação,
fazendo com que muitas delas fiquem bastante degradadas. Esta disputa se torna ainda
mais acirrada nas áreas de sobreposição.
Eticamente, geneticamente, antropologicamente e culturalmente, pelo menos, é
indiscutível a necessidade de proteger áreas utilizadas pelos índios que resistiram – e ainda
resistem – ao processo de colonização do Brasil. Cabe lembrar que as estimativas da
população indígena no Brasil à época da chegada dos primeiros europeus às Américas
variam entre 1 e 8,5 milhões de pessoas, falantes de cerca de 1250 línguas. Hoje, mesmo
com o aumento populacional indígena nos últimos anos, são cerca de 600 mil pessoas (20%
em áreas urbanas), falando somente 180 línguas, aproximadamente (RICARDO & RICARDO,
2006; CUNHA, 1992; RODRIGUES, 2009).
O Brasil é reconhecidamente um dos países com maior riqueza de espécies e
diversidade de ecossistemas do mundo. BRANDON ET AL. (2005), baseados em outros
autores, citam que há no país mais de 13% da biodiversidade e 40% do que resta de
florestas tropicais no planeta. A proteção deste patrimônio natural, seguindo convenções
internacionais, como a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB, do qual o Brasil é
signatário), tem como um de seus instrumentos a criação e a implementação de áreas
protegidas para conservação biológica (UCs). A criação de novas Unidades de Conservação
tem buscado proteger áreas com alta importância biológica que estejam sob forte ameaça
de degradação devido a ações antropogênicas (SILVA, 2005).
6
CASTRO, ALFARO E WERBROUCK (2001) bem estabelecem o balanço que deve haver
entre indigenismo e ambientalismo, para embasar o seguinte: os objetivos aparentemente
complementares de conservação biológica e empoderamento das populações indígenas têm
custos para a natureza, já que todo uso de recursos naturais afeta alguns atributos ou
componentes da biodiversidade, não somente o recurso-alvo mas também outros
elementos. Desta forma, somente áreas de proteção integral conseguiriam preservar
completamente todos os atributos e componentes da biodiversidade. No entanto, a
conservação da biodiversidade pode e deve ser estabelecida em áreas com ocupação
humana. O desafio está em equilibrar, através de processos participativos, as necessidades
das populações locais com os objetivos de conservação da biodiversidade.
FERREIRA, VENTICINQUE E ALMEIDA (2005), analisando o desmatamento entre 2002 e
2003 nos estados de Mato Grosso (MT), Pará (PA) e Rondônia (RO), demonstraram que
existe uma grande diferença na proporção do desmatamento dentro ou fora das áreas
protegidas – considerando-se UCs e TIs – que variou aproximadamente 10 vezes em MT e
RO a aproximadamente 20 vezes no PA (Figura 2). Isso mostra claramente a importância
das UCs e TIs como instrumento para conter ou diminuir o desmatamento nos três estados
que mais contribuíram com o desmatamento na Amazônia Legal. De algum modo isso
também contraria a idéia generalizada de que as áreas protegidas na Amazônia não
cumprem a função de conservação e uso racional dos recursos na região, somente pelo fato
de muitas não estarem ainda implementadas.
Figura 2 – Relação ente o desmatamento ocorrido fora e dentro das áreas protegidas na Amazônia Legal e nos estados de Mato Grosso (MT), Pará (PA) e Rondônia (RO) – modificado de FERREIRA, VENTICINQUE E ALMEIDA (2005)
7
Na região da PNMR / TIRSS, CHERNELA (2001) aponta que houve convergência
entre ambientalistas e indigenistas quando donos de terra, opositores à demarcação da
TIRSS, pretendiam que o Estado não reconhecesse a TI. Então o Conselho Indígena de
Roraima (CIR) teria feito forte campanha internacional, via mídia eletrônica, defendendo os
índios e o meio ambiente brasileiro.
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da qual mais de 180 países são
signatários, ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo 02/1992, aponta a
necessidade de que haja convergência de interesses:
Cada Parte Contratante deve (...) estabelecer em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas (BRASIL, 1992, art.8, j).
Assim, ambientalismo e indigenismo não devem ser bandeiras contrárias, pois os
interesses comuns podem fortalecer tanto UCs quanto TIs.
2.3. Sobre o reconhecimento de Terras Indígenas e Unidades de Conservação na
legislação brasileira
Pode-se dizer que uma das causas da discórdia entre aqueles que defendem
acirradamente as TIs ou as UCs é a falta de entendimento de que os procedimentos para o
reconhecimento de cada um desses tipos de áreas protegidas são bastante distintos. Essa
diferença ocorre pois os históricos jurídicos desses dois assuntos seguiram caminhos
próprios.
Na Constituição Federal, legislação máxima do país, é colocado, no artigo 231:
São reconhecidos aos índios (...) os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
8
(...)
§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
Aqueles que criticam as TIs alegam que este artigo da Constituição Federal deixa
vaga a idéia quanto aos limites destes territórios.
Administrativamente, os processos de reconhecimento das TIs são conduzidos pela
FUNAI, de acordo com o Estatuto do Índio – Lei 6.001/1973 – e com o Decreto 1.775/1996.
Neste decreto estão definidas as etapas do processo de demarcação das TIs, que incluem a
identificação e delimitação, demarcação física, homologação e registro de terras indígenas.
Um resumo desses estudos iniciais é publicado no Diário Oficial da União.
Segundo a FUNAI (2009), o início do processo de reconhecimento de uma Terra
Indígena se dá por meio da identificação e delimitação, realizado por um grupo técnico de
trabalho, composto por técnicos da FUNAI, do INCRA e/ou da secretaria estadual de terras.
A comunidade indígena é envolvida diretamente em todas as fases. O resultado - um
relatório circunstanciado de identificação e delimitação da área estudada – tem seu resumo
publicado no Diário Oficial da União, no diário oficial do estado e uma cópia da publicação é
afixada na sede municipal da comarca de situação da terra estudada. Com base nesses
estudos, que são aprovados pelo Presidente da FUNAI, a área será declarada de ocupação
tradicional do grupo indígena a que se refere, por ato do Ministro da Justiça - portaria
publicada no Diário Oficial da União – reconhecendo-se formalmente o direito originário
indígena sobre uma determinada área. Após esta publicação, podem ser apresentadas
contestações um prazo de 90 dias.
Ainda de acordo com a FUNAI, os estudos e pareceres são encaminhados para o
Ministério da Justiça, que faz a análise referente aos limites da terra indígena e das
alegações apresentadas pelos contestantes. Após aprovação pelo MJ, a terra é declarada
de ocupação tradicional do grupo indígena especificado, indicando a superfície, o perímetro
e os limites, e determinada então a sua demarcação física. O resultado final da demarcação
é apresentado em mapa e memorial descritivo. De posse disso, prepara-se a documentação
para confirmação dos limites demarcados, o que corresponde à homologação, efetivada por
meio de um decreto do Presidente da República. O processo administrativo de regularização
de uma terra indígena termina com o seu registro no cartório imobiliário da comarca onde o
imóvel está situado e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
9
Já a regularização das Unidades de Conservação segue o previsto na Lei 9.985/2000,
que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), e no seu
respectivo Decreto 4340/2002. Elas são assim definidas:
espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
Sem a denominação de “UC”, mas com a mesma intenção, a Constituição Federal
estabelece que incumbe ao Poder Público “definir, em todas as unidades da Federação,
espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a
alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção” (art.225, § 1º, inc. III).
A Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), instituída pela Lei 6.938/1981, considera
estas áreas protegidas como um dos instrumentos da PNMA (art. 9º, inc. VI).
As UCs tornam-se oficiais perante decreto presidencial, após estudos de criação
realizados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Nesse ato
devem constar a denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a área da
unidade e o órgão responsável por sua administração. Posteriormente as regras de visitação
e proteção da Unidade são definidas pelo seu Plano de Manejo, oficializado em portaria
publicada no Diário Oficial da União. Vale lembrar que as UCs podem ser também estaduais
ou municipais (ou particulares, o que não é relevante para a discussão deste trabalho),
sendo então criadas e geridas pelo órgão de mesma esfera administrativa.
A lei do SNUC ainda contempla a situação de áreas protegidas que estão “próximas,
justapostas ou sobrepostas”, devendo a gestão ser feita de forma integrada:
quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional (BRASIL, 2000, art. 26).
Apesar de o artigo 26 da lei 9.985/2000 recomendar este tipo de gestão, a maior
parte de mosaicos são constituídos somente por Unidades de Conservação, como o
Mosaico Bocaina (Portaria MMA 349/2006); Mosaico da Mata Atlântica Central Fluminense
(Portaria MMA 350/2006), Mosaico da Serra da Mantiqueira (Portaria MMA 351/2006) e
Mosaico das Ilhas e Áreas Marinhas Protegidas do Litoral Paulista (decreto estadual
53.528/2008). Os únicos mosaicos que se conseguiu identificar a inclusão de UCs foram:
10
Mosaico de Áreas Protegidas Sertão Veredas-Peruaçu (Portaria MMA 128/09), que inclui a
TI Xacriabá, o Mosaico de Áreas Protegidas do baixo Rio Negro, onde estão presentes
índios Kambeba, Baré, Tukano, Saterê-Maué, Karapanã e Desana (IPÊ, 2009), e o Mosaico
de Áreas Protegidas do Planalto das Guianas, onde estão inseridos índios Tiriyó, Kaxuyana,
Wayana, Aparai, Zo’é, Wajãpi, Galibi-Kalinã, Karipuna, Palikur, Galibi-Marworno e Wai-Wai
(IEPE, 2007).
2.4. As Terras Indígenas no SNUC
Na lei do SNUC, há uma única menção à questão indígena, justamente para tratar
da questão de sobreposição entre TIs e UCs:
os órgãos federais responsáveis pela execução das políticas ambiental e indigenista deverão instituir grupos de trabalho para, no prazo de cento e oitenta dias a partir da vigência desta Lei, propor as diretrizes a serem adotadas com vistas à regularização das eventuais superposições entre áreas indígenas e unidades de conservação (BRASIL, 2000, art. 57).
Segundo MLYNARZ (2008), em 2000, houve apenas uma reunião com esta intenção,
envolvendo Ministério da Justiça, FUNAI, Ministério do Meio Ambiente, IBAMA e Ministério
Público, tendo o prazo expirado e o grupo se dissolvido.
SANTILLI (2004) e SANTILLI (2006a) comentam que, à época da discussão do projeto
de lei do SNUC no Congresso Nacional, foi proposta uma categoria de unidade de
conservação que seria específica para as Terras Indígenas. Esta categoria foi denominada
Reserva Indígena de Recursos Naturais (RIRN). Ela seria criada através de decreto
presidencial, por solicitação do grupo indígena, e seria gerida pela comunidade indígena
ocupante. A proposta teria sido incluída no relatório pelo relator do projeto, deputado
Fernando Gabeira, mas teria sido excluída posteriormente por pressões do IBAMA, da
FUNAI e de organizações indígenas.
Esta interessante proposta é semelhante ao que foi aprovado no SNUC para
Reservas Extrativistas (RESEX), categoria que tem como um dos seus objetivos básicos
proteger os meios de vida e a cultura das populações tradicionais e assegurar o uso
sustentável dos recursos naturais. As RESEX são de domínio público, com uso concedido
às populações extrativistas tradicionais. Ressalta-se que a necessidade de solicitação por
parte da comunidade para a criação desse tipo de UC também é a forma que havia sido
proposta para as RIRN.
11
Compreende-se, entretanto, que a criação de uma categoria indígena no SNUC não
seria excludente à existência das TIs, sendo que o processo para reconhecimento das
mesmas não mudaria. Para que a TI fosse reconhecida como RIRN (ou qualquer outra
denominação), os índios daquela área teriam que solicitar ao órgão responsável para que
a mesma fosse reconhecida como UC. A crítica então de que algumas TIs são demais
degradadas para serem consideradas UCs não procederia, pois a TI passaria por outro
processo – desta vez, então, de verificação quanto à importância e relevância ambiental
da área – para ser considerada UC. ABI-EÇAB (2008) sugere que o ideal seria a
composição de mosaicos deste tipo de UC proposto (RIRN) com UCs de Proteção
Integral, de forma a conciliar a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável
das comunidades indígenas.
2.5. As sobreposições entre Terras Indígenas e Unidades de Conservação federais
Como citado, no Brasil as terras indígenas são demarcadas através de ato do
Ministério da Justiça e homologadas por decreto do Presidente da República, sendo,
portanto, atribuição exclusiva da esfera administrativa federal. As Unidades de
Conservação podem ser criadas e geridas tanto pelos poderes federal, estadual,
municipal, ou ainda serem particulares.
De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Socioambiental até setembro
de 2004 havia no Brasil 55 casos de sobreposição de UCs e TIs, envolvendo 33 UCs
federais, 9 UCs estaduais e 37 TIs, totalizando uma área de 12.941.061 ha (Rolla &
Ricardo, 2004). Há casos em que as UCs foram criadas anteriormente à demarcação da TI
e há casos inversos.
FALEIRO (2007) reconhece diferentes graus de contato dos grupos indígenas
afetados por sobreposições: grupos isolados que não têm contato com a sociedade
nacional, grupos de pouco contato, grupos em contato constante e grupos em processo de
reconhecimento ou revitalização cultural. Também por conta disto, os vários grupos
indígenas apresentam modos de vida muito diferenciados, levando a FUNAI a adotar
diferentes estratégias de contato.
Trataremos aqui somente das situações de sobreposição entre TIs e UCs federais
por causa da dificuldade de acesso a informações sobre UCs de outras esferas
12
administrativas – conforme informações do MMA, o próprio Cadastro Nacional de
Unidades de Conservação7 é de difícil atualização.
Em abril de 2008, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
promoveu uma oficina de trabalho, em que se reuniram gestores de UCs federais com
sobreposições atuais ou potenciais com TIs e técnicos da instituição. Estiveram presentes
gestores de 2 Estações Ecológicas, 2 Reservas Biológicas, 10 Parques Nacionais – UCs
de Proteção Integral8 – e de 4 Florestas Nacionais, 7 Reservas Extrativistas e 1 Área de
Proteção Ambiental – UCs de Uso Sustentável9 (ICMBIO, 2008). Nas diferentes situações
de sobreposição, as relações entre FUNAI, ICMBio e indígenas são variadas, incluindo
áreas de conflito intenso, áreas onde já houve ou onde está em processo a desafetação
da UC, áreas onde há ou se está em processo de construção de uma gestão
compartilhada, áreas onde os índios participam do conselho consultivo10 da UC. Entre
algumas opiniões do encontro, citam-se alguns pontos interessantes:
“Dupla afetação é um erro (...) tem que ser uma coisa ou outra.”
“Sobreposição é indesejável também para categorias de uso sustentável, pois o
usufruto passa a ser exclusivo dos indígenas em detrimento das comunidades
tradicionais. Deve-se evitar, pois os enfrentamentos são muito graves.”
“A situação atual não é de se optar por extremos. Uma possibilidade seria resgatar
a proposta da categoria de manejo RIRN, ou outra a ser incluída no SNUC.” De
qualquer forma, “desafetação de UC não é uma estratégia adequada, é melhor a
re-categorização, pois se trata de uma área de relevância ambiental”
“Uma das possibilidades para as sobreposições é que a UC seja considerada como
zona intangível que deverá ter sua forma de gestão regulamentada.”
Com o intuito de buscar soluções para a gestão de UCs e TIs em áreas de
sobreposição, há esforços de alguns gestores para a construção de planos de gestão
7 De acordo com a Lei 9.985/2000 (art. 50), este cadastro deve ser organizado e divulgado pelo Ministério do
Meio Ambiente, devendo conter os dados principais de cada UC, incluindo características relevantes.
8 UCs onde não é permitido o uso direto dos recursos nem a presença de moradores
9 UCs onde é permitido o manejo, desde que controlado, e nas quais é admitida a presença de moradores
10
É previsto no SNUC que as UC devem ter conselhos – consultivos nas UCs de Proteção Integral e Florestas Nacionais (FLONAs) – e deliberativos nas Reservas Extrativistas (RESEX) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
13
compartilhada. Citam-se, além do PNMR/ TIRSS, objeto deste trabalho, o caso do Parque
Nacional Pacaás Novos / TI Uru-Eu-Wau-Wau/, em Rondônia, onde avanços têm ocorrido
para a proteção da UC com apoio dos índios (os índios não aceitaram que houvesse
visitação na área de sobreposição); no Parque Nacional do Araguaia / TI Boto Velho há
um processo de cooperação em construção, e no Parque Nacional do Monte Pascoal / TI
Barra Velha, há um acordo de cooperação técnica entre FUNAI e ICMBio (ICMBIO, 2008,
PONCIANO FO, comunic. pess.)
No evento referido foram levantadas ainda sugestões que podem ser utilizadas em
relação à questão de sobreposição como: formação de agentes ambientais voluntários
indígenas e uso de recursos disponíveis (PPTAL11, PDPI12, etc.) para estudar a proposição
de novas TIs em conjunto com ICMBio (ou financiar ações específicas de solução de
problemas de sobreposição).
Como propõe FALEIRO (2007), é essencial ampliar e divulgar o conhecimento de
experiências similares em outros países e avaliar a possibilidade de aplicar o mesmo no
Brasil.
2.6. Aspectos positivos advindos da sobreposição
As situações de sobreposição entre UCs e TIs, apesar de não serem desejáveis,
devem (ou deveriam) ser encaradas como forma de minimizar os conflitos e gerir a área
da melhor maneira possível para que se cumpram os objetivos de conservação ambiental
e de proteção da cultura indígena. Além disto, a sobreposição destes dois tipos de
territórios traz alguns benefícios que podem ser aproveitados para os objetivos de UCs e
TIs. Alguns aspectos em que as TIs podem se beneficiar por estarem sobrepostas a UCs
podem ser levantados:
ICMBio tem poder de polícia e FUNAI não. A lei que cria o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade prevê que uma das finalidades da autarquia é “exercer o
poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela
11
O Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL) é vinculado à
FUNAI e faz parte do Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais do Brasil. Seu objetivo é melhorar a qualidade de vida das populações indígenas e promover a conservação dos recursos naturais por meio da regularização das terras indígenas e medidas de proteção a essas áreas. 12
Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI) é um programa do governo brasileiro que tem por objetivo melhorar a qualidade de vida dos povos indígenas da Amazônia Legal brasileira, fortalecendo sua sustentabilidade econômica, social e cultural, em consonância com a conservação dos recursos naturais de seus territórios.
14
União” (lei 11.516/07, art. 1º, inciso IV). Veja-se ainda o reconhecimento dos índios da TI
Igarapé Lourdes, sobreposta à REBIO Juro (RO), de que a existência da UC protege a TI,
já que as duas estão em área muito pressionada por alterações antrópicas (ICMBIO,
2008).
Sanções mais rigorosas no interior de UCs. O decreto relativo à lei de crimes
ambientais prevê que as multas para as infrações cometidas ou que afetarem unidade de
conservação ou sua zona de amortecimento13 serão cobradas pelo menos em dobro
(decreto 6514/2008, art. 93). Além disso, há nove artigos específicos “das infrações
cometidas exclusivamente em Unidades de Conservação” (decreto 6514/2008, subseção
VI). Não há nenhuma referência na lei e no decreto de crimes ambientais a infrações
cometidas em Terras Indígenas.
Compensação ambiental – UCs recebem, TIs não. Os empreendimentos de
significativo impacto ambiental, se licenciados, devem repassar um percentual do valor da
obra para a(s) UC(s) mais próxima(s), mesmo quando estas não são diretamente afetadas
pelo empreendimento (Lei 9.985/2000, art. 36). Essas quantias podem ser utilizadas para
regularização fundiária, proteção, estruturação física etc. Isso representa um recurso
financeiro considerável a ser usado para a implementação de algumas UCs. As TIs não
têm direito a receber algo equivalente.
Subsolo e espaço aéreo pertencem à UC – De acordo com a lei do SNUC, “o subsolo
e o espaço aéreo, sempre que influírem na estabilidade do ecossistema, integram os limites
das unidades de conservação” (art. 24). Não há dispositivo legal que preveja este tipo de
proteção às TIs. Este ponto é especialmente importante em relação à mineração, pois, em
uma UC, mesmo que a perfuração ocorra fora da área protegida, é proibida (a não ser nas
categorias que permitem este uso) a extração de recursos do subsolo da UC.
As TIs podem receber intervenção da União. As TIs são de posse permanente dos
índios (Constituição Federal, art. 231), mas de acordo com o Estatuto do Índio (Lei
6.001/1973, art. 20), a União poderá intervir nelas mediante decreto presidencial por
motivos tais como segurança nacional, obras públicas de interesse ao desenvolvimento
nacional e exploração de riquezas do subsolo. Já para as UCs não há intervenção prevista
desta natureza.
13
“o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade” (lei 9.985/2000, art. 2º, inciso XVIII)
15
Renda alternativa para a comunidade indígena. A estruturação da visitação
etnoturística da UC, desde que desejado pelos índios, permite que eles prestem serviços
como de guiagem. Há outras possibilidades no entorno, como comércio de artesanato
local, podendo gerar renda para a comunidade.
Divulgação da cultura indígena local. Aproveitando-se a abertura à visitação turística
da UC, aspectos da cultura indígena local poderiam, dentro do acordado pela comunidade,
ser mostrados, de forma a diminuir o preconceito e obter mais respeito da sociedade não-
indígena, e até a promover a auto-estima do grupo indígena.
Por outro lado, TIs apresentam alguns aspectos dos quais as UCs podem se
beneficiar devido à sobreposição.
Maior proteção da área devido à presença dos índios. Estudos realizados pelo ISA
(2004) demonstraram que na Amazônia, em 2001, o desmatamento em TIs representava
1,14% de suas áreas, enquanto nas UCs federais era de 1,47% (e nas UCs estaduais,
7,01%). Apesar de o estudo não citar se as UCs eram de uso sustentável ou não, mesmo
que todas assim o fossem, já se demonstraria o menor grau de degradação das TIs (áreas
protegidas com pessoas no seu interior, tal quais as UCs de uso sustentável) em relação
às UCs. Ainda se pode citar a Floresta Nacional do Bom Futuro, sobreposta à TI Karitiana
(RO), onde as áreas mais próximas da Terra Indígena e a área sobreposta são as mais
preservadas, o que indica que a presença dos indígenas ajuda na proteção da UC
(ICMBIO, 2008).
As TIs são rapidamente demarcadas, com sinalização clara. Assim que a Portaria
Declaratória de uma TI é assinada, rapidamente os limites e acessos são sinalizados de
forma bem clara quanto à existência de um território especial, sendo o acesso restrito. O
art. 1914 do Estatuto do Índio expressa claramente este ponto. Nas UCs, apesar da
importância semelhante da demarcação, a maioria delas não tem qualquer tipo de
sinalização, facilitando invasões e dificultando ações de retirada posteriores.
Cultura indígena como aspecto positivo da UC. A manutenção de uma cultura
indígena, além da biodiversidade e de seus elementos paisagísticos, é um aspecto a ser
reconhecido como finalidade diferencial da UC. Além disso, se for de vontade dos índios
divulgar a sua cultura, isto se torna mais um atrativo para a região.
14
“As TIs, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente
demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo”
16
2.7. Os Ingarikó e o Parque Nacional do Monte Roraima
Apesar de o termo de referência para a contratação de consultoria para elaboração do
plano de manejo do PNMR ser de dezembro de 1997, o convênio15 que possibilitou essa
contratação só foi celebrado em abril de 1999. Os trabalhos ocorreram em 1999 e 2000,
período em que foram realizadas duas viagens de campo. A primeira teve o objetivo
principal de ter uma visão geral sobre a UC, a segunda visou à realização da oficina de
planejamento para a elaboração do plano de manejo (SCARDUA, 1999; IBAMA, 2000).
Como expõe LAURIOLA (2004), a primeira vez que os Ingarikó ouviram falar no Parque
Nacional do Monte Roraima foi em março de 2000, já na oficina para a elaboração do plano
de manejo16 da UC. No evento não esteve presente nenhum representante da FUNAI
(IBAMA, 2004). Estiveram presentes três indígenas, convidados pela prefeitura de Uiramutã.
Alegam os Ingarikó que não compreenderam naquele momento as implicações da
existência daquele Parque Nacional sobre os seus modos de vida. Começaram a discutir
então a questão junto ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), que teria relatado o fato
junto à FUNAI.
Foi realizada então uma viagem a campo por técnicos da FUNAI em agosto/setembro
de 2000. Diante das exposições feitas por estes técnicos, os indígenas teriam se
manifestado contrários ao Plano de Manejo e ao próprio Parque Nacional. No processo da
FUNAI referente a este assunto (Processo 2165/2000 – DV), há abaixo-assinados de várias
comunidades Ingarikó, que, pelas datas, parecem ter sido redigidas nas reuniões
promovidas durante a citada viagem de técnicos da FUNAI. Eis o texto de parte do abaixo-
assinado da comunidade indígena Ingarikó - Aldeia Awendei para o presidente da FUNAI, o
procurador-geral da República, o superintendente do IBAMA Boa Vista e o diretor da
Eletronorte Boa Vista RR, em 01/09/2000:
Nós índio Ingaricó não aceitamos este plano de manejo, nós pescamos, caçamos, trabalhamos em artesanato, visitamos nossos parentes Akawayo, Macuxi, Patamona e Taurepang, façamos todo esse tipo de movimento sem nenhuma preocupação. Agora aparece esse tal manejo, nós entendemos ainda que a criação desse Parque significa a destruição do nosso grupo e o surgimento de problema, não queremos ser morto e preso pelo IBAMA e turismo. A terra é nosso meio, não é dos brancos. Queremos viver tranqüilo, nosso povo está aumentando e também estão criando gado,
15
Convênio Eletronorte/Abes/Ibama para fortalecimento do PNMR como compensação ambiental da construção
da linha de Guri da Eletronorte.
16 “Documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma UC, se estabelece o seu
zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade” (lei 9.985/2000, art.2º, inciso XVII).
17
cavalo, galinha e plantando os legumes necessários. Por isso precisamos dessa terra livre.
Por outro lado, em março de 2004, a administração do PN do Monte Roraima elaborou
um documento intitulado “SOS Monte Roraima”. De acordo com o mesmo (IBAMA, 2004), a
UC vinha sendo contestada pela FUNAI, que defendia a extinção do PNMR por
homologação da TIRSS de forma contínua, com apoio de ONGs nacionais e estrangeiras.
Naquele momento, comissões especiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal
haviam sido instituídas para estudar a questão.
Entre os anos de 2000 e 2005, os documentos que constam na FUNAI e no IBAMA
contêm críticas mútuas. Por um lado, de fato não deve ter havido consulta às comunidades
locais para a criação do PNMR, procedimento que atualmente contraria a lei do SNUC.
Indígenas foram convidados a participar da oficina de planejamento para elaboração do
Plano de Manejo, mas não se levou em consideração a forma de participação e de
organização dos índios da região, onde os representantes devem ser escolhidos pelas
bases; o Plano de Manejo cita a homologação da TIRSS como ameaça ao PNMR. Por outro
lado, a FUNAI realizou uma expedição para falar sobre o PNMR aos índios, mas não
convidou o IBAMA para participar da atividade; nas reuniões com os índios, foi mostrado o
zoneamento previsto no Plano de Manejo, sem esclarecer que o documento explicita que o
zoneamento proposto tem caráter empírico, devendo ser revisto e modificado. E nem que o
referido Plano não foi oficializado pelo IBAMA, não tendo valor legal, então.
Os pontos de divergência acima mencionados foram repetidamente levantados,
gerando cada vez mais tensões entre FUNAI / índios e IBAMA. Ressalta-se que alguns
pontos de convergência deste processo não foram citados. Por exemplo, um dos objetivos
específicos do PNMR, tal como apresentado no plano de manejo é: “contribuir para a
valorização e resgate cultural indígena dos Ingarikó”. Num dos relatórios de viagem há uma
idéia de aproveitamento do potencial turístico do PNMR pelos índios:
Dada a proximidade das aldeias indígenas dos ingaricós e do tipo de UC, é de se esperar que no programa de uso público, o Parque Nacional possa explorar em comum acordo entre a FUNAI e os índios ingaricós através do resgate cultural dos índios, sua cultura, seus modos de vida (pesca com timbó, forma de caça e artesanato). Essa parceria poderia se constituir na primeira e bem-sucedida experiência brasileira de exploração ecoturística em área indígena, em associação com a exploração de um Parque Nacional (SCARDUA, 1999)
No processo 2165/2000-DV da FUNAI há uma grande lacuna de documentos entre
fevereiro de 2002 e julho de 2005. Em 2005, já se cita a possibilidade de gestão
compartilhada. Todos os entrevistados para este trabalho enfatizaram a mudança nas
18
relações entre IBAMA e FUNAI/índios a partir da homologação da TIRSS, quando o decreto
presidencial explicita o regime de dupla afetação na área sobreposta entre essa TI e o
PNMR. De alguma forma, o IBAMA teria passado a “respeitar” ou “reconhecer” a TIRSS e os
índios e a FUNAI teriam aceitado a existência e gestão do PNMR.
2.8. Os trabalhos para a gestão compartilhada (ICMBio, indígenas e FUNAI) do PNMR
O decreto sem número, de 15/04/2005, que homologa a TIRSS (Anexo 1), apresenta
que “O Parque Nacional do Monte Roraima é bem público da União submetido a regime
jurídico de dupla afetação, destinado à preservação do meio ambiente e à realização dos
direitos constitucionais dos índios” (Art. 3º). De acordo com o ISA (2009), o termo “dupla
afetação” foi utilizado para explicitar a condição jurídica do PNMR, de coexistência em um
mesmo espaço de um Parque Nacional e de uma Terra Indígena, e a necessidade de um
plano de gestão, a ser elaborado pelos órgãos ambiental e indigenista e pela comunidade
Ingarikó.
A II Assembléia Geral do Conselho do Povo Ingarikó (COPING) e a VII Assembléia
Geral do Povo Indígena Ingarikó ocorreram poucos dias após a homologação da TIRSS.
Foram então discutidas as novas políticas a serem implementadas após a homologação da
TIRSS (bem como outros temas de importância para o desenvolvimento das comunidades
Ingarikó). Uma das exigências feitas ao final do encontro foi a formação de um grupo de
trabalho para discutir a gestão compartilhada do PNMR:
Exigimos que o MJ e o MMA, juntamente com a FUNAI, IBAMA e com a COPING formem um grupo de trabalho, em até 60 dias, pra juntos com o Povo Ingarikó discutirem o processo de planejamento e elaboração de um Plano Administrativo e/ou Gestão conjunta do bem público denominado PNMR, em conformidade com os parágrafos 1º e 2º do art. 3º do decreto de homologação da TIRSS, assim como o entorno que se constitui, em que se localiza o Povo Ingarikó” (COPING, 2005).
A partir de então, iniciaram-se os trabalhos para que fosse construído o plano de gestão
compartilhada do PNMR. Em 07 de julho de 2005, o chefe do PNMR fez a primeira
proposta de plano de co-gestão.
Na III Assembléia Geral do COPING, ocorrida de 6 a 19 de agosto de 2005, várias
deliberações do encontro foram relativas à formação do grupo de trabalho (GT) desejado
além da formação do GT, necessidade de união para proteger e resguardar suas
habilidades naturais e promover a continuidade de sua cultura, necessidade de promover o
desenvolvimento sem interferir nos costumes tradicionais de seu povo e de forma a
preservar os lugares sagrados e a cultura Ingarikó.
19
Em 10 de novembro de 2005 ocorreu a primeira reunião para a formação do GT para a
gestão compartilhada do PNMR. Dilson Ingarikó, presidente do COPING, chamou atenção
para a importância de a FUNAI e o IBAMA se entenderem bem, pois isto nunca havia
acontecido. Nesta reunião ficou decidido que COPING seria gestor do GT, e que seria
criada uma secretaria executiva. O GT também defendeu a participação do Conselho
Indígena de Roraima (CIR) e da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de
Roraima (SODIUR).
No período de 2005 a 2008 foi discutido e trabalhado o “Plano de Administração da
Área sob Dupla Afetação pelo Parque Nacional Monte Roraima e a Terra Indígena Raposa
Serra do Sol”, cuja área de abrangência é a área sob dupla afetação e o entorno de 10 km.
Participaram do processo de elaboração deste documento: técnicos do ICMBio e da FUNAI,
o Conselho do Povo Indígena Ingarikó, o Conselho Indígena de Roraima, a Organização dos
Professores Indígenas de Roraima (OPIR) e o povo indígena Ingarikó.
À época da conclusão deste trabalho (abril/2009), o plano já havia sido formalmente
apresentado ao ICMBio e estava sendo analisado no seu setor jurídico. Deverá ser
apresentado à FUNAI no dia 04 de maio de 2009, para ser juridicamente avaliado também
nesta instituição. O passo seguinte é a assinatura de um decreto pelo presidente da
República aprovando o referido plano.
Da maneira como foi apresentado, o plano administrativo deve ser gerido por três
instâncias já existentes: Assembléia do Povo Indígena Ingarikó, com função deliberativa;
Comitê Executivo do Plano de Administração – composto pelo COPING, Administração
Executiva Regional (AER) da FUNAI em Boa Vista e PNMR – com função operacional; e
Conselho Pikatîninnan17– composto por instituições18 que de alguma forma se relacionam
com a área – com função consultiva.
Este plano geral contém uma parte de gestão territorial, que foi denominado de Plano
Pata Eseru19, que equivale ao plano de manejo das UCs. Esse instrumento foi planejado
17
Pikatîninnan significa apoio, ajuda, no idioma Ingarikó (Ponciano Fo, comunic. pessoal)
18
Identificaram-se alguns parceiros estratégicos que podem ser mobilizados para compor o Conselho em caráter permanente: Prefeitura do Município de Uiramutã; Sociedade dos Índios Unidos de Roraima; Universidade Federal de Roraima, Secretaria de Educação, Cultura e Desportos de RR; Secretaria de Estado do Índio de RR; Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de RR; Distrito Sanitário Leste em Roraima da Fundação Nacional de Saúde; 7º Comando Aéreo Regional da Força Aérea Brasileira; IBAMA; Comitê Gestor da Casa Civil da Presidência em Roraima; MMA; MDA; e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural. Também foram identificados parceiros estratégicos eventuais: Exército do Brasil; Primeira Comissão Brasileira Demarcadora de Limites (MRE); EMBRAPA; Centro Federal de Educação Tecnológica; Polícia Federal; SEBRAE; Departamento Estadual de Turismo de Roraima; IPHAN; Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca; e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. 19
Pata Eseru significa lugar bonito no idioma Ingarikó (Ponciano Fo, comunic. pessoal)
20
para ações emergenciais em 2009 e 2010, envolvendo as seguintes ações: diagnóstico nas
aldeias a fim de detalhar as atividades a serem desenvolvidas; atividades emergenciais que
garantam a segurança alimentar; vigilância em três postos nos limites da área; estudos
sobre uso público e turismo na área do Parque Nacional Monte Roraima, considerando os
elementos étnicos e culturais da região.
Através de entrevistas com algumas pessoas que participaram do processo de
elaboração deste plano de co-gestão, tentou-se identificar aspectos positivos e negativos
deste instrumento, e como elas entendem o momento atual.
O chefe do Parque Nacional do Monte Roraima, José Ponciano Dias Filho, declarou
que os índios acreditam na gestão compartilhada para fortalecer a cultura deles e melhorar
a sua atividade produtiva no entorno da UC, vendo o plano de co-gestão como uma
oportunidade. Teme que, por problemas institucionais e de outras ordens, não seja possível
corresponder a esta expectativa dos índios, que estão confiando no ICMBio. Acha que as
ressalvas apresentadas na decisão do STF sobre a demarcação contínua da TI Raposa
Serra do Sol (ver item 2.8 deste trabalho) não mudará muita coisa na ponta, pois houve um
longo processo de construção, e que a parceria deve continuar, sendo os índios
protagonistas do plano.
O representante titular do ICMBio/sede, Rodrigo Paranhos Faleiro, entende que a
única opção para áreas de sobreposição entre UCs e TIs, no atual contexto legal, é gerir a
UC com os indígenas. Trata-se de gestão territorial e há necessidade de adequar modelos à
realidade local. A categoria de Parque Nacional prevê o uso da área para visitação, e há
interesse dos Ingarikó em explorar a atividade, já que os Pémon (do mesmo tronco dos
Ingarikó) há vários anos trabalham com visitação no Parque Nacional Canaima, na
Venezuela, contíguo ao PNMR. O único receio é que lideranças não-legitimadas pelas
bases, buscando poder, queiram dominar o plano. De qualquer forma, acredita que a
experiência pode se tornar uma boa referência para outras áreas de sobreposição entre TIs
e UCs.
A representante titular da FUNAI/Brasília, Ludmilla Guerra, considera que a gestão
compartilhada é benéfica, no sentido de que instituições e entidades com interesses
diversos trabalham para achar pontos comum para acordos de convivência. As leis estão
postas, então é preciso trabalhar para frente, com elas. Os índios Ingarikó têm interesse em
educação ambiental, proteção e recuperação de áreas degradadas, e o trabalho em
conjunto com o PNMR pode promover isso, além de chamar a atenção da mídia – uma
oportunidade de divulgar a sua cultura e valorizar os seus lugares sagrados. Ela teme que a
decisão do STF (tratada a seguir neste trabalho) modifique os rumos do plano de co-gestão,
21
e que mudanças na equipe que conduziu o plano alterem a forma como o processo vinha
sendo conduzindo.
O presidente do COPING, Dilson Domente Ingarikó, declarou que, antes mesmo da
homologação da TIRSS, os Ingarikó vinham trabalhando planos de gestão ambiental e
territorial de sua área20, sendo a região do PNMR sagrada para eles. Os Ingarikó aceitaram
participar do plano desde que os povos indígenas liderassem a elaboração e a execução do
plano – toda a comunidade deve ser protagonista. Para tal decisão o assunto foi discutido
em várias assembléias. Ressaltou que o plano de co-gestão do PNMR é a primeira
experiência de cooperação entre ICMBio, FUNAI e povo Ingarikó, e por isso não tem idéia
se vai funcionar ou não. Acha que se realmente o ICMBio respeitar a deliberação nas
assembléias, o plano será positivo, mas que pode dar errado se o ICMBio fizer qualquer
pesquisa na região sem consultar os Ingarikó.
Dilson citou que com o PNMR há possibilidade de investimento na região, não
somente para a questão ambiental, mas também para fins sociais, econômicas e culturais,
inclusive capacitando os índios para trabalharem em prol do PNMR. Como eles vivem em
região de fronteira, muito isolados, não espera que haja muita mudança, com a
implementação do PNMR, mas querem pelo menos promover a suficiência da produção
agrícola, trabalhando com criação de pequenos animais e agricultura.
Sobre as ressalvas feitas pelo STF ao processo de demarcação contínua da TIRSS, o
presidente do COPING as considerou ruim, pois o plano fica praticamente sob a
responsabilidade do ICMBio, suprimindo o papel da FUNAI e deixando as comunidades só
como opinativas. Mas já teriam conversado com representantes do ICMBio e estavam tendo
bom entendimento sobre isso. Comentou ainda que os Ingarikó fizeram proposta junto à
FUNAI para que, a partir desta experiência das comunidades Ingarikó na região da Serra do
Sol, seja criada uma nova categoria de UC em terra indígena, e que o nome do PNMR fosse
alterado para Parque Nacional Indígena do Monte Roraima.
Vincenzo Lauriola não participou diretamente da construção do plano de co-gestão do
PNMR, mas foi assessor externo do CIR na época em que era professor visitante da UFRR.
Ele comentou que o trabalho do GT para elaboração do plano de co-gestão é importante,
pioneiro, mas também delicado, pois é difícil ter garantia de que os pontos discutidos lá
tenham o mesmo entendimento nas bases. Pensa que os verdadeiros desafios serão
colocados agora, em que coincide com outros eventos da dinâmica externa – finalização do
20
Os Ingarikó defendem que eles ocupam uma área “deles”, e que possuem uma cultura diferenciada das demais etnias da TIRSS. Tanto é que antes da TIRSS, foi proposta a área indígena Ingarikó, que foi incluída na
TIRSS (Processo 2165/2000 – DV da FUNAI)
22
julgamento no STF sobre a demarcação contínua e retirada final dos não-índios da TIRSS.
O maior receio é que os tempos da burocracia (processos de política governamental) não
estejam sincronizados com o tempo dos índios, que envolve repasse de informações,
entendimento, compreensão.
Apesar de não existir normatização sobre a atividade de turismo em TIs, há cada vez
mais opções sendo oferecidas, tanto pelos próprios índios como por empresas do setor.
Mesmo com os problemas que a atividade turística em TIs pode trazer, PASCA (2007 apud
MMA, 2007) aponta que há um mercado para o turismo ecológico que tem apresentado
crescente interesse para visitação em TIs. Pode-se citar mesmo o caso em que isto ocorre
dentro de uma UC – no Parque Nacional do Monte Pascoal (BA) índios trabalham como
guias e levam visitantes para uma aldeia, onde são mostrados alguns aspectos da cultura
local. No entanto, isto vem sendo feito sem acompanhamento do órgão indigenista. A
experiência de etnoturismo no PNMR / TIRSS poderá servir como um projeto-piloto para que
a FUNAI estabeleça normas gerais para todas as TIs.
2.9. O Parque Nacional no processo da demarcação contínua da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol junto ao Supremo Tribunal Federal
Em 19 de março de 2009 foi encerrado, no Supremo Tribunal Federal, o julgamento
da Petição (PET) 3388, que tratava da demarcação em área contínua da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol. Foi uma ação que mobilizou a sociedade brasileira, recebendo
grande cobertura da mídia por causa da importância que representava para outros casos
semelhantes no país.
A ação foi proposta pelo senador Augusto Botelho (PT-RR) contra a Portaria
534/2005 do Ministério da Justiça, que declarou a TIRSS e o contra o decreto presidencial
que homologou essa TI. Na ação, o senador afirma que todo o processo administrativo
que resultou na edição da portaria e na homologação da demarcação continha vícios de
origem, tais como ter ouvido apenas os indígenas favoráveis à demarcação em área
contínua, não ter ouvido o município de Normandia, não ter considerado os produtores
agropecuários, os comerciantes, os garimpeiros, os arrozeiros e outros atores que vivem
na região (STF, 2008a).
O julgamento teve início em agosto de 2008, quando o relator, ministro Carlos Ayres
Britto, votou pela manutenção integral da Portaria do Ministério da Justiça que determina a
demarcação contínua da área. À época, a discussão foi interrompida por um pedido de
vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Em dezembro do mesmo ano, a ação
23
voltou ao plenário e foi suspensa por pedido de vista do ministro Marco Aurélio de Melo,
após mais sete votos favoráveis à demarcação contínua. Na ocasião, porém, o ministro
Direito impôs dezoito ressalvas ao processo.
Como afirma RUFINO (2004), em Roraima dissemina-se a idéia de que as áreas
protegidas do estado atrasam o crescimento econômico da região, e que tais áreas servem
de ponto de infiltração de estrangeiros interessados em saquear a Amazônia e o Brasil.
Políticos locais e grandes empresários fazem discursos e ações pelo país para convencer
toda a sociedade brasileira sobre este “absurdo”.
Neste contexto, vem à tona a disputa entre defensores de TIs e UCs – um desses
tipos de área protegidas é usado, por uma terceira parte, para criticar o outro. Na ação
proposta pelo senador Augusto Botelho, afirma-se que uma comissão criada pelo Senado
elaborou relatório propondo a demarcação descontínua da Terra Indígena Raposa Serra
do Sol, com a exclusão, entre outros pontos, das áreas necessárias à exploração
econômica, das sedes do município de Uiramutã e de algumas vilas; das estradas
estaduais e federais da área, com o livre trânsito garantido; de faixa de 15 quilômetros ao
longo da fronteira do Brasil com a Guiana e a Venezuela21; e da área do Parque Nacional
do Monte Roraima.
Ao final do julgamento no STF, colocações como a da ministra Carmen Lúcia
Antunes Rocha respaldaram o termo “dupla afetação” utilizado no decreto de
homologação da TIRSS. Segundo ela, poderia haver a demarcação concomitante da
TIRSS e do PNMR, que “guarda a alma” de algumas etnias presentes na região. Excluir
essa parte da reserva, para ela, abalaria a história, os usos e costumes imemoriais da
cultura das etnias da região (STF, 2008b).
Ficou decidido que a demarcação da TI deve ser feita de forma contínua e que os
não-índios devem deixar a área da TI. Porém, foram fixadas dezenove ressalvas. Destas,
dezoito foram apresentadas pelo ministro Direito, mesmo tendo sido favorável à
demarcação contínua das terras da região (STF, 2008c). Três das ressalvas se referem à
questão do PNMR:
O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições
21
Em abril de 2008, o general Augusto Heleno, o então comandante militar da Amazônia, declarou à imprensa nacional que a transformação da faixa da fronteira norte do país em terras indígenas era uma ameaça à soberania nacional (MENEZES & TABAK, 2008). Este tipo de argumentação também foi largamente utilizado pelos que eram contrários à homologação e à demarcação contínua da TIRSS, como o governo de Roraima.
24
estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, em caráter apenas opinativo, levando em conta as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da FUNAI. O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pela administração.
Os técnicos da FUNAI, ICMBio e o representante Ingarikó entrevistados e que
participaram diretamente da elaboração do plano de co-gestão, têm opiniões semelhantes
quanto às ressalvas acima. Eles acreditam que, na prática, não deve haver mudanças
quanto à co-gestão, pois o processo foi longo e construído com muita participação de
instituições e dos índios. Entretanto, temem que, se os representantes institucionais forem
alterados, a implementação do plano seja afetada. Esta influência da pessoalidade na
gestão pública foi discutida por FALEIRO (2004), que lembra que a gestão pública também
está repleta de relações pessoais que fazem funcionar ou não o Estado.
Já LAURIOLA (comunic. pess.) compreende que as ressalvas feitas pelo STF devem
mudar sensivelmente as relações no processo de co-gestão do PNMR, pois entende que
anteriormente o plano estava sendo conduzido igualmente por ICMBio, FUNAI e indígenas,
e que com a decisão do STF, o papel dos indígenas passa a ser secundário e o da FUNAI,
apenas consultivo.
3. CONCLUSÕES
A conservação da biodiversidade pode e deve ser estabelecida em áreas com
ocupação humana. O desafio está em equilibrar, através de processos participativos, as
necessidades das populações locais com os objetivos de manter os recursos naturais em
boas condições.
O Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP) é um instrumento pioneiro
na política brasileira, de muita valia, pois considera como áreas protegidas, entre outras,
as UCs, TIs e remanescentes de quilombos. A possibilidade de gestão compartilhada de
áreas protegidas em mosaico, prevista na Lei 9.985/2000, é um instrumento interessante e
que vem sendo pouco utilizado em conjunto com as TIs.
25
Certamente as sobreposições entre TIs e UCs não são desejáveis, nem são simples
os trabalhos para tratar da questão. Entretanto, a disputa entre estas categorias de áreas
protegidas enfraquece o discurso sobre a importância da proteção dessas áreas frente a
grandes pressões por terras como a exploração madeireira, o agronegócio e a mineração.
Um exemplo disto ocorreu na ação que julgou a demarcação contínua da TIRSS no
Supremo Tribunal Federal, em que o PNMR foi utilizado como um dos argumentos
contrários àquela TI.
Pelo contrário, a situação de sobreposição poderia ser aproveitada para maior
proteção das TIs e melhor uso das UCs. Foram levantados neste trabalho alguns pontos
nesse sentido, sobre as vantagens que as sobreposições entre TIs e UCs podem trazer,
tanto para os índios como para o meio ambiente, tal como: 1) TIs podem receber
intervenção da União; 2) renda alternativa para a comunidade indígena; 3) divulgação da
cultura indígena local; 4) maior proteção da área devido à presença dos índios; 5) TIs são
rapidamente demarcadas, com sinalização; 6) cultura indígena como aspecto positivo da
UC.
Apesar de não existir nenhuma normatização sobre a atividade de turismo em TIs, a
experiência no PNMR / TIRSS poderá servir como um projeto-piloto para que a FUNAI
estabeleça normas gerais para as TIs.
Não foi pretensão deste trabalho supervalorizar um ou outro segmento, mas sim
destacar a importância da construção democrática e participativa – das comunidades e das
instituições interessadas – de um plano de gestão compartilhada para uma área de
sobreposição de UC e TI. Durante o processo de implementação, certamente modificações
terão que ser feitas e talvez alguns pontos se mostrem ineficazes. Mas o fato de as ações
terem sido longamente discutidas dá consistência para que essa co-gestão se concretize.
Independente da questão de sobreposição entre TIs e UCs, a inclusão de uma
categoria relativa a áreas indígenas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação
poderia significar um avanço para a conservação da biodiversidade no país, bem como
assegurar maior proteção à cultura indígena.
26
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APÊNDICE 1
LISTA DE ENTREVISTADOS
Dilson Domente Ingarikó, presidente do COPING. Participou da oficina de elaboração
do Plano de Manejo do PNMR e desde então vem participando do processo sobre a
co-gestão do PNMR. Entrevista realizada por telefone (de Brasília para Uiramutã) em
06/04/2009.
José Ponciano Dias Filho, chefe do PN do Monte Roraima (desde 1994). Entrevista
realizada por telefone (de Brasília para Boa Vista) em 01/04/2009.
Ludmilla Guerra, técnica da Coordenação de Meio Ambiente da FUNAI, participa do
processo de discussão com Ingarikó desde 2002. Entrevista realizada na sede da
FUNAI/Brasília em 31/03/2009.
Rodrigo Paranhos Faleiro, analista ambiental da Coordenação do Bioma Amazônico
do ICMBio. Começou a participar formalmente do processo sobre a co-gestão do
PNMR em 2005. Entrevista realizada por telefone, ligação local, em 09/04/2009.
Vincenzo Lauriola, assessor técnico da Coordenação de Meio Ambiente da FUNAI.
Participou da oficina de elaboração do Plano de Manejo do PNMR enquanto
pesquisador da UFRR. Foi consultor da FUNAI para explicar o PNMR aos Ingarikó.
Entrevista realizada na sede da FUNAI/Brasília em 01/04/2009.
30
ANEXO 1
DECRETO DE 15 DE ABRIL DE 2005.
Homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada nos Municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã, no Estado de Roraima.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos arts. 19, § 1
o, da Lei n
o 6.001, de 19 de
dezembro de 1973, e 5o do Decreto n
o 1.775, de 8 de janeiro de 1996, e
Considerando o imperativo de harmonizar os direitos constitucionais dos índios, as condições indispensáveis para a defesa do território e da soberania nacionais, a preservação do meio ambiente, a proteção da diversidade étnica e cultural e o princípio federativo;
DECRETA:
Art. 1o Fica homologada a demarcação administrativa, promovida pela Fundação Nacional
do Índio - FUNAI, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, destinada à posse permanente dos Grupos Indígenas Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana, nos termos da Portaria n
o 534, de 13 de abril de 2005, do Ministério da Justiça.
Art. 2o A Terra Indígena Raposa Serra do Sol tem a superfície total de um milhão,
setecentos e quarenta e sete mil, quatrocentos e sessenta e quatro hectares, setenta e oito ares e trinta e dois centiares, e o perímetro de novecentos e setenta e oito mil, cento e trinta e dois metros e trinta e dois centímetros, situada nos Municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã, e circunscreve-se aos seguintes limites: NORTE: partindo do marco SAT RR-13=MF BV-0, de coordenadas geodésicas 05º12’07,662" N e 60º44’14,057" Wgr., localizado sobre o Monte Roraima, na trijunção das fronteiras Brasil/Venezuela/Guiana, segue pelo limite internacional Brasil/Guiana, passando pelos Marcos de Fronteira B/BG-1, B/BG-2, B/BG-3, B/BG-4, B/BG-5, B/BG-6, B/BG-7, B/BG-8, B/BG-9, B/BG-10, B/BG-11, B/BG-11A, B/BG-12, B/BG-13, até o Ponto Digitalizado 01, de coordenadas geodésicas aproximadas 05º11’54,8" N e 60º06’32,0" Wgr., localizado na cabeceira do Rio Maú ou Ireng; LESTE: do ponto antes descrito, segue pela margem direita do Rio Maú ou Ireng, a jusante, acompanhando o limite internacional Brasil/Guiana, passando pelos Marcos de Fronteira B/5, B/4, até o Ponto Digitalizado 02, de coordenadas geodésicas aproximadas 04º35’25,5" N e 60º07’42,7" Wgr., localizado na confluência com um igarapé sem denominação; daí, segue pela margem direita do referido igarapé, a montante, até o Ponto-03, de coordenadas geodésicas aproximadas 04º35’44,7641" N e 60º10’45,7776" Wgr., localizado na confluência de um igarapé sem denominação; daí, segue por uma linha reta até o Ponto-04, de coordenadas geodésicas 04º34’40,1683" N e 60º11’24,6414" Wgr., localizado na nascente de um igarapé sem denominação; daí, segue pela margem esquerda do referido igarapé, a jusante, até o Ponto Digitalizado 05, de coordenadas geodésicas aproximadas 04º33’43,1" N e 60º09’32,3" Wgr., localizado na sua confluência com o Rio Maú ou Ireng; daí segue pela margem direita do citado rio, a jusante, acompanhando o limite internacional Brasil/Guiana, passando pelos Marcos de Fronteira B/3 e B/2, até o Ponto Digitalizado 06, de coordenadas geodésicas aproximadas 03º51’56,5" N e 59º35’25,1" Wgr., localizado na confluência com o Igarapé Uanamará; SUL: do ponto antes descrito, segue pela margem esquerda do Igarapé Uanamará, a montante, até o Marco 04, de coordenadas geodésicas 03º55’15,4420" N e 59º41’51,6834" Wgr., localizado na confluência com o Igarapé Nambi; daí, segue por uma linha reta até o Marco 05 (marco de observação astronômica, denominado Marco Pirarara), de coordenadas geodésicas 03º40’05,75" N e 59º43’21,59" Wgr.; daí segue no mesmo alinhamento até a margem direita do Rio Maú ou Ireng; daí, segue por essa margem, a jusante, acompanhando o limite internacional Brasil/Guiana, até a sua confluência com o Rio Tacutu, onde está localizado o Marco de Fronteira 1, de coordenadas geodésicas
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03º33’58,25" N e 59º52’09,19 Wgr.; daí, segue pela margem direita do Rio Tacutu, a jusante, até o Ponto Digitalizado 07, de coordenadas geodésicas aproximadas 03º22’25,2" N e 60º19’14,5" Wgr., localizado na confluência com o Rio Surumu; OESTE: do ponto antes descrito, segue pela margem esquerda do Rio Surumu, a montante, até o Ponto Digitalizado 08, de coordenadas geodésicas aproximadas 04º12’39,9" N e 60º47’49,7" Wgr., localizado na confluência com o Rio Miang; daí segue pela margem esquerda do Rio Miang, a montante, até o Marco de Fronteira L8-82, de coordenadas geodésicas 04º29’38,731" N e 61º08’00,994" Wgr., localizado na sua cabeceira, na Serra Pacaraima, junto ao limite internacional Brasil/Venezuela; daí, segue pelo limite internacional, passando pelos Marcos de Fronteira BV-7, BV-6, BV-5, BV-4, BV-3, BV-2, BV-1 e BV-0=Marco SAT RR-13, início da descrição deste perímetro. Base cartográfica utilizada: NB.20-Z.B; NB.21-Y-A; NB.20-Z-D; NB.21-Y-C; NA.20-X-B e NA.21-V-A - Escala 1:250.000 - RADAMBRASIL/DSG - Anos 1975/76/78/80. As coordenadas geodésicas citadas são referenciadas ao Datum Horizontal SAD - 69.
Art. 3o O Parque Nacional do Monte Roraima é bem público da União submetido a regime
jurídico de dupla afetação, destinado à preservação do meio ambiente e à realização dos direitos constitucionais dos índios.
§ 1o O Parque Nacional do Monte Roraima será administrado em conjunto pela Fundação
Nacional do Índio - FUNAI, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e pela Comunidade Indígena Ingarikó.
§ 2o O Ministério da Justiça e o Ministério do Meio Ambiente, ouvidos a Fundação Nacional
do Índio - FUNAI, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e a Comunidade Indígena Ingarikó, apresentarão, para homologação do Presidente da República, plano de administração conjunta do bem público referido no caput.
Art. 4o É assegurada, nos termos do Decreto n
o 4.412, de 7 de outubro de 2002, a ação
das Forças Armadas, para a defesa do território e da soberania nacionais, e do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, para garantir a segurança e a ordem pública e proteger os direitos constitucionais indígenas, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Parágrafo único. As Forças Armadas e o Departamento de Polícia Federal utilizarão os meios necessários, adequados e proporcionais para desempenho de suas atribuições legais e constitucionais.
Art. 5o Fica resguardada a prerrogativa do Presidente da República de, em caso de real
necessidade, devidamente comprovada, adotar as medidas necessárias para afetar os bens públicos da União de uso indispensável à defesa do território e à soberania nacional, bem como de exercer o poder de polícia administrativa para garantir a segurança e a ordem pública na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Art. 6o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 15 de abril de 2005; 184o da Independência e 117
o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos
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ANEXO 2
DECRETO N° 97.887, DE 28 DE JUNHO DE 1989
Cria o Parque Nacional do Monte Roraima e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando das atribuições que lhe confere o artigo 84, inciso IV,
da Constituição, e considerando o que dispõe o artigo 225, § 1°, item III, da Constituição, e o
artigo 5º, alínea a, da Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965
DECRETA:
Art. 1° Fica criado, no Estado de Roraima, o Parque Nacional do Monte Roraima, com o objetivo
de proteger amostras dos ecossistemas da Serra Pacaraíma, assegurando a preservação de sua
flora, fauna e demais recursos naturais, características geológicas, geomorfológicas e cênicas,
proporcionando oportunidades controladas para visitação, educação e pesquisa científica.
Art. 2° O Parque Nacional do Monte Roraima tem os seguintes limites, descritos a partir das
folhas planimétricas na escala 1:250.000 N°s NB.20-Z-D/B, editadas pelo Departamento
Nacional da Produção Mineral DNPM em 1975: Começa no marco de fronteira internacional
entre o Brasil, a Venezuela e a Guiana, n° BV-0 (ponto 01); segue no rumo geral leste, pela linha
de limite internacional Brasil-Guiana, passando pelos marcos B/BG-1 a B/BG-13 e atingindo o
ponto de coordenadas geográficas aproximadas (c.g.a.) 05°08"23"N e 60°05"32"WGr, situado na
confluência do Rio Dacá com o Rio Maú ou Ireng (ponto 02); deste ponto, segue por uma linha
reta de rumo 226°30" e distância aproximada de 3.800 metros, até atingir o ponto de c.g.a.
05°06"58"N e 60°07"06"WGr, situado na cabeceira de um formador do Igarapé Amolia (ponto
03); segue a jusante, pela margem esquerda do Igarapé Amolia, até sua foz no Rio Uailam
(ponto 04); daí, segue pela margem esquerda do Rio Uailam até atingir o ponto de c.g.a.
04°55"00"N e 60°11"45"WGr, situado na confluência do Rio Uailam com um seu afluente, pela
margem direita (ponto 05); deste ponto, segue a montante, pela margem direita deste igarapé,
até atingir a cabeceira de um de seus formadores, ponto de c.g.a. 04°59"27"N e 60°15"16"WGr
(ponto 06); daí, segue por uma linha reta de rumo 243°00" e distância aproximada de 3.300
metros, até atingir o ponto de c.g.a. 04°58"39"N e 60°16"53"WGr, situado na cabeceira de um
igarapé sem nome, afluente do Igarapé Uarainu ou Pipi, pela margem esquerda (ponto 07);
segue a jusante, pela margem esquerda deste curso d"água, até atingir o ponto de c.g.a.
04°57"18"N e 60°18"55"WGr, situado na sua foz no Igarapé Uarainu ou Pipi (ponto 08); segue a
montante, pelo Igarapé Uarainu ou Pipi, até atingir o ponto de c.g.a. 05°00"39"N e
60°19"13"WGr, localizado na margem do Igarapé Uarainu ou Pipi (ponto 09); daí, segue por uma
linha reta de rumo 03°30" e distância aproximada de 15.700 metros, até o ponto de c.g.a.
05°09""14"N e 60°18"47"WGr (ponto 10); desse ponto, segue por uma linha reta de rumo
290°00" e distância aproximada de 3.200 metros, até atingir o ponto de c.g.a. 05°09"53"N e
60°20"38"WGr, situado na margem do Rio Panari (ponto 11); daí, segue por uma linha reta de
rumo 280°00" e distância aproximada de 8.600 metros, até o ponto de c.g.a. 05°08"25"N e
60°25"12"WGr, situado na confluência de dois pequenos igarapés sem denominação (ponto 12);
deste ponto, segue por uma linha reta de rumo 282°30" e distância aproximada de 2.500 metros,
até atingir o ponto de c.g.a. 05°08"35"N e 60°26"30"WGr, situado na margem direita do Rio
Cotingo (ponto 13); deste ponto, segue pela margem direita do Rio Cotingo, até o ponto de c.g.a.
05°08"41"N e 60°35"26"WGr, localizado na foz do Rio Maurucaua (ponto 14); segue a montante,
pela margem direita do Rio Maurucaua, até atingir o ponto de c.g.a. 05°07"52"N e
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60°35"58"WGr, localizado na confluência do Rio Maurucaua com um igarapé sem denominação
(ponto 15); segue por uma linha reta de rumo 113°30" e distância aproximada de 4.800 metros,
até atingir o ponto de c.g.a. 05°06"44"N e 60°34"08"WGr, localizado na confluência de dois
igarapés sem denominação, que formam um afluente do Rio Cotingo (ponto 16); segue a
montante, pela margem direita de um desses igarapés, até atingir o ponto de c.g.a. 05°03"55"N e
60°33"55"WGr, situado na cabeceira do igarapé (ponto 17); deste ponto, segue por uma linha
reta de rumo 169°00" e distância aproximada de 19.800 metros, até atingir o ponto de c.g.a.
04°53"27"N e 60°31"51"WGr, localizado na cabeceira de um igarapé sem denominação, afluente
do Igarapé Chitu (ponto 18); deste ponto, segue a jusante, pela margem esquerda deste igarapé,
até atingir sua foz no Igarapé Chitu, de c.g.a. 04°51"04"N e 60°32"23"WGr (ponto 19); daí, segue
por uma linha reta de rumo 190°30" e distância aproximada de 5.200 metros, até atingir o ponto
de c.g.a. 04°48"21"N e 60°32"56"WGr, localizado na confluência do Igarapé Cumaipá com um
igarapé sem denominação (ponto 20); segue pela margem direita deste igarapé até atingir o
ponto de c.g.a. 04°48"15"N e 60°33"51"WGr, situado na confluência com outro igarapé sem
denominação (ponto 21); daí, segue a montante, pela margem direita deste igarapé, até atingir
sua cabeceira, no ponto de c.g.a. 04°51"08"N e 60°36"13"WGr (ponto 22); deste ponto, segue
por uma linha reta de rumo 332°00" e distância aproximada de 4.600 metros, até atingir a
fronteira internacional Brasil-Venezuela, no ponto de c.g.a. 04°63"06"N e 60°37"26"WGr (ponto
23); segue no rumo geral norte, pela linha de limite internacional até atingir o marco BV-1, ponto
inicial desta descrição, fechando o perímetro do Parque Nacional do Monte Roraima e
perfazendo uma área de aproximadamente 116.000ha.
Art. 3° O Parque Nacional do Monte Roraima fica sujeito ao que dispõem com relação à matéria,
a Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965, e o Decreto n.° 84.017, de 21 de setembro de 1979.
Art. 4° O Parque Nacional do Monte Roraima fica subordinado ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBAMA, estabelecendo-se um prazo de cinco
anos para a elaboração do Plano de Manejo desta unidade
Art. 5° A demarcação dos limites do Parque Nacional do Monte Roraima será executada pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis com recursos do
Projeto Calha Norte.
Art. 6° Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
Brasília, 28 de junho de 1989; 168° da Independência e 101° da República.
JOSÉ SARNEY
José Carlos Mello