Sophia - Poemas Para Cartões

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Chamo Chamo Chamo Chamo-Te Te Te Te Chamo-Te porque tudo ainda está no princípio E suportar é o tempo mais comprido. Peço-Te que venhas e me dês a liberdade Que um só dos Teus olhares me purifique e acabe. Há muitas coisas que eu não quero ver. Peço-Te que sejas o presente. Peço-Te que inundes tudo. E que o Teu reino antes do tempo venha E se derrame sobre a terra Em Primavera feroz precipitado Senhor Senhor Senhor Senhor Senhor se da tua pura justiça Nascem os monstros que em minha roda eu vejo É porque alguém te venceu ou desviou Em não sei que penumbra os teus caminhos Foram talvez os anjos revoltados. Muito tempo antes de eu ter vindo Já se tinha a tua obra dividido E em vão eu busco a tua face antiga És sempre um deus que nunca tem um rosto Por muito que eu te chame e te persiga Dia de hoje Dia de hoje Dia de hoje Dia de hoje Ó dia de hoje, ó dia de horas claras Florindo nas ondas, cantando nas florestas, No teu ar brilham transparentes festas E o fantasma das maravilhas raras Visita, uma por uma, as tuas horas Em que há por vezes súbitas demoras Plenas como as pausas dum verso. Ó dia de hoje, ó dia de horas leves Bailando na doçura E na amargura De serem perfeitas e de serem breves. O Anjo O Anjo O Anjo O Anjo O anjo que em meu redor passa e me espia E cruel me combate, nesse dia Veio sentar-se ao lado do meu leito E embalou-me, cantando, no seu peito. Ele que indiferente olha e me escuta Sofrer, ou que, feroz comigo luta, Ele que me entregara à solidão, Poisava a sua mão na minha mão. E foi como se tudo se extinguisse, Como se o mundo inteiro se calasse, E o meu ser liberto enfim florisse, E um perfeito silêncio me embalasse. Sophia de Mello Breyner Sophia de Mello Breyner Sophia de Mello Breyner Sophia de Mello Breyner A Equipa da Biblioteca Escolar

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ChamoChamoChamoChamo----TeTeTeTe Chamo-Te porque tudo ainda está no princípio E suportar é o tempo mais comprido. Peço-Te que venhas e me dês a liberdade Que um só dos Teus olhares me purifique e acabe. Há muitas coisas que eu não quero ver. Peço-Te que sejas o presente. Peço-Te que inundes tudo. E que o Teu reino antes do tempo venha E se derrame sobre a terra Em Primavera feroz precipitado

SenhorSenhorSenhorSenhor Senhor se da tua pura justiça Nascem os monstros que em minha roda eu vejo É porque alguém te venceu ou desviou Em não sei que penumbra os teus caminhos Foram talvez os anjos revoltados. Muito tempo antes de eu ter vindo Já se tinha a tua obra dividido E em vão eu busco a tua face antiga És sempre um deus que nunca tem um rosto Por muito que eu te chame e te persiga

Dia de hojeDia de hojeDia de hojeDia de hoje Ó dia de hoje, ó dia de horas claras Florindo nas ondas, cantando nas florestas, No teu ar brilham transparentes festas E o fantasma das maravilhas raras Visita, uma por uma, as tuas horas Em que há por vezes súbitas demoras Plenas como as pausas dum verso. Ó dia de hoje, ó dia de horas leves Bailando na doçura E na amargura De serem perfeitas e de serem breves.

O AnjoO AnjoO AnjoO Anjo O anjo que em meu redor passa e me espia E cruel me combate, nesse dia Veio sentar-se ao lado do meu leito E embalou-me, cantando, no seu peito. Ele que indiferente olha e me escuta Sofrer, ou que, feroz comigo luta, Ele que me entregara à solidão, Poisava a sua mão na minha mão. E foi como se tudo se extinguisse, Como se o mundo inteiro se calasse, E o meu ser liberto enfim florisse, E um perfeito silêncio me embalasse.

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