STJ multa patrimônio pessoal gestor descumprimento ordem judicial

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Superior Tribunal de Justiça EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.111.562 - RN (2008/0278884-5) RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA EMBARGANTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PROCURADOR : RICARDO GEORGE FURTADO DE MENDONÇA E MENEZES E OUTRO(S) EMBARGADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE EMENTA PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO E OMISSÃO. . AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASTREINTES . FIXAÇÃO CONTRA AGENTE PÚBLICO. VIABILIDADE. ART. 11 DA LEI Nº 7.347/85. FALTA DE PRÉVIA INTIMAÇÃO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DEVIDO PROCESSO LEGAL. 1. Ainda que não tenha ocorrido a alegada contradição, pois as premissas do voto são coerentes com a conclusão a que chegou, o acórdão embargado foi omisso, ao não atentar para as especiais circunstâncias deste caso, em que a astreinte veio a ser estendida aos agentes públicos que não haviam integrado a relação processual. 2. Como anotado no acórdão embargado, o art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o direcionamento da multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais, superando-se, assim, a deletéria ineficiência que adviria da imposição desta medida exclusivamente à pessoa jurídica de direito público. 3. Todavia, no caso dos autos, a prolação da decisão interlocutória que determinou a aplicação da multa não foi antecedida de qualquer ato processual tendente a chamar aos autos as referidas autoridades públicas, sucedendo-se apenas a expedição de mandados de intimação dirigidos a informar sobre o conteúdo do citado decisum . 4. Assim, as autoridades foram surpreendidas pela cominação de astreintes e sequer tiveram a oportunidade de manifestarem-se sobre o pedido deduzido pelo Parquet Estadual, de sorte que se acabou por desrespeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa sob o aspecto material propriamente dito, daí porque deve ser afastada a multa. 5. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acolher os embargos de declaração, com efeitos modificativos, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 1º de junho de 2010(data do julgamento). Ministro Castro Meira Relator Documento: 977612 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 16/06/2010 Página 1 de 9

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STJ. Com anotado na córdão embargdo, art. 1da Lei nº7.347/85 autoriza o direcionamento da multa cominatória destinada promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas o ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judicais,superando-se, asim, adeltéria ineficência que advira dimposição desta media exclusivament àpesoa jurídica deireto público.

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Superior Tribunal de Justiça

EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.111.562 - RN (2008/0278884-5)

RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRAEMBARGANTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PROCURADOR : RICARDO GEORGE FURTADO DE MENDONÇA E MENEZES E

OUTRO(S)EMBARGADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

EMENTAPROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO E

OMISSÃO. . AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASTREINTES . FIXAÇÃO CONTRA AGENTE PÚBLICO. VIABILIDADE. ART. 11 DA LEI Nº 7.347/85. FALTA DE PRÉVIA INTIMAÇÃO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DEVIDO PROCESSO LEGAL.

1. Ainda que não tenha ocorrido a alegada contradição, pois as premissas do voto são coerentes com a conclusão a que chegou, o acórdão embargado foi omisso, ao não atentar para as especiais circunstâncias deste caso, em que a astreinte veio a ser estendida aos agentes públicos que não haviam integrado a relação processual.

2. Como anotado no acórdão embargado, o art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o direcionamento da multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais, superando-se, assim, a deletéria ineficiência que adviria da imposição desta medida exclusivamente à pessoa jurídica de direito público.

3. Todavia, no caso dos autos, a prolação da decisão interlocutória que determinou a aplicação da multa não foi antecedida de qualquer ato processual tendente a chamar aos autos as referidas autoridades públicas, sucedendo-se apenas a expedição de mandados de intimação dirigidos a informar sobre o conteúdo do citado decisum .

4. Assim, as autoridades foram surpreendidas pela cominação de astreintes e sequer tiveram a oportunidade de manifestarem-se sobre o pedido deduzido pelo Parquet Estadual, de sorte que se acabou por desrespeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa sob o aspecto material propriamente dito, daí porque deve ser afastada a multa.

5. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acolher os embargos de declaração, com efeitos modificativos, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 1º de junho de 2010(data do julgamento).

Ministro Castro Meira Relator

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EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.111.562 - RN (2008/0278884-5)

RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRAEMBARGANTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PROCURADOR : RICARDO GEORGE FURTADO DE MENDONÇA E MENEZES E

OUTRO(S)EMBARGADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Cuida-se de embargos de

declaração opostos contra acórdão assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER. ASTREINTES . VALOR. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. FIXAÇÃO CONTRA AGENTE PÚBLICO. VIABILIDADE. ART. 11 DA LEI Nº 7.347/85.

1. O pedido de minoração da quantia arbitrada a título de astreintes não ultrapassa a barreira do conhecimento, uma vez que o valor confirmado pela Corte de origem - R$ 5.000 (cinco mil reais) por dia - não se mostra manifestamente desarrazoado e exorbitante. Por conseguinte, sua modificação dependeria de profunda incursão na seara fático-probatória. Incidência da Súmula 07/STJ.

2. A cominação de astreintes prevista no art. 11 da Lei nº 7.347/85 pode ser direcionada não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes responsáveis pelo cumprimento das determinações judiciais.

3. Recurso especial conhecido em parte e não provido (fl. 877).

De início, o ora embargante aduz que o aresto em tela incorreu em contradição na

medida em que se valeu da Súmula 07/STJ para obstar o exame da suposta exorbitância do valor

das astreintes fixado na instância ordinária - R$ 5.000 (cinco mil reais) por dia - e simultaneamente

fez consignar a necessidade de uma rememoração das circunstâncias fáticas da demanda para a

análise da arguição de contrariedade ao art. 11 da Lei nº 7.347/85.

Por outro lado, assevera:

A omissão ora alegada reside no fato de que a alegação trazida pelo Estado do Rio Grande do Norte, embora não tenha sido analisada especificamente sob este ângulo – o do não-perecimento dos agentes ao processo judicial – reveste-se da natureza de matéria de ordem pública, que pode ser arguida a qualquer tempo ou grau de jurisdição.

(...)Não tendo os agentes condenados a pagar as sanções cominatórias integrado a lide

desde o seu início, não foram citados nem tiveram oportunidade de produzir provas em seu favor, no intuito de demonstrar as providências que tomaram no sentido de fazer cumprir a determinação judicial, ainda que não concluídas. Enfim, a integração à lide possibilitaria que os agentes públicos pudessem elaborar suas defesas, que seriam devidamente analisadas e sopesadas pelo julgador. Não foi, no entanto, o que aconteceu. Condenado o Estado do Rio Grande do Norte, as demais autoridades foram levadas de roldão, a fim de forçar o cumprimento da decisão, ainda que não lhes coubesse unicamente efetivá-la (fls. 886-887).

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É o relatório.

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EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO E OMISSÃO. . AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASTREINTES . FIXAÇÃO CONTRA AGENTE PÚBLICO. VIABILIDADE. ART. 11 DA LEI Nº 7.347/85. FALTA DE PRÉVIA INTIMAÇÃO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DEVIDO PROCESSO LEGAL.

1. Ainda que não tenha ocorrido a alegada contradição, pois as premissas do voto são coerentes com a conclusão a que chegou, o acórdão embargado foi omisso, ao não atentar para as especiais circunstâncias deste caso, em que a astreinte veio a ser estendida aos agentes públicos que não haviam integrado a relação processual.

2. Como anotado no acórdão embargado, o art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o direcionamento da multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais, superando-se, assim, a deletéria ineficiência que adviria da imposição desta medida exclusivamente à pessoa jurídica de direito público.

3. Todavia, no caso dos autos, a prolação da decisão interlocutória que determinou a aplicação da multa não foi antecedida de qualquer ato processual tendente a chamar aos autos as referidas autoridades públicas, sucedendo-se apenas a expedição de mandados de intimação dirigidos a informar sobre o conteúdo do citado decisum .

4. Assim, as autoridades foram surpreendidas pela cominação de astreintes e sequer tiveram a oportunidade de manifestarem-se sobre o pedido deduzido pelo Parquet Estadual, de sorte que se acabou por desrespeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa sob o aspecto material propriamente dito, daí porque deve ser afastada a multa.

5. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): De antemão, registro que o

acórdão impugnado não padece de contradição.

Isso porque não há qualquer incongruência na decisão judicial que impede por meio da

Súmula 07/STJ o exame da insurgência quanto ao valor das astreintes – haja vista a necessidade de

avaliação dos elementos probatórios que recomendaram à Corte de origem a fixação do montante

em R$ 5.000 (cinco mil reais) por dia – e, concomitantemente, traça um breve panorama do

substrato fático da lide para contextualizar a discussão e permitir um melhor exame da controvérsia

sem que seja indispensável uma consulta aos autos.

Quanto ao segundo tópico, a ora embargante alega:

A omissão ora alegada reside no fato de que a alegação trazida pelo Estado do Rio Grande do Norte, embora não tenha sido analisada especificamente sob este ângulo – o do não-perecimento dos agentes ao processo judicial – reveste-se da natureza de matéria de ordem pública, que pode ser arguida a qualquer tempo ou grau de jurisdição.

(...)Documento: 977612 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 16/06/2010 Página 4 de 9

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Não tendo os agentes condenados a pagar as sanções cominatórias integrado a lide desde o seu início, não foram citados nem tiveram oportunidade de produzir provas em seu favor, no intuito de demonstrar as providências que tomaram no sentido de fazer cumprir a determinação judicial, ainda que não concluídas. Enfim, a integração à lide possibilitaria que os agentes públicos pudessem elaborar suas defesas, que seriam devidamente analisadas e sopesadas pelo julgador. Não foi, no entanto, o que aconteceu. Condenado o Estado do Rio Grande do Norte, as demais autoridades foram levadas de roldão, a fim de forçar o cumprimento da decisão, ainda que não lhes coubesse unicamente efetivá-la (fls. 886-887).

Com efeito, até mesmo as questões de ordem pública, passíveis de conhecimento ex

officio , em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas no âmbito do

recurso especial se ausente o requisito do prequestionamento. Entretanto, excepciona-se a regra se o

apelo nobre ensejar conhecimento por outros fundamentos, ante o efeito translativo dos recursos,

que tem aplicação, mesmo que de forma temperada, na instância especial.

A propósito, assim enuncia a Súmula 456/STF: "O Supremo Tribunal Federal,

conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie ".

Nesse diapasão, confiram-se:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA NÃO PREQUESTIONADA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO POR OUTRO FUNDAMENTO. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. TRANSFUSÃO DE SANGUE EM RECÉM NASCIDO. SANGUE CONTAMINADO PELO VÍRUS HIV. TRATAMENTO REALIZADO PELO INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA. DECRETO 66.624/1970. UNIDADE TÉCNICO-CIENTÍFICA DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). ENTIDADE DOTADA DE PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO, SUJEITA A REGIME JURÍDICO E ADMINISTRATIVO CONSTANTE DE SEU ESTATUTO.

1. O fato de a questão da legitimidade passiva não ter sido alvo de prequestionamento não impede que esta Corte Superior trate do ponto. É que os recursos extraordinários (em sentido lato) também possuem o efeito translativo, ainda que de abrangência mais limitada, tendo em conta a necessidade de que o inconformismo seja conhecido ao menos por algum outro fundamento que não o que deixou de ser prequestionado. Incide, no caso, a Súmula n. 456 do STF, por analogia.

(...)5. Agravo regimental provido para dar provimento ao recurso especial, declarando

a ilegitimidade da União para figurar no pólo passivo da presente demanda indenizatória (AgREsp 900.449/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 23.06.09);

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO.

1. Até mesmo as questões de ordem pública, passíveis de conhecimento ex officio , em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas no âmbito do recurso especial se ausente o requisito do prequestionamento.

2. Excepciona-se a regra se o recurso especial ensejar conhecimento por outros fundamentos, ante o efeito translativo dos recursos, que tem aplicação, mesmo que de forma temperada, na instância especial. Precedentes da Turma.

3. Aplicação analógica da Súmula 456/STF: "O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie".

(...)

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6. Recurso especial prejudicado (REsp 718.046/RS, DJe 23.04.08).

Nada obstante, admito que o acórdão embargado foi omisso, ao não atentar para as

especiais circunstâncias deste caso, em que a astreinte veio a ser estendida aos agentes públicos,

ainda que não houvessem integrado a relação processual.

A regularidade da citação do réu para ingressar no processo é uma questão de ordem

pública por excelência na medida em que desponta como condição indispensável ao atendimento de

dois dos mais caros direitos fundamentais estampados na Constituição Federal, quais sejam, o

contraditório e a ampla defesa.

Não é por razão diversa que o Código de Processo Civil-CPC elege a falta ou nulidade

da citação do revel como o primeiro fundamento apto a ensejar a desconstituição do título judicial

(arts. 475-L, I, e 741, I), conferindo a essa falha o status de vício transrescisório que autoriza o

ajuizamento de demanda desconstitutiva que sequer se submete a prazo prescricional, sendo

conhecida normalmente pela alcunha de querela nullitatis .

Assim sendo, a falta de prequestionamento não serviria como empecilho ao exame das

alegações de ordem pública veiculadas no recurso especial, pois se operou o efeito translativo a

partir do conhecimento da arguição de infringência do art. 11 da Lei nº 7.347/85, cabendo a esse

Tribunal aplicar o direito à espécie em obséquio à dicção do art. 257 do RISTJ e da Súmula 456 do

Supremo Tribunal Federal.

Nesse raciocínio, cumpre reconhecer a omissão do decisum hostilizado, passando-se a

examinar a pretensa impossibilidade de direcionar-se os astreintes a agentes públicos que não

participam do litígio, a saber, o Secretário de Justiça e Cidadania, Segurança Pública e Defesa

Social, o Coordenador da Administração Penitenciária e o Delegado-Geral de Polícia, todos

servidores do Estado do Rio Grande do Norte.

Como anotado no acórdão embargado, art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o

direcionamento da multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de fazer

ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao ente estatal, mas também

pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das

determinações judiciais, superando-se, assim, a deletéria ineficiência que adviria da imposição

desta medida exclusivamente à pessoa jurídica de direito público.

Todavia, sabendo-se que essa cominação de astreintes implica interferência direta e

imediata na esfera jurídica das autoridades em tela, torna-se indispensável que a adoção de medida

dessa natureza seja precedida de uma sequência de atos qualificados pelo contraditório que sirvam a

preencher as exigências procedimentais derivadas do princípio do devido processo legal.

Nas palavras de Marcelo Lima Guerra:

Aqui também se está diante de uma situação em que, para a prestação da tutela jurisdicional no caso concreto, torna-se necessário a prática de um ato por terceiro. Mas para que o juiz possa determinar ao terceiro a prática desse ato e, diante da falta de cumprimento espontâneo, adotar as medidas que assegurem a obtenção do resultado prático equivalente ao cumprimento, é imperioso atender o devido processo legal. Por essa razão, a determinação judicial para a prática do referido ato e, se for o caso, a adoção das respectivas medida de

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atuação prática devem ser preparadas em um processo próprio (Execução Contra o Poder Público. Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n. 100, ano 25, p. 78-79, out./dez. 2000).

De fato, o princípio basilar da real efetividade do processo, que autoriza e justifica a

aplicação de multa contra os agentes públicos, não é absoluto, devendo flexionar-se e

harmonizar-se com os demais princípios que compõem a rede de direitos fundamentais sobre a qual

se sustenta a base valorativa da Constituição Federal, destacando-se dentre eles os princípios do

contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

No caso dos autos, a prolação da decisão interlocutória (fls. 55-75) que determinou a

aplicação da multa não foi antecedida de qualquer ato processual tendente a chamar aos autos as

referidas autoridades públicas – quiçá um ato dotado de tanta solenidade quanto a citação –,

sucedendo-se apenas a expedição de mandados de intimação (fl. 75v) dirigidos a informar sobre o

conteúdo do citado decisum .

Uma das ideias essenciais aos princípios do contraditório e da ampla defesa constitui a

legítima possibilidade de influência no resultado do julgamento por meio da substancial

participação no processo, lançando teses, arguindo óbices, controvertendo acerca de fatos e

argumentos, daí em diante.

No caso sob exame, as autoridades foram surpreendidas pela cominação da multa e

sequer tiveram a oportunidade de manifestarem-se sobre o pedido deduzido pelo Parquet Estadual,

de sorte que se acabou por fulminar os princípios do contraditório e da ampla defesa sob o aspecto

material propriamente dito, o que é totalmente inadmissível.

E nem se diga que a intimação do decisum teria o condão de convalidar o ato e eliminar

os vícios que o contaminam, pois subsistiria a frontal violação ao elemento substancial das

garantias acima prestigiadas. Discorrendo sobre o assunto, Fredie Didier Jr. assinala:

Quais são os elementos que compõem a garantia do contraditório? Esta garantia desdobra-se em duas facetas.

A face básica, que eu reputo formal, é a da participação; a garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, pode falar no processo. Isso é o mínio e é o que quase todo mundo entende como princípio do contraditório. De acordo com o pensamento clássico, o magistrado efetiva, plenamente, garantia do contraditório simplesmente ao dar ensejo à ouvida da parte, ao deixar a parte falar.

Mas não é só isso.Há o elemento substancial dessa garantia. Há um aspecto, que eu reputo essencial,

denominado, de acordo com a doutrina alemã, de 'poder de influência'. Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe do processo; que ela seja ouvida. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado.

Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do Magistrado - e isso é poder de influência, poder de interferir na decisão do Magistrado, interferir com argumentos, interferir com ideias, com fatos novos, com argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isto, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se implementa, pura e simplesmente, com a ouvida, com a participação; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de

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influenciar no conteúdo da decisão (Curso de Direito Processual Civil - Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. Vol. 1. Salvador: Editora Jus Podivm, 9ª ed., 2008, pp. 45-46).

Eis a sugestão em abstrato de Marcelo Lima Guerra para atender a esses princípios em

casos assemelhados:

Diante dessa fortíssima analogia entre a obtenção de coisa e documento em poder de terceiro e a imposição a terceiro de multa diária, revela-se de extrema conveniência a adoção, para esta última hipótese, do modelo processual já previsto para o primeiro, facilitando a tarefa do operador jurídico em sanar essa lacuna no ordenamento processual. Assim, a imposição de multa diária contra o agente do Poder Público, preservando o devido processo legal, seria cominada por sentença proferida em processo sumário e incidental, onde viria assegurada a ampla defesa e o contraditório a esse mesmo agente administrativo (op cit, p. 79).

Em resumo: apesar de o art. 11 da Lei nº 7.347/85 respaldar o direcionamento de multa

a autoridades responsáveis pela efetivação das determinações judiciais, o magistrado deve

simultaneamente preocupar-se em respeitar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do

devido processo legal, notificando de alguma forma os agentes públicos em questão para que, se

assim quiserem, venham aos autos e manifestem-se previamente à tomada de decisão – o que não

ocorreu no caso vertente –.

Nesse passo, faz-se mister que a multa seja afastada em razão de grave falha no

procedimento adotado pelo juiz de primeira instância.

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração com efeitos infringentes.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOSEGUNDA TURMA

EDcl no

Número Registro: 2008/0278884-5 [PROCESSO_ELETRONICO] REsp 1111562 / RN

Números Origem: 20080064204 20080064204000000

PAUTA: 01/06/2010 JULGADO: 01/06/2010

RelatorExmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. ELIZETA MARIA DE PAIVA RAMOS

SecretáriaBela. VALÉRIA ALVIM DUSI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTEPROCURADOR : RICARDO GEORGE FURTADO DE MENDONÇA E MENEZES E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

ASSUNTO: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

EMBARGANTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTEPROCURADOR : RICARDO GEORGE FURTADO DE MENDONÇA E MENEZES E OUTRO(S)EMBARGADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração, com efeitos modificativos, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."

Os Srs. Ministros Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 01 de junho de 2010

VALÉRIA ALVIM DUSISecretária

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