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SUMÁRIO

Artigos dos docentes convidados

Por que música e inclusão? ...................................................................................................... 6

Viviane Louro e Lisbeth Soares

Contribuições das neurociências para a aprendizagem ............................................................9

Alex Andrade

Psicomotricidade e aprendizagem musical: caminhos paralelos ............................................13

Viviane Louro

Incluir os “incluídos”: discutindo escolhas do campo da didática das

aulas de música ......................................................................................................................19

Isamara Alves de Carvalho

Inclusão nas escolas de música: discutindo os paradigmas ....................................................30

Lisbeth Soares

A heterogeneidade na produção do Coral Cênico Cidadãos Cantantes .................................37

Júlio Cezas Maluf

Movimento que é dança: um projeto de inclusão ..................................................................45

Soraya Rebouças

O papel do teatro na inclusão social ......................................................................................50

Sérgio Zanck

Programa Educativo: públicos especiais ...............................................................................54

Margarete de Oliveira, Amanda Tojal

Música como forma da vida: uma análise do filme Sonata de Outono................................56

Sidney Molina

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Artigos dos trabalhos apresentados

Oficina Inverso: teatro, dança e música – a cidadania da pessoa com deficiência

conquistada através da arte ......................................................................................................66

Eder R. da Silva, Luciano F. Grotto, Priscila F. M. Gasparini

O cinema, a vida e suas trilhas sonoras ....................................................................................74

João Lúcio de Moraes

Educação musical e inclusão escolar: uma aproximação teórica .............................................79

Martha Abrantes Gonçalves

O canto coral infantil como potencial instrumento de intervenção social:

projeto Cante Conosco .............................................................................................................85

Mirian Megumi Utsonomiya

Rios do Brasil: a musicalidade da população ribeirinha e suas reverberações

na vida da cidade ......................................................................................................................88

Mirna Domingos

A pedagogia do desejo e a antroposofia como ferramentas de inclusão social

de crianças em situações de risco através da educação musical ..............................................91

Mônica Leoni Mafei

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Artigos dos docentes convidados

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Por que música e inclusão?

Viviane Louro 1

Lisbeth Soares2

Organizadoras do Simpósio de Educação Musical Especial

Embora há muito ocorra a reflexão sobre a inclusão da pessoa com deficiência nos

diversos segmentos sociais, no âmbito da educação musical esta discussão ainda é recente.

Até pouco tempo atrás, somente a musicoterapia se propunha a refletir sobre o fazer musical

de pessoas com necessidades educacionais especiais – unicamente por um prisma terapêutico

– mas de uns anos para cá, os responsáveis pela educação musical começaram a preocupar-se

com esta temática, iniciando as discussões nesta área.

Apesar da inclusão ser vigente – e urgente – poucos são os educadores musicais

que estão, de fato, preparados para lecionar música a alunos com deficiência. Ainda é escasso

o número de pesquisas sobre esse assunto no campo acadêmico musical; além disso, pouco se

sabe sobre o desenvolvimento de materiais e metodologias específicas ou adaptadas para o

fazer musical artístico-pedagógico dessa população. Devido à necessidade de tal demanda,

não podemos deixar de lado essa discussão no âmbito da educação musical.

H. J. Koellreutter, conceituado educador alemão naturalizado brasileiro, afirma

que a educação musical é um meio de desenvolver todas as faculdades do homem, pois, ela

1 Doutorando em Neurociências pela UNIFESP. Mestre em música pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Bacharel em piano pela Faculdade de Artes Alcântara Machado (FAAM) com estágio no setor de musicoterapia

da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Professora de Música na Fundação das Artes de São

Caetano do Sul , sendo também responsável pelo Programa de Apoio Pedagógico e Inclusão nesta mesma

instituição. É organizadora do Simpósio de Educação Musical Especial e do site Música e Inclusão. É autora de

4 livros na área de educação musical inclusiva, consultora pedagógica em inclusão em diversas instituições

artísticas do país e palestrante em todo território nacional sobre esse tema. E-mail: [email protected]

2 Mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. Pedagoga pela Faculdade de Educação

da Universidade de São Paulo, com especialização em Psicopedagogia da Educação Especial, realizada na

Universidade Metodista de São Paulo. É professora de Educação Especial em São Bernardo do Campo/SP desde

1998, atuando no Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Educação Infantil e no Ensino

Fundamental. Também atua, desde 1993, como professora de Musicalização Infantil na Fundação das Artes de

São Caetano do Sul/SP, sendo professora responsável pelo Programa de Apoio Pedagógico e Inclusão na mesma

instituição. Trabalhou como tutora virtual e como professora do Curso de Licenciatura em Música da UFSCar,

na modalidade EaD. Atualmente é tutora virtual do curso de Licenciatura em Música da Ação Educacional

Claretiana. Autora do Material Didático “Música e Educação Especial” (Ação Educacional Claretiana). É

organizadora do Simpósio de Educação Musical Especial. E-mail: [email protected]

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trabalha a concentração, autodisciplina, capacidade analítica, desembaraço, autoconfiança,

criatividade, senso crítico, memória, sensibilidade e valores qualitativos. Apesar da maioria

das pessoas ter conhecimentos deste valor atribuído à música e de ser comum o discurso de

que “a música é para todos”, ainda é possível observar que há muitos preconceitos na área

pedagógica musical, talvez por falta de informações ou de conhecimentos por parte dos

envolvidos. Muitos professores de música acreditam que esta linguagem artística, quando

direcionada para uma pessoa com deficiência, só tem utilidade e função como terapia

ocupacional ou reabilitação, parecendo não acreditar na música como expressão artística,

meio de aprendizagem ou mesmo profissionalização dessas pessoas.

Isso talvez ocorra porque a sociedade, durante muito tempo, teve uma postura

assistencialista e institucionalizada em relação às pessoas com deficiências; ainda hoje, tais

atitudes demasiadamente paternalistas são reproduzidas nos diferentes contextos. Muitos

ainda creem que uma pessoa com deficiência precisa sempre de “cuidados”, precisa sempre

ser “reabilitado”, precisa sempre ser “como as demais pessoas”. Assim sendo, a música acaba

incorporando, dentro desse contexto, uma conotação de musicoterapia e não de educação

musical. Além disso, o sistema musical ainda carrega o peso do “romantismo”, época em que

a música foi colocada como uma arte para “poucos abençoados”, para pessoas que tinham

“dom” e “talento”. Este ideal de músico como sinônimo de “gênio” está presente nos dias

atuais, o que dificulta a inclusão de qualquer pessoa que não obedeça a estes padrões de

“perfeição” musical.

A produção artística de uma pessoa com deficiência, porém, pode ser tão boa

quanto a de um “não deficiente”. Logo, encarar a produção ou intenção artística de uma

pessoa que tenha determinada deficiência como fazendo parte somente de um processo

reabilitacional ou direcionar a educação musical para o mesmo – apenas para sua reabilitação

ou inclusão social – são atitudes que podem podar seu potencial artístico. Infelizmente, isto

ainda acontece no meio musical.

Há, também, o fato de que poucos professores de música têm acesso às

informações pertinentes às pessoas com deficiências durante seu processo de formação

pedagógica musical. Portanto, quando esses professores se veem diante de um aluno de

música que não está de acordo com os padrões físicos, intelectuais ou emocionais

estabelecidos pela sociedade, sua primeira reação é a de não querer dar aulas para este aluno,

ou ficar completamente perdido, sem saber o que fazer, sentindo-se inseguros. Mas, assim

como na educação regular há diversos tipos de adaptações pedagógicas, metodológicas e

mesmo físicas para ajudar o professor no processo de inclusão, no universo musical também

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há muitos recursos que podem ser utilizados e que poderiam ser disponibilizados a todos os

profissionais.

Certamente, o ideal seria que todos os professores de música possuíssem

formação ou pelo menos informações sobre os princípios da inclusão, sobre as adaptações

pedagógicas, metodologias especializadas, recursos materiais e físicos em relação à educação

musical especial, mas não é esta a realidade da maioria dos profissionais, gerando a

necessidade de uma busca independente por tais informações, o que requer disposição, tempo

e investimento financeiro. Infelizmente, nem todos os educadores musicais têm esses

recursos, dificultando assim a inclusão no processo pedagógico musical.

Portanto, para que a educação inclusiva ocorra de forma eficaz no contexto

musical, além de boa vontade é necessário compromisso dos educadores musicais e uma

política educacional eficaz por parte das autoridades, para que as pessoas com deficiências

tenham as mesmas oportunidades em relação à cultura, expressão artística e aprendizagem

musical. De acordo com Claus Bang “os deficientes têm o direito moral, cívico e legal de

receber um nível de educação artística semelhante ao das pessoas não deficientes” (RUUD,

1991).

Referências bibliográficas

ATACK. Sally M. Atividades artísticas para deficientes. Trad. Thaís Helena F. Santos.

Campinas: Papirus, 1995. 196 p. (Coleção Educação Especial).

GAINZA, Violeta Hemsy de. Estudo de psicopedagogia musical. Trad Beatriz A.

Cannabrava. 2. ed. São Paulo: Summus, 1988. 140 p. (Coleção novas buscas em educação).

GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto

Alegre: Artes Médicas Sul, 1994. 340 p.

RUUD, Even. (org). Música e saúde. Trad. Vera Bloch Wrobel, Glória Paschoal de Camargo

e Miriam Goldfeder. São Paulo: Summus, 1991. 175 p.

SANTOS, Luís Otávio Gomes do. Arte e reabilitação. Revista Integração, São Paulo, n. 7,

1989.

SILVA, Otto Marques da. A epopeia ignorada – A pessoa deficiente no mundo de ontem e

hoje. São Paulo: CEDAS, 1998. 470 p.

VASH, Carolyn. Enfrentando a deficiência: a manifestação, a psicologia, a reabilitação. São

Paulo: Pioneira, 1998. 283 p.

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Contribuições das neurociências para a aprendizagem

Alex Ferreira de Andrade 3

Resumo: Este artigo tem como objetivo elucidar as relações entre os processamentos da

informação na aprendizagem e suas inter-relações.

Palavras-chaves: neurociência; música; aprendizagem.

As neurociências

O que de fato são neurociências?

Neurociências, de modo esquemático, são divididas em cinco grandes áreas

neurocientíficas:

1) A neurociência molecular, que estuda a funcionalidade das moléculas cerebrais, por

exemplo, uma molécula de fluoxetina que recaptura as moléculas de serotonina

(neurotransmissor) mantendo-se mais tempo na região de sinapse, gerando a sensação de

prazer. A fluoxetina é a droga mais vendida no planeta e é utilizada para depressão.

2) A neurociência celular, que estuda como as células se estruturam e as suas

funcionalidades, como neurônios, glias, entre outras estruturas.

3) A neurociência comportamental, que estuda as estruturas ligadas a comportamentos

emocionais e fenômenos como sono, entre outras características.

4) A neurociência sistêmica, que estuda as regiões específicas que constituem sistemas

funcionais como o visual, motor, auditivo etc.

5) A neurociência cognitiva, também chamada de neuropsicologia, que se destina a

estudar as funções mentais complexas como linguagem, memória e aprendizagem, no qual

vamos focar nosso olhar (LENT, 2005).

3 Professor de flauta transversal e teoria musical em instituições especializadas ao atendimento cultural e

pedagógico de pessoas com múltiplas deficiências. Professor particular de música para crianças autistas.

Participou de diversos cursos na área da deficiência física, mental, autismo, surdez e psicomotricidade em vários

estados brasileiros. Ministra, constantemente, cursos e palestras para professores de música e pessoas ligadas à

área da deficiência. Atualmente, cursa pedagogia com licenciatura em Deficiência Mental pela Universidade

Presbiteriana Mackenzie. E-mail: [email protected]

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Como então fazer a associação entre neurociências e educação? Chedid (2006, p.

132) menciona:

A Neurociência está reconstruindo o todo, através da necessidade de se

reunir saberes e olhares, ela está unindo esse homem, esta criança. Para sala

de aula, para educação, a Neurociência é e será uma grande aliada para

identificar cada ser humano, como único e para descobrirmos a regularidade,

o desenvolvimento, o tempo de cada um.

Por isso, a importância do estudo da neurociência, isto é, ela nos é útil para

conseguirmos fazer uma leitura diferenciada de cada aluno, para que possamos dialogar com

diferentes tipos de pessoas e articular novas práticas, diversificando estratégias, com o

objetivo de colaborar para que nossos alunos tenham maior possibilidade de aprender. —

“Afinal, o que o cérebro faz melhor é aprender, o cérebro se autorrenova a cada estímulo,

experiência ou comportamento” (JENSEN, 2002, p. 26).

Estruturas da aprendizagem e suas particularidades

Segundo Luria, o nosso cérebro possui três unidades funcionais hierarquizadas

para a aprendizagem que são responsáveis por todos os processos mentais como a percepção,

a cognição, linguagens, aprendizagens simbólicas da leitura, da escrita e da matemática.

A primeira unidade fica localizada na medula, tronco cerebral e estruturas

talâmicas, e são responsáveis pela regulagem do sono ou vigília e também os estados mentais.

A segunda unidade fica localizada em ambos os hemisférios nos lobos parietal,

temporal e occipital. Estes recebem, processam, modulam e armazenam as informações que

chegam do mundo exterior

A terceira e última unidade funcional, localizadas também em ambos os

hemisférios, nos lobos frontal e pré-frontal, tem a função de programar, regular e verificar a

atividade mental (FONSECA, 2004).

Vamos focar como funciona, em linhas gerais, o processamento no cérebro.

Processamento é como o cérebro recebe, usa, repassa e expressa a informação. Para melhor

compreensão, dividiremos de forma esquemática os seis tipos de processamentos, a saber:

1. Processamento visual – inclui o cérebro “ver” diferenças entre objetos, lembrar de

detalhes visuais, distinguir partes de um quadro, lembrar de características gerais e

coordenação visuomotora. Quando há uma falha nessa estrutura ocorre dificuldade na

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escrita e visualização de letras, números e notas musicais.

2. Processamento auditivo – é responsável em diferenciar sons e vozes, lembrar

palavras e números específicos, lembrar de sons, separar partes de palavras e diferenças

de timbres. Se ocorrem problemas nesse processamento a criança pode ter dificuldades

em decodificação de palavras; na escrita, ter dificuldade na estruturação de sentenças; e

na comunicação, dificuldade em expressão, na linguagem receptiva e na leitura.

3. Processamento sequencial (memória) – inclui a memória de curto e longo prazo

para detalhes, coordenação motora fina, organização geral, escrita mecânica,

velocidade de leitura, atenção a detalhes e sequência de palavras, pensamentos e ações.

Quando ocorre uma disfunção desse processamento ocorrem: escritas em espelho,

dificuldade em sequenciar letras, palavras; na leitura: dificuldade na fluência,

velocidade, decodificação, atenção e concentração; em matemática: dificuldade de

lembrar fórmulas.

4. Processamento conceptual – que compõe a memória, raciocínio, avaliação

espacial, pensamento inferencial, criatividade, compreensão de leitura, ritmo, música,

arte e conhecimentos gerais. Quando ocorre alteração desse processamento a pessoa

apresenta dificuldade na compreensão de textos, na criatividade, nas generalizações

matemáticas em associação a musical.

5. Processamento da fala – inclui memória, linguagem, leitura, atenção, raciocínio e

velocidade de resposta. São percebidas alterações nesse processamento quanto à

velocidade na leitura, na habilidade de focalizar a letra, de completar séries de

problemas, a velocidade na escrita e dificuldade de concentração.

6. Processamento atencional – inclui habilidade em focalizar a tarefa, detalhes,

controle e coordenação, organização, escrita mecânica e focalizar o material a ser lido.

Na disfunção dessa área há dificuldades na leitura musical, palavras, dentre outras

(CIASCA, 2004).

Com isso, percebemos como nosso cérebro processa informações de forma

integrada e utilizamos vários mecanismos para processar uma informação, como é inferido

que a música e a linguagem possuem desenvolvimentos muito próximos como os mecanismos

de memória e o desenvolvimento cognitivo (MCMULLEN, 2004).

Como também há evidência de uma interligação entre música e matemática que é

dialógica, uma complementaria a outra, auxiliando nas aprendizagens de ambas com apoio

visuoespaciais (ANDRADE, 2004).

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Dentro dessas relações pode-se perceber as ligações entre os mecanismos de

aprendizagem e as neurociências, que trazem uma linha tênue existente entre as diversas áreas

de conhecimento como visto acima em relação à música.

É de extrema importância que os professores tenham um estudo aprofundado das

estruturas da aprendizagem para que possam atribuir a sua prática melhores condições de se

relacionar de forma consciente com os educandos.

Referências bibliográficas

ANDRADE, P. E. Uma abordagem evolucionária e neurocientífica da música.

Neurociências, 2004, n. 1, p. 21-33.

CIASCA, Sylvia Ciasca (Org.). Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação

interdisciplinar. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

CHEDID, Kátia A. K. Educação e neurociência. Neurociências, 2006, n. 3, p. 132-134.

FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade: perspectivas multidisciplinares. Porto Alegre:

Artmed, 2004.

JENSEN, Eric. O cérebro, as bioquímicas e as aprendizagens. Um guia para pais e

educadores. Lisboa: Edições ASA, 2002. p. 29.

LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociências. São

Paulo: Atheneu, 2005.

MCMULLEN E, Safrran JR. Music and languange: a developmental comparison. Music

Perception, 2004, n. 21, p. 289-311.

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Psicomotricidade e aprendizagem musical: caminhos paralelos

Viviane Louro 4

Resumo: O presente artigo tem por objetivo expor a importância do desenvolvimento

psicomotor diante da aprendizagem musical, bem como abordar de que forma déficits

psicomotores podem influenciar negativamente no processo de aprendizagem musical de

alunos com ou sem deficiência, dificultando, assim, a inclusão plena na educação musical.

Palavras-chaves: aprendizagem musical; educação musical; psicomotricidade; inclusão.

A psicomotricidade

Grande parte do desenvolvimento humano ocorre nos primeiros anos de vida,

através da coordenação das ações sensório-motoras, ou seja, através do perceber, se relacionar

e construir uma imagem interna do mundo exterior. O desenvolvimento, principalmente da

inteligência, depende das vivências que a pessoa trava com o mundo externo. Sendo assim, a

relação corpo-movimento-sentidos é de crucial importância para o amadurecimento global do

homem, para que ele possa assumir-se como ser no mundo e assim construir sua estória. Esse

processo de evolução, em princípio, natural a todos, é o que conhecemos por

psicomotricidade, ou seja: relação entre o pensamento e a ação, envolvendo também a

emoção (Nascimento e Machado, 1986). Sem o suporte psicomotor o pensamento não pode

4 Doutorando em Neurociências pela UNIFESP. Mestre em música pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Bacharel em piano pela Faculdade de Artes Alcântara Machado (FAAM) com estágio no setor de musicoterapia

da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Professora de Música na Fundação das Artes de São

Caetano do Sul , sendo também responsável pelo Programa de Apoio Pedagógico e Inclusão nesta mesma

instituição. É organizadora do Simpósio de Educação Musical Especial e do site Música e Inclusão. É autora de

4 livros na área de educação musical inclusiva, consultora pedagógica em inclusão em diversas instituições

artísticas do país e palestrante em todo território nacional sobre esse tema. E-mail: [email protected]

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ter acesso aos símbolos e à abstração, isto é, a psicomotricidade é essencial para a construção

dos conceitos e aquisição da aprendizagem.

De uma forma mais didática podemos colocar:

Psi co motric idade

Psicológico Cognitivo Motor

(movimento)

Fases do

desenvolvimento

Ou seja, psicomotricidade é a relação entre os aspectos psicológicos-emocionais, a

cognição e a ação motora frente às fases do desenvolvimento do ser humano desde a

fecundação até o fim de sua vida. É a relação entre o QUERER FAZER (psicológico –

vontade); SABER FAZER (cognição – mental) e PODER FAZER (capacidade motora de

realização).

Um bom desenvolvimento humano depende de um bom desenvolvimento

psicomotor, que por sua vez, depende de uma boa maturação neurológica. Quando falamos

em maturação neurológica estamos falando das fases do desenvolvimento das estruturas do

cérebro. Quando falamos de desenvolvimento neurológico falamos de duas leis invariáveis no

homem, a saber:

CEFALO-CAUDAL – da cabeça para os pés.

PROXIMO-DISTAL – do eixo para as extremidades.

Isto é, o ser humano se desenvolve de cima para baixo e do centro para as

extremidades. A primeira coisa que se desenvolve no bebê são os músculos oculomotores,

depois a sustentação da cabeça, seguida da sustentação do tronco e por último das pernas, ou

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seja, de cima para baixo (cefalocaudal). Nenhuma criança anda antes de sustentar a cabeça, ou

senta, antes de desenvolver a visão, a não ser que ela tenha uma deficiência que a impeça de

se desenvolver em determinadas questões. Da mesma forma, a motricidade grossa é

desenvolvida antes da fina, ou seja, do todo para as partes (proximodistal). A criança

inicialmente desenvolve a preensão manual grossa que vai, com o passar dos anos, sendo

refinada e nunca ao contrário.

E o que faz com que haja esse desenvolvimento adequado das funções

neurológicas? Principalmente as vivências, os estímulos dados à pessoa, essencialmente nos

seus primeiros anos de vida. Por isso, as vivências são tão importantes para o processo de

aprendizagem. Integram essas vivências: a criança perceber e tocar no seu corpo; os estímulos

auditivos, visuais, tátil-sinestésicos; estímulos do paladar e olfato; rolar, engatinhar, correr,

pular, brincar; ler, cantar... enfim, praticamente tudo!!!

Dentre os aspectos que envolvem o desenvolvimento psicomotor encontram-se:

• Esquema e imagem corporal: elemento básico e indispensável para a formação da

personalidade. É a maneira de perceber, através das sensações, seu próprio corpo; é o

identificar e saber nomear as diversas partes do corpo. O esquema é uma prática que

evolui com a exploração, imitação e vivência; é a noção tridimensional que temos de nós

mesmos. Esquema corporal se difere de imagem corporal, que é a figuração mental que

temos de nosso corpo, isto é, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós.

• Tonicidade: é o princípio organizador de toda atividade: contração e alongamento dos

músculos, estado de tensão/distensão das vísceras. É a partir do movimento que o

indivíduo descobre, utiliza e controla seu corpo. É através do corpo, ou seja, dos

movimentos e gestos que a pessoa se descobre no mundo, experimenta sensações e

situações, expressa-se, percebe a si e ao mundo. O controle da função tônica é importante

para que o sujeito disponha das possibilidades de evasão, relaxamento, tanto em repouso

como em ação.

• Equilíbração: base primordial de toda coordenação geral, assim como de toda ação

diferenciada dos membros superiores e do centro de gravidade. Combinação perfeita de

ações musculares com o propósito de sustentar o corpo sobre uma base. É dividido em

dois tipos: equilíbrio estático: movimentos não locomotores como ficar em pé, ou nas

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pontas dos pés; equilíbrio dinâmico: movimentos locomotores como andar, marchar e

correr.

• Lateralização: é a dominância lateral da pessoa que é construída por dados

neurológicos (hemisfério cerebral dominante) e hábitos sociais (destro ou canhoto).

• Lateralidade: é o eixo imaginário que divide o corpo em duas partes semelhantes,

mas que não são iguais (consciência de direção – direita/esquerda).

• Orientação espaço-temporal: orientação do mundo exterior referindo-se, primeiro ao

eu, depois a outros objetos ou pessoas em posição estática ou em movimento. A noção

espacial se desenvolve através dos primeiros movimentos que atua no campo espacial

limitado pelos seus deslocamentos, e que, com o tempo e vivência cria-se seu próprio

campo espacial, seu espaço próprio subjetivo. Capacidade de situar-se em função da

sucessão dos acontecimentos: antes, depois, durante; consciência de duração: longos e

curtos; capacidade de diferenciar ritmos regulares e irregulares e noções de tempo: lento,

rápido.

Portanto, uma pessoa que deixa de vivenciar devidamente seu corpo ou possui um

atraso em seu desenvolvimento psicomotor, devido a uma deficiência ou falta de estimulação,

pode apresentar sérios problemas quanto à construção de seu esquema corporal, temporal,

espacial, lateralização, coordenação motora, postura, entre outros. Consequentemente, tais

déficits poderão prejudicar o desenvolvimento da aprendizagem e a aquisição de habilidades.

No que se refere à deficiência, os problemas psicomotores são muito frequentes, o

que pode contribuir para uma dificuldade de aprendizagem. Por exemplo, é essencial para a

construção do esquema corporal, da consciência espacial e temporal que a criança role, se

arraste, engatinhe, ande, corra. Da mesma forma, para que ela possa se guiar pelo espaço é

necessário que haja um estímulo, que pode ser um som que lhe chame a atenção ou a visão de

um objeto que lhe agrade.

Assim sendo, uma criança que, por exemplo, nasceu com deficiência visual total

poderá ter um déficit no que se refere a seu desenvolvimento de marcha, ou mesmo de postura

já que, não possuindo estímulo visual, não sente tanta necessidade de ir em busca do objeto ou

de manter sua cabeça ereta, além do que, o fato de não ver dificulta sua locomoção

livremente, podendo acarretar uma distorção da construção espaço/tempo, da marcha e dos

movimentos de seu corpo.

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Música e psicomotricidade

Mas o que isso tudo que acabamos de abordar tem a ver com a aprendizagem

musical?

Ora, executar uma música seja cantando, tocando ou mesmo compreendê-la de

maneira aprofundada, depende totalmente de fatores psicomotores. Na música, há pulsação,

ritmos diversos, andamentos variados e formas distintas. Se uma pessoa não tem sua

consciência temporal bem estruturada, certamente terá problemas em identificar os itens

acima, pois, se ela não compreende o conceito antes ou depois, como saberá a sequência das

notas? Se não sabe diferenciar o rápido do lento, como compreenderá o andamento de uma

música? Da mesma forma, se não tem consciência de lateralidade ou noção espacial, como

saberá que, por exemplo, no piano as notas à direita ficam agudas e à esquerda graves? Se não

possui estruturação espacial, como conseguirá acertar a plaqueta do xilofone? Igualmente, se

o tônus não é adequado, como poderá executar um instrumento ou controlar a intensidade do

ataque fazendo soar sons fortes e fracos? Assim sendo, para uma aprendizagem musical plena,

é necessário que os problemas básicos em relação à psicomotricidade estejam resolvidos,

sejam os alunos pessoas sem ou com deficiência.

Se pararmos para analisar por um instante as metodologias mais utilizadas em

educação musical infantil, perceberemos que todas as propostas são baseadas em exercícios e

jogos que visam desenvolver aspectos do desenvolvimento da criança, isto é, aspectos

psicomotores. Práticas comuns das atividades pedagógicas musicais para crianças são: andar

pela sala na pulsação da música (tônus, equilíbrio dinâmico, consciência temporoespacial);

exploração de sons ambientais (estimulação auditiva, importantíssima para o desenvolvimento

psicomotor), percussão corporal (esquema corporal, noção espacial, tônus, lateralidade); jogos

de improvisação (estimulação da criatividade, expressão e conceitos); imitações de

movimentos com o corpo (estimulação visual, coordenação motora, esquema corporal); tocar

instrumentos de percussão ou outros (tônus, lateralização, orientação espacial, temporal e

esquema corporal); montar pequenos grupos instrumentais (tônus; equilíbrio estático,

consciência espacial e lateralização); cantar (estimulação do aparelho fonador (tônus),

articulação, respiração, afinação – esquema corporal). Ou seja, musicalização é estimulação

psicomotora a todo instante!!! A musicalização trabalha todos os aspectos psicomotores

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necessários, entre outras coisas, para uma boa aprendizagem futura, seja esta musical ou outra

qualquer.

Breve conclusão

Portanto, professores ou não de música, estejam atentos a seus alunos, pois

algumas dificuldades podem ser facilmente resolvidas com exercícios práticos e por vezes

divertidos, que enfatizam a questão da psicomotricidade. Nunca se esqueçam de que o aluno

traz consigo toda uma história de vida. Ele é a pessoa de hoje, mas é também a de ontem e a

de muitos anos atrás. Portanto, se houver uma falha durante esse percurso, alguns problemas

poderão surgir. Estejam sempre atentos aos fatores do desenvolvimento da psicomotricidade.

Referências bibliográficas

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Incluir os “incluídos”: discutindo escolhas do campo

da didática nas aulas de música5

Isamara Alves Carvalho6

Universidade Federal de São Carlos

Ilza Zenker Leme Joly7

Universidade Federal de São Carlos

Resumo: O presente relato tem como objetivo principal apresentar e discutir alguns dados

coletados em recente pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de São Carlos, no período de 2002 a 2004. O objetivo geral e norteador

na elaboração da referida pesquisa foi: conhecer e discutir como os professores de

instrumento musical, que lecionam para crianças numa escola de ensino específico, relatam

seu processo de aprendizagem para a docência a partir de dois eixos centrais: ensinar e

avaliar. Partindo da temática sugerida nesta mesa-redonda centralizaremos o desenvolvimento

deste texto nos dados apresentados sobre os dilemas vivenciados pelos professores no início

da docência. Optamos pela pesquisa qualitativa e realizamos entrevistas de caráter

semiestruturado, em que participaram dez professores de instrumento. O diálogo final aponta

5 Texto apresentado no IV Simpósio de Educação Musical Especial – FEFISA/Santo André – SP (02, 03 e 04 de

novembro de 2007)

6Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (2010). Desde 2009 é professora efetiva do

Departamento de Artes e Comunicação da UFSCar, atuando nos cursos de Licenciatura em Música (presencial) e

Licenciatura em Educação Musical (a distância pela UAB), do qual é coordenadora. Concluiu o Bacharelado em

Música - Flauta Doce em 1996 pela Faculdade de Artes Alcântara Machado. Foi professora de Rítmica na Escola

de Música da Fundação das Artes de São Caetano do Sul de 1993 a 2009, da qual foi coordenadora pedagógica

no ano de 2006. Na área de EaD exerceu atividade como tutora virtual do Curso de Educação Musical da UAB-

UFSCar, formadora no Programa Descubra a Orquestra (OSESP) e no Projeto Guri. Atualmente orienta a

elaboração de trabalhos de conclusão de curso de graduação e iniciação científica nas áreas de educação musical,

ensino de instrumento e uso de recursos tecnológicos musicais.. E-mail: [email protected].

7 Professora do curso de Licenciatura em Música com habilitação em Educação Musical na Universidade Federal

de São Carlos (UFSCar), mestre em Educação Especial e doutora em Educação, professora orientadora no

Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar. Coordenadora do programa de extensão “Educação

Musical na UFSCar”, fundadora e coordenadora do programa de formação de orquestras da UFSCar, regente da

Camerata Vivace e da Orquestra Experimental da UFSCar. E-mail: [email protected]

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algumas contribuições desta pesquisa no âmbito da formação docente dos instrumentistas e no

âmbito de produção acadêmica que enfoque o conhecimento produzido no diálogo entre os

docentes e os discentes de escolas de música.

Professores de instrumento: a realidade da escola pesquisada

A totalidade do grupo de dez professores entrevistados demarcou o início de sua

formação musical na infância. Podemos observar na Tabela 1 que, para oito professores, a

continuidade da formação musical foi caracterizada pela frequência numa escola técnica de

música. 60% dos professores frequentaram e concluíram o curso de formação musical

técnico8 profissionalizante na mesma escola que lecionam hoje, a Escola Fermata; 20% dos

professores fizeram sua formação técnico-profissionalizante em outra cidade do Estado de

São Paulo; 10% dos professores cursaram, mas não concluíram, e 10% dos professores não

cursaram escola de música de nível técnico-profissionalizante.

TABELA 1: Frequência em curso de Formação Musical Técnico-Profissionalizante.

Frequência em cursos de formação

Musical nível médio Valores

Cursou a Escola Fermata 60%

Cursou outra unidade escolar 20%

Cursou, mas não concluiu 10%

Não cursou 10%

Nove dos dez professores entrevistados fizeram formação superior em música,

como podemos rever na Tabela 2. Sete professores cursaram bacharelado em instrumento, um

8 Nome fictício da escola de música onde leciona o grupo de professores pesquisados.

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professor cursou bacharelado em composição e um professor cursou bacharelado em

instrumento, composição e regência.

TABELA 2: Distribuição das categorias de Formação Musical Superior dos participantes.

Formação Superior Valores Professores

Bacharelado em Instrumento 70% P2, P4, P6, P7, P8, P9 e

P109

Bacharelado em Composição 10% P1

Bacharelado em Instrumento,

Composição e Regência 10% P5

Não cursou Ensino Superior 10% P3

As falas dos professores parecem indicar que a aprendizagem para o exercício

docente em música foi construída ao longo da carreira, partindo, entretanto, de referências

práticas destacadas de sua história pessoal-escolar. O estímulo profissional central para a

quase totalidade dos professores entrevistados foi projetado na imagem da carreira de

intérprete instrumentista. A reflexão sobre o mercado de trabalho ocorreu para muitos na

saída da faculdade e a possibilidade da docência como uma atividade paralela e complementar

pode ser verificada em suas falas, apresentadas a seguir.

“Eu queria tocar violão. Eu não tinha muito essa ideia: O que eu vou fazer da

minha vida? Como eu vou ganhar dinheiro? Nunca pensei nisso assim, né.

Eu queria tocar. Queria tocar e ter tempo para estudar (P4)”.

“Sem pensar muito no mercado de trabalho. Eu não pensei muito. Aí eu fiz a

faculdade, aí depois apareceram as oportunidades de dar aula. (...) Eu sabia

que não iria dar para viver de tocar. Eu até gostaria (...) Eu via que não ia

dar. Então, eu sabia que eu ia ter que dar aula (...), mas foi uma coisa que

9 P equivale a professor e o número ao lado significa a ordenação das entrevistas. Assim, P1 foi o

primeiro entrevistado.

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nunca me preocupou assim, se eu ia ter um emprego ou não (P7)”.

Os professores recordaram episódios de sua trajetória escolar com detalhamento

do contexto espaço-temporal e perfil de seus professores de instrumento. É possível constatar,

a partir das falas, uma grande admiração pelos seus professores, considerados como modelos

para seu início na docência.

“Mestra PM, ela não foi a minha primeira professora de violino, mas foi a

pessoa mais importante da minha vida, durante muitos anos e... sabe

aquela... porto seguro?!” (P5).

Recordamos que do conjunto de professores pesquisados, 60% cursaram a Escola

Fermata. Dessa forma, podemos verificar também uma admiração focalizada pelo grupo de

professores e/ou conjunto de situações educacionais proporcionadas em seu período discente

na referida escola.

“Mexeu comigo assim, a forma como ele tratava a gente, a forma como ele

orientava, o carinho que ele tinha pela questão pedagógica, de como fazer a

gente entender e de como ele tirava as coisas da gente” (P4).

“Quando eu entrei na Escola Fermata, mudou completamente minha visão

em relação ao ensino. Era um grande espelho pra mim os professores da

Escola Fermata. Como eles explicavam as coisas. Eu nunca tinha estudado

música daquele jeito. Como era gostoso aprender daquele jeito, né” (P8).

A própria experiência é o segundo fator relacionado à aprendizagem para a

docência que podemos observar nas falas dos professores, e aqui sintetizar na expressão

compartilhada por P4 e P8: “aprendi a dar aula dando aula”. Juntando-se à própria

experiência, verificamos algumas menções à experiência de seus colegas, professores na

mesma escola ou músicos de orquestra que são professores em outros contextos.

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Os modelos de seus professores de instrumento e/ou música, e tanto a experiência

própria como a de seus pares são as fontes de aprendizagem para a docência, observadas nas

falas dos professores.

Neste sentido, Tardif (2002) traz a formação escolar anterior e as condições reais

de trabalho como uma das fontes de desenvolvimento da docência, sendo a primeira tão forte

que pouco se desestabiliza com a formação docente acadêmica. Em relação aos saberes

proporcionados pela experiência em sala de aula, endossamos a opinião do grupo de

Mizukami (1999) e Pimenta (2002) de que deve haver discussão sobre a qualidade dos

saberes que a prática ofereceu no contexto de cada escola e na história escolar e pessoal de

cada professor. “Não nos acomodarmos com o que julgamos saber” (LACORTE, 2003, p.

78).

A experiência dos pares parece ser a única maneira de desestabilizar os saberes

adquiridos na formação e na experiência inicial. “Trocamos muitas figurinhas” (P7). Lacorte

(2003) valoriza essa troca entre os colegas, mas alerta para a necessária predisposição à

pesquisa e à transformação da prática, meditando, experimentando, questionando e criando (p.

79).

Considerações sobre uma concepção de educação para todos

A vida escolar se dá na interação entre sujeitos em movimento social, cognitivo,

econômico e político. Essa relação é dinâmica e poderá ser modificada para o favorecimento

ou desfavorecimento de um dos polos. Desta maneira, nossos saberes, valores e crenças sobre

educação, escola e sociedade constituirão a cena para todo o processo educacional (ensino,

aprendizagem e avaliação).

A obra de Paulo Freire, apesar de ter na educação de adultos seu eixo condutor,

apresenta-nos uma série de conceitos que poderão ser transportados para diferentes contextos

educacionais, possibilitando discussões, avaliações e revisões de nossas escolhas. Educação

para todos como direito de sujeito historicamente contextualizado. Educação para todos,

entendendo-se com “todos” diversidade de raça, de gênero, de renda, religião, saúde,

aprendizagem etc. Educação para todos, em que a diversidade não é obstáculo ou justificativa

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para o não aprender e o tão popular fracasso escolar, e na qual o espaço escolar não é o único

privilegiado para situações de aprendizagem.

Educação para todos, na qual a situação não é, apenas está sendo, devendo, assim,

ser transformada para a promoção de todos. —É triste, mas, que fazer? A realidade é mesmo

esta. A realidade, porém, não é inexoravelmente esta. Está sendo esta como poderia ser outra

e é para que seja outra que precisamos, os progressistas, lutar” (FREIRE, 1999, p. 83).

Luckesi (1998) fala de outro conceito que consideramos pertinente para a

continuidade deste trabalho e posterior contraponto com os dados coletados. Amorosidade

como qualidade do ato de acolher a situação na sua verdade (como ela é). Para ele, o ato

amoroso permite o acolhimento, a inclusão do observado, da informação coletada, percebida e

só posteriormente qualificada e encaminhada para uma mudança. Incluir amorosamente um

aluno com dificuldades não significa, como declara, muitas vezes, o senso comum, colocá-lo

no colo e negar seus limites, o que não foi aprendido.

Sobre amorosidade, Freire (1998) complementa a necessidade de um “amor

armado”, de um amor que luta, que denuncia, que ao mesmo tempo acolhe e age com garra

para intervir no dia a dia de sua prática, em favor de si, de seus colegas, alunos, pais e da

grande sociedade.

Um amor armado de Paro (2001), Hoffman (2000, 2002a, 2002b e 2003), Luckesi

(1998 e 2003), Rios (2003), Vasconcellos (1998) e Moreto (2003 e 2004)10

, que não aceitam

mais que a escola e a sociedade responsabilizem o educando por sua não aprendizagem.

Hoffman (2003) diz que muito tempo é perdido discutindo-se instrumento de coleta de dados

para avaliação e não concentramos energia e tempo suficientes para uma discussão sobre

metodologias de ensino, nem para uma melhor mediação entre educador e educando.

“Se fazemos da avaliação um exercício contínuo, não há razão para o

fracasso, pois sempre chegaremos a tempo para agir e intervir

inteligentemente no momento oportuno, quando o sujeito necessita de nossa

10

Os autores foram agrupados por compartilharem uma indignação contra o abuso das práticas avaliativas

autoritárias, excessivamente classificatórias e excludentes.

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orientação e de nossa ajuda para evitar que qualquer falha detectada torne-se

definitiva” (MÉNDEZ, 2002, p. 17).

Alguns dilemas destacados pelos entrevistados

O tema “aprendizagem da linguagem musical” na Educação Musical Infantil foi

citado por cinco professores como uma questão bastante problemática e em relação à qual há

diferentes expectativas. Algumas questões foram levantadas: Pode e deve a aula de

instrumento auxiliar também na sistematização da linguagem musical? Podemos iniciar o

ensino de instrumento sem ter a leitura de partitura como pré-requisito? Por quanto tempo

conseguiremos encaminhar um curso de instrumento com crianças sem abordar aspectos da

linguagem musical? Os professores mostraram que este tema foi bastante conflitante no início

de sua prática profissional e hoje ainda demanda pesquisas e discussões.

P1 e P2 citam os métodos11

utilizados como a origem do dilema, pois esses têm

como pré-requisito o entendimento de alguns conceitos da linguagem musical, por exemplo,

pentagrama, clave do instrumento específico e proporção de duração, pulso, dobro e metade,

pelo menos.

P5 não recorda a presença dessa dificuldade em seus primeiros anos, porém, faz

um desabafo que denuncia quão desencontrados caminham ensino prático-instrumental e

ensino da linguagem musical. Em sua fala, constatamos P5 muito frustrado com os limites de

compreensão da linguagem musical apresentados por seus alunos nas aulas práticas. P5 tem

algumas expectativas a que os professores do núcleo de formação musical12

(iniciação

musical e níveis iniciais do curso livre), responsáveis direto pelo ensino da linguagem, não

correspondem.

11

Livros com exercícios técnicos e repertório de músicas específicas de cada instrumento.

12 Curso dividido em três módulos grandes: Iniciação musical (5 anos de duração / público: infantil), Curso livre

(6 semestres de duração / público: adolescentes e adultos), Profissionalizante Nível Médio (4 semestres de

duração / público: adolescentes e adultos)

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“Eu vejo aluno que tem dificuldade em alguma coisa e o professor em

questão não ajuda aquele aluno a resolver.(...) aluno que faz iniciação

musical há 5 semestres e não sabe a diferença de linha e espaço (...)

Problema de não saber a diferença entre mínima e semínima. (...) Olha! Eu

tô muito decepcionado. (...)

Agora se o cara tem capacidade de tocar “Atirei o pau no gato” num violino,

afinado, não é possível que ele não consiga escrever quaternário” (P5)!

A área de educação musical nos mostra diferentes produções que refletem esse

embate entre prática instrumental e sistematização da linguagem. Segundo Fonterrada (2001)

os trabalhos desenvolvidos e sistematizados por educadores musicais da primeira metade do

século XX, tais como C. Orff (1895-1982), E. Willems (1890-1978), J. Dalcroze (1865-1950)

e Z. Kodály (1882-1967), são unânimes na orientação de que o professor deve criar situações

favoráveis à experimentação, manipulação e criação da música em seus diferentes aspectos:

audição, prática vocal, prática instrumental, improvisação e consciência corporal. A

sistematização da música como linguagem é entendida como etapa posterior, na obra desses

educadores.

Borges (1997) demonstrou as etapas contempladas em sua pesquisa com crianças

na faixa etária entre oito e nove anos, estudantes de flauta doce na EMIA (Escola Municipal

de Iniciação Artística) na cidade de São Paulo, entre os anos de 1984 e 1986. A autora

orientou-se pelas propostas pedagógicas de Edgar Willems e dividiu seu trabalho prático nas

seguintes etapas:

1. Preparação do mundo sonoro;

2. Desenvolvimento sensorial auditivo;

3. Introdução à leitura.

Borges (1997) explica sua escolha da seguinte maneira:

A introdução à leitura e escrita precisa ser feita com cuidado pois é a ponte

que possibilita aos alunos a passagem do “concreto para o abstrato” o que

permite afirmar que esta etapa só deverá acontecer na vida musical depois de

vencidas etapas anteriores (BORGES, 1997, p. 66).

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Neste sentido, Gordon (2000) traz a ideia de que a audição (audição interior e

significativa) deve ser anterior à sistematização da linguagem e à destreza técnica

instrumental. Inicialmente, o estudante será estimulado a ouvir interiormente e a cantar

padrões tonais e rítmicos familiares. Só posteriormente fará a transposição para um

instrumento externo ao seu corpo.

Independente de por quanto tempo o ensino de leitura é adiado, quando os

alunos são primeiro ensinados a audiar (não só a imitar), eles sentem

invariavelmente o desejo de aprender a ler e a escrever a notação e fá-lo-ão

com mais sucesso (GORDON, 2000, p. 365).

Gordon (2000) questiona sobre o momento ideal de passar da fase de audiação

para a fase de associação simbólica. Ao olharmos para o aluno, a resposta será dada segundo

suas condições sociais, cognitivas, psicomotoras (SANTIAGO, 1994) ou de maturidade de

audiação (GORDON, 2000), por exemplo. Esses dados serão claros na mesma proporção que

refletirmos sobre as funções e objetivos de uma educação musical instrumental com crianças.

A necessidade da leitura deve ser clamada pela prática (GORDON, 2000 e TOURINHO,

2003), facilitando, assim, sua compreensão.

Não há um método único de sucesso garantido para todos. Assim, a adoção dos

diferentes métodos, justificados por P1 e P2 como sendo o motivo de uma pressão para a

urgente notação, parece demonstrar uma submissão das escolhas do professor de instrumento

em virtude de um método (conjunto de estudos técnicos ou repertório). O tal método ou livro

foi elaborado a partir de um referencial de criança-aluno, sociedade, época, que não

necessariamente condiz com o nosso e o de nossos alunos. Esta autonomia dada aos métodos

pode provocar um desconforto, pois os alunos reais não correspondem, muitas vezes, à

disponibilidade temporal, corporal, de interesse musical e técnico prevista por tais livros.

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Inclusão nas escolas de música: discutindo os paradigmas

Lisbeth Soares 13

Resumo: O presente artigo propõe a discussão sobre as demandas atuais do ensino de música,

enfatizando a importância dos saberes musicais e dos saberes pedagógicos na atuação do

educador. Discute, também, a necessidade de rever os paradigmas, principalmente

considerando os princípios de educação para todos, apresentando algumas das práticas

inclusivas desenvolvidas em uma escola de música.

Palavras-chave: educação musical; educação especial; inclusão.

Educação musical: demandas atuais

O educador musical, nos dias de hoje, não deve mais ser aquele que apenas

transmite técnicas relativas aos instrumentos ou conceitos referentes aos elementos teóricos da

música; sua atuação deve estar pautada na reflexão constante sobre suas práticas e sobre os

desempenhos dos alunos, nos diferentes níveis. Várias autoras (DEL BEN, 2003,

BELLOCHIO, 2003; CARVALHO, 2004, SOARES, 2006) destacam que, para ensinar

música, saberes musicais e saberes pedagógicos são fundamentais, pois já não é mais possível

acreditar que apenas saber tocar um instrumento seja suficiente.

O diálogo com outras áreas de conhecimento, tais como psicologia, sociologia,

antropologia e filosofia também se faz necessário, visto que poderá fornecer subsídios “para a

13

Mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. Pedagoga pela Faculdade de

Educação da Universidade de São Paulo, com especialização em Psicopedagogia da Educação Especial,

realizada na Universidade Metodista de São Paulo. É professora de Educação Especial em São Bernardo do

Campo/SP desde 1998, atuando no Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Educação Infantil e no

Ensino Fundamental. Também atua, desde 1993, como professora de Musicalização Infantil na Fundação das

Artes de São Caetano do Sul/SP, sendo professora responsável pelo Programa de Apoio Pedagógico e Inclusão

na mesma instituição. Trabalhou como tutora virtual e como professora do Curso de Licenciatura em Música da

UFSCar, na modalidade EaD. Atualmente é tutora virtual do curso de Licenciatura em Música da Ação

Educacional Claretiana. É organizadora do Simpósio de Educação Musical Especial. E-mail:

[email protected]

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compreensão do significado da música para o homem e dos papéis que ela pode desempenhar

na atualidade”. (FONTERRADA, 2007, p. 31). Para o educador musical, tais referências

podem colaborar para o entendimento da música como linguagem construída cultural e

socialmente, procurando quebrar com as dicotomias a muito estabelecidas, quais sejam:

música popular/música erudita; música de ontem/música de hoje; música de jovens/música de

velhos; música fácil/música difícil (BEINEKE, 2001; FREGA, 2007), já que estas parecem

indicar que há uma escala de valores, havendo músicas mais importantes do que outras.

Também é necessário que o educador musical reflita sobre o contato que as pessoas têm com

a música, pois este não está restrito às escolas especializadas, posto que existem diferentes

espaços – escolas, associações de bairro, ONGs, igrejas etc. – nos quais práticas musicais são

realizadas.

Segundo Fonterrada (2007, p. 30), “o valor atribuído à educação musical, em cada

época, é estreitamente dependente do valor conferido à música” e os educadores musicais

devem estar conscientes das demandas de seu tempo e das características das crianças, jovens

e adultos que estão envolvidos no processo de aprendizagem musical. É importante refletir,

também, que esse processo acontece de formas distintas, de acordo com as particularidades de

cada sujeito envolvido, o que implica em considerar que não há uma única maneira de

aprender e de ensinar.

Para Batres (2006), o futuro educador musical deve ser um “desconstrutor de

Paradigmas”, ou seja, deve ser um profissional que provoque mudanças sem deixar de

respeitar os saberes tradicionais e os seus próprios valores culturais, atuando de forma a

facilitar o acesso de todos ao conhecimento musical. (SOARES, 2006).

Os princípios da inclusão e a educação musical

O movimento da inclusão começou a tomar força no início da década de 1990,

com o intuito de valorizar a diversidade, sugerindo mudanças nas condutas dos profissionais,

nas instalações, nos mobiliários e nos currículos, permitindo o acesso de todos à escola e aos

diversos serviços oferecidos pela sociedade. Atualmente, as discussões sobre as práticas

inclusivas estão presentes nos diferentes níveis da Educação, não sendo exclusividade da

Educação Especial. Conforme Mendes (2005), no entanto, muito ainda deve ser feito, no

âmbito das escolas, das políticas públicas e das pesquisas científicas, para que a inclusão não

fique restrita a uma legislação que não é aplicada e para que realmente todos tenham acesso a

uma escola de qualidade.

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Segundo Boltrino (2006, p. 77), a atenção à diversidade implica:

– la existencia de diferentes historias de vida em diferentes contextos; – el

reconocimiento de diferentes motivaciones, intereses, actitudes y

expectativas frente al objeto de conocimiento;

– la toma de consciencia de la existência de diferentes puntos de partida em

la contrucción de los aprendizajes debido a actitudes, conocimientos e ideas

previas de cada alumno;

– la admisión de la presencia de diferentes estilos, competencias curriculares

y contextos de aprendizaje dentro de una misma aula.

Tais elementos sugerem o respeito às individualidades e às particularidades, além

de uma reflexão sobre os paradigmas até então estabelecidos, principalmente àqueles

relacionados à padronização do ensino. No tocante ao ensino de música, são vários os

estudiosos que propuseram metodologias e modelos de atuação que valorizam as diferenças e

que proporcionam, tanto para os educadores quanto para os alunos, diversas possibilidades de

criação, de execução e de discussão, reforçando o aprendizado como um processo14

. No

entanto, segundo Beineke (2001, p. 57), a ideia de que intérpretes e compositores “pertencem

a uma classe especial, a classe daqueles que possuem o dom para a música”, ainda persiste, o

que é contraditório aos ideais de educação (e de educação musical) para todos.

Em escolas de música, o questionamento sobre hipotéticos limites que

determinados problemas ou deficiências possam trazer para o aprendizado de música e,

especialmente, para o aprendizado de um instrumento, surge com frequência. Segundo Louro

(2003), muitas pessoas não são aceitas nas escolas de música por não cumprirem

determinados pré-requisitos. Para Loureiro (2003), há o preconceito de que somente aqueles

com “dom inato” podem estudar música; no entanto, segundo ela, todos podem desenvolver-

se musicalmente, o que implica na necessidade de tornar a atividade musical realmente

acessível para todos. Brito (2003) ressalta que qualquer pessoa tem o direito de ter contato

com a música, sem o estabelecimento de pré-requisitos, pois o processo de ensino é o mais

importante.

Oliver Sacks (SACKS, 2007, p. 10), importante neurologista inglês radicado nos

Estados Unidos, destaca que:

14

Entre estes educadores convém destacar: Dalcroze, Orff, Koellreutter e Swanwick.

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todos nós (com pouquíssimas exceções) somos capazes de perceber música,

tons, timbres, intervalos entre notas, contornos melódicos, harmonia e,

talvez, no nível mais fundamental, ritmo. Integramos isso tudo e

“construímos” a música na mente, usando muitas partes do cérebro.

Práticas inclusivas na escola de música

Na Escola de Música da Fundação das Artes de São Caetano do Sul (São Paulo),

foram iniciadas, em 2007, algumas atividades visando fornecer informações importantes e

orientações pedagógicas aos professores, bem como dar apoio aos alunos e seus familiares,

buscando o melhor desempenho destes no curso escolhido. Estas práticas fazem parte de um

projeto de apoio à inclusão, o qual visa colaborar com professores e alunos, em relação às

necessidades de adaptações de materiais, de procedimentos, de planejamentos e de currículos

no que diz respeito ao atendimento à diversidade. As ações realizadas até o presente momento

são as seguintes:

• Observações de aulas: foram realizadas algumas observações de aulas, com o

objetivo de acompanhar determinados alunos em relação à realização das atividades

propostas pelos professores e ao seu entrosamento com o grupo. Também foram feitas

observações para levantamento de dados que pudessem colaborar com o trabalho dos

professores.

• Solicitação de relatórios clínicos: esta ação teve como propósito obter dados sobre os

alunos e iniciar o contato com outros profissionais.

• Reuniões com os profissionais da área clínica: o objetivo foi obter informações

sobre os aspectos clínicos, além de fornecer elementos a respeito do desempenho dos

alunos na escola de música.

• Reuniões com os professores: discutir sobre os alunos em questão, procurando

encontrar alternativas e adaptações em relação a materiais, procedimentos e conteúdos.

• Estabelecimento de um protocolo para declaração de saúde: após reunião com os

coordenadores da escola, um protocolo foi elaborado e entregue aos alunos, quando as

matrículas para o segundo semestre foram realizadas.

• Reuniões com os pais dos alunos: estas reuniões foram realizadas com o objetivo de

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coletar dados a respeito do histórico familiar, escolar e dos acompanhamentos clínicos.

• Apoio aos alunos: acompanhamento nas aulas coletivas; oferecimento de aulas extras

e de reuniões de orientação.

• Elaboração de materiais de apoio e/ou adaptados: elaboração de fichas contendo

figuras rítmicas ou notas musicais na pauta, ampliação de textos e partituras, adaptação de

modelos de relatórios, elaboração de provas diferenciadas, são alguns dos exemplos.

Tais ações estão baseadas nos princípios da educação inclusiva, segundo a qual a

escola deve preparar-se para atender a todas as necessidades decorrentes das diferenças entre

as pessoas, oferecendo diferentes oportunidades para o crescimento de todos. Ainda são ações

pequenas, mas que, aos poucos, vêm demonstrando a importância de um trabalho cooperativo

entre os diferentes profissionais, alunos e seus familiares, conforme ressalta Mendes (sd., p.5):

O poder das equipes colaborativas encontra-se na sua capacidade para fundir

habilidades únicas de educadores talentosos, para promover sentimentos de

interdependência positiva, desenvolver habilidades criativas de resolução de

problemas, promover apoio mútuo e compartilhar responsabilidades.

Algumas conclusões

De acordo com Soares (2006, p. 102):

a sociedade em geral parece não acreditar que pessoas com necessidades

educacionais especiais sejam capazes de aprender e de desempenhar funções

distintas, sendo papel da educação contribuir para que isto seja

desmistificado.

Particularmente em relação ao ensino de música, estas crenças parecem estar mais

presentes e mais arraigadas, principalmente por todo o histórico desta área, que ainda

privilegia a performance e algumas habilidades específicas. Wills e Peter (2000) ressaltam

que o educador musical deve buscar diferentes meios para favorecer o trabalho individual e o

trabalho em grupo, proporcionando situações em que cada um possa mostrar suas habilidades

e contribuir para o trabalho coletivo. Além disso, é função do educador musical planejar

atividades que possam ser realizadas de maneiras distintas, com materiais diversificados,

ainda que o objetivo seja trabalhar com o mesmo conteúdo.

É importante salientar, ainda, que o professor deve considerar que todos os alunos

são seres pensantes, com desejos e possibilidades de criação e que as atividades musicais

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devem proporcionar oportunidades de demonstrar como estes veem o mundo e como se veem

no mundo, o que é preconizado, também pelas diferentes metodologias da educação musical.

Cabe ao professor fazer as adaptações necessárias, visando valorizar, sempre, as

potencialidades de todos. As escolas de música não podem ficar alheias a estas demandas,

considerando que a inclusão é um direito e uma conquista de todos.

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A heterogeneidade na produção do Coral Cênico Cidadãos Cantantes

Júlio Cezar Giudice Maluf 15

Resumo: O Coral Cênico Cidadãos Cantantes atua como política pública (Secretaria de Saúde

/Cultura) de inclusão social pela convivência de diferentes atores sociais, visando a

constituição de grupo heterogêneo que se agrega em torno de uma tarefa comum, utilizando,

para isso, de espaços públicos, como o Centro Cultural São Paulo e a Galeria Olido no

desenvolvimento de suas atividades. Pretende-se nesta comunicação discutir a respeito da

interface possível entre canto coral, arte e saúde na contemporaneidade e o trabalho com

grupo heterogêneo, sob o ponto de vista da produção artística e a construção de sentidos no

Coral Cênico Cidadãos Cantantes. Para alimentar essa discussão lançou-se mão das ideias de

Samuel Kerr, Ana Mae Barbosa, Elizabeth M. F. Lima, Peter P. Pelbart e Foucault,

principalmente pela conformação do conceito de biopolítica, pelo qual revela uma sociedade

em que o controle, a categorização e a vigilância estão cada vez mais presentes. Este estudo

recupera o sentido da arte como um atributo humano capaz de transformar atitudes, lugares do

saber e lugares de existência.

Palavras-chaves: Coral; Coral Cênico; Inclusão; Doença Mental.

Introdução

O Coral Cênico Cidadãos Cantantes é vinculado à ONG “SOS Saúde Mental,

Ecologia e Cultura” e ao CECCO – Centro de Convivência e Cooperativa Parque Ibirapuera,

Coordenadoria de Saúde da Subprefeitura de Vila Mariana, São Paulo. Desde seu nascimento,

em 1992, realizou seus ensaios no Centro Cultural São Paulo (CCSP); sua equipe, de caráter

15

Bacharel em Composição e Regência pelo Instituto de Artes da Unesp (1990). Mestre em Música pela

Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes (2005). Atualmente é professor de música da Escola

Municipal de Iniciação Artística, regente do FALAMUNDO Coral com Imigrantes, na Galeria Olido, diretor

musical do Coral Cênico Cidadãos Cantantes e regente do Grupo Vocal Independente Canto Porque Gosto. Tem

experiência na área de Artes, com ênfase em Regência, atuando principalmente nos seguintes temas: coral e

cidadania, canto coral, coral, artes cênicas arranjo coral. E-mail: [email protected]

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interdisciplinar, é composta por funcionários do CECCO e profissionais voluntários do campo

das artes, tornando-se um dos aspectos fundamentais para o manejo do grupo. Atualmente,

contamos com duas psicólogas, um músico, um orientador cênico e uma preparadora corporal,

além de estagiários dos campos da Psicologia e da Terapia Ocupacional. É importante

ressaltar que todos, técnicos da área da saúde, artistas, ou estagiários se colocam como

cantores do grupo.

A partir de 2006 os ensaios passaram a acontecer nas dependências da Galeria

Olido, todas as segundas-feiras pela manhã.

O grupo segue os princípios do CECCO, ao desenvolver políticas públicas de

inclusão social pela convivência entre diferentes atores sociais, agregando pessoas em

vulnerabilidade social ou de saúde com o público frequentador dos espaços públicos de lazer

e cultura da cidade, buscando, assim, a constituição de um grupo heterogêneo com propósito

comum. Entre esses frequentadores encontram-se os mais diversos perfis: estudantes,

aposentados, donas de casa, empregadas domésticas, desempregados, pessoas interessadas no

aperfeiçoamento artístico, ou provindas de campos de atuação específicos, por exemplo, das

áreas de psicologia e artes.

Ao estudar o grupo, algumas questões foram apontadas: a heterogeneidade do

grupo se restringe ao aspecto saúde/doença? A produção do Coral é potencializada pela

diversidade de perfis da qual se compõe? Estar num espaço público de cultura facilita com

que o trabalho se desloque do campo da saúde e transite pelo da cultura? A dificuldade em

lidar com o outro (o diferente) em nossa sociedade desconsidera singularidades e potência

criativa? E, por fim, quanto mais artístico o trabalho, maior será o alcance terapêutico para os

indivíduos nele envolvidos.

A estas questões seguiram-se outras: que condutas o regente deve ter à frente de

um grupo como este? É diferente? Qual é a ressonância desse processo para as pessoas

envolvidas nele? Quais são os sentidos desvelados a partir da produção artística do grupo?

Trato com as diferenças dentro da produção musical

No decorrer da pesquisa foram recolhidas e analisadas algumas entrevistas com

integrantes do grupo. Em alguns relatos, o Coral aparece como uma fuga de um estado de

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depressão, como “tábua de salvação”; em outro, esta experiência artística é vivida quase como

um milagre, possibilitando novos sentidos de vida, especialmente quando se trata da

realização de uma criação própria, carregada de vivência e subjetividade. Nas palavras de um

dos participantes: “compor uma música dentro da minha história”. Essa experiência, na visão

do cantor, deu lugar a uma ressurreição, um renascimento, dando vida a algo que ele já

julgava morto.

Algumas produções artísticas individuais demonstram a necessidade de expressão

que sintetiza outras necessidades, como a de falarem e serem ouvidas, de serem olhadas em

suas individualidades, em suas potencialidades, e não naquilo que lhes falta.

A participação de todos na construção do repertório a partir de suas vivências

pessoais e pesquisas em grupo, se aproxima muito da maneira do maestro Samuel Kerr pensar

a atividade coral. Kerr diz que a pesquisa, dentro de um projeto sonoro Coral, “(...) é irmã da

invenção e filha da canção. É a busca de um repertório sem ponto final. Tem muitos

caminhos, nem sempre musicais...” (KERR, S.; BREIM, R., 1989, p. 54). Em outro texto seu,

o autor reitera a importância da pesquisa e do resgate da memória do cantor e da comunidade,

como busca de elementos para se “oxigenar” a prática coral, numa perspectiva que busca

valorizar mais o processo (a pesquisa em si) que o resultado final, chamando a esse

procedimento de “partituras de utopia” (KERR, 2000, p. 12).

A ideia de o trabalho no Coral Cênico se dar pela produção artística e não apenas

pela convivência, direta ou indiretamente, perpassa praticamente todos os depoimentos dos

entrevistados, pois todos defendem o mesmo ponto de vista, que valoriza o indivíduo que faz

arte, e participa de um grupo que congrega os mesmos objetivos, no que diz respeito à

inclusão e ao respeito às diferenças. É interessante notar que o fazer artístico neste grupo

inclui lidar com o outro, e reconhecer o outro em suas diferenças e similaridades, pelo

respeito aos ritmos individuais, às escutas diversas e às diferentes vozes.

Num grupo com as características apontadas, é necessário desconstruir alguns

conceitos prévios acerca do trabalho Coral, que tem a homogeneidade sonora como meta, ou

mesmo alguns conceitos acerca da afinação e de se ter “boa voz para cantar”. O Grupo se

propõe a trabalhar com as diferenças e não apesar delas. Julga-se que este conceito seja atual

e necessário para a construção de uma sociedade mais tolerante do que aquela em que

vivemos. Como pontua Lima (2003b, p. 70): é no desejo das diferenças que a arte busca seu

alimento, não pelo interesse no exótico ou no diferente em sua subjetividade, mas sim nas

relações novas que podem ser criadas a partir dessa abertura ao outro.

Acredita-se que é na convivência com as diferenças que se dá a grande

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singularidade desse projeto, e que essa condição influi tanto no campo da criação, quanto no

campo social, tendo alcance terapêutico não como fim, mas como consequência do

envolvimento dos participantes com a produção artística do grupo.

Construção do repertório

O processo de construção do repertório contempla a discussão em conjunto,

trazendo à tona assuntos de interesse do grupo num dado momento. Em geral, combina

composições ou poesias criadas pelos próprios integrantes do grupo, com músicas

“consagradas” no contexto da cultura brasileira, provindas do cancioneiro popular, do folclore

ou da chamada MPB.

Busca-se, também, na pesquisa de repertório, valorizar as potencialidades

individuais, como a de fazer um solo, falar um texto, tocar um instrumento, ou dançar. Na

construção do repertório investiu-se, por um lado, no trabalho do coro em uníssono, para que

os cantores pudessem se ouvir em suas diferenças, e ao mesmo tempo pudessem cantar

coletivamente, buscando a afinação, não como um fim único, mas como um processo. A

afinação teria de vir da melhora da qualidade de escuta que os integrantes pudessem ter entre

si.

Noutra direção, porém, ainda buscando uma eficiência musical, investiu-se na

incorporação ao repertório de algumas composições originais de seus integrantes. Isso trouxe

ao grupo uma maneira muito peculiar de cantar e atuar, o que possibilitou criar identidade e

dar ênfase ao caráter singular desse trabalho, a partir de uma real possibilidade de troca de

potenciais criativos, subjetividade e consciência do outro. Tal experiência proporcionou maior

liberdade ao Coral, dispensando modelos e normas preestabelecidas, ao mudar o foco do

campo da interpretação para o da criação.

Deve-se destacar que o grupo não quer que sua produção seja vista com

condescendência pelo público. Isso não quer dizer que esse sentimento não possa surgir, mas

os depoimentos revelam um desejo de que o trabalho seja avaliado por sua qualidade

intrínseca, e não por quem o faz. Um exemplo disso é o caso de Zé Ivan, um dos integrantes

do grupo, que atribui o seu “salto” para a reconquista de sua autoestima e capacidade

produtiva, ao fato de haver percebido que o público, durante as apresentações do Coral,

gostava das suas composições e de seus números como instrumentista de gaita.

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Heterogeneidade e singularidades

Algumas singularidades do Coral Cênico Cidadãos Cantantes destacadas pelos

próprios integrantes nas entrevistas foram: a heterogeneidade do grupo; o caráter aberto do

trabalho, pois, estando em local público e de livre acesso, permite o fluxo contínuo de entrada

e saída de pessoas; o fato de o local de trabalho ter vínculo direto com a cultura; a inclusão de

portadores de sofrimento mental ou outras necessidades especiais; o estímulo à pesquisa e à

participação de todos na criação; o acolhimento do grupo e a “entrega” dos participantes ao

trabalho.

Pode-se refletir, a partir da análise das características singulares do Coral, que, se

por um lado, trata-se de um trabalho diferenciado daquele que, geralmente, se faz em grupos

corais, uma vez que nestes, preferencialmente, trabalha-se com grupos mais homogêneos, por

outro, também se distancia de trabalhos que visam à inclusão pela convivência dos diferentes,

por buscar a convivência nas diferenças e ter como meta uma produção cultural, procurando,

com isso, implicar em sua singularidade e potência criativa, todas as pessoas envolvidas nessa

construção.

Ao levantar, pelas entrevistas, os diferentes significados que tem a atividade do

Coral Cênico, um cantor utiliza o termo “anormal” (o que sai dos padrões instituídos), para

destacar o trabalho peculiar do grupo envolvendo criatividade, desenvolvimento pessoal e

cultura, trazendo uma conotação positiva para a palavra “anormal”, e propondo uma inversão

do uso comum do termo. É interessante refletir o quanto a criação artística oscila entre a

tradição e a transgressão, muitas vezes, colocando em questão os padrões de “normalidade”.

É seguindo esse respeito às diferenças e singularidades que o entrevistado

denomina de “anormal” a existência do Coral, ao mesmo tempo em que a coloca como

necessária na atualidade, entrando, assim, em sintonia com a crítica de Focault (1985) a uma

sociedade que controla e segrega, juntando os iguais e se fechando à convivência das

diferenças e do desvio. Nesse sentido, o Coral cumpre uma função da arte (ou melhor, do

artista) na sociedade, que é a da transformação, muitas vezes pela transgressão de valores

instituídos, para repensar associações, padrões, normas e conceitos. O artista Flávio de

Carvalho sintetiza esta idéia em uma frase: “a única arte que presta é a arte anormal”.

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Considerações finais

Como resultado da análise detectou-se que a manifestação artística do Coral

Cênico ainda se configura como manifestação de grupo minoritário, circulando fora da cultura

hegemônica que, no máximo, a tolera, mas não a reconhece como manifestação artística de

fato. Ana Mae Barbosa (1998, p. 98) adverte sobre a importância dessas manifestações serem

reconhecidas, também, pela cultura dominante, pois, somente dessa forma, a resistência

aconteceria efetivamente, e não como concessão a grupos minoritários. Como sinaliza Pelbart

(1998), a busca de diferenciação não se dá pelo fechamento dentro de um tipo de

manifestação singular, pois, dessa maneira, não seria mais que outra forma de clausura. O

compartilhamento é fundamental (p. 66), desta forma, se confirma a importância do contato

do Coral Cidadãos Cantantes com outros grupos musicais que apresentam propostas

diferentes, assim como da realização de apresentações em contextos culturais diversos, e não

somente os ligados à saúde ou à atenção social.

A questão do perfil heterogêneo dos integrantes do grupo, em princípio, colocado

como mais um dos aspectos a serem investigados, no decorrer do trabalho foi se tornando um

dos pontos principais para a pesquisa, suscitando a questão da positividade dessa

heterogeneidade para a vida e para a própria criação artística, uma vez que a arte é geradora

de movimento e inquietude e, dessa maneira, se aproxima da vida.

A prática musical com grupos heterogêneos como esse, mostra-se, não só

possível, como instigadora. Com a apresentação e divulgação deste trabalho, espera-se que

músicos e artistas, assim como a própria Universidade, com sua responsabilidade na formação

de profissionais alinhados às condições sociopolíticas e culturais do país, possam estar atentos

a novas demandas e configurações de grupos que surgem na atualidade. É preciso repensar a

necessidade da arte na sociedade como produção, expressão e acesso, e não somente como

mercadoria de consumo, para com isso atingir o que Schaefer (1991) aponta como o primeiro

propósito da arte: “promover mudanças em nossas condições de existência” (apud

FONTERRADA, 2004, p. 321) e recuperar, no homem, sua potência criativa e transformativa.

É preciso, também, que se entenda afinação como processo. A afinação de si. A

afinação de si com o mundo. Estar em sintonia ou soar em simpatia, para afinar as diferenças

ou as dissonâncias, e não negá-las como presenças, na vida ou na música, e sim entendê-las

como movimento, estabelecendo-se as relações de onde vêm e para onde vão. Dessa forma,

compreende-se afinação como um constante movimento de busca de acomodação dentro de

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uma dada harmonia, e que tal harmonia é, também, um dado cultural e histórico que pode e

deve ser entendido dentro de seu contexto.

O filósofo Focault aponta para o fato de que onde o poder se faz presente, é neste

mesmo lugar que irá se instalar uma força de resistência a esse mesmo poder (FOUCAULT,

p. 135-6, 1985; LIMA, 2003b; PELBART, 2003), ao propor a transformação da negatividade

da ação do biopoder, isto é, do poder sobre a vida, em positividade da biopotência, ou seja, do

poder da vida.

O Coral Cênico Cidadãos Cantantes se apresenta como possibilidade de

resistência quando constrói sua produção musical e artística sob o alicerce da diversidade de

seus integrantes, do uso de espaço público, e do trabalho interdisciplinar de sua equipe,

propondo o questionamento dos padrões de normalidade, musicalidade e eficiência na

atividade coral, trazendo, assim, benefícios a todos os envolvidos, sejam cantores ou

orientadores.

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Docência e Pesquisa em Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de

São Paulo/ FMU – SP, v. 14, n. 2, p. 64-71, 2003b.

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MALUF, J. C. G. Afinando diferenças: o processo de construção artística do Coral Cênico

Cidadãos Cantantes (1996-2004). Dissertação (Mestrado em Música) – Instituto de Artes da

Universidade Estadual Paulista IA/Unesp. 2005. 382 f., ilustrado.

______. Produção artística e cidadania: a experiência do Coral Cênico de Saúde Mental

Cidadãos Cantantes. In: FERNANDES. M. I. A (Org.). Fim de século: ainda manicômios?

São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 1999. p. 163-69.

PAIS, J. M. Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003a. 425 p.

PELBART, P. P. Teatro nômade. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São

Paulo, v. 9, n. 2, p. 62-9, maio/ago., 1998.

______. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003. 252 p.

SCHAFER, R. M. Patria and the theatre of confluence. Indian River: Arcana, 1991.

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Movimento que é dança: um projeto de inclusão

Soraya Rebouças

16

Resumo: MASSAFÁ – Adolescentes em roda, é um grupo de danças pertencentes ao projeto

de inclusão desenvolvido pelo programa de artes da Educação Especial, em conjunto com a

Rede de Bibliotecas Escolares Interativas, que acontece nas escolas municipais de São

Bernardo do Campo – EMEBE Marly Buissa Chiedde, EMEB Sandra Cruz Martins Freitas, e

na Escola Estadual Faustina Pinheiro Silva17

. Esta iniciativa foi uma busca das profissionais

Jane Sakae Machado, professora de apoio à biblioteca escolar e da arte educadora Soraya

Rebouças, em trabalhar com a inclusão de pessoas com e sem necessidades especiais que

ocupavam espaços físicos comuns, mas não se relacionavam. Na escola de educação especial

já existia um grupo de Danças Circulares; a partir dessa nova necessidade, a inclusão,

algumas vagas foram oferecidas para as outras duas escolas para os alunos que quisessem

dançar conosco. O grupo nesse novo formato teve início em agosto de 2006, e após um ano de

trabalho podemos observar que, apesar de um início tímido, reservado, que foi fortalecido

pela roda, onde dançávamos de mãos dadas um apoiando o outro, hoje nos tornamos mais

corajosos, confiantes e inovadores; criamos movimentos próprios e alimentamos o desejo de

explorar outros sons e outros limites que iriam além da roda.

16

Formada em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos/SP e em Pedagogia com Especialização em

Educação Especial - área Deficiência Intelectual pela PUC/Campinas. Tem formação em Educação Artística

(Artes Cênicas) pela FAINC e Laban pela Escola livre de Danças de Santo André/SP. Trabalhou como

professora da Educação Especial na Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo/SP, desenvolvendo

também atividades na rede privada e terceiro setor. Atualmente, atende clinicamente como Psicopedagoga,

oferecendo consultoria a escolas sobre inclusão de pessoas com necessidades especiais.

É focalizadora de Danças Circulares, desenvolvendo ações nos parques públicos de São Bernardo do Campo, em

cursos de formação para professores, na Faculdade Aberta da Terceira Idade (FATI) e em Encontros de Dança.

E-mail: [email protected] 17

Este projeto foi desenvolvido no ano de 2007.

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Todo movimento pode ser interpretado como dança? O simples deslocamento no

espaço, pode ser interpretado como uma coreografia? As ações corporais, que representam

atividades diárias podem ser movimentos “dançantes”? Para alunos que apresentam

mobilidade comprometida e às vezes reduzida, a intenção do movimento será dança?

Bernhard Wosien, bailarino e coreógrafo alemão, saiu dos palcos europeus à procura dos

movimentos primitivos, dos movimentos utilizados em rituais, em busca de um movimento

mais puro! Cansado da crença de seus bailarinos que acreditavam na dança para poucos,

apenas para aqueles que tinham anos de técnica, formando, assim, dois grupos distintos,

aqueles que dançam e aqueles que assistem! Negando esse paradigma, Wosien sai de cena dos

grandes teatros e vai para pequenos povoados, resgatando nesses lugares a dança para todos, a

dança não como privilégio de poucos, mas a dança como pertencente a cada indivíduo e a

toda humanidade. O prazer da dança pelo compartilhar, por estar no mundo por ser humano e,

assim, resgatar um de seus instintos mais primitivos, o de mover-se com uma intenção

diferenciada, com uma intenção performática!

Nossa proposta de trabalho baseou-se, inicialmente, nessa ideia de Wosien, ao

procurar o movimento mais primitivo, que de fato pertencia à humanidade, ele encontrou em

pequenas cidades no interior da Europa, comunidades que ainda no século XX, dançavam

para comemorar nascimentos, casamentos e colheitas, e impressionado com a força desses

ritos, decidiu estudá-los mais a fundo e iniciou um resgate dessas danças tradicionais

folclóricas.

Em 1976 fez uma parceria com Findhom, que é uma fundação holística localizada

na Escócia, onde apresentou algumas danças, que na sua grande maioria eram dançadas em

círculo, os resultados foram surpreendentes, e de 1976 para os dias de hoje, centenas de

danças foram incorporadas ao conjunto do que passou a se chamar “Danças Circulares

Sagradas”, “Danças Sagradas” ou “Danças Circulares”. De Findhorn as Danças Circulares se

espalharam pela Europa e depois para o mundo todo. As Danças Circulares representam hoje

uma retomada de antigas formas de expressão de diferentes povos e culturas, acrescidas de

novas criações, coreografias, ritmos e significações próprias do homem inserido na realidade

atual.

Ao escolhermos as Danças Circulares para iniciar o trabalho com um grupo de

adolescentes que apresentavam necessidades educativas especiais, incluindo outros

adolescentes que não apresentavam as mesmas necessidades, buscávamos a versatilidade do

trabalho em círculo, pois, através dele conseguimos neutralizar a figura do bailarino principal,

posto que na roda somos todos um só, não existe uma hierarquia pre determinada com os

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melhores na frente e os não tão melhores no fundo! A roda e as Danças Circulares, em sua

maioria, são dançadas de mãos dadas o que permite um maior conforto e segurança aos seus

integrantes; além disso, ao dançarmos em círculo e não em linha neutralizamos o medo do

erro, pois ele acaba passando despercebido pela grande maioria dos integrantes da roda.

Acrescentamos a essa escolha a criação de um repertório de movimento e uma ampliação do

universo cultural desses adolescentes. Esses adolescentes frequentam escolas da Rede

Estadual de São Paulo e da Rede Municipal de Ensino de São Bernardo do Campo, sendo

uma escola de Ensino Fundamental II (de 5ª à 8ª série), outra de Ensino Fundamental I (1ª à 4ª

série) e uma Escola de Educação Especial. Na escola de Educação Especial existe, desde

1998, um programa de Artes; esse programa aborda as várias linguagens da Arte e através

dele foi iniciado um trabalho em Danças Circulares com os alunos com necessidades

educativas especiais. Referido trabalho foi ampliado como um convite para participação de

alunos de outras escolas para que, além do trabalho com dança, pudéssemos trabalhar em uma

proposta de inclusão através da Arte.

Os resultados do trabalho têm sido muito satisfatórios, e além de grandes

conquistas no quesito inclusão acabamos conseguindo um resultado bastante expressivo em

qualidade de movimento. Por esse resultado apresentado resolvemos ampliar o trabalho,

acrescentando as ideias de Laban, a dança contemporânea, e o uso de objetos às Danças

Circulares. Nessa nova proposta baseamos nossa abordagem em funções cinéticas

elementares: dobrar, esticar e torcer.

O corpo dobra, estica e torce. Estas são as funções mecânicas do corpo humano

(há corpos que não dobram ou não torcem). Sim, são apenas três funções, e, a partir delas, o

mundo do movimento acontece. (RENGEL, 2006, p.17).

Percebemos que os alunos tinham grande dificuldade em interpretar o torcer,

como realizar esse movimento corporalmente, como colocar em oposição as partes do seu

corpo, e essa dificuldade não era apenas dos adolescentes com necessidades educativas

especiais, mas era uma dificuldade de todo o grupo. Para auxiliar nesse entendimento foi

acrescentado às aulas o uso de tecidos individuais e posteriormente um grande tecido. O uso

do tecido tinha a função de tornar visível, naquele suporte, os movimentos de dobrar, esticar

e, principalmente, torcer. Aos poucos notamos uma melhora qualitativa proporcionada pelo

uso dos tecidos, mas a essa melhora estava associada movimentos muito interessantes que o

grupo conseguiu junto a esse suporte, e assim surgiu a ideia de continuarmos com os tecidos

nas apresentações.

Estamos na nossa terceira coreografia após um ano e três meses de trabalho. Essa

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coreografia foi elaborada para comemorarmos o nosso aniversário de um ano que foi no mês

de agosto de 2007, e foi apresentada no Teatro Cacilda Becker no Projeto Quintas Especiais

do Departamento de Cultura de São Bernardo do Campo, no Hospital Mário Covas de Santo

André, no I Encontro de Pacientes Reabilitados, na Escola Livre de Dança de Santo André, e

agora no IV Simpósio de Educação Musical Especial. Notamos que ao se apresentarem os

adolescentes que já eram do grupo a mais tempo – pois, como foi dito anteriormente existia

um grupo de danças na escola de educação especial –, mostraram mais tranquilidade, já os

adolescentes das outras escolas precisaram de mais tempo para enfrentarem suas barreiras

frente ao público. Quanto mais idade apresenta o adolescente mais dificuldade de se expor ele

demonstra. Para os adolescentes com necessidades especiais este trabalho tem sido positivo,

pois permitiu que pessoas da comunidade próxima à escola especial os vissem como capazes

de produzir, e assim, serem aceitos por colaborarem de fato com o grupo; e para os

adolescentes sem necessidades educativas especiais o trabalho também é muito importante,

pois os ensinou a respeitar o ritmo de pessoas com habilidades e competências diferenciadas,

mas capazes de produzir; outro fator bastante significativo foi a ampliação do universo social

e cultural desses adolescentes, que por pertencerem a classes sociais menos favorecidas não

tinham essa possibilidade, não só por questões financeiras mas, muitas vezes, pelo

desconhecimento, porque muitos nunca tinham entrado em um teatro. Contudo, não posso

dizer que seja um trabalho fácil de ser realizado. Essa união de grupos com interesses tão

distintos e tão iguais no que se refere à dança, gera desafios constantes a cada encontro, que

exigem dos profissionais envolvidos extrema habilidade. Pensando em todo esse percurso,

nosso último espetáculo foi batizado de Trajetórias:

No início era a rigidez da forma, pessoas que cruzavam os mesmos caminhos, mas

ainda não se conheciam... pouco a pouca a rigidez foi sendo quebrada e os movimentos mais

sinuosos e as pessoas mais felizes por estarem juntas trouxeram beleza, leveza para o palco...

por fim, perceberam que podiam trabalhar juntas e assim criar algo para todos! E só para não

esquecer como tudo isso foi possível voltamos à roda, onde todos somos um só!

O trabalho continua e apesar de muitas conquistas, sabemos que muito ainda

temos a Percorrer. O caminho se faz também ao caminhar e caminhando juntos, de mãos

dadas, nos fortalecemos como pessoas, que aprendem umas com as outras e se transformam à

medida que dialogam e vencem suas dificuldades.

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Referências bibliográficas

BARTON, Anna. Dançando o caminho sagrado. Trad. Márcia Schubert. RAMOS, Renata

Carvalho Lima (Org.). São Paulo: Triom 2006.

GARAUDY, Roger. Dançar a vida. Trad. Antônio Guimarães Filho e Glória Mariani. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. Trad. Anna Maria Barros de Vecchi e Maria

Sílvia Mourão Neto. ULLMANN, Lisa (Org.). São Paulo: Summus, 1978.

MARQUES, Isabel A. Dançando na escola. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

RENGEL, Lenira. Cadernos de corpo e dança: os temas de movimento de Rudolf Laban.

São Paulo: Annablume, 2006.

______. Dicionário Laban. São Paulo: Annablume, 2003.

WOSIEN, Bernhard. Dança: um caminho para a totalidade. Trad. Maria Leonor

Rodenbach e Raphael de Haro Junior. WOSIEN, Maria-Gabriele (Org.). São Paulo: Triom,

2000.

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O papel do teatro na inclusão social

Sérgio Zanck 18

Um trabalho de qualidade, desenvolvido através de pesquisa (teórica e prática),

acompanhamento de resultados e constante busca de aperfeiçoamento, costuma atender a mais

de um objetivo. Muitos trabalhos artísticos acabam por se tornar educativos. Muitos trabalhos

de pesquisa acabam por se tornar educativos ou artísticos. Muitos trabalhos educativos

acabam por se tornar artísticos. E todos os envolvidos neste processo: orientadores,

professores, estagiários, alunos e artistas estão, ou deveriam estar de fato envolvidos. Desde

os que planejam e aplicam atividades até e os que participam das mesmas no “simples” intuito

de aprender. Quando falamos de teatro então, a participação dos “alunos” é fundamental, para

não se dizer determinante. Um orientador ou diretor de teatro pode chegar para um grupo com

diversas ideias, mas se estas não são as mesmas, ou no mínimo parecidas com as do grupo,

dificilmente o trabalho se desenvolverá de forma orgânica. Logicamente que falamos aqui de

grupos onde o trabalho é assumidamente coletivo. Existem diversos trabalhos teatrais

(principalmente no meio profissional) onde todas as ideias saem da cabeça de uma ou duas

pessoas e o elenco apenas as executa. Mas isso é um outro assunto.

Considerando, portanto, um grupo de teatro onde o trabalho é assumidamente

coletivo, no qual toda a produção é responsabilidade de todos, e uma mesma ideia pode se

ramificar em vários resultados: artísticos, investigativos, educativos. Como podemos não

pensar em inclusão? Parece um pensamento lógico. Mas, infelizmente, são vários os trabalhos

que vemos surgir com o “rótulo da inclusão”, mas que na verdade nos mostra uma série de

meros repetidores de coreografias, de acordes, de sequências e de ideias.

18

Ator formado pela Fundação das Artes de São Caetano do Sul. Experiência profissional de 10 anos em

produção, criação artística e atuação, em teatro e música, bem como, em aulas de teatro para pessoas com

deficiências. Foi diretor artístico do Grupo Cênico-Musical Trupe do Trapo, formado por pessoas com e sem

deficiência. Como músico já participou de várias bandas em shows, gravações de CDs e da produção de trilhas

sonoras de várias peças teatrais. Como ator, atualmente estuda “teatro físico e circo-teatro”. Há dois anos

desenvolve a pesquisa “A música em cena e música que encena”, processo investigativo onde analisa as

diferenças e semelhanças das duas linguagens. E-mail: [email protected]

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O deficiente, antes de mais nada, é uma pessoa de sentimentos humanos,

limitada em maior ou menor grau, como todos nós, mas com potencialidades

diversas. Encarar um artista, que é deficiente, com uma visão

preconceituosa, e criticar sua obra com benevolência, ou restrições ao fato de

sua condição, seria menosprezá-lo. (...) a produção artística de um deficiente

pode ser tão boa ou ruim como qualquer outra. 19

Mais do que pensar em “incluir” é preciso pensar em “entender” e “fazer

entender”. E isso se aplica não só para pessoas com deficiências, mas para qualquer indivíduo

que participa de uma atividade em grupo. Todas as pessoas são diferentes, têm

particularidades. Cabe ao orientador entender essas particularidades e estimular os

participantes a entenderem a si mesmos, os outros e esse coletivo formado por todos.

Por causa da natureza dos problemas de atuação, é imperativo preparar todo

o equipamento sensorial, livrar-se de todos os preconceitos, interpretações e

suposições, para que se possa estabelecer um contato puro e direto com o

meio criado e com os objetos e pessoas dentro dele. Quando isso é aprendido

dentro do mundo do teatro, produz simultaneamente o reconhecimento e

contato puro e direto com o mundo exterior. (...) Quando o aluno vê as

pessoas e as maneiras como elas se comportam quando juntas, (...) ele

adquire uma visão mais ampla do seu mundo pessoal e seu desenvolvimento

como ator é acelerado. O mundo fornece o material para o teatro, e o

crescimento artístico desenvolve-se par e passo com o nosso reconhecimento

e percepção do mundo e de nós mesmos dentro dele.20

No momento em que cada um entende a si mesmo, ao outro e a todos dentro do

grupo está feita a inclusão. Obviamente que esse processo não é tão simples assim, mas esse

pensamento pode servir de guia para se planejar um trabalho que tenha o intuito de promover

a inclusão social. Pelo menos para os quase 20 integrantes da Trupe do Trapo tem servido já

há mais de um ano.

19

Fragmento extraído da revista “Integração. Arte e reabilitação”, de matéria publicada em Dezembro de 1989. 20

SPOLIN, Viola. “Improvisação para o teatro”. 1963.

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Trupe do Trapo

A Trupe do Trapo – grupo cênico-musical de inclusão social – surgiu em julho de

2006, a partir de uma oficina livre de música e teatro para pessoas com deficiências e da

terceira idade, idealizada por dois pesquisadores da área: Viviane Louro e Sérgio Zanck.

Totalmente independente, e com o intuito de fomentar o pensamento e a prática artística, para

um público que se vê sem muitas opções, o grupo já teve várias formações diferentes. Pessoas

entraram, pessoas saíram, mas o trabalho nunca parou. Improvisações teatrais, musicais, aulas

teóricas, exercícios, “excursões” a peças e apresentações musicais, processos de pesquisa,

discussão e criação coletiva, e hoje, após pouco mais de um ano do primeiro encontro de um

grupo de pessoas que mal se conheciam, o grupo possui um espetáculo que apresenta

regularmente, alguns apoiadores, um registro em livro e DVD, e mais importante que

qualquer um desses pontos citados: O grupo possui entre seus integrantes um “compromisso”,

um “contrato”, que não precisou ser redigido nem assinado. Um contrato que diz que para que

todos vivam bem, basta que entendam o seu espaço e o espaço do outro, e entender nesse caso

é dividir e respeitar.

Segundo Santos: “Tal como a Educação, a Arte propicia conhecimento e ao

caminharem, lado a lado, ambas somam esforços no sentido de criar um indivíduo melhor.”21

Referências bibliográficas

ARTE sem barreiras. Educação, arte e inclusão. Caderno de textos. Edição

especial. Anais do 1º Congresso Internacional. Ano 1, n. 2. Belo Horizonte:

PUC/ Minas: dezembro de 2002 a março de 2003.

ATACK, Sally M. Atividades artísticas para deficientes. Trad. Thaís Helena

F. Santos. Campinas: Papirus, 1995 (coleção Educação Especial).

BARATA, J. Oliveira. Estética teatral – Antologia de textos. Lisboa: Moraes

Editores, 1980.

21

SANTOS, Marilene Ribeiro dos. Fragmento extraído da apresentação do caderno de textos do

“Arte sem Barreiras”.

2002.

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BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003.

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Programa Educativo Públicos Especiais

Margarete de Oliveira22

Amanda Pinto da Fonseca Tojal23

Pinacoteca do Estado de São Paulo – Núcleo de Ação Educativa

Introdução

O Programa Educativo Públicos Especiais (PEPE) da Ação Educativa da

Pinacoteca do Estado, é um trabalho voltado para grupos especiais, compostos por pessoas

com limitações sensoriais, físicas e mentais, e também para grupos inclusivos compostos por

pessoas com e sem essas limitações, e tem como objetivo possibilitar a acessibilidade física e

sensorial aos espaços expositivos desse importante acervo artístico, oferecendo de forma

permanente atendimentos especializados a esse público-alvo.

O programa visa introduzir e ampliar aos públicos especiais o conhecimento e a

percepção da arte e da produção artística brasileira do século XIX à atualidade, possibilitando

e incentivando o seu pleno acesso a esse museu, como também ao seu significativo

patrimônio artístico e cultural.

Com o objetivo de atingir tanto o público especial como também estudantes e

profissionais envolvidos nas áreas de museus, artes, saúde, educação especial e inclusiva, o

PEPE oferece:

22

Licenciada em Letras e Pós- Graduada (Lato Senso) em “Práxis Artística e Terapêutica: Interfaces da Arte e da

Saúde”, ambos pela USP. Possui experiência em projetos e ações educativas nas áreas de Arte, Literatura,

Educação e Educação Especial; Assessoria na área de Educação Especial em museus de arte e elaboração de

material didático multissensorial. Participou de vários congressos, cursos e seminários na área de iniciação

científica, arte e educação especial. Possui experiência como docente de cursos para formação de professores na

área de arte e inclusão. E-mail: [email protected] 23

Doutora em Ciências da Informação pela Escola de Comunicações e Artes /USP. tendo cursado o Mestrado na

mesma instituição. Especialização em Museologia pela Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo e curso

superior em Licenciatura em Educação Artística pela Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando

Álvares Penteado(FAAP). É atualmente sócia-diretora da Empresa ArteInclusão Consultoria em Ação Educativa

e Cultural. Contato: http://www.arteinclusao.com.br

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Atendimentos ao Público Especial

Esses atendimentos especializados têm por objetivo estimular e facilitar a

compreensão e a fruição de obras de arte pertencentes à exposição de maneira não somente

visual, mas também multissensorial, possibilitando a percepção e o conhecimento da arte por

meio de outros sentidos como o tátil, o olfativo, o sonoro, o cinestésico etc.

Para esses atendimentos, são realizadas visitas orientadas por educadores ao

acervo da Pinacoteca que organizam percursos multissensoriais no qual o público especial, de

acordo com as suas necessidades, poderá participar de atividades de exploração tátil de obras

tridimensionais originais, bem como a exploração visual e multissensorial de obras bi e

tridimensionais, intermediadas por materiais didáticos especialmente elaborados para esse fim

como reproduções em relevo de obras de arte, jogos sensoriais, maquetes táteis com a

localização e arquitetura do museu e publicações em tinta e braile.

Cursos, Parcerias e Assessorias

Com o intuito de capacitar profissionais e estudantes das áreas de museus, artes,

educação inclusiva e saúde, como também estabelecer parcerias com instituições culturais,

sociais e educacionais, o PEPE oferece cursos, palestras e assessorias como forma de

desenvolver metodologias em ensino da arte na educação inclusiva, além da elaboração de

projetos de ação educativa e cultural inclusivos, tendo como referência o patrimônio artístico-

cultural da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Sonorização de obras do Acervo

O acréscimo de novos recursos multissensoriais possibilitou que em 2007, o

Programa pudesse implantar uma atividade proposta para sonorização de obras do acervo da

Pinacoteca. Para isto, foi gravado um CD composto com extratos sonoros e músicas.

Para extratos sonoros “foram utilizados sons do ambiente, onde há uma referência

direta com a cena retratada na obra”, recriando em ambiente sonoro para esta cena.

Para as músicas foi elaborado “um repertório do contexto histórico e da época em

que a obra foi concebida, ou ainda que tenha um correspondente narrativo, no caso das

músicas vocais” recriando o momento histórico e a circunstância da cena retratada.

Com essa proposta, o programa amplia as possibilidades de leituras, por meio de

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outros sentidos. O repertório sonoro ampliou a investigação das obras, pois traduz em sons a

representação plástica visual, descrevendo cenas e contextualizando musicalmente e

historicamente as obras selecionadas, levando em consideração uma análise descritiva,

aspectos narrativos e aspectos históricos.

O que se pode notar nas visitas com os grupos, e em especial com grupos de

alunos com deficiências mentais e autistas, é que a música tornou-se uma grande aliada no

processo de apreciação da obra de arte. O recurso sonoro tem aproximado o grupo na

atividade de apreciação das obras, permitindo uma maior concentração, além de ampliar a

possibilidade de comunicação interpessoal, entre o grupo e o educador.

Diante da música, a criança ou adolescente que a princípio parecia não interagir

com o ambiente, a atividade e o seu grupo passou a reagir de forma mais participativa à

proposta apresentada.

Sendo assim, podemos observar que a utilização da música como recurso didático

nas visitas orientadas pelo Programa Educativo Públicos Especiais (PEPE) tem possibilitado

uma ampliação do canal de comunicação desses alunos, que em muitos casos é extremamente

comprometido quando se trata de grupos com deficiências mais graves.

Referências Bibliográficas

BERTEVELLI, Isabel. CD de sonorização de obras do acervo. Programa Educativo

Públicos Especiais – Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, 2006.

TOJAL, Amanda Pinto da Fonseca. Políticas públicas de inclusão de públicos especiais em

museus. Tese (Doutorado). ECA– USP. São Paulo, 2007.

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Música como a forma da vida: uma análise do filme Sonata de outono

Sidney Molina24

Resumo: Este texto fez uma análise do filme Sonata de outono (Horstsonat), dirigido por

Ingmar Bergman (1918-2007), em 1978, a partir da forma musical clássica da sonata.

Procuramos mostrar como o título do filme não é uma metáfora, mas traduz com precisão a

forma escolhida pelo artista para a sua obra. Ao mesmo tempo sugerimos que o diretor sueco

amplia os horizontes da forma musical clássica, cujos ciclos, tensões, transições e

recapitulações passam a ser vistos como formas possíveis da vida humana.

O filme

Filme do diretor sueco Ingmar Bergman (1918-2007), lançado em 1978, Sonata

de outono tem atuações marcantes das atrizes Ingrid Bergman (1915-1982) e Liv Ullmann

(1939). A partir da narrativa dos encontros e desencontros entre mãe e filha, a obra trata das

dificuldades dos relacionamentos familiares, das frustrações resultantes desses vínculos, do

peso da experiência com doenças e com a morte e, acima de tudo, da quase impossibilidade

da expressão direta de sentimentos e emoções.

Charlotte (Ingrid Bergman) – a mãe – é uma pianista renomada, e cuja dedicação

à própria carreira parece ter gerado consequências decisivas para a vida de suas duas filhas:

Eva (Liv Ullmann), que é casada com o pastor de uma pacata paróquia do interior e vive uma

vida sem graça, quase sem sentido; e Helena, isolada em um quarto da casa da irmã por sofrer

de doença que – em estágio avançado – trava a sua locomoção e comunicação.

Mas, apesar de a música ser questão recorrente no filme, a trilha sonora preza pela

extrema economia: a Sonata op. 1 para flauta doce em fá maior de Haendel durante os

créditos iniciais;25

a memória de uma apresentação caseira de Leonardo – amigo e

24

Bacharel em Filosofia pela USP e Doutor pela PUC-SP. Atua como professor de Estética Musical e Violão da

Uni FIAM / FAAM (SP) e da Fundação Carlos Gomes (PA). É membro fundador do Quarteto de Violões

Quaternaglia e autor do livro Mahler em Schoenberg: angústia da influência na Sinfonia deCâmara n. 1

(Rondó, 2003). E-mail: [email protected] 25

Cabe prevenir que a sonata barroca não deve ser confundida com forma sonata clássica. É esta última que será

utilizada por Bergman como forma do filme.

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companheiro de Charlotte – tocando a “Sarabande” da Suíte n. 4 para violoncelo solo de

Bach; e a cena antológica, na qual o diálogo sem palavras entre mãe e filha acontece através

de duas performances integrais ao piano do Prelúdio n. 2, de Chopin. Dessa forma – e a

despeito de ser um filme onde a música ocupa um papel importante como tema – Sonata de

outono não pode ser considerado, em um sentido mais literal, um filme “musical”.

O objetivo central dessa análise é, no entanto, mostrar como o diretor tece a sua

trama a partir da própria forma musical da sonata, isto é, procuraremos apontar como uma

forma clássica, típica da música instrumental dos séculos XVIII e XIX, é utilizada como

estrutura, como mapa do próprio filme. Nesse sentido, aliás, passamos a perceber que o título

do filme não é uma metáfora, mas a revelação de uma escolha estrutural e formal, a adesão

completa de um diretor de cinema a um gênero musical. Nosso argumento principal passa

também pelo fato de Bergman ter ampliado o próprio alcance da sonata, que através de seu

filme deixa de ser uma forma tão só musical para se transformar em forma da própria vida,

como se ela mesma coordenasse forças, ciclos, conflitos e simetrias.

1. Formas de sonata

A forma de sonata tem sido utilizada, desde meados do século XVIII

(Classicismo), como base para a construção dos movimentos iniciais (allegro de sonata) de

sinfonias (obras para grande orquestra), concertos (obras para instrumento solista e orquestra),

música de câmara (como quartetos de corda), duos (como sonatas para violino e piano) ou

peças para instrumento solo (como sonatas para piano). Em um ensaio de 1787, Henrich

Christoph Koch define a sonata como a forma típica do primeiro movimento, que consta de

duas partes, cada uma das quais pode ser repetida. Segundo a sua descrição, a primeira parte

compõe-se de uma seção, enquanto a segunda tem duas seções. Na primeira seção, a

tonalidade mantém-se até que uma modulação à dominante (ou à relativa maior numa

tonalidade menor) conduza à suspensão na tônica da nova tonalidade. A segunda parte

começa, muitas vezes, com o tema principal na dominante e modula de volta à tônica. A

última seção começa, normalmente, com o tema principal na tonalidade do andamento. São

recapituladas as ideias melódicas da primeira seção. O trecho final do primeiro período, que

se desenvolvera na tonalidade dominante ou relativa, é agora repetido na tônica (GROUT;

PALISCA, 1994, p. 486).

Teóricos do século XIX como Reicha (1826) e Czerny (1848) já explicam a forma

de um modo mais próximo ao encontrado nos principais manuais utilizados pelos estudantes

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de música hoje em dia. Em linhas gerais, podemos resumir a forma sonata da seguinte

maneira:

1) uma exposição (geralmente repetida), incluindo um primeiro tema ou grupo de temas

na tônica, um segundo tema ou grupo de temas (frequentemente mais líricos) na

dominante ou na relativa maior, e um tema final cadencial, também na dominante ou

na relativa maior. Os diferentes temas são ligados por transições ou pontes

modulantes;

2) uma seção de desenvolvimento, onde os motivos ou temas da exposição são

apresentados com novos aspectos ou combinações, no decurso das quais podem

efetuar-se modulações a tonalidades relativamente distantes;

3) uma recapitulação onde o material da exposição volta a ser apresentado na ordem

inicial, mas com todos os temas na tônica. Na sequência pode vir uma coda (trecho

conclusivo) (ROSEN, 1997, p. 30).

Para o pianista e teórico contemporâneo Charles Rosen, no entanto, é preciso

incluir o princípio do desenvolvimento motívico-temático – além de outros aspectos – para

caracterizar o estilo clássico e a forma sonata. É necessário recolher uma ampla gama de

aspectos lógicos e históricos para caracterizar o profundo senso de proporção e movimento

dramático que estão por trás da sonata. A forma sonata, para ele, contamina movimentos

lentos, rondó e minuetos, não sendo apenas uma forma do primeiro movimento (ou do

último), como rezam os manuais. A sonata é, assim, mais um tipo de proporção e

continuidade, que se modifica de acordo com a sua aplicação específica em um determinado

movimento. Sonata é um jeito de pensar a composição que caracteriza o estilo clássico, e que

possui diversas formas, as “formas de sonata” (ROSEN, 1987).

2. Introdução

O filme começa com o pastor Viktor observando a sua mulher sem que ela

perceba. Trata da relação entre o amor – “significado da vida” – e a impossibilidade de

exprimi-lo. Eva é amada plenamente, mas o pastor não consegue dizê-lo de forma que ela

acredite. O contato é sempre exterior, e o sentido inexoravelmente interno, incomunicável.

Eva já aparece como “motivo” musical do filme, isto é, com uma função

estrutural central, a partir da qual toda a obra é gerada. Nesse momento, ela escreve a carta

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que trará a mãe para a sua casa no interior.

3. Exposição: tema A

A função de “tema A” de nossa sonata é ocupada por Charlotte. Ela chega

contando detalhes sobre a morte de seu amigo Leonardo. A pianista traz a força e a energia

dos temas iniciais da maioria das sonatas clássicas, e seu domínio temático é caracterizado

pelo calor, pela febre e por cores quentes – como o vestido vermelho, por exemplo. Charlotte

adiciona peso e materialidade a tudo: fisicamente ela faz questão de reiterar a dor nas costas;

psicologicamente, manifesta em diversos momentos sua “consciência pesada”.

Helena, filha mais nova de Charlotte que, doente, mora em um quarto da casa de

Eva, não é uma personagem com estabilidade formal suficiente para constituir o que os

musicólogos denominariam “tema”, mas surge como aquele elemento inesperado e misterioso

que – sobretudo em algumas obras de Beethoven – tem o poder de interferir nos temas e

modificar o seu sentido, além de pontuar as transições entre as seções. Um detalhe revela a

consciência de Bergman sobre o tipo de sonata que está construindo: após o jantar, em

conversa ao telefone com o empresário, Charlotte marca um concerto exatamente para o dia

17 de dezembro – dia em que Beethoven foi batizado.26

A transição para o “tema B” dá-se através do diálogo pianístico silencioso entre

mãe e filha: as tensões do Prelúdio em lá menor de Chopin escancaram as diferenças entre

elas, e antecipam a inevitabilidade do conflito que virá no desenvolvimento da sonata. Mas,

antes de fechar a primeira seção, será necessário expor o segundo tema: Eva.

4. Exposição: tema B

Eva ocupa a função de “tema B” da sonata – que, como vimos acima, costuma ser

frequentemente “mais lírico”. Sua apresentação é inaugurada pela conversa com a mãe no

quarto de Erik, filho de Eva e Viktor, que morreu afogado um dia antes de completar quatro

anos de idade: a exemplo do primeiro tema, portanto, o segundo também começa falando de

uma morte.

26

Há controvérsias sobre a data exata do nascimento do compositor alemão. A certidão de batismo traz a data 17

de dezembro. É provável que Beethoven tenha nascido no dia 16 de dezembro e tenha sido batizado no dia 17 do

mesmo mês. Cabe mencionar que a atriz Liv Ullmann (Eva) também nasceu no dia 16 de dezembro.

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O contraste com Charlotte é total: Eva é o excesso de leveza, a ausência de

cristalizações, a inexistência de linha divisória entre planos de realidade, a depressão, a não

materialidade. O chamado de Helena permite uma conversa única entre Viktor e Charlotte,

assim como o pesadelo de Charlotte com Helena irá, logo depois, deflagrar o

desenvolvimento.

A “codeta” (trecho conclusivo) da exposição retoma, como é comum na maioria

das sonatas clássicas, elementos do primeiro tema, e Charlotte passa a ser novamente – por

alguns momentos – o foco do filme.

5. Desenvolvimento: tema B

Tal como algumas sonatas – sobretudo de Beethoven –os dois temas da exposição

serão submetidos a um desenvolvimento na segunda seção.27

Bergman opta por iniciar com o

“tema B”, e, ao contrário da exposição – que havia sido dominada por Charlotte – aqui Eva

terá mais espaço.

Ela expressa calmamente o seu ódio em relação à mãe, define a sua personalidade

como sufocada, e expõe a tese de que as palavras da mãe, em sua infância, “não combinavam

com o seu olhar”.

Há um acirramento da tensão entre Eva e Charlotte, o que mais uma vez concorre

para a caracterização dessa sonata como “beethoveniana”, já que o contraste dialético entre os

temas – inclusive no sentido estritamente hegeliano da expressão – é muito mais característico

da produção de Beethoven do que de autores como Haydn ou Mozart. Dentro desse contexto,

mesmo durante o desenvolvimento do “tema B” (Eva), Charlotte (“tema A”) tem o seu o

momento de reflexão, que apenas servirá de alimento para a filha levar sua fala às últimas

consequências. O clímax do filme ocorre nesse momento, com a revelação de uma passagem

da vida de Eva que seu marido desconhecia. Todas as personagens participam direta ou

indiretamente da cena, uma vez que Viktor, furtivamente, presencia a revelação da esposa,

enquanto Helena começa a gritar, como se quisesse dar também o seu próprio depoimento.

Eva conclui esse trecho com a constatação das injúrias da mãe passadas à filha,

com o cordão umbilical nunca rompido, com a afirmação do triunfo da mãe, e com a grave

sentença que atribui a “desgraça da filha” a um “prazer secreto da mãe”.

27

Frequentemente os autores de sonatas escolhem apenas um dos dois temas apresentados na exposição para ser

trabalhado no desenvolvimento.

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6. Desenvolvimento: tema A

Charlotte terá nesse ponto o seu espaço de defesa, isto é, o “tema A” será também

submetido a um desenvolvimento. Ela fala de sua própria infância, e ressalta que nunca se

lembra dos rostos – nem o próprio, nem o de sua mãe, nem o das filhas. Afirma que nunca

amadureceu, que não tem vivido – apenas “existido” – e que não tem talento para buscar o

“sentido das coisas”.

Na transição para a reexposição, e simetricamente ao que havia ocorrido durante a

seção anterior, agora Eva (“tema B”) terá igualmente o seu momento de interferência, e revela

a relação de sua irmã com Leonardo, à qual atribui a deflagração incontrolável da doença.

O desenvolvimento, em sua tensão, conclui com o pedido de perdão de

Charlotte, não aceito por Eva, sincronizado com mais um chamado solitário, e aparentemente

inútil, de Helena.

7. Reexposição: temas A e B

Uma dificuldade formal, resolvida de modo virtuosístico por Ingmar Bergman, diz

respeito ao modo de realizar cinematograficamente a seção final da forma sonata. Ao

contrário das sonatas musicais, onde a recapitulação dos dois temas em sua condição original

é bem-vinda, como elo da memória e preparação para a conclusão, no cinema uma

reexposição poderia parecer artificial e redundante.

O artista sueco resolve a dificuldade e escapa do formalismo alternando as falas

de Charlotte (“tema A”) e Eva (“tema B”). Assim, Charlotte expressa o seu sentimento de

culpa ao silencioso empresário durante a viagem de volta no trem, enquanto Eva, deprimida,

busca no cemitério, o contato psíquico direto e sem fronteiras com o filho que morreu.

Ao mesmo tempo ocorre um encontro inédito entre Helena, o elemento

desencadeador que havia pontuado todas as transformações intrínsecas da obra, e Viktor – a

quem esteve destinada desde sempre a mera narração descritiva e exterior das relações entre

as personagens.

8. Coda

A conclusão tem início com uma citação literal da introdução: o mesmo

enquadramento, o mesmo cenário, e a mesma frase de Viktor: “às vezes, fico olhando minha

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mulher sem que ela saiba”. Ao escrever uma segunda carta à mãe, Eva pede perdão. Fala em

misericórdia e persistência, em espaço para o amor. E afirma corajosamente que ainda não é

tarde demais.

Tal como ocorre nas sonatas clássicas, os temas parecem ter retornado a seu

estado inicial de pré-desenvolvimento, onde aparentavam certa independência um do outro.

Aqui, também Charlotte e Eva voltaram para as suas vidas comuns, assustadas pelo impacto

do encontro, arrependidas por não terem evitado o desfecho, e ainda incapazes de estabelecer

entre si uma comunicação madura. Nesse sentido, a forma sonata estabelece – ao reapresentar

os seus dois temas – um movimento cíclico inexorável, e evita deslizar para idealizações de

qualquer ordem.

Mas, da mesma forma como uma sonata de Beethoven pode revelar, nos detalhes

da reexposição ou da coda, uma transformação sutil dos temas que passaram pelo duelo do

desenvolvimento, a sonata que Bergman esculpe no tempo também traz, para a forma da vida,

pequenos detalhes para sempre impregnados na relação entre mãe e filha, após a exacerbação

do conflito.

Dois momentos podem servir de exemplo em Beethoven: como entender o

misterioso solo de oboé que interrompe o fluxo narrativo na reexposição da Quinta Sinfonia?

(BEETHOVEN, 1951, compasso 269). Ou a irrupção do movimento cadencial como princípio

unificador na Appassionata, que passa a ocupar cada vez mais espaço conforme o discurso

avança? (BEETHOVEN, 1980, p. 131).28

Em Sonata de outono os dois temas parecem um pouco mais fracos na

reexposição, apesar de aparentemente retomarem todas as suas características originais. E

uma singela sutileza pontua o final do filme: durante a leitura da segunda carta de Eva,

Bergman superpõe a imagem do olhar assustado de Charlotte, como se, para além de

condicionamentos de uma vida inteira, uma escuta precisa pudesse insinuar a possibilidade

inédita desse diálogo outonal, nas formas da sonata.

28

Trata-se da figura réb-réb-réb-dó, que surge pela primeira vez no compasso 10. Ver OLIVEIRA, 1979, p. 26.

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Referências bibliográficas

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BERGMAN, Ingrid. Sonata de sutono (Horstsonat). Suécia, 1978. Continental Home Video

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Faria. Lisboa: Gradiva, 1994.

HEGEL, Georg Friedrich. Estética. Tradução de Êlvaro Ribeiro Orlando Vitorino. Lisboa:

Guimarães, 1993.

OLIVEIRA, Willy Corrêa de. Beethoven, proprietário de um cérebro. São Paulo:

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1987.

______. The classical style: Haydn, Mozart, Beethoven. New York: Norton, 1997.

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Artigos dos trabalhos

apresentados

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Oficina Inverso: teatro, dança e música – a cidadania da pessoa com

deficiência conquistada através da arte

Eder Ricardo da Silva29

Luciano Francisco Grotto30

Priscila Foger Marques Gasparini31

APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Bauru (SP).

Resumo: O presente trabalho descreve o programa Oficina Inverso: teatro, dança e música,

desenvolvido na Escola de Educação Especial da APAE de Bauru (SP). Tal programa iniciou

suas atividades em 1997, e atualmente conta com a participação de 16 alunos da instituição,

com deficiência intelectual e múltipla; dois coordenadores: professor de Expressão Corporal e

professor de Educação Musical. O desenvolvimento do programa proporciona aos

participantes a oportunidade de expressar seus sentimentos e opiniões, além de toda uma

gama de atividades artísticas referentes às áreas de dança, teatro e música. No decorrer do

projeto constatou-se um aumento significativo quanto às habilidades artísticas, sociais e

independência no grupo.

Introdução

Este presente artigo descreverá categoricamente o trabalho da Oficina Inverso:

teatro, dança e música, desenvolvido na Escola de Educação Especial da APAE de Bauru (SP)

e a questão da pessoa com deficiência, na idade adulta, em relação às seguintes atividades

artísticas: música, dança e teatro.

29

Mestrando do Programa de Pós Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da

UNESP/Bauru. Graduado em Música – Habilitação em Educação Musical pela Universidade do Sagrado

Coração. Especialização em Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade de Itápolis. Professor de Educação

Musical da APAE Bauru. Docente visitante na Universidade do Sagrado Coração nos cursos de Especialização

em Educação Musical e Educação Especial e Inclusiva. E-mail: [email protected] 30

E-mail: [email protected]

31 E-mail: [email protected]

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A importância desse assunto reside no fato de que a educação especial, ao longo

de sua história, vem crescendo substancialmente no que se refere a práticas educativas e

alternativas diferenciadas de ensino a seus usuários. Neste contexto, as atividades artísticas

assumem um caráter essencialmente funcional em relação à estimulação para um

desenvolvimento global da pessoa com necessidades educacionais especiais, inclusão social e

melhoria da qualidade de vida.

A produção artística e a inversão do olhar

Segundo Bueno (2002, p. 26), “a arte desempenha um papel fundamental no

desenvolvimento da pessoa com deficiência que se dá mediante as relações sociais e culturais

fazendo com que se relacione com o mundo e construa sua visão de mundo”.

Nesse sentido, faz-se necessário implementar atividades artísticas envolvendo a

dança, o teatro e a música, e disponibilizá-las às pessoas com deficiência, não somente com os

objetivos terapêuticos do trabalho, mas com o compromisso e envolvimento de todos os

participantes, inclusive dos profissionais, para que os artistas apliquem e exerçam suas

funções.

A Oficina Inverso, com um título bastante claro, requer um novo olhar da

sociedade frente às pessoas com deficiência, mostrando que são o “inverso” do que as pessoas

pensam. Os portadores de deficiência possuem capacidades e grandes habilidades para as

artes. E, através de “oficina”, cujo nome traz como significação “o lugar onde se exerce um

ofício, no qual ocorrem grandes transformações”32

, é que a pessoa pode trabalhar sua própria

acepção33

.

O trabalho educativo deve estar calcado nas capacidades da pessoa com

deficiência, investindo na superação desta, buscando a formação e construção do

conhecimento baseada na ação e desenvolvimento individual de cada um

32

OFICINA. In: Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD/LISA, 1996. 33

Percepção de si mesma.

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A arte, neste contexto, exerce fundamental importância, não como via única de

inserção social para essas pessoas, mas como elemento mediador na construção do

desenvolvimento da pessoa com deficiência.

A cidadania

Segundo Pinsky (2003, p. 18), “a cidadania enfaixa uma série de direitos, deveres

e atitudes relativos ao cidadão...”, aquele indivíduo que estabeleceu um contrato com seus

iguais para utilização de serviços em troca de pagamento (taxas e impostos) e de sua

participação, ativa ou passiva, na administração comum, ou seja, qualquer atitude cotidiana

que implique na manifestação de pertinência e de responsabilidade coletiva.

A cidadania, pensando na pessoa com deficiência, está integralmente ligada ao

conceito de participação. Neto (1989, p. 8) define participação como: “tomar parte em alguma

coisa, ter parte em alguma coisa, fazer parte de algo, ser parte de uma coisa”. Nesse sentido,

compreende-se a questão da inclusão social como conceitua Sassaki (1997, p. 3):

Conceitua-se a inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se

adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com

necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir

seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo

bilateral, no qual pessoas ainda excluídas, e a sociedade buscam, em

parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a

equiparação de oportunidades para todos.

A participação acontece hoje quando a pessoa descobre que no seu

relacionamento com os outros seres humanos existe um espaço para que ela expresse, valorize

o que ela é, o que pensa, o que reflete, o que ela faz. Nessa expressão, pensamento, reflexão,

valorização, ela se realiza, sente-se útil, responsável e participante. E, participando, o ser

humano traça o caminho de seu próprio destino e desenvolvimento. Ao se falar em

desenvolvimento, se pensa em melhoria, progresso, em avanço político, econômico e social.

Sempre se tem a ideia de um movimento em direção a algo melhor, mais perfeito, ou seja,

uma transformação.

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O teatro, a dança e a música na interdisciplinaridade

Nas últimas décadas, várias áreas de conhecimento, que têm o corpo como objeto

central de estudo, vêm buscando novas formas de apreensão dessa linha de pesquisa.

Analisando o corpo como um todo, sem padrões de normalidade, surgem assim novos

horizontes teóricos, como constata Bertherat (1991, p. 187), “a pessoa ao despertar o próprio

corpo, ao tornar-se gradativamente mais disponível a si mesma, modifica o comportamento

daqueles que devem “responder” à sua linguagem corporal”.

Muitas dessas propostas, em sua maioria interdisciplinares, vêm resultando em

novas dialogias sobre o corpo, estabelecendo interfaces com áreas como as ciências sociais,

neurociências, a educação, a linguística, dentre outras.

Explorar e desenvolver a habilidade de encenar implica em uma série de fatores,

cujos passos a traçar são: estudo do texto, personificação do personagem, postura de palco,

“desejo de domínio”34

(LOURO et al., 2006, p. 70), aquecimento e desaquecimento vocal,

entre outros.

Nas áreas da dança e movimento, conforme Laban (1990) recebemos do meio

externo as impressões que nos fazem reagir e, da mesma forma, projetamos para fora nossos

impulsos internos espontâneos através do corpo. A expressão corporal e cênica parte do mais

concreto e próximo, “fase da Descoberta”, até atingir a “fase criadora”, repercutindo, assim,

no desenvolvimento da linguagem interior e consequentemente na expressão e comunicação.

Devido a isso, podemos interferir positivamente nesse processo de respostas, citado

anteriormente, por meio de participação em grupos artísticos para que possamos reeducar

nossos sentimentos e emoções.

Do ponto de vista musical, segundo Yogi (2003, p. 17), “a música tem o dom de

envolver, unir, encantar, despertar emoções e desejos...”. Assim, é necessário que o trabalho

seja direcionado ao aprendizado e tenha-o como foco central desse processo. Por se tratar de

pessoas com deficiência, adapta-se a música ao indivíduo, no que se refere às suas

especificidades: técnica vocal, canto, ritmo e notação musical. Ao interligarmos as áreas

acima citadas, temos como base um complexo ativo de possibilidades, cujas habilidades

34

Desejo de domínio é a vontade que todos temos de dominar uma situação.

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específicas são testadas e treinadas, a fim de que todos os participantes do grupo possam

identificar-se com seus atributos.

Reflexões sobre o percurso

A arte é ilimitada em suas linguagens e este trabalho mostrou que qualquer

pessoa, inclusive aquela que apresenta algum tipo de deficiência, pode criar e atuar,

expressando-se corporalmente. A atividade tem ainda um enfoque terapêutico, contribuindo

com o desenvolvimento cognitivo, físico, afetivo e social dos alunos. Diversas apresentações

foram realizadas e o grupo já foi aplaudido em muitos palcos, conquistando a inclusão ao “se

abrirem as cortinas”, sem impor ou pedir que se perceba a riqueza da diversidade.

Observamos, também, no dia a dia artístico dessas pessoas, que provavelmente

por já terem vivenciado inúmeras situações de minimização de seus valores e capacidades,

elas apresentam um nível alto de exigência consigo mesmas. E isso é reforçado pela

sociedade, mesmo que isso não ocorra de forma declarada. Se qualquer outra pessoa (que não

apresente algum tipo de deficiência) cometer erros durante um ensaio ou apresentação, talvez

fosse considerado um fato corriqueiro, causando frustração, mas, sendo superado facilmente;

um erro de um de nossos alunos tem certamente outra conotação, mais negativa inclusive,

pois é diretamente ligado à sua deficiência. Isso é percebido por eles e por seus familiares,

que também passam a cobrá-los, pelo alto desempenho sempre.

Objetivo geral

Estimular a autoexpressão, promovendo o desenvolvimento de habilidades e talentos

artísticos para que a pessoa com deficiência seja incluída socialmente e exerça seu

papel de cidadão na sociedade.

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Objetivos específicos

Melhorar o relacionamento interpessoal no grupo;

Observar – imitação;

Perceber a relação indivíduo-mundo e os papéis sociais;

Utilizar dos meios naturais de comunicação: linguagem, visão, audição e tato;

Exercitar a liberdade de ação e criação;

Contribuir para a elaboração e montagem de um espetáculo;

Apresentar (enfrentamento das variáveis relacionadas).

Metodologia

Os ensaios possuem carga horária de oito horas semanais, em que são trabalhados

os aspectos referentes ao teatro – aquecimento corporal, postura e marcação de palco – à

dança – movimento associado ao ritmo – e à música – técnicas de expressão vocal, canto e

ritmo. De acordo com SILVA (2006, p. 28): “O desenvolvimento do ritmo auxiliará

substancialmente na fase de aquisição da linguagem oral, mesmo que esta apresente uma

frequência anormal (voz) e linguagem expressiva no que se refere à prosódia e inteligibilidade

da fala”.

Compreende, ainda, estudo teórico-prático sobre o assunto a ser desenvolvido

com o grupo, que realiza apresentações em âmbito municipal, estadual e nacional, e

constantemente é convidado para participar de diversos eventos sociais, empresariais e

educacionais de Bauru e região, reafirmando o potencial e expressão da pessoa com

deficiência por meio da arte.

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Resultados

Os resultados obtidos apontam excelentes perspectivas e são demonstrados

através da relação da produção artística de cada um dos alunos com o seu cotidiano vivido.

Inclusive, nos levam a refletir sobre a importância da pessoa com ou sem deficiência

vivenciar várias linguagens: a música, o teatro e a expressão corporal. Nota-se um aumento

significativo quanto às habilidades artísticas, sociais e independência no grupo.

O presente trabalho mostra também que a igualdade social só será realidade

quando deixarmos a postura egoísta e capitalista que nos define atualmente, olhando ao redor

e enxergando no outro um meio de crescimento coletivo. É importante ouvir quem é excluído

para entender o que isso causa e produz; mas não devemos ver as pessoas com deficiência

apenas como vítimas, pois todos têm seus preconceitos.

Durante o processo, foi possível observar que as pessoas com deficiência têm

ainda muita dificuldade para se impor na sociedade, demonstrando um preconceito também

consigo mesmo quanto à sua capacidade. O processo artístico lhes proporciona encarar essa

dura realidade sem frustração, pois na arte não existem classificações, tabus etc., e para

exercitá-la não deve existir medo.

A fantasia se torna evidente quando o grupo envolvido neste programa desenvolve

o prazer de sonhar, podendo ser o que quiser e se desenvolver através da atividade realizada.

Esse é um processo dialético no qual o artista reedifica seus conceitos relacionados ao tema

desenvolvido e transforma os posicionamentos do público.

A troca com a plateia é espontânea e demonstra a relevância do trabalho, pois não

se aceita mais aplausos de compaixão pelo fato do elenco ser composto por pessoas com

deficiência, mas sim o reconhecimento de seu potencial e diferencial artístico, que se revela

na história escrita pelo grupo na comunidade de Bauru (SP).

Atualmente, a Oficina Inverso é patrocinada pela rede Confiança de

Supermercados, visto que é uma empresa de responsabilidade social e aceitou a proposta de

ser patrocinadora oficial do grupo, incentivando ainda mais o trabalho desses artistas mais que

especiais

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Referência bibliográfica

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Arte Sem Barreiras, Funarte, Caderno de textos. Rio de Janeiro: Quarted, 2002. p. 19-32.

BERTHERAT, Thérèse. O corpo tem suas razões: antiginástica e consciência de si. São

Paulo: Martins Fontes, 1991.

LABAN, Rudolf. A dança educativa moderna. São Paulo: Ècone, 1990.

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LOURO, Viviane dos Santos; ALONSO, Luis Garcia; ANDRADE, Alex Ferreira. Educação

musical e deficiência: propostas pedagógicas. São José dos Campos/SP: Ed. do autor, 2006.

PINSKY, Jaime. Cidadania e educação. São Paulo: Contexto, 2003.

SASSAKI, Romeu. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: Wva

Editora, 1997.

SILVA, Eder Ricardo. A reação de bebês com deficiência à música: ritmo e andamento.

Monografia (Especialização em Educação Especial). Itápolis: Faculdade de Itápolis. 2006. 54

f.

YOGI, Chizuko. Aprendendo e brincando com música e com jogos. Belo Horizonte: Fapi,

2003.

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74

O cinema, a vida e suas trilhas sonoras

João Lucio de Moraes 35

Resumo: Este trabalho relata alguns resultados alcançados pelas aulas de iniciação Musical,

ministradas na Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental Profª Botyra Camorim

Gatti da APAE de Mogi das Cruzes – SP no período de 2005 ao 1º semestre de 2007. 10

alunos participaram de práticas musicais coletivas e individuais, tomando contato com vários

estilos musicais além de terem acesso a instrumentos de percussão, teclado, plaquetas e cordas

(violão e baixo elétrico). Após uma primeira fase dedicada exclusivamente à prática musical,

o grupo passou a conhecer outras linguagens artísticas como o cinema, acompanhada de uma

breve introdução ao teatro. Esta segunda fase do trabalho proporcionou aos alunos uma nova

compreensão da música como auxiliar na narração e na compreensão do filme. Os gêneros e

personagens que foram apresentados e interpretados de uma forma cênica, simultaneamente à

execução de algumas trilhas sonoras, proporcionou aos alunos várias oportunidades de

apresentações artísticas e auxiliou no contexto interdisciplinar da instituição na inclusão dos

mesmos no mercado de trabalho.

Objetivos

O objetivo deste projeto foi proporcionar, de acordo com a filosofia da escola,

uma melhoria na qualidade de vida dos alunos que possuem necessidades educacionais

especiais (O'REGAN, 2007) através de um contato com a linguagem musical como uma

forma de expressão, além de auxiliar no aprendizado das demais disciplinas da grade

curricular.

Com a prática de música coletiva, vários elementos importantes como

concentração, socialização e cooperação foram trabalhados e indiretamente prepararam os

alunos para uma inclusão no mercado de trabalho. Visou, também, proporcionar

35

Bacharel em Comunicação Social pela UMC com especialização em Educação Musical pela Unicsul.

E-mai: [email protected]

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apresentações musicais como uma forma de aumentar a autoestima de cada aluno, valorizando

esta experiência estética compartilhada com o público presente. Além de propiciar o acesso

aos elementos básicos da música, permitiu um contato com instrumentos de percussão, de

plaquetas, teclados e cordas (violão e contrabaixo elétrico) como um estímulo e preparação de

um estudo posterior de um instrumento específico.

Objetivou, ainda, após uma fase de adaptação com a música, o contato com outras

linguagens artísticas como o cinema, onde foram apresentados aos alunos alguns gêneros,

personagens, trilhas sonoras e uma breve introdução à representação cênica.

Fundamentação teórica

De acordo com a Teoria das Inteligências Múltiplas desenvolvida por Howard

Gardner (GARDNER, 1994) a identificação e o estímulo dessas inteligências dentre as quais

encontra-se a Inteligência Musical, pode auxiliar em outras áreas como no aprendizado de

outras disciplinas da grade curricular.

Quanto à musicalização, Murray Schafer no livro O ouvido pensante

(SCHAFER, 1991) propõe uma conscientização sonora, jogos musicais para uma vivência

dos elementos da música. Em outros pontos de seu livro, sugere um contato com outras

linguagens artísticas, como o teatro, as artes plásticas e a literatura e seus diálogos com a

música, alertando, porém, para que cada linguagem seja ensinada em seu devido tempo.

De acordo com as propostas pedagógicas de Shinichi Suzuki, o método informal

de aprendizado da língua materna, como a repetição constante, por exemplo, e a audição de

gravações é considerada uma forma eficaz para o ensino do instrumento (FONTERRADA,

2005), o que facilita o contato e o aprendizado musical de alunos com necessidades

educacionais especiais.

Metodologia

A partir de jogos musicais, canções, exercícios rítmicos e utilização de

instrumentos de percussão, os alunos começaram a tomar contato com alguns estilos musicais.

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Esses estilos variaram entre músicas folclóricas, populares, de jazz e da música erudita. Cada

estilo foi apresentado através de gravações ou execuções musicais, para posteriormente ser

vivenciado pelos alunos.

Durante as aulas de musicalização das salas de Ensino Fundamental e da

Educação de Jovens e Adultos (EJA), alguns alunos demonstraram um maior interesse pela

prática musical proposta, demonstrando uma inteligência musical que precisava ser

estimulada tanto para se atingir alguns objetivos pedagógico-musicais, como para auxiliar na

linguagem, no relacionamento interpessoal, na noção espacial etc.

Em uma prática musical coletiva de um grupo formado inicialmente com dez

alunos, vários ritmos foram trabalhados como ritmos brasileiros e americanos, e através de

instrumentos de percussão como surdos, caixas, ganzás, pandeiros etc.

Em outra fase, instrumentos de plaquetas como metalofones e liras diatônicas

foram utilizados no trabalho melódico e harmônico. Nesse momento, houve o interesse de

alguns alunos em instrumentos de teclado e cordas (violão e contrabaixo elétrico).

Um repertório começou a ser formado com uma variação na instrumentação. Em

uma adaptação para O trenzinho do caipira, das bachianas nº 2, de Heitor Villa-Lobos, os 10

alunos que apresentavam diferentes graus de dificuldades de aprendizagem executaram este

arranjo com cerca de 30 instrumentos entre percussão, teclado e cordas. Outras adaptações

foram realizadas com músicas do próprio Villa-Lobos, dos Beatles etc., na questão do arranjo

e da instrumentação, conforme sugerem Louro, Alonso e Andrade, 2006.

No início de 2007, o projeto “O cinema, a vida e suas trilhas sonoras” começou

com a audição de algumas trilhas sonoras. A seguir, ocorreram discussões sobre o cinema,

seus gêneros mais comuns, seus personagens e as músicas compostas para eles. Um repertório

foi formado com temas de diversas épocas do cinema como: Missão impossível, A Pantera

cor-de-rosa, Tempos modernos e The wall.

Após assistir as cenas escolhidas que caracterizassem o gênero, ou personagem,

foram realizados alguns exercícios de reconstituição da interpretação corporal, conforme

sugere Marcos Napolitano em seu livro sobre a utilização do cinema na sala de aula

(NAPOLITANO, 2006).

Algumas cenas foram interpretadas pelos próprios alunos do grupo durante a

performance musical, realizando uma citação cênica a cada filme representado pelas trilhas

sonoras.

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Resultados

Em 2005, com a adaptação de O trenzinho do caipira, de Villa-Lobos, o grupo

participou do Festival Nacional Nossa Arte, em Palmas – TO, conquistando o 1º lugar na

categoria Arte Musical, após vencer as fases Regional, em São Caetano do Sul – SP e

Estadual, em Araraquara – SP.

Além desses eventos foram convidados para tocar em teatros, clubes e escolas,

aumentando com isso a autoestima de cada componente.

Após esse estímulo à pratica musical, muitos componentes deste grupo

interessaram-se por um instrumento específico como o teclado, violão e contrabaixo elétrico e

foram agendados para aulas individuais, o que enriqueceu a qualidade técnica do grupo. Com

o exemplo apresentado pelos alunos deste grupo, vários alunos que anteriormente não

demonstravam interesse pelas aulas de musicalização ficaram entusiasmados e começaram a

participar de grupos paralelos ou mesmo a integrar o grupo inicial.

Com o trabalho “O cinema, a vida e suas trilhas sonoras”, o grupo participou do

Festival Regional Nossa Arte, em São Caetano do Sul, no Teatro Paulo Machado de

Carvalho, conquistando o 1º lugar. Após esse novo trabalho que incluiu várias linguagens

artísticas, o grupo foi convidado para apresentar-se em vários eventos entre eles o Fórum

Mundial de Educação, realizado em Mogi das Cruzes (SP).

Entre os alunos que participaram deste grupo, 50% encontram-se trabalhando em

empresas da Região, o que comprova o alcance dos objetivos iniciais.

Referências bibliográficas

FONTERRADA, Marisa T. de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e

educação. São Paulo: Editora Unesp, 2005.

GARDNER, Howard. Estruturas da mente: A teoria das inteligências múltiplas. Porto

Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.

LOURO, Viviane dos Santos; ALONSO, Luís Garcia, ANDRADE, Alex Ferreira de.

Educação musical e deficiência: propostas pedagógicas. Luís Garcia Alonso, Alex Ferreira

de Andrade. São José dos Campos – SP: Ed. do autor, 2006.

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O'REGAN, Fintan. Sobrevivendo e vencendo com necessidades educacionais especiais.

Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2007.

SCHAFER, Murray. O ouvido pensante. Tradução Marisa Fonterrada. São Paulo: Editora da

Unesp, 1991.

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Educação musical e inclusão escolar: uma aproximação teórica36

Martha Abrantes Gonçalves 37

Resumo: O processo de inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais

vem acontecendo de forma lenta e desordenada. Estudar os principais teóricos da inclusão

possibilitará compreender como a educação musical poderá se inserir neste contexto de

mudanças. Este trabalho, portanto, tem dois grandes objetivos: reconhecer em que medida a

educação musical poderá ser utilizada como um recurso viável e uma ferramenta prazerosa

para a inclusão escolar, e analisar a inclusão escolar como uma estratégia importante no

retorno da educação musical às escolas, no momento em que os professores necessitarão de

todos os recursos disponíveis para promover essa inclusão escolar de forma íntegra e com

sucesso. O presente trabalho fixou como método a pesquisa bibliográfica, que será realizada

à luz dos estudos mais atuais sobre os temas. Como principais resultados encontrados deste

estudo, podemos destacar que a educação musical nas escolas regulares está ainda longe de

atingir o ideal, porém, o ensino de música caminha em direção ao fazer musical criativo, à

escuta musical crítica e esses conhecimentos são acessíveis a todos os indivíduos,

indistintamente, podendo de fato auxiliar a inclusão escolar. Por sua vez, a inclusão escolar

poderá ser um caminho através do qual a educação musical poderá voltar às escolas regulares.

Palavras-chave: educação musical, inclusão escolar, educação especial.

36

Monografia apresentada para conclusão do curso de Licenciatura Plena com Habilitação em Música do

Instituto Villa-Lobos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Unirio, sob a orientação da

Professora Dra. Maria Angela Monteiro Corrêa, em Julho de 2006.

37

Natural do Rio de Janeiro, Economista formada pela PUC-RJ em 1981 e graduada em Licenciatura em

Educação Artística com Habilitação em Música pela Unirio – RJ, em Junho de 2006. Na área de música,

dedicou-se à Educação Infantil, trabalhando em creches e escolas de Ensino Fundamental de 1999 a julho de

2007, no Município de Teresópolis, RJ. Trabalhou com crianças com deficiência visual. E-mail:

[email protected]

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Desde os primórdios, o mundo assiste a uma segregação histórica das pessoas

com deficiência. Na Antiguidade, os nascidos com problemas eram deixados para morrer,

prevalecendo a lei do mais forte. No final da Idade Média, as deficiências começaram a ser

vistas como demoníacas e muitas pessoas morreram em função dessa visão supersticiosa. Foi

um período marcado pela intolerância religiosa da Inquisição. As primeiras atitudes concretas

no tratamento das pessoas portadoras de deficiência foram tomadas por dois médicos:

Paracelso (1493-1541) e Jerônimo Cardano (1501-1576).

No século XVIII, começam a surgir no mundo as primeiras instituições

especializadas para surdos-mudos, cegos e paralisados cerebrais. É o início da educação

destinada aos deficientes.

No campo internacional, destacamos quatro marcos importantes nas leis e

documentos orientadores da Legislação sobre Educação Especial: a Declaração Universal dos

Direitos Humanos, a Convenção sobre o Direito das Crianças, a Declaração Mundial sobre

Educação para Todos e a Declaração de Salamanca, as quais serviram de base para a

legislação brasileira sobre o assunto. No campo nacional destacamos três documentos ou leis

importantes: A Constituição Nacional, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e

as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.

O processo de inclusão escolar de pessoas com deficiência atualmente em curso

está longe do ideal. Ainda encontramos sérios problemas com relação à educação de alunos

que já fazem parte do contexto escolar sem efetivamente alcançarem a satisfação de suas

necessidades educacionais. Violência, preconceito, falta de incentivo por parte dos pais,

desinformação, problemas psicológicos e baixa autoestima são algumas das causas do

fracasso escolar, levando muitas vezes, à evasão.

Os alunos com necessidades educacionais especiais, apesar de estarem

fisicamente na sala de aula, terão de vencer barreiras de preconceito e falta de acessibilidade

e, na maioria das vezes, encontrarão professores despreparados e desinformados acerca de

suas necessidades e, principalmente, de suas possibilidades. É preciso apoio de toda a

sociedade para que a inclusão saia do âmbito da legislação e ocorra de fato. Com isso,

certamente as situações de despreparo e inabilidade nesse processo tenderão a desaparecer.

Os benefícios para todos os alunos vêm do fato de que as crianças enriquecem-se

quando têm a oportunidade de aprender umas com as outras nas salas de aula integradas,

adquirem valores relacionados com a inclusão e levam esses valores para a comunidade. Para

o professor, o benefício é indiscutível, uma vez que ele lida diariamente com as diferenças

que acontecem normalmente em uma classe. Uma sala de aula inclusiva irá aumentar as

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possibilidades de trabalho desse professor, assim como sua capacitação para lidar com

diversas situações. O benefício para a sociedade é resultado das ações de apoio e do

aprendizado que as próprias crianças levarão para casa. Quando a sociedade é chamada a

participar de um processo como esse, não há como ficar alheia, porque valores como o da

igualdade, passam a dar um novo significado para a própria vida dentro dessa comunidade.

Assim, devemos utilizar todos os recursos que estiverem à nossa disposição e que

possam contribuir para esta efetivação. A educação musical neste contexto, é concebida aqui

como um recurso extremamente valioso, uma vez que diz respeito a um aspecto da nossa vida

cotidiana, das nossas relações com a emoção e com o afeto e que passa, neste momento, pela

busca de sua identidade como componente fundamental no sistema educacional brasileiro.

Na primeira metade do século XX, o trabalho com artes baseava-se na

transmissão de padrões e modelos das classes sociais dominantes. “Na escola tradicional,

valorizavam-se principalmente as habilidades manuais, os ‘dons artísticos’, os hábitos de

organização e precisão, mostrando ao mesmo tempo uma visão utilitarista e imediatista da

arte” (Brasil, 1997b, p. 23).

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), naquela época, o

ensino de arte era voltado, essencialmente, para o domínio técnico, mais centrado na figura do

professor, a quem competia “transmitir” aos alunos os códigos, conceitos e categorias que

tinham em comum, sempre, a reprodução de modelos. Ou seja, o professor detinha o

conhecimento e ao aluno cabia a atitude passiva no recebimento da informação.

Na linguagem musical, o Canto Orfeônico dominou o cenário escolar a partir dos

anos 30, tendo à frente o compositor Villa-Lobos. Este projeto pretendia levar a linguagem

musical a todo o país. Em função do momento histórico e político da época, em que vigorava

o Estado Novo, “o Canto Orfeônico, além de orientações musicais, procurou difundir ideias

de coletividade e civismo” (Brasil, 1997b, p. 24). Porém, acabou transformando a aula de

música em uma teoria musical, com a memorização de peças orfeônicas de caráter folclórico,

cívico e de exaltação. Foi substituído pela Educação Musical, que trouxe os métodos do suíço

Emile Jacques Dalcroze, do húngaro Zoltan Kodály e do alemão Carl Orff, para o cenário

escolar As contribuições dos pedagogos musicais brasileiros também ganham destaque nesta

fase, tais como as propostas de musicalização de Liddy Chiafarelli Mignone, o método Sá

Pereira, além das ideias do compositor e educador alemão Hans-Joachim Koellreutter. Assim,

passa a existir um outro enfoque no ensino de música: ela pode ser sentida, tocada, dançada,

além de cantada. Era a livre expressão dominando o cenário, levando contudo, a um

esvaziamento de conteúdos musicais na aprendizagem, pois carecia de um acompanhamento

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mais técnico do professor na aula de música (Beyer, 2000). Atualmente, podemos contar com

diversas abordagens na educação musical, metodologias que garantem o aprendizado de

conceitos básicos e desenvolvem habilidades ligadas ao fazer musical, à apreciação e à

criatividade.

Por fazer musical, entendemos todas as formas através das quais o indivíduo

possa se relacionar com a prática musical, cantando, tocando algum instrumento, sozinho ou

participando de um grupo. O desenvolvimento da apreciação musical implica em

disponibilizar ao aluno uma gama de estilos musicais de forma que ele possa apurar um senso

crítico em relação à escuta dos sons, ou seja, uma escuta crítica.

Em relação à criatividade, enfatizamos a importância do aluno utilizar os

conhecimentos adquiridos nas aulas de música para desenvolver seu potencial criativo, seja

por meio de composições musicais, seja por construção de instrumentos musicais não

convencionais, ou ainda, pela elaboração de novas formas de fazer musical. O que precisamos

é que o espaço escolar seja efetivamente disponibilizado para que possamos colocar em

prática todo esse ferramental, e com isso garantir o acesso de todos à educação musical. A

educação musical na escola regular, por sua vez certamente beneficiará o processo de

inclusão, onde todos os recursos precisam estar disponibilizados. Nada mais justificado do

que poder contar com essa ferramenta tão prazerosa e capaz de potencializar o

desenvolvimento humano.

Para Garcia (2005) a contribuição da música no crescimento geral do educando

pode configurar-se como agente de desenvolvimento sensorial e emocional, estímulo mental,

como forma de sensibilização, além de proporcionar gratificação e êxito. A autora ressalta que

esses aspectos entrelaçados fundem a mente, o corpo e as emoções numa experiência

importante ao desenvolvimento dos processos cognitivos.

A proposta da educação musical não é profissionalizar, nos diz Soares (2004), ao

contrário, é desenvolver a sensibilidade estética e artística, assim como a imaginação e o

potencial criativo, além de favorecer a atenção, a percepção de detalhes e a memorização,

proporcionando aos alunos a oportunidade de fazer e apreciar música na sua realidade e de

outros contextos, ampliando sua visão de mundo.

Para confirmar essa ideia, França (2005) complementa que a música pode auxiliar

crianças portadoras de atraso do desenvolvimento ao “oferecer recursos motivacionais e

mobilizadores altamente adequados para o desenvolvimento da atenção, memória,

comunicação, habilidades motoras, amadurecimento emocional e socialização” (p. 4).

A música também pode favorecer o desenvolvimento emocional de pessoas com

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necessidades especiais, a conscientização de si mesma, o despertar de emoções e da

espontaneidade, favorecendo, inclusive, a integração social e emocional, entre outras coisas.

“Isso significa que todos são capazes de aprender a se expressar musicalmente, não havendo

razões para a exclusão” (Soares, 2004, p. 1).

O professor de música que atua junto a uma escola inclusiva, precisa estar atento

às especificidades dos alunos com necessidades especiais, precisa estar familiarizado com as

tecnologias sobre materiais e acessórios ou adaptações que o auxiliem em suas atividades.

Muitas vezes, esses acessórios permitem que o aluno realize uma atividade para a qual não

estaria capacitado sem a sua utilização.

Ele precisa valorizar todos os resultados alcançados e ter atitudes positivas em

relação ao fazer musical do aluno. Com isso, salientamos a necessidade de se fazer uma

avaliação consciente das dificuldades e das limitações encontradas, para não criar no aluno, a

sensação de que não houve esforço na realização de determinada tarefa. Para o aluno com

necessidades especiais, os ganhos, por menores que sejam, são valiosos e isso deve ser

observado sempre.

Sabemos que a inclusão escolar engatinha, tropeçando em dificuldades como a

desinformação, o preconceito, a falta de políticas públicas e a presença de barreiras físicas.

Não mencionamos sequer a falta de incentivo aos profissionais docentes, que se agarram ao

seu trabalho por puro idealismo, sem qualquer outro tipo de estímulo. A educação musical nas

escolas regulares, por sua vez, está ainda longe de atingir seu ideal, mas as formas de

educação hoje colocadas à disposição dos professores e alunos, superam a noção de que

apenas quem tem habilidades específicas conseguirá ser musicalizado. O ensino de música

caminha em direção ao fazer musical criativo, à escuta musical crítica e esses conhecimentos

são acessíveis a todos os indivíduos, indistintamente. Reafirmamos que, da mesma forma que

a educação musical pode auxiliar no processo de inclusão escolar, este processo poderá ser,

por sua vez, um dos caminhos que levará a música de volta às escolas regulares.

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Referências bibliográficas

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______. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília, 1998. 5ª a 8ª séries: Arte.

BRASIL, Resolução CNE/CEB nº 17/2001. In: MONTE, Francisca R. et al. Direito à

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CORRÊA, Maria Angela Monteiro. Educação especial. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ,

2003. v. 1.

FRANÇA, Cecília Cavalieri. Função da musicoterapia na educação musical especial: da

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música. Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical, 14. ed. 2005,

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GARCIA, Eda do Carmo P. Conteúdos e estratégias de ensino para a aprendizagem musical

de estudantes deficientes mentais. Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação

Musical. 14. ed. 2005, Belo Horizonte, Anais..., Porto Alegre, 2005. 1 CD-ROM .

LOURO, Viviane dos Santos. As características que norteiam a educação musical inclusiva de

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2-3.

RIO DE JANEIRO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Multieducação: núcleo

curricular básico. Rio de Janeiro, 1996.

SOARES, Lisbeth. Apostila do I Simpósio de Educação Musical Especial. São Caetano do

Sul, SP. 2004.

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O canto coral infantil como potencial instrumento de intervenção social:

Projeto Cante Conosco

Miriam Utsunomiya 38

Fundamentação teórica

O canto em grupo não escolhe raça, cor, classe social. É uma forma de expressão

em colaboração mútua, desenvolvendo o respeito pelo espaço do outro, organização interior,

disciplina, atenção, percepção auditiva e conhecimento corporal. O canto em grupo não requer

grandes investimentos financeiros nem recursos especiais. O baixo custo de manutenção de

grupos desta natureza, permitem retornos imensuráveis para aqueles que nele investem, pois

atendem às determinadas necessidades pessoais daqueles que participam, e institucionais –

por parte da organização que a promove –, reafirmando a sua imagem perante a comunidade,

desenvolvendo, assim, um marketing institucional saudável, através do incentivo às artes –

marketing cultural (VAZ, 1995, p. 225) – e do exercício da cidadania – marketing social

(UTSUNOMIYA, 2001).

Objetivos

a) Oferecer a crianças da rede pública de ensino um espaço de socialização do

conhecimento musical através do cantar em grupo, unindo a alegria do cantar e os

benefícios do ensino da música, implícitos nas atividades desenvolvidas no canto coral;

b) Dar oportunidade aos alunos bolsistas do curso de Bacharelado em Música de, através

de monitoria voluntária, acompanhar um trabalho com regência coral.

38

Meste em Música pela Escola de Comunicaçãoes de Artes (ECA/USP). Bacharel em Música pela Escola de

Música e Belas Artes do Paraná e Pedagoga pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. É professora no

curso de bacharelado em música e coordenadora do PROMUS – Programa de Difusão da Cultura Musical da

Universidade Cruzeiro do Sul. Regente de corais infantis.

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Metodologia

O Projeto Cante Conosco é desenvolvido numa escola estadual da zona leste de

São Paulo/SP, cuja escolha deveu-se a dois critérios: a) proximidade do campus central da

Universidade, facilitando a participação dos alunos bolsistas do curso de bacharelado em

Música e considerando a contribuição da Universidade com relação à responsabilidade social

para com a comunidade na qual está inserida; b) afinidade da direção da escola com o projeto,

a fim de facilitar o envolvimento da comunidade na execução do mesmo.

Os ensaios são semanais com duração de uma hora (das 12h00 às 13h00), todas as

terças-feiras na escola. Em cada ensaio, há um período inicial de sensibilização e

conscientização da percepção auditiva rítmica e melódica, através de jogos e brincadeiras que

envolvem exercícios de expressão corporal e vocal, seguido da prática de repertório, sempre

com uma contextualização do mesmo. Juntamente com esses elementos, há um trabalho

direcionado no sentido de se desenvolver os aspectos psicológicos e de sociabilização de cada

criança, possibilitados pelo exercício da dinâmica de condução de um grupo de canto coral.

As apresentações coroam os esforços aplicados pelo grupo e incentivam na

continuidade do processo de aprendizagem e interação.

Todo esse processo contribui para o crescimento individual da criança em vários

aspectos: cultural, psicomotor, musical, social e emocional e, para os monitores, constitui-se

em uma grande oportunidade de aprendizagem profissional e exercício da cidadania.

Resultados obtidos

Cerca de 300 crianças passaram pelo projeto desde a sua implantação, em março

de 2005. O coral já gravou músicas para trilha sonora de um DVD – documentário e

participou de inúmeras apresentações. Duas delas com a participação de Orquestras

(ASSATEMEC de Itu/SP e Orquestra de Câmara Intermusic).

Mais do que dados quantitativos, temos inúmeros depoimentos de professores da

escola que testemunharam o crescimento individual das crianças participantes do coral,

principalmente no que diz respeito à concentração, disciplina e maior facilidade no processo

de alfabetização.

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Referências bibliográficas

HIKIJI, Rose Satiko Gitirana. A música e o risco: etnografia da performance de crianças e

jovens. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

TOURINHO, Irene. Usos e funções da música na escola pública do 1º grau. Associação

Brasileira de Educação Musical. Fundamentos da Educação Musical, maio. 1993. v. 1.

UTSUNOMIYA, Fred Izumi. O conceito de marketing social. O desafio da gestão da

comunicação institucional de organizações do terceiro setor brasileiro. Dissertação

(Mestrado). Universidade de São Paulo: 2001. p. 137-45.

VAZ, Gil Nuno. Marketing institucional: o mercado de ideias e imagens. São Paulo:

Pioneira, 1995.

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Rios do Brasil – a musicalidade da população ribeirinha e suas

reverberações na vida da cidade

Mirna Domingos 39

Sobre o projeto da APAE

A APAE de São Paulo trabalha há 46 anos com a missão de prevenir a

deficiência, facilitar o bem-estar e a inclusão social da pessoa com deficiência.

O Programa Arte, Cultura e Esporte foi especialmente estruturado para ir ao

encontro da atual diretriz da organização que é a inclusão, bem como a equidade. Inovando as

práticas no campo do multiculturalismo no intento de potencializar e estimular a convivência

entre pessoas com e sem deficiências.

Sinopse

A proposta deste projeto visa introduzir as linguagens artísticas na vivência

cultural do participante através do tema: “Rios do Brasil – a musicalidade da população

ribeirinha e suas reverberações na vida da cidade”.

Os participantes vão mergulhar no universo sonoro musical, partindo de suas

origens, sua história, suas lembranças, resgatar músicas de nosso cancioneiro popular,

ampliando de forma prazerosa o repertório cultural do grupo. Ao fazer uma viagem por nosso

país através de canções, manifestações populares, danças e crenças, o participante também irá

traçar um paralelo com o repertório musical de seu cotidiano.

Metodologia

Nas oficinas de desenvolvimento da musicalidade, as técnicas utilizadas ocorrem

de acordo com a necessidade e interesse do grupo e seus participantes, fundamentado em

Swanwick (modelo “T.E.C.L.A”). A proposta inicial foi de que, a partir da vivência e do

conhecimento dos participantes, construir o repertório das cidades brasileiras que eles já

conhecem.

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E-mail: [email protected]

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Objetivos Gerais

Aprender a conhecer e se beneficiar com o aprendizado;

Realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos, desenvolvendo a

compreensão do outro e a percepção das interdependências;

Desenvolver competências, a fim de enfrentar diferentes situações e trabalhar em

equipe.

Objetivos específicos

Promover a experimentação timbrística;

Reconhecer timbres, sequências básicas rítmicas e melódicas;

Provocar a experimentação com os parâmetros sonoros;

Desenvolver a autoexpressão sonoro-corporal-musical;

Recriação de canções e composições;

Inter-relação com outras expressões artísticas.

Estratégias

Organizar ritmicamente e monitorar o comportamento do participante;

Melhora nas habilidades: atenção, percepção, relação entre a audição e outras

modalidades sensoriais;

Oferecer ao participante a possibilidade de pesquisar maneiras diferentes de produções

sonoras.

Resultados

Desenvolvimento dos objetivos propostos com aquisição do reconhecimento,

discriminação e execução de diferentes ritmos incorporados em nossa cultura através das

vivências sonoras.

O exercício de unir o mesmo tema musical em diferentes versões mobilizou os

participantes a procurar e trazer CD's para compartilhar com o grupo “suas músicas”

desterritorializando, criando novos espaços sonoros e a consequente apropriação do

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trabalho.

A pesquisa sonora de timbres, ritmos e observação das melodias resultou na

harmonização em conjunto das músicas que o grupo apresentou durante o trabalho e

descoberta de novas habilidades pessoais.

A observação em outros territórios artísticos (teatro, artes visuais) proporcionou,

também, tornar audíveis os movimentos, gestos e formas como trilha sonora e efeitos

especiais, utilizando-se de instrumentos construídos a partir de recicláveis.

O crescimento e desenvolvimento da musicalidade proporcionaram aos participantes

o autoconhecimento, melhora da autoestima, sociabilização, crescimento pessoal e do grupo

e conhecimento geral, através da pesquisa dos lugares das músicas trabalhadas.

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A Pedagogia do desejo e a antroposofia como ferramentas de inclusão social

de crianças em situação de risco, através da educação musical

Mônica Leoni Maffei 40

Resumo: este trabalho foi realizado dentro do Projeto Axé na cidade de Salvador, Bahia,

usando como base as Pedagogias do Desejo e a Antroposófica, ou seja, respeitando o desejo

de cada criança e o ritmo de aprendizado de cada uma delas. As crianças que participaram

deste grupo estavam em situação de altíssimo risco, algumas morando nas ruas da cidade,

outras com situação familiar bastante complicada. O trabalho realizado através da música teve

início de uma forma tradicional de ensino, dentro de uma sala de aula. Quando foi decidido

sair da sala e passar para um espaço externo e amplo, houve a possibilidade de uma

distribuição diferente das crianças de forma que elas podiam se concentrar e se ouvir melhor e

os educadores conseguiam ter uma relação individualizada com o educando. As crianças

tiveram a possibilidade de escolher o instrumento que gostariam de tocar, e isso despertou

nelas a vontade de aprender. Crianças inquietas e com baixo grau de concentração, passaram a

estudar o instrumento durante duas ou mais horas seguidas, tocando muito concentradas.

Como resultado deste trabalho, ao final de seis meses, depois de um belíssimo processo, elas

haviam preparado um repertório de oito músicas. O grupo pôde se apresentar tanto dentro do

próprio projeto, como em outros lugares da cidade.

40

Mônica Leoni Maffei – Flautista formada pela Faculdade Paulista de Artes em 1986, concluiu o mestrado em

Pedagogia Musical na Universidade de Frankfurt, Alemanha no ano de 1994. Também na Alemanha, se formou

no curso para professores em Pedagogia Waldorf. Entre 2000 e 2004 trabalhou no Projeto Axé em Salvador, BA,

dando oficinas de música e aulas de instrumento para crianças e adolescentes em situação de risco. Atualmente,

trabalha com crianças e adolescentes em situação de risco na cidade de Botucatu, SP. Atua, também, como

regente de coral, professora de flauta transversal, flautista e oferece oficinas de musicalização e sensibilização

dos sentidos para grupos de adultos. Concluiu, em julho deste ano, o curso Antropomúsica: Música para o

Desenvolvimento Humano na Arte, Pedagogia e Terapia, e cursa, atualmente, no conservatório de Tatuí, o curso

de Improvisação em MPB e Jazz. E-mail: [email protected]

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Introdução

Este trabalho, desenvolvido no “Projeto Axé”, foi feito com um grupo de 13

crianças, com idade entre 11 e 13 anos. Elas estavam em situação de altíssimo risco, algumas

morando nas ruas da cidade ou com situação familiar bastante complicada, outras faziam uso

de drogas e algumas tinham complicações com o juizado de menores. As crianças chegavam

ao Projeto, muitas vezes, bem alteradas, em virtude do que tinham vivido no dia anterior.

Elas, às vezes, estavam completamente apáticas, outras vezes hiperativas ou agressivas. Elas

estudavam em escola pública no período da tarde, e pela manhã, participavam do projeto.

O trabalho começou dentro de uma sala, onde se tentou envolver as crianças numa

mesma atividade com todas seguindo um mesmo rítmo de trabalho. A maioria tinha um

comportamento bem difícil, algumas mal conseguiam ficar sentadas, e às vezes, eram bastante

agressivas. Algumas aceitavam bem o que estava sendo oferecido e queriam continuar na

atividade, outras não, ficavam dispersas, começavam a atrapalhar os que estavam interessados

ou simplesmente saíam da sala. Estava bastante óbvio que alguma mudança era necessária,

mas qual?

Quando o trabalho saiu da sala e foi para um local externo, mais amplo, abriram-

se novas possibilidades, tanto da interação entre educador e educando, quanto da forma como

trabalhar o conteúdo; abriu-se a possibilidade de trabalhar vários conteúdos ao mesmo tempo

e de forma individualizada.

Vários instrumentos foram distribuídos pelo espaço: um teclado, um metalofone,

flautas, violões e instrumentos de percussão. Os educandos se dividiram espontaneamente em

pequenos grupos e escolheram o instrumento que queriam experimentar. Tocaram este

primeiro instrumento e depois foram para o próximo, experimentando, assim, todos eles. Cada

criança teve a liberdade de escolher o instrumento que gostaria de tocar, e sabia claramente

qual queria. Nas aulas que se seguiram, cada criança pôde estudar o instrumento que tinha

escolhido. Inicialmente, as crianças aprenderam as notas e um pouco da técnica do

instrumento, depois, aos poucos, foram aprendendo músicas, algumas já conhecidas delas e

outras que eram novidade. Primeiro músicas simples, que tinham a escala como base, como

“Minha canção” ou “Brilha, brilha estrelinha”, e depois, músicas um pouco mais complicadas,

como “Canto do povo de algum lugar”, “Asa branca”, “A casa”, entre outras. Cada etapa

vencida no instrumento era uma enorme felicidade.

Foi emocionante ver crianças, que mal conseguiam ficar quietas dentro da sala,

conseguirem ficar uma, duas, e às vezes até mais horas, sentadas tocando o seu instrumento.

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Para este tipo de trabalho foi necessário que os educadores estivessem muito atentos e

perceptivos para o que estava acontecendo com cada criança, em cada dia de atividade.

A continuação deste trabalho foi bastante fluida, pois as crianças se envolveram

de tal forma, que a maior dificuldade que tivemos, foi quando alguns dos instrumentos não

estavam disponíveis.

Todos os dias a atividade começava com todos juntos, para se resolver um

eventual problema, ou para ouvirmos alguma música nova ou ler algum texto. No final do

período, todos se reuniam novamente e tocavam juntos. Com isso, deu-se a socialização do

grupo, eles começaram a se ouvir e aprenderam a esperar a sua hora de tocar. Quando uma

criança conseguia aprender uma música, ela ajudava, por espontânea vontade, outras que

estavam com mais dificuldade.

No final de seis meses, quando todos tinham um repertório com oito músicas bem

ensaiadas, puderam fazer várias apresentações dentro e fora do projeto, com um

comportamento muito bom e com bastante responsabilidade. A alegria e o bem-estar ficava

estampado nos rostos das crianças a cada apresentação.

Resultados

• Crianças que no começo do trabalho tinham um comportamento bem complicado,

agora conseguiam ficar uma, duas horas estudando o instrumento, de forma muito

concentrada.

• Foi possível socializar o grupo, onde eles aprenderam a escutar os outros, aprenderam

a hora de tocar e a hora de silenciar.

• Depois de seis meses de trabalho tínhamos um grupo com teclado, metalofone, quatro

flautas doce, dois violões e percussão, com um repertório de oito músicas.

• Foram feitas várias apresentações dentro do próprio projeto e também em outros

espaços, para um público externo.

Discussão

Quando a proposta é trabalhar com crianças em situação de risco, a primeira coisa

em que devemos pensar é com quais crianças estamos trabalhando. O que elas realmente

precisam? Se pensarmos no histórico de vida delas, poderemos ver que o que mais lhes falta é

uma estrutura familiar, adultos que lhes deem atenção, orientação e carinho. Se a intenção é

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acolhê-las, então, devemos começar atendendo suas necessidades. Qual seria a melhor forma

de conseguir isso? Colocando 30 crianças dentro de uma sala e querendo que elas fiquem

quietas e aprendam o que pensamos que seja importante para elas? Ou será que se deve pensar

numa forma estrutural onde seja possível oferecer a elas um atendimento individualizado,

onde cada criança possa se expressar individualmente e sempre tenha alguém que a escute

com atenção? Essas crianças estão acostumadas com espaços abertos, elas experimentam uma

liberdade de escolha grande, dentro das possibilidades que lhes são oferecidas.

O espaço utilizado tem uma grande influência no tipo de atividade que pode ser

desenvolvida. Se o espaço pensado são salas fechadas, dificilmente dois ou três educadores

terão a possibilidade de atender individualmente cada criança. Se o espaço pensado for com

salas abertas, mais amplas ou, simplesmente, o mesmo espaço pensado de forma diferente,

pode oferecer a possibilidade ao educando de escolher a sua atividade, ou escolher uma

possibilidade dentro desta atividade. Se o espaço possibilitar que ele trabalhe sozinho por um

tempo, o educador poderá lhe dar um atendimento individualizado, quando isto for necessário.

Esta questão do espaço se torna mais evidente em relação ao trabalho com a

música. Para se conseguir trabalhar verdadeiramente a questão musical, temos de poder

trabalhar a questão do silêncio e do ouvir conscientemente. Isto só pode acontecer se o espaço

o permitir.

Uma das coisas mais importantes que essas crianças podem receber é a

possibilidade do silêncio. Elas vivem em espaços, geralmente pequenos, e com muitas

pessoas, onde a possibilidade do estar só e ouvir o silêncio são quase nulas. Oferecer esta

possibilidade para elas é um enorme presente. Além disso, a música lhes oferece a

possibilidade de reconhecerem o seu próprio valor, de perceberem que elas têm a capacidade

de produzir algo muito bonito e que as outras pessoas valorizam.

Quando elas aprendem a ouvir os instrumentos que estão tocando, têm a

possibilidade de ouvir o seu próprio interior e sentir o seu ritmo interno. Elas aprendem a

ouvir os outros com atenção e a hora correta de agir e de interagir.

A possibilidade de escolha é de enorme importância para todos, sejam crianças,

adolescentes ou adultos. Qualquer atividade que parta do desejo individual é feito com mais

dedicação, concentração e vontade. A escolha é de enorme importância como treino da

vontade pessoal, pois muitas dessas crianças não sentem desejo, pois nunca lhes foi dada a

possibilidade da escolha. O que acontece quando todos são forçados a participar ao mesmo

tempo de uma mesma atividade é que perdemos a chance de aproveitar o interesse do aluno a

favor do aprendizado. Simplesmente porque cada um tem o seu tempo, tem seu foco

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individual num determinado momento.

Os projetos que trabalham com crianças e adolescentes no período fora do horário

escolar, deveriam ter o cuidado de oferecer para os educandos a possibilidade de escolher a

atividade da qual eles gostariam de participar. Isto poderia ocorrer de duas formas (entre

outras possíveis). Uma delas seria de médio ou longo prazo, onde o educando escolhe uma

oficina da qual gostaria de participar e assume o compromisso de participar desta atividade de

forma satisfatória, até alcançar o objetivo proposto. A outra seria a possibilidade de haver um

espaço de tempo no qual o educando fizesse o que estivesse com vontade: ler, desenhar,

brincar, ouvir música, assistir algum filme, trocar ideias ou simplesmente não fazer nada,

como acontece com todas as crianças que têm a possibilidade de ficar em casa no período que

não estão na escola. É claro que isso envolve toda uma estrutura diferente da que existe

normalmente.

Toda criança e adolescente precisa da atenção individual de um adulto em algum

momento. Na escola, eles ficam num grupo grande, e o professor não tem a possibilidade de

oferecer esta atenção. Se nos projetos, que têm a proposta de acolher essas crianças e

adolescentes nos horários em que não teriam onde ficar, eles não tiverem os momentos de

atenção individual, dificilmente terão em outro lugar, de forma satisfatória e positiva. Esta

questão é colocada geralmente num lugar secundário, como um momento de escuta, quando o

educando está causando alguma dificuldade ou está com algum problema sério. Este fator é de

suma importância e deve ser colocado como prioridade, pois muitas questões podem ser

resolvidas com um pouco de atenção individual diária. É claro que este momento requer muita

paciência e carinho e deve ser realizado por pessoas que tenham um vínculo com os

educandos.

Conclusão

Agindo dentro da Pedagogia do Desejo, onde as crianças têm a possibilidade de

escolher o que elas querem fazer, em que elas possam expressar os seus desejos e agir de

acordo com eles, pode-se obter um resultado maravilhoso.

Se for possível respeitar o ritmo de cada educando, perceber o que ele está

pedindo naquele momento, e oferecer-lhe algo de acordo com esse pedido, como funciona

dentro da Pedagogia Antroposófica, é possível fazer com que a criança consiga descobrir o

melhor que existe dentro de si, e que ela é capaz de trazer isto para fora de uma forma artística

e bela.

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É possível chegar a resultados satisfatórios, dentro de um espaço relativamente

curto de tempo, com crianças em situação de vida complicada e com comportamento difícil,

desde que se respeite o desejo e o ritmo próprio de cada um.

Referências bibliográficas

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