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    A FUNO SOCIAL DOS CONTRATOS, A BOA-F OBJETIVA E AS

    RECENTES SMULAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA.1

    Flvio Tartuce.2

    Sumrio: 1. INTRODUO. 2. A SMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA: A RESTRIO

    DOS EFEITOS DA HIPOTECA.. 3. A SMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA: A

    ABUSIVIDADE DA CLUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAO EM CONTRATOS DE PLANO DE

    SADE. 3. AS SMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA. A APLICAO DO

    CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR S INSTITUIES BANCRIAS E FINANCEIRAS. 4. A

    SMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA: A POSSIBILIDADE DE REVISO DE

    CONTRATOS OBJETO DE NOVAO. 5. REFERNCIA BIBLIOGRFICAS.

    1. INTRODUO.

    Em nosso livroA Funo Social dos Contratos, tivemos a oportunidade de

    demonstrar toda a evoluo pela qual vem passando o contrato, particularmente todas as

    alteraes substanciais pelas quais vem passando esse instituto, que basilar e fundamental

    no s para o Direito Civil, como para todo o Direito Privado.3

    No vamos, aqui, repetir todos os conceitos que constaram naquela obra.

    Na realidade, o presente trabalho serve como atualizao antecipada do nosso trabalho,

    trazendo novos tratamentos jurisprudenciais dados tanto em relao funo social dos

    contratos quanto boa-f objetiva. Isso, inclusive, para demonstrar que a jurisprudncia de

    nossos Tribunais superiores vm acompanhando essa tendncia.

    1 Artigo publicado na Revista cientfica da Escola Paulista de Direito (EPD So Paulo). Ano I. N. I.Maio/Agosto de 2005. Coordenao cientfica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka.2 Graduado pela Faculdade de Direito da USP em 1998. Especialista em Direito Contratual pela COGEAE-PUC/SP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor dos cursos de ps-graduao em DireitoCivil, Direito Civil e Processo Civil e Direito Empresarial da Escola Paulista de Direito (EPD). Autor ecolaborador de obras jurdicas. Advogado em So Paulo. Site: www.flaviotartuce.adv.br.3 Flvio Tartuce. A Funo Social dos Contratos. Do Cdigo de Defesa do Consumidor ao Novo Cdigo Civil.So Paulo: Mtodo, 2005.

    http://www.flaviotartuce.adv.br/http://www.flaviotartuce.adv.br/
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    De qualquer forma, pertinente lembrar que, pela funo social dos

    contratos, os negcios jurdicos patrimoniais devem ser analisados de acordo com o meio

    social. No pode o contrato trazer onerosidades excessivas, despropores, injustia social.4

    Tambm, no podem os contratos violar interesses metaindividuais ou interesses individuaisrelacionados com a proteo da dignidade humana, conforme reconhece Enunciado n. 23 do

    Conselho da Justia Federal, aprovado naI Jornada de Direito Civil.5

    Assim sendo, entendemos que a funo social dos contratos traz

    conseqncias dentro do contrato (intra partes) e tambm para fora do contrato (extra

    partes).

    Como efeito intra partes, citamos a previso do art. 413 do novo CdigoCivil, exemplo tpico de relativao da fora obrigatria do contrato (pacta sunt servanda),

    justamente uma das conseqncias da funo social dos negcios jurdicos. Por esse

    dispositivo, o juiz deve reduzir o valor da clusula penal se a obrigao tiver sido cumprida

    em parte ou se entender que a multa excessivamente onerosa. Como o comando legal

    utiliza-se a expresso deve a reduo de ofcio, sem a necessidade de argio pela parte

    interessada. Isso confirmado pela natureza jurdica do princpio da funo social dos

    contratos, de ordem pblica, conforme previso do art. 2.035, pargrafo nico, do prprio

    Cdigo Civil.6

    44No se pode esquecer que o contrato importante fonte obrigacional. Nesse sentido,Nelson Rosenvald, umdos mais brilhantes juristas da nova gerao sintetiza muito bem como deve ser encarada a obrigaoatualmente: A obrigao deve servista como uma relao complexa, formada por um conjunto de direitos,obrigaes e situaes jurdicas, compreendendo uma srie de deveres de prestao, direitos formativos eoutras situaes jurdicas. A obrigao tida como um processo uma srie de atos relacionados entre si -,que desde o incio se encaminha a uma finalidade: a satisfao do interessa na prestao. Hodiernamente, nomais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade qual se dirige a relao dinmica. Para alm daperspectiva tradicional de subordinao do devedor ao credor existe o bem comum da relao obrigacional,voltado para o adimplemento, da forma mais satisfativa ao credor e menos onerosa ao devedor. O bem comumna relao obrigacional traduz a solidariedade mediante a cooperao dos indivduos para a satisfao dos

    interesses patrimoniais recprocos, sem comprometimento dos direitos da personalidade e da dignidade docredor e devedor (Dignidade Humana e Boa-F. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 204).

    5 Art. 421: a funo social do contrato, prevista no art. 421 do novo Cdigo Civil, no elimina o princpio daautonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princpio quando presentes interessesmetaindividuais ou interesse individual relativo dignidade da pessoa humana.6 Entendemos que a funo social do contrato tem respaldo na Constituio Federal. Primeiro, na tradedignidade-solidariedade-igualdade, que consubstancia o Direito Civil Constitucional, constantes dos arts. 1, 3e 5 da Norma Fundamental. Segundo, na funo social da propriedade (art. 5, XXII e XXIII e art. 170, III da

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    Como exemplo de efeitos extra partes, citamos um caso em que o contrato,

    pelo menos aparentemente, bom para as partes, mas ruim para a sociedade. Podemos citar

    um contrato celebrado entre uma empresa e uma agncia de publicidade. O contrato civil e

    paritrio, no trazendo qualquer desequilbrio ou quebra do sinalagma. Entretanto, apublicidade veiculada discriminatria (publicidade abusiva art. 37, 2 do CDC),

    estando nesse ponto presente o vcio. Pela presena do abuso de direito, o contrato pode ser

    tido como nulo, combinando-se os arts. 187 e 166, VI, do novo Cdigo Civil nulidade por

    fraude lei imperativa diante do ato emulativo.7

    Ao lado da funo social dos contratos, a boa-f objetiva procura valorizar

    a conduta de lealdade dos contratantes em todas as fases contratuais (art. 422 do novo

    Cdigo Civil -funo de integrao da boa-f).

    Na dvida, os negcios jurdicos devem ser interpretados conforme a boa-

    f (art. 113 do novo Cdigo Civil funo de interpretao da boa-f). Em reforo,

    lembramos a interpretao a favor do consumidor (art. 47 do CDC) e do aderente (art. 423

    do novo Cdigo Civil).

    Por fim, a boa-f objetiva est relacionada com deveres anexos, inerentes a

    qualquer negcio. A quebra desses deveres caracteriza o abuso de direito (art. 187 do novoCdigo Civil funo de controle da boa-f).

    Sem dvidas, esses dois princpios trazem uma nova dimenso contratual.

    Felizmente, antes mesmo do novo Cdigo Civil a nossa melhor jurisprudncia j vinha

    aplicando ao contrato esses novos paradigmas.

    Superou-se a tese pela qual o contrato visa principalmente a segurana

    jurdica. Na realidade, o contrato tem a principal funo de atender pessoa e aos interesses

    CF/88) (Flvio Tartuce. Funo Social dos Contratos, ob, cit.). Sobre o Direito Civil Constitucionalrecomendamos a leitura da obra de Gustavo Tepedino (Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004).7 Vale citar uma passagem de Luigi Ferri, citando Acarelli no sentido de que o juiz dever anular qualqueracordo de vontades pela simples ocorrncia de um dano potencial sociedade, mesmo que haja algum outrointeresse comum (Luigi Ferri. La Autonomia Privada. Traduo e notas em espanhol por Luis SanchoMendizibal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969, p. 438)

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    da coletividade, diante da tendncia de personalizao do Direito Privado.8 Essa a real

    funo dos contratos!

    As smulas a seguir, felizmente, servem para demonstrar essa tendncia.

    Passamos a analisar o seu contedo.

    2. A SMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA: A RESTRIO DOS

    EFEITOS DA HIPOTECA.

    Prev a Smula 308 do Superior Tribunal de Justia que: A hipoteca

    firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior celebrao da

    promessa de compra e venda, no tem eficcia perante os adquirentes do imvel. Trata-se

    de smula com relevante enfoque sociolgico.

    Ora, sabe-se que a hipoteca um direito real de garantia sobre coisa alheia,

    que recai principalmente sobre bens imveis, tratada entre os arts. 1.473 a 1.505 do atual

    Cdigo Civil. Sem prejuzo dessas regras especiais, a codificao traz ainda regras gerais

    quanto aos direitos reais de garantia, entre os seus artigos 1.419 a 1.430.

    Um dos principais efeitos da hipoteca a constituio de um vnculo real,

    que acompanha a coisa (art. 1.419). Esse vnculo real tem efeitos erga omnes, dando direitode excusso ao credor hipotecrio, contra quem esteja o bem (art. 1.422).

    Exemplificando, se um imvel garantido pela hipoteca, possvel que o

    credor reivindique o bem contra terceiro adquirente do bem, o que traz o que se denomina

    direito de seqela. Assim, no importa se o bem foi transferido a terceiro; esse tambm

    perder o bem, mesmo que o tenha adquirido de boa-f.9

    8 Sobre a personalizao do Direito Privado, recomendamos as contribuies de Luiz Edson Fachin,

    particularmente a brilhante obraEstatuto Jurdico do Patrimnio Mnimo (Rio de Janeiro: Renovar, 2001).9 Marco Aurlio S. Viana comenta muito bem esse efeito da hipoteca: O que caracteriza o direito real degarantia a vinculao de um bem ao cumprimento da obrigao. Sua funo assegurar ao credor a satisfaodo crdito, colocando-o a cavaleiro da insolvncia do devedor (Cf. Orlando Gomes, Direitos Reais, cit., v. 2, p.468; Clvis Bevilacqua, Direito das Coisas, cit., v. 2, p. 10). O titular do direito goza de seqela e preferncia.Vinculado o bem garantia de uma prestao, sua transmisso implica na do gravame. Isso equivale a dizerque o titular do direito real de garantia acompanhar o bem, exigindo a satisfao do crdito, pouco importandoem mos de quem ele esteja. O valor do bem est afeto satisfao do crdito. Assim, quem adquire imvelhipotecado, por exemplo, poder v-lo levado venda para pagamento da dvida que garantia. o direito de

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    A constituio da hipoteca muito comum em contratos de construo e

    incorporao imobiliria, visando um futuro condomnio edilcio. Como muitas vezes o

    construtor no tem condies econmicas para levar a frente a sua obra, celebra um contrato

    de emprstimo de dinheiro com um terceiro (agente financeiro ou agente financiador),oferecendo o prprio imvel como garantia, o que inclui todas as suas unidades do futuro

    condomnio.

    Iniciada a obra, o incorporador comea a vender as unidades para terceiros,

    que no caso so consumidores, pois evidente a caracterizao da relao de consumo, nos

    moldes dos arts. 2 e 3 da Lei n. 8.078/90.

    Diante da boa-f objetiva e da fora obrigatria que ainda rege oscontratos, espera-se que o incorporador cumpra com todas as suas obrigaes perante o

    agente financiador, pagando pontualmente as parcelas do financiamento. Assim sendo, no

    haver maiores problemas.

    Mas, infelizmente, como nem tudo so flores, nem sempre isso ocorre. Em

    casos tais, quem acabar perdendo o imvel, adquirido a to duras penas? O consumidor,

    diante do direito de seqela advindo da hipoteca.

    A referida smula visa justamente proteger o ltimo, restringindo os

    efeitos da hipoteca s partes contratantes. Isso, diante da boa-f objetiva, j que aquele que

    adquiriu o bem pagou pontualmente as suas parcelas frentes incorporadora, ignorando toda

    a sistemtica jurdica que rege a incorporao imobiliria.

    Presente a boa-f do adquirente, no poder ser responsabilizado o

    consumidor pela conduta da incorporadora, que acaba no repassando o dinheiro ao agente

    financiador. Fica claro, pelo teor da smula, que a boa-f objetiva tambm envolve ordempblica, pois caso contrrio no seria possvel a restrio do direito real.10

    seqela (Comentrios ao Novo Cdigo Civil. Volume XVI. Coordenador: Slvio de Figueiredo Teixeira. Riode Janeiro: Forense, 2003, p. 700).10 A referncia boa-f expressa no recente julgado a seguir transcrito, do prprio STJ, j aplicando a recentesmula 380: CIVIL E CONSUMIDOR. IMVEL. INCORPORAO. FINANCIAMENTO. SFH.HIPOTECA. TERCEIRO ADQUIRENTE. BOA-F. NO PREVALNCIA DO GRAVAME. 1 - Oentendimento pacificado no mbito da Segunda Seo deste STJ no sentido de que, em contratos de

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    Alis, conclumos que a boa-f objetiva princpio de ordem pblica

    interpretando o art. 167, 2, do novo Cdigo Civil, que traz a inoponibilidade do ato

    simulado frente a terceiros e boa-f. Esclarecemos. Como se sabe, a simulao gera, em

    regra, a nulidade absoluta do negcio celebrado. Mas essa nulidade absoluta, que envolveordem pblica, no poder ser oposta frente a terceiros de boa-f. Pois bem, se o princpio da

    boa-f no envolvesse ordem pblica, a boa conduta no faria frente ao ato simulado.

    Superado esse ponto, entendemos que a smula 308 do STJ tambm

    mantm relao com o princpio da funo social dos contratos, j que visa preservar os

    efeitos do contrato de compra e venda do imvel a favor do consumidor, parte

    economicamente mais fraca. Por essa simples razo, j mereceria os nossos aplausos.

    Mas a smula visa tambm proteger o direito moradia, assegurado

    constitucionalmente, no art. 6 da Carta Poltica de 1988. Reforando, tende-se a preservar o

    negcio jurdico, diante do principio da conservao negocial, inerente concepo social

    do contrato.11

    Concluindo, percebe-se que a eticidade e a socialidade acabam fazendo

    milagres no campo prtico, relativizando o rigor formal da concepo dos direitos reais, em

    prol da proteo do vulnervel, do hipossuficiente, daquele que sempre agiu conforme a boa-f.

    3. A SMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA: A ABUSIVIDADE

    DA CLUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAO EM CONTRATOS DE

    PLANO DE SADE.

    financiamento para construo de imveis pelo SFH, a hipoteca concedida pela incorporadora em favor doBanco credor, ainda que anterior, no prevalece sobre a boa-f do terceiro que adquire, em momento posterior,a unidade imobiliria. Smula 308 do Superior Tribunal de Justia. 2 - Recurso especial conhecido, mas no

    provido (STJ, REsp 625045 / GO ; RECURSO ESPECIAL 2003/0229385-3, RELATOR: MinistroFERNANDO GONALVES, QUARTA TURMA, Julgamento: 17/05/2005, Publicao: DJ 06.06.2005).11 Interessante aqui transcrever o Enunciado n. 22 do Conselho da Justia Federal, tambm da I Jornada deDireito Civil, que traz a relao entre funo social e conservao contratual: Art. 421: a funo social docontrato, prevista no art. 421 do novo Cdigo Civil, constitui clusula geral, que refora o princpio deconservao do contrato, assegurando trocas teis e justas.

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    No se pode esquecer da grande importncia do Cdigo de Defesa do

    Consumidor para os contratos, uma vez que a grande maioria dos negcios jurdicos

    patrimoniais so de consumo, enquadrados nos arts. 2 e 3 da Lei n. 8.078/90.

    Por muito tempo, afirmou-se que, havendo relao jurdica de consumo

    no seria possvel a aplicao concomitante do Cdigo Civil e do Cdigo de Defesa do

    Consumidor. Isso, na vigncia do Cdigo anterior, eminentemente individualista e muito

    distante da proteo do vulnervel constante da Lei Consumerista.

    Entretanto, atualmente e ao contrrio, tem-se defendido um dilogo das

    fontes entre o Cdigo Civil e o Cdigo de Defesa do Consumidor. Por meio desse dilogo,

    deve-se entender que os dois sistemas no se excluem, mas se complementam. A tese foitrazida para o Brasil por Cludia Lima Marques, utilizando os ensinamentos de Erik Jayme. 12

    Isso se d diante de uma aproximao principiolgica entre os dois sistemas legislativos,

    principalmente no que tange aos contratos.1312 Cludia Lima Marques demonstra as razes filosficas e sociais da tese do dilogo da fontes: SegundoErik Jayme, as caractersticas da cultura ps-moderna no direito seriam o pluralismo, a comunicao, anarrao, o que Jayme denomina de le retour des sentiments, sendo o Leitmotiv da ps-modernidade avalorizao dos direitos humanos. Para Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da

    ps-modernidade. O pluralismo manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato,com a descodificao ou a imploso dos sistemas genricos normativos (Zersplieterung), manifesta-se no

    pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam daproteo do meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relao, como os fornecedores quese organizam em cadeia e em relaes extremamente despersonalizadas. Pluralismo tambm na filosofia aceitaatualmente, onde o dilogo que legitima o consenso, onde os valores e princpios tm sempre uma duplafuno, o double coding, e onde os valores so muitas vezes antinmicos. Pluralismo nos direitosassegurados, nos direitos diferena e ao tratamento diferenciado aos privilgios dos espaos de excelncia(JAYME, Erik. Identit culturelle et intgration: le droit internacionale priv postmoderne. Recueil des Coursde lAcadmie de Droit International de la Haye, 1995, II, Kluwer, Haia, p. 36 e ss) (MARQUES, CludiaLima. Comentrios ao Cdigo de Defesa do Consumidor. Introduo. So Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2004, p. 24).13 Sobre essa aproximao, alis, foi aprovado o Enunciado n 167 na III Jornada de Direito Civil, promovida

    pelo Conselho da Justia Federal em dezembro ltimo, com o seguinte teor: Com o advento do Cdigo Civilde 2002, houve forte aproximao principiolgica entre esse Cdigo e o Cdigo de Defesa do Consumidor, noque respeita regulao contratual, uma vez que ambos so incorporadores de uma nova teoria geral dos

    contratos. As razes apontadas pelo magistrado paraibano e jovem civilista Wladimir Alcibades MarinhoFalco Cunha, autor da proposta, so pertinentes, merecendo transcrio o seguinte trecho: Entretanto pode-se dizer que, at o advento do Cdigo Civil de 2002, somente o Cdigo de Defesa do Consumidor encampavaessa nova concepo contratual, ou seja, somente o CDC intervinha diretamente no contedo material doscontratos. Entretanto, o Cdigo Civil de 2002 passou tambm a incorporar esse carter cogente no trato dasrelaes contratuais, intervindo diretamente no contedo material dos contratos, em especial atravs dosprprios novos princpios contratuais da funo social, da boa-f objetiva e da equivalncia material.Assim, acorporificao legislativa de uma atualizada teoria geral dos contratos protagonizada pelo CDC teve suacontinuidade com o advento do Cdigo Civil de 2002, o qual, a exemplo daquele, encontra-se carregado de

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    Pretendemos analisar a Smula 302 do STJ luz desse dilogo de

    complementariedade entre os dois sistemas, a permitir a aplicao simultnea, coerente e

    coordenada das plrimas fontes legislativas.14Prev a referida smula que abusiva a

    clusula contratual de plano de sade que limita no tempo o internao hospitalar dosegurado.

    A smula somente consubstancia o que j vinha entendendo tanto a

    doutrina quanto a jurisprudncia.15 A abusividade da clusula flagrante, enquadrando-se

    inicialmente no art. 51, I, da Lei n. 8.078/90, pela qual nula a clusula que exonerem ou

    atenuem a responsabilidade do prestador do servio. Alm dessa previso, a referida clusula

    j era vedada expressamente pela Portaria n. 3, de 19 de maro de 1999, da Secretaria de

    Direito Econmico do Ministrio da Justia.16

    Fazendo um necessrio dilogo das fontes, a clusula de limitao de

    internao poderia tambm ser considerada abusiva pelo que consta do art. 424 do atual

    Cdigo Civil, j que o contrato em questo assume a forma de adeso, sendo o seu contedo

    imposto unilateralmente pela empresa de plano de sade.

    Isso porque o comando legal em questo prev a nulidade absoluta, nos

    contratos de adeso, das clusulas que implicam em renncia prvia a direito resultante danatureza do negcio. Ora, pela referida clusula est sendo limitado o uso do servio pelo

    novos princpios jurdicos contratuais e clusulas gerais, todos hbeis a proteo do consumidor mais fraconas relaes contratuais comuns, sempre em conexo axiolgica, valorativa, entre dita norma e a ConstituioFederal e seus princpios constitucionais. Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002 so,pois, normas representantes de uma nova concepo de contrato e, como tal, possuem pontos de conflunciaem termos de teoria contratual, em especial no que respeita aos princpios informadores de uma e de outranorma (Proposta enviada por e-mail pelo prprio Conselho da Justia Federal aos participantes da IIIJornada).14 Marques, Cludia Lima, Comentrios, ob. cit., p. 26.15 Por todos os julgados, transcrevemos o seguinte: CONTRATO - Plano de sade - Contrato de adeso -Relatividade das volies contratuais - Clusula limitativa - Internao em unidade de terapia intensiva (UTI) -

    Prazo exguo de 15 dias anuais com prorrogao dependente unicamente do critrio da prestadora de servio -Nulidade - Predominncia do direito vida sobre qualquer outro - Criao de vantagem exagerada para oconvnio e restrio do direito para o conveniado - Lei Federal n. 8.078, de 1990 (art. 5, IV) - Recurso

    provido. (Tribunal de Justia de So Paulo, Apelao Cvel n. 144.424-4/0 - So Paulo - 4 Cmara de DireitoPrivado de Frias Janeiro/2004" - Relator: Munhoz Soares - 29.01.04 - V. U.)16 A portaria, regulamentando o art. 51 do CDC, considera abusivas, dentre outras, as clusulas que: 2.Imponham, em contratos de planos de sade firmados anteriormente Lei 9665/98, limites ou restries a

    procedimentos mdicos (consultas, exames mdicos, laboratoriais e internaes hospitalares, UTI e similares)contrariando prescrio mdica.

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    aderente, que o principal objetivo do contrato celebrado entre as partes.

    Partindo-se para a anlise principiolgica da referida smula, observa-se,

    de imediato, que a mesma traz aplicao direta do princpio da funo social dos contratos,

    relativizando a fora obrigatria (efeito inter partes).

    Podemos tambm citar o j mencionado Enunciado n. 23 do Conselho da

    Justia Federal, uma vez que a autonomia contratual no pode prevalecer diante de um

    interesse maior, relacionado com a vida e com a integridade fsica do segurado, direitos da

    personalidade relacionados com a dignidade humana. Vale lembrar que os direitos da

    personalidade so irrenunciveis (art. 11 do novo Cdigo Civil). Pela clusula de limitao

    de internao, o contratante renuncia ao direito de ser tratado como se espera, principalmentenum caso de gravidade, em unidade de tratamento intensivo (UTI). Sem prejuzo de tudo

    isso, entendemos que a clusula de limitao traz no seu contedo um abuso de direito (art.

    187 do novo Cdigo Civil), a gerar a sua nulidade por fraude lei imperativa (art. 166, VI,

    do nCC).

    Em reforo, a parte que impe a referida clusula desrespeita o dever

    anexo de lealdade e, com isso, a boa-f objetiva que se espera nas relaes negociais. 17

    Percorre-se o mesmo caminho: pela quebra da boa-f, caracteriza-se o abuso de direito agerar a nulidade absoluta do referida clusula.

    De qualquer forma, no se pode esquecer que a clusula nula, mas deve

    preservado todo o resto do contrato, aplicao direta do art. 51, 2 do Cdigo de Defesa do

    Consumidor, que consagra o princpio da conservao contratual na tica consumerista.18

    17 Sobre a quebra dos deveres anexos, relacionados com a boa-f objetiva, vale conferir o teor do Enunciado n.24, tambm da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justia Federal: Art. 422: em virtude do princpio da

    boa-f, positivado no art. 422 do novo Cdigo Civil, a violao dos deveres anexos constitui espcie deinadimplemento, independentemente de culpa.18 Art. 51. (...) 2 A nulidade de uma clusula contratual abusiva no invalida o contrato, exceto quando desua ausncia, apesar dos esforos de integrao, decorrer nus excessivo a qualquer das partes. J tivemos aoportunidade de demonstrar a relao entre o princpio da conservao do contrato e a funo social,lembrando a proteo do ato jurdico perfeito, que consta do art. 5, XXXVI da CF/88 e a importante funoque o contrato exerce para a sociedade. Assim sendo, a nulidade deve ser o ltimo recurso (Tartuce, Flvio. AFuno Social dos Contratos. Do Cdigo de Defesa do Consumidor ao Novo Cdigo Civil. So Paulo: Mtodo,2005, p. 104). .

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    Feitas essas observaes e ressalvas, manifestamos o nosso entusiasmo e a

    nossa concordncia integral em relao Smula 302 do STJ, que atende quela

    visualizao personalizada do Direito Contratual, pela qual o principal objetivo dos negcios

    jurdicos patrimoniais atender aos interesses da pessoa. Isso, sintonizada, com o DireitoCivil Constitucionale os seus trs princpios mximos: a proteo da dignidade humana (art.

    1, III, da CF/88), a solidariedade social (art. 3, I, da CF/88) e a igualdade em sentido amplo

    (art. 5, caput, da CF/88).

    4. AS SMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA. A

    APLICAO DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR S

    INSTITUIES BANCRIAS E FINANCEIRAS.

    Ainda em relao ao Cdigo de Defesa do Consumidor, duas importantes

    smulas do Superior Tribunal de Justia prevem a sua aplicao em dois casos muito

    comuns da prtica contratual: aos contratos bancrios e financeiros. Transcreveremos o teor

    das ementas de forma destacada para uma anlise conjunta:

    Smula 297: O Cdigo de Defesa do Consumidor aplicvel s instituies

    financeiras

    Smula 285: Nos contratos bancrios posteriores ao Cdigo de Defesa do

    Consumidor incide a multa moratria nele prevista.

    As duas ementa sepultam de vez a suposta discusso quanto existncia

    ou no de relao de consumo nos contratos celebrados com as instituies bancrias e

    financeiras.

    Dizemos suposta, e de forma destacada, pois sempre nos pareceu clara a

    possibilidade de aplicao da Lei n. 8.078/90 ao contratos celebrados entre

    correntistas/destinatrios finais e instituies bancrias e financeiras. Alis, entender ao

    contrrio sepultaria a efetividade prtica do Cdigo de Defesa do Consumidor em nosso

    Pas. Por certo que o grande interesse social relacionado com a norma consumerista v-la

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    aplicada s relaes jurdicas que as pessoas mantm com as instituies bancrias e

    financeiras.

    A possibilidade ou, mais do que isso, a necessidade de aplicao do

    Cdigo de Defesa do Consumidor fica clara pelo que consta do art. 3, 2, da Lei n.

    8.078/90, pelo qual servio qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,

    mediante remunerao, inclusive as de natureza bancria, financeira, de crdito e

    securitria, salvo as decorrentes das relaes de carter trabalhista (destacamos). Norma

    mais clara no h!

    De qualquer forma, os bancos, por meio da Confederao Nacional do

    Sistema Financeiro (Consif) propuseram uma ao declaratria de inconstitucionalidadedesse comando consumerista, que recebe o nmero 2.591/2003. Nessa ao pretendem que

    o CDC no seja aplicado s relaes bancrias. Com todo o respeito em relao s razes

    que constam da referida ao, com ela no concordamos em hiptese alguma.

    A referida ADIN, para ns, totalmente destoada da principiologia

    adotada pela Constituio Federal de 1988 que protege os consumidores de forma expressa

    (art. 5, XXXII e art. 170, V). A no aplicao do CDC aos bancos viola a prpria

    dignidade humana e a solidariedade social, particularmente a tendncia de personalizaodo Direito Privado. Essa no incidncia entra em conflito tambm com a funo social dos

    contratos e a boa-f objetiva, regramentos sociais indeclinveis que corporificam uma nova

    realidade contratual.

    Esperamos, portanto, que a ADIN n. 2.591/2001 no obtenha xito. Na

    verdade, entendemos que a mesma est prejudicada pela entrada em vigor no novo Cdigo

    Civil, que confirma a tendncia de proteo dos mais fracos, dos mais frgeis. 19

    19 Concordamos integralmente com a notas do advogado e professor Paulo R. Roque A Khouri em relao referida ADIN: Ora, da forma como a questo colocada na ADIn n 2.591, o consumidor jamais poderiavaler-se das normas protetivas do CDC, principalmente, do art. 6, V, para questionar, v. g., juros bancriospactuados em 500% ao ano. Tal entendimento contraria, ao meu sentir, a prpria Constituio Federal queelegeu a defesa do consumidor, no seu art. 5, XXXII, como um direito e garantia fundamental. De mesmaforma, ao lado da prpria funo social da propriedade, da livre concorrncia, a defesa do consumidor princpio da ordem econmica de acordo com o art. 170 da Constituio. Impedir ao consumidor o direito dequestionar a justia da pactuao da clusula de juros implica negar vigncia a um direito e garantiafundamental, como se fosse dada instituio financeira uma carta branca para livremente explorar a sua

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    Com o insucesso da ADIN, continuaro a ter aplicao as referidas

    smulas, com a aplicao do CDC aos contratos bancrios e financeiros, entre os ltimos, o

    caso dos contratos de carto de crdito. De qualquer forma, o que falta ainda

    jurisprudncia brasileira limitar as taxas de juros cobrada por tais instituies, o que novem ocorrendo, diante da vigncia de duas outras smulas de nossos Tribunais Superiores.

    A Smula 596 do STF prev que as instituies bancrias no esto

    sujeitas Lei de Usura (Decreto-lei 22.626/1933), sendo perfeitamente possvel a livre

    conveno de juros, o que vem sendo aplicado pelo STJ. 20 A recente Smula 283 do STJ

    prev o mesmo para as empresas administradoras de carto de crdito. J manifestamos

    nossa discordncia em relao s referidas smulas.21

    Na situao descrita vemos um paradoxo: duas smulas prevem a

    aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor aos contratos bancrios e financeiros; mas

    duas outras trazem a livre conveno dos juros. Em outras palavras: as Smulas 297 e 285

    do STJ tendem a proteger os consumidores; as Smulas 596 do STF e 283 do STJ tentem a

    beneficiar as entidades bancrias e financeiras.22

    propriedade, sem atentar-se para sua funo social. (Direito do Consumidor. So Paulo: Atlas, 2 Edio,2005, p. 64)20 Por todos os julgados, transcrevemos o seguinte: CONTRATO BANCRIO. APLICABILIDADE DOCDC EM TESE. CASO CONCRETO EM QUE NO INCIDE. ABUSIVIDADE INDEMONSTRADA.APLICAO DO ENUNCIADO N. 596 DA SMULA STF. COMISSO DE PERMANNCIA TAXAMDIA DE MERCADO. LEGALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO. I - A norma protetivado consumidor, mais nova e especfica, regula situaes apenas genericamente subordinadas regra ampla doSistema Financeiro Nacional. No sendo caso de aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor, ou no sendodemonstrada abusividade, aplica-se a jurisprudncia tradicional sobre o tema, refletida no enunciado n. 596 dasmula do Supremo Tribunal Federal. II - Consoante se tem proclamado, a comisso de permanncia "aferida pelo Banco Central do Brasil com base na taxa mdia de juros praticada no mercado pelas instituiesfinanceiras e bancrias que atuam no Brasil, ou seja, ela reflete a realidade desse mercado de acordo com o seuconjunto, e no isoladamente, pelo que no o banco mutuante que a impe" (Superior Tribunal de Justia,ACRDO: RESP 374356/RS (200101533375), 485166 RECURSO ESPECIAL, DATA DA DECISO:12/03/2003, ORGO JULGADOR: - SEGUNDA SEO, RELATOR: MINISTRO ANTNIO DE PDUARIBEIRO, RELATOR ACRDO: MINISTRO SLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, FONTE: DJ

    DATA: 19/05/2003 PG: 00120, VEJA: JUROS ALM DO LIMITE DA LEI DE USURA) STJ - RESP214003-SC, RESP 221942-RS, RESP 235380-MG, RESP 196253-RS).21 Tartuce, Flvio. A Funo Social dos Contratos, ob. cit., p. 291.22 No podemos concordar com julgados como o seguinte, em que fica clara a mencionada contradio:CONTRATO - Carto de crdito - Reconhecida a ocorrncia de abusividade na conduta da administradora aoauferir lucro no repasse do financiamento - Declarada a nulidade da clusula, por ser potestativa, nos termos dalei civil e do Cdigo de Defesa do Consumidor (artigo 51, IV, X e XII) - Determinado o reclculo do saldo,com aplicao da taxa mensal de juros, mais os encargos pertinentes a serem comprovados, alm da multamoratria (2%), afastando-se a verba relativa a honorrios advocatcios decorrentes da cobrana administrativa

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    Se isso ocorre quanto aos juros convencionais, infelizmente; o mesmo no

    se pode dizer quanto multa moratria, felizmente. Isso porque a clusula penal limitada

    em dois por cento (2%) sobre o valor da dvida tanto nos casos de contratos bancrios

    quantos nos contratos financeiros - repita-se, o caso do contrato de carto de crdito.

    A Smula 285 do STJ prev essa limitao de forma expressa para os

    contratos celebrados na vigncia do CDC. No faz o mesmo, de forma expressa, a Smula

    297, mas isso decorrncia lgica do seu teor, j que a referida multa consta da prpria lei

    consumerista. Para ilustrar, reportamo-nos ementa transcrita na ltima nota de rodap.

    Mais uma vez, manifestamos nosso contentamento em relao s duas

    ltimas smulas, adaptadas nova Teoria Geral dos Contratos e aos novos paradigmascontratuais. Lembramos que as smulas apenas consubstanciam o que a doutrina

    consumerista especializada sempre defendeu em relao aos contratos bancrios e

    financeiros. As ementas vieram em boa hora, para que no pairem mais dvidas em relao

    ao seu contedo.

    5. A SMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA: A POSSIBILIDADE

    DE REVISO DE CONTRATOS OBJETO DE NOVAO.

    Como se sabe, a novao (arts. 360 a 367 do novo Cdigo Civil) pode ser

    conceituada como uma forma de pagamento indireto em que ocorre a

    substituio de uma obrigao anterior por uma obrigao nova, diversa da

    primeira criada pela partes. Seu principal efeito a extino da dvida

    primitiva, com todos os acessrios e garantias, sempre que no houver

    estipulao em contrrio (art. 364 do novo Cdigo Civil). Alis, havendo a

    referida previso em contrrio, autorizada pela prpria lei, haver novao

    parcial. Podem as partes convencionar o que ser extinto, desde que isso nocontrarie a ordem pblica, a funo social dos contratos e a boa-f objetiva.

    - Inaplicabilidade, porm, do limite de juros de 12% ao ano, por depender o artigo 192, 3, da ConstituioFederal de regulamentao por lei complementar - Ao parcialmente procedente - Recurso provido em parte -Voto vencido (Primeiro Tribunal de Alada Civil de So Paulo, PROCESSO: 1142957-7, RECURSO:Apelao, ORIGEM: So Paulo, JULGADOR: 3 Cmara de Frias de Julho de 2003, JULGAMENTO:03/08/2004, RELATOR: Maia da Rocha)

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    A novao no produz, como ocorre no pagamento direto, a satisfao

    imediata do crdito. Por envolver mais de um ato volitivo, constituiu para ns

    negcio jurdico e forma de pagamento indireto.

    So elementos essenciais da novao a existncia de uma obrigao anterior

    (obrigao antiga) e de uma nova obrigao, ambas vlidas e lcitas, bem

    como a inteno de novar (animus novandi). Prev o art. 361 do novo Cdigo

    Civil que o nimo de novar pode ser expresso ou mesmo tcito, mas sempre

    inequvoco. No havendo tal elemento imaterial ou subjetivo, a segunda

    obrigao simplesmente confirma a primeira.

    Tanto a doutrina quanto a jurisprudncia sempre apontaram que a novaoliqidava totalmente a obrigao anterior, que no poderia ser restabelecida.23 Esse seria, na

    verdade, o principal efeito da novatio, que a diferenciava de institutos jurdicos como sub-

    rogao e a dao em pagamento.

    Pois bem, o Superior Tribunal de Justia tem analisado ultimamente a

    novao com vistas ao princpio da funo social dos contratos e das obrigaes,

    revolucionando a prpria concepo do instituto. Isso pode ser evidenciado pelo teor da

    recente Smula 286 daquele Tribunal, que tem a seguinte redao: A renegociao decontrato bancrio ou a confisso da dvida no impede a possibilidade de discusso sobre

    eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.

    Ora, a socialidade salta aos olhos, uma vez que se quebra com aquela

    tradicional regra pela qual ocorrida a novao no mais possvel discutir a obrigao

    anterior. Sendo flagrante o abuso de direito cometido pela parte negocial e estando presente

    a onerosidade excessiva por cobrana de juros abusivos nas obrigaes anteriores, ser

    23 Sobre esse efeito da novao, vale conferir: A novao corresponde a meio liberatrio singular, a modoespecial de extinguir-se a obrigao. Chega-se a compar-la a um pagamento fictcio. Define-se como aconverso de uma dvida em outra para extinguir a primeira. a substituio de uma dvida por outra,eliminando-se a precedente. Desaparece a primeira e, em seu lugar, surge nova. sse o seu contedo essencial,alis, duplo: um extintivo, referente obrigao antiga; outro gerador, relativo obrigao nova. No existe,

    pois, to-smente, uma transformao; o fenmeno mais complexo, abrangendo a criao de nova obrigao,que subsistiu antiga (Barros Monteiro, Washington de. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigaes. 1Parte. So Paulo: Saraiva, 8 Edio, 1972, p. 324)

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    possvel a discusso judicial dos contratos novados. Visando esclarecer, transcrevemos uma

    das ementas de julgado que gerou a edio do entendimento sumular no ano de 2004, em que

    se faz meno expressa ao instituto da novao:

    NEGCIOS BANCRIOS. REVISO. Na ao revisional de negcios bancrios,

    pode-se discutir a respeito de contratoscontratos anteriores, que tenham sido objeto de

    novao. Recurso especial no conhecido (STJ, RESP 332832 / RS ; RECURSO

    ESPECIAL, 2001/0086405-2. Relator: Ministro Asfor Rocha, Segunda seo de

    Direito Privado, Data do Julgamento: 28/05/2003. Data da Publicao e Fonte:

    DJ 23/02/20003).

    No s concordamos com a smula e o julgado acima transcrito comoentendemos que nasce um novo entendimento jurisprudencial quanto matria, quebrando

    velhos paradigmas, em prol dos princpios doDireito Civil Constitucional, particularmente o

    da construo de uma sociedade livre, justa e solidria (art. 3, I, da CF/88).

    O objetivo da smula nica: evitar o enriquecimento sem causa, o

    locupletamento sem razo, a leso subjetiva e a desproporo negocial. Recordamos que

    muitas vezes as negociaes contratuais so impostas por um das partes, em posio

    privilegiada. A Smula n. 286 do STJ representa uma total quebra de paradigma, assimcomo as demais ementas nesse breve estudo comentadas.

    6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.

    FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurdico do patrimnio mnimo. Rio de Janeiro: Renovar,

    2001.

    FERRI, Luigi. La autonomia privada. Traduo e notas em espanhol por Luis Sancho

    Mendizibal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969.

    KHOURI, Paulo R. Roque A.Direito do consumidor. 2. ed. So Paulo: Atlas, 2005.

    MARQUES, Cludia Lima. Comentrios ao Cdigo de Defesa do Consumidor. Introduo.

    So Paulo: RT, 2004.

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    MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das obrigaes. 1 Parte.

    8. ed. So Paulo: Saraiva, 1972.

    ROSENVALD, Nelson.Dignidade humana e boa-f. So Paulo: Saraiva, 2005.

    TARTUCE, Flvio.A funo social dos contratos. Do Cdigo de Defesa do Consumidor ao

    novo Cdigo Civil. So Paulo: Mtodo, 2005.

    TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

    VIANA, Marco Aurlio S. Comentrios ao novo Cdigo Civil. In: TEIXEIRA, Slvio de

    Figueiredo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. XVI.